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A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLÍTICAS PARA O ENSINO MÉDIO DE 1996 A 2007 Autor(a): Shelley Muniz Azambuja Neves de Souza Orientador(a): Profª. Drª. Alice Casimiro Lopes Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2008

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  • A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLTICAS

    PARA O ENSINO MDIO DE

    1996 A 2007

    Autor(a):

    Shelley Muniz Azambuja Neves de Souza

    Orientador(a):

    Prof. Dr. Alice Casimiro Lopes

    Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2008

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    UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Centro de Educao e Humanidades

    Faculdade de Educao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLTICAS PARA O ENSINO MDIO DE 1996 A 2007

    por

    Shelley Muniz A. Neves de Souza

    ORIENTADORA: PROF. DR ALICE CASIMIRO LOPES

    2008

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    A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLTICAS PARA O ENSINO MDIO DE 1996 A 2007

    por

    Shelley Muniz A. Neves de Souza

    ORIENTADORA: PROF DR ALICE CASIMIRO LOPES Dissertao apresentada ao Curso de

    Ps-Graduao em Educao da

    Universidade do Estado do Rio de

    Janeiro como requisito parcial para a

    obteno de Grau de Mestre em

    Educao.

    RIO DE JANEIRO 2008

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    BANCA EXAMINADORA

    Prof Dr Alice Casimiro Lopes

    Prof Dr Ana Maria Villela Cavaliere

    Prof Dr Maria de Lourdes Rangel Tura

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    AGRADECIMENTOS

    Tenho muito a agradecer. A muitas pessoas. Vi-me cercada de gente

    importante nesses meses. Gente que acreditou em mim, que me apoiou, ou

    que simplesmente esteve ao meu lado e isso, por si s, j era maravilhoso.

    Agradeo minha orientadora, sempre firme, presente, paciente,

    compreensiva, alm de capaz de me mostrar que o conhecimento uma meta.

    Agradeo s maiores jias de minha vida, meus filhos, Philippe e Maria

    Eduarda, por eles a sede de conhecer, de ir alm, de ser exemplo. Agradeo a

    pacincia que tiveram comigo, principalmente na reta final, quando mesmo

    vendo a mame escrevendo e escrevendo, rodeavam, e faziam questo de

    realizar suas atividades ao meu lado.

    Agradeo aos meus pais, Raul e Sueli, que, sua maneira, sempre me

    incentivaram.

    Agradeo ao meu companheiro de jornada, Armando, sua simples presena j

    meu incentivo.

    Agradeo a meu irmo, meu amigo Eduardo, que acompanhou o projeto do

    mestrado desde que era um embrio, e me auxiliou por diversas vezes a

    acreditar que a gestao era possvel.

    H amigas que preciso agradecer tambm, amigas queridas que, sempre

    dispostas a me ouvir, foram importantssimas, Vanice, Regina, Ana Cristina.

    Agradeo a meus companheiros de grupo de pesquisa de currculo, sempre

    trazendo discusses importantes e que por diversas vezes nortearam as

    minhas prprias.

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    RESUMO

    Este trabalho se prope a investigar os discursos produzidos no ensino da

    disciplina Sociologia, no Ensino Mdio, e circulantes na produo de polticas

    curriculares nos anos 1990 e 2000. So utilizadas na anlise, as produes

    tericas sobre polticas de currculo, particularmente a abordagem do ciclo de

    polticas de Stephen Ball, pela leitura de Alice Casimiro Lopes, e as produes

    de Goodson sobre histria das disciplinas escolares. Partindo do pressuposto

    que esses discursos contribuem para a produo de polticas de currculo, so

    analisadas produes acadmicas - teses, dissertaes, ensaios e artigos

    publicados na rea de Sociologia, entre os anos de 1996 e 2007 -, bem como

    os parmetros curriculares e as orientaes curriculares nacionais para o

    ensino mdio. A pesquisa se prope a investigar trs questes: 1) que

    comunidade disciplinar esta que defende esta disciplina escolar no currculo?

    2) quais so os argumentos utilizados para a defesa da incluso desta

    disciplina no currculo nesse perodo? 3) quais os principais sentidos dos

    discursos produzidos por essa comunidade que circulam nas atuais polticas de

    currculo e contribuem em sua produo? Entende-se que a comunidade

    disciplinar de Sociologia uma comunidade difusa, com traos pouco definidos

    e fronteiras no to estabelecidas. Entende-se que a disciplina Sociologia

    dispe de uma constituio hbrida, por serem diversos os produtores dos

    textos e dos discursos: o governo, o meio acadmico, as prticas escolares, o

    mercado editorial, os grupos sociais que atuam e pensam sobre educao, e

    que esto constantemente produzindo e reproduzindo o currculo da disciplina.

    Em relao aos argumentos em defesa dessa disciplina, entende-se que eles

    oscilam entre traos acadmicos, que contribuem para a legitimao dessa

    disciplina e desse grupo profissional, e traos utilitrios, voltados para a

    importncia da disciplina na construo da cidadania.

  • 7

    SUMRIO

    Introduo .........................................................................................................9

    Captulo 1 As polticas de currculo e as comunidades disciplinares.............16

    As disciplinas escolares

    O entendimento das polticas de currculo

    Recontextualizao por hibridismo

    Captulo 2 O campo de pesquisa: o ensino de Sociologia no Brasil de 1996 a

    2007................................................................................................................34

    Sociologia: uma disciplina ausente do currculo

    O que j se investigou sobre ensino de sociologia no perodo de 1996 a 2007

    Captulo 3 Os argumentos em defesa da disciplina Sociologia no nvel

    mdio................................................................................................................53

    Descrio dos materiais analisados

    Anlise dos argumentos em defesa da disciplina Sociologia

    Concluses......................................................................................................81

    Referncias bibliogrficas................................................................................84

  • 8

    Introduo

    A disciplina Sociologia esteve fora do currculo do ensino mdio no

    sculo XX, apenas nos anos (1964-1982), perodo em que se instalou no pas a

    ditadura militar, tendo sido substituda, nesse perodo, pelos contedos de

    disciplinas como Organizao Social e Poltica Brasileira (OSPB) e Educao

    Moral e Cvica. Em outras palavras, a disciplina foi autoritariamente retirada do

    currculo por conta das reformas do perodo ditatorial ps-1964 e, com a

    redemocratizao, encontrou espao para sua re-insero.

    No conjunto das reformas dos anos 1990, foi institudo um acentuado

    debate em torno de seu retorno ao currculo. Em virtude desse hiato na histria

    dessa disciplina na escola, se desfez a formao de professores de Sociologia

    em nvel mdio, tornando a comunidade disciplinar de ensino de Sociologia

    com limites menos precisos. Em funo da peculiaridade histrica da disciplina,

    pode-se afirmar que a Sociologia tem uma histria de currculo muito diferente

    de outras disciplinas1 e, inclusive, por ser to recente sua (re)introduo, no

    conta ainda com uma comunidade de professores, seja em mbito estadual,

    regional ou nacional, no havendo tambm dilogo sistemtico entre estes

    grupos, capaz de vir a produzir alguns consensos acerca de contedos e

    metodologias do campo.

    Uma das hipteses inicialmente defendida neste trabalho era de que

    associaes profissionais dos socilogos atuavam na defesa dessa disciplina

    no currculo do ensino mdio. Mas, na medida em que a investigao se

    desenvolveu, constatei que no h, at o momento, nenhum Conselho

    Nacional ou Regional de Socilogos. Existe, por exemplo, na cidade do Rio de

    Janeiro, a Associao dos Socilogos do Rio de Janeiro (APSERJ), que tem

    sua sede na UERJ, mas poucos profissionais tm conhecimento da existncia

    desta entidade. Em alguns outros estados, tambm foram localizadas outras

    associaes de socilogos, porm sem significativa disseminao, sendo

    passveis de contato pela internet. Foi localizada tambm a Sociedade

    Brasileira de Sociologia (SBS), na qual, para se filiar, o profissional precisa ter

    no mnimo, ttulo de Mestre. Alm destas, tambm em So Paulo, o SINSESP

    1 Guarda certo paralelo com a disciplina Filosofia, tambm retirada do currculo no mesmo perodo e por razes correlatas.

  • 9

    (Sindicato dos Socilogos do Estado de So Paulo), que mantm um envio

    regular de e-mails de informes acerca da luta pela disciplina no currculo em

    mbito nacional, atua no campo sem maior impacto sobre os profissionais. A

    atuao dessas sociedades, no entanto, no expressiva e no organizam

    congressos regulares nem produzem peridicos.

    Com isso, passei a trabalhar com a hiptese de que a defesa dessa

    disciplina desenvolvida mais amplamente por socilogos interessados em

    educao, por professores de cursos de formao de professores e por

    aqueles que vem a disciplina como uma forma de ampliar o escopo de

    discusso poltica no ensino mdio, organizados ou no em instituies

    especficas, percebendo que este grupo est interessado tambm, em ampliar

    o campo de atuao profissional. Nesse processo de investigao, fui

    constituindo, ento, o objeto de pesquisa: os argumentos em defesa da

    disciplina Sociologia nas atuais polticas de currculo por uma comunidade

    especfica de ensino dessa disciplina. Defendo ser esta uma comunidade

    difusa, com traos pouco definidos, fronteiras no to estabelecidas, em virtude

    da prpria indefinio do campo de ensino de Sociologia, seja na escola ou na

    academia.

    Em minha histria de vida, vivo esse processo de estar participando,

    como professora de Sociologia, da (re)criao dos limites dessa comunidade.

    Graduada e licenciada em Cincias Sociais, iniciei minha trajetria profissional

    como docente em 2001, em uma escola da rede particular. Fui chamada, e

    durante o processo seletivo, havia grande empolgao por parte da

    coordenao pedaggica em implementar a disciplina no currculo, pois seria

    um diferencial para a escola, visto que, quela poca, o ensino da disciplina

    era obrigatrio apenas na rede pblica. Iniciei ento meu trabalho, nas trs

    sries do Ensino Mdio, e, curiosamente, a disciplina no recebia o nome de

    Sociologia naquela instituio de ensino, e sim de Orientao. No incio relutei

    um pouco, pois, j naquela poca, defendia a legitimidade da disciplina e

    renome-la, a meu ver, era uma forma de depreci-la. Com o passar do tempo,

    o conjunto de contedos que deveria ir ganhando contornos e formas cada vez

    mais ntidos, principalmente por ser uma disciplina nova na grade curricular que

    estava sendo implementada na escola, e que, julgava eu, buscava maior

    espao, foi ao contrrio, se perdendo. Isso porque recebia sugestes por

  • 10

    parte da equipe pedaggica, e da prpria direo, de incluir nos contedos,

    noes de civismo, educao sexual, educao para o trnsito, noes de

    filosofia, entre outros assuntos, tudo o que se julgava importante abordar e no

    cabia nas demais disciplinas. Tal constatao ratificou minha compreenso

    de que o fato de uma disciplina ser inserida no currculo no significa que seus

    contedos relacionados ao campo de referncia so introduzidos. Iniciava,

    assim, de maneira intuitiva, minha compreenso das diferenas entre disciplina

    escolar e disciplina acadmica (Macedo e Lopes, 2002).

