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SEXTA FEIRA, 13 Os últimos dias do Governo João Goulart
Abelardo Jurema
LIVRO PUBLICADO EM 1964 PELAS EDIÇÕES O CRUZEIRO, DIRIGIDA POR HUMBERTO
SALES.
CAPA DA EDIÇÃO ORIGINAL: ERALDO DE ALMEIDA
REPRODUÇÃO DO TEXTO INTEGRAL DA OBRA AUTORIZADA PELOS HERDEIROS DO
AUTOR.
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"0s chefes políticos devem evitar que faleça a Estratégia Militar, devido a decisões
imponderadas...
O comandante militar, porém, deve exigir que as tendências e desígnios da política
não sejam incompatíveis com os meios necessários à guerra...
Todos os elementos que interessam à guerra, tais como, o potencial nacional, as
alianças e as características do povo e do Governo, são de natureza política...
Se a política for ampla e poderosa, a guerra também o será...
Se a guerra deve corresponder inteiramente à intenção da política e se esta deve
adaptar-se aos meios para fazer a guerra, a direção política e militar deve ser
centralizada em uma só pessoa...”
Prefácio do livro “Decisões Fatais”, assinado pelos Tenentes-Coronéis J. R.
Miranda Carvalho e Américo Raposo Filho.
A Vaninha, minha mulher, compreensiva em toda a minha vida pública e de grande
bravura, na adversidade;
aos meus filhos e amigos, por me terem assistido nas horas incertas e acreditado
em mim;
aos meus auxiliares diretos do M. da Justiça, pela colaboração dedicada que me
prestaram, durante meses de luta árdua e ingrata;
ao jovem João Carlos Pessoa de Oliveira e ao Senador Ruy Carneiro, um do
futuro e outro do presente, amigos inexcedíveis de todas as horas, dedico este livro que
é, apenas, um depoimento tão verdadeiro quanto a memória me ajudou, distante do
Brasil.
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INDICE
I – Predestinação Histórica, p. 4
II – Missão a Cumprir, p. 7
III – Primeiros Passos no Ministério, p. 11
IV – Esvaziamento do Poder Civil, p. 15
V – Presença do Ministério, p. 19
VI – Na Direção do Povo, p. 24
VII – Jango & JK, p. 28
VIII – Jango x Brizola, p. 34
IX – Jango e Carvalho Pinto, p. 41
X – Jango e o Parlamento, p. 48
XI – A Revolução dos Sargentos, p. 54
XII – Estado de Sítio, p. 62
XIII – Sexta-Feira, 13, p. 70
XIV – Começo do Fim, p. 76
XV – Entreato, p. 84
XVI – Ato Final, p. 90
XVII – A Prisão, p. 105
XVIII – O Asilo, p. 112
XIX – Diálogos, p. 117
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I - Predestinação Histórica
NA BATALHA do Riacho das Pedras, em Itabaiana, Paraíba, entre forças
confederadas (Confederação do Equador) e tropas portuguesas, foi preso José de Brito
Menezes, português de nascimento e brasileiro de formação e de vivência afetiva com
os homens e a terra do Brasil.
Muitos meses de tortura, na Ilha das Cobras (Rio), acabaram por, transformar o
português José de Brito Menezes no brasileiro José Geminiano Jurema, com as devidas
alterações de cartório. Rompera com Portugal de modo definitivo, utilizando-se, como
sobrenome, da madeira nativa – Jurema – que dá em qualquer pé de serra do Nordeste,
branca ou preta.
Seu filho, Geminiano Jurema, dedicou-se à agricultura, nas margens do Paraíba, no
município do Pilar, fixando-se no distrito da Galhofa, num casarão vermelho que a
cheia de 1924 acabou de vez com a sua ruína. Do velho Geminiano Jurema, José Lins
do Rego diz, nas páginas de Menino de Engenho, que o velho Zé Paulino, olhando pelas
janelas do trem da GREAT WESTERN, ao responder a Carlinhos que lhe perguntava de
quem era aquele sobradão da Galhofa, informava: "Do velho Geminiano,velho danado,
com cinqüenta anos roubou moça para casar e deu dois bacharéis ao Pilar".
Estes bacharéis eram Geminiano Jurema Filho e José Geminiano Jurema. Um,
político na Paraíba até 1922, advogado o resto da vida em Recife, e o outro, magistrado,
toda uma existência no Ceará, onde ainda vive cercado de filhos e netos, como
desembargador aposentado.
Do advogado Geminiano Jurema Filho sabe-se que viveu toda sua vida paraibana
como político de oposição, contrário ao governo e à influência de Epitácio Pessoa. Já no
Recife,em 1929, por instâncias de um velho amigo de família, Desembargador Heráclio
Cavalcanti,antigo chefe político oposicionista, acedeu em reingressar na política,
apoiando, pela primeira vez, um governo – o de Washington Luiz – e uma candidatura
oficial – a de Júlio Prestes enquanto no seu Estado se situava em oposição ao Presidente
João Pessoa.
Com a vitória da Revolução de 1930, a sua casa, em Recife, foi metralhada e
saqueada, foragindo-se o advogado Geminiano Jurema Filho, com toda a sua família –
mulher e três filhos –, em casa de amigos. Contou ainda com a proteção de Frei Mathias
Teves, num convento em Olinda e dali saiu para Portugal onde passou oito meses de
exílio.
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Eram seus companheiros de escritório de advocacia, em Recife, Agamemnon
Magalhães,Arthur de Sousa Marinho e Arthur Moura, todos três da Aliança Liberal,
todos três revolucionários, todos três amigos fraternos de Geminiano.Jurema Filho.
Pagara, Geminiano Jurema Filho, o crime de ter atendido aos apelos do amigo e
antigo chefe político que o iniciara na vida pública. Seguira sua vocação oposicionista,
inspirado nos princípios de lealdade a uma velha amizade.
Regressando de Portugal, retirou-se definitivamente da política e retomou a
advocacia, de cuja profissão viveu, sem favores oficiais, sem empregos e sem fortuna.
Em 1944, morre em João Pessoa, quando a Marselhesa era ouvida em todo o
Mundo, anunciando a libertação de Paris pelas tropas aliadas.
Em 1964, seguindo essa predestinação política e até histórica, um dos três filhos de
Geminiano Jurema Filho (Abelardo, Aderbal e Aguinaldo), deputado pela Paraíba, ao
deixar o Palácio das Laranjeiras nos últimos instantes do Governo do Sr. João Goulart,
no dia 1º de Abril (quarta-feira), e ao encaminhar-se para Brasília, a fim de reassumir
seu mandato de deputado federal, após ter exercido, por 9 meses, o cargo de Ministro da
Justiça, recebe voz de prisão, no Aeroporto Militar Santos Dumont, de um coronel do
Exército, comandante de uma patrulha. Esteve sob as ordens do General Jurandir
Bizarria Mamede, comandante da Escola de Estado-Maior do Exército até a madrugada
de 2, quinta-feira, quando se recolheu à casa de um amigo. Daí para a Embaixada do
Peru, no dia 5-4-64 (domingo), de onde viajou a Lima, para repetir, 33 anos depois, a
peregrinação do velho Geminiano, expiando as mesmas culpas e os mesmos
pecados.Lealdade a quem servia, prestação efetiva de serviços a quem devia prestar,
assistência efetiva e afetiva até o fim dos acontecimentos, ainda que a adversidade
houvesse batido à porta do Governo legalmente constituído.
Daí para a frente, a História vai contar, mas daqui para trás, conto eu, o que vi, o
que soube e o que deduzi dos fatos que se desenrolaram com rapidez e até surpresa para
os próprios vitoriosos.
* * *
Este livro será um depoimento tanto quanto possível isento, sóbrio e frio na análise
dos homens e das coisas que assinalaram mais uma página agitada da história do nosso
País. Cabe aqui, entretanto, uma observação: foi ele escrito, parte na Embaixada do
Peru, parte em Lima, sem que pudesse, o autor, recorrer a qualquer nota, livro, consulta
ou mesmo dicionário.
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Foi escrito, em suma, ao correr do teclado, sem tempo para uma revisão cuidadosa, com
a ajuda, exclusiva, da memória.
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II - Missão a Cumprir
EM PRINCÍPIOS de janeiro de 1963, ainda convalescente em casa, recém-saído do
Hospital dos Servidores do Estado, fui convocado pelo Presidente João Goulart para
uma audiência especial no Palácio das Laranjeiras.
Lá também se achava, para igual finalidade,o Deputado Renato Archer, do
Maranhão. Foi impossível evitar que transpirasse a notícia, que se ampliou logo na
crônica política de toda a imprensa, da nossa própria participação no Ministério que se
ia organizar.
Estava em vigência o primeiro Ministério Presidencialista. Amaury Kruel,
Reynaldo Carvalho e Suzano ocupavam as Pastas da Guerra, Aeronáutica e Marinha.
Saúde, Agricultura, Minas, Fazenda, Educação, Exterior, Indústria e Comércio,
Trabalho e Viação tinham, como seus titulares, Paulo Pinheiro Chagas, Renato Costa
Lima, Eliézer Batista, San Tiago Dantas, Teotônio Monteiro de Barros, Antônio
Balbino, Almino Afonso e Hélio de Almeida. Na Justiça, achava-se João Mangabeira.
Quando o Presidente João Goulart regressou do exterior para assumir a Presidência da
República, logo após a renúncia do Sr. Jânio Quadros, no primeiro contacto que tive
com o novo Chefe do Governo, ouvi dele palavras simpáticas à minha atuação de
deputado e a sua estranheza por não figurar meu nome na relação de nomes pessedistas
para a escolha dos integrantes do primeiro Ministério Parlamentarista. Expliquei-lhe
que, no novo sistema de governo, representantes de Estados pequenos não teriam vez,
pois falavam mais alto as grandes bancadas e a Paraíba tinha apenas treze representantes
na Câmara dos Deputados, tendo o PSD cinco, a UDN seis e o PTB dois.
Desde quando era Vice-Presidente da República, ao tempo do Presidente Juscelino
Kubitschek de Oliveira, o Sr. João Goulart se revelava meu amigo e me prendia com
suas atenções e confianças, incumbindo-me de missões políticas que dirimissem os
conflitos e os choques entre PSD e PTB, na Câmara. Estava eu no comando da maioria
parlamentar, que era integrada de esquerdistas e direitistas, centristas, pessedistas e
petebistas ortodoxos.
Eis aí os primeiros vínculos que me prenderam ao Sr. João Goulart e que,
possivelmente, me conduziram, posteriormente, ao Ministério da Justiça. Entre janeiro e
junho, quando se deu a minha investidura no Ministério, fui chamado várias vezes para
conversar com o Presidente da República. Fugia, de propósito, da convivência
presidencial, para não parecer que estava a cobrar uma promessa ministerial. Afastando-
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me do centro dos acontecimentos, viajando várias vezes ao meu Estado, a Paraíba,
entrei em recesso no noticiário da imprensa e na crônica política. Durante todo este
tempo, esquivei-me dos conciliábulos políticos. Obviamente teria que assim proceder,
mas a presença do Professor João Mangabeira no Ministério da Justiça ainda mais me
estimulava para assim agir. Não era postulante de Ministério e sempre compreendi,
como político de Estado pequeno, que as posições poderiam surgir por força de uma
conjuntura e nunca como reivindicação, a exemplo do que faziam as representações dos
grandes Estados.
Ante os comentários que surgiam, até mesmo dos meus mais íntimos amigos, eu
costumava responder que o Sr. João Goulart não era um citadino e sim um fazendeiro.
O citadino via os problemas surgirem uns por cima dos outros, exigindo soluções
urgentes e até apressadas, enquanto que o fazendeiro olhava o tempo como o seu grande
aliado. O homem do campo escolhia o terreno, preparava-o, semeava-o, aguardava a
chuva e a época da colheita.
Afinal, numa tarde – aí pelas 15 horas do dia 15 de junho de 1963 – no Aeroporto
Santos Dumont, quando já era chamado para o embarque, minha mulher e meus filhos
traziam-me a notícia de uma edição extra do Repórter Esso: eu havia sido nomeado
Ministro da Justiça. Já estavam nomeados Jair Dantas Ribeiro, para a Guerra, Anísio
Botelho, para a Aeronáutica, e Sílvio Motta, para a Marinha.
Cheguei a Brasília discretamente e me deixei ficar, com o jornalista Nadir Pereira
(Estado de São Paulo), no apartamento do Deputado Esmerino Arruda, que tinha sido
meu companheiro de viagem do Rio a Brasília.
Já passavam das 22 horas quando me chamaram da Granja do Torto, residência
presidencial. Utilizei-me da caminhonete do Nadir e logo estava em conversa com o
Presidente João Goulart. Salientou-me ele que o meu ato já estava na Imprensa Nacional
e, de todos os Ministros nomeados, eu era o único cujo ato já havia sido encaminhado à
publicação, antes mesmo do convite formal. Disse-me que já há muito estava com o
meu nome escolhido e que, em nenhuma das "démarches" para a formação do novo
Ministério, havia sido afastada a idéia já assentada desde há alguns meses.
Deu-me o Sr. João Goulart carta branca para agir no Ministério, explicando que
queria se dedicar à administração e precisava de minha ação em todos os setores onde
houvesse que dialogar, sem preconceitos nem prevenções. Dialogar com as esquerdas,
com as direitas, com o centro e com os partidos políticos e até mesmo com a UDN.
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Dialogar com os sindicatos, com os estudantes, com as classes patronais, com os
militares, com a imprensa, com todas as forças vivas do País.
Senti no Presidente da República o desejo amplo de conciliação e da formação de
um campo propício às reformas que viriam a ser as linhas mestras do seu Governo, já
que quase dois anos se passaram com a predominância do campo político sobre o campo
administrativo. Compreendi ainda que o Presidente estava, naquela altura, convencido
de que, através de uma atuação marcante do Executivo, as grandes desconfianças se
desfariam e as reformas viriam como conseqüência da execução de um audacioso plano
de Governo, nos setores da Agricultura, das Minas e Energia, da Educação, da Saúde e
da Viação (rodovias sobretudo).
Só num ponto não transigiria o Presidente e não queria diálogo – com o
Governador da Guanabara. Achava a sua posição irreversível para a democracia e para a
convivência federativa, ao mesmo tempo que o considerava um conspirador contra as
instituições e a sua própria presença à frente do Governo da República.
Entregara-me, o Presidente João Goulart, o Ministério da Justiça para exercê-lo
com amplos poderes e confiança, participando ativa e intensamente das decisões do
Governo onde quer que se fizesse necessária a presença da autoridade no campo
jurídico, constitucional, social e da segurança nacional.
Ao Ministério faltavam, entretanto, os instrumentos de trabalho para obra de tal
envergadura. Desaparelhado totalmente, até ali o Ministério da Justiça era apenas o
setor do Governo que ultimava os processos de naturalização e indultos. Sem demérito
para os meus antecessores - juristas da melhor qualidade e das mais amplas ressonâncias
nas letras jurídicas do País – o Ministério da Justiça deixara quase de existir nos
Conselhos da República. A Fazenda e o Exterior eram as Pastas de maior projeção em
todos os círculos e através das manchetes da imprensa. Até a Pasta do Trabalho, que
tanta projeção havia alcançado com Agamemnon Magalhães, passou a ser o saco de
pancadas de empregadores e empregados, perdendo a importância que lhe tinha dado a
Previdência Social que, com o sistema colegiado instituído pela Lei Orgânica da
Previdência Social, desligara-se, quase por completo, da órbita administrativa do
Ministério do
Trabalho.
Assumira, evidentemente, um marechalato sem armas nem tropas!
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III - Primeiros Passos no Ministério
PESSEDISTA há mais de vinte anos; compromissado, na minha terra, com bases
rurais e urbanas (vinte mil votos em todos os municípios paraibanos, da Capital ao mais
longínquo, Cajàzeiras, no sertão); estritamente ligado por laços de amizade e longa
convivência de 24 anos ao chefe do meu partido no Estado, Senador Ruy Carneiro;
vinculado aos destinos políticos do Senador Juscelino Kubitschek, a quem servira como
líder do Governo, na Câmara, mas de quem também me aproximam não apenas
compromissos de ordem política mas sobretudo deveres pela oportunidade que me
ofereceu para transpor os limites da província para ação larga no plano nacional; tudo
isto me fez constituir um corpo de auxiliares, no Ministério, tanto quanto possível
homogêneo em relação à minha posição político-partidária.
Levaram-me estes fatores para objetivos definidos, como seja m, os de evitar, por
todos os meios, que se aprofundassem as divergências entre o PSD e o PTB e, ao
mesmo tempo, a preocupação de manter um clima de compreensão e de estima entre o
Presidente João Goulart e o Senador Juscelino Kubitschek. Sabia que tanto nos quadros
do PSD como nos do PTB, como ainda fora deles, inúmeros eram os interessados na
ruptura destes tradicionais laços políticos. As origens comuns do PSD e PTB –
VARGAS – indicavam roteiros comuns para a sobrevivência de ambos, assim como
adversários comuns tornavam muito clara a necessidade da manutenção e do
fortalecimento desta união.
Teria que servir ao Presidente João Goulart sem me afastar destas coordenadas,
assim como, acima de tudo isto, estavam os compromissos para com a minha Pátria à
qual sempre prestei serviços com entusiasmo e espírito público, desde prefeito em
minha terra natal, Itabaiana (Paraíba), até Ministro de Estado. Trinta anos de serviço
público nas posições mais diferentes, municipais, estaduais e federais, não somente me
davam experiência e senso para encarar as responsabilidades que havia a enfrentar em
tão alto posto da administração pública, como me revestiam de coragem e disposição
para assumi-las em toda a sua plenitude.
