Shankaracarya E Book
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Clareza e Devoo
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O Nascimento de akara
Hoje, em uma tera-feira de 10 de maio de 2016, comemora-se akara
Jayanti, a data de nascimento do maior professor de Vedntade todos os
tempos. Nem sempre essa comemorao cai nesse mesmo dia do nosso ca-
lendrio, pois o nascimento na ndia marcado pela lua do ms em que
se nasce. akaranasceu no quinto dia da ukla-paka(lua crescente) de
Vaiakha (ms correspondente a um perodo entre abril/maio). O epteto
di, primeiro, que normalmente precede seu nome, se refere ao fato de
quediakarcryaestabeleceu quatro monastrios, cada qual presidido
por um anysinespecialmente qualificado e a quem se d o nome e o t-
tulo de akarcrya.Seu nascimento, claro, est associado a um acontecimento divino,
e em versos cantados diariamente pelos estudantes ele evocado como o
prprio iva.
Seus pais, de uma casta muito tradicional de Brhmaasdo sul da n-
dia chamada Nambdri, no conseguiam ter o filho que tanto desejavam,
e comearam a pedir por ele no templo prximo que frequentavam. ditoento que, certa noite, ivaapareceu em um sonho para o casal, e deu-lhes
uma opo: um filho brilhante, que ser um grande sbio muito famoso,
mas que viver pouco, ou filho normal, medocre, mas que ter vida longa.
O casal (graas a Deus) escolheu o filho brilhante. akaranasceu.
J criana, dizem com 8 ou9 anos, j queria renunciar ao mundo to-
mando anysa, ideia que aterrorizava sua me, que j tinha perdido o
marido e agora ficaria sem o filho para cuid-la e fazer o ritual quando ela
morresse, algo de extrema importncia para um Hindu. Mas akara, com
a mesma averso que sua me tinha com a ideia da sua renncia, tinha ele
com relao vida de ghastha, pai de famlia, que ela tanto desejava. Um
dia, conta a histria, ele nadava no rio quando um crocodilo agarrou sua
perna. Ele gritou para me que, desesperada, no sabia o que fazer. Ento
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o garoto, que alm de possuir inteligncia excepcional, j era bem versa-
do nos Vedas e nas suas injunes, pediu me que lhe concedesse pat
anysa, um tipo especfico de renncia dada logo antes da morte de uma
pessoa, para que ela se v com o ttulo de renunciante e obtenha melhor
mrito para o nascimento seguinte. A me, ento, que s isso podia fazer,
concedeu-lhe a renncia. Logo em seguida, o crocodilo largou-lhe perna
e ele saiu da gua como um anysin, pronto para sair em busca do seu
mestre, GovindaBhagavadpda, que encontrou s margens do rio Narmad
depois de algum tempo de peregrinao.
akara: O Bhyakraakarapode, sem qualquer pudor, ser chamado por ns, estudantes tra-
dicionais de Vednta, como o maior professor de todos os tempos por um
motivo bastante simples: ele deixou um legado de comentrios, Bhya,
com explicaes muito profundas e detalhadas das principais escrituras de
Vednta(Prasthnatraya 10 das mais importantes Upaniads, Bhagavadgt
e Brahmastra). Por isso ele conhecido como Bhya-kra, o compositor
dos comentrios.
Essas explicaes, ao mesmo tempo muito profundas e detalhadas, so
tambm bastante sucintas, contendo apenas o necessrio e suficiente para
provar a interpretao correta dos versos com a mais rigorosa lgica, os
exemplos precisos, e as citaes exatas de outras partes do Vedaque con-
firmam a sua interpretao. Devido a essa profundidade muito concisa
caracterstica do dicil estilo dos comentrios chamados Bhya na qualmuitas consequncias essenciais que ali esto logicamente implicadas po-
dem facilmente passar despercebidas, existem inmeros comentrios so-
bre os comentrios, chamados k ou Vrtika, dependendo do estilo da
escrita (o primeiro em prosa e o segundo em verso) feitos por grandes e
famosos professores, como nandagiri, conhecido como k-kra(aquele
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que fez o k), e Surevara, o famoso discpulo de akara, conhecido como
Vrtika-kra.
