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Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial Ano 6 n Número 47 n Maio de 2016 CIÊNCIA E TECNOLOGIA Pg3 Laboratório de Plasma faz avançar pesquisa em propulsão iônica no INPE CIÊNCIA E TECNOLOGIA Pg4 Por que delegar a uma entidade privada seminário sobre a lei 13.243/16? BRASIL Pg 10 Na Internet, cobrança por franquia de dados só serve aos interesses das “teles” FUSÃO TRANSFORMA MCTI EM “PUXADINHO” DAS COMUNICAÇÕES Vazamentos de conversas telefônicas, que derrubaram os ministros Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silvei- ra (Transparência) em apenas 18 dias, comprovaram que o afastamento da pre- sidente Dilma Rousseff resultou de uma conspiração para impedir que a Operação Lava Jato alcançasse figurões do PMDB e PSDB. O presidente interino Michel Temer fundiu as antigas pastas da Ciên- cia, Tecnologia e Inovação (MCTI) e das Comunicações (MiniCom), criando o “Ministério da Ciência, Tecnologia, Ino- vações e Comunicações”, entregue a Gil- berto Kassab (PSD-SP). Cientistas con- denaram a extinção do MCTI. No país e no exterior, intensificam-se os protestos contra o governo golpista. Páginas 6 e 7 Ondas gravitacionais são “o som do universo”, explica Odylio Aguiar Entrevista com o pesquisador do INPE que colabora com o observatório internacional LIGO. Páginas 8 e 9 * Grampos derrubam ministros e abalam governo interino * Protestos contra Temer crescem dentro e fora do país

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Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial

Ano 6 n Número 47 n Maio de 2016

CiênCia e TeCnologia Pg3Laboratório de Plasma faz avançar pesquisa em propulsão iônica no INPE

CiênCia e TeCnologia Pg4Por que delegar a uma entidade privada seminário sobre a lei 13.243/16?

Brasil Pg 10Na Internet, cobrança por franquia de dados só serve aos interesses das “teles”

FUSÃO TRANSFORMA MCTI EM “PUXADINHO” DAS COMUNICAÇÕES

Vazamentos de conversas telefônicas, que derrubaram os ministros Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silvei-ra (Transparência) em apenas 18 dias, comprovaram que o afastamento da pre-sidente Dilma Rousseff resultou de uma conspiração para impedir que a Operação Lava Jato alcançasse figurões do PMDB e PSDB. O presidente interino Michel Temer fundiu as antigas pastas da Ciên-cia, Tecnologia e Inovação (MCTI) e das Comunicações (MiniCom), criando o “Ministério da Ciência, Tecnologia, Ino-vações e Comunicações”, entregue a Gil-berto Kassab (PSD-SP). Cientistas con-denaram a extinção do MCTI. No país e no exterior, intensificam-se os protestos contra o governo golpista. Páginas 6 e 7

Ondas gravitacionais são “o som do universo”, explica Odylio Aguiar

Entrevista com o pesquisador do INPE que colabora com o observatório internacional LIGO. Páginas 8 e 9

* Grampos derrubam ministros e abalam governo interino* Protestos contra Temer crescem dentro e fora do país

Jornal do SindCT n Maio de 20162

EXPEDIENTE Jornal do SindCT é uma publicação do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial, fundado em 30 de agosto de 1989 • Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da entidade • Sede: Rua Santa Clara, 432, Vila Ady Anna • CEP 12.243-630 (8h30 às 17h30) • São José dos Cam-pos - SP • Tel/fax: (12) 3904-6655 • Responsabilidade editorial: Diretoria do SindCT • Tiragem: 5.000 (2.500 assinantes eletrônicos) • Editor responsável: Pedro Pomar (MTb 14.419-SP) • Reportagem: Antonio Biondi (MTb 17.486-SP) e Shirley Marciano (MTb 47.686-SP) • Diagramação: Sergio Bastos (MTb 585-PA)• http://www.sindct.org.br • [email protected]

ediTorial

Charge do Mês

INPE e C&T sob ataque O SindCT, junto ao

Fórum de C&T, reuniu-se no dia 31 de maio com o ministro em exercício da Ciência, Tecnologia, Ino-vações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, após concluir, em acalorada discussão, sobre a necessi-dade de expor ao ministro a contrariedade dos servido-res dos institutos públicos de pesquisa com a fusão entre o então MCTI e o Mi-nistério das Comunicações (MiniCom). O Fórum de C&T deixou clara sua posi-ção contrária à fusão, posi-ção esta também defendida por diversos cientistas e representantes da academia por meio de suas entidades representativas. Foi proto-colado documento do Fó-rum de C&T expressando repúdio à fusão dos minis-térios. O documento cita como exemplo países que conseguiram vencer mo-mentos de crise investindo efetivamente em C&T, o contrário do que esta fusão representa. São flagrantes as diferenças entre as ati-vidades e missões dos dois ministérios, suas vocações díspares e modos de opera-ção incompatíveis.

Apesar do orçamento da C&T ser muito maior que o das Comunicações, a pauta do (MiniCom), mais direta-mente voltada à prestação de serviços e à economia de mercado, certamente movi-menta mais riquezas e mais interesses imediatos, ten-dendo a eclipsar as ativida-des de C&T. Esta tendência já causa reflexo na estrutu-ra desenhada para o novo ministério: a área de C&T está sendo reduzida a duas secretarias (três, segundo o ministro).

Além disso, o novo ministério terá servidores de diferentes carreiras do funcionalismo, possibili-tando que servidores que desempenham as mesmas atividades venham a re-ceber salários diferentes. Completamente perdido, o ministro afirmou contar com a comunidade para apontar-lhe os caminhos para superar os desafios.

O Fórum de C&T apro-veitou então para lhe expor os problemas que afligem o setor, entre os quais a drás-tica diminuição da força de trabalho nas últimas déca-das, a elevada idade média

dos servidores em exercício e a inexorável rota de extin-ção ora trilhada por todos os institutos públicos de pesquisa, caso não se abram novas vagas para concurso. Nem mesmo a Comissão de CT&I, Comunicações e In-formática do Senado, único órgão onde estas funções encontram-se agrupadas, se conformou com a fusão. O senador Lasier Martins, presidente da comissão, argumentou que a área de C&T tem sido afetada por cortes no orçamento e con-tingenciamento de recursos dos fundos setoriais. Para o senador, será importante

abordar o ministro sobre a insatisfação da classe cien-tífica com a pouca atenção dada ao setor, sentimento reforçado agora com a fu-são dos ministérios.

A questão salarial foi apontada como eterno problema, que clama não apenas por reposição de perdas salariais, mas exige adequação que evite a eva-são de trabalhadores para outras carreiras que pagam melhor e exigem menos, em termos de formação acadêmica. Ao anunciar os reajustes salariais aprova-dos recentemente na Câma-ra dos Deputados, a grande

mídia destacou, sem conhe-cimento de causa ou ten-denciosamente, o enorme peso que os aumentos “aci-ma da inflação” gerariam aos cofres públicos. Não informaram que a esmaga-dora maioria dos reajustes será escalonada e abaixo da perda inflacionária acumu-lada nos últimos anos.

Na audiência com Kas-sab o SindCT também aproveitou para denunciar o processo de escolha do novo diretor do INPE ora em curso. Sem entrar no mérito dos nomes conti-dos na lista tríplice gerada pelo Comitê de Busca pre-sidido por Marco Antonio Raupp, o SindCT chamou a atenção do ministro para o fato daquele Comitê, constituído sem um único representante da comu-nidade inpeana, ter sido constituído sob pressão de setores com fortes interes-ses, inclusive comerciais, junto ao INPE, a começar por Raupp, atualmente à frente de uma entidade privada que administra o Parque Tecnológico de São José dos Campos, e que abriga várias empre-sas que disputam projetos ou prestam serviços ao instituto. Portanto, um Co-mitê de Busca que não ob-servou critérios mínimos de isenção, imparcialidade e conhecimento dos reais problemas e necessidades do INPE. Após a audiên-cia, o SindCT protocolou documento ao ministro em que pede a anulação do atual processo de escolha do diretor e a imediata ins-tauração de novo Comitê de Busca, com a partici-pação de representantes de servidores da instituição.

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Depois que um saté-lite é lançado, ele precisa ter sua ór-

bita corrigida durante todo o tempo de vida, porque ele deve ficar numa altitude pré--definida e numa posição correta para garantir a eficá-cia da missão de cada sub-sistema. Um satélite image-ador, por exemplo, precisa estar com suas câmeras vol-tadas para baixo para image-ar a Terra, os painéis solares precisam ficar numa posição adequada para receber os raios solares e gerar energia.