Durante os dois mandatos de deputado federal que a Paraíba me conferira, em 1959
e em 1962, jamais pertencera a grupos, alas, frentes e blocos, porque sempre entendi
que os compromissos com o meu partido poderiam entrar em choque com quaisquer
outros assumidos com este ou aquele agrupamento de deputados. O meu êxito na
liderança do Governo, ao tempo de Kubitschek, por mais modesto que tenha sido,
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assentava-se no trânsito livre que tinha, inclusive nas áreas de oposição e de
independentes, sem outros impedimentos senão os da própria e árdua função de líder do
Governo. Plínio Salgado, Arnaldo Cerdeira, Adauto Cardoso, Fernando Santana,
Bocayuva Cunha, Meneses Côrtes, Almino Afonso, João Mendes, Neiva Moreira,
Clodomir Millet, Abraão Moura, José Maria Alkmim, Ulysses Guimarães, Lamartine
Távora, Souto Maior, Adail Barreto, Armando Correia, Etelvino Lins, Pereira da Silva,
Tarso Dutra, Ortiz Monteiro, João Agripino, Tenório Cavalcanti, Gustavo Capanema,
Aurélio Viana, Artur Virgílio, Pedro Aleixo, Paulo Sarazate, Oliveira Britto, Clémens
Sampaio, Manoel Novais, Leite Neto, Padre Medeiros Neto, Padre Arruda Câmara,
Último de Carvalho, Ernâni Sátiro, Tancredo Neves, Pinheiro Chagas, San Tiago
Dantas,Abel Rafael, Mário Gomes, Marechal Mendes de Morais, Joaquim Ramos etc.,
todos parlamentares de influência na Câmara dos Deputados e representantes das mais
diferentes correntes e tendências político-ideológicas que dividiam e subdividiam o
plenário daquela Casa do Congresso, todos, enquanto estive no exercício da liderança
do Governo, comigo se entenderam, comigo trataram, comigo combinaram, comigo
discutiram, comigo acordaram, sempre que os interesses nacionais estavam em pauta.
Entendimentos de cavalheiros, entendimentos de patriotas, entendimentos
parlamentares.
Liderava 226 parlamentares do PSD, PTB, PSP, PST, PRT, PTN etc. Acima das
divergências e dos conflitos ideológicos, estavam os planos desenvolvimentistas do
Governo Kubitschek. Acima de tudo estava a Nação.
Esta mesma preocupação e compenetração da missão, que me era confiada,
fizeram-me organizar um corpo de auxiliares de posição centrista e de vinculações e
simpatias ao meu partido e à minha posição política.
Para chefe do meu gabinete, inicialmente, levei o advogado Fernando Paulo
Carrilho Milanez, ex-deputado estadual na Assembléia Legislativa da Paraíba, ex-líder
da maioria no governo José Américo, ex-Secretário da Fazenda na Paraíba, ex-
procurador geral do IAPB e ex-presidente do IAPFESP já na vigência da Lei Orgânica
da Previdência Social. Era ainda Fernando Milanez vice-presidente do Partido Social
Democrático na Paraíba. Seu substituto foi o Professor Merval de Almeida Jurema,
professor universitário em Pernambuco e ex-Secretário de Educação do governo
Cordeiro de Farias, em Pernambuco.
Para subchefe de gabinete, convidei o advogado Janson Guedes Cavalcanti, ex-
prefeito de Cabedelo (Paraíba), vereador por muitos anos da Câmara Municipal de João
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Pessoa (Paraíba),advogado de ofício da Justiça Militar da Paraíba e militante do PSD,
na Paraíba, por muitos anos.
Para Diretor do Departamento de Interior e Justiça, minha escolha recaiu no
advogado José Pires de Sá, de tradicional família sertaneja paraibana, ex-deputado
estadual da Paraíba, procurador do DNER e advogado militante no fórum do Rio de
Janeiro.
Na Direção do Departamento de Administração, coloquei o agrônomo Petronilo
Santa Cruz de Oliveira, ex-Secretário da Agricultura no governo Cordeiro de Farias, em
Pernambuco, ex-deputado e membro da Comissão de Finanças da Câmara dos
Deputados, professor universitário, em Pernambuco, e pessedista com a melhor fé de
ofício.
Para a direção do SAM, depois de haver convidado dois padres – Monsenhor
Manoel Vieira, vigário e grande educador em Patos, Paraíba, e Cônego João Belchior –
que não aceitaram, por motivos particulares, fui, por fim, buscar Severino Bandeira Lins
da sua banca de advogado modesto, no Rio de Janeiro, a quem entreguei o Serviço e em
muito boa hora, como os seus sucessores terão que atestar. Apolítico, profissional da
advocacia, mas ligado ao PSD por seus laços de amizade ao Senador Ruy Carneiro.
Na Chefia de Policia estava o Cel. José Avelar, vindo do comando da guarnição de
São Borja para aquele posto. Como assessores militares, por indicação dos respectivos
Ministros, serviam, no meu gabinete, Comandante Artur Benigno Machado, Ten. Cel.
Cromwell Medeiros, Major Walter Humberto Monte (Aeronáutica), Capitão Lucena
(Exército), Capitão José Lira (da Polícia da Paraíba e deputado da Assembléia
Legislativa do Estado), Ten. Cel. Nilton Dias Moreira (falecido) e Ten. Koening (da
Polícia Militar da Guanabara).
Na Consultoria Jurídica, Dr. Anôr Buttle Maciel (efetivo com mais de vinte anos de
serviço), antigo advogado gaúcho e de fé de ofício das melhores.
Na Procuradoria-Geral, cargo que já vinha exercendo há algum tempo, conservava-
se o Dr. Cândido de Oliveira Neto, ex-Ministro da Justiça.
Na Procuradoria da Justiça do Distrito Federal, coloquei o Dr. Átila Sayol de Sá
Peixoto, dos seus quadros e figura conhecida nos meios forenses e criminalísticos da
antiga capital da República, com folha de serviços das melhores.
Secretários, assessores de imprensa e oficiais de gabinete foram funções exercidas
por moços que vieram da Paraíba, ou por outros indicados por deputados de Minas, de
São Paulo, amigos de Brasília etc. Todo um grupo de jovens da melhor categoria,
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estudantes uns, recém formados outros, de vinculações pessedistas e de família de
tradição.
Pelos Estados, todas as indicações para o preenchimento de cargos e funções do
Ministério da Justiça eram feitas pelo presidente do PSD, Amaral Peixoto, ou por
deputados pessedistas das correspondentes representações na Câmara Federal.
Não havia interferência, nem de outros partidos, nem de outras arregimentações
políticas, nem tampouco do Presidente da República, que nunca se negou a assinar os
meus atos e nunca interferiu para o preenchimento desse ou daquele cargos fosse feito
com gente sua ou do seu partido ou mesmo dos seus círculos familiares.
No Ministério da Justiça –– posto chave da política —, não há notícia de
“comunistas” ou “comunizantes” em qualquer função.
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IV - Esvaziamento do Poder Civil
QUANDO da mudança da Capital para Brasília, nas imperfeições de um trabalho
apressado, o Poder Civil se esvaziou totalmente. A mudança absorvera todas as atenções
não só do Governo como do povo. Por muito tempo, Brasília passou a ser o assunto
nacional e internacional. Contaminou tudo e todos. O próprio Presidente Juscelino
Kubitschek, como era natural, ficou prisioneiro de sua glória e de sua popularidade, que
chegara ao máximo em todos os inquéritos. Por toda parte, Norte, Sul, Centro, Nordeste,
Centro-Oeste, Oeste, de outra coisa não se falava e outro personagem não surgia na
exaltação pública senão JK.
Até a campanha sucessória passou para segundo plano. A candidatura Lott sofreu o
desgaste desta situação, vítima até de abandono involuntário. Surgira, já a esta altura, o
movimento JK-65, absorvendo atenções gerais. JK, no consenso popular simplista, iria
passar cinco anos de férias. Voltaria, sem dúvida. E, por isto mesmo, ninguém se
preocupava muito com o seu sucessor. E o engenho e arte da demagogia janista tomou
conta de uma área vazia. O Sr.Jânio Quadros veio com seis milhões de votos para a
Presidência da República, votado por todo mundo, até por juscelinistas dos mais
exaltados. Só os pessedistas e petebistas ortodoxos e nacionalistas acompanharam Lott
até ao sacrifício. Quem não tinha maiores compromissos políticos, ou se deixou ficar
indiferente ao pleito, comparecendo na hora para votar em quem bem quis, ou tomou
posição ostensiva ao lado do janismo.
Empossado o novo Presidente, passada a fase emocional de Brasília, retomada a
administração pública ao leito normal, logo saiu à vista que o Estado da Guanabara
passara a liderar este País. Centro do maior agrupamento de tropa federal, maior centro
universitário, melhor imprensa, melhor serviço de radiodifusão e televisão, sede das
confederações patronais e de empregadores, maior porto marítimo, uma das maiores
concentrações urbanas, tradição de comando na vida política e militar do País, o Estado
da Guanabara, sem deixar de ser de todo a Capital de fato da República, continuou
sendo o cenário das competições político-partidárias mais acirradas, com profundos
reflexos na opinião pública brasileira. Enquanto isso, o Presidente da República se
confinava nas dimensões do Planalto Central, sem meios próprios para uma atuação
diversificada que atingisse com a mesma intensidade todos os horizontes nacionais.
O Presidente João Goulart sempre me dizia – "Seu Jurema, se me deixo ficar em
Brasília, esvaziam-me inteiramente no Rio, o que significa o esvaziamento em todo o
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País, e, se me deixo ficar no Rio para refazer o tempo perdido, acusam-me de estar
esvaziando Brasília".
Durante toda a velha e a nova República, a Chefia de Polícia sempre foi um dos
mais altos postos da administração federal, tanto assim era que, apesar de subordinada
administrativamente ao Ministério da Justiça, o seu preenchimento era feito diretamente
pelo Presidente da República e o seu titular despachava com o Chefe do Governo. Além
do mais, dispunha o Governo Federal, através do Ministério da Justiça, de toda
administração da Guanabara, especialmente de uma poderosa Polícia Militar, de um
magnífico Corpo de Bombeiros e de uma imensa Polícia Civil que se compunha de
milhares de guardas civis, detetives, polícias especiais, inspetores de trânsito etc.
O poder de nomear do Presidente da República, com a Guanabara na sua órbita,
atingia limites que seduziam muitos, engrossando as suas fileiras e as suas forças
políticas.
O esvaziamento do Poder Civil foi de tal natureza que esse exemplo do que ocorreu
como antigo Ministro da Justiça Kubitschek, Deputado Armando Falcão, diz bem da
situação.
Era o Deputado Armando Falcão um dos Ministros mais fortes da República.
Dispunha do Departamento Federal de Segurança Pública, com sede no Rio, como um
dos melhores centros de informação e de vigilância. Com uma Polícia Militar
disciplinada e bem armada, participava dos conciliábulos militares como um
comandante de exército. Afanado JK com as suas metas, toda a coordenação de
segurança e de política passou para as mãos de Armando Falcão, que reuniu em seu
gabinete, no Ministério da Justiça, os líderes do Senado e da Câmara, os Ministros
Militares e os comandantes de tropa. Era, realmente, um todo poderoso.
Pois bem, alguns dias após a inauguração de Brasília, um grande incêndio,
verificado na cidade-livre, chamou a atenção das autoridades governamentais.
Imediatamente o Ministro Armando Falcão compareceu ao local, como fazia no Rio
quando, sob seu comando, se achava também o Corpo de Bombeiros, talvez até
esquecido de que estivesse fora da velha Capital e ainda sob a sensação do domínio
absoluto que usufruía. Foi logo entrando na área interditada, no que foi barrado por um
simplório guarda da Polícia Distrital da nova Capital, recrutado entre os milhares de
candangos que construíram Brasília. O ajudante-de-ordens, Cel. Nílton Moreira,
adiantou-se gravemente e declarou para o guarda: – "Abra passagem que é o Ministro
da Justiça, Deputado Armando Falcão". A resposta foi arrasadora: – "Só tenho ordens
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para deixar passar o Cel. Israel Pinheiro (o construtor de Brasília) e os fotógrafos. Mais
ninguém entra, seu moço".
O todo-poderoso Ministro da Justiça da velha Capital era assim barrado por um
candango mal vestido de policial. Ninguém em Brasília conhecia outra autoridade – Cel.
Israel Pinheiro e Juscelino Kubitschek!
Creio que daí começou o desencanto do Deputado Armando Falcão pelo Poder
Político, porque logo mais abandonava o palco dos acontecimentos por um cartório, já
olhando para a Guanabara...
Daí para cá, mais se acentuando foi o esvaziamento do Poder Civil, enquanto o
governo da Guanabara crescia de importância. Desarmado totalmente, o Governo
Federal não possuía elementos para acompanhar nada do que se passasse nos Estados,
nem tinha condições para exercer a sua autoridade em nenhuma parte deste País, a não
ser na nova e pequena Brasília.
Qualquer atividade contrária ao regime ou ao próprio Governo só poderia chegar ao
seu conhecimento ou pela boa vontade de governadores ou pela 2a Secção do Exército.
Os governadores não só se achavam também desaparelhados (com exceção do governo
da Guanabara que havia recebido, de mão beijada, toda a Polícia Especializada
Marítima, Terrestre e Aérea) como representavam, em sua maioria, interesses políticos
não muito afins com o Governo da República. A 2ª Secção do Exército era muito
especifica e quase se deixava ficar na fiscalização das atividades dos comunistas e da
segurança interna e externa do País, alheia, obviamente, às questões da política ou do
esquema situacionista. Isso, sem falar nas suas dissensões internas, que transformavam
alguns setores de comando em pólos negativos do dispositivo de segurança
governamental.
Jânio Quadros, que se assentava na Presidência da República com uma força
enorme, representada por mais de seis milhões de votos, abalando a Nação inteira com
bilhetes que marcavam a sua presença em todos os setores, estremeceu todo, no seu
poder e na sua força polític a, ao aparecimento, na televisão do Rio, do Governador
Carlos Lacerda, denunciando-o de atividades contrárias à democracia. Abalou-se todo
nas suas bases morais, políticas e até militares e logo, em 24 horas, renunciava ao
Poder.
Qualquer outro governador poderia ter feito igual denúncia sem maiores
conseqüências. Até mesmo de grandes Estados como São Paulo, Minas e Rio Grande do
Sul, e os resultados seriam neutralizados, logo, por uma contra-ofensiva governamental.
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Denúncia feita, no Rio, por um governador do Rio, difundida por uma grande imprensa,
por um grande serviço de rádio e televisão. denúncia feita ele têm centro ainda capital
de fato da República, trouxe e teria que trazer conseqüências fatais, pois a Grande Tropa
a ser manuseada pelo Governo, em sua defesa, lá estava com os seus generais sem
maiores vinculações pessoais, políticas e nem mesmo administrativas com os altos
poderes da República.
E quando um governador da Guanabara é um Carlos Lacerda, maiores são os
percalços à segurança do Presidente da República que entre na sua alça de mira.
Multiplicando recursos de divulgação com engenho e com astúcia, com inteligência e
incrível capacidade de simulação, o Sr. Carlos Lacerda, assentado no Palácio da
Guanabara, é sempre uma ameaça permanente à tranqüilidade nacional e, sobretudo, à
segurança dos Presidentes de República.
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V - Presença do Ministério
ENTRE as mil dificuldades a enfrentar, com o fim de reajustar o Ministério, ou, pelo
menos, para pô-lo a funcionar, figurava a liberação de verbas. 72% foi o corte total das
verbas do Ministério, no orçamento de 1963. Ficaram apenas 28% para a sua
manutenção. E, note-se, o Ministério da Justiça é um órgão de custeio e nunca de
investimento. Suas despesas eram fixas, permanentes, irremovíveis, como as de uma
casa da classe média, com tudo medido e contado.
A Agência Nacional – necessária obviamente para fazer chegar a toda parte as
atividades do Governo – era a mais atingida pelo plano chamado de contenção. O SAM
(Serviço de Assistência a Menores) vinha sofrendo na carne das próprias crianças
internadas e na dos bolsistas.
Nos Estados, da existência do Ministério sabia -se, apenas, por intermédio de uma
delegacia do SAM. Assim mesmo, poucas pessoas nas capitais dos Estados sabiam que
existia um serviço deste. Aliás, em verdade, ele não existia propriamente. Havia um
delegado e nas delegacias menores dispunha o seu titular de um auxiliar, ou de um
dentista e um médico. E era só.
Para informar-se, para atualizar-se, para estar presente em todas as unidades da
Federação, de nenhum instrumento dispunha, efetivamente, o Ministério.
Para exemplo, basta citar que, logo nos primeiros dias de minha assunção ao
Ministério da Justiça, ocorreu, em Porto Alegre, o incidente que, aos primeiros
momentos, foi divulgado como um atentado organizado contra o Governador Carlos
Lacerda e que, posteriormente, se verificou não havia sido mais que um charivari
comum numa multidão integrada por diferentes correntes de opinião. Para inteirar-me
dos acontecimentos, após recorrer até aos centros informativos do Ministério da Guerra,
que, por sinal,de nada sabiam, tive que bater às portas de um udenista – porém meu
amigo pessoal – Senador José Cândido Ferraz, o qual, como um bom amador da
eletrônica, dispunha de aparelhagens poderosas pelas quais pude acompanhar os fatos
com maior clareza, podendo divulgá-los, então,com maior exatidão.
