Simmel Em Palmares-libre

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GEORG SIMMEL EM PALMARES 1 Sérgio da Mata [email protected] Das Höchste wäre: Zu begreifen, dass alles Faktische schon Theorie ist. Goethe O texto que segue se pretende um ensaio de sociologia compreensiva do fenômeno quilombola. Não se trata, portanto, de uma abordagem propriamente histórica. O autor não se baseou em documentos inéditos, nem teve a pretensão de realizar uma síntese teórica abrangente a respeito dos antigos quilombos brasileiros. As fontes de que se valeu são bem conhecidas. E isso por um motivo muito simples: a tradição disciplinar que o norteia é bem outra. Se for preciso evocar três nomes que resumem a perspectiva aqui adotada, diremos logo: Simmel, Weber, Schütz. Parece-nos não só possível, mas também desejável, incorporar a contribuição destes cientistas sociais aos estudos sobre formas coletivas de resistência negra. Para tanto seria preciso a realização de um inventário prévio de "tudo" o que se publicou a respeito? Ora, tal pressuposto não é apenas irrealizável. Ele é, em si mesmo, irrelevante do ponto de vista epistemológico. Somente aqueles ainda presos a uma concepção de ciência marcada pelo que os pensadores acima chamaram de "realismo ingênuo" (noção sem dúvida menos dada a equívocos que a de "positivismo") se oporiam a tal esforço sob o argumento de que uma base empírica "insuficiente" inviabiliza toda e qualquer forma de compreensão (Verstehen) do passado. Pois é muito mais comum que se dê o contrário. Uma base empírica demasiado extensa, seja ela inédita ou de "segunda mão", não se dá a pensar. Diante do pesquisador se coloca um elenco tão vasto de questões que ele se vê obrigado a descartar boa parte delas. Se é que chega a percebê-las diante de si. Aquilo a que se chamou um dia “erudição” representa simultaneamente uma necessidade e um risco. De sorte que nos parece mais sensato explorar apenas os problemas que nos sentimos em condições não de "elucidar", mas de apresentar sob nova luz. Isso exigirá a formulação de hipóteses. E a utilização de uma estratégia discursiva que se afasta, decididamente, da tendência narrativista tão em voga nos últimos anos. O que se pretende não é compor um dado retrato do passado, mas examinar de perto três problemas relativos ao fenômeno quilombola. Enfim, o que se busca aqui é identificar e interpretar determinadas relações. 1 A primeira versão deste texto foi originalmente escrita como trabalho final para o curso "Sklavenhandel, Sklaverei und Abolition", ministrado no semestre de inverno 1999-2000 pelo Prof. Dr. Michael Zeuske no Instituto de História Ibérica e Latino-Americana da Universidade de Colônia. Publicado em Cronos - Revista de História (v. 8, p. 73-103, 2005).

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  • GEORG SIMMEL EM PALMARES1

    Srgio da [email protected]

    Das Hchste wre: Zu begreifen, dass alles Faktische schon Theorie ist.

    Goethe

    O texto que segue se pretende um ensaio de sociologia compreensiva do

    fenmeno quilombola. No se trata, portanto, de uma abordagem propriamente histrica. O

    autor no se baseou em documentos inditos, nem teve a pretenso de realizar uma sntese

    terica abrangente a respeito dos antigos quilombos brasileiros. As fontes de que se valeu so

    bem conhecidas. E isso por um motivo muito simples: a tradio disciplinar que o norteia bem

    outra. Se for preciso evocar trs nomes que resumem a perspectiva aqui adotada, diremos

    logo: Simmel, Weber, Schtz. Parece-nos no s possvel, mas tambm desejvel, incorporar a

    contribuio destes cientistas sociais aos estudos sobre formas coletivas de resistncia negra.

    Para tanto seria preciso a realizao de um inventrio prvio de "tudo" o que se

    publicou a respeito? Ora, tal pressuposto no apenas irrealizvel. Ele , em si mesmo,

    irrelevante do ponto de vista epistemolgico. Somente aqueles ainda presos a uma concepo

    de cincia marcada pelo que os pensadores acima chamaram de "realismo ingnuo" (noo

    sem dvida menos dada a equvocos que a de "positivismo") se oporiam a tal esforo sob o

    argumento de que uma base emprica "insuficiente" inviabiliza toda e qualquer forma de

    compreenso (Verstehen) do passado. Pois muito mais comum que se d o contrrio. Uma

    base emprica demasiado extensa, seja ela indita ou de "segunda mo", no se d a pensar.

    Diante do pesquisador se coloca um elenco to vasto de questes que ele se v obrigado a

    descartar boa parte delas. Se que chega a perceb-las diante de si. Aquilo a que se chamou

    um dia erudio representa simultaneamente uma necessidade e um risco.

    De sorte que nos parece mais sensato explorar apenas os problemas que nos

    sentimos em condies no de "elucidar", mas de apresentar sob nova luz. Isso exigir a

    formulao de hipteses. E a utilizao de uma estratgia discursiva que se afasta,

    decididamente, da tendncia narrativista to em voga nos ltimos anos. O que se pretende no

    compor um dado retrato do passado, mas examinar de perto trs problemas relativos ao

    fenmeno quilombola. Enfim, o que se busca aqui identificar e interpretar determinadas

    relaes.

    1 A primeira verso deste texto foi originalmente escrita como trabalho final para o curso "Sklavenhandel, Sklaverei und Abolition", ministrado no semestre de inverno 1999-2000 pelo Prof. Dr. Michael Zeuske no Instituto de Histria Ibrica e Latino-Americana da Universidade de Colnia. Publicado em Cronos - Revista de Histria (v. 8, p. 73-103, 2005).

  • Mas esta operao mental chamada Verstehen no se efetiva, nem pode se

    efetivar, unicamente a partir daquilo que se convencionou chamar de "vivncia". Ela tem suas

    possibilidades maximizadas quando se articula com o emprego do mtodo comparativo.

    Esperamos que as pginas a seguir possam demonstr-lo. Abra-se aqui um breve parntesis.

    No ser infundado o postulado segundo o qual s se pode, ou s se deve, "comparar o

    comparvel"? Seria preciso analisar a fundo o que h de historicismo nesta frmula, ou pelo

    menos demonstrar a sua inconsistncia no plano especificamente lgico? O "incomparvel"

    no passa de um dogma historicista2.

    Por outro lado, partimos do pressuposto de que fundamental formular e explicitar

    conceitos, e quem sabe mesmo modelos, que sejam minimamente operatrios para a anlise

    histrica das formas coletivas de resistncia negra. De certo poder-se-ia dizer que conceitos e

    modelos so uma forma de "simplificao" do real. O prprio Weber reconheceu que os tipos

    ideais inevitavelmente "violentam a histria" (WEBER, 1988, p. 113) com a singular diferena

    de que se trata, neste caso, de simplificaes necessrias para fins de compreenso.

    Conceitos, tipos ideais: pontes sem as quais, escreveu certa vez Heinrich Rickert, no se

    atravessa o caudaloso rio da realidade.

    Nem seria preciso dizer que aquela idia amplamente difundida, a de que uma

    abordagem conduzida nesses termos correria o risco de "adequar os fatos teoria e no o

    contrrio", corresponde a uma viso bastante superficial do que o trabalho cientfico. Que no

    h anlise do real sem teoria prvia, j o mostraram h tempos um Cassirer, um Popper.

    Insistir numa anlise histrica sem lanar mo de determinados pressupostos significaria

    empobrecer nossa cincia (SIMMEL, 1892). Significaria, no fim das contas, voltar a Ranke.

    Bandidos e quilombolas

    Enquanto entre boa parte dos historiadores prevalece ainda uma atitude de

    desconfiana em relao aos conceitos (enfaticamente explicitada, alis, nos escritos de Lucien

    Febvre), d-se algo totalmente diverso nas cincias sociais. No h como empreender,

    dizem-nos, um trabalho de pesquisa sistemtico sem que se elaborem definies claras do

    objeto de estudo. As definies no tm a pretenso de serem definitivas ou isentas de erros

    de formulao; elas se prestam a um trabalho de reelaborao constante. Sem esse esforo o

    pesquisador torna-se muitas vezes vtima de uma concepo demasiado flexvel do objeto, o

    que pode lev-lo a incluir numa mesma categoria fenmenos que no guardam seno um

    parentesco muito distante entre si. Diramos que tem sido precisamente esta uma das

    principais lacunas dos estudos sobre os quilombos. De volta, pois, pergunta mais elementar

    de todas: o que um quilombo?

