Sindrome de Kinsbourn

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150 PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2007;29(2):150-153 Resumo Objetivo: descrever um caso da síndrome de Opsoclonia-mioclonia-ataxia. Relato do caso: uma menina de 2 anos de idade passou a apre- sentar, há 1 ano, distúrbio da marcha, cefaléia e dificuldade visual. Ao exame físico tinha movi- mentos oculares rápidos (opsoclonia) acompa- nhados de movimentos cefálicos compensató- rios. Foi feito o diagnóstico de síndrome de Opsoclonia-mioclonia-ataxia, e a investigação para a presença de neuroblastoma resultou nega- tiva. Conclusão: a síndrome de Opsoclonus-mio- clonus-ataxia deve ser reconhecida pelos pedia- tras pela necessidade de tratamento específico e risco de ocorrência do neuroblastoma. Descritores: Mioclonia. Transtornos da Motilida- de Ocular. Ataxia Cerebelar. Criança Abstract Objective: to report a case of opsoclonus-myo- clonus-ataxia syndrome. Case report: a two years old girl was taken to hospital with a complaint of gait difficulty, headache and visual impairment las- ting one year. At physical exam fast eyes movement (opsoclonus) along with compensatory head move- ment (myoclonus) were featured. Opsoclonus-myo- clonus-ataxia syndrome was diagnosed, and neuro- blastoma was not disclosed at further work-up. Conclusion: the Opsoclonus-myoclonus-ataxia syndrome should be diagnosed by the pediatrician as the treatment is specific and also there’s a risk for neuroblastoma occurrence. Keywords: Myoclonus. Ocular Motility Disorders. Cerebellar Ataxia. Child Resumen Objetivo: describir un caso de la Síndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia. Relato del caso: una niña de 2 años y 9 meses de edad fue conducida al hospital con historia de que hace 1 año, comenzó a presentar disturbio para andar, cefalea y dificultad visual. Al examen físico tenia movimientos oculares rápidos (opsoclonia) acompañados de movimientos cefálicos compensatorios. Se hizo el diagnóstico de Síndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia y una investigación para presencia de neuroblastoma, que resultó negativa. Conclusión: el síndrome de Opso- clonus-mioclonus-ataxia debe ser reconocida pelos pediatras tanto por la necesidad de tratamiento es- pecífico como por el riesgo del neuroblastoma. Palabras clave: Mioclonía. Trastornos de la motili- dad. Ataxia Cerebelosa Ocular. Nino Introdução A síndrome de Kinsbourne, atualmente co- nhecida por Síndrome de Opsoclonus-mioclo- nus-ataxia, é uma doença rara na infância que se manifesta por movimentos oculares rápidos, irre- gulares, horizontais e verticais (opsoclonus), RELATOS DE CASOS Síndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia: relato de caso Opsoclonus-myoclonus-ataxia syndrome: case report Síndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia: relato de caso Rosana Alves 1 , Rodrigo Lovatelli 2 Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da USP (HU-USP) 1 Doutor em Neurologia. Neuropediatra do HU-USP 2 Médico-assistente da Divisão de Clínica Pediátrica do HU-USP

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PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2007;29(2):150-153

Resumo

Objetivo: descrever um caso da síndrome deOpsoclonia-mioclonia-ataxia. Relato do caso:uma menina de 2 anos de idade passou a apre-sentar, há 1 ano, distúrbio da marcha, cefaléia edificuldade visual. Ao exame físico tinha movi-mentos oculares rápidos (opsoclonia) acompa-nhados de movimentos cefálicos compensató-rios. Foi feito o diagnóstico de síndrome deOpsoclonia-mioclonia-ataxia, e a investigaçãopara a presença de neuroblastoma resultou nega-tiva. Conclusão: a síndrome de Opsoclonus-mio-clonus-ataxia deve ser reconhecida pelos pedia-tras pela necessidade de tratamento específico erisco de ocorrência do neuroblastoma.

Descritores: Mioclonia. Transtornos da Motilida-de Ocular. Ataxia Cerebelar. Criança

Abstract

Objective: to report a case of opsoclonus-myo-clonus-ataxia syndrome. Case report: a two yearsold girl was taken to hospital with a complaint ofgait difficulty, headache and visual impairment las-ting one year. At physical exam fast eyes movement(opsoclonus) along with compensatory head move-ment (myoclonus) were featured. Opsoclonus-myo-clonus-ataxia syndrome was diagnosed, and neuro-blastoma was not disclosed at further work-up.Conclusion: the Opsoclonus-myoclonus-ataxiasyndrome should be diagnosed by the pediatrician

as the treatment is specific and also there’s a risk forneuroblastoma occurrence.

