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Alexandre Samis Sindicalismo e Movimentos Sociais SINDSCOPE/RJ SINASEFE

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AlexandreSamis

Sindicalismo

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“É fundamental hoje para os sindicatos a cons-trução de uma agenda que possa articular seus in-teresses mais imediatos às lutas dos trabalhadores em geral, não apenas os formalmente admitidos no mercado de trabalho, mas todos aqueles que estiverem dispostos a lutar e se organizar em favor de uma transformação radical e efetiva da sociedade rumo ao socialismo.”

Alexandre Samis

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SINDICALISMOE

MOVIMENTOSSOCIAIS

Alexandre Samis

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Projeto de capa e diagramação:Felipe Corrêa

Revisões:Kátia Motta e Victor Calejon

(C) Copyleft - É livre, e inclusive incentivada, areprodução deste livro, para fins estritamente não

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO05

INFORMAÇÕES SOBRE O TEXTO07

SINDICALISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS09

Breve Histórico do Sindicalismo Contemporâneo...09

Os Sindicatos Hoje...15

Orientações e Concepções Sindicais...19

As Tarefas de Médio Prazo e os Movimentos Sociais...27

Os Paradigmas da Esquerda e os Partidos Políticos...35

Sindicalismo, Burocracia e Movimentos Sociais...41

Sindicatos, Movimentos Sociais e Poder Popular...45

Bibliografia...51

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SINDSCOPE/RJSindicato dos Servidores do Colégio Pedro II

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SINASEFESindicato Nacional dos Servidores Federais da

Educação Básica, Profissional e Tecnológicahttp://www.sinasefe.org.br

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APRESENTAÇÃO

Vem a lume mais uma publicação, dentre tantas,cuja origem é o Sindicato dos Servidores do ColégioPedro II (SINDSCOPE), nesta oportunidade em parce-ria com o Sindicato Nacional dos Servidores Federaisda Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINA-SEFE).

Este esforço coroa uma das principais funções dosindicalismo que é a divulgação dos trabalhos reali-zados por seus militantes.

O conteúdo da tese oferecida no 22º Consinasefe(Estatuinte), acontecido em Alagoas, no ano de 2008,é “O sindicalismo de resistência na perspectiva dosservidores da rede federal de ensino: Aproximaçãocom demais setores organizados e politecnia da apren-dizagem como estratégias de médio e longo prazo”, ereaproxima a luta dos trabalhadores com uma preo-

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cupação básica e que deveria ser motivo de debatepermanente em nosso cotidiano. Naquela ocasião, oscompanheiros Rogério Cunha de Castro e AlexandreRibeiro Samis proporcionaram uma leitura e um olharsob o ponto de vista da educação partindo das con-cepções do movimento anarquista. Foi possível aoscongressistas desvelar aspectos pertinentes à cons-trução de propostas que transitavam desde a percepçãopolitécnica até o papel do povo como tal, construindoos seus valores e consagrando uma educação divor-ciada dos valores do Estado Burguês e das classes do-minantes.

Almejamos que iniciativas como estas não só per-maneçam, mas que se tornem cada vez mais plurais,dando espaço aos pensamentos divergentes, desde oscomunistas, anarquistas, etc., garantindo o debate e acirculação de idéias em nosso seio.

Raimundo Nascimento DóriaCoordenador Geral do SINDSCOPE/RJ

e militante do SINASEFE,a pedido dos autores da tese.

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INFORMAÇÕES SOBREO TEXTO

Entre 7 e 10 de agosto de 2008 realizou-se, emRio Pomba-MG, o 4º Seminário de Educação do Sindi-cato Nacional dos Servidores Federais da EducaçãoBásica e Profissional (SINASEFE). Organizado peloGT de Políticas Educacionais do sindicato, o encontrotinha como tema a “Educação Emancipatória”. O con-teúdo do artigo a seguir é a expressão escrita de umaintervenção que encontrou grande acolhimento daplenária. Posteriormente, este texto foi apresentadocomo tese no Congresso Estatuinte do SINASEFE,realizado em Maceió, de 19 a 23 de novembro de 2008,sendo aprovado por unanimidade.

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Alexandre Samis

SINDICALISMO EMOVIMENTOS SOCIAIS

Breve Histórico doSindicalismo Contemporâneo

No início do ano de 1980, ainda sob o espectro daditadura militar, os trabalhadores do Brasil iniciaramum movimento em favor de uma nova forma de orga-nização. O tipo de sindicalismo saído da ditadura erauma estranha simbiose do velho corporativismo var-guista e outras formas de sujeição ao Estado milita-rista, inaugurado em março/abril de 1964. Reunidosem encontros estaduais, os Encontros Nacionais da

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Classe Trabalhadora (ENCLATs), os trabalhadores de-ram à estampa diversos documentos que deveriamser analisados em um encontro nacional. Para tanto,no mês de agosto de 1981, na Praia Grande, São Paulo,aconteceu a Conferência Nacional da Classe Traba-lhadora, a I CONCLAT. Desse evento participaramnão apenas as velhas confederações e federações, comotambém um numero expressivo de associações pré-sindicais, representadas por delegados de base, queprefiguravam, em grande medida, a renovação daspremissas sindicais até então vigentes.

Como resultado prático da Conferência, surgiauma Comissão Pró-Central Única dos Trabalhadores(CUT) e evidenciava-se uma ruptura irreconciliávelentre os setores mais radicalizados e a antiga buro-cracia sindical. Em agosto de 1983, com o nome deCongresso Nacional da Classe Trabalhadora, tambémsob a sigla de I CONCLAT, os grupos à esquerda orga-nizaram as bases para a criação da CUT; enquanto obloco contrário, em novembro do mesmo ano, notambém CONCLAT, inaugurava uma CoordenaçãoNacional das Classes Trabalhadoras e conservava a le-genda CONCLAT. Esta última entidade seria responsá-vel, em 1986, pela criação da Central Geral dos Traba-lhadores, a CGT.