    2 Ver os estudos de FLAIG (1996) e DETIENNE (2000).

  • Para Carlos Magno Guimares (1988, p. 39), o elemento bsico que permite

    identificar um quilombo no o nmero de escravos fugidos que se organiza num grupo ou

    comunidade, mas sim o fato em si da negao do sistema: "o que vai definir este ou aquele

    local enquanto quilombo a existncia, neles, do elemento vivo, dinmico, ameaador da

    ordem escravista, enfim, o escravo fugido". Guimares parte das diversas definies correntes

    no sculo XVIII, nas quais o nico ponto em comum era: onde h negros fugidos, h quilombo.

    nesse aspecto comum que ele fundamenta a sua prpria. Convenhamos que se trata de uma

    caracterizao precria. A segui-la, poderamos considerar que uma nica fuga individual seria

    suficiente para dar origem a um "quilombo". Basta pensar como argumentou h tempos Katia

    Mattoso (1979, p. 181) nas brutais diferenas morfolgicas entre um quilombo de Palmares e

    simples agrupamentos de quatro ou cinco fugidos para nos apercebermos de que o mero fato

    da fuga no pode servir de eixo a uma caracterizao adequada do fenmeno quilombola. A

    tentativa de caracteriz-lo como uma "povoao de escravos fugidos" (SCHWARTZ, 1994;

    HERMANN, 2000) no nos leva muito mais longe.

    Causa impresso o fato de que, a despeito de tais problemas, tenham-se

    empreendido tentativas de elaborar tipologias dos quilombos, seja no que se refere s suas

    dimenses, seja no tocante s atividades econmicas que os sustentaram. Pois uma operao

    o pressuposto da outra: no pode haver tipologia vlida daquilo que, a rigor, no est prvia e

    adequadamente definido. Eugene Genovese (1979, p. 52, 68-69) foi um dos que argumentou

    que ao lado dos quilombos propriamente ditos teria havido tambm pequenos quilombos. Para

    Schwartz (1994) era pequeno o quilombo de at cem integrantes. Gomes (1996, p. 120)

    considera que "pequenos mocambos" tinham entre 10 e 30 membros, e "mdios", de duas a

    trs centenas. A partir da poder-se-ia falar em "grandes" quilombos. Rhrig-Assuno (1996,

    p. 436-437) elaborou uma tipologia baseada nos critrios atividade econmica e localizao

    geogrfica. Existiriam assim trs formas bsicas de quilombo: os "pequenos" (prximos das

    fazendas), os quilombos de economia de subsistncia relativamente desenvolvida (com

    eventual comercializao de excedentes) e o quilombo de base agrcola e mineradora, sendo

    os dois ltimos afastados dos ncleos de povoamento rural ou urbano. Rhrig-Assuno (1993,

    p. 342) apenas traduz uma tendncia mais geral quando escreve que "sob o conceito geral

    quilombo (ou mocambo) escondiam-se na verdade um grande nmero de diferentes formas de

    resistncia".

    A diversidade dos resultados a que chegam os pesquisadores no surpreende

    quando se leva em conta que a pergunta "o que um quilombo?" no foi ainda alvo de reflexo

    mais cuidadosa. Como j haviam observado Vogt e Fry (1996), so evidentes os problemas

    advindos do uso de uma acepo demasiado elstica de "quilombo".

    Price mostrou na sua excelente introduo a Maroon Societies que maroons,

    cimarrones, palenques e quilombos eram formaes sociais extremamente parecidas entre si

  • (PRICE, 1973). Sem ampliar excessivamente o leque de anlise, ele se refere apenas s "rebel

    slave communities" apenas quelas comunidades de ex-escravos onde se institui um sistema

    poltico, econmico, e, em alguns casos, de parentesco e religioso, alternativo ao da antiga

    condio servil. Temos claro, portanto, o que uma comunidade quilombola: ela constitui uma

    espcie de utopia vivida. Deve-se ressaltar que o uso da categoria "utopia" de forma alguma

    sugere uma tentativa de resgatar a antiga idia segundo a qual os quilombos constituram um

    experimento de tipo pr-socialista. Segundo Mannheim (1929, p.180), utopias so

    representaes ou projees transcendentes que, ao contrrio das ideologias, so capazes de

    se efetivar historicamente. O ideal de liberdade constitui, diz ele, uma de suas formas. Da no

    haver contradio como quer nos fazer crer Hegmanns (1993, p. 64) quando se fala em

    utopia vivida; expresso que, de resto, encontra similares na konkrete Utopie de Bloch (1959,

    p. 727) e na utopie pratique de Baczko (1978, p. 35). Nossa opo pelo termo comunidade (ao

    invs de "sociedade" quilombola) parte do princpio de que uma das formas possveis de se

    caracterizar a oposio entre quilombo e 'mundo exterior' se aproxima daquela que a sociologia

    clssica identificou entre comunidade e sociedade. A primeira seria um "organismo vivo" e a

    segunda, um "agregado mecnico". Se na comunidade "as pessoas esto unidas apesar de

    todas as suas diferenas, na sociedade elas esto separadas a despeito de todas as suas

    ligaes" (TNNIES, 1926, p. 39).

    Caracterizar o fenmeno quilombola como utopia vivida significa dizer que ele

    pressupe uma concretizao coletiva do ideal de liberdade, a formao de uma comunidade

    e, last but not least, o estabelecimento da mesma num espao parte. Os trs fatores esto

    intimamente ligados entre si. Vimos acima como o ato isolado da fuga, por si s, no nos

    autoriza a falar em quilombo. Por outro lado, se a conquista da liberdade se faz de forma

    coletiva mas no implica, simultnea ou posteriormente, na gnese de um senso de

    comunidade, ento deve-se falar em revolta, no em quilombo. Por fim, a comunidade de

    fugitivos institui seu prprio espao, um espao necessariamente separado do mundo que a

    cerca trao elementar de toda e qualquer utopia. Tanto os quilombos que buscam refgio nas

    matas das cercanias de uma vila quanto os que se instalam nos confins do serto no fazem

    seno produzir, por meio de distintos artifcios, o mesmo afastamento. Uma primeira

    aproximao do problema "o que um quilombo", como a que aqui se esboa, deve ainda ser

    posta prova empiricamente. Antes de faz-lo, lembremo-nos apenas do indcio precioso que

    o nome do povoado fundado por alguns dos quilombolas remanescentes de Trombetas:

    Cidade Maravilha.

    Essas consideraes preliminares nos permitem inferir, evocando o que os

    filsofos chamaram princpio de identidade, o que a comunidade quilombola no . Em outras

    palavras, a idia segundo a qual os pequenos grupos itinerantes de fugitivos seriam

    "quilombos" parece-nos altamente problemtica. O motivo simples: estamos diante de dois

  • fenmenos distintos complexos sociais como Palmares, Ambrsio e Trombetas de um lado, e

    grupos esparsos de fugitivos do outro. Embora saibamos que a "rapinagem" estivesse presente

    tambm em diversas comunidades quilombolas, ela exercia a apenas um papel secundrio do

    ponto de vista da sua auto-sustentao. J os grupos "itinerantes" tm, segundo inmeros

    relatos, no roubo sua forma de subsistncia bsica. Eles no podem se constituir em grupos

    numerosos pois sua mobilidade e segurana seria prejudicada; da mesma forma que sua

    relao com a sociedade escravista adquire um carter por assim dizer "parasitrio".

    A definio de Guimares (para o qual desde que haja fuga h "quilombo") no se

    sustenta porque excessivamente generosa. S assim se explica, alis, que ele tenha

    encontrado na Minas Gerais do sculo XVIII a enorme cifra de 160 "quilombos". As tipologias

    de Genovese e Rhrig-Assuno (que advogam a existncia de "pequenos" quilombos ou

    "quilombos itinerantes") tambm englobam fenmenos socias distintos sob uma mesma

    categoria. Como foi sugerido, a prpria lgica nos impe ver nos grupos de fugitivos que se

    mantm custa do roubo um fenmeno parte. Que as autoridades policiais ou civis da poca

    utilizassem uma denominao to genrica mas que um Reis (1996, P. 347) chega a

    considerar "definio quase tcnica" , compreensvel. Ao historiador social, entretanto, cabe

    a tarefa de distinguir de forma minimamente clara a natureza do seu objeto. Pois tambm aqui,

    como dizia Durkheim (1989: 120), ele se coloca diante de "postulados que s so tidos por

    evidentes porque no foram criticados". O que muitos dos pesquisadores denominam

    "quilombos" eis nossa hiptese no o so. Uma parte substancial dos casos registrados

    configuraria um outro fenmeno social, o banditismo negro. Nele o roubo nada substitui de vez

    que o fundamento do grupo. significativo que Theodor von Leithold, no incio do sculo XIX,

    tenha se referido aos grupos de negros que assolavam os viajantes das cercanias de Ouro

    Preto no como quilombos, mas como Ruberbanden, literalmente, "bandos de ladres"

    (LEITHOLD, 1820, p. 96).

