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    19Rev. bras. hist. educ., Campinas-SP, v. 11, n. 1 (25), p. 19-41, jan./abr. 2011

    A aventura de inventariar:

    uma experincia no Museu da Escola Catarinense*1

    2Vera Lucia Gaspar da Silva**3Marlia Gabriela Petry***

    Resumo:

    O trabalho que se apresenta resultado de uma experincia deinventrio de parte do acervo do Museu da Escola Catarinense.Iniciamos o texto com uma reexo a respeito do trabalho de

    inventrio, compartilhamos alguns desejos, limites e dvidase discorremos brevemente sobre informao museolgica. Nasequncia, tratamos da trajetria do museu at o momento derealizao do inventrio do acervo e criao do banco de dados

    para abrigar informaes, e socializamos os caminhos percorridos

    nessa aventura. A principal motivao deste registro foia escassez de material subsidirio com que nos deparamosno momento de realizar a tarefa e o desejo de socializar aexperincia, mesmo reconhecendo seus limites.

    Palavras-chave:

    inventrio; objetos da escola; cultura material da escola; banco

    de dados; Museu da Escola Catarinense.

    *. Verso atualizada do trabalho A aventura de inventariar: contar, classicar, desco-brir, apresentado na Mesa Coordenada: Preservao da Herana Educativa: Entreo Arquivo, a Biblioteca e o Museu, coordenada por Margarida Louro Felgueiras Eixo Temtico: 8. Historiograa, mtodos, fontes e museologia, durante o VII

    Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Educao: Cultura Escolar, Migraes e

    Cidadania, realizado na cidade do Porto (Portugal), em julho de 2008.**. Doutora em educao: histria da educao e historiograa pela Faculdade de

    Educao da Universidade de So Paulo (FEUSP). Professora associada da Faculdadede Educao da Universidade do Estado de Santa Catarina (FAED/UDESC). Sciafundadora da Sociedade Brasileira de Histria da Educao.

    ***. Pedagoga formada pela FAED/UDESC. Mestranda do Programa de Ps-graduaoem Educao da UDESC, linha de pesquisa Histria e Historiograa da Educao.Desenvolve pesquisas sobre museus escolares e cultura material escolar.

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    An aventure taking inventory:

    an experience at the Santa Catarina SchoolMuseum

    Vera Lucia Gaspar da SilvaMarlia Gabriela Petry

    Abstract:

    This study is the result of an experiment with an inventory ofpart of the archives of the Santa Catarina School Museum. Webegin with a reection about the work of taking inventory, share

    some desires, limits and doubts, and briey discuss museological

    information. We then offer a trajectory of the museum untilthe moment of realization of the inventory of its archives and

    the creation of a data base to store information and present theroutes taken in this adventure. The principal motivation ofthis registration was the scarce support material found uponconducting the task and the desire to share the experience, whilerecognizing its limitations.

    Keywords:

    inventory; objectives of the school; material culture of the school;

    Santa Catarina School Museum.

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    1. A aventura de inventariar:algumas bases dareflexo

    A aventura de inventariar expressa parte do sentimento com oqual nos defrontamos no processo de inventariar o acervo do Museu daEscola Catarinense; aquele prazer quase fsico diante das descobertasde que fala Mrio de Andrade (apud Frota, 1981), intermediado porum conjunto de questionamentos que levam a mobilizar esforos nodesenvolvimento de um trabalho interdisciplinar. no cruzamento deolhares construdos em diferentes reas que se estabelece a possibilida-de de apreenso da complexidade necessria descoberta do objeto nosentido de desvendar e descrever aspectos estticos, materiais e formasque lhes do concretude, tcnicas construtivas e estado de conservao,elementos fundamentais na prtica de inventariar. Como incorporar numregistro sistematizado materiais pedaggicos, documentos e registrosiconogrcos, expresses do fazer ordinrio da escola, sem esteriliz-los,

    sem transform-los em objeto qualquer que sofre os efeitos do registroburocrtico, da pura contagem e classicao? Como fazer esse trabalhosem aprisionar os objetos, dando espao para que se avive a riqueza deprticas inscritas nessa materialidade? Nossa inquietao no original

    nem solitria; ela permeia um dos grandes desaos dos trabalhos da

    rea: o de preservar o objeto e a possibilidade de informao nele con-tida e que o qualica como documento histrico. Aqui a preservao

    compreendida no como um m, mas como um meio de se instauraremprocessos de comunicao, j que [] pela comunicao homem/bemcultural preservado que a condio de documento emerge [] (Chagasapud Cndido, 2006, p. 34).