Nesses comentrios, akara refutou todos os argumentos inconsis-
tentes com o ensinamento das escrituras de todas as outras tradies de
interpretao Vdicas (Daranas), principalmente do Sakhyae dos Prva-
Mimsakas. Mas ele tambm refutou os argumentos contra a viso Vdica
daqueles que no aceitam o Vedacomo meio de conhecimento, principal-
mente os Baudhas, Budistas, muito fortes na ndia naquela poca. Nestes
casos, claro, a citao de passagens do Veda que validariam a viso de
akarano possuam nenhuma validade, de modo que ele se valia ainda
mais da lgica para mostrar ao oponente a falcia dos seus argumentos.A escola Budista contra a qual akaragastou mais tempo e folhas de
palmeira para refutar nos seus comentrios foi a dos de nya-Vdins, os
proponentes do vazio como a realidade ltima, certamente por ser a mais
bem elaborada e consistente, podendo inclusive ser facilmente interpreta-
da, torcendo-a s um pouquinho, como Vednta, j que Brahman a reali-
dade que as escrituras Vdicas revelam nirgua, no possui quaisquerqualidades ou atributos, no podendo ser de modo algum objetificado, o
que torna quase irresistvel a equiparao dessa realidade com o vazio do
qual os Baudhasfalam.
No fosse esse trabalho de akara, seria dicil que Vedntae at mes-
mo a Tradio Vdica sobrevivessem com o vigor que at hoje possuem,
pois suas explicaes das escrituras, que so at hoje estudadas com ri-
gor, palavra por palavra, deixam clara a essncia, a verdade universal e
atemporal em torno da qual toda a cultura Vdica faz sentido. Com as ex-
plicaes deixadas por akara, podemos entender o propsito da ao,
dos karmas, dos rituais vdicos e das meditaes, que podem produzir
cada qual um resultado especfico, um objeto de desejo que o que em
geral as pessoas buscam.
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Mas, se feitos com atitude deyoga, tornam-se meios de amadurecimen-
to e purificao da mente, qualificando a pessoa para o entendimento que
a liberao. Nenhuma ao, contudo, pode ser o meio direto de libertao,
moka, porque so resultados de aes limitadas, que tero um incio e um
fim. Uma pessoa s pode ser libertada totalmente da sua limitao e carn-
cia se essas concluses de limitao e carncia forem falsas, causadas pela
ignorncia. Qualquer ignorncia s pode ser eliminada por um conheci-
mento que, no caso da ignorncia do sujeito sobre si mesmo, revelado na
parte final dos Vedas, Vednta, que, portanto, o meio de conhecimento de
que dispomos para revelar o sujeito na sua natureza, que j livre das limi-
taes com as quais ele erroneamente se identifica.Essa clareza de viso, onde tudo no Vedatem o seu lugar e os meios e
fins para cada coisa ficam bem determinados e no se confundem, s existe
para ns agora porque akaraexistiu.
akara: O Devoto
Muita gente acusa akarade ser muito intelectual, muito friamente lgi-
co, racional, o que quer que isso queira dizer, que para mim no faz qualquer
sentido. Se voc usa o fsforo para acender fogo e fazer comida, e o gelo para
colocar no suco de laranja, e no usa o fsforo para acender a laranja e joga
o gelo na comida para ela ficar pronta, voc apenas tem clareza suficiente
acerca de meios e fins. No pode ser acusado de ser racional demais.
Contudo, para falar a verdade, akara, com toda sua clareza, tambm
sabia da importncia de deixar o intelecto descansar e simplesmente can-tar hinos para Deus, como um indivduo jogado neste mundo, completa-
mente merc de tudo que diferente dele, impotente mesmo frente ao
prximo segundo, do qual nada se sabe e no pode se proteger. akaraen-
to levanta-se, de frente para o rio Ganges, e canta com toda a emoo que
as palavras sugerem:
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nha jne tava mahimna phi kpmayi mmajnam
Eu, ignorante, no conheo a tua glria, a tua grandeza,
proteja-me, voc que toda compaixo!