A Constituição Federal, no seu artigo 5º, quando diz que "Compete à União", inclui
o item VII que é textual – "superintender, em todo o território nacional, os serviços de
polícia marítima, aérea e de fronteiras".
Nem a União superintendia, nem delegava poderes a quem de direito. Omitia-se, e
os serviços eram feitos pelos Estados como quisessem ou pudessem. Pode-se bem
20
imaginar a eficiência destes serviços em unidades carentes de recursos como o Piauí,
por exemplo, ou os Territórios. Entrava-se e saía-se do território brasileiro livremente,
sem nenhum controle ou ciência de qualquer órgão federal. Na Guanabara, por
condições especiais, só um controle realmente existia por parte do Estado, era a
fiscalização dos viajantes da chamada "Cortina de Ferro".
A fiel aplicação das leis, que é objetivo essencial do Governo através de seus
Ministérios e especialmente o da Justiça, era letra constitucional morta, pois não havia
como pudesse o Governo Federal fazer sentir a sua presença nos Estados da União.
As leis, por exemplo, de combate à carestia,à usura, à exploração da bolsa do povo,
permaneciam inócuas folhas de papel nos arquivos. As medidas que o Governo Federal
tomasse ou pretendesse tomar, com relação à sua própria segurança e prestígio nos
Estados, caíam no vazio.Onde havia um governador amigo, algo poderia ser feito, ainda
assim dentro da precariedade dos recursos locais. Nos Estados governados por
adversários, a autoridade do Governo Federal era solapada quando não chacoteada e
ridicularizada.
Toda a estrutura jurídico-social do País havia sido elaborada na pressuposição da
vitória integral de um partido no plano federal e no estadual. Ninguém pôde conceber,
embora num passado não muito remoto, que o Presidente da República poderia vir a ter
governadores de Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Guanabara e Minas
Gerais, de partidos adversos e até inimigos pessoais. Tanto é assim que,
constitucionalmente, nada é possível fazer contra um governador que conspira contra o
Governo Federal, até o momento em que ele saia às ruas de armas na mão. Antes disso,
tudo o que houver ou se passar com um governador, só à Assembléia Legislativa de
cada Estado cabe processar, punir ou absolver.
Evidentemente, ninguém deseja que se anule a autonomia estadual, mas deve falar
alto o interesse nacional na defesa do Governo Federal que, nos moldes atuais, tem o
seu raio de ação praticamente limitado aos Palácios das Laranjeiras, do Planalto,
Alvorada e Torto. Hoje, estas condições foram favoráveis aos vitoriosos do dia, mas
amanhã poderão lhes ser adversas. O que se deve pretender em nome de interesses mais
legítimos, mais altos e impessoais, é a preservação da unidade nacional, o prestígio do
Poder Central e o fortalecimento da Federação.
Dentro das limitações legais, utilizando as faculdades constitucionais concedidas ao
Executivo e inspirado nas necessidades nacionais, logo procurei fazer sentir, nos
Estados, a presença do Ministério do Interior e Justiça. Transformei as Delegacias do
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SAM em Delegacias do Ministério, criando secções, entre elas aquelas que cuidariam da
segurança nacional e das informações.
Com igual sentido, foi criado o CODEP – Comissariado de Defesa da Economia
Popular – que os adversários do Governo procuraram confundir com os comissariados
do povo no regime soviético. Foram eles, no entanto, criados especificamente para
defender, em todos os Estados, a começar pela Guanabara, a economia popular.
Chamaram-no logo de Comissariado do Povo porque, de imediato, sentiu a população a
sua existência nos mercados, nos botecos, nas feiras, nos empórios e até na Rua Acre.
As expedições dos agentes da SUNAB devidamente assistidas por policiais do
CODEP (para cada fiscal, três policiais) passaram a ser recebidas triunfalmente pelas
populações suburbanas. Caxias, Nova Iguaçu, Volta Redonda e outras cidades
fluminenses também receberam os agentes federais com consagradoras manifestações.
Milhares de telegramas chegavam de todos os pontos do País, solicitando que se
estendesse, até as regiões mais longínquas, esta fiscalização contra a exploração do
bolsa do povo.
A prisão, na Ilha das Flores, dos inimigos da bolsa do povo servia como
demonstração de que desta vez era para valer era para valer a defesa da economia
popular.
Não se procurava, artificialmente, a baixa de preços. Vigiava-se a margem de lucros.
CLD era a fórmula. Custo, lucro e despesa. Não se obrigava a venda de produtos
essenciais por preços abaixo do seu custo, mas evitava-se desde o pagamento por fora,
pelos que compravam em atacado para revenda em varejo, até às remarcações absurdas
sem qualquer outra motivação senão a ganância e a exploração.
Quarenta e oito horas após a assinatura do novo salário mínimo, já as lavanderias
remarcavam seus preços de Cr$ 400,00, para a lavagem de um terno, para Cr$ 700,00 e
Cr$ 800,00.
Do êxito da campanha do CODEP e da SUNAB, falarão melhor as donas-de-casa,
mesmo aquelas mais temperamentalmente vinculadas ao lacerdismo... Óleos, arroz,
feijão, comidas de lata, farinha, açúcar etc. não tiveram alta astronômica e inúmeros
foram os mercadinhos, supermercados, armazéns etc., que foram forçados a vender mais
baixo do que anteriormente.
Já começava a se formar uma consciência popular de autodefesa. Milhares de
telefonemas chegavam diariamente à SUNAB e ao CODEP. As buscas de exploradores
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já contavam com a colaboração da população. O povo acompanhava os comandos e
indicava os exploradores.
A Caixa Econômica Federal já havia posto à disposição da campanha suas agências
nos bairros, para a instalação de postos de recebimento de reclamações.
A campanha começava a se estender pelo País. Comandos aéreos estavam para ser
formados, como também comandos marítimos, com a colaboração da Aeronáutica e da
Marinha.
A "Revolução" surpreendeu uma expedição de comandos da SUNAB e do CODEP
em São Paulo. Já atuavam há dois dias, com o melhor êxito e a maior repercussão
popular, quando os acontecimentos militares forçaram o seu regresso à base, na
Guanabara.
Pelo decreto que criara o CODEP, subcomissariados seriam instalados nas capitais
dos Estados e a ação repressora aos exploradores da economia popular iria fazer-se
sentir em larga escala e com a colaboração dos governantes estaduais que melhor
compreendessem o problema.
A criação da Divisão de Policia Marítima, Aérea e Terrestre, subordinada ao
Departamento Federal de Segurança Pública, cuja instalação foi iniciada no Estado da
Guanabara e, em seguida, por São Paulo, iria levar, de fato e de direito, a presença do
Governo Federal a todas as unidades da Federação, numa área da maior importância
para a defesa e segurança do País.
A regulamentação, que já se estudava, do Departamento Federal de Segurança
Pública – até que novo órgão fosse criado por lei, segundo mensagem do Executivo já
no Senado Federal - iria restaurar aquele órgão na plenitude de suas atribuições, que
foram erroneamente julgadas peremptas com a transferência da Capital para Brasília.
A absorção, pelo Governo Federal, dos chamados optantes, isto é, a transferência
do pessoal civil e militar dos quadros do Estado da Guanabara para a União – retorno
assegurado por lei, restaurador da situação funcional anterior de servidores federais e
não estaduais – iria, sem dúvida, fornecer instrumentos à presença do Governo Federal
nas unidades federadas, no âmbito estrito da lei e da Constituição.
Não era um plano subversivo nem tinha, em seu bojo, outros objetivos que não os
do fortalecimento do Poder Civil da União. Era a restauração da situação que se
esfacelara com a mudança da Capital para Brasília, transferência necessária, mas com
conseqüências que já se estavam fazendo sentir na fraqueza do Poder Central que, ao se
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vestir de pompas com a nova capital, perdeu, na realidade, toda a sua capacidade de
ação, de vigilância e até de sobrevivência.
Tudo era feito dentro da lei, às claras, numa ação racional e metódica, sem
vexames e até mesmo com moderação, criticada aqui e ali pelos próprios beneficiários
das providências. O Governo Federal fugia das pressões sem se deixar dominar pela
pressa, tão sabidamente inimiga da perfeição.
A União se reintegrava nos seus direitos e se armava dos instrumentos devidos para o
exercício, em toda a sua plenitude, de suas faculdades e obrigações constitucionais.
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VI - Na Direção do Povo
DURANTE todo o Governo João Goulart, a tônica predominante foi a reforma agrária.
O tema tomou conta de todos os conselhos do Governo. Até quem não entendia nada e
muito menos de reforma agrária passou a discutir, nos corredores dos palácios
presidenciais, sobre reformas de base e, principalmente, a agrária.
Era, assim, uma maneira de se ficar prestigiado perante o Presidente... Parara a
administração com a campanha presidencialista e agora, após o plebiscito, a mesma
estagnação com relação aos problemas em pauta das necessidades brasileiras. Não havia
tempo para outra coisa – reforma agrária.
Visitei o Nordeste várias vezes. Agitadores, injustiças, desatualização, despreparo,
politiquice, demagogia e até idealismo se misturavam num "melting pot" que já se
estava tornando explosivo.
Evidentemente, impossível seria continuar a vida de um engenho nos dias de hoje
como se ainda se vivesse nos primeiros dias de colônia. Esse negócio de o trabalhador
rural trabalhar dois ou três dias de graça para os proprietários, no sistema do "cambão",
com um salário mínimo que ultrapassava os setecentos cruzeiros por dia, esse
negocinho bom para o patrão não poderia subsistir. Aquele outro, de um cortador de
cana ganhar Cr$ 25,00 por carga, também não podia mais durar. Na usina, já o
trabalhador fazia de Cr$ 763,00 para cima e o cortador de cana, para atingir este salário,
teria que começar a trabalhar às 5 horas da manhã. Daí, para ir até o direito de voto do
analfabeto, que custaria duras penas, é verdade, mas que, fora de dúvida,teria que vir em
benefício da tranqüilidade nos campos.
Dar sentido à reforma agrária, tomar terra de quem tinha para distribuir a quem não
tinha, assombrar pequenos e médios proprietários (que passavam a se aliar aos
latifundiários), agitar sem medidas prontas para amenização dos choques, sindicalizar
trabalhadores rurais sem preparação psicológica e dentro desse clima de guerra sem
quartel, numa radicalização que já estava regando a terra com sangue de inocentes e
culpados, tudo isso estava errado e era frontalmente contrário à própria pregação do
Presidente pela reforma agrária.
Não seria o milagre da reforma agrária que resolveria todos os problemas
brasileiros em equação. Aqueles problemas mais instantes não poderiam agüentar
soluções de longo prazo. O custo de vida estava devorando tudo e acabaria por engolir
toda a liderança popular do Governo. Os preços, em ascensão mirabolante, davam-nos a
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impressão de absoluta ausência do Governo nas feiras, nos mercados, no comércio em
geral.
A grita vinha de nossas próprias casas e a inconformação partia de nós mesmos,
auxiliares do Governo, com salários que já não davam nem mesmo para a manutenção
do lar, quanto mais para as pompas e honrarias dos cargos.
As aperturas domésticas estavam incomodando mais a República do que toda a
pregação reformista.
Tudo isso teve a sua comprovação no comício de "Sexta-feira, 13" (idos de março)
– a grande praça do Ministério da Guerra, absolutamente lotada de povo, quase veio a
baixo, quando o Presidente João Goulart falou na ação do CODEP e da SUNAB, na
defesa da economia popular, na prisão dos exploradores, nos propósitos de o Governo
dar batidas de Olaria à Rua Acre e no tabelamento dos aluguéis de casa.
O próprio Presidente me afirmou que o comício só havia alcançado êxito
extraordinário, não só em comparecimento maciço como em entusiasmo e calor
popular, graças à presença fiscalizadora do Governo no comércio de gêneros
alimentícios.
No dia seguinte ao comício, manhã de sábado, mal pude tomar café porque o Presidente
já me chamava ao Palácio das Laranjeiras. Queria ele assinar imediatamente o decreto
de tabelamento de aluguéis, pois sentira, é expressão textual, que . a anunciação de que
já estava pronto o tabelamento de aluguéis havia arrancado muito maior entusiasmo ,
delírio mesmo, do que os temas de reforma, inclusive a agrária.Salientou, ainda, o
Presidente que sentira estar o povo vivendo o imediato – custo de vida. Seria nesse
campo que iria empregar toda a sua ação administrativa. Incentivou-me a continuar com
a fiscalização da SUNAB e do CODEP e estende-la por todo o País. Pediu-me para
regulamentar logo o decreto do tabelamento e organizar comandos de fiscalização por
todas as grandes cidades. Encareceu-me "botar a cabeça no travesseiro para outras
medidas, como aquelas, que surgirem"... Contou até uma anedota que já estava pelos
corredores do Palácio das Laranjeiras. Ante o êxito do decreto do tabelamento de
aluguéis (não se falava em outra coisa no Rio, São Paulo, Recife e outras grandes
cidades), Juscelino havia dito para o seu fiel Cel. Afonso: "Engraçado esse Jurema, no
tempo em que era meu líder nunca me trouxe decretinhos assim tão do agrado
popular..."
Além do decreto de tabelamento de aluguéis, outras providências nesse campo
iriam surgir. Começariam pelo tabelamento de materiais de construção e se seguiriam
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pela criação do fundo nacional da habitação e, possivelmente, pela criação do Ministério
da Habitação. Teriam que ser drenadas todas as disponibilidades governamentais do
campo imobiliário. O tabelamento de aluguéis era uma medida a curto prazo, para
atender ao premente, à exploração de aluguéis de apartamentos de quarto e sala por
mais de cem mil cruzeiros. O bom mesmo viria depois.
Os acontecimentos revolucionários me surpreenderam com a minuta, na minha
pasta de despacho, do anteprojeto de decreto que requisitava serviços habitacionais, na
forma da Lei Delegada nº4, de 26 de outubro de 1962, a chamada Lei de Defesa da
Economia Popular.
Neste decreto, considerava-se o grande número de despejos que se verifica nas
grandes cidades; considerava-se a grita que eclode de todos os grandes centros contra a
avalanche dos despejos que já era uma forma de burla da lei do inquilinato;
considerava-se que o vulto dessas ações decorria das vendas motivadas pela insatisfação
dos proprietários com os aluguéis congelados; considerava-se que o Código Civil, no
artigo 1 204, dispõe que, durante a locação, o senhorio não pode mudar o destino do
prédio alugado; considerava-se que a Constituição Federal, pelo artigo 147, condiciona
o uso da propriedade ao bem estar social; considerava-se que a habitação era um serviço
essencial e ainda considerava-se que a lei facultava ao Executivo Federal a intervenção
no domínio econômico para assegurar serviços essenciais ao uso do povo. Pelo artigo
primeiro, ficavam requisitados todos os prédios que estivessem sendo objeto de ações
de despejo, em qualquer comarca do território nacional. Estavam, evidentemente,
excluídos os prédios objeto de ações de despejo por falta de pagamento de aluguéis. Os
prédios requisitados continuariam na posse dos seus atuais inquilinos, que teriam de
cumprir para com os proprietários as obrigações de lei, decorrentes da locação.
Essa é que é, realmente, a direção do povo para um Governo. O povo que sofre, que tem
sede e fome, que se desajusta nos seus salários,que é carente de tudo, o povo não pode
participar de debates de temário. Não pode esperar nem mesmo as soluções de longo
prazo. Sua angústia, suas aflições exigem soluções a curto prazo, que façam o povo
sentir, na carne, os efeitos da medida, como está sofrendo, na carne, os efeitos da
elevação do custo de vida.
O decreto da SUPRA foi a espada de Dâmocles sobre os partidos, políticos e
proprietários por muitos meses. Havia até quem dissesse que, no dia seguinte à sua
assinatura, as invasões de terras mergulhariam o Brasil no caos.
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Já esse decreto começava a sofrer os efeitos de decomposição, porque o povo não
viu, não sentiu e não experimentou nem sequer um sopro rarefator de sua situação, com
a sua assinatura. Logo mais os camponeses iriam também sentir que, pelo decreto, não
veio nada, não surgiu nada, não melhorou nada.
Se o decreto objetivasse áreas de açudes públicos, que estão entregues a meia dúzia
que usufrui benfeitorias de milhões e até de trilhões de cruzeiros, através de anos, teria
sido exeqüível e de repercussão direta na opinião pública.
Amplo como estava, sem as prioridades, sem as especificidades, sem
racionalização de programas e métodos, cairia no vazio, o que não aconteceu pela
intervenção revolucionária do Presidente Mazzilli...
Os decretos que criavam os sapatos populares, os tecidos populares e os que
fixavam preços de remédio nos rótulos, como ainda aquele que disciplinou o uso dos
livros escolares, todas estas medidas tiveram maior repercussão, na opinião pública,
favorável ao Governo do que toda a polêmica no sentido das reformas de base e da
substituição das velhas e arcaicas estruturas.
Uma reunião de marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos só e só para
reclamações de ordem disciplinar e regulamentar, sem qualquer direção para o povo, no
seu sentido amplo, não ajuntaria nada ao Governo. Um comando do CODEP e da
SUNAB, na Penha ou em Rocha, traria resultados positivos, inclusive para a própria
família do marinheiro, que deve residir nos bairros que estavam sendo assistidos e
defendidos.