    Acompanhando reexo proposta por Ana Lcia Siaines de Castro

    (1999), compreendemos a informao museolgica partindo do princpiodo objeto como agente de informao e construtor de signicados, e do

    espao museolgico como narrador deste. A anlise informacional limita--se, muitas vezes, s caractersticas visveis do acervo, tais como tcnica,dimenso, alm de dados referentes a aquisio, autoria, entre outros, oque, para Castro (1999), refora o imaginrio do senso comum de museu

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    como um local de velharia. Isso implica considerar que o objeto fala porsi s e o seu valor museal contm todo seu signicado, deixando-se de

    pensar no acervo como documento cultural, o que lhe garante inserosociocultural. Soma-se aqui a distncia evidenciada entre os prossionais

    que trabalham em museus e os estudos das propriedades de informao.Dessa maneira, necessrio que se identiquem informaes in-

    trnsecas e extrnsecas ao objeto, e no se registre a informao apenascomo aspecto de preservao, o que acaba por reduzir a contribuio dobem. preciso haver sentido simblico e material na informao paraque esta seja apropriada signicativamente e possa agir como media-dora na produo de conhecimento (Barreto apud Castro, 1999, p. 26).

    O desao que est posto se centra na tentativa de transformar a in-formao cientca em conhecimento, sendo que esta se constitui como

    ponto de partida. preciso provocar a comunicao, como dispositivode ativao da informao, pois o depsito de informao, por mais bemestruturado e organizado que esteja, no deixa de ser esttico e incapaz,isoladamente, de produzir conhecimento. Isso ajuda a dimensionar acer-ca da importncia da transferncia dessa informao, entre estoque deinformao (expresso cunhada por Barreto) e receptor. Como observaGmez (apud Castro, 1999), a informao passa a assumir novo papelno mundo contemporneo, auxiliando na diminuio das diferenas edos conitos, haja vista que sua redistribuio funciona como vetor de

    transformao. Gmez ainda ressalta a necessidade de se perceber oconhecimento como ato de pensamento, denindo o seu processo na

    efetivao de formaes objetivas criadas simbolicamente e for-maes subjetivas, do prprio ato de pensar.

    A informao envolve elementos de natureza semntica e esttica,nos quais esto presentes informaes cunhadas pelos sentidos histrico--sociais atribudos ao objeto. Ela difere de acordo com cada pessoa e como sentido que o objeto adquire para posterior absoro em conjunto com

    os conhecimentos pessoais. Aqui percebemos a importncia de educarpara sensibilizar: a comunicao entre fonte e receptor envolve um con-junto de elementos que vo alm da informao bruta e exige ferramen-tas que podem e devem ser disponibilizadas em aes educativas, seja

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    dentro dos museus, arquivos ou ans, seja pela escola; aes que visem

    sensibilizar para sensibilizar-se. Nesse trabalho ganham importnciasingular os processos de estruturao e democratizao da informao.

    Deparamo-nos, em relao ao museu, com um espao entrecruzado,onde, ao mesmo tempo em que se evidenciam polticas de aprimoramen-to dos dispositivos de informao, no se consegue englobar todas aspessoas, o que rearma o desao de democratizao da informao e do

    acesso. Essa realidade expresso do lugar que os espaos de memriaocupam dentro do cenrio social, em sua formao cultural e em seucotidiano. Ela tambm deve ser considerada quando se concebem, ins-talam ou desenvolvem trabalhos ligados rea museolgica. O trabalhode inventrio coloca-se nessa esteira. A forma de descobrir o objeto,descrev-lo, registr-lo, d contornos informao que ser socializada.Contudo, mesmo que se trabalhe com o conjunto de parmetros j legi-timados pela rea, foroso recorrer que a subjetividade sempre estarpresente. Mesmo quando as denies gerais so tomadas em equipe, h

    decises (conscientes ou inconscientes) do inventariante que acabam por

    interferir na construo da informao que ser disponibilizada.Estes apontamentos iniciais informam acerca do terreno no qual

    nos movemos.

    2. Contar:o museu, o acervo e as atividades

    O Museu da Escola Catarinense1encontra-se em fase de instalaoem sua sede prpria, denida desde 1998, mas s ocupada em 2007. Este

    1. A edicao que, a partir do ms de agosto de 2007, passou a abrigar o Museuda Escola Catarinense foi construda especialmente para abrigar a Escola NormalCatharinense, criada nos ltimos anos do sculo XIX sem sede prpria. Inauguradano incio dos anos de 1920, a edicao comps o projeto urbanstico modernizador

    concebido pelo Estado, que incluiu a construo da Ponte Herclio Luz (primeiraligao da Ilha com o continente), a remodelao do Palcio do Governo (hojeMuseu Cruz e Souza) e a construo da ala sul do Mercado Pblico. Em 1963,

    passou a abrigar a Faculdade de Educao da Universidade do Estado de Santa

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    momento (ano de 2008) coincide com um conjunto de aes paralelas,

    como a elaborao do projeto de implantao do museu em bases ade-quadas e registro e inventrio de seu acervo. esta ltima que serve debase para as reexes aqui tecidas.

    Entre as estratgias desenvolvidas no intuito de favorecer a comu-nicao entre o acervo e o pblico est o desenvolvimento de um bancode dados, que abriga o registro e inventrio de todo o acervo e deverservir como canal de comunicao com o pblico in loco,ou pelo acessoaosite (www.musedaescola.udesc.br).