Por essa razão, é neces-sário um subsistema muito importante para gerar empu-xos, uma espécie de jatos de ar, que farão essas correções. Mas nem todos os satélites utilizam essa tecnologia. Somente os que possuem controle em três eixos (X, Y e Z), como é o caso dos satélites CBERS e Amazô-nia-1. Os Satélites de Coleta de Dados (SCD), por exem-plo, dispõem de um sistema diferente, que se equilibra por giro sob o próprio eixo, semelhante a um pião. Os principais propulsores para gerar esse empuxo são os químicos, à base de hidra-zina, gás frio comprimido, dentre outros. Estes têm um empuxo muito superior, mas necessitam de grande quan-

tidade de propelente (com-bustível) para funcionar, o que afeta diretamente o peso geral do satélite.

“Os propulsores iônicos (elétricos) são usados como sistemas de propulsão se-cundária para controle de atitude de satélites e como sistemas de propulsão pri-mária de sondas espaciais. Eles têm como principal vantagem a redução do con-sumo de propelente — e, por esse motivo, podem es-tender o tempo de vida dos satélites”, explica o pes-quisador Gilberto Marrego Sandonato, coordenador de Tecnologia de Plasma do INPE e reconhecido espe-cialista nesse assunto.

Baixo empuxo

Os propulsores iônicos não são poluentes, explo-sivos ou venenosos, e isso confere maior segurança para manuseios, testes e na própria aplicação e voo. En-tretanto, possuem algumas desvantagens, como o baixo empuxo e a necessidade de utilizar painéis fotovoltaicos (solares) de alta capacidade de fornecimento de energia. “O baixo empuxo faz com que ele demore mais para consertar o objeto em órbi-ta, mas consegue cumprir a

mesma missão de um pro-pulsor químico”, esclarece Sandonato.

Os dois modelos tecno-lógicos — o iônico e o quí-mico — são considerados sensíveis. Ou seja: sua aqui-sição sofre restrições por parte dos Estados Unidos e de outros países centrais. O que demonstra o alto nível e a relevância das pesquisas desenvolvidas no instituto, no quesito soberania e au-tossuficiência.

O INPE desenvolve di-versas pesquisas nesta área: propulsão iônica, implanta-ção iônica (capaz de mudar a propriedade de substratos metálicos), detecção de par-tículas (Elisa), geração de microondas, fusão termonu-clear controlada. Todas são desenvolvidas e testadas no Laboratório Associado de Plasma (LAP). Como os de-mais do INPE, este laborató-rio visa atender a demandas específicas do Programa Es-pacial Brasileiro e de outros programas estratégicos.

Problemas

Os testes dos propulso-res iônicos são realizados dentro de câmaras de vácuo para simular as condições a que serão submetidos quan-do estiverem no espaço. Já

existem modelos de enge-nharia qualificados, mas o último passo será testá-los em voo.

“Hoje o LAP está bem equipado e funcionando. Mas temos dificuldade para aquisição de materiais e serviços, que é um proble-ma comum a todo o Ins-tituto. A burocracia da lei 8.666 e a falta de pessoal da área de contratação e ad-ministrativa fazem com que sejam perdidos os prazos de solicitação, mesmo ha-vendo orçamento aprovado no PPA [Plano Plurianual] e na LOA [Lei Orçamentá-ria Anual]”, diz Sandonato, que é graduado e mestre em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) na área de Plasma.

No INPE desde 1984, Sandonato ressalta ainda que a não implementação de um programa espacial de longa duração é outro gargalo, porém o mais gra-ve é a falta de reposição de pesquisadores e de técni-cos. “Acredito que não há mais saída. Vamos perder todo o conhecimento, por-que, mesmo se contratasse um pessoal novo hoje, não daria tempo de transferir o que foi aprendido ao longo de décadas no INPE”, ava-lia o pesquisador.

Que é plasma?

É nos primeiros anos de escola que os professores apresentam os diferentes estados físicos da maté-ria: sólido, líquido, gasoso.

Porém, mais adiante, para quem decide aprofundar-se no assunto, surge o quarto estado: o plasma, um gás ionizado, o qual se carac-teriza por haver energia em seus átomos. O plasma é encontrado na natureza, no Sol por exemplo, mas tam-bém pode ser produzido em laboratório.

Para entender o que vem a ser um plasma é necessá-rio conhecer alguns com-portamentos do átomo, que é formado por prótons, nêu-trons e elétrons. Parte-se do princípio de que todo átomo tende a ficar neutro (não io-nizado). Ou seja, ele sem-pre busca o equilíbrio em quantidade de prótons (car-ga positiva) e de elétrons (carga negativa), o que tor-na o átomo neutro (estabi-lizado). Porém, condições ambientais — naturais ou criadas artificialmente — causam a perda ou o ganho de elétrons, provocando de-sequilíbrio que torna o áto-mo ionizado.

O aquecimento é um fator determinante para se obter um plasma. Quando em estado sólido, os átomos se encontram agrupados. O aumento gradual da tem-peratura passa os átomos para o estado líquido e, na sequência, para o gasoso, momento no qual se mani-festam por meio de movi-mentos. Elevando-se ainda mais a temperatura, o gás ioniza-se, podendo tornar--se um plasma quando um determinado grau de ioni-zação for atingido e quando for observado um estado de eletroneutralidade.

No INPE, Laboratório de Plasma desenvolve propulsão iônica e outras tecnologias de pontaLAP está bem equipado, mas a não reposição de pessoal compromete todoo conhecimento acumulado em décadas, diz pesquisador Gilberto Sandonato, coordenador de Tecnologia dePlasma do instituto

“PROPULSORES ELÉTRICOS PODEM ESTENDER O TEMPO DE VIDA DOS SATÉLITES”

CiênCia & TeCnologia

Shirley Marciano

Shirley Marciano

Sandonato ao lado da câmara de vácuo do LAP

Jornal do SindCT n Maio de 20164

O Instituto Nacio-nal de Pesquisas Espaciais (INPE)

sediou no dia 14 de abril um seminário sobre as al-terações na Lei de Inova-ção (lei 10.973/2004), em particular aquelas advindas da entrada em vigor da lei 13.243/2016, batizada de “Novo Marco Legal da C&T”. Promovido pelo próprio INPE, em parceria com o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) Man-tiqueira, órgão ligado ao extinto Ministério da Ciên-cia, Tecnologia e Inovação (MCTI), o seminário con-tou com a presença de mais de 150 servidores e foi mi-nistrado pela LES Brasil.

O objetivo dessa asso-ciação, segundo o próprio site da entidade, é promover “a cultura do licenciamento no território brasileiro, a formação de executivos e profissionais qualificados para facilitar a transferência de tecnologia, a formação de parcerias tecnológicas e a exploração dos direitos de propriedade intelectual” (www.lesbrasil.org.br).

Seus associados, diz ainda o site, poderão “usu-fruir dos canais de contato

estabelecidos entre os di-versos associados da LES Internacional para facilitar as possíveis transações em-presariais decorrentes da exploração de direitos de propriedade intelectual”. A LES Internacional, ou Li-censing Executives Society International, é uma rede de entidades presente em di-versos países e sediada em Washington (EUA).

Já de início o leitor deve estar se perguntando: “Por que uma associação priva-da de origem estrangeira, empenhada em ‘facilitar transações empresariais de-correntes da exploração de direitos de propriedade in-telectual’, estaria ministran-do um seminário para quase duas centenas de servidores de um instituto público de pesquisa ligado à Adminis-tração Direta do Estado?”.

Uma das respostas está nas possibilidades abertas pelo chamado Novo Marco Legal da C&T, cuja diretriz básica, em síntese, consiste na subordinação do público ao privado (nisso incluídos capitais do exterior) na área da ciência e tecnologia. Ou-tra resposta reside na falta de visão crítica dos gestores do INPE, que permitem a uma entidade empresarial fazer proselitismo de me-didas que poderão resultar na apropriação privada do patrimônio material e inte-lectual do próprio INPE!

Aliás, decorridos os primeiros 30 minutos, as palavras-chave mais cita-das pelos palestrantes fo-ram “agente econômico”, “propriedade intelectual”, “incentivos fiscais”, “mer-cado”, “livre concorrência”, “lucro”, “ambiente produti-vo”, “direito de patente”, e (é claro) “inovação”, vocá-bulo em princípio tão ino-

cente, unânime e moderno.O evento teve início jus-

tamente com a explicação do que vem a significar o termo inovação. De acor-do com a LES Brasil, não se pode confundir invenção com inovação, pois en-quanto aquela significaria a primeira ocorrência de uma ideia (que pode vir a ser colocada em prática ou não), a segunda designaria a invenção que venha a se transformar em produto uti-lizável na sociedade ou na indústria, implicando sua comercialização ou uso.

Aversão ao risco

A Constituição Federal (CF) garante o direito à pa-tente de produtos ao deter-minar que “a lei assegurará aos autores de inventos in-dustriais privilégio tempo-rário para sua utilização” (artigo 5º, XXIX). Aconte-ce que, ao menos no Bra-sil, o simples “privilégio temporário” tem se mos-trado insuficiente para que o país atinja resultados na área de inovação. Na con-cepção dos organizadores do seminário, o ser humano

seria avesso ao risco, já que a incerteza do resultado de-sestimula o investimento. J u s t a m e n t e para se contor-nar esta “aver-são ao risco” por parte dos agentes pri-vados é que o Estado deveria assumir seu papel de “so-cializar riscos e custos”.