Os sargentos que se achavam no Automóvel Club, na antevéspera dos
acontecimentos revolucionários, seriam mobilizados com maior anelo, ao sentirem os
efeitos dessas medidas em direção ao povo, sem discursos e sem flâmulas.
Militar é povo e também paga casa, compra no mercado, utiliza transporte, diverte-
se e adoece, como também tem filhos na escola, calçando e vestindo.
Esse era, realmente, o caminho. Nunca os atalhos conduziram o viajante a bom
termo. Há sempre os atropelos da improvisação da caminhada.
O Presidente João Goulart esteve no rumo desses caminhos por várias vezes. A
responsabilidade maior de suas distorções cabe, fora de dúvida, aos incríveis teóricos do
seu Governo. Ao academicismo. Ao teoricismo. Aos construtores de idéias, mas
distantes de uma realidade social. Aos arquitetos das lutas, mas longe das suas
motivações. Aos buriladores de pensamento, mas mal arrematadores da bola ao gol.
Deve-se, sem dúvida, aos maus conselheiros.
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VII - Jango & JK
NÃO é fácil a manutenção de equilíbrio social, afetivo e político, entre sucessor e
sucedido, como não é comum um estado de boas relações entre o Presidente e o Vice,
como entre o Governador e o Vice e o Prefeito e o Vice.
Grandes, extensas e profundas crises já foram provocadas, alimentadas e
desenvolvidas, na base destes pressupostos. E, agora, em nosso País, mais do que nunca,
os vices, de todas as categorias, estão com o entusiasmo incontrolado à vista das
cassações que se sucederam...
Mesmo assim, frente a uma tradição não muito honrosa para a democracia, as
relações entre o Presidente Juscelino Kubitschek e o seu Vice João Goulart, durante
todo o período governamental de 1956 a 1961, desenvolveram-se normalmente. Houve
tropeços, houve ranhuras, houve mal-entendidos, tudo, porém, facilmente corrigido e
neutralizado pelas lideranças partidárias e parlamentares. As áreas do PSD e do PTB,
sobretudo nos municípios, atritaram-se
muito e, a cada eleição, aumentavam as incompatibilidades, que se refletiam nos
altos escalões do Governo.
Honra se faça a ambos, JK e Jango, pois um ajudou o outro, ajudando-se, ambos,
mutuamente, de modo tal que as dissensões não se revestiram de gravidade para a
aliança dos dois partidos. Na Câmara e no Senado, as bancadas pessedistas e petebistas,
durante o quinqüenio juscelinista, compuseram-se bem em todas as oportunidades e,
talvez, tenha sido Juscelino Kubitschek o último Presidente a contar com tão maciço
apoio parlamentar e com vitórias tão esmagadoras no Congresso.
Os compromissos de campanha foram mantidos com a vitória eleitoral e
assegurados por todo o período governamental. Para que se tenha uma idéia de como o
pacto entre os dois líderes funcionou, basta dizer que, na Paraíba, apesar de exercer a
Liderança do Governo na Câmara, nunca obtive para os meus amigos qualquer posição
na chamada área petebista, Ministérios do Trabalho e da Agricultura!
Em Minas Gerais, terra de JK e onde os amigos e correligionários, obviamente, são
mais exigentes, o esquema funcionou, rigorosamente, dentro dos compromissos
preestabelecidos.
Creio mesmo que, no campo social, deve o ex-Presidente Juscelino Kubitschek ao
Sr. João Goulart boa parte da tranqüilidade do seu Governo, como a solução rápida das
greves que eclodiram e que foram sempre de pequena monta. O mesmo não aconteceu
29
ao Governo do Sr. João Goulart, pois, como Presidente da República, não dispunha de
um presidente do PTB parafalar,grosso aos seus correligionários. Era ele próprio quem
teria que resolver todas as pendências,desgastando-se ora na área dos empregadores, ora
na dos trabalhadores. Dificilmente o Presidente da República e o presidente do Partido
Trabalhista Brasileiro poderiam ter coexistência pacífica e proveitosa, na mesma
pessoa... Ao que reivindicava o máximo, teria que se sobrepor o que concederia o
possível; ao que reprimia em nome da Lei e da Ordem, chocava-se o que liderava as
massas em nome da melhoria de vida; ao que dialogava com empregadores e
empregados, conflitava-se o que já era parcial por força de sua função de presidente de
uma agremiação trabalhista; ao que pedia SIM, podia surgir o que teria que dizer NÃO.
Evidentemente, faltou ao Presidente João Goulart um Jango à frente do
trabalhismo, como aconteceu no Governo Kubitschek.
A derrota da candidatura do Marechal Lott e a eleição, para Vice, do Sr. João
Goulart, foram as sementeiras da desunião entre os dois partidos de origens comuns.
Dois complexos, o do êxito e o do fracasso, passaram a fazer mal ao PTB e ao PSD. O
primeiro, sentindo-se com o direito de conquista, que lhe indicava uma liderança
natural, e o segundo, carpindo a derrota,com determinação e com esperança de retomar
a dianteira, na próxima sucessão.
A fase Jânio Quadros serviu de anteparo a choques mais violentos, pois é lugar-comum
que a adversidade une... Mesmo assim, já se observava, no campo da política externa e
na área social, forte desequilíbrio, que já apontava dissensões profundas entre
trabalhistas e pessedistas. As tendências esquerdistas predominantes no PTB
começavam a se chocar, mais seriamente, com o centrismo do PSD. Se, no Governo
Kubitschek, o PTB se acomodava com a satisfação de reivindicações mínimas, no
Governo João Goulart passou a desejar que as posições se invertessem, procurando
forçar o PSD a aceitar o mínimo de concessões político-ideológicas.
Esta situação se agravou no Parlamentarismo, quando o PSD e a UDN muito se
namoraram, na convivência de Gabinete, de modo a se refletir, com maior intensidade,
na área parlamentar. A criação da Ação Democrática Parlamentar em contraposição à
Frente Parlamentar Nacionalista ainda mais aumentou essas diferenças, pois, na
primeira, figuravam, em maior número, pessedistas e udenistas, enquanto a segunda
aglutinava mais petebistas e alguns deputados dos pequenos partidos e muito poucos do
PSD. Aliás, estas duas frentes parlamentares em muito concorreram para a balbúrdia
que se instalou no Congresso, principalmente na Câmara,durante todo o Governo
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Goulart. Quase que os partidos desapareceram e as lideranças, de Governo e de
Oposição, passaram a ter existência apenas nominal, atuando, em todos os
sentidos,tanto a Frente Parlamentar Nacionalista como a Ação Democrática
Parlamentar. A mensagem do Estado de Sítio mostrou o quadro, em toda a sua
dimensão. Uniram-se as duas frentes, no combate à proposição, impossibilitando uma
tomada de posição dos dois grandes partidos, a UDN e o PSD, e mesmo da liderança do
PTB.
Ora, era natural que, na cúpula governamental, se refletisse tudo isso. O PSD,
apesar dos três Ministros que possuía no Governo e das posições federais que desfrutava
nos Estados, passou a omitir-se em várias decisões fundamentais ao Presidente, da
mesma forma que, nos arraiais janguistas, começou a sofrer toda a sorte de restrições.
Ninguém tinha condições de convencer os líderes mais atuantes do PTB da
impossibilidade de vencerem sozinhos uma campanha presidencial, tanto como era,
igualmente, impossível convencê-los de que o PSD jamais aceitaria qualquer
composição na base de uma vice-presidência, pois o candidato do partido já estava à
vista, desde 1961.
Arraes e Brizola sofriam o delírio das multidões..., distanciando-se da realidade
brasileira e se julgando até mais fortes do que o próprio Jango. Numa superestimação de
força e de prestígio populares, estes dois líderes conduziam boa parte do PTB para uma
jogada exclusivista e já consideravam JK inteiramente superado.
As dificuldades do Presidente cresciam a cada mês, no campo político, com reflexos
intensos na própria administração e, especialmente, no programa reformista que
considerava prioritário.
Sem contar com o apoio franco e aberto do PSD que se mostrava cada vez mais
arredio, por força das incompatibilidades criadas pelas lideranças esquerdistas do PTB,
o Sr. João Goulart, apesar de muito mais atento à realidade política, passava, em muitas
oportunidades, a distanciar-se do seu amigo e companheiro do passado, Senador
Juscelino Kubitschek. Muitas vezes discorri com ele a respeito de JK e, sempre que
podia, promovia encontros entre os dois, dos quais resultados sempre surgiam,
desnorteando os ortodoxos petebistas ou impressionando a frente oposicionista.
A velha tecla divisionista era batida em todas as horas, mas estes encontros, se
resultados mais concretos não apresentavam com relação à consolidação da candidatura
Kubitschek, pelo menos protelavam uma ruptura que seria fatal à sobrevivência dos dois
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partidos, que Vargas criara com o seu gênio político, antecipando-se ao
desenvolvimento industrial brasileiro.
Apesar do meu juscelinismo conhecido e nunca discutido nas esferas
governamentais, nunca senti da parte do Presidente qualquer mal-estar pela minha
posição. A quota de trabalho e de lutas e sacrifícios, que dava ao Governo, revestia-me
de autoridade para falar e agir, no sentido da inquebrantabilidade de uma união que
julgava decisiva para uma sucessãopresidencial vitoriosa. É evidente que, no fundo, o
Presidente.João Goulart desejaria um candidato petebista para seu sucessor. Tinha
mágoas do PSD e de vários dos seus líderes maiores. Cobrava de Juscelino Kubitschek
o mesmo apoio que emprestara ao seu Governo, mostrava-se reticente nas
manifestações sobre a sua candidatura em 1965 e não escondia, aos seus íntimos, as
dificuldades, julgadas até insuperáveis, para levar o PTB, integral,para a campanha de
JK.
Sabia, entretanto, o Presidente que não se improvisava, em poucos meses, um líder
para vencer Carlos Lacerda ou mesmo Adhemar de Barros. JK já era um líder feito, de
uma popularidade indiscutida e muito ligado a vários lideres e parlamentares petebistas,
além de ter revelado, no Governo, ser um escravo dos compromissos contraídos na
campanha.
Bem compreendia que não podia o Presidente, de logo, manifestar-se oficialmente
pela candidatura de JK. Transformar-se-ia num simples cabo eleitoral e os seus palácios
se esvaziariam, enquanto represariam, de gente, as residências de JK, em Brasília e na
Guanabara.
Dizem testemunhas do passado que o Presidente Vargas afirmava sempre ao seu
Ministro Tancredo Neves: – "Tu és o único Ministro que me dá alegria, pois nunca
falaste em sucessão presidencial... "
Se a indecisão do Presidente muito contribuía para a confusão do quadro
sucessório, as dificuldades a vencer não poderiam ser subestimadas.
Toda a sua política, aparentemente contrária ao PSD mineiro, objetivava evitar que
a UDN nacional pudesse contar com líderes estaduais, como Magalhães Pinto, em todas
as jogadas contra o Governo. A utilização que fazia das amizades, que desfrutava de
outros líderes udenistas estaduais, fazia parte do seu esquema político de enfraquecer o
candidato natural da UDN à Presidência da República, uma peça constante em todas as
suas preocupações e planos políticos.
32
A nós pessedistas, especialistas em UDN, parecia-nos errada a política do
Presidente. Nós sabíamos, por experiência de acordos estaduais feitos e ainda por
alianças nacionais, como no Governo Dutra, que a UDN, na sua auto-suficiência de
todos os valores morais e éticos da Nação, em todas as oportunidades de relações com o
PSD, parecia nos fazer uma concessão, descendo do alto da torre de marfim, para perder
alguns minutos com uma plebe ignara... Os exemplos, estavam ali. Os udenistas
participavam do Governo, eram Governo, viviam governamentalmente, tinham todo o
facies de Governo, mas não se julgavam compromissados com o Governo. Na hora das
decisões políticas, estariam todos de fora, combatendo o Governo e o condenando às
(para as?) gerações vindouras...
Vi e senti muitas das suas decepções nesse terreno!
À vista dos clichês, que se espalham por toda a imprensa, o Presidente João
Goulart, hoje, no exílio, há de estar em busca do tempo perdido...
Mas, como evitar que decisões fatais alterem o curso da História?! Nenhum dos
grandes homens pôde evitá-las e destinos de civilizações inteiras foram modificados.
São os erros humanos que os têm salvo, muitas vezes, como os têm agravado, num
determinismo que até parece simples rotina.
JK e Jango tiveram a sua vez na História do Brasil, e a presença de ambos só se
prolongaria, quanto mais duradoura fosse a união entre ambos. As querelas dos seus
amigos e correligionários nenhuma significação poderia ter, face à grandeza de suas
destinações.
Todo o Governo Jango foi uma tremenda luta entre o ser e o não ser. Entre esta
alternativa, surgiram forças alimentadas pelas suas dissensões, pelas incompreensões e
por um estado de espírito a que não fogem nem os povos mais desenvolvidos.
Assisto, aqui no Peru, a uma união esdrúxula e até inconcebível, no campo político,
entre o General Odria e o líder aprista Haya de La Torre, inimigos irreconciliáveis num
passado de 30 anos! No Brasil, procurou-se desfazer uma união de 30 anos,
paradoxalmente, para a perda do Poder! Não chegou ela a se desfazer, apesar da ação
constante das suas forças negativas, mas os efeitos se precipitaram aos primeiros sinais
de seu enfraquecimento e os dois líderes autênticos e historicamente vinculados estão,
hoje, proscritos.
Não sei de mal maior à democracia brasileira, cujo povo perdeu o direito de opção,
através de um processo que se distancia das suas tradições, dos seus costumes, da sua
índole e mesmo da sua formação imperial e republicana.
33
O tempo, o grande cicatrizante, poderá obrar o milagre de uma reconstituição, purgados
os fatores negativos e exaltados e compreendidos todos os elementos constitutivos de
sua força construtora, do seu ideal político e da própria grandeza do País
34
VIII - Jango x Brizola
SEMPRE constituiu assunto de controvérsia, tanto nos meios governistas como
oposicionistas, a ligação Jango – Brizola. Até que ponto era a influencia de um sobre o
outro e, principalmente, do último sobre o primeiro. Se as divergências e até mesmo as
incompatibilidades aparentes eram verdadeiras ou um mero jogo político para confundir
os adversários. E, ainda, se Jango chegaria a nomear Brizola para Ministro de Estado e,
em particular, Ministro da Fazenda.
Poucos dias após ter assumido o Ministério da Justiça, quando proclamei que havia
de ser um homem do diálogo, antes mesmo de qualquer insinuação do Presidente,
iniciei-o, visitando o ex-Governador Leonel Brizola, em seu apartamento em Brasília.
Estava ele, lá, cercado pelas figuras de projeção da Frente Parlamentar Nacionalista.
Fui recebido educadamente, mas com sobriedade e mesmo reservas. Salientei, de
início, que, dirigindo a Pasta política do Governo, não poderia ignorar a presença
política do ex-governador gaúcho, como líder nacional que havia merecido perto de
trezentos mil votos do povo carioca e que desfrutava, evidentemente, de larga influência
em várias camadas sociais do País. Uma corrente de opinião estava sob sua liderança,
era incontestável, e era meu propósito dialogar com todas as correntes políticas, com
todos os partidos, com todas as classes e com todos os grupos econômicos. Procuraria
ser um anteparo às arremetidas contra o Governo, deixando-o com tempo para trabalhar
no campo administrativo. Responderia a todas as indagações, discutiria todos os
assuntos em pauta e controvertidos, responderia a todas as críticas e estaria presente em
toda parte onde se fizesse necessária a presença política do Governo. Dispunha-me a
levar ao Presidente todas as questões em debate, com isenção e procurando, tanto
quanto possível, espelhar ao Chefe da Nação a realidade, sem artifícios nem
preocupações de agradar.
Num tom místico, com olhares indefinidos e fisionomia carregada, o Sr. Leonel
Brizola discorreu sobre a vida brasileira, investindo contra a espoliação que o capital
estrangeiro praticava entre nós e fazendo críticas duras a auxiliares recentemente
empossados no novo quadro ministerial. Estava especialmente irritado com a escolha do
Sr. Carvalho Pinto para Ministro da Fazenda, argumentando que, com homens assim
conciliatórios e mesmo vinculados às forças reacionárias, impossível seria ao Presidente
João Goulart realizar o programa de emancipação econômica do Brasil.
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Foi mais além na análise e na crítica, pregando uma política radical do Presidente
contra a influência norte-americana, os grupos econômicos ligados ao capital
estrangeiro e toda a imprensa submetida a esses interesses, no que destacava os
"Associados".
Procurei explicar, sem veleidade de convencer um espírito já determinado,
temperamental e arrebatado, que a posição de um Presidente era muito diferente da dele,
líder popular. Não havia sido eleito por uma facção apenas. Tinha compromissos com
uma frente política ampla, na qual se achava o PSD. O tom conciliatório, que imprimia
ao seu Governo, era fruto da imposição de uma realidade social e política, como
também econômica. Não poderia, o Presidente, deixar-se levar pelo sectarismo de uma
corrente, nem tampouco teria condições para governar democraticamente sem contar
com o apoio de uma frente parlamentar heterogênea. Mostrei o exemplo de Juscelino
Kubitschek, que contara com todos os meios para uma administração polimorfa e
agigantada nas suas realizações, transigindo aqui e ali, mas se mantendo à altura dos
anseios nacionais. Citei, ainda, o caso da luta do ex-Presidente com o Fundo Monetário
Internacional e indiquei que, durante todo o seu Governo, havia contado com o apoio de
esquerdas e de direitas, citando as testemunhas ali presentes que assistiram ao apoio que
Plínio Salgado emprestava ao Governo com a mesma disposição da Frente Parlamentar
Nacionalista, por exemplo.