    Alm de mveis em madeira e objetos, o acervo contempla umacoleo de brinquedos, documentos, livros, fotograas e registros de

    histria oral, so objetos antigos, os quais, ao contrrio dos modernos,que tm uma funcionalidade2, respondem ao propsito do testemunho,lembrana, nostalgia e evaso (cf. Baudrillard, 2006). Embora esses

    tambm faam parte da modernidade, a funcionalidade torna-se histori-cidade, exercendo funo de signo, presente para signicar, e no mais

    para sua utilidade prtica. O objeto signica o tempo.

    Enquanto as concepes acerca da museologia vo modicando-se,

    os museus precisam trabalhar e conciliar transies, (re)pensar seu papel,

    objetivos e aes concretas. Embora o Museu da Escola Catarinense j

    exista no interior da UDESCh quase 15 anos, por meio de projetos depesquisa e extenso que at aqui representaram seu principal ncleo, aocupao da sede denitiva e a reunio do acervo so recentes (julho

    de 2007). A ocupao do prdio e a reunio do acervo revestem-se de

    signicados, reforados pelo fato de o prprio prdio constituir-se em

    pea do acervo. A necessidade de denio das atividades ps-abertura

    como tipo de acervo que ele pode e deve receber, sua disposio dentro do

    Catarina, transferida para nova sede em julho de 2007, embalada pela ampliao

    de matrculas e servios do hoje Centro de Cincias Humanas e da Educao. A

    entrega simblica das chaves do prdio foi realizada no dia 4 de julho de 2007,momento em que se realizou tambm a cerimnia de lanamento ocial dositedomuseu.

    2. [] aquilo que se adapta a uma ordem ou a um sistema: a funcionalidade afaculdade de se integrar em um conjunto [] (Baudrillard, 2006, p. 70).

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    espao fsico e, acima de tudo, a estruturao desse espao articula-seao trabalho de mapeamento e registro do acervo existente, bem como dedenies acerca das incorporaes posteriores.

    Ao mesmo tempo em que tem acrescida sua dimenso funcional a ins-

    tncia de documento, em dimenso histrica, o objeto torna-se passvel de

    ser recoberto pela camada museal [] passa a ser expresso museolgica,

    exemplar de sustentao da verdade conferida pelo museu no processo de

    seleo que o distingue dos demais que no alcanaram tal categoria []

    isto posto, seria ingenuidade admitir que o museu, instituio legitimadora

    de valores, aceitasse qualquer objeto para fazer parte de seu acervo []

    (Castro, 1999, p. 22).

    A anidade com essa premissa impe a necessidade de se estabe-lecer uma poltica de constituio e conservao do acervo. Entretanto,convivemos com o possvel desaparecimento de muitos objetos poten-cialmente musealizveis. Dessa forma, diante de ofertas de peas

    estranhas temtica, considera-se pertinente analisar a capacidadede quem as oferece de preservar o patrimnio, ou se a incorporao aoacervo do museu se constitui em alternativa de preservao do bem. Nocaso de artigos de natureza muito diversa daquela de que a instituiose ocupa, cabe a tarefa de indicar destinos mais apropriados, tentandocontribuir com a preservao do patrimnio histrico e o fortalecimentode espaos de guarda de memria. Essa relao pode ser favorecida com

    a insero da instituio museolgica nos sistemas que congregam osmuseus e que se conguram como redes de comunicao e cooperao3.

    Espelhando uma realidade de grande parte de instituies brasi-leiras dessa natureza, at 2006 o Museu da Escola Catarinense no

    dispunha de um registro sistemtico do acervo, capaz de revelar aquantidade de peas, seu estado de conservao e necessidades deinterveno, origem, data de fabricao, enm, um conjunto de in-

    3. No cenrio brasileiro, conta-se hoje com o Sistema Nacional de Museu e os SistemasEstaduais.

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    formaes capaz de caracterizar cada pea. Como aspecto agravante

    desse quadro, at julho de 2007 as peas se encontravam depositadas

    em diferentes lugares dentro da UDESCe em depsito locado. Tendo

    em vista a necessidade do registro do acervo que em sua maioria seencontra sob guarda do museu desde a sua criao, h 15 anos, semque houvesse sido registrado totalmente4, era fundamental estabele-cer uma cha de catalogao que contemplasse pontos necessrios

    sua caracterizao. Sendo assim, passou-se por uma etapa de pesquisaemsitese catlogos para determinar o melhor tipo de registro. Optou--se, com base em um longo processo de pesquisa e discusses entre

    os membros da equipe, por construir um banco de dados prprio, quepudesse ser acessado por meio do prpriositedo museu5. Enquanto ositetem a funo de informar sobre o museu, seus projetos, sua histria,exposies, entre outros, o banco de dados o instrumento para fazer o

    linkcom o acervo material no formato digital. O seu papel no o desubstituir o acervo fsico, mas de ampliar possibilidades. O processode digitalizao permite divulgar imagens de todo o acervo, alm dasinformaes textuais.

    Na realidade, o banco de dados nada mais do que um programade gerenciamento de informaes, mas que podem ser exploradas de

    diferentes formas atravs dos ltros estabelecidos para a pesquisa e

    do quo visvel o tornarmos dentro dosite. Alm do mais, possibilitauma interao com dados de natureza diversa, tais como fotos, textos,udio e vdeo.