Keywords: Myoclonus. Ocular Motility Disorders.Cerebellar Ataxia. Child

Resumen

Objetivo: describir un caso de la Síndrome deOpsoclonus-mioclonus-ataxia. Relato del caso: unaniña de 2 años y 9 meses de edad fue conducida alhospital con historia de que hace 1 año, comenzó apresentar disturbio para andar, cefalea y dificultadvisual. Al examen físico tenia movimientos ocularesrápidos (opsoclonia) acompañados de movimientoscefálicos compensatorios. Se hizo el diagnóstico deSíndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia y unainvestigación para presencia de neuroblastoma, queresultó negativa. Conclusión: el síndrome de Opso-clonus-mioclonus-ataxia debe ser reconocida pelospediatras tanto por la necesidad de tratamiento es-pecífico como por el riesgo del neuroblastoma.

Palabras clave: Mioclonía. Trastornos de la motili-dad. Ataxia Cerebelosa Ocular. Nino

Introdução

A síndrome de Kinsbourne, atualmente co-nhecida por Síndrome de Opsoclonus-mioclo-nus-ataxia, é uma doença rara na infância que semanifesta por movimentos oculares rápidos, irre-gulares, horizontais e verticais (opsoclonus),

n RELATOS DE CASOS

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Opsoclonus-myoclonus-ataxia syndrome: case reportSíndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia: relato de casoRosana Alves1, Rodrigo Lovatelli2

Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da USP (HU-USP)1 Doutor em Neurologia. Neuropediatra do HU-USP2 Médico-assistente da Divisão de Clínica Pediátrica do HU-USP

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mioclonias, irritabilidade e ataxia cerebelar. O quadro manifesta-se entre 6 e 36 meses, sempredomínio de sexo, em crianças previamente hí-gidas1-3. Pode ser considerada uma síndrome para-neoplástica pela associação com neuroblastomas,ganglioneuromas e raramente hepatoblastomas. Ataxa de associação com neuroblastoma não é to-talmente conhecida, mas existem descrições deaté 50% dos casos2.

O objetivo do relato deste caso é descrever aopediatra as manifestações neurológicas, possibi-litando o diagnóstico, e destacar a possível asso-ciação com o neuroblastoma.

Relato de Caso

Uma criança de 2 anos e 9 meses do sexo fe-minino, procedente do Piauí, procurou o Hospi-tal Universitário da USP com queixa de dificulda-de de deambulação há cerca de 1 ano, associada acefaléia holocraniana e dificuldade visual há 1mês. Uma familiar referiu que ao início da mar-cha, a criança esbarrava e sofria quedas freqüen-tes, o que não foi observado enquanto esta ape-nas engatinhava. A cefaléia não apresentavafatores desencadeantes nem fatores de piora evi-dentes, melhorava com o uso de analgésicos sim-ples, não interferia no sono e tampouco nas ativi-dades diárias da criança. Na mesma época, foinotado que seus olhos e cabeça balançavam mui-to. Não houve progressão, melhora ou piora doquadro desde o seu surgimento. Não foi relatadoemagrecimento, febre, tosse, diarréia, vômitos,episódios convulsivos ou qualquer outro sintomaadicional. No interrogatório também foram nega-das doenças de base, internações prévias, usoprévio de medicações ou alergia. A criança é filhade gestação única de pais hígidos não consangüí-neos, parto fórcipe, a termo sem intercorrências ecom antecedente de DNPM normal.

Ao exame físico a paciente apresentava-se irri-tada, com opsoclonia (movimentação ocular de-sordenada), e com movimento cefálico repetitivocompensatório à opsoclonia e com ataxia axial(desequilíbrio estático). A avaliação oftalmológi-ca confirmou opsoclonia importante, sem altera-ções de refração e fundo de olho normal. O res-tante do exame físico e neurológico foi normal.

Foi feito o diagnóstico de síndrome de Opso-clonia-mioclonia-ataxia e iniciada pesquisa paraneuroblastoma. Foram realizados exames subsi-diários gerais: hemograma completo, urina I, ECG

e EEG. Foram realizados exames de imagem paraidentificação de neuroblastoma: cintilografia cor-pórea com metaiodobenzilguanidina (MIBG)marcada com iodo (a distribuição homogênea dofármaco reduziu a possibilidade de tumoração delinhagem neuroctodérmica); a radiografia de tó-rax postero-anterior e em perfil, sem imagens su-gestivas de tumor; a ultrassonografia de abdome,que não revelou a presença de massas ou viscero-megalias; e também a tomografia computadoriza-da de crânio, que estava normal. A sorologia paraenterovírus foi negativa. A quantificação do ácidovanilmandélico na urina de 24 horas, negativa,avaliou os metabolitos de catecolaminas.

A paciente manteve-se bem durante toda a in-ternação, sem novos episódios de cefaléia, cons-ciente, orientada e comunicativa, porém manten-do o Opsoclonus e a ataxia. Foi iniciadotratamento com clonazepam 0,4 mg/dose/dia por14 dias e prednisona 2 mg/kg/dia, por 7 dias. Acriança não apresentou nenhuma melhora noquadro. Foi iniciado então um segundo curso decorticoterapia por 14 dias, durante o qual teve iní-cio a melhora da opsoclonia e a remissão da ata-xia. A criança está em seguimento há dois anos noambulatório de pediatria geral e neuropediatria,com reavaliações periódicas dos exames para de-tecção de neuroblastoma.