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Entretanto, já na I CONCLAT, a de 1981, o temada greve geral, tradicional bandeira do sindicalismorevolucionário, aparecia para clivar a distinção entreos grupos presentes. Muitos dos delegados de baseaglutinaram-se, então, em torno da proposta que, em1982, deveria ser posta em prática como forma deanunciar o nascimento da CUT e pressionar o governoe patrões a transigirem em favor de uma pauta unifi-cada. Mas a formação de blocos antagônicos no inte-rior da CONCLAT – o “Bloco Combativo”, formadopor uma nebulosa de grupos da esquerda radical, se-tores progressistas da Igreja Católica e independentes,e o “Bloco da Reforma”, de composição de ativistaspouco engajados politicamente, além de partidáriosdos dois PCs e do MR-8 – acabou por atrasar a progra-mação para o ano seguinte, inviabilizando, assim, agreve geral, sendo possível aos do “Bloco Combativo”apenas a fundação da CUT.

Dessa forma, a CUT nascia com um estatuto pro-visório que destacava a sua independência dos patrões,do governo, dos partidos políticos e dos credos religio-sos. Além disso, o mesmo documento, insistindo emtrês pontos, definia-se pela autonomia e a liberdadesindical, a organização por ramo de atividade produ-tiva e a organização por local de trabalho, as então emvoga “comissões de base”. Tais posicionamentos afas-

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taram o grupo que formou a CUT ainda mais do ou-tro, bastante burocratizado (“Bloco da Reforma”), que,em 1986, iria criar a CGT. Assim, a opção da nascentecentral sindical colocava-a na linha direta de sucessãoda tradição sindicalista revolucionária dos anos iniciaisdo século XX, não apenas no Brasil como na França,EUA e outros países em igual período. Segundo Leôn-cio Martins Rodrigues:

“Esses pontos de contato podem ser encon-trados na valorização do sindicato como uminstrumento de mudança social, na defesa desua autonomia frente aos partidos políticos, naidéia da construção de um sindicalismo ‘de ba-se’, agressivo, sem burocracia, desprezando aatuação partidária, política e parlamentar eexaltação da ação direta e o conflito, vendo agreve geral como principal arma do traba-lhador.”

No campo deliberativo a CUT, já no seu primeiroplano de lutas, alertava para o problema das priva-tizações e colocava ênfase na participação dos traba-lhadores na gestão da produção.

Em um contexto mais amplo, mesmo interna-cional, pode-se encontrar também outros elementos

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de inspiração para boa parte das forças da base daCUT. A partir da década de 1960, outro tipo de luta,levada a efeito fora das tradicionais liturgias sindicais,animou o movimento operário. A autogestão, novonome da antiga gestão operária, irrompia em “grevesselvagens” com a ocupação dos locais de trabalho e ocontrole da produção. As ações radicais, não raro, eramigualmente contra patrões e direções burocratizadas.Tais movimentos que, por outro lado anunciavam ofim do fordismo, não apenas evidenciavam a capaci-dade dos trabalhadores em organizar e gerir a produ-ção mas, e principalmente, mostravam também queestes dominavam o “chão da fábrica”, podiam sobre-pujar engenheiros, mesmo iludi-los, impondo dinâ-mica própria ao sistema produtivo.

No Brasil, entretanto, apesar das afinidades progra-máticas com o sindicalismo revolucionário dos primei-ros tempos, boa parte dos sindicalistas atuava na estru-tura das entidades oficiais. Tal situação colocava-os emflagrante contradição com os propósitos revolu-cionários e autonomistas uma vez que, em paralelo,gozavam dos benefícios concedidos pela legislaçãotrabalhista em vigor. Assim, a ação dos sindicalistasacabava por fortalecer a estrutura corporativa e oficialque, contraditoriamente, pretendiam estes destruirpor força das estratégias impressas nos documentos e

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estatutos. O III CONCUT, em 1988, selaria “pela di-reita” a idiossincrasia que nascera com a CUT em 1983.Nesse encontro celebrado no Estádio do Mineirinho,em Belo Horizonte, no mês de setembro, apesar dasteses políticas reafirmarem o ethos do socialismo, foi ade número 10, apresentada pela corrente Articulação,organicamente ligada ao Partido dos Trabalhadores(PT), que ganhou a maioria dos votos do plenário. Acorrente conhecida genericamente por “CUT pela Ba-se”, que defendia as teses ainda do estatuto provisóriode 1983, foi derrotada, e a burocracia sindical ganhou,por assim dizer, definitivamente a Central Única dosTrabalhadores.

Finalmente, com a vitória eleitoral de Lula, em2002, a CUT, que havia se transformado na maior cen-tral sindical do país, passou a identificar sua políticacom as diretrizes defendidas pelo novo governo. Umclaro desdobramento da tese vitoriosa em 1988 e que,por conta da fatídica associação, tornou mais didático,portanto mais evidente, o acelerado grau de burocra-tização da entidade de classe.

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Os Sindicatos Hoje

Grosso modo, podemos caracterizar a identidadesindical a partir de três condutas distintas. Os sindi-catos que hoje representam mais claramente os inte-resses do governo/patrões são os colaboracionistasou chapa-branca. Estes subordinam sua política apostulados puramente economicistas, encarando o go-verno como um interlocutor legítimo, uma instânciaimprescindível e fundamental na resolução dos pro-blemas. Via de regra, tentam fazer entender à baseque a função do órgão de classe é, na sua essência,pôr em entendimento os “interlocutores naturais” –governo/patrão e trabalhador – que, por uma falhana dinâmica do diálogo, estão em posição de oposiçãoprovisória. Mesmo invocando no campo da retóricaimagens tradicionalmente esposadas pelo campo so-cialista, o que fazem, no mais das vezes, é re-significaro conteúdo das lutas dos trabalhadores em favor daconciliação de classes. Neste caso, as vantagens para acategoria, obtidas ou não na ação sindical, passam aser encaradas como um fim em si mesmas, um acu-

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mular de “direitos” que reforça a sujeição às políticaseconômicas macroestruturais do Estado, justamenteaquelas que são as responsáveis pelas mazelas salariaisda classe. Tal sindicalismo, portanto, mistifica a açãosindical, determinando para as bases um papel decoadjuvante no conjunto orquestrado das políticas degoverno.