    Assim, o registro de todo o acervo permite visualizar esse universo,mapear colees, localizar informaes tcnicas acerca de cada pea,

    estabelecer polticas de conservao, restauro e aquisio.

    4. O registro inicial foi organizado com forte apoio na memria de sua idealizadora,tendo como produto pistas muitas vezes difusas para quem dele se ocupa atualmente.5. Desenvolvido a partir do projeto de pesquisa Comunicao e Memria: O tempo

    sensvel da funo e do contedo, coordenado pela professora Ademilde SilveiraSartori.

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    3. Classificar:o trabalho de inventrio

    No intuito de sintonizar o mximo possvel o processo de institu-cionalizao do Museu da Escola Catarinense com a poltica nacional demuseus, adotou-se como base metodolgica para elaborao do Bancode Dados as convenes estabelecidas no Caderno de Diretrizes Museo-

    lgicas do IPHAN. Tal metodologia consiste em inventariar e catalogar oacervo, alm de registrar os dados histricos de cada objeto, processosque se entrecruzam, j que a continuidade de um depende de informa-es do outro. Segundo os parmetros adotados pela equipe envolvida

    nessa tarefa6, o inventrio refere-se quantidade de objetos presentes noacervo, sua numerao, fotograa e descrio minuciosa da pea,

    acrescida de seu histrico. A despeito das discusses da rea no tocante

    delimitao de territrios entre inventrio, cadastro e catalogao, fez--se aqui uma opo por conceber esta como uma prtica de inventariar,agregando o maior nmero possvel de informaes acerca de cada objeto.

    A partir da adoo da poltica acima anunciada, passou-se para aetapa de construo efetiva do sistema materializada no Banco de Dados7.Fez-se a opo por inserir informaes, registrar e operar correes de

    ordem prtica mesmo antes de ter o formato nal denido, no intuito de

    buscar melhorias ao mesmo tempo em que o trabalho se ia efetivando.Esta estratgia foi adotada por considerarmos que muitos dos limites sseriam percebidos durante a manipulao da ferramenta.

    A forma como o banco de dados foi concebido e apresenta-se hojerepresenta um avano se comparada realidade de grande parte dos museus

    6. Esta equipe manteve reunies sistemticas e foi composta pelas autoras deste tra-balho, alm de Gisela Eggert-Steindel (docente da FAED-UDESC, com formao em

    biblioteconomia), Susana Aparecida Cardoso (especialista em restauro) e BernadeteRos Chini (bibliotecria especialista em inventrios).7. Concebido em linguagem php, tem como criador tcnico Moiss da Silva de

    Oliveira e colaborao na fase inicial de Greyce Lemos, acadmica do curso depedagogia da UDESC.

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    A aventura de inventariar

    brasileiros, pois existe uma grande diculdade em se coordenar conjun-tamente essas aes. Alm disso, poucas so as ferramentas disponveis8.

    Na verso atual (que pode ser visualizada a seguir), o Banco de

    Dados do Museu da Escola Catarinense caracteriza-se como ferramen-ta cuja nalidade agrupar e organizar informaes. Essa verso foi

    concebida somente para a primeira etapa; quando todas as informaes

    disponveis forem inseridas, o atual layoutdever ser alterado para fa-cilitar e estimular as visitas e pesquisas. Contudo, entende-se que noh necessidade de se disponibilizarem todas as informaes ao pblico;

    algumas delas, de ordem tcnica, so teis apenas para o gerenciamentodo acervo, devendo permanecer com acesso restrito.

    Figura 1: Pgina inicial do banco de dados

    8. Importante ao est efetivando-se atravs de trabalho de cooperao Brasil-Portugal,com o desenvolvimento da Base de Dados DOCMUSABR que funciona comlinguagem Access. Trata-se da Base de Dados Museolgica Verso Beta desen-

    volvida no quadro do protocolo existente entre o Ministrio da Cultura do Brasil eo Centro de Estudos de Sociomuseologia da Universidade Lusfona. Essa base dedados contm cha de inventrio com diversos campos e funes de Relatrio Geral

    e outros Relatrio e Consultas (Relatrio de Emprstimos, Relatrio de Restauro,Lista de Emprstimos Ativos e Lista de Peas em Restauro).

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    Vera Lucia Gaspar da SILVA e Marlia Gabriela PETRY

    Seguindo o manual do IPHAN, j referido, foram mantidos os 37campos do cadastro e espao para insero de foto digitalizada, evi-denciando as especicidades de cada pea, e mostrando-a de diferentes

    ngulos. Um dos desaos da realizao desta tarefa consiste na autoria

    necessria ao preenchimento dos campos, traduzida na responsabilidadede estabelecer categorias de acordo com o acervo, criar um nmero deinventrio a partir da quantidade de objetos disponveis, assim comoclassicar, descrever, fotografar e avaliar as condies de conserva-o. Aqui, considerando a natureza do acervo do qual nos ocupamos,conhecimentos das reas de histria da educao, museologia e ar-quivstica foram mobilizados, alm de se recorrer interlocuo comoutras equipes.