    Permaneci nesta instituio at incio de 2003, quando fiz novo processo

    seletivo, para o Colgio Pedro II, e fui aprovada para trabalhar como professora

    substituta de Sociologia, entre os anos de 2003 e 2004. Para minha surpresa,

    ensinar Sociologia no Colgio Pedro II no era dar aulas de Orientao. Essa

    instituio federal trabalha com uma estrutura departamental, semelhante das

    Universidades, havendo reunies de professores da disciplina, Coordenadores

    de disciplina de cada Unidade de Ensino, e um(a) Chefe de Departamento,

    colegiado, e decises segundo a votao de seus professores. Todo o

    contedo da disciplina pensado, definido e decidido em conjunto, nessas

    reunies, e cada Coordenador de disciplina decide, com seus professores, as

    estratgias para trabalhar os contedos. Tal estrutura, como j investigado por

    Oliveira (2006), contribui para aproximar as disciplinas escolares dos enfoques

    acadmicos.

    A disciplina que eu ministrava abrangia a 2. e 3. Sries do Ensino

    Mdio. Importante ressaltar que os contedos trabalhados em sala de aula tm

    um grau acentuado de academicismo e as avaliaes tm extremo rigor na

    correo. No Colgio Pedro II, foi possvel identificar a necessidade de uma

    disciplina escolar carregar consigo altas doses de caractersticas da disciplina

    acadmica, numa tentativa de se firmar e se legitimar diante das outras

    disciplinas2. Este enfoque dado disciplina Sociologia, com tal grau de

    academicismo, contribui para os limites precisos dessa disciplina no Colgio

    Pedro II. Mas como mencionei anteriormente, no geral nas diferentes

    escolas.

    2 Esse aspecto desenvolvido mais amplamente quando abordo a teoria de Goodson sobre a histria das disciplinas escolares.

  • 11

    Ainda em 2004, iniciei trabalho na rede pblica estadual, tambm como

    professora substituta de Sociologia, onde permaneci durante todo o ano letivo.

    A disciplina abrangia apenas a 3. Srie do Ensino Mdio. Ensinar Sociologia

    no Estado era contextualizar conceitos da Sociologia e contedos em geral o

    tempo todo. Cada conceito e cada contedo abordados em sala de aula

    careciam de estratgias de demonstrao da aplicabilidade dos mesmos. Se a

    aula terica era sobre Cultura, por exemplo, a conceituao terica era mnima

    e, em um perodo de 90 minutos (dois tempos de aula), 15 minutos eram

    destinados conceituao. Os demais eram voltados para exemplos. Sentia

    serem necessrios inmeros exemplos para que a idia central no se

    perdesse, ento discutia na turma sobre as diferenas de hbitos alimentares

    regionais ou entre pases, de religio, de hbitos sociais, como monogamia e

    poligamia, entre outros tantos assuntos. O pblico da escola estadual noturna

    bem diferente do da diurna. So pessoas que, em grande parte, esto

    retornando s escolas depois de muitos anos sem estudar, trabalhadores de

    baixa renda, e muitos alunos jovens que no se adaptaram escola diurna,

    pelos mais variados motivos.

    Havia apenas um professor da disciplina Sociologia na escola, para uma

    turma que nunca havia ouvido falar que existia a disciplina, que questionava

    qual seria a utilidade da disciplina, que no estava preparada para uma

    disciplina que no seria cobrada posteriormente no vestibular. Ento,

    Sociologia pra qu, professora??. Era uma turma que se empolgava com a

    idia de o funk ser abordado como uma manifestao cultural, que percebia as

    diferenas culturais entre os alunos do prprio grupo, que participava das aulas

    com debates interessantssimos, mas que, por encarar a disciplina como

    interessante, mas no importante, no realizava quase nenhuma tarefa proposta e faltava s avaliaes de forma macia.

    S mais tarde vim a compreender esse processo como inter-relacionado

    distino que Goodson, uma das principais bases tericas dessa dissertao,

    faz entre finalidades utilitrias e acadmicas. E de como as finalidades

    utilitrias vinculam-se ao interesse dos alunos, mas tendem a no contribuir

    para sua legitimao na escola e mesmo por parte dos prprios alunos.

    Simultaneamente a essa minha trajetria profissional especfica com o

    ensino de Sociologia, houve o desenvolvimento intenso das polticas de

  • 12

    currculo no Brasil a partir dos anos 1990. Como vrios autores j destacaram

    (Dias, 2006; Lopes, 2004; Macedo, 2002), esse perodo foi marcado por um

    conjunto de aes propostas curriculares e sistemas de avaliao

    centralizados, avaliao de livros didticos, mudanas nas polticas de

    formao de professores que contriburam para o desenvolvimento de

    mudanas curriculares3. A idia de mudana geral do currculo, o projeto de

    modificar toda uma poltica de currculo, nesse caso, favoreceu o prprio

    processo particular de mudana que a difusa comunidade disciplinar de ensino

    de Sociologia buscou implementar para si. Defendo que, nesse momento,

    houve o pice de um movimento que j havia se iniciado com o processo de

    redemocratizao nos anos 1980 e com as lutas pela (re)introduo da

    disciplina Sociologia na escola.

    Em funo desse quadro, considero o caso da disciplina Sociologia

    proveitoso para a anlise das polticas de currculo: investigar o processo de

    (re)introduo de uma disciplina e a simultnea criao de uma comunidade

    capaz de defend-la. sobre essas questes que essa dissertao se

    debrua.

    Assim, considerando a trajetria da disciplina Sociologia nas polticas de

    currculo dos anos 1990, este trabalho de pesquisa apresenta uma

    investigao que inter-relaciona trs questes: 1) que comunidade disciplinar

    esta que defende esta disciplina escolar no currculo? 2) quais so os

    argumentos utilizados para a defesa da incluso desta disciplina no currculo

    nesse perodo? 3) quais os principais sentidos dos discursos produzidos por

    essa comunidade que circulam nas atuais polticas de currculo e contribuem

    em sua produo?

    Preliminarmente, localizo que h um entendimento da disciplina pela

    letra da lei, no qual uma das finalidades formar um cidado, um jovem com

    pensar crtico, ao utilizar seus conceitos, seus contedos, cada um com vis

    prprio. Mas defendo que esse entendimento assume sentidos heterogneos,

    ao serem apropriados de diversas formas por diferentes grupos sociais. Eles se

    modificam e tomam outro corpo, deixando de ser Sociologia a disciplina

    ensinada, podendo ganhar nomes outros, como tica e Cidadania,

    3 Estou considerando aqui, tal como Goodson (1997), que toda mudana curricular traz em si, simultaneamente, os traos da estabilidade.

  • 13

    Orientao, entre tantas outras denominaes para as disciplinas que

    trabalham com contedos sociolgicos.

    Para investigar tais questes, so analisadas a proposta curricular para

    a disciplina Sociologia nos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

    Mdio (PCNem) e as Orientaes Curriculares para o Ensino de Sociologia

    (OCNem), documentos oficiais4 produzidos por representantes da rea e que

    marcam a (re)introduo da disciplina no currculo, ainda que ela j estivesse

    aparecendo nas grades curriculares de algumas escolas desde o ano de 1989,

    como j relatei5. Tambm so analisadas produes textuais dessa

    comunidade disciplinar em defesa da disciplina Sociologia no currculo.

    Tenho conhecimento que o sentido de texto no se restringe ao que

    escrito, como afirma Lopes (2005), porm trabalho, como essa autora, com o

    privilgio da produo de sentidos pelos textos escritos, pelo poder que tm na

    produo de sentidos nas polticas e pela possibilidade maior de acess-los.

    Outros sentidos poderiam ser identificados como postos em circulao, caso

    tivssemos optado pelas entrevistas com membros dessa comunidade

    disciplinar ou por investigar outros textos pedaggicos, como programas de

    televiso, por exemplo. Mas a opo pelos textos escritos no implica ver

    neles apenas sentidos oficiais ou acadmicos, mas sentidos hibridizados, entre

    si e com sentidos da prtica, postos em circulao no ciclo contnuo de

    polticas (Ball, 1994, 1998, com Bowe, 1998).

    Em virtude do j mencionado carter difuso dessa comunidade, a

    reunio dos documentos que expressam suas produes textuais j foi por si

    desafiadora, mas ainda mais vivel e precisa de ser realizada do que a

    definio de sujeitos para as entrevistas. Isso porque, alm de no existirem

    sociedades consolidadas, no h congressos regulares e revistas peridicas da

    rea, como mencionei. Assim, optei por realizar um levantamento das teses,

    dissertaes e artigos produzidos no perodo de 1996 a 2007, sobre ensino de

    sociologia, procurando investigar os argumentos em defesa da disciplina.

    Para apresentao dessa pesquisa, inicio explicitando meu

    entendimento de polticas de currculo, com base nos trabalhos de Stephen

    4 Ao longo da dissertao, considero que a denominao documentos oficiais no implica ver esses textos como produes apenas oficiais. 5 Esse aspecto ser desenvolvido mais adiante, no histrico dessa disciplina, no captulo 2.

  • 14

    Ball, de Alice Casimiro Lopes e de Elizabeth Macedo, e o entendimento de

    comunidade disciplinar, particularmente apoiada em Ivor Goodson e em Alice

    Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo. Em seguida, apresento o campo de

    pesquisa, ou seja, os contornos dessa difusa comunidade em ensino de

    Sociologia no Brasil de 1996 a 2007, destacando a trajetria histrica da

    disciplina e os documentos levantados para anlise. Por fim, apresento a

    anlise dos argumentos em defesa da disciplina e minhas principais

    concluses, com limites e possibilidades deste trabalho de investigao.