Estes sindicatos tendem, ainda para melhor assen-tar a base do diálogo com patrões e governos, a assumira administração de fundos de pensão, lotes de ações einstituições de crédito, redefinindo a vocação da enti-dade de classe. Os diretores, agora gestores de capitais,dão ao sindicato dinâmica de empresa, em um fenô-meno identificado como “capitalismo sindical”.

Existem também os sindicatos que, em determi-nada conjuntura, apresentam certo grau de combati-vidade, sem a pretensão de tornar determinante o diá-logo com o governo. Tais entidades de classe entendema posição que ocupam no cenário da luta de classes,buscam o enfrentamento, mas o fazem a partir de umapauta quase exclusivamente econômica, aproveitandoas crises e as agendas eleitorais para arrancar do gover-no as melhorias imediatas. Têm, mais por instinto quepor ideologia, a disposição para a luta, fato que se ob-serva em momentos de ascenso organizativo, mas que,em uma conjuntura desfavorável, pode se perder com

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impressionante velocidade. Seus métodos acabam porreforçar muito mais o campo do ativismo sindical –importante de fato, entretanto insuficiente – ao inves-tirem exclusivamente na reação às medidas governa-mentais. Agem, dessa forma, estimulados pelas agen-das eleitorais e políticas do Estado, ainda que em opo-sição a elas. Assim, a despeito da forma, no conteúdoorientam-se pela luta imediata, sem referências clarasna própria classe, uma vez que o acúmulo é insuficien-temente utilizado para formular um projeto de auto-nomia e emancipação definitiva dos trabalhadores.Ancorados no que é apenas visível, ou seja, nas neces-sidades imediatas, esquecem do que é desejável, a mu-dança radical em favor de todos e não apenas da ca-tegoria. Aos sindicatos que adotam esta conduta é pos-sível chamar de corporativos.

A terceira conduta sindical pode ser identificadapor sua ação em associação com seus postulados teó-ricos. Em comum com as demais, ela caracteriza-setambém pela representação da classe. Preocupa-secom as necessidades imediatas da mesma e se legitimaem determinados ritos e emblemas identitários do tra-balho coletivo. Mas, para além destas semelhanças, osindicalismo de resistência propõe-se a um enfren-tamento mais claro e efetivo ao Estado burguês. Utilizao corte classista não para evidenciar a singularidade

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entre trabalhador e patrão/governo, mas para expli-citar o fosso que separa a classe trabalhadora daquelesque a exploram. Pensa o sindicalismo como um meioimportante para que os trabalhadores dêem combatediuturno ao sistema que oprime a eles e aos seus iguaisem destino. Nas reivindicações econômicas, igual-mente, enxergam um meio para, mais didaticamente,perceberem os da classe, por evidências numéricas,as suas reais condições de explorados. E, uma vez quenão se limitam ao sintoma, denunciam o capitalismoe suas mais claras manifestações como o motivo detodo este estado de coisas. Destarte, o sindicalismode resistência articula a teoria revolucionária, que po-demos chamar de socialismo, com suas ações políticase sociais, instituindo a primeira em conformidade coma realidade específica da segunda.

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Orientações e Concepções Sindicais

Pode-se, de forma esquemática, apresentar trêsetapas importantes para o desenvolvimento de umprograma estratégico de classe no sindicalismo. Taisetapas, no entanto, longe de obedecerem uma linhaevolutiva, combinam-se e orientam-se mutuamente.São como vasos comunicantes que formam um mes-mo corpo vivo e indiviso. A primeira parte de um pro-grama estratégico deve versar sobre os ganhos de curtoprazo. Aqueles que vão orientar as lutas do dia-a-dia,que devem mobilizar os ânimos e que se vinculam àsnecessidades igualmente prementes, inadiáveis e co-muns a todos indistintamente no interior da classe.Circunstância que pode contar com campanhas denaturezas diversas, mas de preferência com forte apeloconjuntural. As campanhas salariais, acompanhadasde análises da política governamental, são formas bas-tante utilizadas e, quase sempre, trazem algum resul-tado. Nas questões de curto prazo, os sindicalismoscolaboracionista, corporativista e mesmo o de re-sistência, às vezes se parecem muito.

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Entretanto, é nas questões de médio e longo prazoque se distanciam sobremaneira as condutas sindicais.Na realidade, tanto os colaboracionistas quanto oscorporativistas, não possuem as dimensões de médioe longo prazo. Não as possuem, ao menos, no sentidoautônomo do termo, pois, uma vez que se guiam pelopragmatismo, dificilmente vão além do que se apre-senta de imediato. Além disso, diferenciam-se maisna forma do que no conteúdo ao se dirigirem ao gover-no, não indo além da colaboração declarada para ume consentida para outro. Mutatis mutandis, acabamadotando como referencial para a luta as estratégiasdo Estado, mesmo que na forma inversa para os cor-porativistas, visto que suas agendas serão sempre de-terminadas pelos embates com o governo, contra oqual deveriam estar criando suas próprias estratégias,mas que, uma vez presos a este, não fazem mais doque repetir, como imagem invertida, o que determinaa política oficial. Sofrem os efeitos de uma espécie detautologia que os remete sempre ao mesmo ponto,percorrendo o mesmo trajeto, em idas e vindas, emum jogo de soma zero que acaba por favorecer sempreaquele que é, de fato, o causador do problema.