    Schwartz foi o primeiro a perceber tais lacunas. Ele nos forneceu um dado

    fundamental, ao mostrar que o termo "quilombo" aparece num documento de 1737 nomeando

    um grupo de foras-da-lei brancos (SCHWARTZ, 1992, p. 121). Num estudo anterior, o

    historiador norte-americano j atentara para a semelhana entre as "depredaes" feitas pelos

    mucambos e formas clssicas de banditismo social. "As reaes", escrevia ele, "dos escravos e

    dos camponeses brasileiros a uma ordem social e econmica opressiva foram tremendamente

    similares" (SCHWARTZ, 1973, p. 212). Genovese pressentiu o mesmo, tendo at admitido que

    muitos dos grupos de fugitivos s poderiam ser denominados maroons "por cortesia"

    (GENOVESE, 1979, p. 77-79). Se o banditismo negro veio a ser ou no a primeira

    manifestao histrica de banditismo social no Brasil, uma questo com a qual no nos

    ocuparemos aqui. Cumpre-nos apenas observar que Schwartz e Genovese, apesar de

  • conhecerem bem os trabalhos de Hobsbawm, preferiram no explorar a fundo as implicaes

    deste paralelismo.

    Seria preciso retomar o problema, ainda que de forma um tanto esquemtica e

    provisria, precisamente no ponto em que ele foi abandonado. Uma condio prvia para isso

    tentar verificar como se associam a dimenso e o carter do grupo de escravos fugidos.

    Georg Simmel (1999), no seu longo estudo "A determinao quantitativa do grupo",

    demonstrou de forma clara a estreita associao entre esses fatores3. No que diz respeito ao

    tema deste ensaio, poderamos resumir essa relao entre dimenso, carter e morfologia da

    seguinte forma: quanto maior for o grupo formado pelos fugitivos menor ser a probabilidade

    de que ele se constitua numa associao exclusivamente baseada no banditismo, maiores as

    chances de que ele se auto-organize como uma comunidade quilombola. O inverso se verifica

    quando nos referimos ao banditismo negro. O uso do termo "banditismo" justifica-se quando se

    contrape este fenmeno ao assim chamado banditismo social (HOBSBAWM, 1976;

    HOBSBAWM, 1978). Vemos de imediato uma srie de aspectos convergentes alm do mais

    importante deles, a prtica do roubo , a saber: (a) ambos so fenmenos tipicamente rurais de

    sociedades baseadas na agricultura; (b) os contraventores refugiam-se em reas de difcil

    acesso como montanhas e florestas, embora (c) eles nunca se afastem demasiadamente de

    ncleos de povoamento ou de locais estratgicos como estradas; e (d) seus grupos tm em

    mdia de dez a vinte membros. O grupo de 12 pessoas liderado por Manoel Padeiro, que

    assolou a regio gacha da Serra dos Tapes entre 1834 e 1835, poderia ser tomado como um

    caso exemplar de banditismo negro (MAESTRI, 1996, p. 307-311)4. Vejamos ainda o

    elucidativo relato de Eschwege:

    No fossem os negros, por sua prpria natureza, to covardes, estes grandes bandos de ladres [...] poderiam se tornar perigosos at mesmo para o Estado. Mas eles se contentam unicamente em atacar viajantes solitrios ou em ir s povoaes prximas durante a noite para roubar ou para se fazerem esconder pelos escravos domsticos. quase inacreditvel que sua covardia chegue to longe, pois, mesmo quando em nmero de cinqenta, no atacam conjuntamente trs ou quatro viajantes. Quando entretanto capturam um viajante sozinho, e em especial um capito-do-mato, praticam todas as crueldades possveis. O mnimo que comumente fazem a um desses infelizes que lhes caem s mos enfiar-lhes boca uma madeira grossa, maneira de um freio ou rdea, e que amarrada com uma corda to apertada parte posterior da cabea que freqentemente a boca se rasga nas suas extremidades. Prendem-lhes as mos s costas, numa rvore, e assim o abandonam at que o acaso faa passar por ali algum que o liberte. Tambm a muitos castram, e, de fato, no da forma mais apropriada; e a outros matam com as maiores crueldades. Quanto mais povoadas as redondezas, maiores so os bandos de ladres; mas

    3 "Die Zahl wirkt als Einteilungsprinzip der Gruppe, d. h. es werden Teilen derselben, die durch Abzhlung hergestellt sind" (SIMMEL, 1999, p. 82).

    4 No empregamos aqui o adjetivo "social" pelos mesmos motivos invocados por GRNEWALD (1999, p.134) no seu estudo do banditismo judaico poca da dominao romana: no dispomos (ainda?) de baladas ou outras tradies literrias populares que nos permitam falar nesse suposto carter "social". Para uma contraposio interessante, ver o caso do grupo do bandido "Montanha" analisado por ANASTASIA (2000, p.124-131).

  • especialmente nos arredores de Vila Rica eles causam desgraas dirias por causa da polcia tremendamente ruim. (ESCHWEGE, 1818, p. 100-102)

    Com os quilombos o quadro totalmente outro. difcil imaginar uma comunidade

    com centenas de membros mantendo-se exclusivamente, ou principalmente, custa de

    roubos. Garantir a sobrevivncia de um nmero elevado de pessoas implica um maior grau de

    fixao uma vez que a agricultura e, conforme o caso, a criao de animais ou o extrativismo

    assim o exigem. Com a mobilidade do grupo comprometida, da tambm decorre o fato de que

    ele se estabelea, ao contrrio do banditismo negro, a maiores distncias de fazendas e vilas.

    A formao de uma estrutura poltica interna provavelmente decorre, num primeiro momento e

    a nvel especificamente funcional, da necessidade de articular as atividades militares e de

    defesa. Paliadas, armadilhas e muros de proteo podem vir a garantir uma relativa

    sedentarizao do quilombo, pelo menos at o momento em que os ataques inimigos no

    atinjam o limite de sua capacidade de resistncia.

    Percebe-se enfim que banditismo negro e quilombos constituram at certo ponto

    formas antitticas de resistncia coletiva negra.

    Vejamos os casos do Rio Grande do Sul e do Amazonas. Segundo Maestri (1996,

    p. 323), os "quilombos" do sul dificilmente tm mais de vinte a trinta membros. Eles

    situavam-se "nas cercanias das cidades, vivendo da rapina, de uma economia de subsistncia

    e de pequenas atividades mercantis". J no Amazonas, mostra Funes (1996, p. 482), os grupos

    adquiriam dimenses bem maiores, por vezes com mais de uma centena de pessoas,

    "localizavam-se a longas distncias dos centros urbanos e no desenvolveram uma 'economia

    parasitria'". A rigor, somente estes deveriam ser considerados quilombos propriamente ditos

    ("rebel slave communities", utopia vivida). No Sul parece ter predominado o simples grupo de

    fugidos e/ou de bandidos.

    Como raciocinamos aqui em termos de tipos ideais, natural que haja casos em

    que, dentro de um mesmo patamar quantitativo, manifestem-se caractersticas que no

    correspondem inteiramente ao que postulado acima. Eschwege fala de grupos de bandidos

    com at meia centena de negros. O "quilombo" da Ilha dos Marinheiros teria durado duas

    dcadas, era formado de apenas 20 pessoas e "viveria sobretudo da agricultura, da caa, da

    coleta e da pesca" (MAESTRI, 1996, p. 315). Trata-se provavelmente de um pequeno grupo de

    fugidos que optou por uma economia auto-sustentada. O que permite concluir que houve

    pequenos contingentes de fugidos que simplesmente preferiram no optar por nenhuma destas

    formas de resistncia: nem o banditismo negro, nem a formao de comunidades quilombolas

    (a existncia dos assim chamados ribeirinhos na Minas Gerais do incio do sculo XIX constitui

    um forte indcio nesse sentido)5. Outro caso interessante, porque aparentemente inverso, o

    do quilombo do Tatu. As 65 pessoas que ali moravam se mantinham atravs de assaltos

    5 Depois de se referir aos "quilombos", Saint-Hilaire (1941, p. 176) escreve: "Outros negros fugidos vivem isolados; ficam na vizinhana das casas e recebem dos prprios escravos dessas casas o alimento de que necessitam. Essa classe de fugitivos denominada: ribeirinhos".

  • (SCHWARTZ, 1971, p. 429-438). Isso mostra que existiu um tipo intermedirio entre o grupo de

    bandidos negros e as grandes comunidades quilombolas. No Tatu e em outros mocambos

    baianos a rapina desempenhou um papel bem mais importante que a agricultura, razo pela

    qual a seguir a lgica do nosso raciocnio eles no poderiam se situar a grande distncia

    dos ncleos de povoamento nem ser formados por um nmero elevado de ex-escravos. Os

    estudos de Schwartz (1992, p. 104-108, 112-118) confirmam-no. A respeito de cinco destes

    mocambos h dados numricos, sendo que em quatro (o da serra Itapicuru, Acaranquanha,

    Buraco de Tatu e Urub) a mdia de membros de 52,75. Apenas um quilombo baiano citado

    por Schwartz, o de Cair, teria reunido mais de uma centena de negros. Infelizmente, dele no

    nos chegou a descrio. Esse carter hbrido dos mocambos baianos pode ter sido tambm o

    mais comum no Rio de Janeiro. Karasch (1988, p. 312-313) observa que no houve, nesta

    provncia, registro de existncia de grandes comunidades quilombolas. Os mocambos cariocas

    sobreviviam tanto do produto de roubos quanto da agricultura de subsistncia e do comrcio.