Este um pedao de um verso do famoso cntico, Gag-stotram, compostopor akarcryaem louvor da Deusa Gag, na forma do rio Ganges. Sim,
o mesmo que estava antes provando por a mais b que brahmaahamasmi
eu sou o Todo. Contradio? Hipocrisia? No, simplesmente expresso de
verdadeira sabedoria. O conhecimento da realidade do eu, tman, como
aquilo que pleno e livre de tudo, no impede o indivduo de reconhecer,
na complexa imensido incompreensivelmente ordenada do mundo, a pre-sena do ser onisciente que o permeia, que o sustenta, e cuja glria nenhum
de ns pode sequer imaginar, pode apenas louvar maravilhado.
akaraescreveu inmeras composies de devoo explicita, como o
Gag-stotram, Dakimrti-stotram, r Gaea-pacaratnam, e dezenas
de outros, todos de grande beleza potica e perfeio formal. Em todos eles
podemos contemplar a beleza de quem, sendo um indivduo insignifican-
te em um mundo infinito, consegue se prostrar diante da glria de Deus,
vara, a infalvel perfeio que a tudo ordena e, vontade, consegue mu-
dar seu foco e ver alm da dualidade que se instala desde o ponto de vista
do sujeito, da mente, do corpo, dos sentidos, entendendo o significado real
da palavra eu como a mesma conscincia, nica e livre de tudo, que lou-
vamos do ponto de vista da causa de um universo que, na verdade, apenas
um amontoado de nomes por cima de nomes, conceitos para os quais noexiste nenhuma substancialidade que no seja a conscincia mesma, em
cuja realidade no-dual no h de fato nenhuma diferena entre indivduo
e criador, assim como no h de fato nenhuma diferena entre onda e oce-
ano do ponto de vista da gua, a nica coisa que ali realmente existe.
Masdiakarcryano s o grande devoto porque escreveu cnti-
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cos de louvor inspirados, ou construiu templos e mosteiros. Segundo Ka
nos ensina na Gt: caturvidh bhajante m jan Existem quatro tipos
de pessoas que me reverenciam, cultuam: rta o aflito; arthrth o bus-
cador de segurana e prazer; jijsu aquele que quer me conhecer; e o
jn aquele que me conhece. (7-16)
Te, dentre eles, continua ensinando o avatrade Viu;jnnitya-
yukta o que me conhece, o sbio, est sempre unido a mim; e eka-bhakti
viiyate distinguido por uma devoo nica; priyo hi jnino'tyartham
aha eu sou muito querido pelo sbio; sa ca mama priya e ele tambm
querido por mim. (7-17)
O sbio, que no caso da tradio de Vedntaa personificao histrica diakarcrya, o maior dos devotos porque, em primeiro lugar, diz
Ka, ele nitya-yukta, est sempre unido a mim. O sonho dos devotos
de todas as religies estar no Cu, perto do Senhor, aos ps de Ka, ao
lado do Pai, etc. Deve ter alguma hierarquia e, assim como Jesus est ao lado
direito do Pai, outro muito importante deve estar do esquerdo, e assim por
diante. Uma unio ou conexo, yoga, desejada, de maneira que o devotofiqueyukta, unido de alguma maneira ao Senhor.
Se pensarmos isso de maneira mundana, digamos assim, dentro da du-
alidade emprica que conhecemos do mundo, essa unio est com certeza
cheia de problemas. Os devotos, em primeiro lugar, so muitos, e deve ha-
ver algum revezamento, se que Deus justo. Voc deve olhar na tabela
impressa pregada na sala do refeitrio para saber qual o seu horrio para
ficar perto do Senhor, sentido suas divinas vibraes. Quarta-feira / Luiz
Gustavo / das 8:00h s 8:05h. Se passar meio segundo das 8:05h e o Luiz
Gustavo no sair rapidinho, ele ser empurrado violentamente pela mul-
tido de devotos atrs aguardando a sua vez, exatamente como ocorre em
Tirupati, no templo de Vekaevara, ou Blj, como tambm chamado,
visitado diariamente por cerca de 100.000 devotos para ter o darana, a
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viso da deidade, considerada muito auspiciosa e que consiste em ficar de
frente esttua por alguns segundos que podem alar ao status de minu-
tos, se voc for uma pessoa muito importante ou tiver o puyade ser for-
te e grande o suficiente para resistir ao empurra-empurra da vida fila de
ayuktasvidos por tornarem-seyuktas, conectados com o Senhor, nem que
seja por alguns segundos.