De outra maneira, os sindicatos de resistênciabuscam sempre em seus programas estratégicos sali-entar as questões de médio e longo prazo. Tal preocu-

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pação deve-se a já terem os sindicalistas vinculados aesta concepção entendido que aquelas entidades quelutam apenas pelas questões imediatas, o que fazem,no mais das vezes, é garantir ao governo um certograu de legitimidade. Se por um lado, as reivin-dicações podem parecer contestatórias, e algumas ve-zes o são, elas induzem, por outro, subliminarmente,o coletivo da categoria a acreditar que a resolução de-pende sempre da aquiescência do governo. O que re-tira do trabalhador boa parte de seu princípio decisórioe reforça as teses reformistas. É, portanto, nas projeçõesmais de fundo, aquelas que irão possibilitar o contatocom um universo mais amplo de explorados e, a partirdaí, consolidar a luta ideológica contra o capital, quese encontra a real estratégia para o desmonte de todaa estrutura que garante a manutenção do atual sistema.Não apenas isso, mas também, a elaboração deste pro-grama auxilia no acúmulo de valores que, por ser defato o resultado das experiências de luta e das reflexõesextraídas a partir delas, constitui-se na essência de umadimensão de mundo genuinamente de classe. Parareforço de tal raciocínio, escreveu E. P. Thompson:

“Por classe, entendo um fenômeno his-tórico, que unifica uma série de acontecimen-tos díspares e aparentemente desconectados,

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tanto na matéria-prima da experiência comona consciência. Ressalto que é um fenômenohistórico. Não vejo a classe como uma ‘estru-tura’, nem mesmo como uma ‘categoria’, mascomo algo que ocorre efetivamente (e cujaocorrência pode ser demonstrada) nas relaçõeshumanas.”

E ainda, segundo Lúcia Bruno: “A classe operárianão é uma realidade moral, mas social. Ela não temqualquer realidade além da forma como se organiza.”

Outra questão se soma, com idêntica importância,às aqui abordadas. Que tipo de organização ou dinâ-mica interna permitiria a plena realização de um sin-dicalismo de resistência?

O universo das experiências históricas em favorda organização dos trabalhadores é generoso, entre-tanto, boa parte dos registros foi alienada de sua diver-sidade por força de modelos hegemônicos que toma-ram seu próprio triunfo por verdade revolucionária.Sob tal perspectiva, a Comuna de Paris perdeu váriosde seus matizes, os “sovietes”, viraram a manifestaçãode um partido único e os “conselhos de trabalhadores”,momentos prévios em situações históricas que care-ciam de uma direção de vanguarda. Apesar das ver-sões autorizadas, uma outra literatura revolucionária,

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que apareceu como marginal, mesmo herética, teimouem registrar as nuances de um fazer proletário deenorme vigor organizativo. O eixo insistentemente re-tomado pelas ações organizativas “marginais” dostrabalhadores encontrou sempre seu “ponto de Arqui-medes” na autonomia. Foi com base nela que diversasiniciativas culminaram na Revolução Russa, de 1917,e na Espanhola, de 1936. As correntes libertária e auto-nomista, esta última batizada pela derivação da pala-vra-essência, firmaram seus postulados, ou antes, fize-ram partir tudo desta premissa. Não era uma panacéia,mas uma metodologia que permitiria colocar, em umamesma circunstância histórica, o conjunto da classena condição de protagonista. Para Lúcia Bruno,

“Uma luta é revolucionária quando cria re-lações sociais que permitem a união dos tra-balhadores. Quando viabiliza a associação dehomens livres que é, ao mesmo tempo, formade luta e transformação social. Quando os tra-balhadores criam organizações onde podemdecidir em conjunto os rumos da luta, realizaruma nova divisão do trabalho e formas comu-nitárias de existência, estão criando o terrenosobre o qual o socialismo pode se desenvolvere generalizar.”

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Este é, em poucas palavras, o princípio lógico dos“conselhos de trabalhadores”. Como se organizamentão os conselhos de trabalhadores?

Os conselhos de trabalhadores definem sua repre-sentação a partir da base. É na base, organizada emcomissões, que os delegados classistas são eleitos. Masa representação é diversa daquela preconizada pelocapitalismo. As diferenças são as seguintes:

• 1ª: Os delegados não decidem por si mes-mos. São apenas a voz do seu conjunto, da-queles que os elegeram;

• 2ª: Os delegados eleitos executam as tarefas,não determinam as linhas de ação, a menosque sejam sugeridas pelo coletivo que osindicou;

• 3ª: Os delegados ficam no cargo até o térmi-no da tarefa, ou seja, o tempo suficiente pa-ra executá-la, pois, do contrário, poderiahaver certa cristalização de funções;

• 4ª: Os delegados não podem se afastar pormuito tempo de seu local de trabalho, juntoà base, as suas atividades não lhes conferemnenhum privilégio. Outro ponto importan-te é que as delegações podem ser revogadaspela base a qualquer momento. A formasugerida garante também que as habili-

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dades pessoais de determinados sindicalis-tas sirvam a todos e não ao próprio indi-víduo que, no que se verifica hoje, uma vezagindo em nome do coletivo, pode, na rea-lidade, colocar adiante das deliberações co-letivas suas próprias preferências par-tidárias.

O método, cuja centralidade está na autonomiados trabalhadores, propugna também pela ação diretano que diz respeito aos interesses políticos e econô-micos. Para a produção e a regulação da natureza dotrabalho de cada categoria, indica o regime da auto-gestão generalizada. E ainda o estímulo a atitudes queunifiquem todas as frentes de luta: a econômica, a polí-tica e a ideológica, tendo-se como fim a edificação danova sociedade.

Tal estrutura organizativa é fundamental paraimpedir a burocratização dos sindicatos, o distancia-mento entre a base e a direção e a dicotomia entremassa e vanguarda. É também um meio no qual estãoembutidos os fins, uma vez que o trabalhador apre-ende e elabora no cotidiano do trabalho e nos embatescontra o capital os elementos vitais para sua eman-cipação. Como chamavam os sindicalistas revolucio-nários do século passado, é a “ginástica revolucio-nária”. Uma relação que se forja no fazer contínuo do

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confronto e que, por ser concomitantemente expe-riência sensível e teórica, realizada por quem maisnecessita das mudanças, estabelece novas formas deorganização desalienadas.

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As Tarefas de Médio Prazoe os Movimentos Sociais

Uma vez que o sindicalismo de resistência seinstitui na luta e sem o concurso da classe esta con-cepção é quase impossível de ser atingida, cabe iden-tificar as tarefas que são da responsabilidade dos traba-lhadores envolvidos com as questões revolucionárias.As construções de médio prazo hoje são da maior im-portância. Nelas se encontra o caminho através do qualirá a classe efetivar a direção a ser tomada para a liqui-dação final da ordem capitalista. Nesse sentido, cabeuma pequena ponderação sobre a separação que hojese constata entre sindicalismo e movimentos sociais.