    O quadro abaixo, desenvolvido com base nos tipos de resistncia coletiva negra

    de que tratamos at este momento, permite visualizar melhor as suas semelhanas e

    distines mtuas. Os critrios que orientaram sua formulao devem ser esclarecidos.

    Omitimos algumas atividades ligadas auto-subsistncia do grupo (como a minerao, a

    criao de animais ou a coleta) uma vez que a agricultura a nica atividade que aparece em

    todos os casos satisfatoriamente registrados de quilombos. O nvel de isolamento do grupo ou

    comunidade foi avaliado sobretudo no que diz respeito distncia mantida em relao a vilas

    ou fazendas. Quanto ao critrio "contingente", consideramos "grande" qualquer comunidade

    cujo efetivo se aproxime do limite 100 ou o supere. Um "pequeno" contingente significa para

    ns um grupo com no mximo 20 pessoas. V-se que o aspecto quantitativo, a despeito de sua

    relativa precariedade, possibilita entender melhor quando o articulamos com os demais

    elementos presentes no quadro o carter hbrido de comunidades de tipo mdio como o

    Buraco de Tatu (claro est que dois grupos de tipo mdio podem assumir configuraes

    distintas: neste caso o nmero de membros perder relevncia enquanto que outros fatores,

    sobretudo o grau de isolamento e a ecologia do topos quilombola, desempenharo

    necessariamente um papel decisivo). O leitor perceber facilmente o quanto nos afastamos,

    neste ponto, de Schwartz e Gomes. O que est em questo no simplesmente o nmero de

    quilombolas, mas as ordens de grandeza a partir das quais se podem identificar tipos sociais

    distintos. Uma classificao adequada dessas formas de resistncia coletiva deve obedecer a

    um critrio morfolgico, e no puramente aritmtico6.

    Nunca demais insistir que o carter provisrio dessa tipificao se deve em

    muito ao fato de que s pudemos nos basear nas poucas boas descries disponveis de

    quilombos e grupos de bandidos.

    6 Para uma discusso sobre as possibilidades de emprego do mtodo morfolgico pesquisa histrica, vide Lamprecht (1900), Huizinga (1992) e Ginzburg (1991).

  • QUADRO 1

    Contingente Agricultura RapinaNvel de

    isolamento

    Estrutura

    'poltico-mili

    tar'

    Estabilidade

    Ambrsio

    (1746)grande

    forma mais

    importante

    forma

    marginalalto desenvolvida alta

    Buraco de

    Tatu

    (1763)

    mdioforma

    marginal

    forma mais

    importantebaixo desenvolvida alta

    Quariter

    (1770)grande

    forma (mais)

    importante? alto desenvolvida alta

    Quariter

    (1795)mdio

    forma (mais)

    importante? alto

    pouco

    desenvolvidaalta

    B

    Bando de

    Manoel

    Padeiro(banditismo)

    pequeno inexistente nica forma baixo chefia baixa

    Alguns esclarecimentos adicionais. Se h, e cremos que h, uma relao

    inversamente proporcional entre sustento baseado na agricultura e sustento baseado na

    rapina, tudo permite supor que no quilombo matogrossense do Quariter esta ltima fosse uma

    atividade marginal ou at mesmo inexistente. Abstivemo-nos de assinal-lo no quadro

    simplesmente porque no encontramos nenhuma referncia precisa a respeito. Observe-se,

    por outro lado, como o definhamento numrico desta comunidade aps a expedio de Joo

    Leme do Prado (de mais de uma centena de quilombolas em 1770 para cinqenta e quatro em

    1795, data da expedio de Joo dAlbuquerque de Mello) se refletiu de forma visvel no nvel

    de complexidade da organizao poltico-militar. Se em 1770 a estrutura de poder lembra a de

    Palmares, em 1795 s temos notcia de que havia "regentes" no Quariter. claro que esse

    retrocesso tambm se explica, em boa medida, pela derrota militar e pela conseqente

    desestruturao da polis negra. Por que uma forma de resistncia coletiva to importante como

    a revolta no est includa no quadro? A revolta, j foi dito, no implica necessariamente a

    constituio de uma comunidade parte, e o critrio quantitativo no nos oferece uma boa

    chave para pens-la. O banditismo negro, por sua vez, s foi includo no quadro porque era

    importante demonstrar que sob essa categoria que se deveriam classificar muitos dos assim

    chamados "pequenos quilombos" ou "quilombos itinerantes".

  • Essa estreita associao entre aspectos quantitativos e qualitativos das

    modalidades de resistncia escrava permitem-nos no plano estritamente lgico, repetimos

    ver no simples grupo de fugitivos uma espcie de embrio que pode (ou no) "evoluir" at o

    ponto de tornar-se uma comunidade quilombola. Bastaria para isso que o ncleo inicial

    passasse por um aumento significativo do seu efetivo por meio de um nmero elevado de

    novas adeses, o que implicaria em sensveis mudanas a nvel morfolgico. Em parte isso

    explicaria porque as comunidades quilombolas recorriam sistematicamente a formas de

    aliciamento, s vezes violentas, de novos membros e no nos referimos aqui apenas aos

    raptos de mulheres. A existncia de um maior efetivo interno era uma das principais condies

    de estabilidade e durabilidade do quilombo.

    Os pais do mundo

    Qual o carter das lideranas que se formavam nos grupos de bandidos e nos

    quilombos? Em sua contribuio Histria dos Quilombos no Brasil, Guimares (1996, p.

    146-149) reconhece que os documentos s permitem perceber o elementar, ou seja, que elas

    existiam. Como elas se constituam, qual o seu poder efetivo sobre o grupo, qual a sua relao

    com antigas linhagens reais africanas, so ainda perguntas para as quais no se encontraram

    respostas satisfatrias.

    Mais uma vez, preciso matizar. As formas de organizao poltico-militar

    necessariamente adquiriram nas comunidades quilombolas, em virtude de sua maior dimenso

    e complexidade, um grau de diferenciao que simples grupos de fugitivos ou bandidos

    obviamente no estavam em condies de produzir. Pelo menos trs fatores parecem ter

    contribudo para isso: estado de guerra crnico, maior "contingente demogrfico" e produo

    de excedentes. Mostram os estudos de Fortes e Evans-Pritchard (1961), Clastres (1990, p.

    148-149), Tilly (1996. p. 133) e Gellner (1997, p. 44-46) que, nessas circunstncias, pode-se

    falar em condies suficientes para a formao de um aparato estatal. A existncia de "reis" e

    "rainhas" nos quilombos pode perfeitamente ter se aproximado das formas de exerccio de

    poder que os escravos conheciam na frica. O caso de Palmares tem aqui um valor exemplar:

    Ganga-Zumba e Zumbi tendem a confirmar a tese weberiana de que o rei , primariamente, um

    prncipe guerreiro. A monarquia, diz Weber, brota do herosmo carismtico e converte-se num

    fenmeno permanente quando o estado de guerra se torna crnico (WEBER, 1999, p.

    349-350). O mesmo dificilmente deu-se nas formas mais simples de protesto coletivo negro.

    Por essa razo soa fantstica a afirmao de Maestri de que teria havido uma "organizao

    poltica" no grupo de Manoel Padeiro, mesmo sabendo que o mesmo se compunha de

    escassos 12 integrantes.

  • O problema aqui no diz respeito existncia ou no de um poder "monrquico"

    moldado imagem e semelhana de eventuais arqutipos africanos, e sim a um fenmeno

    mais interessante: a presena tanto nos grupos de bandidos quanto nos quilombos de todo

    um conjunto de ttulos de natureza poltica, militar, eclesistica e nobilirquica tomados de

    emprstimo ao mundo dos brancos. Eis a algo mais difcil de entender; no pelo emprstimo

    em si, mas pelo fato de que nada nos permite afirmar que a todos estes ttulos sempre tenham

    correspondido funes sociais especficas. No grupo do "general" Manoel Padeiro, por

    exemplo, havia um "juiz de paz" e um "capito". O quilombo do Quariter tinha o seu

    "capito-mor", e os negros usss que organizavam uma revolta na Bahia em 1806 elegeram

    um "governador". Nas formas clssicas de banditismo social algo semelhante foi observado.

    Dois bandidos ucranianos do incio do sculo XX eram conhecidos pelas alcunhas de "tzar" e

    "ministro" (HOBSBAWM, 1978, p. 35).