    No caso especco do formato da cha de catalogao adotada,

    existe, como j indicado, um limite no preenchimento pela preca-riedade e escassez de informaes sobre cada pea. Isso implica o

    registro do possvel, apostando na possibilidade de completar oscampos a partir de informaes levantadas em projetos de pesquisa9.Mesmo assim, optou-se pelo registro de todos os objetos no intuito detornar mais precisa a construo de sries que compem a numerao

    de inventrio, bem como facilitar o controle e visualizar o universomaterial que em abril de 2008 correspondia ao seguinte.Brinquedos:2 pombinhas em madeira, 1 Carinho carrossel, 1 galinha na roda,4 bilboqus, 1 diablo, 1 bolinha cativa, 2 reco-reco, 1 oricongo, 1violo, 2 chocalhos, 2 trapzios, 1 carrinho de carretel, 1 piorra, 6

    pies, 2 locomotivas, 1 caminho, 1 rato no leno, 7 apitos, 2 iois, 1

    bolinha bate-bate, 1 gaita de boca, 4 corrupios, 1 hlice, 1 carretel combarbante, 1 bolinha-chocalho, 1 caleidoscpio, 1 boneca de pano, 1raquete, 2 bolas de meia, 3 petecas, 2 cata-ventos, 2 bales em papel,

    1 jogo para fazer bola de sabo, 1 matraca, 1 mquina fotogrca, 1

    telefone sem o, 3 avies, 2 compressores, 1 carrinho de lata, 1 p de

    9. Um exemplo o projeto de pesquisa Objetos da escola: cultura material da escolagraduada (1870-1950), concebido como desdobramento da atividade aqui relatada

    e em desenvolvimento desde 2008 na FAED/UDESC.

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    A aventura de inventariar

    lata, 1 volante, 1 chapa, 1 corneta, 1 pirmide, 1 carretel vermelho, 1iai, 1 cavalinho em madeira, 1 xanxeta (jogo de moedas), 1 bocapara jogar bola de gude, 1 jogo de seis marias brancas, 1 jogo de

    seis marias com saquinho, 1 jogo de bola de gude, diversos rolinhosde papelo, tampinhas de metal, bastes em madeira, quadrados

    em madeira, caixas de fsforo, botes, bolinhas de barro. Moblia e

    demais objetos da escola: 3 cadeiras, 1 plpito, 3 porta-bandeiras, 4escrivaninhas sem pintura, 2 carteiras com ba, 3 cadeiras com ripas,3 cadeiras com abertura no encosto, 3 cadeiras com brao, 4 mesas,6 escrivaninhas para uma pessoa, 1 armrio com portas de vidro, 1

    cadeira que pertenceu a Antonieta de Barros, 1 mesa que pertenceu aAntonieta de Barros, 2 Arquivos em madeira, 1 piano, 13 quadros deformatura, 48 carteiras duplas, 71 lpis, 2 pedestais para medir alu-nos, 4 placas, 3 mquinas de escrever, 10 quadros, diversas pinturas,desenhos, fotograas, 1 projetor deslides, 1 mimegrafo, 3 carimbos,1 grampeador, 1 relgio cuco, 1 globo terrestre, 4 canetas com pontade metal, 12 cadernos em branco, 1 mata-borro, 2 rplicas de lousa,1 lousa original, 1 normgrafo, 1 tinteiro de vidro, 1 porta-caneta, 1mapa de Santa Catarina, 1 baco, 1 medalha e chaveiro, 1 medalha,1 gravura em metal da Academia de Comrcio de Santa Catarina, 5pedaos de tecido com smbolo da Academia de Comrcio de SantaCatarina, 1 mapa do Brasil em metal e relevo, 2 colees de slides,12 quadros expositivos. No esto inseridos aqui os dados referentesao acervo de livros, documentos, fotograas e entrevistas.

    O processo de denio da numerao e de como proceder quanto

    a cada tipo de acervo j vinha sendo discutido pela equipe que buscouinterlocutores. Ao longo dos trabalhos, foi-se tomando conscincia dequo difcil e desaadora a tarefa de inventariar, ainda mais por termos

    nossa frente objetos de natureza muito diversa, como, por exemplo,uma coleo de bolinhas de gude, que, apesar de juntas formarem um

    jogo, se constituem sozinhas como nicas e como elemento fundamentaldo acervo.

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    Figura 2: Pio em madeira, bolas de gude e jogo de seis mariasFonte: Acervo do Museu da Escola Catarinense

    No intuito de determinar um nmero de registro que no possibiliteapenas a contagem de peas, mas que oferea informaes, elaborou-se

    um cdigo na forma de sequncia que se inicia com a sigla do museu,seguida por cinco campos: MEC2008.000.000.0000.000000. O primeirorefere-se ao ano de inventrio10, seguido pelo nmero da coleo qualo objeto pertence, o nmero do tipo de objeto, nmero da quantidade

    daquele mesmo objeto dentro da srie tipo de acervo e, por ltimo, onmero do objeto no universo geral do inventrio. No caso de peasdesmembradas, ou seja, que possuem mais de uma parte, como um jogode seis marias (saquinhos de tecido preenchidos com arroz), deniu-se

    por, aps o nmero geral, inserir a referncia parte, numa sequnciatambm numrica, que informa o nmero do membro e quantos alm dele

    10. Algumas orientaes museolgicas indicam como adequado inserir o ano de fabri-cao da pea. Esse procedimento no seria possvel no caso do acervo em foco, jque no se dispe dessa informao para a maior parte das peas.