  • 15

    Captulo 1 As polticas de currculo e as comunidades disciplinares As disciplinas escolares

    A epistemologia da ps-modernidade, de certa forma, impe uma

    ruptura no conceito acadmico de cultura, na medida em que:

    h um desaparecimento do sentido de hierarquia entre

    diferentes tipos de conhecimento, no h estrutura, no h

    fundamentos, no existem metanarrativas que estabeleam

    prioridades e que ordenem a validade das elaboraes

    culturais. Tudo pode ser considerado, porque tudo parte da

    cultura (Sacristn, 1999, p.174)

    Isso confere a este sentido mais amplo da cultura, um aspecto de

    distanciamento da cultura acadmica, na medida em que esta deixa de ter

    fundamentos epistemolgicos que sustentem sua superioridade em relao a

    outras culturas e seus saberes. Essa compreenso traz mudanas para o papel

    da escola, at ento compreendida, por diferentes correntes, como a instituio

    responsvel por disseminar a cultura acadmica, seja ela entendida na viso

    enciclopedista a cultura de maior valor , seja ela compreendida nas verses

    mais crticas, como a cultura legitimada pelo tempo que precisa ser acessvel,

    tambm, s classes sociais trabalhadoras.

    Com isso, algumas abordagens se propuseram a fazer da escola um

    local de aculturao mais geral, com um olhar sobre o currculo que se

    assemelhava a este saber geral, no especfico. Porm, isso tambm implica

    alguns problemas, como, por exemplo, a discusso sobre o que se priorizaria

    ensinar, pois o tempo para a discusso de quaisquer assuntos limitado e, ao

    fim e ao cabo, certos assuntos se sobrepem a outros, sendo estes ltimos,

    eliminados.

    Sob esta perspectiva totalizante do termo cultura, a cultura popular

    ganha tambm seu espao no universo escolar. Essa cultura passa a estar

    presente de forma restrita, ao se examinar os aspectos do folclore, festas e

    artes populares de um grupo social, ou de uma maneira mais ampla, servindo

    como instrumento de recuperao do compromisso da escola com as classes

  • 16

    populares, na tentativa de oposio a uma escola suposta como entediante e

    academicista.

    Para alm dessas dicotomias, procuro trabalhar com a dimenso de

    que no h culturas puras que se inter-relacionam, mas culturas em embates

    sociais por significar o mundo. Considero, ainda, que nesses embates so

    produzidos hbridos culturais (Garca Canclini, 1998). Mas preciso salientar

    que, mesmo nas verses mais dicotmicas da relao entre cultura acadmica

    e cultura popular, desenvolve-se a idia de relativizao na educao, com

    base no conceito antropolgico de cultura. Entende-se que h culturas, e no

    uma cultura nica.

    Assim, nas OCNem, sob esta perspectiva, possvel observar que a

    proposio de seu texto, est bem prxima de tais conceitos. Entende que a

    Sociologia pensada para a escola, para o ensino mdio, uma disciplina que

    supe um conjunto mnimo de contedos, mas de forma contextualizada, de

    forma a refletir o universo cotidiano do aluno, dar conta de trabalhar conceitos

    ligando-os cultura, e, de forma mais geral, utilizando as prticas, experincias

    individuais/coletivas, as vivncias e os aspectos daquele grupo social

    envolvido.

    Para analisar tal concepo de disciplina, entendo ser necessrio

    uma interpretao sobre o que se entende por disciplina escolar. Lopes e

    Macedo (2002), em seus estudos e anlises sobre a organizao do

    conhecimento escolar, no campo das pesquisas em currculo, lanam seus

    olhares sobre como tais estudos podem ser divididos entre os que defendem

    que a organizao do conhecimento escolar baseada em diviso de campos

    de saberes, atravs da disciplinarizao, e os que entendem que tais saberes

    possuem um processo mais abrangente para sua reconstruo. Neste ltimo

    caso, a escola , mediando outras instncias sociais, a responsvel pela

    produo dos saberes escolares6. Tal como as autoras, me identifico com a

    segunda perspectiva.

    A disciplina escolar tem grau de importncia para as anlises de

    polticas de currculo, na medida em que ... por intermdio das disciplinas

    que o conhecimento vem sendo prioritariamente transmitido nas escolas... (

    6 Nesta anlise, no estou diferenciando saber e conhecimento.

  • 17

    Lopes, 2002, p: 81). nesse sentido que as autoras argumentam que a

    organizao curricular em uma matriz disciplinar no impede que surjam

    mecanismos de integrao, na forma da criao de disciplinas que se integrem,

    ou mesmo atravs da articulao das disciplinas isoladas. Seja de que forma

    for, a matriz disciplinar a responsvel pelos mecanismos de organizao e

    controle da escola. A integrao, mesmo quando existente, subsumida

    disciplinaridade.

    Com base em Goodson e Boaventura7, as autoras analisam, ainda, as

    diferenas entre disciplina escolar, disciplina cientfica e disciplina acadmica.

    No campo do currculo, h um consenso no que diz respeito ao conhecimento

    escolar. A teoria crtica defende que ele resultado de um tipo de seleo

    cultural, advindo de fatores scio-culturais, polticos e econmicos, no

    apenas critrios epistemolgicos, sendo organizado atravs da pedagogizao.

    Mesmo que no levemos em conta esta teorizao, discutem Lopes e Macedo

    (2002), encontramos comumente anlises das disciplinas escolares como

    extenses dos saberes de referncia, acadmicos e/ou cientficos, e

    possuidoras de lgicas e objetivos derivados destes saberes.

    Em oposio a essas anlises, as autoras defendem que as disciplinas

    escolares so diferentes das disciplinas acadmicas/cientficas, ainda que

    faam parte de um tipo de mecanismo simblico, pelo qual se reduzem, por

    assim dizer, os objetivos sociais da educao e as finalidades sociais do

    conhecimento. Segundo Boaventura (apud Lopes e Macedo, 2002), as

    disciplinas acadmicas/cientficas, sua organizao e constituio prescindem

    da construo de novas especializaes cientficas, o que pode acarretar

    resistncias por parte de certos grupos das comunidades cientficas. Da

    mesma forma como inovaes no campo da cincia tendem a ser criticadas

    como prematuras ou mesmo erradas e seus defensores serem isolados, sem

    espao para defender suas idias, coibindo assim, a possibilidade do

    surgimento de discpulos. Em compensao, este grupo de novas idias e/ou

    mtodos, busca estratgias no sentido de legitimao dessas idias, atravs de

    mecanismos de divulgao, como congressos e peridicos prprios, entre

    outros.

    7 Opto por citar o autor Boaventura de Souza Santos pelo primeiro nome por ser a forma como ele mais conhecido.

  • 18

    A converso reguladora, segundo Boaventura (apud Lopes e Macedo,

    2002) ocorre quando h um processo de filtragem pela comunidade cientfica,

    dos objetivos sociais, fazendo com que se tornem objetivos tericos da cincia.

    Isto se d na etapa que Boaventura denomina fase ps-paradigmtica, que

    quando a disciplina cientfica adquire seu ponto mximo de maturidade, e se

    torna instrumento de ideologia, ou seja, a disciplina atinge seu ponto mximo

    de disponibilidade aos objetivos sociais e acaba se tornando uma arma

    poderosa a servio dos interesses das classes dominantes (apud Lopes e

    Macedo, 2002). Isso lhe garante a possibilidade de crescimento e tambm nos

    leva a compreender como a constituio e legitimao da disciplina cientfica

    reduz as finalidades sociais do conhecimento e acaba por se aliar aos

    interesses das elites.

    As disciplinas acadmicas e escolares tambm direcionam as

    finalidades sociais do conhecimento. Entretanto, a forma pela qual so

    institudas difere do conhecimento cientfico. Uma das razes a prpria

    constituio histrica dessas disciplinas, que se diferenciam tambm neste

    sentido. As lutas por recursos, status e territrio, para usar as clssicas

    categorias de Goodson (1997), se desenvolvem em instituies diversas,

    buscando interesses diversos e atendendo, repito, a finalidades prprias do

    contexto pedaggico.

    No que diz respeito disciplina em questo, a Sociologia, h uma

    tendncia por parte de alguns sujeitos da comunidade disciplinar de trat-la

    com um grau elevado de academicismo. Isso pode ser compreendido, por um

    lado, como uma tentativa de legitimao mxima da disciplina. Se for levado

    em conta que as Cincias Sociais valorizadas so as do Ensino Superior e a

    Sociologia, no Ensino Mdio, menos valorizada, compreende-se porque, para

    ganhar o mesmo espao e valor, a Sociologia busca contedos e mtodos

    acadmicos. Por outro lado, pode ser compreendida tambm, como a tentativa

    de esses mesmos sujeitos se legitimarem e se valorizarem, pois, como ser

    demonstrado em alguns estudos feitos sobre o assunto, o professor de

    Sociologia, nem sempre um especialista da rea. Isto diferencia a disciplina

    de grande parte das demais, por sua peculiaridade histrica e tambm pela

    peculiaridade da construo de sua comunidade, ainda em andamento.

  • 19

    No que tange contextualizao dos universos acadmico e escolar, por

    si s, j diferenciariam as disciplinas e, a princpio, no haveria relao

    necessria entre ambas. Essas disciplinas tm trajetrias histricas e

    finalidades razoavelmente autnomas, embora, muitas vezes, ocorram

    aproximaes e interpenetraes entre elas. Isso acarreta que, do ponto de

    vista terico-metodolgico, investigar sentidos e produes das disciplinas

    escolares exige entender a histria especfica dessas disciplinas, e no buscar

    referncias na histria do campo cientfico da disciplina.

    Analisando a histria das disciplinas escolares, Lopes e Macedo (2002)

    apresentam dois modelos, entendidos como provisrios, que:

    ... pretendem dar conta da evoluo das disciplinas escolares:

    o primeiro, desenvolvido por Layton para o estudo das cincias

    naturais, vem sendo aplicado por Goodson aos diversos

    campos de saber e tem servido de base para vrios estudos

    desenvolvidos no Brasil; o segundo, proposto por Mullins,

    baseia-se na existncia de estruturas de comunicao entre as

    disciplinas acadmicas e as inovaes das teorias intelectuais

    associadas formao de grupos de pesquisa... (Lopes e

    Macedo, 2002, p.78)

    De acordo com Layton, as disciplinas escolares estariam em constante

    fluxo, e por esta razo passariam por trs estgios do processo histrico de

    sua constituio. No que seria o primeiro estgio, a disciplina seria includa no

    currculo escolar, a partir de sua pertinncia e utilidade, estando o interesse

    dos alunos diretamente relacionado s questes, apresentadas pela disciplina,

    que lhes digam respeito. Alm disso, o corpo docente raramente tem formao

    especfica na rea. Defendo que a disciplina Sociologia tem caractersticas

    que, de certa forma, a colocam neste estgio. A defesa de incluso ainda

    baseada em sua utilidade e seu carter pedaggico, no tem forte relao com

    padres universitrios, em virtude de no ser exigida na maioria dos concursos

    vestibulares, ainda que isso no impea que ela assuma, por vezes, como

    mencionei, um vis acadmico.