    "Reis" sem reinados, "generais" sem exrcitos, "juzes" sem cortes. Esse gosto

    pela adoo de ttulos no pode encontrar justificativa (a no ser, talvez, nas maiores

    comunidades quilombolas) num critrio de tipo funcionalista. O caminho a ser trilhado outro,

    qual seja, uma explicao que parta da natureza simblica destas supostas "imitaes"

    realizadas pelos negros. Sabemos que fenmenos de inverso social, como as festas,

    fazem-se acompanhar, via de regra, pela adoo de ttulos por parte de elementos das massas

    populares. Esta meta-monarquia impe aos seus detentores, maneira de verdadeiros

    emblemas vivos, incorporarem o prprio sentido da festa. Eles subvertem momentaneamente a

    sociedade, promovem os marginalizados e colocam-nos no "centro do mundo". Assim, houve

    na Europa da Idade Moderna "reis da juventude" e monarques de folie, da mesma forma que o

    carnaval brasileiro tem o seu "rei momo". Ora, o bandido e o quilombola incorporam, sua

    maneira, o mesmo papel. Eles representam esse desejo sempre latente de inverso da ordem

    social, com a singular diferena de que querem torn-la definitiva.

    Esse curioso ponto de convergncia entre fenmenos sociais aparentemente to

    distintos entre si como so a festa e as formas de resistncia negra coletiva sugere que um

    paralelo entre eles pode ajudar-nos a lanar alguma luz sobre o problema das "monarquias" ou

    chefias negras. E que manifestaes festivas se prestam melhor a esse trabalho de anlise

    seno os congados ou reisados? Tal como as formas de resistncia analisadas, o congado foi

    e continua sendo uma manifestao tipicamente negra. Antonil j nos falava dele. Diz Pereira

    da Costa (1967) que na festa do congado em Pernambuco contracenavam rei, rainha,

    secretrio de estado, mestre de campo, arautos, etc7.

    O fato de o congado estar associado aos cultos e prticas do catolicismo dos

    negros contribuiu em muito para que ele fosse quase sempre aceito sem maiores problemas

    7 Quando chegou s nossas mos o trabalho de Marina de Mello e Souza (2002) estas linhas j se encontravam escritas. Em vrios pontos nossa anlise coincide, com a diferena porm de que se ela buscou nas "monarquias" quilombolas elementos para melhor entender a lgica do congado, conosco deu-se o oposto.

  • pelos senhores e pela Igreja. As comemoraes das eleies dos "reis" e "governadores" dos

    escravos na Nova Inglaterra gozaram de prestgio e pompa semelhantes. Elas

    assemelhavam-se tanto s congadas que podemos consider-las, como postulou William

    Piersen, verses de um mesmo fenmeno. Essas eleies alternativas faziam-se acompanhar

    de desfiles de escravos ricamente vestidos, rufar de tambores, tiros para o alto, uso de

    insgnias como faixas e coroas e, finalmente, uma grande festa na casa do escolhido. Um

    desses "governadores" afro-americanos se fez acompanhar num cortejo de um "governador

    lugar-tenente", "deputados", um "juiz de paz" e at um "xerife" (PIERSEN, 1988, p. 120-123).

    Para se expressarem e romperem momentaneamente a lgica da explorao, da aculturao e

    do desterro, os negros se aproveitavam, em ambos os casos, de fendas que por vezes se

    abriam no mundo dos brancos: em ambiente catlico, festas dos santos padroeiros ou

    comemoraes oficiais como as coroaes dos monarcas portugueses; no ambiente

    protestante, o election day.

    A principal forma de escolha dos meta-monarcas foi a eleio. No Brasil as

    possibilidades de tornar-se um "rei" aumentavam com a capacidade de contribuir

    financeiramente (por meio de recursos prprios ou pela obteno de doaes junto a terceiros)

    para a realizao das festas de Nossa Senhora do Rosrio. Ser escravo ou liberto pouco

    importava. Nos Estados Unidos as escolhas tendiam a recair sobre escravos africanos,

    geralmente pertencentes a senhores que gozavam de prestgio poltico. Qualidades pessoais,

    tanto num caso como no outro, no parecem ter sido os critrios mais importantes, mas

    tambm eram observadas8.

    Diante desse complexo de prticas, de ritos e de mobilizao de recursos,

    qualificar de "fictcias" as meta-monarquias negras significa apenas se esquivar do problema.

    Esta idia j estava presente nos relatos de Henry Koster e de Spix e Martius. Ns a vemos

    continuamente repetida em autores que vo de Mrio de Andrade ("esses reis de fumaa") 9 a

    Joo Jos Reis ("esses monarcas fictcios ocupavam cargos meramente cerimoniais")10. A

    obra de Alfred Schtz nos ajuda a compreender porque a insistncia no carter "fictcio" da

    instituio do rei congo foi to recorrente. Uma das mais importantes contribuies de Schtz

    s cincias sociais foi ter mostrado que a experincia do real no se limita ao hic et nunc do

    cotidiano. Na verdade, esta experincia se opera em vrios nveis distintos. Cada um deles

    constitui aquilo que Schtz chama finite provinces of meaning. O que quer simplesmente dizer

    que no se deve falar numa realidade, mas em "mltiplas realidades" (o mundo do

    sobrenatural, o mundo dos sonhos, o mundo da teoria cientfica, etc). A lgica de cada um

    8 Ver Piersen (1988, p. 129-130), Aguiar (1993, p. 218) e Eugnio (1996, p. 111-132).

    9 "Esses reis de fumaa eram bons instrumentos nas mos dos donos, e excelente pra-choque entre o senhorio revoltante do senhor e a escravido revoltada (mais revoltada que revoltante) do escravo. [...] Os reis de fumaa funcionavam utilitariamente pros brancos" (ANDRADE, 1959, p. 20).

    10 (REIS, 1991, p. 62).

  • destes campos lhe prpria, e geralmente s reconhecemos como vlida aquela que diz

    respeito provncia de significado na qual momentaneamente nos "situamos". A corriqueira

    incompreenso entre o crente e o cientista, por exemplo, advm do fato de que eles se avaliam

    mutuamente a partir dos cdigos das suas respectivas provinces of meaning, e no porque um

    deles supostamente entende a "realidade" enquanto o outro a fantasia (SCHTZ, 1973). A

    perspectiva fenomenolgica permite perceber que, no mundo da festa, a meta-monarquia

    conga de forma alguma deve ser caracterizada como "fictcia". Ela configura uma realidade

    dotada de estatuto ontolgico prprio.

    Em Minas Gerais o Conde de Assumar tentara, sem sucesso, proibir os congados

    e reisados. Em Recife, houve poca em que a escolha do rei congo tinha de ser confirmada

    pelo chefe de polcia, o qual se encarregava de investigar a "conduta" do escolhido, assim

    como incit-lo a "manter a ordem e subordinao entre os pretos que lhe forem sujeitos". V-se

    que no Brasil, como na Nova Inglaterra, a meta-monarquia negra conferia grande honra e

    dignidade. As autoridades policiais percebiam claramente a ambivalncia que marcava a

    escolha dos "reis" negros. A festa, observou com brilho Genevieve Fabre (1993, p. 407), "was

    an occasion to create new ways of performing freedom".

    Nos congados temos uma monarquia simblica que encontra no plano ritual o seu

    "espao" privilegiado; enquanto que nas grandes comunidades quilombolas temos uma espcie

    de monarquia vivida. Tero sido to estranhas uma em relao outra? Se a anlise da

    instituio do rei congo no chega a nos dizer muita coisa a respeito do funcionamento e dos

    limites do exerccio da autoridade nas comunidades quilombolas, ela pode, por outro lado, nos

    dizer muito a respeito do sentido desta ltima, como tambm o do uso dos demais ttulos

    honorficos. Quem melhor enxergou o ponto de convergncia que perseguimos aqui foi Grard

    Police. Analisando as diversas expresses da cultura negra no Brasil, ele escreve: "na

    impossibilidade de ser reconhecido e aceito, portanto de poder se mover livremente na

    sociedade, o oprimido fabrica sua prpria micro-sociedade no interior da qual ele pode ser

    algum, se revestir dos mesmos atributos, ocupar as mesmas funes que lhe so recusadas

    no exterior" (POLICE, 1996, p. 219). No espao-tempo da festa, esse "ponto de cristalizao de

    tradies histricas" (SUNDERMEIER, 1991, p. 50), ao deparar-se ciclicamente com os mitos e

    experincias passadas do seu grupo, este redescobre e/ou recria sua prpria identidade11. A

    construo desta "micro-sociedade" pde, enfim, assumir configuraes temporrias (festivas)

    ou configuraes que se pretenderam permanentes o banditismo negro e os quilombos.

    11 A relao entre congado e memria coletiva pode ser melhor apreendida quando se lem as seguintes palavras de Westermann (1952, p. 25) a respeito da figura do chefe tribal africano: "como antepassado sempre presentificado (immer gegenwrtiger Ahne), o chefe liga presente e passado; ele incorpora a histria, a glria e auto-estima da sua tribo". Em sociedades ou grupos pr ou a-literados a festa constitui aquilo que Assmann chama de forma primria de organizao da memria cultural. Festas e ritos garantem, por meio da regularidade de sua repetio, a mediao e a transmisso do conhecimento garantidor da identidade, e, assim, a reproduo da identidade cultural. A repetio ritual garante a coerncia do grupo no espao e no tempo" (ASSMANN, 2000, p. 57).