No início do século XX, há exatos 100 anos, erafundada a Confederação Operária Brasileira (COB).Com a entidade, nascia também o seu órgão de propa-ganda A Voz do Trabalhador, em 1908. Por longos anos,a COB deu suporte e foi espaço organizatório dos tra-balhadores contra a burguesia, valendo-se dos méto-dos do sindicalismo revolucionário. Nas primeiras trêsdécadas do século XX, a COB foi fundamental para a

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caracterização da fisionomia social que, em público,exibiam os operários grevistas e insurretos. Entretanto,com o advento do sindicalismo corporativista, elevadoa política de Estado após o movimento político-militarde 1930, cujo fato concreto mais saliente é a criaçãodo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, asbases do sindicalismo se viram bastante alteradas. Osetor reformista, já existente em períodos anteriores,tornou-se paradigmático e as ações radicais ganharam“foros” de crime contra a segurança nacional. Tal situ-ação, reforçada por medidas oficiais em “benefício dostrabalhadores”, desmobilizou boa parte da massa as-salariada e consagrou o Estado como árbitro de todosos litígios entre capital e trabalho. Estes fatos estão naorigem – inaugurando assim uma ainda presente ma-triz interpretativa da História do Brasil – da perspectivade que foi no governo de Getúlio Vargas (1930-1945)que os direitos dos trabalhadores foram, de fato, alcan-çados. Fenômeno conhecido como “ideologia da ou-torga”.

O populismo que marcou as décadas seguintes,até o Golpe Militar de 1964, e mesmo o sindicalismode subordinação, praticado durante os “Anos deChumbo”, alteraram ainda mais a configuração dasorganizações sindicais. Nos anos posteriores, com oprocesso de redemocratização, após a frustração das

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esperanças na retomada de um sindicalismo revolu-cionário, o aparelhamento que fez o PT da CUT jogoupor terra boa parte das expectativas e drenou a energiade importantes bases sindicais. No conjunto, estesacontecimentos colaboraram para o afastamento dossindicatos do que se convenciona chamar hoje de mo-vimentos sociais. A burocracia, triste emblema osten-tado pela maioria das entidades, continua, a despeitode louváveis esforços de uns poucos, a representar sé-rios limites ao desenvolvimento das políticas de médioe longo prazo. O sindicato passou a ter outra fisiono-mia, determinada agora, e nesse sentido como no pas-sado, por sua prática social.

No caminho inverso estão, entretanto, outros se-tores organizados ou em vias de organização. Estes,envolvidos em uma grande membrana conceitual aqual se atribui o nome de movimentos sociais, sãode procedência diversa. Apesar da pluralidade, estanebulosa de organizações possui certa identidade.Existem elementos comuns a elas, mesmo com as de-mandas específicas. Os eixos, como no passado, naAssociação Internacional dos Trabalhadores, são sem-pre de viés econômico. O Movimento dos Traba-lhadores Desempregados (MTD), cuja centralidade seencontra na geração de renda; o Movimento Nacionaldos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que

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tiram dos resíduos urbanos a sua sobrevivência; o Mo-vimento dos Sem-Teto, que elegeu a questão da mo-radia; os inúmeros grupos que se formam nas comuni-dades faveladas, sob a bandeira da cultura ou da de-núncia contra a violência e finalmente o Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que sus-tenta com maior evidência a defesa da Reforma Agrá-ria, contemporaneamente assumiram um protagonis-mo importante, cujos resultados não podem ser igno-rados, até mesmo pela grande mídia.

Em comum, e isso encontra correspondência noscomunicados e panfletos, possuem a radicalidade.Aquela disposição para o confronto, típica das pautasde médio e longo prazo. Tal característica tem sidoutilizada pelo governo, inclusive, para a criminalizaçãodestes movimentos que insistem nas táticas de açãodireta e gestão coletiva dos meios de produção, esgar-çando a formalidade jurídica do sistema. Inovaçõescomo as “Comunas” do MST, no Rio Grande do Sul eSão Paulo, têm obrigado o Incra a reinventar a legis-lação vigente para adequar parâmetros ao quadro geraljá determinado pela prática concreta dos acampadose assentados. A dinâmica social e a ação dos militantesconcebeu experiências mistas, urbano-rurais, criandooutra alternativa para o trabalhador das periferias. Nosgrandes centros, os desempregados ocupam fábricas

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abandonadas, estabelecem novas normas de produçãoe tentam instituir outro padrão de subsistência, inclu-sive, na direção inversa do capital.

A despeito da tentativa de apropriação dos movi-mentos por alguns partidos, e mesmo a clara atuaçãode militantes destes nas bases ou direções, boa parteda massa trabalhadora envolvida preserva um graude independência satisfatório. Suficiente ao menos pa-ra esboçar, em momentos de claudicância dos “qua-dros partidários” envolvidos, quando estes tentam fa-zer passar a política do partido, esquecendo as deman-das genuínas da classe, uma reação dos setores maisorganizados. De qualquer forma, é por força do modocomo se organizam os movimentos sociais que estesapresentam as características já bem salientadas aqui.São eles a expressão sem retoques da luta de classes, aunidade pela ação e pelos propósitos, movimentosque conseguem nas suas bandeiras, algumas muitosimples, sintetizar e aglutinar os esforços e esperançasde todo um setor de excluídos.

O fenômeno que se caracteriza pelo crescimentoda importância e da visibilidade dos movimentos so-ciais não é exclusivamente brasileiro. Com um núme-ro maior de exemplos observa-se, a partir do iníciodos anos 90 do século precedente, o ascenso de mani-festações nesse sentido. Em 1994, o levante zapatista,

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em Chiapas, no México, revelou ao mundo um orga-nização indígena-militar com muitas demandas. Entreelas, a que mais se destacava era a autonomia. No mes-mo país, outros índios e “minorias”, reunidos sob alegenda do magonismo, alusão ao líder revolucionárioRicardo Flores Magón, já utilizavam a tática da deso-bediência civil para enfrentar o governo. Em outraspartes da Nuestra América, como Equador, Chile, Co-lômbia e Bolívia, empunhando a bandeira da autono-mia, levantaram-se também índios e camponeses eminsurreições e levantes. Inaugurando o novo milênio,os piqueteros na Argentina, também pela ação direta,lograram sucessos e colocaram a classe como protago-nista da história.