    No segundo estgio, estariam estabelecidas as disciplinas entendidas

    como tradicionais, com tradio acadmica, e os professores, passam a ser os

  • 20

    especialistas da rea. No h o atendimento direto ao interesse do aluno como

    foco principal, e os critrios de legitimao passam a ser a utilidade da

    disciplina e o status acadmico. Poderiam ser consideradas neste contexto,

    disciplinas mais tradicionais no currculo, como Histria, Geografia, Fsica e

    Qumica, por exemplo.

    O terceiro estgio j conta com a disciplina escolar estabilizada, e diz

    respeito quelas disciplinas tradicionalssimas, que dispem de um corpo de

    professores treinados, com um conjunto de regras e valores fortemente

    estabelecidos, sendo estas, que direcionam a seleo e a organizao dos

    contedos, e os alunos so inseridos nesta tradio escolar amplamente

    aceita. Uma disciplina com tais caractersticas, para exemplificar, poderia ser a

    Matemtica. Claro que a incluso das disciplinas nesses estgios apenas

    aproximada e depende de muitas outras razes, relacionadas s suas

    trajetrias histricas e institucionais especficas, que escapam ao escopo deste

    trabalho.

    A anlise de Layton, apesar de poder ser entendida como linear,

    extremamente til para o entendimento da institucionalizao das disciplinas

    escolares. De acordo com Goodson, ... a consolidao de uma disciplina no

    currculo tende a envolver a passagem de uma orientao inicial mais

    pedaggica e utilitria para uma tradio mais acadmica... (Lopes e Macedo,

    2002, p.79)

    Questionando a linearidade do modelo de Layton e sua apropriao por

    Goodson, mas no se afastando dele completamente, Lopes (2000) salienta o

    quanto as tradies utilitrias e acadmicas se mesclam, com diferentes

    intensidades, ao longo da trajetria histrica da disciplina. A passagem, a qual

    se refere Goodson, denota mais uma modificao na nfase entre essas

    tradies ao longo de um determinado tempo histrico. Isso evidencia o quanto

    as tenses e conflitos entre elas possibilitam hibridizaes de tradies.

    Isso nos faz compreender que a disciplina escolar no uma tradio

    que se baseia e se refere exclusivamente disciplina acadmica ou

    cientfica. Tambm no a transposio de conhecimentos acadmicos para o

    mbito escolar. Ao invs disso, a disciplina escolar socialmente,

    culturalmente e politicamente construda, em terreno de contestao,

    fragmentao e associao, e est em constante movimento de mudana.

  • 21

    Esto envolvidas neste processo, ideologias individuais e/ou de grupos,

    implicando institucionalizaes diferenciadas de cada disciplina escolar.

    Diferentemente das disciplinas cientficas/acadmicas, a disciplina

    escolar tem como princpio e finalidade a organizao do currculo escolar e o

    controle da escolarizao. As principais crticas a esse modelo de organizao

    do currculo dizem respeito sua pequena capacidade de dar conta da

    problemtica social, justamente por se aproximar demais de padres

    acadmicos.

    Em defesa da organizao disciplinar do currculo, surgiram duas

    propostas, uma tomando por base uma temtica integradora, e a segunda,

    baseada na constituio de novos campos de saberes interdisciplinares. A

    integrao atravs da temtica, na maioria das vezes, se d no entrelaamento

    dos contedos, na forma da estrutura disciplinar clssica. Ocorre que, dentro

    da organizao temtica, h a vertente que aponta para a construo da

    disciplina escolar a partir de critrios diversos dos da disciplina cientfica, e a

    que nem sequer toma a disciplina cientfica como referncia.

    J a integrao pela via da constituio de campos de saberes

    interdisciplinares pode tomar a disciplina cientfica como referncia, ou basear-

    se nas finalidades do processo educativo. Em resumo, a organizao do

    currculo disciplinar tem como lgica principal a organizao e o controle,

    relacionados aos fins sociais do conhecimento e da educao, mas outras

    organizaes, visando a outras finalidades, disputam a hegemonia com a

    organizao disciplinar.

    No caso da Sociologia, e entendendo o currculo disciplinar como um

    todo, possvel afirmar que ela se insere nessa tecnologia de controle de

    sujeitos, saberes, espaos e tempos: quem estuda o qu e quando, onde e em

    que lugar. A Sociologia uma disciplina escolar e, portanto, se insere nessa

    lgica: organiza os saberes que os alunos aprendero, controla professores e

    alunos. O professor de Sociologia, com toda sua formao acadmica, est

    inserido em uma comunidade disciplinar que o formou em saberes, vises de

    mundo, formas de pensar e estudar que se refletem em sala de aula. O

    discurso de formao do aluno-cidado um dos muitos que constitui a

    disciplina Sociologia e pe em circulao determinados sentidos que acabam

  • 22

    fazendo com que os professores e alunos trabalhem de certa maneira nessa

    disciplina.

    Dessa maneira, defendo que a Sociologia, longe de poder ser fixada em

    um conjunto de finalidades especficas, mescla de forma hbrida finalidades

    acadmicas e utilitrias, mesmo estando, sob certos aspectos, no primeiro

    estgio de Layton, anteriormente descrito. Saliento que os limites desses

    aspectos associados ao primeiro estgio relacionam-se com a interrupo da

    trajetria histrica dessa disciplina no currculo. Ou seja, ela retornou a um

    primeiro estgio do qual j havia anteriormente sado8.

    Os espaos disciplinares se constituem como capazes de definir

    caminhos para a construo de carreiras dos alunos, garantir status aos

    professores e construir retricas legitimadas que do apoio automtico a uma

    atividade corretamente classificada... (Lopes, 2002, p.83). Por isso, apoiando-

    me ainda em (Lopes, 2002) defendo que:

    ...a disciplina escolar um sistema e uma prtica

    institucionalizada que proporciona uma estrutura para a ao

    escolar. No entanto, salienta o autor, no podemos ver essa

    estrutura como isolada de um contexto mais amplo. Ao

    contrrio, ela incorpora e define objetivos e possibilidades

    sociais do ensino, fazendo parte das prticas de distribuio e

    de reproduo social. Por intermdio das disciplinas escolares,

    mais facilmente so mascaradas as relaes de poder que

    sustentam as aes curriculares e que so sustentadas por

    estas aes, desta forma legitimando a distribuio desigual do

    conhecimento... (Lopes, 2002 p.83)

    Ainda para Goodson (1997), fato que a disciplinarizao fragmenta, e

    esta fragmentao acaba por isolar os diversos atores curriculares, no universo

    de cada disciplina, o que dificulta os debates sobre quais so os objetivos

    sociais do ensino. Mas a manuteno da organizao disciplinar se vincula a

    8 No estou entrando no mrito aqui de considerar o quanto essa disciplina, ao longo de sua histria, se modificou. No h como considerar que o que hoje se ensina como Sociologia o mesmo que se ensinava no passado. A concluso a esse respeito mereceria outras investigaes.

  • 23

    sua atuao como tecnologia de organizao curricular, como j mencionei, e

    encontra sintonia com a constituio das comunidades disciplinares.

    A disciplina menos uma diviso de saberes e mais a constituio

    desse campo de poder que defende esses saberes. Para essa defesa,

    formada uma comunidade de especialistas em torno da existncia desse

    campo de poder. Disciplinas escolares mais consolidadas tm comunidades

    mais organizadas, com sociedades especficas, produes textuais mais

    definidas em artigos e livros, inclusive didticos. Angariam maiores recursos

    e constituem um territrio prprio. Disciplinas escolares menos definidas e

    presentes nas escolas formam comunidades mais difusas, como o caso da

    Sociologia. Mas ainda assim essas comunidades participam da produo de

    polticas de currculo, especialmente porque, por intermdio do currculo,

    tambm defendem a sua prpria comunidade, seu territrio, sua trajetria

    profissional, seus recursos, seu status e, acrescentado ao que Goodson

    discute, seu poder.

    O entendimento das polticas de currculo

    Segundo Lopes (2004), toda poltica de currculo uma poltica cultural,

    portanto, sua anlise a partir de processos econmicos e/ou de classe, onde h

    a presena do Estado, dificulta o aparecimento de lutas sociais que do sentido

    s dinmicas da cultura e do conhecimento. Para o entendimento das polticas

    de currculo como polticas culturais, alguns sistemas de representao devem

    ser pensados, como o mercado e a produo, o consumo, a cultura comum, o

    currculo nacional, para que possam ser entendidos seus efeitos discursivos,

    simultaneamente simblicos e materiais (Lopes, 2004, p.37)

    Citando Ball, a autora entende que a poltica , simultaneamente, texto e

    discurso. Utilizando a concepo de prtica discursiva de Foucault, Ball analisa

    definies polticas como discursos, onde prticas formam os objetos dos quais

    falam e se associam ao que pode ser dito, a quem pode dizer, quando e com

    que autoridade. Alm disso, nenhum discurso pode ser compreendido fora das

    relaes materiais que o constituiinvestigar os discursos, implica investigar

    as regras que norteiam as prticas (Lopes, 2004, p.38)

  • 24

    Ao pensar as polticas como discursos, Ball est chamando ateno

    para o fato de que os conhecimentos na base da hierarquizao dos saberes

    no esto completamente excludos, mas alguns discursos nos induzem a

    pensar e a agir de modo inverso, o que limita nossas respostas e at

    mudanas (Lopes, 2004, p.38). So diversos os produtores dos textos e dos

    discursos: o governo, o meio acadmico, as prticas escolares, o mercado

    editorial, os grupos sociais que atuam e pensam sobre educao (Lopes, 2004,

    p.38). Tal produo em diferentes contextos e por diferentes grupos sociais

    est sempre imbricada em conflitos e disputas por hegemonia. Essa produo

    poltica , assim, obrigatoriamente hbrida.

    Tambm possvel pensar o discurso, pelo referencial da discipina

    Sociologia, como um hbrido, segundo a seguinte perspectiva: tomam-se como

    paradigmas inmeras idias /autores das Cincias Sociais, por

    grupos/segmentos diferenciados, e, ao chegarem escola, estes discursos j

    se hibridizaram, por serem apropriados de maneiras distintas.