  • QUADRO 2

    CONGADO

    A "monarquia" um emblema:

    expressa, no plano simblico-ritual, a

    memria e o desejo de promoo do

    grupo. A afirmao da identidade

    coletiva se faz "dentro" do sistema (ou,

    mais precisamente, nos seus

    interstcios). A opresso negada

    ritualmente por meio da festa: inverso

    temporria.

    QUILOMBO

    A "monarquia" um fato: o imaginrio

    ultrapassa a si mesmo e se

    "materializa" no mundo da vida

    (Lebenswelt). A afirmao da identidade

    coletiva se faz "fora" do sistema. A

    opresso negada concretamente por

    meio da fuga e da eventual tentativa de

    reconstituio das tradies africanas:

    inverso duradoura.

    O "rei" dos bandidos provavelmente ocupa um patamar sociolgico intermedirio

    entre a meta-monarquia conga e a "monarquia" quilombola. No resta dvida que o carter da

    sua chefia explica-se, em grande medida, pelas exguas dimenses do grupo que ele

    encabea. Somente nestas circunstncias torna-se possvel, assevera Devereux (1984, p. 16),

    que a personalidade (genial, agressiva, neurtica, etc) de um dos seus membros possa

    "influenciar radicalmente os processos grupais sem se apoiar no status social".

    Estas realidades comportam nuances. Nas suas relaes com o mundo e a

    religio do branco, nem o congado representa uma aceitao total, nem o quilombo um

    rompimento radical. O quilombo nega o sistema colocando-se "fora" dele, mas tal ruptura no

    nem pode ser absoluta. Somente recorrendo s vilas ou fazendas onde viveu escravizado, o

    quilombola efetua plenamente as trs formas bsicas de troca sem as quais, ensina

    Lvi-Strauss (1973, p. 336), nenhum agregado humano pode subsistir: trocas de palavras, de

    mercadorias e de mulheres. Outras vezes a escravido, eixo bsico que sustenta a realidade

    que se visa negar, que continua a existir dentro do quilombo.

    O congado, em tese, dar-nos-ia um exemplo diametralmente oposto. Mas sabe-se

    que no bem assim. Como j foi tantas vezes demonstrado, as festas do catolicismo popular

    tiveram e tm por marca uma ambigidade "poltica" no menos evidente. A expresso

    histrica mais impressionante deste paradoxo: os inmeros casos de revoltas negras

    preparadas para serem deflagradas nos dias de festas religiosas. Em Minas Gerais, em Gois,

    e, em especial, na Bahia, planejaram-se sedies para os dias de So Joo, Nossa Senhora da

    Guia, Natal, Corpus Christi, Festa do Divino e quinta-feira santa12. Para os analistas, a escolha

    de tais datas se resumia a uma questo estritamente estratgica13. Contudo haveria a tambm

    12 A confluncia entre festa e revolta atestada por Verger (1987, p. 329-341), Karash (1996, p. 249), Andrade (1997, p. 240 e 247) e Coelho (1852, p. 330).

    13 A interpretao 'estratgica' deste fenmeno coincide em autores como Freitas (1976, p. 46), Moura (1988, p. 121) e Schwartz (1996, p. 382).

  • uma conexo no to aparente. Esta sobreposio entre festa religiosa e revolta prova que no

    h um abismo intransponvel entre as modalidades de afirmao do ser coletivo afro-brasileiro

    que abordamos aqui. Houve momentos em que a fronteira entre a inverso ldica (festa) e a

    subverso poltico-social (revolta) simplesmente se dissolveu14. Se isso foi possvel, foi porque

    elas guardavam um ntimo parentesco entre si.

    Uma ltima palavra sobre o problema das chefias negras. A existncia do rei

    quilombola se daria a entender apenas porque ele "funcionalmente" necessrio e/ou porque

    representa um desejo coletivo de promoo social? So sem dvida aspectos importantes da

    questo, todavia no convm esquecer um outro. A figura do monarca constitui em inmeras

    culturas uma espcie de eixo simblico primordial sem o qual no se concebe nem a existncia

    do mundo nem a da prpria sociedade. Marcel Granet (1997, p. 41, 114-115, 184-185, 197) nos

    fala da fora cosmognica que se atribui ao imperador na China antiga. Diz a tradio que Yu,

    o Grande, dividiu o mundo em suas nove regies, deu nome a todas as reas e a todas as

    famlias (ou seja, criou-as) e, assim, estabeleceu a ordem das coisas. Somente a unio do

    Homem nico com sua rainha garantia que o universo inteiro fosse fecundado. Na frica

    encontraremos concepes muito prximas a estas, como se v num mito de origem recolhido

    por Leo Frobenius de um sacerdote no Zimbabue: o comrcio sexual do primeiro homem,

    Mwuetsi, com sua mulher que d origem a tudo o que existe na face da terra. Mwuetsi torna-se

    ento Mambo (rei). "Um dia Mwuetsi procurou Morongo e quis unir-se a ela, mas foi picado

    pela serpente. O Mambo ficou doente. A chuva cessou. Rios, lagos e plantas secaram. Os

    animais morriam. Homens tambm comearam a morrer" (FROBENIUS, 1998, p. 263)15.

    O casal real constitui o que Frobenius chama de Welteltern, os pais do mundo.

    A ordem csmica indissocivel da figura do soberano; se este adoece, aquela ameaada.

    Note-se que este princpio no se limita ao universo dos mitos. Missionrios e etnlogos

    observaram, em algumas sociedades da frica negra, que no intervalo entre a morte do rei e a

    escolha do seu sucessor as normas sociais e tabus vinham abaixo. Este momento terrvel era

    vivido como um retorno ao Caos. Somente aps a posse do novo rei as normas eram

    restabelecidas. Num documento redigido no Congo, em 1622, observava-se que

    H couza j muito serta neste Reino em morte de Rej auer grandes reuoltas asim entre fidalgos como entre a gente popular, estes por roubar, e aqueles por fazer Rej conforme a suas partees, e por se uingarem hus dos outros, e porque geralmente mais atento para o bem particular de cada hu delles, que para o comu e geral; nestas reuoltas socedem muj de ordinario mortes, crueldades e robos. (apud BRSIO, 1988, p. 484-485)16.

    14 Ver o notvel documento reproduzido por Freyre sobre os excessos cometidos em 1771 pelo rei congo de So Sebastio de Mariana, atual distrito marianense de Bandeirantes (FREYRE, 2000, p. 444-446).

    15 No Benin costuma-se dizer que, com a morte do rei, "fez-se noite" sobre o pas (BALANDIER, 1994, p.86). A mesma imagtica foi utilizada por Bossuet: "A morte do prncipe, ainda que mau, ainda que reprovado, faz a felicidade dos inimigos do Estado, e o sofrimento de seus sditos. Tudo chora, tudo est em luto por sua morte... Toda a natureza se ressente". Citado por Lopes (2000, p. 177).

  • Parece-nos que as formas de resistncia negra coletiva, como os quilombos, ainda

    traziam em si algo desta memria cultural (Assmann, 2000). Tratava-se de e a despeito das

    ambivalncias j apontadas instituir um "mundo" novo, alternativo sociedade escravista

    colonial. Pode-se dizer que, neste ponto, o ato de resistncia se confunde com um gesto

    cosmognico.

    Para que uma tal colocao no soe demasiado abstrata, talvez seja suficiente

    evocar o exemplo notvel do nome do lder de Palmares. A origem do antropnimo Zumbi,

    advogaram Handelmann (1987 [1860], p. 445) e Nina Rodrigues (1976, p. 90), estaria

    associada do deus Zambi. Se, baseando-nos no exaustivo estudo de Baumann, levarmos o

    exerccio de explorao etimolgica um pouco mais adinte, veremos que Zambi , por sua vez,

    uma variao regional do nome do deus supremo Nzambi, ou Nyambi (portanto: Nzambi >

    Zambi > Zumbi). Nzambi exerce seu poder do cu ou "do mais fundo da selva". Seu nome

    significa: "aquele que d forma a", aquele que cria (BAUMANN, 1936, p. 115)17. A associao

    entre o deus que reside no mais fundo da selva e o rei quilombola o que no significa que um

    se confunda com o outro, mas apenas que nos encontramos diante de uma homologia repleta

    de implicaes se impe por si mesma.

    A "monarquia" quilombola configuraria o ponto simblico de convergncia que

    torna possvel a existncia do grupo, que garante sua continuidade, que assegura a

    benevolncia das foras divinas. Os reis (e, conseqentemente, as rainhas) so figuras

    indispensveis em qualquer comunidade quilombola. Eles so os pais do mundo.

    Quilombo e religio

    No sem razo que omitimos qualquer referncia religio no quadro includo

    na primeira parte deste ensaio. Essa dimenso da vida quilombola permanece particularmente

    obscura. O que se tem feito tentar reconstituir, a partir dos novos indcios descobertos pelos

    16 Entre os Agni h uma modalidade distinta, e que ao nosso ver aproxima-se reveladoramente da lgica do congado. Durante o interregno em questo sempre um filho de escravos que assume momentaneamente o 'poder' antes da eleio do novo rei. Ele se apossa das insgnias reais e seus ps, como os do soberano falecido, no podem tocar o cho. Trata-se de uma pardia, certo; mas, como diz Aug, "a pardia simultaneamente uma provocao" (AUG, 1982, p. 263).