Deixei a residência do Deputado Leonel Brizola convencido das dificuldades que
teria de enfrentar e das maiores ainda que o próprio Presidente João Goulart teria que
vencer, numa área tão delicada como a da família.
Em várias ocasiões, tive que voltar ao ex-governador gaúcho, sempre muito bem
recebido e, em alguns momentos, até atendido. Entre ele e Jango, muitas vezes, a corda
chegou a espichar até quebrar. Não é fácil o trato, no Governo, com deputados de
trezentos mil votos. Estão sempre dominados por uma preocupação – não sair das
manchetes para não decepcionar a massa. Em vez de liderarem opiniões, são, quase
sempre, liderados pelo povo. Não há argumentos para convencê-los, quando têm, à sua
frente, microfones e montões de cartas e telegramas. Deixam-se conduzir por
conselheiros que mais são pontos magnéticos dos milhares de eleitores do que mesmo
assessores serenos e ponderados. Não ouvem outra voz senão a das multidões açuladas
por eles próprios. É o retorno impressionante. Agitam para não perderem a liderança e
se influenciam pelos efeitos que eles próprios despertaram no povo. Agitam e se agitam,
nos fluxos e refluxos das suas apresentações ao público e, cada vez, vão mais longe, na
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insofrida ânsia de não serem ultrapassados por outros líderes que estão sempre, como
nos programas de calouros, aguardando vez.
Enquanto a sua mãe era viva, D. Vicentina, pareceu-me que os choques do
Presidente com o seu cunhado eram contidos, amenizados e mesmo anulados, não só
pela ação catalisadora da mãe e sogra como porque, a sua casa no Leblon, como ponto
afetivo convergente, reunia-os após as pelejas. Com o seu desaparecimento, os mal-
entendidos começaram a durar mais tempo. Nem sempre um General Assis Brasil
conseguia reaproximá-los rapidamente, e a separação começava a parecer definitiva. Só
novos acontecimentos, novas crises, novas dificuldades os reunia outra vez.
Quando do episódio do Estado de Sítio, os dois estavam muito distantes um do
outro. As provocações do Governador da Guanabara os uniram, de novo. Na última
crise que precedeu à Deposição, o quadro entre os dois era de aspecto definitivo, com
um Ministério da Fazenda a separá-los.
A diferença era que o Presidente nunca extravasava os seus sentimentos, as suas
mágoas,as suas indisposições e os seus ressentimentos. De outro modo agia o seu
cunhado. Entrava duro na crítica e, com isso, criava muito mal-estar entre amigos de
ambos.
Certa vez, chamado pelo telefone, de Brasília, pelo Presidente, recebi
recomendações expressas para fechar a Rádio Mayrink Veiga, naquela noite, se o
Deputado Leonel Brizola, como se anunciava, fosse romper espetacularmente com o seu
cunhado, entre crítica contundente e pessoal.
Compreendi a delicadeza do assunto e fui, na companhia do Almirante Aragão, ao
Leblon. O Deputado Brizola estava magoadíssimo com o Presidente, dizendo que se
achava na rua, em luta contra inimigos poderosos, e o seu cunhado estava na janela,
assistindo ao espetáculo. Referia-se à luta contra os "Associados" e se queixava de que
o Ministério da Fazenda e o Banco do Brasil alimentavam aquela cadeia jornalística e
radiofônica e ele era o alvo central de uma campanha demolidora e cruel. Dizia-me que
não teria condições para falar ao povo se escondesse que o Presidente protegia os
inimigos do povo.
Afinal, depois de mais de uma hora, saí dali convencido de que não tinha
conseguido grande coisa, mas, pelo menos, o rompimento não se revestiria de insultos
pessoais ao Presidente. Estava, entretanto, determinado a fechar a Rádio Mayrink
Veiga, em pleno programa, se acontecesse o pior. Fui jantar na residência do Deputado
Bocayuva Cunha, de cuja mesa me levantei inúmeras vezes para atender telefonemas e
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para falar com a Mayrink, cujo diretor, jornalista Maia Neto, foi cientificado da minha
decisão e dos meus apelos.
A ação tinha tido êxito. O ex-governador gaúcho falara em tom de mágoa e
veemente nas críticas, mas poupara a pessoa do Presidente.
Ainda de outra feita, o Presidente João Goulart voltou a determinar o fechamento
da Rádio Mayrink Veiga, em face de programas que julgava inconvenientes, com o seu
cunhado abrindo palestras que se seguiam de outras, de parlamentares da Frente
Nacionalista. Condicionava ao meu arbítrio, entretanto, a medida, num tom reticencioso
que me convencia do contrário...
Novos contactos tive com o Deputado Leonel Brizola e com os diretores da Rádio.
Quando o Cel. Adhemar Scaffa assumiu a Presidência do Conselho de
Telecomunicações, todas as mediações para conter a emissora passaram a ser feitas por
ele.
Sabia que o seu fechamento iria provocar crise séria, não apenas no campo político,
como, sobretudo, no terreno doméstico.
Não ignorava a profunda amizade que ligava o Presidente à sua irmã, a esposa do
Deputado Leonel Brizola. Precisava poupá-lo de maiores dissabores, delicadas
conseqüências das divergências que se sucediam entre um e outro. Era o ônus pesado
que pagava o Presidente por ter um cunhado líder nacional e sacudido, sem dúvida, por
complexos de frustração muito comuns nas famílias tradicionais que projetam mais de
um homem público.
Em oportunidades ocasionais, após despachos longos, seguidos de conversas informais,
pude sentir o drama do Presidente. No meio dessas desavenças, dizia-me que dava, no
fundo, razão ao Deputado Brizola que “era um proscrito enquanto ele, Jango, fosse
Presidente, pois não podia aspirar nem à Governança da Guanabara, nem à Presidência
da República e, mesmo, a um Ministério".
Não esquecia, ainda, o Presidente, a ação do Deputado Leonel Brizola em favor de
sua investidura na chefia do Governo, quando da crise da renúncia de Jânio Quadros.
Também não esquecia o destino que o podia jogar em outras surpresas desagradáveis,
quando, então, obviamente, o seu cunhado estaria a seu lado.
Não era fácil ao Presidente governar com um Brizola a tiracolo, mas lhe era muito
difícil libertar-se dele, numa conjuntura que, todos os dias, apresentava novos
contornos, novas dificuldades e novos imponderáveis. Além dos laços afetivos, o ex-
governador dispunha de uma faixa parlamentar muito atuante e que lhe criaria muitos
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embaraços, de par com o jogo político do PSD, conveniente e sábio, e de uma UDN
frenética e ortodoxa nas suas indisposições eintransigências para com a pessoa do
Presidente.
Quando a última crise surgiu, o Presidente estava empenhado numa dura batalha.
Despachava emissários para o Rio Grande do Sul, onde os seus amigos estavam sendo
alijados do PTB, pela ação direta do Deputado Brizola. O Sr. João Caruso não poupou o
Presidente nem mesmo pela imprensa.
Mesmo assim, o Presidente ainda não se dispusera a proceder a uma derrubada dos
correligionários do Deputado Brizola das posições federais que ocupavam no Rio
Grande!
O sentimentalismo atrapalhava os seus passos e a insegurança dos seus apoios
políticos o impedia de atitudes mais incisivas. Preocupava-se em ver arrebatada, do seu
comando, a liderança sindical e mesmo popular, como se impressionava bastante com a
hibridez de muitos dos seus amigos, entre ele e Brizola.
Por mais de uma vez me dizia, rindo, que falasse ao Almirante Aragão para não se
influenciar muito com o Brizola, não esquecendo que a sua promoção e o posto-chave
que ocupava eram resultantes da sua confiança e da sua amizade!
A cada entendimento que sabia ter existido entre o Deputado Brizola e generais
amigos do Governo, promovia sempre reuniões em Jacarepaguá, como que para
desfazer qualquer influência estranha à sua orientação... Era uma vigília permanente na
defesa de sua posição de comando.
Através do Ministro Egídio Michaelsen, fez discretas gestões para que o ex-
governador viajasse ao exterior, procurando uma folga para melhor se arregimentar e
adotar medidas que pudessem eficazmente refazer sua influência na área do centro,
cujas desconfianças aumentavam a cada pronunciamento do cunhado.
No "affaire" Brizola x Calmon, se bem que efetivamente se inclinasse pelo
primeiro, como Presidente sabia bem as conseqüências, para o seu Governo, que
adviriam com uma cadeia de jornais e rádios em oposição, dando guarida a todos os
destemperos dos seus inimigos rancorosos e tradicionais. A mim, dizia sempre que não
podia esquecer que o velho Assis Chateaubriand sempre abrira os seus jornais, revistas,
rádios e TVs para a mais ampla cobertura às suas campanhas. O seu reconhecimento ao
"Velho Capitão" já havia tomado corpo em muitas ocasiões e uma delas com o meu
testemunho. Para a eleição do jornalista Assis Chateaubriand ao Senado da República,
pela Paraíba, todas as facilidades foram concedidas, inclusive a instalação do SAPS, no
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meu Estado. O Presidente sempre conferia ao imperador dos "Associados" todas as
honras e deferências.
Ainda hoje, João Calmon guarda rancores do Presidente por não ter desmentido as
afirmações do Deputado Leonel Brizola que, num programa de televisão, declarou ter o
Sr. João Goulart lhe dito que "o Deputado João Calmon era um picareta e vigarista".
O Presidente me contou o episódio que se passara na intimidade do lar do ex-
governador, quando este, muito amargurado com os insultos que estava recebendo e
revelando a sua disposição de ir até o desforço pessoal, ouviu do seu cunhado que
"devia se voltar para as suas campanhas reformistas, motivação de sua eleição à
Câmara, deixando de mão picaretas e vigaristas". Não personalizara, o Presidente, nem
se dirigira a A ou a B. Generalizara, procurando conter o cunhado e despertar nele
novos rumos de ação que o afastassem de uma área a que estava ligado desde o Governo
de Getúlio Vargas.
Sei que o Presidente tinha vários amigos nos "Associados". Era amigo de Murilo
Marroquim, de Pinto Nazário, de Edmundo Monteiro, de Benedito Coutinho e muito
grato ao Leão Gondim. A este último, vendo páginas de O Cruzeirocom reportagens
sobre a sua família, não escondia a sua satisfação, em meio às referências mais
elogiosas. A um Nehemias Gueiros, por exemplo, tinha admiração e respeito,
considerando-o correto e dos melhores conselheiros do velho Chateaubriand, na "via-
crúcis" de sua enfermidade.
Esta discrição não impediu, entretanto, que o Presidente continuasse alvo do
"bombardeio" dos "Associados" e o levou à mesma situação de alvo de Panfleto jornal
do Deputado Leonel Brizola, que dedicava 80% de sua matéria às críticas ao Governo.
Um dia, o Presidente, com umexemplar de Panfleto. me dizia: – "Pois é, seu Jurema, o
Brizola em vez de se atirar contra nossos inimigos comuns, contra a Oposição e os
nossos adversários pessoais, dispersa o seu tempo, as suas tintas, o seu papel e os seus
adjetivos comigo. Logo comigo!"
Os incidentes de Natal (R.G. do Norte), com o General Andrade Muricy, e os da
Guanabara, com o General Amaury Kruel, muito preocuparam o Presidente. San Tiago
Dantas e Antônio Balbino, os seus dois mais íntimos Ministros, também não eram
poupados, aumentando as aperturas de Jango.
Tudo isso provocava efeitos diversos, tanto na área do Governo como na da
Oposição. Tanto em uma como na outra, ninguém acreditava na veracidade desses
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desentendimentos, achando quase todos que tudo não passavam de cenas previamente
arquitetadas.
Na verdade, eles existiram e foram muitos. Se a posição radical do Deputado
Leonel Brizola ampliou a frente de combate ao Presidente, dentro de casa o efeito era
outro, mas igualmente.danoso, pois dividia as bases de sustentação política do Sr. João
Goulart, enfraquecendo-as e criando embaraços irremovíveis no Partido Social
Democrático.
Creio até que a animosidade do ex-governador gaúcho contra o ex-Presidente
Juscelino Kubitschek era uma das fontes inspiradoras dessas atitudes provocadoras de
desagregação dos esquemas políticos do Presidente. Reforçadas eram, sem dúvida, pelo
sentido competitivo. A sucessão presidencial de 1965, mesmo com as dificuldades
constitucionais, não saía da cabeça do Deputado Leonel Brizola...
Os bastidores do Palácio ferviam. A indecisão do Presidente se refletia nos quadros
dos seus amigos e companheiros de situação. Ninguém sabia, ao certo, como. pisar
neste terreno familiar.
A inteligência e a acuidade política de San Tiago Dantas, a sua vivência com
ambos, a sua independência intelectual e o seu senso da realidade brasileira não
conseguiram ultrapassar as dificuldades que se apresentavam para manter unida uma
frente de governo que seria invencível pela sua irradiação e consistência no País. Todas
as suas tentativas sofreram o processo corrosivo de casos, fatos e coisas irremovíveis.
As esquerdas, sem liderança una e única, não lhe davam apoio total. As
desconfianças do centro mais se acentuavam. No PSD, o entusiasmo pelo Governo mais
se esvaecia. No pr óprio PTB, o choque de alas o enfraquecia. Nos partidos menores, aos
poucos se desgarravam elementos que eram preciosos para as combinações políticas.
Esse era o quadro, para o qual contribuíam a imaturidade do Deputado Leonel
Brizola e a indecisão do Presidente João Goulart.
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IX - Jango e Carvalho Pinto
NÃO eram boas, realmente, as condições do Governo, na última reformulação do
seu Ministério. A presença de Carvalho Pinto foi muito bem rebuscada. A sua vida
pública, o seu conceito, a sua formação política e a sua significação paulista revestiam o
seu nome de uma autoridade da qual estava carente o Governo.
Tendo, em São Paulo, um Adhemar de Barros do outro lado, além da UDN
paulista, minoritária, sem dúvida, mas atuante e de muito efeito nas hostes
oposicionistas nacionais (haja vista a pessoa do Deputado Herbert Levy, seu
presidente), o Governo precisava de um nome daquela categoria. Ainda representava
ele, nas ambições que se sabia ter, com relação à sucessão presidencial de 1965, uma
pedra de alto valor no xadrez político, pois se constituía em uma ameaça potencial às
aspirações de Magalhães Pinto,de Juscelino Kubitschek e do próprio Adhemar de
Barros, além de checar, em cheio, a candidatura do Sr. Carlos Lacerda, naquilo que
poderia exprimir, no seu campo ético, de moralismo demagógico.
A saída de San Tiago Dantas da Pasta da Fazenda perdera, assim, em muito, pelo
menos naquilo que poderia representar como oportunidade para o redobramento das
críticas radicais ao Governo. As classes produtoras não teriam como se afligir e
ninguém poderia negar ao Governo o acerto da escolha, sob todos os sentidos.
Tanto é assim que a Oposição começou a investir contra o Professor Carlos Alberto
de Carvalho Pinto, pelo fato de ter aceito participar de um Governo "tão
comprometido"... Daí, passou logo às investidas no setor da intriga, num divisionismo
que, apesar de estarem, o Presidente e o Professor, prevenidos, começou a surtir efeito,
de logo. E ainda mais atingiam os seus objetivos essas críticas, quando, nos círculos
políticos governistas, várias correntes, entre elas a nacionalista, não tinham a menor
simpatia pelo estadista paulista.
Ouvi do ex-Governador Brizola críticas acerbas ao Presidente, pela sua escolha.
Dizia-me,em tom veemente, que "a opinião pública jamais compreenderia as intenções
de um Governo Nacionalista que era integrado por homens comprometidos com os mais
poderosos grupos econômicos do País, como Carvalho Pinto..." Ia ainda mais longe, na
paixão de um combate que mais tarde se revelava pessoal, com a sua aspiração à mesma
Pasta, confirmada pelo próprio deputado gaúcho.
Toda a Frente Parlamentar Nacionalista fazia restrições se bem que, alguns meses
seguintes, passasse a uma moderação quase de apoio tácito. O Professor Carvalho Pinto,
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com a sua fidalguia, com a sua paciência e com o aprumo em que pautava a sua atuação
no Ministério da Fazenda, granjeou logo boa corrente favorável no Parlamento.
Era, entretanto, o Professor, um ingênuo nos meandros da política e muito
desinformado dos seus bastidores. Não possuía a malícia necessária para enfrentar os
enredos de todos os Governos, nem a sagacidade necessária para driblar os seus
competidores, que também os há em todos os Governos, açulados pelo reformismo do
Presidente, que já, em tão pouco tempo, organizara o quinto Ministério.
Além do mais, entre o Presidente e o seu Ministro, não havia a menor intimidade.
Tratavam-se cerimoniosamente e, em muitas oportunidades, aquele, para fazer chegar o
seu pensamento ao Professor Carvalho Pinto, utilizava-se de mim ou de Darcy Ribeiro.
Força é confessar o prestígio que desfrutava o Professor Carvalho Pinto nos
primeiros meses de sua gestão. Nas reuniões ministeriais, do Presidente ao Chefe da
Casa Militar, todos o tratavam como Governador, Professor, com o maior
acatamento e respeito. Todos consideravam o Professor como a figura marcante do
Ministério e isto, paradoxalmente, ia ampliando as distâncias entre ele e Jango, porque
as intrigas e o combate de bastidores só são destroçados frente a uma amizade
consolidada e que inspira confiança integral.