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    A aventura de inventariar

    integram a pea. Para o caso de um objeto com cinco partes, teramos1-5, 2-5, 3-5, 4-5, 5-5. Esse formato permite que se identiquem mais

    rapidamente partes de um mesmo objeto, especialmente nos casos de

    extravio, alm de desempenhar funo de controle e segurana.A princpio, a reao diante do formato apresentado pode ser

    de surpresa quanto quantidade de nmeros. Embora compartilhe-mos dessa sensao, essa numerao nos d uma ideia mais espe-cfica do acervo. Tomemos como exemplo a seguinte sequncia:MEC2008.001.001.0060.000310. Dentro da opo adotada e estabele-cidas as relaes, quando nos deparamos com uma pea cujo nmero

    de registro traz como primeiros dgitos 001, sabe-se que se trata de umobjeto da coleo 001 (que, dentro do acervo do museu, foi denida como

    Coleo Aldo Nunes); seguindo-se com a sequncia de nmeros 001,sabe-se que se trata de um brinquedo; se fosse 002, seria um desenho.A terceira parte da numerao 0060 permite saber que j existem

    outros 59 brinquedos desta coleo, e, por m, 000310 corresponde ao

    nmero da pea no universo do acervo, indicando a existncia de outros309 objetos cadastrados, independente da natureza.

    Quanto marcao, a m de no comprometer excessivamente o

    objeto, optou-se por inscrever na pea apenas a sigla do museu e o n-mero geral. Essa numerao maior pode ser encontrada nas chas de

    registro que compem o dossi da pea, no banco de dados e nas fotos11.Estabelecidas as diretrizes antes enunciadas, deu-se incio ao

    trabalho manual de medir cada pea (na sequncia: altura, largura eespessura), fotografar (frente, esquerda, atrs, direita, superior, inferior,alguma inscrio ou marca particular), numerar, analisar, descrever ascaractersticas mais visveis e emitir um parecer tcnico em relao aoestado de conservao, efetivando-se uma avaliao pormenorizada daspeas em visvel estado de deteriorao. As informaes so lanadas

    numa cha que integra o dossi e posteriormente inseridas no banco

    11. Para facilitar a utilizao das fotos do inventrio inclusive em publicaes, optou-sepor duplic-las, sendo que um exemplar em formato digital contm o nmero doinventrio e outro no.

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    Vera Lucia Gaspar da SILVA e Marlia Gabriela PETRY

    de dados. Finalmente, uma etiqueta de papel com o nmero geral anexada ao objeto. No momento em que se conclui o processo com aspeas de um mesmo conjunto (brinquedos, mveis, livros), faz-se a

    inscrio do nmero no objeto, cortando-se as etiquetas anteriormen-te anexadas. No caso de peas em madeira, metal e vidro, passa-seuma base transparente e escreve-se o nmero com tinta nanquim; empeas escuras, usa-se a cor branca e nas claras, a cor preta; a seguir,acrescenta-se um revestimento com base para proteo. J em suportesde papel, usa-se lpis 6B e os objetos em tecido devem ter a numerao

    bordada com linha de seda.Com relao aos dados gerais das peas, o preenchimento de alguns

    campos foi possvel devido ao resgate de documentos de doao queinformam a procedncia do objeto; entretanto, levando em consideraoo longo perodo de existncia do museu, pode-se considerar extrema-mente reduzido o nmero de registros dessa natureza. Em todo perodo,creditou-se muito memria das pessoas envolvidas no trabalho de reco-lha e seus registros pessoais. Na tentativa de recuperar esses elementos,recorremos professora Maria da Graa Vandressen, idealizadora domuseu, e a outras pessoas que em algum momento estiveram envolvidasnessa tarefa. Esse limite das instituies museolgicas j preocupava

    Mrio de Andrade nos anos de 1930. dele o desabafo: [] o quenos prejudica muito em nossos museus que suas colees, por vezes

    preciosas como documentao etnogrca, foram muito mal recolhidas,

    de maneira antiquada, deciente e amadorstica [] (em Frota, 1981,

    p. 27, excerto da correspondncia de Mrio de Andrade com Rodrigo de

    Mello Franco de Andrade).Certamente que no se faz aqui uma crtica ao valioso trabalho de

    recolha j feito. O que se busca uma forma de lidar com os desaos que

    uma ao no sistematizada coloca equipe que se ocupa dessa sistemati-zao. Registra-se, tambm, alm do reconhecimento ao valioso trabalho

    de localizao e recolha, o reconhecimento de que, provavelmente, semessa ao desprovida de sistematizao muitas das peas no teriamsobrevivido. Sobrevivendo a pea, possvel superar a fragilidade deinformaes que a envolve.

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    A aventura de inventariar

    O trabalho de inventrio exige tambm a classicao das peas.