    Pensando ento na implantao da disciplina Sociologia no Ensino

    Mdio, como uma poltica curricular, e pensando nos discursos produzidos para

    legitim-la, percebe-se que diferentes grupos da comunidade disciplinar

    rejeitam essa concepo da disciplina como formadora do aluno-cidado, pois

    ao se apropriarem dos diversos discursos que circulam nas comunidades

    acadmicas e disciplinares, hibridizam-nos. desenvolvido o que Ball (1994)

    denominaria bricolagem, pois esses discursos esto presentes nos contedos

    que a disciplina pretende utilizar e na forma que assumem ao serem

    apropriados por diversos grupos.

    possvel observar que a disciplina Sociologia chega sala de aula

    para ser modificada no contexto da prtica (onde se inserem diferentes grupos

    da comunidade disciplinar), na medida em que a Sociologia na escola

    depender de diferentes fatores, relacionados instituio especfica na qual

    se insere. Esses fatores englobam desde a formao individual, ideologias, at

    a questo cultural, j apresentada, pois os conceitos sociolgicos discutidos

    tendero a ser contextualizados de formas distintas, dependendo do grupo

    social, mas tambm da cultura local na qual esto inseridos

    professor/aluno/escola.

  • 25

    Aliado a esses fatores, possvel acrescentar produo das polticas

    de currculo para essa disciplina, a influncia de documentos oficiais, assinados

    pelo Estado, como por exemplo, as Orientaes curriculares e os Parmetros

    curriculares nacionais para o ensino mdio. Tais documentos trazem

    proposies de um currculo comum e apontando condicionantes para as

    prticas discursivas em sala de aula.

    Essa perspectiva refora a idia de ser a disciplina Sociologia, no ensino

    mdio, produtora de discursos hbridos, a partir das reinterpretaes mltiplas

    que a produzem enquanto disciplina escolar. Nessa perspectiva, possvel

    lanar o olhar sobre a disciplina como produtora/reprodutora destes discursos

    hbridos, a partir de tais reinterpretaes que a produzem como disciplina, pois,

    segundo (Lopes, 2006, p.39):

    O hibridismo envolve a mistura de concepes...

    caracterizado sobretudo, pela negociao de sentidos nos

    diferentes momentos da produo de todos os textos e

    discursos...nessa negociao entram em jogo, particularmente

    concepes de currculo e acordos a serem feitos entre os

    diversos segmentos sociais, dentre eles, as comunidades

    disciplinares.

    A autora sinaliza ainda que:

    As lutas que constituem os currculos so, portanto,

    simultaneamente, polticas e culturais. Para entend-las,

    parece-me importante compreender os discursos hegemnicos

    que buscam atribuir sentidos e significados fixos ao currculo e

    as comunidades que garantem a disseminao desses

    discursos. (Lopes, 2006, p. 40)

    Tal compreenso da disciplina escolar e do currculo como hbrido de

    discursos exige outra abordagem para a poltica que se afaste de

    interpretaes centralizadas na produo do Estado. Para isso, recorro ao

    artigo de Mainardes (2006) sobre Ball e ciclos de poltica, e defendo os

    principais contextos pensados por este autor: o de influncia; o da produo de

  • 26

    textos, e o da prtica. O autor pensa nestes trs contextos de forma cclica,

    onde um complementa o outro, numa espcie de circularidade. O discurso em

    formao em qualquer um dos contextos recebe apoio, mas, outras vezes,

    questionado e desafiado pelos prprios grupos, ou isoladamente.

    Considerando detalhadamente este trs contextos bsicos em que os

    textos dessas polticas so produzidos, necessrio pensar que no h limites

    rgidos entre esses espaos: a) contexto de influncia, contexto de carter

    poltico bem amplo, no qual normalmente ocorrem as disputas pela construo

    de discursos definidores dos princpios mais gerais que norteiam a atividade

    educacional, indicando suas finalidades sociais; b) contexto de produo dos

    textos das definies polticas, de carter oficial e centralizador, mantendo

    estreito vnculo com o primeiro contexto; c) contexto da prtica9, no qual as

    definies curriculares so mais uma vez recriadas e reinterpretadas. Ao

    circularem de um contexto a outro, os textos sofrem constantes

    reinterpretaes, em um jogo de carter poltico com lances discursivos que

    reforam ou alteram determinados sentidos dos textos em detrimento de

    outros. Na interpretao de Ball (1998), essa circularidade discursiva uma

    caracterstica da produo de textos hbridos realizada em processos de

    recontextualizao.

    Com base nessa abordagem, possvel entender que qualquer texto ou

    discurso de uma poltica traz em si sentidos de textos e discursos dos mais

    variados contextos. Nesse sentido, quando priorizo, nesta dissertao, a

    anlise de textos acadmicos, no exploro sentidos apenas de um espao

    acadmico. Mas analiso como esses textos incorporam sentidos de outros

    textos e contextos. E analiso, tambm, como esses sentidos so postos em

    circulao no ciclo de polticas e contribuem para a produo de polticas.

    Dessa forma, um documento oficial, como, por exemplo, as Orientaes curriculares para o ensino Mdio, da disciplina Sociologia, se apresenta como o

    produto dos contextos de influncia e de produo de textos, com suas

    consideraes bem claras quanto aos contedos, recursos, metodologias, etc.

    Mas tambm traz em si sentidos da prtica das escolas, seja porque os autores

    desses textos so tambm professores que interagem com essas prticas, seja

    9 Ao denominar este contexto como da prtica, Ball est salientando o espao das prticas curriculares escolares. Isso no significa dizer que no existam dimenses prticas em outros contextos.

  • 27

    porque tais textos so produes discursivas nas quais esses sentidos se

    interpenetram.

    Quando o prprio documento reconhece em seu corpo de texto a

    dificuldade de estabelecer um currculo nico para a disciplina, e de contar

    rapidamente com a unanimidade do contexto da prtica (a comunidade

    disciplinar de Sociologia), j aponta para o dilogo obrigatrio que se

    estabelece com outros sujeitos e contextos. A produo textual e discursiva

    hbrida enfatizada no desenvolvimento do projeto, a partir da interpretao

    das recontextualizaes discursivas que podem reforar, enfraquecer ou alterar

    significativamente os sentidos expressos em textos curriculares. Vale dizer que

    esse processo de construo discursiva prprio de qualquer produo

    cultural e que no deve ser entendido como negativo. Entretanto, possvel

    destacar como se acentua na atualidade, tornando-se mais relevante para

    anlise e tornando mais evidentes, porque mais aceleradas, as

    reinterpretaes e a associao de interesses ambguos e ambivalentes.

    Assim, pela incorporao da abordagem do ciclo de polticas de Ball, os

    discursos para legitimar o ensino obrigatrio de Sociologia no Ensino Mdio

    podem ser pensados como hibridizados e como decorrentes de um processo

    de recontextualizao por hibridismo nos/dos discursos, que ao chegarem a

    escola sero apropriados de formas distintas, muitas vezes ambivalentes.

    Roteiros para a disciplina disponveis e entendidos como adaptveis a cada

    estado, municpio, escola e a cada professor so desterritorializados,

    modificando, ainda mais, o carter da disciplina.

    Passo ento a abordar a compreeenso mais detida da

    recontextualizao por hibridismo.

    Recontextualizao por hibridismo

    Lopes (2005) defende que existe uma articulao entre discursos

    estruturalistas e ps-estruturalistas nas anlise de Ball sobre as polticas de

    currculo, sendo essa articulao mais evidente na associao das concepes

    de recontextualizao e hibridismo. O conceito de recontextualizao, oriundo

    das teorizaes estruturalistas de Bernstein, apresenta-se como extremamente

    produtivo, no que diz respeito ao entendimento das reinterpretaes dos textos

  • 28

    que circulam no meio educacional, que so constantemente ressignificados. A

    concepo de hibridismo visa a dar conta das mudanas culturais na

    atualidade, dos deslizamentos de sentidos e do rompimento com a concepo

    de estrutura.

    A concepo de recontextualizao passa a ser mais utilizada em

    pesquisa que buscam interpretar a influncia de orientaes de agncias

    multilaterais ao serem inseridas nos contextos dos EstadosNao e as

    dinmicas das trocas polticas entre os diferentes Estados-nao no mundo

    ocidental. Essas polticas curriculares, em grande parte, so dirigidas pelo

    poder central de um pas e acabam por influenciar outros pases. A

    recontextualizao tambm incorporada em anlises que tentam entender

    como inmeros textos de apoio ao trabalho educacional acabam por se

    modificar em contextos disciplinares especficos.

    Ao pensarmos no processo de recontextualizao, a partir de Bernstein

    (apud Lopes, 2005), possvel entender que os textos, sejam eles assinados

    ou no pelo sistema oficial, acabam por se fragmentar quando inseridos no

    corpo social da educao. Alguns trechos tendem a ser mais valorizados que

    outros, e associam-se a outros textos, que iro ressignific-los e refocaliz-los.

    Pensando na disciplina Sociologia, tal fato fica muito evidente quando

    identificamos as inmeras modificaes que o texto oficial sofre ao chegar

    escola, sala de aula, e, por vezes, em etapa anterior. Por inmeros fatores,

    que vo desde a formao do professor de Sociologia, que muitas vezes no

    tem formao especfica na rea, at fatores scio-culturais mais amplos,

    ocorrem modificaes e reinterpretaes destes textos oficiais.

    Bernstein (2003) expe ainda que, no interior do discurso pedaggico,

    localizam-se regras que do suporte ao processo de recontextualizao, pela

    incorporao de discursos instrucioniais nas regras do discurso regulativo.

    Assim, para o autor, trata-se de um princpio de recontextualizao de outros

    discursos, que podem ser transmitidos e/ou adquiridos. Predomina, nesse

    sentido, o discurso da regulao, pois este capaz de garantir ordem e

    controle no que tange ao discurso instrucional.

    No que diz respeito Sociologia, no so as regras inerentes

    constituio do discurso instrucional sociolgico que predominam na disciplina

    escolar Sociologia, mas as regras do discurso regulativo que constituem o

  • 29

    discurso pedaggico dessa disciplina. Os contedos de Cincias Sociais so

    inseridos nessas regras e, dessa forma, recontextualizados, para atender s

    finalidades de um processo social distinto o pedaggico e escolar. Nesse

    processo, por vezes, menos importante ensinar os contedos da disciplina do

    que forjar um determinado perfil de cidado e de compreenso da sociedade

    considerados necessrios.