Assim, a socialização de custos e riscos

— por meio de incentivos fis-cais, subvenções econômicas, compras públicas — signifi-caria, em última análise, uma forma de o Estado interferir na economia e no desenvolvi-mento tecnológico, com vis-tas a alcançar o interesse so-cial e o desenvolvimento do País. Essa “tese” levou o go-verno Dilma Rousseff, com o apoio do Congresso Nacional e de setores da comunidade científica e empresarial, a im-plementar a Emenda Consti-tucional 85/2015 e editar a lei 13.243/2016, cuja finalida-de é estreitar ao máximo a relação entre, de um lado, empresas e entidades priva-das; e de outro lado os ins-titutos públicos de pesquisa e as universidades públicas, agora denominadas Institui-ções Científicas e Tecnoló-gicas (ICTs).

A partir deste novo ar-cabouço legal, o Estado (ou seja: União, Estados e Mu-nicípios) passa a estimular a formação e o fortalecimen-to da inovação nas empre-sas, bem como nos demais entes, públicos ou privados (CF, artigo 219, parágrafo único). O Estado poderá

firmar instrumentos de coo-peração com entidades pri-vadas, inclusive para com-partilhar recursos humanos especializados e capacidade instalada, com vistas à exe-cução de projetos de pes-quisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante con-trapartida financeira ou até mesmo não financeira (!) assumida pelo ente benefi-ciário (CF, artigo 219-A).

Graças a este novo “guarda-chuva constitucio-nal”, a lei 13.243/2016 criou um conjunto de medidas que flexibilizam ao máximo a relação das ICTs públicas com os entes privados: per-mitem, por exemplo, que aquelas compartilhem, me-diante contrapartida finan-ceira ou não financeira, seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações com ICT ou empresas privadas. Além disso, as ICTs públi-cas poderão prestar serviços a instituições privadas por meio das fundações ditas “de apoio”, contratar pro-dutos e serviços sem lici-tação, contratar pessoal via fundações de apoio, ceder seus servidores à iniciativa privada, abrir mão de direi-tos de patente em favor de empresas privadas etc.

Ao final do seminário restou o sentimento de que pela primeira vez — de forma totalmente despudo-rada e com maciço apoio do Executivo, Legislativo, gestores de órgãos públicos e iniciativa privada — cria-ram-se os meios legais para que o Estado se volte prio-ritariamente a satisfazer os interesses privados, na sua constante busca por lucros, em total detrimento do setor público e dos interesses do conjunto da sociedade.

CiênCia & TeCnologia

Seminário avalia lei 13.243/16 sob viés privatista de patentes e lucros

PROSELITISMO DESTINADO A “FACILITAR TRANSAÇÕES EMPRESARIAIS”?

Mais de 150 servidores do INPE compareceram ao evento montado pela LES Brasil, cujo objetivo é promover “a cultura do licenciamento no território brasileiro”, bem como a “exploração dosdireitos de propriedade intelectual”

Gino Genaro

Marc Chagall, “I and the Village”, 1911

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Nos últimos quatro anos, as atividades--fim do Instituto

Nacional de Pesquisas Es-paciais (INPE) caminharam relativamente bem, mesmo com a redução dos recursos disponíveis para o Progra-ma Espacial Brasileiro. Este período, durante o qual o instituto foi dirigido por Le-onel Perondi, foi marcado por dificuldades jurídicas, falta de recursos humanos e financeiros, interrupções em contratos, mas igual-mente por avanços impor-tantes nas atividades-fim do instituto, como o bem suce-dido lançamento do satélite CBERS-4 e a participação de pesquisadores do INPE em atividades científicas in-ternacionais, como o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática-IPCC e a Rede LIGO de observação de ondas gravitacionais.

Em 2012, surgiu a polêmica dos pequenos componentes de energia, os chamados converso-res DC/DC. Eles foram comprados pelo INPE da empresa norte-americana Modular Device Incorpo-ration (MDI), em 2009, para serem usados nos satélites sino-brasileiros CBERS-3 e 4. Após testes ambientais, na fase final de preparação do CBERS-3, os DC/DC passaram a apresentar problemas.

Que fazer? De um lado, a Agência Espacial Brasilei-ra (AEB) e o então Ministé-rio da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) preten-diam que os componentes fossem substituídos por ou-tros do mesmo lote, de for-ma a não atrasar em dema-sia o cronograma original de lançamento do satélite. De outro lado, os técnicos do INPE envolvidos na fabricação do satélite, e a própria direção do instituto, adotaram posição mais cau-telosa, buscando uma solu-ção confiável para o uso dos DC/DC que apresentaram falhas, por meio da remoção desses componentes dos equipamentos tidos como mais críticos para o satélite, e consequente substituição por outro tipo de compo-nente, mais seguro.

Improvável

A atitude prudente da equipe gerou maior atraso no lançamento do satéli-te, mas ofereceu o nível de confiança recomenda-do. Em dezembro de 2013 o CBERS-3 estava pronto para ser finalmente lança-do da base de Tayuan, na China. Porém, o imprová-vel aconteceu: o foguete chinês Longa Marcha 4B falhou — e o satélite foi perdido por causa de sua reentrada na atmosfera. Mereceu destaque nas edi-ções do Jornal do SindCT o lançamento do CBERS-4 apenas 12 meses após o fracasso no lançamento do satélite anterior. A imple-mentação das mudanças necessárias e a integração do satélite CBERS-4 den-tro de um ano demonstrou uma importante capacida-de de trabalho das equipes técnicas e gerenciais envol-vidas. “O prazo era muito apertado, mas focamos no objetivo e lançamos dentro

do prazo programado”, diz Perondi. “Toda a equipe tra-balhou muito e com muita dedicação”.

Por outro lado, a de-mora na implantação do software responsável pelo processamento automático das imagens geradas pelo CBERS-4 foi um ponto negativo. O problema foi revelado na edição 34 do Jornal do SindCT, de feve-reiro de 2015 (http://goo.gl/Vvn7LE). Por problemas de ordem administrativa e jurí-dica, a renovação do contra-to da empresa responsável pelo desenvolvimento do software atrasou, retardan-do o processamento das imagens do satélite por cer-ca de oito meses. “Apesar dos problemas que tivemos, hoje nos orgulhamos da qualidade dessas imagens. Elas estão no mesmo nível das do satélite Landsat 8, da NASA”, comenta o diretor.

Diversas áreas do INPE destacaram-se no período. “Os satélites CBERS 3 e 4 são realizações importantes. Mas seria injusto se não ci-tasse as demais áreas, como a de Ciências Espaciais, que passou a emitir boletins di-ários sobre clima espacial — ionosfera; a equipe da Observação da Terra-OBT,

que se dedica aos projetos Prodes e Deter, de monitora-mento e alerta para o Bioma Amazônico; e muitas outras áreas e projetos igualmente relevantes”, lembra Perondi.

Concursos

Episódio digno de nota envolveu o Centro de Pre-visão do Tempo e Estudos Climático (CPTEC), que por pouco não foi obrigado a interromper seus serviços. Em agosto de 2013, o INPE foi sentenciado pela Justiça Federal a anular 111 das 126 contratações temporárias realizadas em 2010, a maio-ria delas para o CPTEC. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assi-nado em novembro de 2013 entre MPF, Advocacia Ge-ral da União e o instituto, determinando a realização de um concurso em 2014 e outras medidas. O concur-so realizado em 2012 pre-encheria 40 das 111 vagas questionadas. Restaram 71 para o concurso de 2014, das quais 52 para atuar no CPTEC. O novo concurso foi realizado e as vagas pre-enchidas regularmente.

Problemas administra-tivos, como a interrupção de serviços das empresas

terceirizadas que atuam na limpeza e jardinagem, em função da dificuldade na renovação de contratos ou na realização de novas lici-tações, trouxeram transtor-nos ao INPE. Perondi alega que a falta de servidores, principalmente da área de gestão, é o principal motivo das interrupções. Mas há re-clamações quanto a atrasos excessivos na tramitação de processos internos; à centralização na tomada de decisões; e ao fato de que o Comitê Técnico-Científico (CTC) praticamente deixou de se reunir desde 2012.

Por fim, em 2014 o ins-tituto celebrou contrato de R$ 70 milhões com o Banco Nacional do Desen-volvimento Econômico e Social (BNDES), que pre-vê melhorias na recepção e distribuição de imagens de sensoriamento remo-to para aprimoramento de programas destinados à re-gião amazônica. Em 2016, firmou parceria com a Fun-dação de Apoio à Pesquisa (Fapesp) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Fi-nep), que destina R$ 25 milhões para projetos em-presariais inovadores que gerem produtos para aplica-ções espaciais.

A propósito...