    Entende-se que essa classicao no pode ser rgida, dada a mobilida-de que um objeto pode ter dentro do acervo, mas um procedimento

    necessrio de organizao e gerenciamento. Assim, alguns objetos aca-bam cando dentro de uma determinada classicao, quando tambm

    poderiam fazer parte de outra, como o caso da coleo de quadrosdemonstrativos (ver gura 3), que so quadros didticos, ento materiais

    didticos, e ao mesmo tempo so quadros expositivos ou elementos quecompem o acervo da j extinta Academia de Comrcio.

    Na primeira etapa, que foi por ns realizada12, ocupamo-nos especial-mente do registro e inventrio da parte do acervo que convencionamoschamar de objetos da escola. O acervo em suporte de papel como livrose documentos esteve, at dezembro de 2008, sob os cuidados do Projetode Extenso Entre papis: preservao fsica do acervo bibliogrco e

    documental do Museu da Escola Catarinense13.Os dados levantados permitem representar esse acervo na forma a

    seguir, mas, considerando-se que essa uma ao em andamento, essarepresentao dever sofrer alteraes.

    Figura 3: Grco representativo do acervo de objetos

    12. No segundo semestre de 2008, tendo em vista uma troca de equipe na Reitoria daUDESC, afastamo-nos das atividades do Museu da Escola Catarinense.

    13. Coordenado pela professora doutora Gisela Eggert Steindel, Entre papis ocupou--se especialmente da recuperao e conservao de documentos e livros que integramo acervo do Museu da Escola Catarinense. Com essa ao foi possvel instalar um

    pequeno Laboratrio de Higienizao no qual tambm se podem realizar algunsprocedimentos de restauro.

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    Vera Lucia Gaspar da SILVA e Marlia Gabriela PETRY

    Note-se que ainda no esto representadas as peas que compem

    o acervo histrico bibliogrco, documental, fotogrco e de histria

    oral, os quais sero incorporados posteriormente.Na gura 3, pode-se vericar que o tipo de material com maior

    proporo dentro do universo dos objetos justamente o materialdidtico. Esse grupo envolve, entre outras coisas, lousas de ardsiacom moldura em madeira, canetas tinteiro, mata-borro, baco, lpise cadernos. Em segundo lugar, encontra-se a moblia, corresponden-do a escrivaninhas, carteiras, cadeiras, arquivos, porta-bandeiras,quadro-negro, entre outros, alm de peas em suporte de madeira,materiais que, para Jean Baudrillard (2006), tambm so um ser,

    pois conservam o tempo em suas bras, tm odor, envelhecem e tm

    seus prprios parasitas. A terceira coleo com maior nmero depeas composta de brinquedos14, muitos dos quais confeccionadosmanualmente pelo professor Aldo Nunes, ex-aluno e ex-professor daEscola Normal Catharinense, razo pela qual a coleo leva o seunome. Essa a primeira coleo denida dentro do museu. E, por

    ltimo, encontram-se os quadros representando 9% do total; nesseagrupamento esto os quadros de formaturas, pinturas e quadros ex-positivos de produtos agrcolas.

    Embora j se tenha estabelecido um conjunto de parmetros parao inventrio desses artefatos da escola, h necessidade de aprofunda-mento terico que sustente as discusses e denies. Aqui os trabalhos

    de histria da educao que versam sobre cultura material da escolatm um papel mpar.

    14. Essa coleo foi objeto da elaborao do primeiro catlogo impresso do Museu daEscola Catarinense, intitulado Brinquedos da minha infncia: coleo Aldo Nunes.A experincia encontra-se registrada no trabalho Brinquedos da minha infncia:socializao de um acervo, apresentado no V Congresso Brasileiro de Histria daEducao, realizado em Aracaju, em novembro de 2008.

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    A aventura de inventariar

    4. Descobrir: o trabalho da pesquisa

    As descobertas mais signicativas acerca dos objetos que compem o

    acervo, aquelas que, nas j citadas palavras de Mrio de Andrade, geramum prazer quase fsico, esto vinculadas a projetos de pesquisa. Algunsdados foram obtidos como resultados iniciais do projeto Objetos da esco-la: origens e usos dos objetos escolares que compem o acervo do Museu

    da Escola Catarinense. Inicialmente, deniu-se que este se ocuparia dalocalizao de informaes acerca da origem e dos usos das peas que

    compem o acervo do museu, alm de desenvolver aes para qualicar

    e complementar o trabalho de registro. Encaminhamentos institucionais earticulaes acadmicas levaram fuso deste com o j indicado projeto

    de pesquisa Objetos da Escola:cultura material da escola graduada(1870-1950)15, iniciado em agosto de 2008. A experincia resultantedos encaminhamentos que levaram segunda pesquisa nomeada ajudoua construir um olhar mais acurado das fontes e dos objetos.