    Em sua anlise, Bernstein (2003) diferencia o campo recontextualizador

    oficial e o campo recontextualizador pedaggico. O campo recontextualizador

    oficial aquele criado pelo Estado, j o campo recontextualizador pedaggico

    composto pelos educadores das escolas e das universidades, assim como

    aqueles que produzem literatura especfica e trabalham com pesquisas no

    campo da educao. As relaes entre os dois campos, o oficial e o

    pedaggico, so salientadas pelo autor, mas, nem sempre, as superposies e

    articulaes entre esses campos so exploradas, perspectiva esta que

    defendo. Isso porque, o modelo de recontextualizao proposto por Bernstein

    apresenta caractersticas de binarismo, e seus pares invarialvelmente se

    interconectam em relaes de poder, tais como: discurso regulativo/discurso

    instrucional; campo de produo/ campo simblico ; Estado /organizaes de

    produo do conhecimento pedaggico. A esses binarismos que a

    perspectiva do hibridismo visa a questionar.

    A importncia do processo de recontextualizao na produo e

    pesquisa de polticas de currculo decorre do fato de que, atravs deste

    conceito, podem se identificar as reinterpretaes relacionadas aos processos

    de circulao de textos e as aes, de resistncia e de mudana, de diversos

    grupos sociais em vrios nveis.

    Ainda neste sentido, para as polticas de currculo, segundo a anlise de

    Lopes (2006), pode se identificar como extremamente produtiva a constante

    articulao entre o macro e o micro. O modelo de Bernstein busca uma anlise

    de baixo para cima, ou seja, das escolas para contextos mais amplos, seja

    das polticas oficiais, seja para os educadores, que contribui para questionar

    modelos exclusivamente de cima para baixo.

    Ball incorpora a concepo de recontextualizao de Bernstein

    associada ao hibridismo das teorias ps-coloniais e dos estudos culturais. Esse

    autor investiga as polticas educacionais compreendendo as articulaes

  • 30

    estabelecidas em diversos contextos, porm sem que as hierarquias entre eles

    sejam estabelecidas. Isto possvel quando o autor pensa nos contextos de

    influncia, de definio de textos e da prtica como no-hierarquizados e

    sujeitos sempre aos processos de recontextualizao.

    Mas ao incorporar idia de recontextualizao, a concepo de cultura

    pelo hibridismo, o autor valoriza as nuances e variaes locais das polticas

    educacionais, questiona as dicotomias estruturalistas e assume um carter

    mais ambivalente na anlise das polticas. Particularmente nas polticas de

    currculo, a incorporao do conceito de hibridismo se d ao compreend-las

    como polticas culturais, que obtm consenso, alcanam transformaes

    sociais, orientam movimentos simblicos e, no apenas selecionam, produzem,

    distribuem e reproduzem o conhecimento (Lopes, 2006).

    Com base em Garca Canclini (1998), o hibridismo pode ser

    compreendido com base nas seguintes noes:

    Descolees entendimento das associaes atualmente feitas entre o

    culto e o popular, entre estratos culturais de classes sociais distintas,

    bem como entre produes culturais aproximadas pela atuao das

    tecnologias. Essas descolees tambm so vistas como capazes de

    romper as hierarquias, mesmo que no sejam capazes de acabar com

    as diferenas entre as classes.

    Desterritorializao perda da relao vista como natural entre cultura e

    territrios geogrficos e sociais.

    Reterritorializao relocalizaes territoriais, relativas e parciais, de

    antigas e novas produes simblicas.

    Gneros impuros gneros constitucionalmente hbridos, produzidos

    tanto pelas descolees, quanto pelas desterritorializaes e

    reterritorializaes.

    As colees so posturas modernas/estruturalistas, que se baseiam nos

    pares binrios (culto/popular, por exemplo), e modernamente o currculo era

    pensado a partir delas. Assumindo a interpretao do hibridismo, as colees

    se dissolvem, produzindo associaes ambivalentes em nome de finalidades

    distintas. A cultura, que na concepo estruturalista, como a de Bernstein, era

    pensada a partir de categorias aliadas s relaes de poder, no hibridismo,

  • 31

    assume caractersticas difusas, onde identidades e diferenas se misturam e

    as classificaes no so mais reconhecidas.

    O currculo no Brasil est recheado do que seriam gneros impuros e a

    disciplina Sociologia pode ser entendida como mais um exemplo desse gnero.

    Quando discursos compreendidos como temas tranversais - violncia, msica

    popular, cidadania, tica dialogam com a base disciplinar acadmica da

    Sociologia, entendo que so rompidas colees estruturadas e forma-se um

    gnero impuro: a disciplina escolar Sociologia.

    No uma juno de discursos contraditrios cincia e senso comum -

    , nem a submisso dos saberes populares ou no-acadmicos pelos saberes

    acadmicos. estabelecido o hibridismo de discursos para que sejam

    atendidas s finalidades da escola.

    Para que a categoria de ambivalncia seja incorporada, fundamental

    que categorias outrora amplamente utilizadas pelo estruturalismo, como, por

    exemplo, os pares binrios identidade/diferena, culto/popular, sejam pensados

    por meio da simultaneidade da atribuio de mltiplas categorias ao ser.

    Nesse sentido, a ambivalncia pode ser entendida como um processo de

    negociao tanto de sentidos quanto de significados.

    Na recontextualizao estruturalista faz-se necessrio o afastamento

    dos diferentes campos recontextualizadores (o oficial e o pedaggico), na

    tentativa de reduzir o que seria chamado por Bernstein (apud Lopes, 2006) de

    constrangimentos ideolgicos da recontextualizao. Igualmente, devem ser

    evitados os constrangimentos dos campos econmico e do controle simblico

    sobre as reiterpretaes realizadas.

    J na recontextualizao por hibridismos, estes afastamentos so vistos

    como impossveis, por causa das constantes desterritorializaes e

    reterritorializaes, assim como a dissoluo das fronteiras.

    Como concluso, a autora coloca que:

    ... nas polticas de currculo,os contextos deixam de ser vistos

    como hierrquicos e a circulao de textos entre os mesmos

    no interpretada como uma deturpao ideolgica. As

    hibridizaes no so entendidas como superao das

    hierarquias e dos mecanismos de opresso, e tampouco como

    produtoras de consensos entre as diferenas. H relaes de

  • 32

    poder (oblquas?) que favorecem determinados sentidos e

    significados em detrimento de outros nos processos de

    negociao, nos quais os deslizamentos de sentidos so

    formas de escape e opresso. Cabe investigao das

    polticas de currculo, entender o que privilegiado. Com isso,

    as polticas curriculares no mundo globalizado envolvem uma

    tenso global-local que no se desenvolve em uma hierarquia

    rgida e tampouco so discursos superpostos que podem ser

    utilizados livremente, sem que alguns sentidos e significados

    sejam prevalentes. (p.61)

  • 33

    Captulo 2 O campo de pesquisa: o ensino de Sociologia no Brasil de 1996 a 2007

    Sociologia: uma disciplina ausente do currculo

    A tentativa da introduo da Sociologia no currculo do ensino mdio se

    iniciou juntamente com a chegada do positivismo em nosso pas, no iderio

    poltico de Benjamin Constant, Ministro da Educao do Governo Floriano

    Peixoto, em 1891. Este ministro apresentou um Plano Nacional de Educao e

    previa como obrigatrio o ensino da Sociologia (Carvalho, 2004). No perodo de

    1891 a 1964, fica caracterizada a introduo da disciplina como iniciativa

    governamental10, por reformas do ensino, mas a Sociologia fica muito marcada

    como disciplina de Curso Normal, de formao de professores (Carvalho,

    2004). Em 1928, com a Reforma do Ensino, a disciplina passou a fazer parte

    do currculo das Escolas Normais (formao de professores), do ento Distrito

    Federal (RJ) e da cidade de Recife (PE). Em 1931, a Sociologia deixa de ficar

    restrita aos cursos de formao de professores, em funo de uma idealizao

    de educao mais humanista (Carvalho, 2004), por parte de alguns grupos, e

    passa a fazer parte de vrias instituies de ensino, o que ir durar at o golpe

    de 1937.

    Na Segunda fase da Era Vargas, a disciplina volta a fazer parte apenas

    do currculo dos Cursos Normais, nos quais permanecer at o Golpe de 1964,

    com as mesmas caractersticas gerais. A ditadura militar se encarregou de

    retirar todo e qualquer resqucio de Sociologia das escolas de nvel mdio,

    como disciplina escolar oficialmente registrada11. Alguns professores e

    universitrios da disciplina foram presos, caados e/ou aposentados

    compulsoriamente, principalmente a partir de 1969, como conseqncia do Ato

    Institucional no. 5 (AI-5).

    O ensino de Sociologia ficou restrito s Escolas Normais, principalmente

    como Sociologia da Educao, segundo caractersticas determinadas pelo

    10 Afirmar tal iniciativa no significa desconsiderar as influncias de outros contextos na deciso curricular referente a essa disciplina. 11 No possvel afirmar que os contedos de sociologia tenham sido totalmente abandonados, pois eles podem ter sido abordados em outras disciplinas, como Histria e Geografia, ou em outras atividades. Mas certamente a represso poltica coibiu muitas dessas aes.

  • 34

    novo regime de governo, e, com a reforma do ensino, e a Lei 5.692 de 1971,

    ocorre a introduo, nos currculos de nvel mdio, das disciplinas Educao

    Moral e Cvica (EMC) e Organizao Social e Poltica do Brasil (OSPB). Dessa

    forma, foi introduzida, na carga horria anteriormente ocupada pela Sociologia

    e pela Filosofia, as disciplinas pelas quais o governo visava a transmitir a

    ideologia da segurana nacional.

    Nos anos 80, alguns estados decidem re-introduzir a disciplina no

    currculo das escolas de nvel mdio. Destacam-se Rio de Janeiro,

    Pernambuco e Minas Gerais, que tornam a disciplina optativa por intermdio da

    lei no. 7.044, de 1982.

    Em 1996, com a aprovao de nova Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao e, sob orientao das Diretrizes Curriculares Nacionais para o

    Ensino Mdio, de 1999, a Sociologia reintroduzida, mas sob o risco de ser

    diluda na rea de saber Cincias Humanas e suas tecnologias. Isso porque as

    diretrizes estabelecem como obrigatrias apenas as reas e no suas

    disciplinas. Isso no um risco para disciplinas consolidadas, mas disciplinas

    como Sociologia, com menos espao das escolas, podem ser tratadas como

    abordadas na rea, por exemplo, por disciplinas Histria e Geografia, sendo

    consideradas como no precisando de um espao prprio na grade. Isto faz

    com que a Sociologia retorne mascarada, pois a partir deste conceito, o aluno

    no precisaria de aulas de Sociologia, com um professor de Sociologia,

    bastaria, por exemplo, que o professor de Geografia discutisse sobre uma

    determinada matria do jornal, que abordasse as dificuldades de gerao de

    energia no pas, e relacionasse com a sua prpria matria. Desta forma, estaria

    trabalhando a transversalidade, a Geografia e a Sociologia.