Para reforço do exposto, podemos analisar bre-vemente os recentes acontecimentos no estado me-xicano de Oaxaca, no ano de 2006. Uma greve da edu-cação, promovida pela 22ª seção sindical, acabou pordeterminar a ocupação da praça central da capital doestado. Oaxaca (a capital tem o mesmo nome do es-tado), em maio, parecia ser palco de apenas mais umade muitas outras manifestações. O diferencial, entre-tanto, deu-se com a aproximação da seção sindical dosmovimentos sociais da região. As cerca de 16 etniasindígenas que estão representadas no estado, com im-portante tradição de luta, além de outras organizações

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populares, formaram a Assembléia Popular dos Povosde Oaxaca, a APPO. Em junho, os prédios públicosforam ocupados e o governo popular foi decretado,em substituição ao oficial, de Ulises Ruiz Ortiz. Naprática, a capital passou a ser organizada pela APPO.As principais demandas como democracia, liberdadee autonomia, tudo isso estava resumido na propostade deposição do governador. A greve do sindicato ge-rou o fato, mas a evolução dos acontecimentos e mes-mo a reação do governo federal mexicano, que envioutropas para reprimir o movimento, só se deu por forçada unidade entre entidade de classe e movimentossociais.

A experiência que se estendeu até novembro da-quele ano, contribuiu sobremaneira para o acúmulorevolucionário em toda a região. A chamada “Comunade Oaxaca” legou à sociedade a manutenção dos orga-nismos de resistência popular. As rádios comunitáriase os comitês de bairros que se formaram no âmbitoda APPO continuam vivos e funcionando na pers-pectiva de novos embates e do aperfeiçoamento daorganização.

A tormenta social que atinge a América Latina re-presenta, assim pensando, nada mais que a reação aoutro ciclo de ataques do capital. A posição que as or-ganizações populares assumem diante desta realidade

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é de transcendental importância para o que se dará aseguir. Os recuos são igualmente importantes, en-tretanto, para auxiliar as forças que exploram desdesempre os trabalhadores. O sindicalismo deve apro-ximar-se dos movimentos sociais para novamentereencontrar nesta simbiose política a vocação revolu-cionária.

E como iniciativa prática a ser incorporada pelossindicatos, sugerem e reiteram João Bernardo e Lu-ciano Pereira:

“Nesse contexto, quanto mais os movi-mentos sociais conseguirem pressionar os sin-dicatos a prestar-lhes auxílio sistemático equanto mais juntarem suas iniciativas às reivin-dicações salariais, tanto mais as bases dos sindi-catos sentir-se-ão animadas a manifestar-se di-retamente e fortalecidas para tomar decisõesautônomas. E é precisamente então que a lutacontra o controle exercido pela burocracia sin-dical poderá prosseguir como uma luta contrao próprio capitalismo sindical, se as basesimpuserem às direções que uma parcela cadavez maior dos fundos seja destinada a financiaras campanhas encabeçadas pelos movimentossociais.”

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Os Paradigmas da Esquerdae os Partidos Políticos

Boa parte do que se discute hoje no campo estraté-gico da esquerda é ainda tributário de concepções bas-tante recuadas no tempo. Se por um lado, a leitura e aobservância dos clássicos do socialismo é fundamental,por outro, a interpretação dogmática e mecânica dosmesmos traz sérios riscos para o resultado das análisese, dessa forma, também para as linhas estratégicas ge-rais. Um exemplo claro pode ser encontrado, para nãoirmos muito além, na própria determinação de certosatores sociais privilegiados para liderar o processo revo-lucionário. Segundo Marx, primeiro no Manifesto Co-munista, de 1848, com o reforço do capítulo 24, de OCapital:

“Sua [a burguesia] ruína e o triunfo do pro-letariado são igualmente inevitáveis... Entre to-das as classes que hoje se confrontam com aburguesia, a única realmente revolucionária éo proletariado. As outras decaem e desapare-

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cem com a expansão da grande indústria, en-quanto o proletariado é desta o produto maisautêntico. Todos os setores da classe média, opequeno industrial, o pequeno comerciante, oartesão, o camponês (grifos nossos), combatema burguesia para assegurar sua existência comoclasse média em face da extinção que os amea-ça... São reacionários, pois procuram fazer an-dar para trás a roda da história.”

Para Marx existe um sujeito histórico, um que,mesmo sem sabê-lo, tem a missão de alterar a ordemsocial. Este sujeito é o proletariado urbano, a massaque é explorada pelas indústrias.

Se considerarmos este postulado, a História re-cente da América Latina encontrar-se-ia em desalinhocom a teoria, uma vez que as forças insurgentes nocontinente, e mesmo a guerrilha que sobrevive, pos-suem caráter marcadamente camponês ou indígena.Os grupos que, segundo Marx, seriam “reacionários,pois procuram fazer andar para trás a roda da his-tória”, fazem muito mais pela revolução que o “prole-tariado industrial” que, no caso brasileiro, é co-par-tícipe da gestão das instituições e do próprio Estado.Razão pela qual as discussões corporativas, quase sem-

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pre nos limites da legalidade burguesa, ocupam cadavez mais as agendas sindicais.

Outro problema, que deriva igualmente de fontecorrelata, é a idéia de que “o sindicato é correia detransmissão do partido”. Este primeiro executa e osegundo pensa as políticas de médio e longo prazo.Tal lógica acaba por conferir status diferenciado aquem pensa e a quem trabalha, justificando, inclusive,o afastamento de trabalhadores por longo tempo dabase em tarefas de direção que, no mais das vezes,tornam-se uma porta para a burocratização. Alguns,inclusive, vinculados a partidos políticos, como refe-rido anteriormente, acabam por não ter clareza da dife-rença entre o papel de quadro partidário e de liderançasindical.