Até o fechamento desta edição, o governo interi-no não havia anunciado o nome escolhido para dirigir o INPE no quadriênio 2016-2020, entre os três elenca-dos pelo Comitê de Busca. Quase dois meses após a elaboração da lista trípli-ce, sua composição não foi anunciada oficialmente e continua em sigilo. Extra-oficialmente, sabe-se que o Comitê selecionou César Celeste Ghizoni, Ricardo Osório Galvão e Thelma Krug, mas se desconhece a ordem dos nomes na lista.

CiênCia e TeCnologia

Um balanço da gestão 2012/16 do INPEATIVIDADES-FIM CAMINHARAM BEM, MAS HÁ RECLAMAÇÕES QUANTO À CENTRALIZAÇÃO EXCESSIVA

Depois do inesperado insucesso do CBERS-3, devido a uma falha do foguete Longa Marcha, o CBERS-4 tornou-se a vitrine do INPE, só embaçada pelo atraso no comissionamento das imagens

Shirley Marciano

Leonel Perondi em audiência no Senado (16/2/16)

Agência Senado

Jornal do SindCT n Maio de 20166

Ministério da Cul-tura (MinC) extinto. Contro-

ladoria Geral da União (CGU) extinta. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Hu-manos idem. Ministério da Ciência, Tecnologia e Ino-vação (MCTI) igualmente desaparece, fundindo-se com o Ministério das Co-municações — sendo que a nova pasta foi confiada a Gilberto Kassab (PSD), ex--prefeito da capital paulista, corretor de imóveis. A fusão e rebaixamento de status foi o mesmo destino reservado às antigas pastas do Desen-volvimento Agrário e do Desenvolvimento Social.

Em menos de duas sema-nas, o governo interino de Michel Temer (PMDB) op-tou por desmontar importan-tes estruturas institucionais, atacando direitos sociais, ignorando lutas e conquis-tas históricas da população. Composto exclusivamen-te por homens, na maioria brancos e ricos (e nove de-les indiciados ou citados na Operação Lava Jato), o ministério do vice golpista destinou seus primeiros dias a inaugurar uma vasta agen-da negativa, nisso incluída uma reforma da Previdência Social que ataca direitos ad-

quiridos e o enfraquecimen-to da soberania nacional, da agenda de integração latino--americana e das relações com os países do Sul.

Temer também nomeou um novo presidente para a Empresa Brasil de Comuni-cação (EBC), ao arrepio da lei que criou a instituição, a qual determina um mandato de quatro anos para aquele cargo, sem coincidir com os mandatos dos presiden-tes da República. Ricardo Melo, exonerado por Temer, foi nomeado por Dilma em 2016 e seu mandato só ter-minaria em 2018. O novo presidente da EBC, Laerte Rimoli, é ligado ao senador Aécio Neves (PSDB), de cuja campanha presidencial foi coordenador.

A resistência às ações de Temer, contudo, iniciou--se no primeiro minuto de seu governo. Primeiro foi a enorme resistência de artis-tas, intelectuais e produtores culturais à extinção do MinC e à subordinação dos assun-tos da Cultura ao Ministério da Educação, que ficou a cargo do deputado Men-donça Filho (DEM). Prédios do extinto MinC foram ocu-pados em todo o país. Pro-

testos foram realizados até no exterior. O governo inte-rino teve de recuar e, no dia 23 de maio, o Diário Oficial publicou ato de recriação da pasta da Cultura, deixando atônitos muitos apoiadores do golpe.

Na mesma data, a pri-meira grande bomba po-lítica explodiu no colo do presidente interino quando o jornal Folha de S. Paulo publicou a transcrição de gravações de conversas te-lefônicas entre o então sena-dor Romero Jucá (PMDB) e Sérgio Machado (ex-pre-sidente da Transpetro), rea-lizadas em março de 2016, as quais deixam claro que o verdadeiro objetivo do pro-cesso de impeachment con-tra Dilma é impedir que as investigações da Operação Lava Jato alcancem políti-cos do PMDB e do PSDB.

A conversa gravada evi-dencia a preocupação de ambos com a Lava Jato: “A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pe-gar todos os políticos”, diz Machado. “E o PSDB, não sei se caiu a ficha já”. Ao que Jucá responde: “Caiu. Todos eles. Aloysio [Nu-nes], [José] Serra, Aécio

[Neves].” Machado, então, pergunta se também “caiu a ficha” do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). A resposta de Jucá: “Também. Todo mundo na bandeja para ser comido”. Ao que Machado acrescenta: “O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.”

Em seguida, eles falam de um possível acordo para “delimitar” a operação: “É um acordo, botar o Michel [Temer] num grande acordo nacional”, propõe Macha-do. Jucá responde: “Com o Supremo [Tribunal Fede-ral], com tudo”, e Machado continua: “Com tudo, aí param tudo”, ao que Jucá completa: “É, delimitava onde está, pronto.”

Depois, o então sena-dor revela, em voz baixa: “Conversei ontem com al-guns Ministros do Supre-mo. Os caras dizem: ‘Ó, só tem condições [...] sem ela [Dilma]. Enquanto ela esti-ver ali, a imprensa, os caras que querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca’. Entendeu?” Por fim, cita as Forças Armadas: “Estou conversando com os gene-rais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os ca-

ras dizem que vão garantir [o afastamento de Dilma].”

Golpe de Estado

“Estamos em um cená-rio de golpe de Estado em curso no Brasil”, adver-te Bruno Elias, secretário nacional de movimentos populares do PT e um dos coordenadores da Frente Brasil Popular (FBP), que agrega centrais sindicais, movimentos populares e partidos. No seu entender, quem acreditava que o go-verno interino apresentaria uma linha mais moderada ou contida já percebeu que isso não será uma realida-de: “A nomeação exclusiva de homens brancos e ricos para o ministério, sem mu-lheres e negros, expressa bem as forças a representar esse governo ilegítimo e golpista”.

Rudinei Marques, pre-sidente da Unacon Sindi-cal e do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado, destaca que o novo governo bus-cou desde seus primeiros momentos “implementar a retirada de direitos e pre-carização das condições de trabalho, além de um ata-que frontal às instituições de combate à corrupção”.

Na avaliação de Bruno Elias, as primeiras medidas apresentadas no campo dos direitos “apontam para um desmonte que atinge não só os 14 anos de governos do PT, mas a Constituição Federal de 1988, a legisla-ção trabalhista e também a constituição das pró-prias empresas nacionais como a Petrobras”. A MP 727/2016, por exemplo, abre caminho para a reto- mada de um intenso pro g

Desmonte de conquistas sociaisamplia protestos contra TemerExtinção de ministérios estratégicos acompanha agenda desfavorável às classes trabalhadoras. Enquanto isso, gravação de conversas de Romero Jucá ocorridas antes do impeachment revela que ele tentou barrar “Lava Jato”. Acabou sendo oprimeiro ministro a cair

MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO FOI EXTINTO

Antonio Biondi

Brasil

Protesto de artistas na Funarte, em São Paulo

Maurício Pisani/El País

Maio de 2016 n Jornal do SindCT 7

Brasil

cesso de privatizações. Para o dirigente da FBP,

os planos do governo interi-no de priorizar as reformas trabalhista e da Previdên-cia, bem como a entrega do Pré-Sal, representam, em seu conjunto, não apenas um golpe contra a demo-cracia, “mas também mais especificamente contra a classe trabalhadora, seus di-reitos e história”. Assim, as preocupações imediatas do campo popular e sindical dizem respeito a como der-rotar as seguintes bandeiras neoliberais: a retomada do projeto de terceirização; a tentativa de fazer o nego-ciado prevalecer sobre o le-gislado; e a revisão da idade mínima para aposentadoria, empurrando-a para 70 anos.

“O primeiro ato legal do governo interino foi extin-guir a CGU”, deplora Rudi-nei Marques. “Isso dá uma ideia da disposição desse governo em relação não só aos órgãos de controle, mas de segurança, regulação, de inteligência de Estado. O cenário é muito ruim”. A medida causou comoção no corpo de funcionários, que viram a controladoria ter sua identidade esfacelada. A CGU deixa a estrutura da

Presidência da República e passa a contar unicamente com uma estrutura ministe-rial em linha com as demais pastas.

“A CGU foi enfraqueci-da. Perde ascendência para cobrar saneamento de irregu-laridades e desvios nas outras pastas. Um sinal muito ruim não somente para a socie-dade brasileira, mas para a comunidade internacional”. Os servidores realizaram um grande ato em frente à CGU, com imensa repercussão. “Estão muito dispostos a lu-tar até o último recurso para reverter as medidas já adota-das”.

Na outra ponta da Es-

planada dos Ministérios, a extinção do MinC (depois revogada) também não sur-preendeu. “De fato nós já esperávamos. Este governo não demonstra ler a cultura como algo central para o pro-jeto de desenvolvimento do Brasil e, portanto, ela poderia perfeitamente ficar subjuga-da a um ministério de maior porte como o da Educação”, afirma João Brant, secretá-rio-executivo do MinC na gestão de Juca Ferreira.