    Somente em 2006, o Conselho Nacional de Educao, atravs de sua

    Cmara de Ensino Bsico CEB/CNE, aprovou, por unanimidade, uma

    resoluo, de no. 38/2006, que modifica a de no. 3/98 e que obriga o ensino

    das disciplinas Sociologia e Filosofia em todas as escolas de nvel mdio,

    (Carvalho, 2004).

    Em funo da peculiaridade histrica da disciplina, pode-se afirmar que

    a Sociologia tem uma histria de currculo muito diferente das outras disciplinas

    e, inclusive, por ser to recente, no conta ainda com uma comunidade de

    professores, seja em mbito estadual, regional ou nacional, no havendo

  • 35

    tambm dilogo entre estes grupos, que produziriam consensos acerca de

    contedos e metodologias.

    Como j apontei anteriormente, as associaes profissionais dos

    socilogos atuam na defesa dessa disciplina no currculo do ensino mdio.

    Considero, ento, nesta pesquisa de que no h, at o momento, nenhum

    Conselho Nacional ou Regional de Socilogos. Dispomos, por exemplo, na

    cidade do Rio de Janeiro, da Associao dos Socilogos do Rio de Janeiro

    (APSERJ), que tem sua sede na UERJ, mas, como j dito, poucos profissionais

    tm conhecimento da existncia desta entidade.

    Neste contexto, possvel identificar que a ausncia da disciplina

    Sociologia na grade curricular no significa a ausncia dos contedos da

    disciplina, pois, levando-se em considerao a transversalidade, conceitos e

    contedos mais especficos podem ser tratados de forma mais geral, ou

    inseridos numa discusso de outra disciplina. Por exemplo, numa aula de

    Histria, possvel traar paralelos de fatos, momentos histricos,

    contextualizando-os sociologicamente, apontando as diferenas culturais,

    sociais de um dado momento histrico em comparao com o momento atual.

    Esta, porm, uma situao muito criticada, compreensivelmente, na grande

    maioria dos estudos realizados sobre o ensino de Sociologia at ento, que

    sero apresentados mais adiante. Os argumentos em defesa da disciplina se

    debruam, entre outras coisas, na defesa que a Sociologia deve ser discutida,

    analisada, trabalhada em sala de aula pelo profissional da rea, que, a priori,

    dispe de recursos, estratgias e embasamento terico que viabiliza a

    discusso de forma pertinente. defendido, ainda, que a estrutura conceitual

    da disciplina difere, por exemplo, da de Histria, o olhar do historiador

    diferente do olhar do socilogo, o que torna imprescindvel que a disciplina

    Sociologia esteja presente na grade curricular. Mesmo quando existe a defesa

    de propostas de currculo integrado e/ou transversal, essa se faz associada

    defesa da disciplina especfica e, por conseguinte, de seu status, seus

    recursos, seu territrio e o territrio profissional dos atores sociais da

    comunidade que ela constitui.

    Justamente porque, com base em Goodson (1997), entendo que a

    defesa da disciplina est diretamente relacionada com as trajetrias

    profissionais da comunidade disciplinar em questo, procurei entender o que

  • 36

    est sendo estabelecido como perfil para o professor de Cincias Sociais,

    questo que passo a abordar na prxima seo.

    O profissional de Sociologia

    Na medida em que a comunidade de ensino de Sociologia

    extremamente difusa, pelos argumentos anteriormente apresentados, busquei

    compreender a identidade do professor de Sociologia por intermdio do que se

    projeta para o profissional de Cincias Sociais. Foram, assim, investigados

    materiais na internet acerca de quem o profissional de Cincias Sociais, qual

    o perfil do candidato no vestibular, o que o curso, quais seus objetivos, a

    presena ou no da disciplina nas provas de vestibular, na tentativa de mapear,

    minimamente, os projetos para esse profissional. Procurei se estes

    profissionais e instituies de ensino superior, mencionam que o Socilogo

    formado, tambm o professor de Sociologia para turmas do Ensino Mdio.

    O PROFISSIONAL

    Esse cientista estuda e explica fenmenos sociais, como as

    migraes, os movimentos culturais, as organizaes

    polticas, etc.

    Ele estuda e pesquisa a origem, a evoluo, as mudanas e a

    influncia que certos fenmenos exercem sobre uma

    sociedade. Um exemplo, o estudo sobre as mudanas culturais

    que os italianos provocaram no Brasil.

    Ele observa, analisa e interpreta costumes e hbitos sociais.

    Verifica a relao entre o ambiente, o indivduo e os diferentes

    grupos sociais.

    O MERCADO DE TRABALHO

  • 37

    O nosso mercado de trabalho pequeno, restrito ao ensino e

    a pesquisa. A grande vantagem que o curso oferece uma

    formao ampla ao estudante, isso permite que o socilogo

    aumente o seu leque de opes profissionais.

    Hoje, o socilogo est presente em rgos de comunicao,

    partidos polticos, empresas de recursos humanos e, mais

    recentemente, em Organizaes no Governamentais,

    desenvolvendo pesquisas como grupos indgenas, meninos de

    rua,etc.

    Prof.JlioSimes

    Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo

    A profisso regulamentada pela Declarao 89531, de

    04/04/1984. Os profissionais so representados pela

    Associao de Socilogos do Estado de So Paulo.

    O CURSO

    O estudante desse curso precisa ter preocupao constante

    com os problemas contemporneos. Precisa ler muito, ler tudo,

    desde documentos oficiais, artigos de jornais e revistas, livros

    especializados na rea ou no. S muita leitura que

    desenvolve a capacidade de interpretao da realidade.

    O curso tem a durao de quatro anos. Entre as disciplinas do

    currculo: estatstica, antropologia, geografia humana e

    econmica, histria poltica e social, economia, metodologia,

    tcnica de pesquisa, sociologia.

    Fonte/site:

    http://educaterra.terra.com.br/educacao/profissoes

    reas de atuao: entidades de classe e sindicatos, rgos de

    pesquisa socioeconmica, museus, rgos da administrao

    http://educaterra.terra.com.br/educacao/profissoes

  • 38

    pblica, bancos de desenvolvimento, rgos de previdncia,

    instituies de ensino superior.

    Fonte/site: http://www.vestibular1.com.br/carreiras

    O objetivo do Curso de Cincias Sociais dar aos alunos uma

    slida formao terico-metodolgica, e ao mesmo tempo

    fornecer-lhes instrumentos para que possam atuar na vida

    prtica, nas mais diversas instituies polticas, culturais e

    sociais do pas. A formao pluralista do curso permitir ao

    jovem decidir entre a carreira acadmica e um trabalho de

    interveno social mais direta, seja em projetos ligados a bens

    culturais e memria, seja em consultorias e assessorias

    polticas , seja em pesquisas de opinio.

    Fonte/site: Fundao Getlio Vargas

    http://www.cpdoc.fgv.br/cursos

    Cincias Sociais

    O curso de Cincias Sociais, essencial num pas moderno,

    consiste em trs disciplinas bsicas: Sociologia, Poltica e

    Antropologia. O cientista social, cujo mercado de trabalho vem

    se ampliando sensivelmente, est capacitado a gerenciar e

    levar a efeito pesquisas de opinio e anlise das conjunturas

    econmica, social e poltica, tarefas cada vez mais necessrias

    s grandes e mdias empresas.

    Fonte/site: http://www.sejabixo.com.br/vestibular

    Com o Curso de Cincias Sociais, voc ser um profissional

    preparado para atuar de forma tica nas reas da Sociologia,

    da Antropologia e da Cincia Poltica, tanto em organismos

    pblicos e governamentais, quanto em organizaes no

    governamentais, empresas privadas e iniciativas autnomas.

    Essa formao permitir que voc desenvolva competncias e

    compromissos que o habilitaro a trabalhar na proposio,

    implementao, gerenciamento e avaliao de polticas,

    http://www.vestibular1.com.br/carreirashttp://www.cpdoc.fgv.br/cursoshttp://www.sejabixo.com.br/vestibular

  • 39

    programas e projetos relacionados realidade social; no

    desenvolvimento de pesquisas de carter cientfico, seja no

    ambiente acadmico, seja nas instituies do mercado; na

    produo, tratamento e anlise quantitativa e qualitativa de

    indicadores sociais, econmicos, polticos e culturais, bem

    como na produo e alimentao de banco de dados. Voc

    poder atuar ainda na prestao de assessoria e consultoria e

    na formao de recursos humanos em geral. Alm de oferecer

    a possibilidade de trabalhar com a proposio de formas de

    interveno social, desenvolvendo anlises da realidade, para

    ampliar novos espaos de vivncia da cidadania e de

    consolidar o compromisso com os princpios da democracia.

    Fonte/site: Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    http://www.pucminas.br/vestibular/2008_02 Objetivos do curso

    O Curso de Cincias Sociais objetiva formar profissionais que

    tenham amplo domnio dos fundamentos terico-metodolgicos

    das trs disciplinas especficas das Cincias Sociais:

    Antropologia, Cincia Poltica e Sociologia. Busca desenvolver

    a capacidade de anlise e o senso crtico acerca dos

    fenmenos socioculturais, dedicando parte importante desta

    reflexo anlise das diversas dimenses da sociedade

    brasileira.

    Mercado de trabalho

    Licenciatura: o profissional licenciado em Cincias Sociais

    habilita-se a lecionar no ensino fundamental e no ensino mdio,

    neste caso, particularmente, a disciplina Sociologia, obrigatria

    em todas as escolas pblicas ou privadas do Estado do Rio de

    Janeiro.

    http://www.pucminas.br/vestibular/2008_02

  • 40

    Bacharelado: O mercado de trabalho do bacharel em Cincias

    Sociais muito diversificado e est em franca expanso. Pode

    atuar como pesquisador, em diversos centros de pesquisa

    (IBGE, SINEP, CPDOC, IBAM etc.) e nas universidades,

    formulando, coordenando e executando projetos de pesquisa

    social. Atua no planejamento e na gesto de projetos sociais,

    ligados educao, sade, promoo social etc. Atua na

    assessoria a sindicatos, partidos polticos, parlamentares,

    movimentos populares, ONGs.