Lembro-me que, nas grandiosas manifestações prestadas ao Presidente pelo povo
de Pernambuco, quando ali fora com todo o seu Ministério, o Professor Carvalho Pinto
não apenas era muito aplaudido, como requestado, freqüentemente, pelo Chefe do
Governo para estar ao seu lado.
Os governadores de Estado, por sua vez, não largavam o Ministro da Fazenda, nas
suas peregrinações entre o Presidente e este.
Os Ministros Militares dispensavam ao Professor iguais deferências, sentindo todos
que o lugar de San Tiago Dantas havia sido ocupado e preenchido totalmente.
Não bastavam, entretanto, essas manifestações de apoio e prestígio. A duração
delas é muito efêmera nos quadros da política. Se a humildade é necessária à
consolidação de uma posição,ação e integração são, por outro lado, requisitos essenciais
ao seu fortalecimento.
Em meio ao combate mantido pelo ex-Governador Brizola, nos últimos dias do
Governo, aumentado em face das perspectivas de nova alteração nos quadros
ministeriais e da possibilidade anunciada de o seu nome ser o preferido do Presidente
para substituir o Professor Carvalho Pinto, começaram a surgir os "casos". Removidos
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os primeiros, sempre deixam mossas que agravam os últimos, até se transformarem no
último mesmo.
Sempre advertia o Professor Carvalho Pinto, dizendo-lhe que éramos 15 Ministros,
num País de 75 milhões de habitantes, por isso era natural a chusma de candidatos aos
nossos postos... Era preciso ser Ministro até o último dia!
Certa vez lhe disse, até em tom irreverente ao plano a que sempre obedeciam as
nossas palestras muito cordiais, que precisava ser mais agressivo com os seus
adversários e mesmo competidores.
Contava-me, muito contrariado, que o Deputado César Prieto, muito falado naquela
altura para ser Ministro da Fazenda ou mesmo da "Arrecadação", chegara até a lhe
telefonar, solicitando uma sala no Palácio da Fazenda para a instalação do Ministério
Extraordinário para os Assuntos de Fiscalização e Arrecadação. Tratara, a ele Ministro,
em tom de amigo fraterno e afirmara que havia sido convidado e que só aceitaria a
missão que "era da mais alta responsabilidade" se contasse com todo o seu apoio... Pela
leviandade revelada, cheguei a dizer ao Professor Carvalho Pinto que, a quem me
pedisse sala para instalar Ministério dentro do meu, mandaria procurar na casa de...
Acrescentei que os nossos cargos, em comissão, indicavam a sua natureza temporária,
mas que deviam ser exercidos com toda a força e na plenitude das suas prerrogativas.
Acrescentei que nunca havia indagado do Presidente se ia alterar, em parte ou no todo, o
Ministério, mas que os possíveis candidatos a ele, que aguardassem com paciência, pois
eu seria Ministro até o último momento.
Repeti a cena para o Presidente, certa vez, e ele disparou na risada, dizendo-me que
o Professor devia ter respondido assim mesmo... Nessa oportunidade, contou-me que
havia ficado constrangido quando, um grupo numeroso de deputados do PTB, lhe havia
entregue um memorial de solicitação para a nomeação do Deputado César Prieto como
Ministro Extraordinário para Assuntos da Arrecadação. Acrescentou que o interessado
estava presente, pelo que havia respondido que, efetivamente, seria com o maior prazer
que receberia o seu conterrâneo, parlamentar e correligionário, mas que precisava,
primeiro, fazer as devidas consultas ao Ministro da Fazenda. Afirmou-me que fora a
única saída que tivera, pois não quis desgostar um amigo e companheiro.
Mais tarde, já na gestão Ney Galvão, recrudescendo o movimento do PTB com o
fim claro de incompatibilizar o Ministro e fazê-lo demitir-se, contou-me o Presidente
que o parlamentar gaúcho havia lhe levado o decreto já lavrado em papel oficial da
Presidência e, em termos tais, que o Ministro da Fazenda passaria a ser um simples
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guardião do Palácio da Fazenda... Acrescentou-me o Presidente, em tom definitivo, que
jamais nomearia candidato tão renitente para Ministro de Estado.
Continuando o Professor Carvalho Pinto sem a habilidade política necessária a um
cargo eminentemente político como o de Ministro de Estado, as coisas foram piorando.
Já o Presidente, depois do terceiro pedido de demissão, removidos todos por
interferências minha e de Darcy Ribeiro e por esclarecimentos do próprio Chefe do
Governo, dizia-me que já não suportava mais despachar com o seu Ministro da Fazenda.
Numa das ocasiões mais duras desses pedidos de exoneração, mostrando-lhe como
o Presidente não tinha o desejo de afastá-lo da Pasta, no caso da rumorosa entrevista
concedida à revista Manchete contei-lhe a piada que o Deputado Doutel de Andrade,
líder do PTB, construíra com a sua fabulosa imaginação. Doutel fora despachar com o
Presidente, em meio à atoarda provocada pela entrevista. O Presidente, com a maior
intimidade, que tinha com o seu antigo secretário particular e seu amigo de verdade,
perguntou-lhe: – "Leste a tal entrevista deManchete? Resposta de Doutel: – "Não,
Janguinho, e tu, leste?"...
Um dos aborrecimentos maiores do Presidente e que, sem dúvida, mais concorreu
para aumentar a sua indisposição para com o Professor, foi o provocado pelas
postulações dos governadores, para ajudas financeiras aos Estados. Estados realmente
carentes, de receitas comprometidas com as despesas, atingidos duramente pela
inflação, permaneceriam numa estagnação que os levaria até ao caos social se não
contassem com os auxílios federais. Nas minhas viagens aos Estados, em contacto com
os governadores, secretários de Estado e correligionários e amigos, pude sentir, em cada
um, ressentimentos profundos com relação ao Presidente. Das reuniões freqüentes com
o Chefe do Governo, nada de positivo havia surgido. Os planos apresentados
continuavam nas gavetas do Ministério da Fazenda. O tratamento de Jango era um, e o
do Ministro da Fazenda, outro inteiramente oposto. Davam entrevistas, logo após as
audiências especiais com o Presidente, anunciavam o atendimento das suas
reivindicações, trombeteavam apoio e assistência do Governo Federal e... nada do
Ministro da Fazenda, que permanecia cada vez mais trancado, com os cofres do
Ministério ainda mais hermeticamente fechados.
Um dos que mais estavam irritados com o Governo Federal era o Governador
Magalhães Pinto que, por intermédio do seu secretário, Deputado Monteiro de Castro
fez sentir a mim, no Ministério da Justiça que "à insensibilidade do Ministro Carvalho
Pinto, Minas havia recorrido em vão e, com isso, ia marchando para o completo caos,
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devendo mais de 15 bilhões de cruzeiros e com um funcionalismo atrasado uns 8
meses". Fiz "démarches" junto ao Professor, devidamente autorizado pelo Presidente e o
máximo conseguido foi o envio, até aquele Estado, de dois observadores, um do
Ministério e outro do Banco do Brasil.
Mais tarde, depois do malogro do Estado de Sítio, o Governador Magalhães Pinto
atribuía a mim o fracasso das negociações com o Ministério da Fazenda, atribuindo-me
ação contrária às pretensões do Estado de Minas, como vingança pela sua posição
desfavorável à proposição do Governo. São as injustiças que marcam a vida pública.
Ossos do ofício...
Não sabia o governador mineiro que o Professor Carvalho Pinto me afirmara que o
que o Governador Magalhães Pinto desejava não era nada mais nada menos do que um
Shangri-La para Minas, pagando todas as suas dividas, pondo-se em dia, aumentando os
depósitos em seus bancos e aparecendo como candidato ideal para “salvar a República"
...
Também incomodava o Presidente o fato de jamais ter o Professor Carvalho Pinto
se manifestado em defesa do seu Governo, apesar das constantes amabilidades do
Presidente ao seu Ministro da Fazenda, sempre um dos raros citados em seus discursos.
Sentia, o Presidente, que o Professor, ao que parece, desejava apresentar-se à
oposição e à própria Nação como um fiscal do seu Governo e que se nada de mais grave
acontecia era porque ele, Carvalho Pinto, não deixava. Presumia, o Presidente, que o seu
Ministro da Fazenda estava apenas aproveitando o cargo para revestir a sua candidatura
a Presidente da República, em termos que pudesse ser apoiada pela UDN, evitando
tanto quanto possível vinculações muito estreitas com a própria ação política do Sr. João
Goulart.
Acreditava eu, entretanto, que o Professor Carvalho Pinto, político de outra estirpe
e de formas, métodos e práticas do "amenismo político" (criação do ex-Deputado
Andrade Lima Filho, de Pernambuco), não era homem para a polêmica e nem tampouco
um político partidário. Não pertencia nem ao PSD, nem ao PTB.
Dediquei muito do meu tempo a evitar que as coisas se agravassem entre o
Presidente e o seu Ministro da Fazenda. Nunca acreditei que o Presidente nomeasse o
ex-Governador Brizola para Ministro da Fazenda. A boataria desenfreada não merecia
do Presidente um desmentido formal, mas fazia parte do seu jogo para manter a Frente
Nacionalista e os seus líderes em constante expectativa de maiores agrados, a fim de
que as dificuldades não aumentassem, tanto na área parlamentar como na sindical.
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Tanto assim é que, quando recebeu, o Presidente, a carta do último pedido de
demissão do Professor Carvalho Pinto, testemunhei dois fatos incontestáveis. Já havia
transmitido ao Presidente as informações confidenciais, que me chegavam de São
Paulo, pela manhã, que o seu Ministro da Fazenda iria demitir-se, irrevogavelmente.
Ante as indagações do Presidente, disse-lhe que atribuía a responsabilidade à boataria
sobre a nomeação do ex-Governador Brizola e às anunciadas mudanças ministeriais.
Pediu-me sugestões para evitar que o pedido fosse concretizado. Posteriormente,
mandou Darey Ribeiro ao Palácio da Fazenda para dar todas as explicações ao Professor
Carvalho Pinto, mas este já concedia entrevista coletiva.
Quando Darey Ribeiro trouxe a carta do Professor Carvalho Pinto, presentes
apenas,numa das dependências privadas do Palácio das Laranjeiras, eu, Valdir Pires,
Consultor Geral da República, e o próprio Darey, o Presidente João Goulart, sem ter
lido ainda a carta, pediu ao seu Chefe da Casa Civil para ligar para o Dr. Brito Pereira,
diretor da Imprensa Nacional. Foi recomendando, pausadamente: "Mande publicar um
ato, concedendo exoneração ao Professor Carlos Alberto de Carvalho Pinto. Publicação
imediata. Mande publicar outro, nomeando...(houve suspense e todos pensaram,
contaminados pela boataria, que fosse Brizola) Ney Galvão para Ministro da Fazenda".
Darey Ribeiro ainda perguntou se era interino, como o Ministro do Comércio, para
responder pelo Ministério da Fazenda". A resposta foi taxativa e peremptória:"Não,
definitivo".
O Dr. Ney Galvão se achava em casa, absolutamente alheio, e o primeiro telefonema
que recebeu anunciando o fato foi o de "Pedrinho" (Pedro de Castro) que, à minha saída
da sala, perguntou-me a quem o "patrão" havia nomeado para Ministro da Fazenda.
O próprio Professor Carvalho Pinto se surpreendeu, pois o seu secretário, Dr. Hélio
Bicudo, em conversa telefônica comigo, ao ter notícia da nomeação do Dr. Ney Galvão,
fez igual pergunta à do Darey Ribeiro, se era interinamente.
Para amaciar o ex-governador gaúcho, foi chamado o Deputado Lamartine Távora,
PTB de Pernambuco, que ouviu muitas horas de argumentação.
Dias depois, regressando de Brasília, após ter tido vários contactos com deputados
nacionalistas e brizolistas, disse ao Presidente que o ambiente era muito hostil ao Dr.
Ney Galvão, mesmo nas suas hostes mais afeiçoadas e, principalmente, da parte do
Deputado Leonel Brizola que fazia as mais sérias restrições ao nome do novo titular da
Fazenda.
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Tranqüilo, o Presidente me. dizia que, na sua investidura na Presidência, ainda em
Porto Alegre, solicitara do seu cunhado um nome para compor o Ministério, pois queria
retribuir, com demonstrações inequívocas, o papel e a ação corajosos que tivera na
campanha da legalidade. O Governador Brizola, na época, havia lhe dito: "Não tenho
nomes. Leva o Dr. Ney Galvão para o Banco do Brasil. É um grande brasileiro,teu
amigo e meu".
A demissão do Professor Carvalho Pinto que, em outras oportunidades era sempre
interpretada como desintegração do Governo, na hora em que foi concedida, coincidira
com a carta que o Presidente recebera do Presidente dos Estados Unidos, pela qual a
grande Nação abria créditos de confiança ao Brasil e ao seu Governo.
As perspectivas de êxito no processo de reescalonamento, que se desenvolvia em
Paris, enchiam o Presidente de otimismo.
A nau do Estado havia atravessado todas as procelas e navegava de velas pandas, a
porto seguro, mesmo sem um homem como Carvalho Pinto, cuja participação no
Ministério, de início, era uma espécie de aval para a oposição e para a própria Nação.
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X - Jango e o Parlamento
JÁ é popular o refrão que diz que, na democracia, cada povo tem o Governo que
merece. Impossível e mesmo ilógico é exigir-se, de um povo cheio de deficiências de
formação étnica e histórica e de caráter diversificado ecologicamente, virtudes integrais
nos seus quadros direcionais. Se há a verdade democrática e se aceitamos como
verdadeiro o pronunciamento das urnas, o que se espelha no Parlamento, nas
Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, no Judiciário e no Executivo, não pode
se distanciar em nada da fisionomia política e popular do País.
Exigir-se uma Câmara de Deputados como se fora uma Congregação Mariana, tão
pura como o manto da Virgem, é querer a distorção de uma realidade que não pode ser
refletida a não ser na exatidão de todas as suas cores, contornos e "nuances". Seria
querer o direito puro numa sociedade que, sem ter atingido o seu nível- teto, ainda
requer a força como elemento coadjuvante do direito.
O nosso Parlamento, sem ser uma Casa de Orates, é um mosaico, entretanto, de
todos os defeitos, tendências e grandezas de uma nação que ainda luta, quatrocentos
anos após sua descoberta, pelo ajustamento de suas fronteiras econômicas com as
fronteiras políticas que a audácia dos bandeirantes ampliaram para muito além das
nossas imediatas possibilidades materiais.
Em todas as organizações sérias deste País, como a Igreja, as Forças Armadas e as
Classes Produtoras, há diretivas, normas, regulamentos e dogmas que expõem os seus
infratores às sanções espirituais e temporais. Há rigor e disciplina nos seus códigos para
a defesa da intangibilidade de princípios. Mesmo assim, não se consegue evitar que
incidentes quebrem a sua unidade moral, espiritual, disciplinar e até ética, não
contaminando nem maculando, sem dúvida,quaisquer desses incidentes, as suas
estruturas e os seus desígnios.
Como esperar que um Parlamento, constituído pela manifestação popular tão ao
sabor da instabilidade emocional e dos estados de espírito e degradação de
cultura e de educação, surja sempre perfeito, intangível às fraquezas humanas?!
Daí por que todos os governantes, que menosprezaram o Parlamento, encontraram
sempre percalços em seus caminhos, quando não se perderam completamente nos rumos
que se traçaram. Desprezando o Parlamento, o Sr. Jânio Quadros, esquecendo o
exemplo de Café Filho, viu a sua renúncia se efetivar sem reações em qualquer parte do
Pais, esvaindo-se, totalmente,os seus seis milhões de eleitores que a aceitaram sem
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maiores complicações para a ordem pública. Era, apesar de todos os defeitos de
métodos e processos a que obedece a sua formação, a integração do Parlamento com o
povo, de modo a refletir-se, numa reciprocidade sincronizada, a posição e a
determinação de cada um.
Com o Presidente João Goulart, reproduzia-se o mesmo fenômeno político. À
medida que decorria o seu Governo, abria-se uma distância entre ele e o Parlamento. Os
pecados eram recíprocos. Nem o Parlamento queria atender aos reclamos reformistas da
hora social, nem o Presidente queria compreender que uma Assembléia só decide
soberanamente, quando amadurecidos ficam os problemas em equação. Isso porque
sofre ela, como todos os organismos vivos de uma sociedade, as formas de pressão mais
variadas, mais sutis, mais fortes e até mais inconseqüentes.
Iniciado o seu Governo no regime parlamentarista, os choques foram inevitáveis.
Disputavam, Parlamento e Presidente, o mando. O Presidencialismo estava já no gosto
do povo e este se acostumara, nos 65 anos de Império e nos
40 de República, ainda mais com a presença, por mais de 20 anos, de Getúlio
Vargas no seu convívio direto, a ouvir um só Chefe. O patriarcalismo da sociedade
brasileira dera consistência ao Presidencialismo.
Esses choques se desenvolveram até a nova alteração constitucional, com a
restauração do Presidencialismo. Na Câmara, sobretudo, ficaram ranhuras. Ainda mais,
da convivência parlamentarista, a UDN e o PSD se vincularam muito, distanciando-se
ambos do PTB. Com o Jango novamente Presidente, em toda a plenitude constitucional,
as relações do Executivo com o Congresso sofreram novos impactos.