“O significado dessa medida”, diz Brant, “é exa-tamente o rebaixamento do papel da cultura dentro do projeto de país”. Um rebai-xamento que diminui a ca-

pacidade de realização de políticas culturais. “É preci-so ter claro de que a diminui-ção de recursos quando você faz uma fusão de ministérios é ínfima comparada à perda de capacidade do Estado para atuar naquelas áreas”. Ele conversou com o Jornal do SindCT antes de Temer rever a extinção do MinC.

Autocrítica

Lira Alli, integrante do Levante Popular da Juven-tude (LPJ), analisa que “a direita tem se aproveitado de uma crise mais profun-da que hoje vivenciamos na política do país”. Um senti-mento que já era percebido nas ruas nas manifestações de 2013, nas quais se afir-mava “fora todos”, “parti-dos não me representam” etc. “Obviamente foi ma-nipulado pelos setores mais descarados, mas é um sen-timento legítimo, sem dú-vida”, pondera. Na opinião dela, o país ainda se res-sente de “uma democracia muito limitada, que apre-senta dificuldade de diálogo com as pessoas reais, com a realidade da população”.

Apesar de ter muitas críti-cas aos 14 anos de governos

do PT, a militante do LPJ acredita que “havia um norte que fazia as políticas públi-cas se encaixarem”. A saída de Dilma muda tudo. “Vejo uma desconstrução geral desse projeto, com a afirma-ção de um outro projeto: de desconstruir o que existe. E de entregar o país aos interes-ses estrangeiros, para alguns setores, para uma elite”.

Nas próximas semanas, uma das prioridades da FBP é intensificar o corpo a cor-po junto aos senadores, no período de tramitação do processo de impeachment no Senado Federal. Isso porque até o momento foi aprovada apenas a admis-sibilidade do processo, por 55 votos a 22. Dentro de seis meses ocorrerá nova votação, que exigirá o voto de 54 senadores para que Dilma seja definitivamente impedida (ou seja: perca o mandato). Os movimen-tos contrários ao governo Temer esperam que alguns senadores, que votaram pela admissibilidade, se-jam convencidos a mudar de posição na votação de-cisiva e, assim, rejeitem o impedimento definitivo da presidente.

“Ninguém sabe de nada. É uma perfeita incógnita”, declarou ao site Brasil 247 o afamado neuro-cientista Miguel Nicolelis sobre a fusão do MCTI com o MinCom. “Não tem nada a ver e evidente-mente isso não leva a nada... o Brasil teve um desenvolvimento espetacular nos últimos doze anos, eu publiquei no meu livro a figura dos recursos da ciência desde 2003 até 2013, que foi um crescimento histórico, e vários programas histó-ricos, institutos nacionais de ciên-cias, ‘Ciência sem Fronteiras’, que não existiam, mudaram o perfil da ciência brasileira. Mas agora estão todos ameaçados”.

Nicolelis manifestou insegu-rança em relação ao futuro do Ins-tituto Internacional de Neurolo-gia, que ele dirige em Natal (RN):

“Ah, ninguém sabe, ninguém tem a menor ideia. Nós estamos nesse momento sem ter a menor noção do que o futuro vai ser. É uma in-segurança completa... é como se fosse um flashback”.

O cientista criticou duramen-te o governo Temer: “Um gover-no que era para ser interino, num período de transição, não poderia estar tomando as decisões, a mag-nitude das decisões que estão to-mando sem ter uma legitimidade eleitoral. Eles estão desmontando o país, com uma sanha neoliberal, tentando impingir ao Brasil uma agenda que foi rejeitada em quatro eleições presidenciais”.

Qual a lógica?

O presidente da Academia

Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, declarou à re-vista Época, em 13/5, que não en-tende a lógica da fusão, ainda que concorde com a orientação geral de redução do número de ministé-rios: “Mas, no caso da Ciência e Tecnologia e Comunicação, foram unidas coisas muito diferentes. O Ministério da Ciência e Tecno-logia (MCTI) tem um leque de missões e uma agenda de análises de projetos muito próprios. Por exemplo: o MCTI coordena cerca de 20 institutos de ciência e tecno-logia que são voltados para temas de alto interesse da sociedade bra-sileira”.

Prosseguindo o raciocínio, de-talhou: “Há instituto voltado para pesquisas amazônicas. Outro é voltado para energia nuclear, apli-

cações em radioisótopos, produ-ção de radiofármacos — que são substâncias importantíssimas para a saúde. Há institutos voltados para a área de astronomia. Outros, voltados para ciências físicas”.

Ainda na opinião de Davido-vich, o Ministério das Comuni-cações tem outra rotina de traba-lho. “E as decisões lá têm mais relação com rádio e televisão, cor-reios e telégrafos. Aplica-se um método de avaliação de projetos que é necessariamente diferente. Essa junção, por isso, preocupa muito”. O MCTI, diz o presidente da ABC, teve uma trajetória “mui-to bem sucedida” de mais de 30 anos: “Foi graças a ele que temos agora, por exemplo, fundações de amparo à pesquisa em todos os Estados da federação”.

Cientistas criticam fusão de C&T com Comunicações

MinistroGilberto Kassab

EBC

Jornal do SindCT n Maio de 20168

No último dia 2 de maio, uma edição especial do Prêmio

Breakthrough 2016 em Física Fundamental veio reconhecer uma longa trajetória de de-dicação de um cientista bra-sileiro. “Tomei a decisão de estudar essa questão no cur-sinho, 44 anos atrás!”, conta o pesquisador Odylio Denys de Aguiar, do Instituto Na-cional de Pesquisas Espaciais (INPE).

A questão que inquietou o jovem estudante eram as ondas gravitacionais — afir-madas por Albert Einstein 100 anos atrás — as quais ele chama de som do Universo. “Antes de conseguirmos de-tectá-las, é como se estivés-semos assistindo a um filme mudo que não foi elaborado para tal”, explica nesta entre-vista ao Jornal do SindCT.

A saudável obsessão com as ondas gravitacionais fez com que o jovem cientista, ainda na década de 1980, escrevesse cartas a pesquisa-dores estrangeiros, trocando experiências sobre o tema. Os contatos o levaram a buscar uma bolsa nos Estados Uni-dos e lá realizar o seu douto-rado. Desde então, vem traba-lhando na pesquisa do tema, e desde 2011 integrou-se aos

esforços que convergem no Projeto LIGO (Laser Interfe-rometer Gravitational-wave Observatory), que reúne mais de 1.000 pesquisadores de todo o mundo.

Para Odylio, a detecção das ondas terá efeitos revolu-cionários: “Elas irão mudar a forma de se ver o universo”. Atualmente, o detector de on-das construído pelo grupo de Odylio no Brasil está sendo transferido da Universida-de de São Paulo (USP) para o INPE. Registramos nesta entrevista parte da dedicação de Aguiar e de seus colegas na empreitada: Allan Dou-glas dos Santos Silva, César Augusto Costa, Elvis Camilo Ferreira, Márcio Constâncio Júnior e Marcos André Oka-da (todos do instituto).

Conte-nos um pouco de sua trajetória.

Comecei a me interessar pela área em que hoje me encontro muito tempo atrás. Aconteceu durante meu cur-sinho no Rio de Janeiro para entrar na faculdade. Isso em 1972. Foi quando decidi fazer algo relacionado à Física.

No vestibular, minha opção principal era pela en-genharia no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica, de São José dos Campos]. Coloquei também a opção por engenharia no Instituto

de Matemática e Estatísti-ca (IME-USP), e Física na PUC-RJ. Levei muito a sério o cursinho, tinha uma boa base do Colégio Militar, e o resultado é que passei em to-dos. Decidi pelo ITA.

No quarto ano do ITA, eu havia me interessado pelo INPE, e acabei fazen-do iniciação científica com o pesquisador dr. Walter Gon-zalez, desenvolvendo expe-rimentos relacionados com gravitação e astronomia de raios-X. Entre os projetos que acompanhamos, havia um com balões, de iniciativa francesa, voltado a estudar os raios-X de buracos negros. O pesquisador me orientou em um trabalho para detectar os raios. Quando minha pes-quisa estava para terminar, o projeto francês acabou. E, por um grande azar, o experimen-to do projeto caiu dentro do rio Paraíba do Sul! Foi tudo perdido.

O pesquisador dr. Inácio Malmonge Martin [chefe da Divisão de Astrofísica do INPE], por recomendação do dr. Gonzalez, resolveu pedir a minha contratação ao diretor do INPE como assistente de pesquisa em 1979, como ce-letista. O INPE contava com um pesquisador francês, dr. Daniel Nordemann, e fiz en-tão o mestrado em astrono-mia de radiação gama com

ele. Terminei o mestrado em 1983. Os funcionários do INPE faziam o mestrado em cerca de quatro anos: só podí-amos cursar duas disciplinas por trimestre.

Desde 1982, eu já enviava cartas para pesquisadores de renome, afirmando que de-sejava estudar o tema de on-das gravitacionais por meio de campos eletromagnéticos. Escrevi cartas para todos os centros do mundo que pes-quisavam a questão, estabe-lecendo contatos, referências, tomando conhecimento do custo de detectores etc.