Mas tal prática encontra, sim, suporte na teoria,uma vez que boa parte dos partidos de esquerda per-cebe no sindicato um meio para levar adiante o pro-grama do partido, a dualidade pensamento-ação passa,dentro do âmbito da classe, a vivenciar seu correspon-dente prático. Mas, existe aí um princípio deletériopara a autonomia dos trabalhadores. Uma vez que oprograma do partido pode substituir o da classe, esteprograma igualmente pode estar cumprindo o papeldo Estado. Assim, um tipo específico de ideologia

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substitui o governo e abre caminho para uma novaburocracia, uma nova instância decisória, que se as-semelhará, no conteúdo, à ordem que se pretende der-rubar. Ela é parcialmente estranha à classe, pois foigestada fora dela, ou antes, por um princípio que acre-dita pouco nas experiências não tuteladas. A autono-mia, para tal concepção, pode não passar de um“espontaneísmo” ou falta de consistência ideológica.

O entendimento que temos é o de que a organi-zação dos trabalhadores é, portanto, indivisa. Nãose pode separar as instâncias política, econômica e so-cial. O ato de pensar não pode estar desvinculado doato de fazer. O programa da classe tem que partir delaprópria, do acúmulo de suas experiências na luta poruma sociedade livre e socialista. Os corpos sociais nãopodem ser fragmentados, secionados em câmaras es-tanques, postos para dialogar apenas articulados pordireções “bem intencionadas”, porém equivocadas nométodo. Nesse sentido, é fundamental a criação dasorganizações de base e a definição do papel destas nocontato com o coletivo de representantes de toda aunidade de produção.

O papel da ideologia, entretanto, é fundamental.O debate de idéias no interior do sindicato se faz neces-sário. Mas tal debate deve obedecer aos fóruns organi-

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zativos e com eles dialogar permanentemente. A plura-lidade das tradições de esquerda, sem a qual tudo setornaria saber de manual, deve ser contemplada e asdiversidades devem ser encaradas, todas elas, comoum conjunto patrimonial a ser apropriado pela classe.Apropriado na medida das necessidades, daquilo queo conjunto de trabalhadores entenda pertinente parao tempo e o espaço presentes. A ideologia deve servirà classe e não o inverso. São os trabalhadores que, emúltima instância, vão mudar as coisas. Não contribuipara a autonomia dos trabalhadores um sindicalismoque faça opção tácita por qualquer ideologia de esquer-da; se assim fosse, estaria fazendo papel de partido enão de entidade de classe.

Podemos afirmar que a separação que hoje expe-rimentam os sindicatos em relação aos movimentossociais, para além do fato da burocratização, pode serexplicada pela associação daqueles com os partidospolíticos, confirmada na adesão de muitos às campa-nhas eleitorais. É bom ainda que se diga que, umavez que os trabalhadores têm posições políticas dife-rentes, as paixões eleitorais acabam fracionando aindamais o corpo sindical. Um programa próprio, que nãoimplicasse na utilização de candidaturas institucionais,mesmo sob a alegação tática, diminuiria significa-

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tivamente a divisão e atribuiria aos programas de mé-dio e longo prazo a importância que estes realmentepossuem.

Outro fato que pode ser verificado, cada vez commais clareza, é que a associação dos sindicatos aos par-tidos trouxe, com a crise destes últimos, significativosdesgastes para aqueles. Associa-se livremente, com orespaldo de inúmeros exemplos, os sindicatos aos fra-cassos da democracia representativa burguesa. Figu-ram as entidades de classe nos mesmos veículos dedenúncia onde deveriam estar apenas os partidos. Osindicalismo, assim, cai na “vala comum da crise”. Porum motivo que é alheio à sua natural área de atuação,colhe os frutos amargos da difamação junto com asinstituições que dele fizeram uso para uma políticaainda mais alheia à classe.

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Sindicalismo, Burocraciae Movimentos Sociais

No geral, o que temos abordado desde o início dotexto até esta parte é, por assim dizer, o problema daburocracia, da clausura e dos limites dos métodos ado-tados pelos sindicatos. Limites que afastam o sindicatodo paradigma revolucionário e de seus virtuais par-ceiros na direção da emancipação dos explorados. Em-butidos na apreciação geral estão elementos importan-tes a serem considerados para uma posterior tomadade decisão em relação aos caminhos a serem trilhadospelos trabalhadores. O diagnóstico, longe de eviden-ciar inteiramente o problema, convida, a partir de indí-cios, à busca de soluções. Sempre optando pela açãocoletiva de indivíduos inseridos em sua classe e repre-sentados em suas categorias profissionais.

O socialismo é o eixo propositivo e seu algoz, aindatanto quanto o próprio capitalismo, a burocracia. Se-gundo Cornelius Castoriadis:

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“O socialismo é a supressão da divisão dasociedade em dirigentes e executantes, o quesignifica ao mesmo tempo gestão operária emtodos os níveis – da fábrica, da economia e dasociedade – e poder dos organismos de massa– sovietes, comitês de fábrica ou conselhos. Osocialismo tampouco pode ser, em nenhum ca-so, poder de um partido, qualquer que seja asua ideologia e sua estrutura. A organização re-volucionária não é e não pode ser um órgão degoverno. Os únicos órgãos de governo em umasociedade socialista são organismos de tipo so-viético, abarcando a totalidade dos trabalha-dores. O caráter burocrático das organizações‘operárias’ atuais não se expressa somente emseu programa último, o qual – sob a coberturade uma fraseologia mistificadora – não visamais do que modificar as formas de exploraçãopara melhorar seu conteúdo. Expressa-se igual-mente, ao mesmo tempo, em sua estruturaprópria e no tipo de relação que mantém coma massa operária: quer se trate de partidos ousindicatos, esses organismos formam ou ten-tam formar direções separadas das massas,reduzindo essa a um papel passivo e tentandodominá-la, reproduzindo uma profunda divi-

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são entre dirigentes e militantes (ou contri-buintes) em seu próprio seio.”