    Ao perseguir a trajetria dos objetos, neste caso escolar, descobrem--se diferentes usos de artefatos fabricados para ter uma utilidade bastantesimilar. Valdeniza Maria da Barra (2007) uma das autoras que tem

    contribudo com esta reexo. Em um de seus trabalhos, confronta o

    contedo de documentos redigidos pela Inspetoria Geral de InstruoPblica de So Paulo com documentos redigidos por uma professora deprimeiras letras do sexo feminino da cidade de Capivari, interior desse

    estado. No decorrer do texto, evidencia-se a diculdade na deniodos materiais que seriam disponibilizados escola para uso das alunase professora, e o quanto isso repercutiu e repercute na metodologia paraensinar e a relao entre mtodo e material, apesar de nem sempre issoaparecer claramente. Sendo assim, a professora fez uso dos materiais deque dispunha dentro das possibilidades existentes.

    15. Essa proposta constitui um desdobramento local articulado ao Projeto Nacional dePesquisa Por uma teoria e uma histria da escola primria no Brasil: investigaes

    comparadas sobre a escola graduada (1870-1950).

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    Vera Lucia Gaspar da SILVA e Marlia Gabriela PETRY

    Ainda com relao ao material didtico usado nas escolas noincio do sculo passado, faz parte do acervo uma coleo de quadrosdemonstrativos, oriundos da extinta Academia de Comrcio de Santa

    Catarina. Alguns dados esto registrados nos prprios quadros, comoautoria e origem, alm da data de aquisio e um documento simblicoelaborado pelo diretor da instituio por ocasio da doao em 1996;

    simblico, porque no atende s normas museolgicas prprias paratermos de doao.

    Figura 4: Mostrurio de produtos agrcolasFonte: Acervo do Museu da Escola Catarinense

    Esses quadros so mostrurios de produtos agrcolas nacionais, taiscomo caf, arroz, feijo, algodo, seda, entre outros. Contm fotogra-as, colagens de sementes, vidrinhos de substncias como leo e textos

    instrutivos. Resta-nos descobrir se tinham circulao nacional, porquem eram fornecidos, em que aulas eram utilizados, enm, explorar

    prticas que os tiveram por suporte material. No caso especco dos aqui

    citados, tambm necessrio apurar acerca de sua trajetria at chegar Academia de Comrcio, de onde seguiram para o acervo do museu.

    Outro objeto de grande valor, e que tem sido solicitado a comporcenrios para documentrios e lmes, a escrivaninha que serviu de su-

    porte ao trabalho da diretora do Instituto de Educao de Santa Catarina(antiga Escola Normal Catharinense), Antonieta de Barros, educadorade grande expresso, escritora e primeira mulher a ser eleita parlamentarem Santa Catarina.

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    A aventura de inventariar

    5. Algumas consideraes

    Cientes de que a construo do banco de dados marca apenas o in-cio do processo de cadastramento e inventrio do acervo, considera-seque esse trabalho dever ser contnuo dentro das atividades do museu,pois sempre surgiro novos dados a serem registrados. O acervo fsicoj se constitui como material de pesquisa e o banco de dados dever serdisponibilizado como ferramenta de consulta ao pblico. Acredita-se,ainda, que o funcionamento do banco de dados ir facilitar as pesquisas,caracterizando-se talvez como maior objetivo do projeto que lhe deuorigem, no desmerecendo a importncia deste como ferramenta demapeamento e controle tcnico.

    [] o processo de investigao amplia as possibilidades de comunicao

    do bem cultural e d sentido preservao [] A pesquisa a garantia da

    possibilidade de uma viso crtica sobre a rea da documentao, envolvendo

    a relao homem-documento-espao, o patrimnio cultural, a memria, a

    preservao e a comunicao (Chagas apud Cndido, 2006, p. 34).

    Justamente por essa preocupao em possibilitar e expandir a comu-nicao do acervo com o pblico que no se pensou apenas naquelesque porventura tero a oportunidade de conhecer o acervo fsico, mastambm naqueles que se localizam em diferentes lugares e que se ocupamdo estudo da cultura material da escola, ou so sensveis a esses objetos

    que expressam parte do cotidiano escolar do sculo XX.Nesta aventura, a cada dia nos damos conta de quo importante o

    trabalho interdisciplinar e de como ele vem ajudando-nos a construir asaes at aqui descritas. Muito provavelmente, esta a resposta nossa

    angstia e tentativa de no aprisionar o objeto; so olhares diversos sobreum acervo altamente diversicado e nesse dilogo quase dirio que se

    buscam solues conjuntas, ao invs de se realizarem desejos pessoais.

    Por m, a vontade de ver o museu de portas abertas e tornar o seu acervo

    conhecido impulsionou as tarefas prticas, embaladas pela conscinciade que o registro no deve ser tratado como mero registro.

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    Vera Lucia Gaspar da SILVA e Marlia Gabriela PETRY

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    Endereo para correspondncia:Vera Lucia Gaspar da Silva

    Caixa Postal 10179

    Lagoa da ConceioFlorianpolis-SCCEP: 88.062-970

    E-mail: [email protected]

    Marlia Gabriela PetryServido Antnio Ludovino dos Santos, 294, apto. 3

    TrindadeFlorianpolis-SCCEP: 88.036-646

    E-mail: [email protected]

    Recebido em: 8 jul. 2010Aprovado em: 29 mar. 2011