Comecei a fazer dou-torado no CBPF [Centro Brasileiro de Pesquisas Fí-sicas], no Rio de Janeiro, orientado pelo professor Mario Novelo. Em agosto de 1984, obtive finalmen-te uma bolsa nos EUA, na Louisiana State University, e a priorizei, a fim de po-der trabalhar mais o campo instrumental de pesquisas. Nessa época não existia no INPE uma linha de pesqui-sa em ondas gravitacionais.

Fui para os EUA com salário, com esse direito as-segurado por quatro anos. Mas o doutorado pleno em Louisiana levava seis anos. Pedi licença não remunerada e segui mais dois anos na uni-versidade. Terminei o douto-rado em 1990, tendo por base

um detector de barra, mas já tendo começado a estudar um detector esférico.

E após terminar o douto-rado?

Em 1991, iniciamos uma nova linha de pesquisa no INPE, em Cosmologia e Gravitação, junto com os pesquisadores Thyrso Villela e Carlos Alexandre Wuens-che de Souza (que compu-nham anteriormente a linha de pesquisa em Cosmologia). Comecei a batalhar recur-sos para a construção de um detector esférico no Brasil. Inicialmente, projetamos um detector de 3 metros de diâ-metro, a um custo de US$ 7 milhões. Em 1997 buscamos esse montante junto ao então MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia], que afirmou não ser possível disponibili-zar tal valor.

Projetamos então uma es-fera de 65 cm de diâmetro, pe-sando 1.150 kg e a um custo de US$ 1 milhão. Com isso, teríamos um detector tão ou mais sensível que a barra com a qual fazia os experimentos em Louisiana, de 2.300 kg. A proposta foi submetida à Fa-pesp em novembro de 1998, e a aprovação viria somente em abril de 2000.

Somente em 2000?Foram consultadosg

Odylio Aguiare o “somdo universo”Pesquisador e colegas participam do Projeto LIGO, um observatório que reúne mais de 1.000 cientistas no mundo todo e que anunciou,em fevereiro de 2016, a detecção de ondas gravitacionais

Antonio Biondi

EQUIPE DO INPE COLABORA NA PESQUISAINTERNACIONAL DAS ONDAS GRAVITACIONAIS

CiênCia & TeCnologia

Na foto: Allan, César, Odylio, Elvis, Márcio.Marcos Okada não pôde comparecer

Maio de 2016 n Jornal do SindCT 9

Fernanda Soares

CiênCia e TeCnologia

vários assessores nacionais e internacionais pela Fapesp antes de a decisão ser toma-da. Por outro lado, o INPE não possuía infraestrutura para hélio líquido para o de-tector, de modo que conse-guimos aprovar o projeto na USP, no laboratório em que o professor Nei Fernandes de Oliveira Jr. desenvolvia suas pesquisas. Em 2002, eu e o pesquisador dr. José Carlos Neves de Araújo iniciamos a linha de Astrofísica de Ondas Gravitacionais no INPE, que passou a contar em 2004 com o dr. Oswaldo Duarte Mi-randa. E, em 2006, tivemos o primeiro funcionamento completo do detector, ain-da com baixa sensibilidade. Apresentamos outro projeto para a Fapesp, voltado a apri-morar o aparelho e sua sensi-bilidade, que foi de 2007 até 2013.

Em 2008, notamos a im-portância de aprimorar os sensores e começamos a prio-rizar esse desenvolvimento dos transdutores — equipa-mento que transforma uma forma de energia em outra: por exemplo, mecânica em elétrica — no INPE. Chega-mos a uma sensibilidade mui-to boa, única em todo o mun-do para detectores esféricos. Nesse meio tempo, passamos a colaborar em 2011 com o LIGO. Desde 2008, um dos

nossos ex-estudantes, César Augusto Costa, já havia ido para o LIGO da Louisiana, com o nosso apoio, para fazer um pós-doc, tendo retornado em 2012, quando passamos a contar com seis pesquisado-res na colaboração.

Em maio de 2015, o Instituto de Física da USP disse que não queria mais ficar com o detector. Foi uma pressão muito grande, mas a chefe do departamen-to conseguiu prorrogar por mais alguns meses. Argu-mentamos que seria neces-sária uma corrida no final de 2015 para tentar atingir a sensibilidade desejada. Colocamos todas as nossas cartas nessa empreitada e conseguimos descobrir o que tínhamos que saber para atingir a sensibilidade do projeto.

Realizamos em 2015, enfim, essa corrida com o detector brasileiro. E a cola-boração LIGO detectou on-das gravitacionais em 14 de setembro de 2015. Nos dois dias seguintes já sabíamos — César no dia 15 e o resto do grupo no dia 16. Estamos trabalhando para publicar os estudos sobre a nossa últi-ma corrida, que devem sair no Physical Review Letter, a mesma publicação em que foi registrado o anúncio da detecção.

O anúncio veio alguns meses depois.

O anúncio da detecção foi feito em 11 de fevereiro de 2016. Ele abre uma nova janela para se estudar o uni-verso, a partir das ondas gra-vitacionais.

O experimento ficará definitivamente no INPE? Quais os impactos dessa mu-dança?

Estamos desmontando toda a aparelhagem na USP e trazendo para o INPE. Já temos o hélio líquido e todo o maquinário necessário. E já sabemos como montar e evitar os ruídos. Agora que temos a infra-estrutura para hélio líquido aqui, realmente o ideal é estar no INPE. Por outro lado, desmontar e mon-tar vai dar um grande traba-lho. Vamos perder cerca de dois anos nisso.

O detector brasileiro com o hélio líquido chega a -269oC, correto?

Queremos uma tempera-tura até mais baixa que isso. A dificuldade é operacional.

Quanto mais próximo de -273oC, melhor?

Exatamente. Queremos -273oC e uns quebrados. O máximo — ou seja, mínimo — é -273,16 oC. Nessa tem-peratura, não existe mais ca-lor térmico nas coisas. Toda a energia dos átomos passa a ser de origem quântica, não está mais no campo da termo-dinâmica. Isso diminui o ru-ído térmico e aumenta ainda mais a sensibilidade. Há um momento, porém, no qual se iguala o calor que o refrigera-dor consegue retirar e o que é produzido e recebido a partir do ambiente.

Estamos falando de on-das gravitacionais relativas a bilhões de anos de história, correto?

As ondas gravitacionais conseguem atravessar o uni-verso todo. E só perdem in-tensidade devido à distância. Essas que foram detectadas vieram de 1,3 bilhão de anos-luz atrás.

É incrível, também, que essa detecção verificada em 2016 confirme o que Albert Einstein afirmou e previu 100 anos atrás.

Einstein lançou a Teoria da Relatividade Geral em 1915. Em 1916 ele afirmou a existência das ondas gravi-tacionais. Coincidentemente, essa confirmação acontece 100 anos depois. É realmente admirável.

Qual momento mais o marcou ao longo de todos esses anos?

Certamente, o dia em que soube que as ondas fo-ram detectadas, em setem-bro de 2015, foi marcante. A data do anúncio em 2016 igualmente. Quando soube-mos que poderíamos iniciar a construção do detector no Brasil, em 2000, também... Foram vários momentos muito marcantes.

Qual significado essa de-tecção das ondas possui?

Abre uma janela para a ciência que pode permitir uma verdadeira revolução. Situação semelhante à de Ga-lileu 400 anos atrás. Dizia-se à época que tudo girava em torno da Terra. Mas, com um telescópio, Galileu começou a concluir que os astros gira-vam em torno do Sol, confir-mando que Copérnico estava correto. Todo conhecimento que temos de astronomia vem do desenvolvimento de novos telescópios. A olho nu, não se consegue ver coisas vistas com um telescópio. As ondas gravitacionais também farão isso: vão mudar a forma de se ver o universo.

A ciência possuía quase certeza de que os buracos negros existem, a partir de grandes concentrações de massa identificadas em áre-as relativamente pequenas, mas eles não emitem luz. Sem a detecção dessas on-das, não teríamos nem sabi-do da existência desses dois buracos negros que se cho-caram há 1,3 bilhão de anos. Mesmo com os telescópios mais potentes, não se conse-gue enxergar esse fenôme-

no. As ondas gravitacionais detectadas mostraram a fu-são dos dois buracos negros, o momento que se tocaram, e o tamanho deles. Isso vai ocorrer com muitos outros fenômenos, que só poderão ser conhecidos e estudados devido às ondas.

As ondas gravitacionais se propagam no espaço-tem-po na velocidade da luz, a velocidade máxima. Se dois foguetes seguem um em direção ao outro, ambos na velocidade da luz, a soma da velocidade ainda assim será a velocidade da luz. Para conseguir tal mágica, o tem-po e o espaço têm que ser flexíveis — e o que acontece em um mexe no outro. Um irmão gêmeo que viaja na velocidade da luz, ao retor-nar à Terra depois de anos, volta quase sem envelhecer, pois para ele aqueles anos não se passaram, ao passo que para o outro, que ficou, os anos geraram envelheci-mento efetivo.