    Fonte/site:Universidade Federal Fluminense

    http://www.coseac.uff.br/2006/cursos/cienciassociais

    Aps essas longas citaes, possvel perceber que, salvo no caso da

    Universidade Federal Fluminense, os demais artigos relacionam o curso de

    Cincias Sociais, e o profissional socilogo, ao trabalho acadmico, cientfico,

    mas no percebem que a formao acadmica deste profissional faz dele

    tambm, o professor de sociologia, tamanha a desvalorizao deste

    profissional, a ausncia de legitimidade desta profisso, a construo em curso

    desta comunidade disciplinar. Portanto, o chamariz para o curso de Cincias

    Sociais est relacionado ao trabalho e produo acadmicas, de certa forma

    mais valorizados e com status, diferentemente do trabalho relacionado

    docncia.

    A disciplina tem, gradativamente, entrado nas provas de concursos de

    vestibular em algumas cidades brasileiras. Faz parte, por exemplo, da prova de

    vestibular da Universidade Federal de Uberlndia. Em documento oficial,

    explicada a razo de a disciplina passar a fazer parte das provas de acesso

    Universidade:

    A primeira, de ordem legal, est expressa no Pargrafo nico

    do Art. 195 da Constituio Mineira, promulgada em 21/09/89 e

    assegura que o Estado dever garantir o ensino de Filosofia e

    Sociologia nas escolas de segundo grau. A segunda, de

    ordem cientfico/acadmica, est voltada para a importncia do

    http://www.coseac.uff.br/2006/cursos/cienciassociais

  • 41

    conhecimento que o aluno deve trazer consigo para a

    universidade. Ser preciso esclarecer um pouco mais sobre as

    duas questes para entender como as coisas aconteceram e

    como foi possvel vencer essa batalha.

    A questo legal, que diz respeito a obrigatoriedade da

    Sociologia no, ento, 2o grau, foi uma luta que comeou muito

    antes da prpria elaborao da Constituio Mineira, travada

    por Socilogos e Filsofos em todo o Estado de Minas Gerais.

    Nesse perodo, houve um movimento muito forte em prol da

    volta dessas duas disciplinas nos currculos. A Universidade

    Federal de Minas Gerais foi sede de vrios encontros com

    profissionais da rea. Professores de Filosofia e de Sociologia

    de todo o Estado foram convidados a participar. Foram

    elaboradas estratgias de ao, de modo a envolver as

    universidades, os departamentos e cursos de Cincias Sociais,

    os professores do 2o e 3o graus. Foi preciso, tambm, ganhar a

    adeso dos burocratas, dos polticos, dos deputados. Fazer

    com que houvesse um movimento organizado, macio, capaz

    de convencer aos constituintes que a incluso da Sociologia e

    da Filosofia no 2o grau estava inserida em um projeto maior de

    sociedade, situado muito alm do prprio espao curricular

    reivindicado por essas duas disciplinas. A obrigatoriedade

    desses contedos remetia a possibilidade de se poder

    trabalhar objetivamente com o despertar de uma prtica cidad

    nas salas de aulas do 2o grau.

    Nesse perodo de elaborao da Constituio Mineira, os

    profissionais das reas de Cincias Sociais e Filosofia lutaram

    de modo incansvel com as armas que possuam, ou seja, a

    fala, a escrita e a vontade poltica de ver novamente essas

    disciplinas no currculo de 2o grau. Essa batalha foi vencida em

    21de setembro de 1989. A constituio promulgada

    estabeleceu, no ART. 195, PARAGRAFO NICO, que o

    Estado dever garantir o ensino de Filosofia e Sociologia nas

    escolas pblicas de 2o grau. A incluso das duas disciplinas foi

  • 42

    regulamentada pela Secretaria de Estado da Educao e, j

    em 1990 elas voltaram s sala de aula com carga horria

    definida. A partir desse ano, os currculos do 2o grau das

    escolas pblicas mineiras s seriam aprovados se constassem

    Sociologia e Filosofia. No importava a srie em que elas

    seriam ministradas, o fechamento da grade curricular s seria

    possvel com um horrio especfico para cada uma delas. Ter

    essas disciplinas no currculo das escolas pblicas passou a

    ser lei em Minas Gerais.

    Os primeiros anos foram os mais problemticos. No havia

    pessoal habilitado para lecionar Sociologia. Os colgios

    particulares nem ao menos tomaram conhecimento dessa

    determinao; fizeram mesmo questo de ignor-la. Em

    Uberlndia, o Departamento de Cincias Sociais promoveu

    encontros, cursos de extenso e de especializao. Os

    professores escreveram textos didticos, organizaram

    coletneas. O objetivo era preparar minimamente os

    profissionais da rede estadual. O prprio curso de Cincias

    Sociais, criado em 1996, foi uma resposta essas dificuldades.

    Esta explicao, ainda que abreviada do aspecto legal,

    necessria, uma vez que foi a partir dessa obrigatoriedade que

    se tornou possvel lutar pelo aspecto cientfico/acadmico que

    incluiu a Sociologia nos exames vestibular e PAIES da

    Universidade Federal de Uberlndia.

    As principais dificuldades encontradas no incio da

    implantao, aos poucos esto sendo sanadas. Pela diferena

    de qualidade entre as provas dos primeiros vestibulares e as

    atuais, percebemos claramente que os professores do Ensino

    Mdio tm se preocupado em ministrar a disciplina com

    critrios de cientificidade. As respostas escritas pelos

    candidatos esto cada vez mais elaboradas e denotam que

    est havendo cuidado acadmico com o contedo da

    disciplina, sinalizando para um nvel mais apurado de

  • 43

    conhecimento e, conseqentemente, um melhor

    aproveitamento do aluno.

    De 1997 at hoje, j foram realizados 7 vestibulares com

    provas especficas de Sociologia. Da parte dos professores do

    Departamento de Cincias Sociais, existe uma ateno muito

    grande tanto em relao as possveis dificuldades, originrias

    do contedo sociolgico que deve ser dominado pelos alunos

    do Ensino Mdio, como em relao s constantes ameaas,

    advindas de grupos mais conservadores localizados no interior

    da Universidade. E de proprietrios de escolas particulares,

    que teimam em querer priorizar o carter tcnico e quantitativo

    dos exames.

    A garantia do espao da Sociologia nos concursos de

    vestibular e PAIES da Universidade Federal de Uberlndia ,

    para ns das Cincias Sociais, uma luta que precisa ser

    travada todos os dias, em todos os momentos da vida escolar.

    Faz parte dela o embate dirio com profissionais das reas de

    exatas e biomdicas da prpria Universidade e com os demais

    setores da sociedade, tais como, cursinhos pr vestibulares,

    donos de escolas de Ensino Mdio, vestibulando de outras

    cidades. Reclama o envolvimento daqueles que acreditam ser

    a Sociologia uma disciplina necessria e indispensvel para a

    construo de uma mentalidade coletiva cidad.

    Fonte:

    SOCIOLOGIA NO VESTIBULAR: EXPERINCIA DA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    Elisabeth da Fonseca Guimares, Universidade Federal de

    Uberlndia

    In:

    http://www.sociologos.org.br/textos/sociol/vestibu1.htm Esta longa citao me pareceu importante, por explicitar todo um

    conjunto de lutas sociais para a constituio de um determinado territrio para

    essa disciplina. Evidencia que, a despeito de existir uma prerrogativa legal,

    http://www.sociologos.org.br/textos/sociol/vestibu1.htm

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    todo um outro conjunto de aes, institucionais e sociais, so necessrias para

    que se estelea a materializao prtica da legislao. Tambm evidencia que,

    dentre os argumentos em defesa da disciplina, se hibridizam os princpios

    acadmico-cientficos capazes de legitimar a especificidade do profissional e

    do conhecimento das cincias sociais com os conhecimentos entendidos

    como de utilidade mais ampla a formao do cidado.

    Alm de Uberlndia, algumas instituies de ensino da regio sul esto

    passando a incluir Sociologia nas provas de vestibular, como o caso da

    Universidade Federal do Paran:

    O Estado do Paran j trabalha com filosofia e sociologia no

    ensino mdio h quatro anos, quando avisamos a rede de

    ensino que iramos comear a cobrar estas disciplinas a partir

    do nosso vestibular de 2006/ 2007", afirma Valdo Cavallet,

    coordenador do Ncleo de Concursos da UFPR (Universidade

    Federal do Paran). "Ao fazermos essa cobrana,

    conseguimos selecionar candidatos mais bem preparados",

    avalia. A novidade para este vestibular que filosofia ser uma

    das disciplinas exigidas para a carreira de medicina. In:

    http://aprendiz.uol.com.br/content/rijetredre.mmp (23/07/2008) 14:10

    No Estado do Rio de Janeiro, a Universidade do Estado do Rio de

    Janeiro, inclui a disciplina diluda nas questes da rea de Cincias Humanas:

    Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), segundo a

    coordenao do vestibular, filosofia e sociologia esto diludas

    nas questes da rea de humanas e suas tecnologias, na

    primeira etapa do vestibular. Outras universidades como a

    Rural e a PUC-Rio ainda no tm uma previso de quando as

    disciplinas sero incorporadas em seus processos seletivos.In:

    http://filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php (23/07/2008 14:01)

    http://aprendiz.uol.com.br/content/rijetredre.mmphttp://filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php

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    Essa diferentes formas de incluso da disciplina no Vestibular produzem

    efeitos diversos nos currculos de ensino mdio e, simultaneamente,

    expressam as distintas formas como a trajetria dessa disciplina se faz

    regionalmente. possvel construir a hiptese, com base na teorizao de Ball

    e Goodson, que naquelas instituies em que a disciplina foi includa no

    Vestibular, a comunidade de ensino de Sociologia universitria e/ou de nvel

    mdio encontrou formas de constituir sua hegemonia nas polticas, seja por

    aes pontuais de alguns sujeitos em postos-chave nas Universidades, seja

    por uma luta mais ampla da comunidade em associaes e movimentos

    organizados.

    No trabalho Doutores e teses em Cincias Sociais (Vianna, Carvalho,

    Melo e Burgos, 1998), os autores se propem a investigar quem o estudante

    que ingressa nos cursos de ps-graduao em Cincias Sociais, qual o seu

    perfil, qual seu objetivo, e as linhas de pesquisa que se prope a desenvolver.

    Curiosamente, mas de forma coerente com o que j foi descrito sobre o perfil

    do profissional da rea, no foi identificada nenhuma linha de pesquisa que

    esteja relaciona ao magistrio de Cincias Sociais, ou ao ensino de Sociologia.

    Os autores colocam que:

    Quando se observam os dados relativos ao ingresso no

    mestrado, confirmam-se os resultados obtidos para a

    g