A liderança Tancredo Neves, apesar da inteligência e da habilidade política do seu
titular, atuava com muita discrição, sentindo-se que faltava entusiasmo e mesmo
confiança nas suas bases de sustentação no Plenário.
Um líder de Governo, sem o apoio da bancada mineira do PSD, a mais numerosa,
não se poderia jogar, livremente, no Plenário. Oliveira Britto, por iguais motivos,
também, anteriormente, era apenas líder no nome. Os mineiros pessedistas continuavam
desconfiados com o Presidente que vivia de namoros com o Governador Magalhães
Pinto. Por outro lado, o PTB, arrastado pelo Deputado Brizola, apesar das moderações
de Bocayuva Cunha e depois de Doutel de Andrade, mantinha-se arredio à aliança com
o PSD.
Todas as tentativas do Presidente, no sentido de conseguir maioria para a
aprovação da reforma agrária, tinham entrado em compasso de espera. As conversas se
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prolongavam indefinidamente e nunca se chegava a uma conclusão satisfatória. Sentia-
se que a batalha de Plenário e de bastidores era mais entre a Frente Parlamentar
Nacionalista e a Ação Democrática Parlamentar do que mesmo entre Governo e
Oposição.
Mais uma vez a indecisão do Presidente era fator desagregador para a composição
das suas forças políticas.
Houve momentos em que o PSD aceitou determinada fórmula para a aprovação da
reforma agrária. Entre o radicalismo de Brizola e a moderação do PSD, o Presidente ora
se inclinava por um dispositivo do anteprojeto, ora se mostrava indiferente, ora
suspendia as conversações.
Nesse clima, medrou a ação dos conservadores e reacionários que não aceitavam
qualquer reforma da Constituição. Cada dia, ia-se tornando mais difícil a aprovação de
algo que implicasse na alteração do texto constitucional.
Irritava-se o Presidente com a situação no Congresso e o campo para as intrigas e o
trabalho divisionista foi aberto amplamente.
Passou o Presidente a espaçar as suas audiências com parlamentares, recebendo
uma minoria deles. Recebia só aqueles mais ligados e pelos quais tinha maior confiança
e amizade. Os líderes se enfraqueciam de modo a não terem força para conduzir
qualquer projeto de interesse do Governo. Enfraquecia-se o Governo, enfraquecia-se o
Congresso, enfraquecia-se o Regime.
No fim do exercício de 1963, pouco o Presidente Ranieri Mazzilli teve a
apresentar. O noticiário da imprensa apontava a pasmaceira geral contaminando todas as
hostes governistas e só dava conta de ataques ao Presidente, ataques sem resposta. Os
Ministros de Estado ficavam em pior situação, inteiramente expostos ao combate
veemente e até aos insultos, sem qualquer cobertura, ainda mesmo que fossem das mais
injustas as acusações e as críticas.
Várias tentativas foram feitas para melhorar as relações do Executivo e Legislativo,
mas as correntes janguistas e não janguistas na própria frente política governista já
atingiam a exacerbação. O Presidente, apesar da sua imensa capacidade de ouvir, da sua
paciência mesmo até com os mais ferrenhos adversários, não sentia o problema e
parecia mais confiante na opinião pública, nos aplausos populares por onde passava e no
seu esquema militar do que nas composições políticas.
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Havia momentos em que o Presidente se afigurava, até mesmo aos seus mais
íntimos, como uma verdadeira esfinge. Ninguém podia saber o que queria, o que
desejava, o que planejava.
Vi e senti a inquietação de Tancredo Neves. Acompanhei as incertezas de
Bocayuva Cunha e percebi toda a tortura de Doutel de Andrade, na busca de uma
interpretação do pensamento e da vontade do Presidente.
Quando da votação do Estado de Sítio, tive, por várias vezes, que telefonar para o
então líder do PTB, Bocayuva Cunha, orientando-o, pois sentira que, em determinados
momentos, estava ele se inclinando para decisões que não eram mais aquelas que
interessariam o Presidente. Soube que, alertado por companheiros, numa reunião em
Brasília, sobre uma nota que divulgara, retirando o apoio do PTB à mensagem do
Estado de Sítio, confessara que havia sentido que o Presidente, realmente, desejava que
a mesma não fosse aprovada. Já naquela altura, o Presidente mudara e jogava todos os
trunfos na aprovação. Guardou ressentimentos do seu líder e creio que mais tarde, por
estes motivos, a sorte de Bocayuva Cunha na liderança havia sido lançada, perdendo
para Doutel de Andrade. Os Ministros Wilson Fadul, Oliveira Britto e Expedito
Machado, que haviam sido mandados a Brasília para ajudarem no bom êxito da
tramitação da mensagem, mal haviam iniciado as suas atuações e já eram surpreendidos
com notícias, logo depois confirmadas, de que o Governo iria retirar a referida
proposição.
Estes episódios e outros que se sucederam vertiginosamente dão uma idéia da
insegurança do Governo, no tocante a determinadas situações, como indicam um sem-
número de conselheiros que faziam do situacionismo uma verdadeira Torre de Babel.
Compreende-se que a função de governar não é tarefa fácil, nos tempos de hoje,
nem na América do Sul, nem em qualquer parte do Mundo. Nos países
subdesenvolvidos, então, a tarefa é gigantesca. A pressão das necessidades aumenta sem
limites, exigindo, de cada um que mantém parcela de poder, sacrifícios e lutas duras e
árduas.
Há que se exigir, entretanto, uma linha de ação que seja um denominador comum,
tangenciando todas as correntes que componham o Governo, de forma que não haja
predomínio de facções nem de grupos. Nem as forças centristas do Governo, sozinhas,
poderiam resolver nada em definitivo no Congresso, nem tampouco as forças
esquerdistas, que eram minoria apesar de muito atuantes. Havia que compô-las, com
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determinação e autoridade, no sentido do bem público e da segurança do próprio
regime.
Assistia-se, no Plenário, a cenas que davam bem uma idéia da confusão
generalizada. Um orador pessedista era mais aparteado favoravelmente por udenistas da
primeira linha do que pelos seus companheiros de bancada que se deixavam ficar
quedos e mudos, ainda mesmo que fosse para ficar a favor. Um orador petebista sofria
mais ataques, nos apartes, de aliados seus do PSD do que dos seus adversários da UDN
que passaram a assistir, de camarote, à desintegração do famoso bloco majoritário.
Da bancada pessedista mineira, por exemplo, surgiam mais críticas acérrimas ao
Governo do que de qualquer outro bloco oposicionista, tudo sob as vistas perplexas do
líder do Governo que, além de ser pessedista, era mineiro.
Por várias vezes, falei ao Presidente sobre o quadro parlamentar e, por várias vezes,
resolvia ele agir, convidando líderes e parlamentares do PSD e do PTB para almoços e
jantares no Palácio da Alvorada. As conversas se desenrolavam no tom mais cordial e o
Presidente ficava eufórico, julgando ter debelado as querelas. Acontece que, no dia
seguinte, na tramitação de problemas dos parlamentares pela Casa Civil e pelos
Ministérios, forças ocultas impediam as suas soluções e os desgostos afloravam
aumentados.
Entre muitos dos auxiliares do Governo, mais por inexperiência, predominava o
campo da amizade ou das ligações culturais e ideológicas sobre, mesmo, os interesses
políticos e do próprio Governo.
Vários foram os Estados atingidos por essa incompreensão e de cujas bancadas
parlamentares surgiram inúmeras vozes de protesto e de inconformação.
Inúmeros foram os governadores marcados por essa política afetiva, entregando-se
as posições federais, nos Estados, até a adversários e inimigos pessoais desses Chefes de
Estado.
Por diversas vezes, consegui neutralizar casos assim, mas faltava da Presidência da
República a ordem taxativa para não mais se reproduzirem.
Dessa maneira e de outras, iam correligionários do Presidente perdendo o
entusiasmo e cada vez a Câmara apresentava o aspecto de pelourinho do Governo, com
uma maioria omissa e já inquieta.
Faça-se um cotejo entre o Congresso de hoje e o Congresso de ontem. Na crise de
agosto, da renúncia do Sr. Jânio Quadros, o Congresso reagiu a todas as formas de
submissão e encontrou, com imaginação, a fórmula que uniu todos. Mais tarde, na
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seqüência de crises no sistema parlamentar, ainda o Congresso buscou, no plebiscito,a
solução amaciadora.
Na fase presidencialista do Governo de João Goulart, o Congresso não encontrou o
caminho e se deixou ficar na contemplação, quando uma ação efetiva teria levado o
Presidente para os seus braços, fortalecendo-se a democracia. Havia que se votar
alguma coisa, no tocante às reformas de base, do contrário, tanto o Executivo como o
Legislativo terminariam expostos ao descrédito, presas fáceis da subversão.
Aqui, no Peru, depois de meses de luta parlamentar, a Oposição, que é maioria,
votou afinal a reforma agrária, podada e até mesmo estiolada, mas o Governo,
compreendendo que o tema em aberto continuaria a expor e a enfraquecer não só a
Oposição mas o próprio Executivo, aceitou a Lei e já a está aplicando. no primeiro
passo para uma reforma de estrutura que conduza o país aos caminhos do fortalecimento
econômico. O Presidente Belaunde Terry disse à Nação que a Lei que recebera
representava apenas 25% do que havia solicitado ao Congresso, mas, mesmo assim, ia
pô-la em execução. O assunto saiu da arena e um fator de agitação desapareceu na terra
dos Incas.
A paixão foi mais forte do que o engenho e a arte que tanto brilho emprestam à
vida política brasileira e o resultado foi danoso à democracia.
Ferrero já dizia que a quebra da legitimidade provoca mais males do que todos os
males juntos os quais se queiram remediar.
No Congresso, ainda está a solução pacífica para os problemas do Brasil, desde que
os Presidentes de República com as suas forças se componham e com elas governem,
porque, apesar de tudo o que se diga, o Congresso é a única forma de se sentir o povo
no Governo!
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XI - A Revolução dos Sargentos
NA madrugada de 12 de setembro, com um "Avro", da FAB, pronto, no Aeroporto
Santos Dumont, 3ª Zona Aérea, para viajar ao Amapá, a fim de representar o Presidente
da República nas festas comemorativas do seu 20º aniversário de existência como
Território Federal, fui acordado pelo Brigadeiro Francisco Teixeira, comandante
daquela Zona Aérea. Na noite anterior, havíamos – minha mulher e três casais amigos e
mais minha filha e meu genro – participado de uma recepção promovida pelo casal
Epaminondas do Valle, por motivo do seu aniversário, de forma tal que dormira apenas
alguns minutos. Do outro lado do fone, o Brigadeiro Teixeira me dizia – 3 horas da
manhã – que havia anormalidade militar nas guarnições da Aeronáutica e da Marinha
em Brasília e que não podia precisar a sua extensão nem, tampouco, se o resto do País
estava em calma. Dei um pulo da cama e, já na porta, quando procurava um táxi,
chegava o meu carro oficial, com dois jornalistas Ariôsto Pinto, do "Correio da
Manhã"e um outro da "Última Hora" – e o Dr. Joffre Amado de Mello e Silva, meu
assessor técnico de gabinete e homem da minha melhor confiança. Não disse nada sobre
os acontecimentos e rumamos todos para a Base Aérea do Santos Dumont.
Ia imaginando o que, realmente, teria acontecido e procurava delinear as
providências que teria que tomar, pois o Presidente João Goulart devia estar em Pelotas,
aonde fora presidir inaugurações e receber homenagens em outras cidades gaúchas.
Sabia que de há muito havia descontentamento entre os sargentos das três armas, pois o
próprio General Jair Dantas Ribeiro me pedira, certa vez, para influir no adiamento do
julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do caso do mandato do Deputado Sargento
Garcia. Já haviam perdido os mandatos,antes, sargentos do Rio Grande do Sul e de São
Paulo. Dominava todas as guarnições, entre inferiores e praças, a idéia de conquistarem
o direito de votar e serem votados. Na Marinha e na Aeronáutica, conforme me haviam
informado os Ministros Sílvio Motta e Anísio Botelho, o ambiente também era de
insatisfação. Remoções de sargentos já tinham sido efetuadas pelos Ministros da
Guerra, tanto Amaury Kruel como Jair Dantas Ribeiro. Além do mais, era do meu
conhecimento que deputados apoiavam e estimulavam essas reivindicações. Na área
sindical, poroutro lado, o apoio era integral. O próprio Presidente, em discurso
pronunciado, já se havia manifestado favoravelmente ao direito de voto e de
elegibilidade dos sargentos. O que estava agitando, de imediato, toda a sargentada era a
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perspectiva de cassação do mandato do Deputado Sargento Garcia. Diziam até que os
sargentos afirmavam que esta decisão não aceitariam de forma alguma.
Ao entrar no portão da 3ª Zona Aérea, passei pelo primeiro susto, pois o Dr. Joffre,
sem saber de nada, olhando para a sentinela que se achava ao lado de um sargento,
todos embalados, dizia com a ênfase do Poder: – "Ministro da Justiça!". Não tinha eu
certeza se, naquela hora, também a revolta dos sargentos, que eclodira em Brasília, não
teria alcançado o Rio. Esperei a resposta que tanto poderia ser pacífica, com o gesto
normal de baixar a corrente para o carro entrar na área militar, como poderia ser de
guerra... Senti até o frio de um tiro ou a voz autoritária de uma ordem de prisão. Teria
que reagir, por honra do cargo. Um Ministro de Estado não poderia ser preso no começo
de uma revolta e por alguns rebelados. A autoridade não poderia ser desmoralizada.
Felizmente, a resposta foi pacífica e entramos. Alguns momentos depois,contava ao Dr.
Joffre minha agonia e apreensão de alguns minutos atrás e todos riram. Estavam eles
inocentes e só aos primeiros contactos com o Brigadeiro Teixeira tomaram, o Dr.
Joffre e os jornalistas, conhecimento de que não haveria mais viagem ao Amapá e
de que havia uma revolução a debelar. Do avião desceram todos os membros da
comitiva que me deveriam acompanhar ao Norte do País.
Convocados os meus assistentes militares, cada um ficou no seu posto de
observação. O Major Monte, no QG do Brigadeiro Teixeira; o Comandante Arthur
Benigno, no Ministério da Marinha; o Dr. Joffre, com o Cel. Nilton Moreira e a minha
secretária, Berenice Fernandes de Almeida, no Ministério da Justiça. Com o Cel.
Cromwell Medeiros e o Deputado Capitão José Lira, rumei para o Ministério da Guerra,
depois de participar de todos os contactos telefônicos do Brigadeiro Francisco Teixeira
que era vivo, rápido, eficaz e leal nas ordens de comando que expendia, por ordem do
Ministro Botelho, a todas as guarnições, inclusive às zonas aéreas em todo o País.
Naquela hora, 5 horas da manhã, já se tinha conhecimento de que a revolta estava
circunscrita a Brasília, que se achava quase totalmente ocupada pela sargentada da
Marinha e da Aeronáutica, embora permanecesse leal toda a guarnição do Exército.
Oficiais daquelas duas armas estavam presos pelos revoltosos e alguns civis, entre os
quais deputados, deviam também estar presos. Eram necessárias providências
preventivas em todas as bases navais e zonas aéreas, para impedir a propagação do
movimento.
Perto das seis da manhã, entrava eu no Ministério da Guerra. Estava no seu posto o
General Jair Dantas Ribeiro. Todo o seu Estado Maior a postos, também. Já haviam
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chegado tanques para reforço da guarnição do Ministério e numerosas ordens foram
dadas às guarnições para rigorosa prontidão e ordem de marcha para objetivos militares.
Sugeri ao Ministro da Guerra o patrulhamento de algumas áreas da cidade, inclusive os
Ministérios civis, assim como algumas repartições de importância. Havia greve bancária
e, através de alguns líderes sindicais, fiz chegar aos bancários a notícia do levante de
Brasília, sugerindo e aconselhando que a suspendessem imediatamente, para não
aumentar a confusão e evitar que as providências das autoridades militares pudessem se
estender até os sindicatos afim de prevenir desordens e agitações.
Pouco depois das sete horas, chegavam ao Ministério da Guerra os Ministros da
Marinha e da Aeronáutica. Todo o comando militar do Governo se achava reunido e
tomando providências sincronizadas. O General Jair era o comandante-chefe. Dava
ordens rigorosas para Brasília e para o resto do País. Seguro, pronto e incisivo, o
General Jair, pessoalmente pelo telefone e, posteriormente, pela radiofonia, determinava
ao Cel. André Fernandes, comandante de Brasília o General Fico achava-se também no
Rio Grande, acompanhando o Presidente da República – o cerco e a investida sobre as
posições dos rebeldes: Ministérios da Marinha, da Aeronáutica, aeroporto militar e civil,
acampamentos da Marinha e da Aeronáutica, Chefatura de Polícia, Sede da Empresa
Telefônica, Prefeitura e todos os demais pontos por eles dominados. Não esquecia de
nada, o General Jair. Vi, acompanhei e senti no titular da Guerra um comandante à
altura dos acontecimentos.