O espaço e tempo for-mam, portanto, uma coisa só, o espaço-tempo. Einstein chegou à conclusão de que esse espaço-tempo encurva-do é responsável pela gravi-tação. As massas dos astros encurvam o espaço-tempo e esse espaço-tempo encurva-do causa efeitos nas massas. As ondas gravitacionais são a propagação dessas defor-mações no espaço-tempo via-jando na velocidade da luz no próprio espaço-tempo.

As ondas gravitacionais são, assim, uma espécie de som do universo. Elas devem gerar uma revolução. Novas leis físicas poderão ser afir-madas graças a essa detecção, que pode levar até mesmo a algum tipo de reconsideração a respeito das leis já consa-gradas. É até difícil imaginar-mos como essas descobertas poderão ser aplicadas, geran-do grandes inovações.

Mais detalhes das questões aqui registradas podem ser lidos no volume II do livro “A História da Astronomia no Brasil”, no capítulo 8, escrito pelo professor (www.mast.br/HAB2013/index.html).

Jornal do SindCT n Maio de 201610

Desde antes deste turbulento 2016 chegar, as opera-

doras de Internet banda larga (teleoperadoras ou “teles”) tentam modificar a forma de cobrança pelo acesso à rede. No lugar das ofertas de maior velo-cidade, entrariam as fran-quias de uso já verificadas nas redes móveis (telefo-nia celular): o usuário que exceder o seu pacote de consumo de dados tem a sua conexão cortada ou di-minuída a quase zero.

À primeira vista, esta parece ser “apenas” uma tentativa de aumentar o faturamento das gigantes das telecomunicações. E é exatamente isso. Mas o tal faturamento não seria in-crementado pelas cobran-ças extras dos usuários que excedessem a cobran-ça. O lucro, mesmo, viria na forma de um rearranjo entre os grandes players e o fechamento de um mer-

cado que é cada vez mais central para a economia e a cidadania.

O debate veio à tona quando, em dezembro de 2015, a Vivo, segunda maior provedora da ban-da larga do país, anunciou que passaria a incluir as franquias nos contratos novos e recentes de In-ternet fixa. A NET e a Oi, respectivamente primeira e terceira maior operadora, já previam estes limites de consumo, mas não faziam o controle de fato exceto em casos flagrantes de ex-cesso de tráfego de dados. Porém, após o anúncio da Vivo, as duas empresas afirmaram que passariam a fazer valer a íntegra dos contratos.

A reação foi imediata, tanto por parte dos órgãos de defesa do consumidor, como de organizações li-gadas ao direito à comuni-cação. E recebeu a adesão massiva de usuários da In-

ternet. Nas redes sociais, a hashtag #InternetJusta ganhou força quando, em março, a Agência Nacio-nal de Telecomunicações (Anatel) anunciou que não poderia intervir na cobran-ça se prevista em contrato e respeitadas determinadas regras, como a possibili-dade de acompanhamento do consumo de dados e o aviso prévio da redução de velocidade ou corte.

A pressão, no entan-to, fez com que a agência recuasse. Em 22 de abril, a agência informou que o Conselho Diretor deci-diu “examinar o tema das franquias na banda larga fixa, com base nas mani-festações recebidas pelo órgão”. Ainda segundo a nota, as prestadoras con-tinuarão proibidas de apli-car as limitações de uso de dados até que este proces-so de análise seja conclu-ído.

Para o Instituto Brasi-

leiro de Defesa do Consu-midor (IDEC), a existên-cia de cláusulas prevendo as franquias de consumo nos atuais contratos não justifica o início da co-brança, por duas razões: 1) a relação estabelecida com o consumidor, inclusive pela publicidade das em-presas, é de que a cobrança do serviço está baseada na velocidade de acesso e não no tráfego de dados; 2) não há “justa causa” para mudanças nos contratos. “O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor prevê que não pode haver mudança de oferta ou pre-ço sem justificativa e estas justificativas não foram apresentadas”, afirma Ra-fael Zanatta, pesquisador em direitos digitais e tele-comunicações do IDEC.

Infraestrutura

O discurso das opera-doras é de que é preciso

controlar o tráfego de da-dos para não saturar a in-fraestrutura das redes e po-der ampliar o atendimento, assim como já é feito nas redes móveis. Esta afir-mação, contudo, não se sustenta. A Internet móvel usa espectro eletromagné-tico que, de alguma forma, tem capacidades limitadas e que são muitas, muitas vezes menor do que a ca-pacidade da fibra ótica.

Além disso, as redes móveis são influenciadas pela distribuição geográ-fica: muitas pessoas po-dem eventualmente estar concentradas em um mes-mo lugar e saturar a rede local. “Mas na rede fixa há tecnologias que permi-tem bastante capacidade de redes e há muitas mais condições de administrar a demanda, porque se sabe quantos planos estão con-tratados, qual a capacidade de tráfego e onde as pesso-as estão fisicamente. As g

As empresas operadoras de Internet banda larga (“teles”) tentam mudar a forma de cobrança pelo acesso do usuário à rede e impor as franquias de uso já vigentes nas redes móveis: o usuário que exceder seu pacote de consumo de dados pode ter a conexão cortada

Limites para os internautas,lucros para as “teles”

COBRANÇA POR FRANQUIA DE DADOS FERE DIREITOS DOS USUÁRIOS DA INTERNET

Brasil

Antonio Biondi e Cristina Charão

Maio de 2016 n Jornal do SindCT 11

Brasil

operadoras, então, não têm como vender mais do que são capazes de entregar”, diz Veridiana Alimonti, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Zanatta, por sua vez, lembra que nos últimos anos foram realizados in-vestimentos pesados em infraestrutura tanto pelas empresas, como pelo po-der público. Um dos des-taques: a entrada em fun-cionamento de dezenas de pontos de troca de tráfego (PTTs), que aumentam a capacidade das redes per-mitindo que os dados tra-feguem em circuitos me-nores.

Outro projeto em anda-mento é o Satélite Geoes-tacionário de Defesa e Co-municação (SGDC), que terá uma de suas bandas dedicadas a levar Internet para pontos remotos, es-pecialmente da Amazônia

Legal e áreas rurais. O projeto vinha sendo man-tido a salvo dos contin-genciamentos de recursos orçamentários e tem pre-visão de lançamento entre janeiro e abril de 2017. (A extinção do ministério da Ciência e Tecnologia não permitiu confirmar o sta-tus atual do SGDC. O Mi-nistério da Defesa não quis se pronunciar.)

O modelo da franquia de dados caminha no exato oposto da ampliação dos investimentos. “As teles querem investir em um modelo que privilegia e monetiza a escassez: res-tringir a velocidade que vendem e restringir a fran-quia de dados que dispo-nibilizam para equacionar a falta de investimento ao crescimento contínuo da demanda e dar conta dela sem implicar mais inves-timentos”, denuncia Veri-diana.

As provedoras de banda larga de-claram que a mudança no modelo de cobrança também disciplinaria a rela-ção com os serviços que demandam muita capacidade de tráfego, como os streamings de vídeo — aí incluídos os gigantes Netflix e Amazon. “Havendo a possibilidade da franquia de dados, você coloca um poder de barganha imenso nas mãos das operadoras por-que elas passam a negociar acordos comerciais com as operadoras de con-teúdo”, diz Zanatta, do IDEC.

O pesquisador analisa a narrativa do conflito entre as teles e os grandes forne-cedores de conteúdo. A seu ver, os acor-dos levariam ao modelo de “zero rating”, ou seja: o acesso a determinados serviços ou redes estaria fora da franquia, como já acontece na Internet móvel. Isso preju-dica o consumidor e beneficia apenas os grandes players, na medida em que reti-ram do cenário os pequenos concorrentes. Veridiana, do Intervozes, lembra, ainda, que este modelo atenta contra o prin-

cípio de neutralidade da Internet, que impede que determinados conteúdos ou serviços tenham privilégios dentro da infraestrutura da rede. A regulamen-tação do Marco Civil da Internet, em decreto assinado por Dilma Rousseff pouco antes de ser afastada do cargo pelo Senado Federal, prevê no arti-go 7º a proibição deste tipo de acordo comercial. Porém, há que exercer vi-gilância sobre a mudança nas regras, agora que o Congresso Nacional criou uma Comissão Especial de Revisão da Lei Geral de Telecomunicações (LGT). “A questão das franquias é a ponta de um iceberg do grande problema regula-tório e de investimentos na capacidade de redes de banda larga no país. E os recursos legais que temos à disposição para barrar este processo estão sob ame-aça”, resume Veridiana. “Enquanto a banda larga estiver em regime privado, as operadoras estarão livres para impor seus modelos aos consumidores”, acres-centa Zanatta.