O sbio no tem esse problema. Ele no precisa ir ao cu nem mesmo a
templos (ainda que possa perfeitamente ir por gosto pessoal), e no precisa
marcar horrio, porque, pelo conhecimento da sua identidade com o Se-
nhor, ele nitya-yukta, est sempre conectado, a qualquer hora e onde quer
que esteja. Ele tem esse privilgio porque, diz Ka, assim como ele gostamuito de mim, sa ca mama priya ele tambm querido por mim.
Por fim, o sbio o devoto mais exaltado porque eka-bhakti, algum
cuja devoo nica. Aqui muito interessante porque as pessoas ligadas a
movimentos espirituais e religiosos interpretam essa qualidade como uma
dedicao ou adorao exclusiva a um s Deus ou deidade. Assim, se voc
devoto de Viuvoc no pe os ps num templo de iva, e vice-versa.Se voc faz pjpara Ka, voc no pode fazer para Gaeatambm. Ou,
tambm na nossa tradio religiosa crist, voc deve aceitar Jesus Cristo
como o nico salvador ekabhakti. Mas no disso que Kaest falan-
do. Isso apenas a semente da discrdia e das guerras santas, das quais o
mundo est farto.
O sbio eka-bhaktiporque, na sua viso, que a viso da realidade, s
h uma nica coisa, que pode ser chamada como se queira, dependendo do
ponto de vista: de Deus, vara; de eu, tman; de Ilimitado, Brahman; de
Gaea, Jesus, Ka... Devoo nica, eka-bhakti, significa a devoo que
est resolvida em uma unidade, na qual no h a dualidade ou separao de
devoto e objeto devotado. Pois no a unidade perfeita, a dissoluo da du-
alidade entre buscador-buscado, entre o amante-amado, o querente-que-
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rido o que buscado em toda a busca por felicidade? Querer algo, que im-
plica estar separado do ente querido, justamente a busca por encurtar ao
mximo a distncia dessa separao, que idealmente culminaria na unio
total entre os dois elementos e, portanto, na dissoluo dos dois elementos,
da dualidade, em um, no um no-dual, para o qual no h um segundo, no
h nada a desejar.
diakarcryano foi um filosofo proponente de uma doutrina do
no-dualismo, advaita. No-dualismo no uma doutrina akarista
simplesmente aquilo que buscado essencialmente pelo ser humano, que
se sente sempre separado, carente, limitado e com medo, e no suportando
essa limitao ele faz de tudo para dissolv-la. akarano foi um filsofo,e o no-dualismo no uma doutrina.
O no-dual, advaita, ou o livre de limitao, Brahman, como aquilo que
ignoramos como a nossa natureza e samos por a buscando por meio de
aes e seus resultados, um fato essencial presente na vida de qualquer
um. Vednta o meio de conhecimento para alcanarmos o entendimento
dessa natureza plena, livre. di akara foi mais um professor na linha-gem de Vednta, com o diferencial de ter sido abenoado com uma clareza
e habilidade de explicao e interpretao excepcionais, e com um vigor e
energia, vrya, fora do comum, para compor a gigantesca obra escrita que
nos legou e ter reestabelecido a Tradio Vdica, o Hindusmo, novamente
na sua grandeza e lugar de destaque, tudo isso em 32 anos, idade em que o
mestre dos mestres, um garoto!, morreu.
por Luciano Giorgio
professor e Editor do Vedanta.life