Discussão

A sídrome de Kinsbourne, atualmente conhe-cida por síndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxia (SOMA), foi primeiramente descrita em1959 por Kaplan e sistematizada em 1962 porKinsbourne1. É uma doença neurológica rara,que afeta crianças previamente hígidas, princi-palmente na faixa dos 6 aos 36 meses, sem pre-domínio de sexo1,3. Caracteriza-se por movimen-tos oculares rápidos, irregulares, horizontais everticais (opsoclonia), mioclonias que podemafetar tronco, extremidades ou músculos faciais,e ataxia cerebelar com hipotonia1,2. As mioclo-nias apresentam piora com movimentos voluntá-rios e desaparecem durante o sono, enquantoque a ataxia cerebelar tende a ser um sintomaconstante1. A criança está sempre irritadiça pelodesconforto. O quadro pode ser precedido pordiferentes infecções virais, pelo Epstein-Barr ví-rus, vírus da encefalite de St. Louis, CoxsackieB3, vírus vacinais (imunizações) e na meningiteasséptica1,2. É também considerada uma síndro-

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me paraneoplástica pela associação com neuro-blastomas, ganglioneuromas e raramente hepa-toblastomas, o que requer investigação reiteradaassim que estabelecido o diagnóstico2.

A taxa de associação com neuroblastoma ain-da não é totalmente conhecida, mas existem des-crições de até 50% dos casos1. A SOMA ocorreem 2% a 3% dos casos de neuroblastoma, haven-do remissão da sintomatologia da síndrome apósa retirada da neoplasia4.

A investigação do neuroblastoma pode ser fei-ta com tomografia computadorizada (TC), resso-nância magnética, dosagem de catecolaminas naurina e cintilografia com iodo-131 metoiodoben-zilguanidina (MIBG), este último tem elevadasensibilidade e especificidade, o que permite adetecção de lesões neoplásicas pequenas, às vezesnão observáveis por métodos de imagem5-10.

O tratamento com imunossupressores é co-mumente utilizado nos pacientes com SOMA,qualquer que seja a etiologia, e tem por objetivoreduzir a formação de autoanticorpos, possivel-mente envolvidos na fisiopatogenia2,5. São em-pregados corticosteróides na maioria das vezes, eeventualmente o ACTH e a imunoglobulina en-dovenosa, na tentativa de reduzir a resposta lin-focitária, fagocítica e a produção de interleuci-nas2. O tratamento com imunossupressores temse mostrado eficaz na maioria dos casos.

Um estudo com rituximab, um anticorpo mo-noclonal dirigido contra as células B, mostrou im-portante melhora clínica em uma criança com al-teração neurológica, mesmo após tratamentoadequado com imunoglobulinas e corticoesterói-des9. O rituximab foi administrado uma vez porsemana, por quatro semanas consecutivas, namesma dosagem do tratamento de linfomas9. De-vido aos possíveis efeitos de hipersensibilidade,optou-se pelo pré-tratamento com acetaminofenoe difenidramina, antes da infusão9. A melhora clí-nica teve início uma semana após a primeira infu-são e após um mês a paciente encontrava-se semalterações neurológicas, efeito que se manteve por9 meses após a infusão. Uma explicação para esteresultado favorável foi a redução dos linfócitos B,marcadores da atividade da doença, no líquor9. Háestudos que utilizaram a plasmaferese concomi-tantemente ao corticosteróide oral, para casos re-fratários ao tratamento convencional2.

O período de seguimento sob medicação va-ria de acordo com cada paciente, e as seqüelaspsiconeurológicas podem ser pequenas, com dis-

cretos problemas de coordenação, até grandesdificuldades de aprendizado e transtornos deconduta1. Há casos sem nenhum tipo de anoma-lia neuropsicológica. Alguns pacientes com neu-roblastoma e SOMA, associados, podem apresen-tar alterações neurocomportamentais residuais,que tendem à melhora com o decorrer do tem-po11. A atrofia cerebelar é um achado freqüenteda SOMA, mesmo nos casos de melhora clínica,enquanto a resposta imune antineuronal tende àresolução em longo prazo11.

Conclusão

A síndrome de Opsoclonus-mioclonus-ataxiadeve ser reconhecida pelos pediatras pela neces-sidade de tratamento específico e risco de ocor-rência do neuroblastoma.

Referências

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Endereço para correspondência:Dra. Rosana AlvesHospital Universitário da USPAv. Prof. Lineu Prestes, 2565Cidade Universitária – ButantãSão Paulo – SPCep 05509-000E-mail: [email protected]

Enviado para publicação: 10/8/2006Aceito para publicação: 5/2/2007

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