Outras questões em jogo

O ácido úrico é uma substância que é produto fi-nal do metabolismo de pro-teínas no organismo. Seu aumento é chamado hipe-ruricemia. Pode ocorrer por deficiência do metabolismo no organismo, por deficiên-cia na excreção ou devido à ingestão aumentada. A hiperuricemia pode levar à doença denominada gota.

Quando ocorre a crise de gota o local acometido fica extremamente vermelho, acontecendo inchaço no lo-cal e dor intensa. A primeira crise habitualmente ocorre durante a madrugada e co-

mumente afeta o dedão do pé. Essa crise dura de três a quatro dias. As articula-ções mais acometidas pela gota são as dos pés, dos dedos e os tornozelos. Mas ela também pode acometer cotovelos, mãos, ombros e joelhos.

Fora dos períodos de crise, a gota é uma doen-ça sem sintomas, mas que pode trazer problemas para o organismo, tais como a formação de cálculo renal, artrite e deposição de áci-do úrico em tecidos moles, fenômeno que é conhecido como tofo, que pode ocor-rer em dedos, orelhas, co-tovelos (como se fosse uma bolsinha).

São fatores de risco para hiperuricemia: abuso de ál-cool, obesidade, algumas doenças, uso excessivo de carne ou de frutos do mar, ou ainda o uso de alguns medi-camentos, como diuréticos.

Como combater

O combate ao aumento do ácido úrico necessita de

uso contínuo de remédio. A crise de gota necessita de tratamento agudo pela dor e incapacidade momentânea que gera.

Se você tem ácido úrico alto no sangue evite de for-ma consistente os seguintes alimentos: carnes jovens (vitela, frango), miúdos (fí-gado, rins, coração, moela), presunto, bacon; lula, sardi-

nha, peixe-espada, conserva de marisco, camarão, truta, salmão, atum, anchova, ba-calhau, arenque; abacaxi, cereja, limão; chocolate, cacau, água mineral, café, cerveja; ervilha, fava de fei-jão, grão de bico, azeitonas, nozes, castanha, amêndoas, mel, manteiga, espinafre, brócolis, cogumelo.

Caso você use diuréticos (hidroclorotiazida, clorta-lidona) e descubra que seu ácido úrico está alto, con-verse com o médico; estes medicamentos propiciam o aumento do ácido úrico e portanto é indicado que se-jam trocados.

*O autor é médico.

João Batistade Oliveira*

saúde

Provocada por excesso de ácido úrico, gota exige cuidados com alimentação

Jornal do SindCT n Maio de 201612

Nesta entrevista ao Jornal do SindCT, o professor Ander-

son Ribeiro Correia, novo reitor do Instituto Tecnoló-gico de Aeronáutica (ITA), afirma a perspectiva de “ou-vir mais o pessoal do Institu-to”. Avalia que “todos serão beneficiados quando houver boa comunicação”, algo es-pecialmente relevante no caso de uma instituição de características civis e milita-res como é o ITA.

O instituto chegou a ofe-recer 180 vagas em seu ves-tibular em 2014. Em 2016, porém, recuou para 140. Correia afirma que a redução ocorreu para adequar o nú-mero de alunos à capacidade atual do ITA: “Pretendemos trabalhar pela ampliação no número de vagas, mas man-tendo a qualidade dos cur-sos”. A seguir os principais trechos da entrevista.

Chegada ao ITA

Sou engenheiro civil for-mado pela Unicamp. Depois, fiz mestrado em engenharia de infraestrutura aeronáutica no ITA. O ITA possui gran-de influência na Unicamp e vice-versa, existe uma liga-ção muito forte entre as duas instituições. Posteriormente, fiz o doutorado em engenha-ria de transportes no Canadá (na Universidade de Calga-

ry). Me candidatei em se-guida ao cargo de professor do ITA, pouco mais de onze anos atrás, e passei. Depois, fui cedido por um período para a ANAC [Agência Na-cional de Aviação Civil], e retornei para assumir a Pró--Reitoria de Extensão e Co-operação do ITA. À época, o reitor era o Carlos Américo Pacheco.

Desafios da gestão

Em minha candidatura à Reitoria, destaquei cin-co grandes metas, ou cinco grandes frentes prioritárias. No ensino de graduação, creio que precisemos sem-pre buscar atualizá-lo, torná--lo mais moderno, com um foco nos alunos e professo-res, e fortalecendo a integra-ção internacional.

Já nossa pós-graduação cresceu bastante, acredito que devamos focar na quali-dade, não mais na quantida-de. Alguns programas nos-sos contam com nota muito boa, outros menos. As notas da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] vão de 3 a 7, temos alguns programas com nota 4 e nota 5. É pre-ciso aprimorar os cursos, e para isso criamos um grupo de trabalho. De certa forma, iremos promover uma minir-reforma na pós-graduação.

Pretendemos focar na otimização da gestão admi-nistrativa, dos processos, competências. Ouvir mais o pessoal do Instituto, o pú-blico interno, conhecer as ideias dos servidores, cami-nhar no sentido da descen-tralização dos trabalhos.

Redução de vagas

Sou da área de transpor-te aéreo. Não posso colocar mais aviões na pista do que a capacidade do aeroporto, correto? Da mesma forma,

colocar mais alunos sem ter a quantidade de professores correspondente gera preju-ízo ao ensino, às atividades nos laboratórios, etc. Pre-tendemos trabalhar pela am-pliação no número de vagas, mas mantendo a qualidade dos cursos — e assegurando a continuidade do sucesso do instituto, consolidado em 66 anos de história.

Acordos internacionais

Existem variados níveis de cooperação nesse cam-po. Alguns deles ocorrem somente por meio do inter-câmbio envolvendo os pro-fessores. Em outros casos, é necessário o estabeleci-mento de acordos de coo-peração. Possuímos alguns acordos muito importantes, por exemplo, na França. Neste ano, firmamos um novo com uma universi-dade de ponta da Holanda, com atuação expressiva na gestação de spinouts. Em Portugal, idem. Na Suécia, possuímos um acordo com a melhor escola de enge-nharia deles. Esses acordos muitas vezes acabam geran-do cooperação no âmbito industrial, como é o caso da Suécia, em que temos a co-operação entre as universi-

dades e a cooperação entre a SAAB e a Embraer no que diz respeito à fabricação dos caças Gripen.

Embraer e ITA

As duas instituições pos-suem uma série de projetos de pesquisa conjuntos, em áreas como aerodinâmica, ruído, materiais compósi-tos, manufaturas avançadas. Além disso, existe o Pro-grama de Especialização em Engenharia, com mais de 1.500 mestres formados pelo ITA junto à Embraer. O PEE possui nota máxima na Capes e pode se tornar o primeiro doutorado profis-sionalizante do Brasil.

O ITA foi o primeiro ins-tituto criado no CTA, a partir de uma visão de que o Brasil devia ter autonomia no de-senvolvimento tecnológico, que decorre do conhecimen-to produzido pelo país. De-pois, vieram os outros insti-tutos, a Embraer. Dirigentes importantes dessas institui-ções foram formados aqui. Calculamos que cerca de 150 empresas do setor sejam comandadas por ex-alunos do ITA. O impacto do ITA no setor e na sociedade é muito grande, no passado e no presente.

Importância do setor

Trata-se de um setor es-tratégico, no qual cabe ao Estado investir de forma continua e planejada. Todos os países que o desenvol-veram realizaram um apoio relevante da parte do Estado. Não se trata de um setor que anda sozinho.

Entre civis e militares

Sempre houve essa dua-lidade. O ITA foi criado para atender aos interesses da aviação do Brasil em geral e particularmente da Força Aérea (FA). Hoje, com todo o desenvolvimento da in-dústria aeroespacial, o ITA vai atender aos interesses dessa indústria do século 21, bem como aos interesses da Defesa, da FA.

Cerca de 30% dos ex--alunos do Instituto são mi-litares da FA. Também exis-tem cursos de pós-graduação voltados aos militares da FA, do Exército, da Marinha. A FA acompanha os trabalhos, as pesquisas, os projetos com as indústrias. Civis, militares, integrantes do governo, repre-sentantes das indústrias, pes-quisadores, acadêmicos, todos convivem no mesmo espaço.

Esse convívio sempre vai acontecer, essa ligação entre um e outro, vai haver uma complementaridade. Essa integração civil e mili-tar se dá inclusive nos outros países. E acaba sendo positi-va, transformadora.

CPOR x estudantes

Todos serão beneficia-dos quando houver boa comunicação. Nesse caso, foram feitas reuniões, de-bates para aparar as arestas e para resolver as questões. Foi tudo bem encaminha-do. Quando eu assumi, os alunos já estavam em aula, tendo concluído o período.

Escolhido pelo comando da FABpara dirigir o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Anderson Ribeiro Correia afirma que pretende, ao longo de sua gestão, “ouvir o público interno e conhecer as ideias dos servidores”

Novo reitor do ITA fala em ampliar diálogo

Antonio Biondi

Anderson Correia, novo reitor

Assessoria de Comunicação Social do ITA

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E PÓS-GRADUAÇÃO FIGURAM ENTRE AS PRIORIDADES

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