A questão da autonomia, portanto, é fundamentalpara manter um órgão de classe fiel aos postuladosemancipatórios sem afastar deste, por uma conve-niência político-partidária, alheia quase sempre às ne-cessidades dos trabalhadores, os objetivos de médio elongo prazo resultantes da experiência da classe. Nestesentido, os movimentos sociais hoje podem servir dehorizonte para o reforço de algumas práticas de auto-nomia; a despeito da participação de militantes como duplo vínculo, partidário e ativista de classe, a dinâ-mica organizativa e mesmo setores hostis ao atrela-mento partidário contribuem sobremaneira para difi-cultar o processo de burocratização. Com base em taisreflexões, e certamente não serão estas as únicas pon-derações a serem feitas sobre o assunto, é fundamentalhoje para os sindicatos a construção de uma agendaque possa articular seus interesses mais imediatos àslutas dos trabalhadores em geral, não apenas os for-malmente admitidos no mercado de trabalho, mastodos aqueles que estiverem dispostos a lutar e se or-ganizar em favor de uma transformação radical e efe-tiva da sociedade rumo ao socialismo.

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Sindicatos, Movimentos Sociaise Poder Popular

Finalmente, podemos dizer que nossos objetivoscom este texto resumem-se a dois:

• Estimular a prática do sindicalismo de resis-tência nos organismos sindicais hoje exis-tentes;

• Impulsionar as alianças entre os sindicatose os movimentos sociais, visando uma or-ganização popular mais ampla com acu-mulação de forças para uma possível trans-formação social.

Obviamente, a forma de organização de nossossindicatos e movimentos sociais influenciará determi-nantemente nossos objetivos. “Se o fim está tambémnos meios, estes têm que estimular, desenvolver, expe-rimentar os valores e o fazer da nova sociedade. [...]Se queremos liberdade, o nosso fazer tem que ser li-bertário.” Dessa maneira Gilmar Mauro, militante doMST, em seu texto “Construir o Poder Popular” colo-ca a necessidade da coerência entre meios e fins.

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Meios que conduzam aos fins desejados, a nossover, devem sustentar as alianças entre as diferentesfrações das classes oprimidas, sob bases classistas, dan-do aos movimentos autonomia e combatividade. Aação direta, os processos democráticos de tomada dedecisão, e, finalmente, a perspectiva de longo prazovisando o socialismo são também elementos impres-cindíveis para que comecemos hoje a empoderar aclasse trabalhadora, que deve ser a grande protagonistados processos de luta cotidianos e da transformaçãosocial revolucionária.

O que Gilmar Mauro chama de “construção dopoder popular” tem muito a contribuir nesse sentido.Sustentando uma proposta que tem grande similari-dade com o que aqui sugerimos, Gilmar Mauro defen-de o protagonismo do nível social, isto é, dos movi-mentos populares (sindicatos e movimentos sociais).Ao construir o poder popular, diz ele, “não estamosquerendo que a massa seja simples receptora das ver-dades que os nossos escritos revelarão”, afinal de con-tas são as massas que devem encabeçar o processo deluta; “o verdadeiro protagonista é a classe trabalha-dora”. Assim, é imprescindível “construir espaços emque a maior quantidade possível de pessoas possa serinserida nos processos de preparação, discussão e rea-lização de lutas e construções organizativas, como par-

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te do aprendizado e de exercício efetivo do poder dopovo”. Além disso, o objetivo revolucionário só poderáser atingido por meio de construções coletivas, ou seja,“de processos em construção, de experimentações que,necessariamente terão de ser feitas, como parte doaprendizado histórico das massas, se de fato queremosuma revolução verdadeira e que se sustente em perma-nente transformação ao longo do tempo.”

Entendemos que a defesa do sindicalismo de resis-tência e da aliança entre sindicatos e movimentos so-ciais pode, efetivamente, contribuir com essa constru-ção do poder popular. Vejamos a que se refere o com-panheiro quando fala de poder popular.

Para Gilmar Mauro, o poder popular “brota e serealiza com e pelo povo (quanto classe social) numprojeto de construção do socialismo”. Ele envolve “acapacidade de pensar, propor e fazer o seu própriodestino e os destinos da comunidade, da região e deum país, respeitando-se as diferenças culturais e asindividualidades”, em um processo necessariamentecoletivo.

“Criar o poder popular significa criar novasformas de relações humanas, novas relações so-cietárias, novas relações políticas. Estas não po-dem começar apenas a partir da ‘tomada’ do

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aparelho de Estado, mas devem realizar-se noprocesso, na caminhada. Criar o poder popularsignifica construir novas relações cotidiana-mente nos processos de lutas, nas escolas, nasfamílias, nas relações entre militantes, nas estru-turas organizativas. Em todos os espaços deve-mos ir forjando e exercitando os valores e acultura do poder popular. Os sujeitos não serealizam por uma concessão que lhes é dada.Mas por sua luta, pois através dela é que seconquista o direito e se adquire consciência domesmo. A consciência do poder popular nãoserá imposta de fora e nem de cima para baixo,mas de um processo que se dará a partir da‘práxis’ inovadora, lutas/reflexão, prática/cons-ciência, erros/acertos.”

Entendemos, portanto, que nossa tarefa neste mo-mento passa, necessariamente, por pensar em comoconstruir o poder popular a partir dos nossos sindi-catos e movimentos sociais. Os dois objetivos coloca-dos anteriormente contribuem com essa construçãoque se faz fundamental. Quanto mais caminharmosnesse sentido, mais poderemos avançar nas conquistase na longa estrada que deverá conduzir ao socialismo.O caminho, acreditamos, se faz caminhando, e a es-

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trada que escolhermos, certamente determinará o fimde nossa viagem. Cabe agora a nós escolher qual seráa estrada que tomaremos.

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“É fundamental hoje para os sindicatos a cons-trução de uma agenda que possa articular seus in-teresses mais imediatos às lutas dos trabalhadores em geral, não apenas os formalmente admitidos no mercado de trabalho, mas todos aqueles que estiverem dispostos a lutar e se organizar em favor de uma transformação radical e efetiva da sociedade rumo ao socialismo.”

Alexandre Samis

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