    17 A discusso em torno do nome de Zumbi foi retomada por Anderson (1996). Para ele "Zumbi" origina-se de nzumbi ("esprito ancestral", entre os BaKongo). Uma ressalva a lhe ser feita a seguinte: como os quilombos brasileiros eram comunidades multi-culturais, fica difcil imaginar que a etimologia do nome de um lder se possa explicar com base em um nico exemplo de sociedade tribal africana. Jacqueline Hermann (2000) advogou que Nzambi deriva de Zambem-Apongo ("senhor do mundo dos mortos"). Baumann comentou a respeito desta ltima hiptese, levantada por Meinhof j em 1923: "Os fundamentos desta opinio so, entretanto, bastante dbeis e pouco convincentes. As mais curiosas etimologias j foram tentadas para este nome. Todas elas deveriam ser postas de lado, pois s possuem um significado local" (BAUMANN, 1936, p. 98). Para chegar s suas concluses ele examinou a ampla difuso e os simbolismos do termo Nzambi a partir da regio do alto Sambesi e sul da Repblica Democrtica do Congo, passando pelo norte de Angola at o sul de Camares (esforo que consome nada menos que 18 pginas de seu livro!).

  • historiadores, um precrio painel da religio quilombola "como poderia ter sido". Seria natural

    imaginar que os quilombos teriam sido capazes de oferecer condies (no s sociolgicas

    mas tambm, como sugeriu Bastide, ecolgicas) de reconstituio das religies africanas ou

    pelo menos de algo que delas se aproximasse, pois sabido que a maioria dos quilombolas

    era africana. Em liberdade, relativamente protegidos dentro de suas comunidades, no haveria

    qualquer razo aparente para seguir a religio que lhes fora imposta pelo europeu.

    Pelo menos desde a primeira metade do sculo XIX, quando Ernst Mnch (1829,

    p. 89) publica sua Histria do Brasil com um captulo dedicado ao "Estado negro de Palmares",

    afirma-se que nos quilombos ter-se-ia realizado uma sntese afro-crist ("Ihre Religion schien

    eine art Christentum, gemischt mit den alten religisen Vorstellungen und Gebruchen der

    verschiedenen Stmme, aus denen die Nation zusammen flo, gewesen zu sein"). O consenso

    est longe de ser o mesmo quando se trata de apontar o peso da herana africana. Escassas,

    as fontes seguem ora numa ora noutra direo. Tomemos o exemplo dos nomes atribudos aos

    quilombos e seus lderes. No raro, eles testemunham uma inclinao pelo sobrenatural

    catlico. O preto Cosme Bento das Chagas, lder do quilombo da Lagoa Amarela, organizava

    procisses. No Maranho o quilombo de Maracassum tinha por lder um certo Epiphano,

    enquanto que no de Cris-Santo o chefe era o prprio Cris-Santo. Ainda no Maranho tivemos o

    quilombo de So Benedito do Cu; em Minas o de So Gonalo; na Bahia o de Nossa Senhora

    dos Mares18. O quilombo do Inferno, um dos maiores da Amaznia, no chega a configurar um

    contra-exemplo: tambm aqui nos encontramos diante de uma tpica representao crist. Mas

    no convm superestimar as possibilidades de um ensaio de anlise da

    toponmia/antroponmia quilombola, como bem insistiu Price. O famoso palenque colombiano

    de So Baslio e o quilombo mineiro dos Santos Fortes receberam seus nomes,

    respectivamente, do bispo de Cartagena e de Incio Correia Pamplona.

    Nomes parte, as evidncias nunca deixam de ser fortes no sentido do

    catolicismo. Em Palmares e Trombetas levantaram-se capelas, cultuaram-se santos e foi

    intensa a demanda pelos sacramentos19. Num quilombo goiano prximo a Caldas Velhas,

    escreve Pohl (1951, p. 235), os negros mantinham consigo um sacerdote que aprisionaram a

    fim de "celebrar o servio religioso". Em quilombos mineiros analisados por Carlos Magno

    Guimares encontraram-se representaes pictricas de algo prximo a um "altar catlico",

    enquanto que dos seis mapas feitos durante a expedio de Incio Correia Pamplona, dois

    mostram claramente a presena de cruzeiros, esta forma tradicionalmente crist de

    sacralizao do espao.

    Reconheamos desde logo que quando se trata de analisar o plano das

    representaes e prticas religiosas quilombolas, o princpio de identidade no s no

    18 Ver Conrad (1983, p. 387), Rhrig-Assuno (1996, p. 444-450) e Moura (1988, p. 131).

    19 Ver Carneiro (1946, p. 40), Kent (1973, p. 179) e Funes (1996, p. 476).

  • esclarece muita coisa como pode mesmo induzir-nos a erros. Como se necessariamente

    aquele sistema religioso tivesse de evidenciar, num estgio muito incipiente de sua formao,

    uma identificao maior seja com a tradio catlica, seja com a africana, seja ainda (como

    demonstram alguns casos de comunidades situadas no centro-oeste e norte do pas) com a

    indgena. Ou, o que mais improvvel ainda: que uma s lgica pudesse ser vlida para todos

    os casos. O exemplo da "festa de pags", presenciada por membros de uma expedio

    enviada ao Quilombo do Limoeiro (Maranho), em 1878, demonstra a impossibilidade de se

    reduzir a religiosidade quilombola a um denominador comum:

    Formados os calhambolas em crculo, o preto Bernardo ocupava o centro, e batendo palmas, cantava eu j vai no cu, eu j vem do cu e os mais faziam coro. Tinha Bernardo na sua volta do cu de fingir-se sonmbulo e, ento, revelar o futuro; porque tudo lhe havia dito Santa Brbara com quem havia conversado. Durante esta nigromancia, era Bernardo chamado menino do cu. (apud Amantino, 1998, p. 112-113).

    Um ponto a ressaltar que para os escravos, os africanos em particular, a nfase

    parecia estar muito mais na intensidade com a qual os rituais eram realizados que em aspectos

    de ordem especificamente "dogmtica". O catolicismo seria bom, desde que permitisse a

    expresso das experincias at ento veiculadas pelas tradies religiosas ancestrais. O que

    contava bem poderia ser a necessidade da emoo, da experincia (e da exteriorizao da

    experincia) do numinoso. Como disse uma escrava da Carolina do Sul citada por Genovese

    (1988, p. 348): "Se eu canto e isso no me emociona, ento um pecado contra o Esprito

    Santo; mentir para o Senhor". Em nenhuma das manifestaes afro-crists esse imprio da

    emoo ficou to evidente como no das prticas funerrias. Nem na frica sob domnio

    portugus nem nos Estados Unidos ou em Minas Gerais, os negros renunciaram abrupta e

    completamente sua forma de vivenciar aquilo que Mauss chamou a "expresso obrigatria

    dos sentimentos". Para muitos negros, da mesma forma que para os antigos germanos, a

    celebrao da morte continuou sendo um misto de (exteriorizao da) dor e festa. Nos

    quilombos essas caractersticas seguramente devem ter assumido formas mais evidentes,

    como demonstra a tradio do lumbal em So Baslio. Nesta antiga comunidade quilombola

    considera-se ainda hoje que "o canto e o baile e mueto ajudam o defunto a ir-se deste mundo

    tranqilo e contente" (FRIEDMANN; ROSSELLI, 1983, p. 71)20.

    fundamental ainda que no se percam de vista outras formas pelas quais

    quilombo e mundo exterior se relacionam. De modo geral essa relao caracterizada por

    momentos que vo do choque radical cumplicidade. Privilegiemos agora o primeiro

    "momento" dessa dialtica: o embate com os quilombos foi tambm um embate religioso.

    Eduardo Hoornaert e Richard Price foram os primeiros a perceber que alguma ateno deveria

    ser dada influncia da guerra sobre a religiosidade quilombola. Schwartz defendeu

    20 O papel da emoo na religio dos escravos foi analisado pelo historiador finlands Alho (1976, p. 182-186).

  • posteriormente a hiptese de um possvel continuum entre as prticas religiosas das antigas

    comunidades angolanas de guerreiros (ki-lombo) e aquelas que se desenvolveram em

    Palmares. Mesmo que no se tenha atingido um grau de especializao como o das "religies

    de guerreiros" de que nos fala Weber, no menos evidente que as formas de violncia

    coletiva e o sagrado nunca deixaram de demonstrar, nas comunidades quilombolas, a sua

    afinidade mtua. Por meio de ritos ou da posse de amuletos, os negros acreditavam safar-se

    das balas dos inimigos. Para a mentalidade da poca eram os deuses, no os homens, que

    determinavam a sorte das batalhas. Ferno Carilho, segundo um documento de 1687,

    aprisionou e matou tantos negros fugidos "que entre eles cobrou fama de feiticeiro". Cosme, o

    "rei" da Lagoa Amarela, tambm fora considerado feiticeiro. Os brancos no destoavam desta

    mesma lgica. Eles evocavam os santos para a guerra, mandavam que fossem rezadas

    missas, faziam promessas. Carilho trazia pendurada no pescoo, por ocasio de sua expedio

    a Palmares, uma pequena imagem do Senhor Bom Jesus por ter sido este o santo "escolhido

    advogado e protetor da conquista". Manoel Joaquim Bentes, chefe da expedio que destruiu

    os quilombos do Inferno, Cipoteua e Caxangue, preferiu escolher Nossa Senhora da Conceio

    por padroeira. Invocado pelos senhores para recuperar escravos fugidos, mas prontificando-se

    tambm a "avisar" os aquilombados no Caru a respeito das expedies que se aproximavam

    para tentar aprision-los, Santo Antnio encarnou de forma exemplar a ambigidade do

    sagrado21.

    Se so os deuses que se digladiam, a derrota militar pode muitas vezes implicar

    na converso religio do vencedor22. Como bem observou Weber (1991, p. 288) a vitria

    prpria tambm a vitria do deus prprio, mais forte, sobre o deus estranho, mais fraco. Tal

    converso no se explica simplesmente pelo emprego desta forma in extremis do proselitismo

    religioso que a coao. Deparamo-nos aqui com o problema da perda de eficcia da

    divindade. Uma comparao com o perodo de cristianizao dos antigos germanos pode

    esclarecer alguma coisa, dadas as inmeras semelhanas do seu sistema religioso com o

    "animismo" africano. Em ambos o formalismo ritual ocupa um papel central. Da seu carter

    no-dogmtico e, em boa medida, seu excepcional nvel de tolerncia. Mas nessas religies o

    nvel de racionalizao aparentemente no chegou ao ponto de desenvolver uma "teodicia do

    sofrimento". Isso fica claro no incio do precioso depoimento do cimarrn Esteban Montejo a

    Barnet, quando ele, depois de afirmar que "os deuses mais fortes so os da frica",

    acrescenta: "Eu no sei como eles puderam permitir a escravido" (BARNET, 1999, p. 17-18).

    21 Ver Ennes (1938, p. 161), Rhrig-Assuno (1996, p. 445), "Memria dos feitos que se deram durante os primeiros anos de guerra com os negros quilombolas dos Palmares, seu destroo e paz aceita em junho de 1678". Revista do Instituto Histrico, Geogrfico e Etnogrfico do Brasil, n. 39, p. 293-322, 1876; e Funes (1996, p. 486-487).

    22 Tem-se publicado nos ltimos anos inmeros trabalhos a respeito dos processos de converso. Vide o excelente volume organizado por Knoblauch, Krech e Wohlrab-Sahr (1998). Estudos histricos sobre converso podem ser encontrados nos nmeros especiais das revistas Annales (juillet-aot 1999) e Comparative Studies on Society and History 42 (3) 2000.

  • O raciocnio pode naturalmente seguir uma outra linha de modo a fugir do paradoxo. De Vries

    demonstrou que o infortnio no era interpretado pelos brbaros germanos como o resultado

    da infidelidade coletiva para com seu deus (caso do judasmo antigo), mas pura e

    simplesmente como uma evidncia de que o deus do inimigo mais poderoso (DE VRIES,

    1956-1957, p. 437). Processo semelhante pode ter-se dado entre os negros que formaram os

    quilombos. Seus antigos deuses no se provaram mais fortes que o deus cristo, em nome do

    qual, dizia-se, eles tinham sido escravizados. Genovese j havia observado que, nesses casos,

    a converso se basearia no "princpio absolutamente sensato de que ningum pode ter

    confiana total num deus que permite a derrota de seu povo" (GENOVESE, 1988, p. 316). Em

    boa medida a nova religio ser adaptada menos necessidade de justificar a perda da

    liberdade que ao desejo de reconquist-la. Se o catolicismo continuou a existir nos quilombos

    isso se deve, em grande parte, eficcia com a qual ele cumpriu o seu "papel". E, de fato: h

    um inegvel componente libertrio na doutrina crist. Esse componente, quase sempre

    "adormecido", pode irromper sob o peso de condies sociais como as vividas pelos escravos

    (TROELTSCH, 1994, p. 49-50). Da a resistncia, tambm verificada em outras sociedades

    escravistas no novo mundo, de muitos proprietrios em os cristianizarem: "agora", diz um relato

    de meados do sculo XVIII, "agora s fogem os ladinos ['aculturados'], e muitos fogem s pelos

    donos e senhores lhes ensinarem a doutrina crist"23. Alis, ladino tambm era o negro que

    administrava sacramentos em Palmares. A plasticidade do novo sistema de crenas24 talvez

    explique por que a constituio de comunidades quilombolas no implicou no fenmeno do

    retorno ao paganismo, como foi observado algumas vezes na Germnia e na prpria frica.

    Observemos, por fim, como um indcio a mais de que havia uma relao estreita entre derrota

    militar e derrota religiosa, que o batismo foi o rito de passagem pelo qual os vencidos, via de

    regra, se reincorporavam sociedade escravista.

    A bem da verdade, os termos do debate sobre a religio dos quilombos foram

    postos h tempos por Roger Bastide e Eduardo Hoornaert. Para o primeiro os quilombos

    traduzem o empenho de uma cultura em sobreviver dentro do novo quadro ecolgico e social;

    uma luta na qual, conseqentemente, "a religio africana tem lugar de destaque" (BASTIDE,

    1971, p. 138-139). Para o segundo o que se praticava nos quilombos era um "catolicismo

    guerreiro", uma forma sincrtica na qual as representaes e ritos catlicos tradicionais foram

    reinterpretadas de maneira a dar sentido vida e s lutas dos ex-escravos (HOORNAERT,

    1974, p. 133-135). Hoje percebe-se que o erro de Bastide foi o de pensar que a resistncia

    23 Cdice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, 1999, p. 536. Grifo nosso. Para os casos do Caribe e Estados Unidos, ver, respectivamente, Genovese (1988, p. 287, 294-295) e Patterson (1982, p. 72-73).

    24 Um ilustrativo trecho da autobiografia de Manzano: "Desde mi infancia, mis directores me habam enseado a amar y a temer a Dios. (...) Rezaba cierto nmero de padrenuestros y Ave Maras a todos los santos de la corte celestial, todo para que al da siguiente no me fuese tan nocivo como el que pasaba". Finalmente decidido a fugir, ele prepara sua montaria: "Acabada esta diligencia me puse de rodillas, me encomend a los santos de mi devocin, puse el sombrero y mont" (MANZANO, 1996, p. 86 e 134).

  • escrava s poderia ser convenientemente vivida no mbito das religies africanas. Por outro

    lado, o paradoxo da adeso ao catolicismo foi sem dvida o de que, num certo sentido, resistir

    atravs dos deuses do branco constitua j uma primeira forma de "derrota". A atitude mais

    sensata ainda parece ser a de guardar distncia de qualquer tentativa de ver as comunidades

    de fugitivos como sendo ou mais "catlica" ou mais "animista". No estado atual das pesquisas

    esta questo simplesmente no tem como ser respondida. Uma comparao com outras

    formas de religiosidade negra alternativas, como os "calundus", sugeriria ainda que estes cultos

    sincrticos no tiveram chances nem tempo suficientes para se estruturarem. Dificilmente

    poderamos falar em "religio quilombola" no singular.

    Anexo

    Excerto da Descripo Curiosa das Principaes Produces, Rios, e Animaes do

    Brazil, Principalmente da Capitania de Minas Geraes, publicada em Portugal no ano de 1804:

    Os escravos pretos, l

    Quando do com maus senhores,

    fogem, so salteadores,

    e nossos contrrios so.

    Entranham-se pelos matos

    e como criam e plantam,

    divertem-se, brincam, cantam,

    de nada tm preciso.

    Mas, inda que nada criassem,

    ou que no fizessem roas,

    benignas as terras nossas

    mil silvestres frutos tm.

    E como eles sejam geis,

    descobrem naquelas matas

    caraju, car, batatas

    e muito mel que h tambm.

  • Vm de noite aos arraiais,

    e com indstrias e tretas

    seduzem algumas pretas

    com promessas de casar.

    Elegem logo rainha

    e rei a quem obedecem;

    do cativeiro se esquecem,

    toca a rir, toca a roubar.

    Eis que a notcia se espalha

    do crime e do desacato;

    caem-lhe os capites-do-mato

    e destroem tudo enfim.

    Ora a vem o pobre preto

    entre cordas, preso e nu;

    vo-lhe os bacalhaus ao c...

    e o seu reino acaba assim.

    (LISBOA, 1994, p. 48-50)

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    Georg Simmel em Palmares1Bandidos e quilombolasQUADRO 1

    ContingenteAgriculturaRapinaEstabilidadeOs pais do mundoCONGADOQUILOMBO

    Quilombo e religioAnexo