Já anteriormente, pouco depois de assumir o Ministério, com rápidas visitas a
Brasília, sentira o General Jair que a guarnição do Exército, ali estacionada, era
insuficiente, não apenas para preservação da ordem pública como para própria
segurança do Presidente da República. Fez seguir, então, para Brasília, contingentes de
pára-quedistas e carros blindados. Pediu-me para tranqüilizar e esclarecer o Supremo
Tribunal Federal e o Congresso, pois poderiam surgir explorações tendentes a
apresentar estes reforços como uma forma de pressão do Ministro da Guerra sobre a
Justiça e o Legislativo, em face do caso dos mandatos dos sargentos. Foi realmente essa
a salvação, na hora da revolta, pois,graças a esses contingentes, os Palácios da Alvorada
e de Despachos, a Granja do Torto, residência presidencial, o Ministério da Guerra e
todos os acampamentos do Exército puderam ser eficazmente defendidos e preservados.
A sufocação da revolução só pôde ser feita, naquele dia mesmo, graças à presença em
Brasília dessas tropas. O General tinha sido previdente e seguro, rápido e decisivo nas
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suas providências anteriores, fato que se ajustava às atitudes por ele tomadas durante
todo o dia da revolta dos sargentos.
Só por volta do meio-dia, foi possível o primeiro contacto com o Presidente João
Goulart. Já antes conseguira um contacto com o Prefeito de Pelotas, a quem pedi que
transmitisse ao Presidente todas as notícias e providências adotadas. Depois que o
General Jair falou com o Presidente, pelo telefone, falei eu. Notei que o Chefe do
Governo ficara surpreso em saber que o Sargento Prestes era o cabeça da amotinada.
Tinha ele confiança nesse sargento, pois, quando de sua investidura na Presidência da
República, fora o Sargento Prestes um dos mais atuantes na repressão da chamada
"operação mosquito", destinada a caçar o Sr. João Goulart no espaço, quando voasse, do
Rio Grande para Brasília, afim de assumir a Presidência da República.
Pediu-me o Presidente para distribuir notas à imprensa, às rádios e estações de TV,
esclarecendo que, de Porto Alegre, na.sede do comando do 3º Exército, estava em
contacto permanente com os Ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica, e que
chegaria ao Rio até o fim do dia. Tudo foi feito e as comunicações passaram a ser
divulgadas, com a assinatura do Ministro da Justiça e dos três Ministros Militares.
Durante todo o resto da tarde, a ação do Exército se fez sentir, em Brasília,
inflexivelmente. Um por um, caíram os focos rebeldes. As ordens do General Jair eram
terminantes e não admitiam parlamentações. Sentia-se bem o empenho do Ministro da
Guerra em terminar o movimento antes da chegada do Presidente. Preocupava-se ele,
ainda, em que ficasse extinto totalmente o movimento, com o justo receio de que se
propagasse pelo País, pois era bem conhecido o descontentamento que reinava na classe
dos sargentos, pelas razões, já tão públicas, que diziam respeito à sua representação
política.
Pela manhã e à tarde desse dia, o gabinete do Ministro da Guerra se encheu de
oficiais generais que iam hipotecar solidariedade ao seu titular. Sóbrio, sério, consciente
do seu papel de comandante-em-chefe do Exército, o General Jair Dantas Ribeiro
recebia a todos com discrição, sem extravasamentos de entusiasmo, ao mesmo tempo
em que não perdia o contacto com os seus auxiliares, informando-se, a cada momento,
da marcha das operações em Brasília e da situação em geral, nos Estados e Territórios.
Em dado momento, ouvi ordens severas, pelas quais o Ministro da Guerra
determinava que se bombardeasse o Ministério da Marinha, caso insistissem os
revoltosos em se manter de armas na mão. Estava o Ministério da Marinha cercado por
carros blindados. No Exército não havia surgido uma só indisciplina por parte dos
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inferiores. Era um só bloco de unidade, obedecendo a uma só voz de comando.
Os Ministros Anísio Botelho e Sílvio Motta, indignados com os seus contingentes de
Brasília que haviam aderido todos ao movimento, concordavam com todas as
providências do seu colega da Guerra. Do gabinete do Ministro da Guerra, os titulares
da Marinha e da Aeronáutica transmitiam ordens para os seus comandos no.resto do
País, revelando-se todos integrados com a ordem e a lei e preocupados, igualmente, em
sufocar rapidamente a rebeldia.
Muitos boatos surgiram através de telefonemas de Brasília, logo porém
desmentidos. As emissoras e estações de televisão passaram a ser logo controladas pelo
Cel. Scaffa, presidente do Conselho de Telecomunicações, que, obedecendo a instruções
minhas, fez sentir que só notas oficiais deveriam ser irradiadas a respeito dos
acontecimentos. Com exceção de algumas emissoras,de São Paulo, todo o setor de
telecomunicações colaborou com a restauração da ordem, sem difusão de notícias
sensacionalistas impróprias para a hora.
Já no fim da tarde, estava toda a situação dominada em Brasília e mais de mil
prisioneiros foram transportados para o Rio, sendo alojados em navios cedidos pela
Marinha, para este fim.
Várias lições foram extraídas dos acontecimentos pelos altos escalões do Exército.
Facilmente chegaram à conclusão de que, dificilmente, um movimento de sargentos
poderia levar a melhor, uma vez que faltava aos mesmos apuro técnico e tático para
dirigir operações de guerra. Não se podiam nivelar, sem dúvida, com oficiais
possuidores de cursos de aperfeiçoamento e de Estado Maior. Os sargentos haviam
tomado conta de quase toda a Capital da República e ficaram sem saber o que fazer.
Com a estação telefônica nas mãos, cortaram as suas ligações, ficando eles próprios
isolados uns dos outros, em pontos distantes da cidade. Com as emissoras de rádio em
seu poder, lacraram os microfones e nunca disseram ao povo por que estavam de armas
na mão. O Palácio do Planalto, com pequena guarnição, continuou nas mãos das tropas
legais. Nenhuma investida foi feita contra o Alvorada nem contra a Granja do Torto. O
Legislativo e o Judiciário permaneceram incólumes. Enfim, a revolução tinha, na
realidade, se revestido das características de um movimento sem direção, sem
consistência e, ao mesmo tempo, sem lideranças capazes. Alguns sargentos, intoxicados
pela preparação política e prevenidos contra a Justiça Eleitoral, que cometera o erro de
permitir registros de sargentos como candidatos para, posteriormente, cassar-lhes os
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mandatos, jogaram-se numa aventura que poderia ter tido conseqüências imprevisíveis,
não apenas para eles próprios como para todo o sistema democrático.
Na fase dos inquéritos, da apuração das responsabilidades e das punições, senti, em
contacto com os três Ministros Militares, a delicadeza do problema. A preocupação
predominante era a de que não se agravasse a situação. Notícias de insatisfação nas
bases aéreas e navais começaram a circular. Aqui e ali surgiam manifestações de
indisciplina, embora as autoridades agissem com serena energia e a mais viva
compreensão. Dizia-me sempre o General Jair que era preciso,.quanto antes, remover os
focos de inquietação, pois, não obstante a repressão ter sido feita rapidamente, cabia
agora ao Governo a adoção de medidas que neutralizassem as causas de agitação e de
desordem no meio inferior das três armas. Chegou a sugerir a aprovação, pelo
Congresso, de modificações do texto constitucional, pelas quais todo e qualquer militar,
fosse qual fosse o posto ou patente, candidato a qualquer cargo eletivo, devia ser
afastado da ativa. Assim, dizia -me ele, estariam equiparados soldados e generais aos
civis, podendo todos ser candidatos, desde que, a partir do registro, fossem afastados da
ativa.
Foi, o General Jair, sempre contra a anistia que já se esboçava em determinadas
áreas político-parlamentares, enquanto não se resolvesse o problema pelas suas raízes e
enquanto não fossem apuradas, devidamente, todas as responsabilidades. Os Ministros
da Marinha e da Aeronáutica concordavam inteiramente com o seu,colega da Guerra.
Para minimizar os efeitos da revolta na classe dos sargentos, habilmente, os
comandantes dos Inquéritos Policiais Militares foram concluindo suas investigações e
libertando aqueles que haviam apenas cumprido ordens. Soltaram em massa,
conservando presos os chefes. Dos mil detidos, ficaram apenas algumas dezenas. Muitas
baixas foram dadas a essa tropa rebelde e o chamado movimento dos sargentos, aos
poucos, se reduzia a uma ou outra manifestação logo reprimida. Sentia-se, entretanto,
que a grande maioria esperava que, pelo processo democrático, lhe fossem asseguradas
as garantias políticas e as faculdades reivindicadas de poder disputar mandatos eletivos.
Era evidente a interferência de políticos de vários partidos nesses contingentes das
Forças Armadas, mas claro estava que urgia uma providência de ordem legislativa, no
sentido de serem anulados os fatores que permitiam essas explorações.
Numa revolta de presos, numa Casa de Detenção, a primeira coisa a fazer é a
repressão, até violenta. Passada a refrega, faz-se necessária a investigação das causas.
Apuradas, cabe a sua anulação.
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Apesar de todo o sigilo natural, guardado pelas autoridades militares, várias
situações surgiram na área militar, requerendo não apenas ação repressiva, mas
prudência e muito tato. Sargentos da Aeronáutica, nas bases de Salvador e de Natal,
assim como, em menores proporções,em Belém, Recife e Porto Alegre, passavam da
insatisfação a atos de indisciplina e até de rebeldia. Os superiores, segundo informações
muito reservadas, estavam pernoitando em dependências isoladas dos alojamentos e
quartéis, todos armados de metralhadora. Na Marinha, a situação era a mesma,
inquietarão, intranqüilidade e desconfianças generalizadas entre inferiores e superiores.
Este quadro se agravava ainda mais com a sensível irradiação dessa insatisfação aos
quadros das Polícias Estaduais. Aliás, nas Polícias Estaduais o ambiente era ainda mais
propício, em face dos parcos salários que os seus membros recebiam, em Estados
pequenos como os do Norte e os do Centro e Oeste. Até rebeliões já tinham eclodido,
como as do Piauí e Rio Grande do Norte, cujos governadores contaram, de imediato,
com o apoio do Governo Federal, através da ação pronta e eficaz do Ministério da
Justiça e do Ministério da Guerra. Diga-se de passagem, mais uma vez o General Jair
agia com a prontidão e a perspicácia de um bom soldado. Tanto em Natal como em
Teresina, decorreram só poucas horas entre os telefonemas dos seus governadores ao
Ministro da Justiça e deste ao Ministro da Guerra, para as suas capitais serem
imediatamente ocupadas por tropas do Exército, regularizando-se a situação
rapidamente, com tranqüilidade para a população e com a restauração da autoridade dos
governantes.
Era inspirado nesses quadros que o Ministério da Justiça já designara um grupo de
trabalho para estudar normas legais para a assinatura de convênios entre a União e os
Estados, através dos quais seriam melhorados os vencimentos do pessoal das Polícias
Militares Estaduais, em bases justas e dignas para a própria função militar.
Tudo isso servia para uma análise verdadeira da realidade nacional e documentava
estudos e idéias no sentido da ação do Governo da União em favor dos Estados, vale
dizer, em benefício do País e da sua tranqüilidade e da preservação de suas instituições
democráticas.
Na noite do dia 13 de setembro, surpreendendo a todos, o Presidente João Goulart
chegava a Brasília, em vôo direto do Rio Grande do Sul. Desistira de viajar ao Rio.
Naturalmente para dar a impressão ao povo brasileiro de que, realmente, a ordem estava
restabelecida na Capital da República. Isto trouxe certa desconexão entre os
pronunciamentos do Presidente da República e os dos Ministros Militares e do Ministro
61
da Justiça, com relação à revolução chamada "dos sargentos". A falta de contacto entre
eles, ainda no rescaldo dos acontecimentos do dia, ensejou uma situação não muito bem
recebida, quando o Presidente e o seu Chefe da Casa Civil se mostravam brandos com
os revoltosos e os Ministros Militares e o da Justiça se pronunciavam com energia e
severidade próprias de uma hora que poderia ser prenúncio de outros acontecimentos
desagradáveis.
Na realidade, entretanto, o Presidente da República apoiou todas as medidas
repressivas, os inquéritos e a apuração das responsabilidades, dando mão forte ao
General Jair Dantas Ribeiro nas providencias que achou de tomar, por todo o País, de
pleno acordo com os titulares da Marinha e da Aeronáutica, no sentido de prevenir
outros motins.
Esse episódio serve para ilustrar conclusões expostas nos últimos capítulos, quando
se evidencia que a ausência involuntária do General Jair Dantas Ribeiro foi, modus in
rebus, fator decisivo para o desenvolvimento e sucesso do movimento que depôs o Sr.
João Goulart, o qual, ao lado do seu Ministro da Guerra, costumava ser mais firme e
mais uniforme nas suas decisões.
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XII - Estado de Sítio
IA-SE reunir o Presidente com seus Ministros, no curso de uma greve dos
bancários que já se arrastava há mais de uma semana, incomodava todas as classes e
inquietava a Nação, quando o General Jair Dantas Ribeiro dá conhecimento a todos de
um reservado que o seu Serviço Secreto havia colhido. Era uma entrevista do
Governador Carlos Lacerda a um jornal norte-americano, altamente ofensiva às Forças
Armadas e ao Presidente. Visivelmente irritado, o Ministro da Guerra contou, de pronto,
com a solidariedade dos Ministros da Marinha e da Aeronáutica. Vários
pronunciamentos contundentes se seguiram àquela manifestação, considerada, por
todos, antipatriótica e, até mesmo, como um convite ao Governo dos Estados Unidos
para intervir em nossos assuntos internos. Solicitado o meu pronunciamento, sugeri que
os Ministros Militares ouvissem os seus comandos e, em seguida, voltassem à presença
do Presidente e dos demais Ministros, com a palavra das Forças Armadas sobre o
assunto, que eu reputava da maior gravidade para a própria segurança nacional. Fazia-se
necessário um esclarecimento à Nação, e este só poderia e só deveria ser dado pelos que
defendiam o regime, a paz e a integridade nacionais.
À tarde, em nova reunião, cada Ministro militar trouxe a sua nota. Cada qual mais
azeda e mais veemente, nas suas adjetivações e no seu repúdio à entrevista do
Governador da Guanabara. A do Ministro da Guerra, entretanto, foi a escolhida, pois
fora julgada não apenas mais serena e mais sóbria, como mais explícita e, no fundo,
com maior autoridade, obviamente, pelo que representava o seu titular em termos de
força militar.
Ainda me recordo que o Ministro da Marinha, Almirante Sílvio Motta, secundado
de logo pelo Presidente João Goulart, interpelou o Ministro da Guerra sobre quais
seriam as conseqüências, no caso de o Governador da Guanabara respondê-la. Insistiam
eles na tecla da desmoralização das Classes Armadas.
“Não teremos contemplação com inimigos da Pátria” – foi a resposta contundente
do Ministro Jair Dantas Ribeiro.
A nota, logo amplamente divulgada, teve a maior repercussão por toda a Nação.
Compreendendo a gravidade da situação, jornais simpáticos ao Governador da
Guanabara procuraram minimizar o fato, se bem que todos unanimemente, reprovassem
a atitude do Sr. Carlos Lacerda. A repulsa era geral e até as Classes Produtoras, muito
afins com o Governador, mostraram-se surpresas e contrariadas com atitudes lesivas aos
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interesses nacionais. Os banqueiros, que se mostravam irredutíveis com relação às
reivindicações dos bancários que se achavam em greve, logo, em reunião com o
Presidente João Goulart, acordaram no atendimento da maioria das solicitações dos
empregados e voltou, em seguida, à normalidade a rede bancária brasileira.
Atônito e perplexo com o seu próprio pronunciamento, o Governador da
Guanabara, a princípio, procurou desmentir a entrevista. Porta-vozes seus davam
explicações que não encontravam receptividade na opinião pública, em geral. Dentro da
UDN, poucos concordavam como Governador, naquela atitude julgada provocadora às
Classes Armadas.
Ao Presidente, e mais ainda aos Ministros Militares, faltou apoio caloroso e mesmo
assistência e solidariedade dos partidos que compunham a frente governista no
Parlamento. Já era a descapitalização que sofria o Presidente, na área política e
parlamentar e que, mais tarde, se fazia sentir mais claramente e por várias vezes.
Diziam sempre observadores argutos que, se tivesse sido o inverso, surgindo
pronunciamentos como aquele de qualquer autoridade do Governo, este estaria no chão,
em poucos momentos, pois a UDN saberia aproveitar a oportunidade para um
movimento que galvanizaria uma opinião militar e política capaz de derrubar qualquer
esquema militar. Isso, aliás, foi comprovado com a Revolução de Abril, quando outras
motivações apressaram a eclosão de uma revolução embrionária e que, pelos próprios
depoimentos de hoje, estava ainda muito longe de dispor de elementos para ação
conclusiva e vitoriosa.
Mais algumas vinte e quatro horas decorridas, naturalmente após consultas e
balanço de suas forças políticas e militares, o Sr. Lacerda voltava à carga contra o
Governo e, especialmente, contra os Ministros Militares, procurando até ridicularizar e
desmoralizar a autoridade de cada um, num deboche da maior provocação.
Reunidos novamente com o Presidente, os Ministros Militares procuravam um
meio de punir o Governador da Guanabara. Do enquadramento na Lei de Segurança à
Intervenção Federal no Estado, da prisão ao seu banimento do País. De tudo isto ao
Estado de Sítio foi um passo. Como Ministro da Justiça, solidário com o Governo e
consciente da responsabilidade da hora em que vivíamos, estudei, com assessores, todas
as formas e fórmulas com base na Lei e na Constituição. Fora do Estado de Sítio,
devidamente aprovado pelo Congresso, nenhuma outra teria conteúdo de legalidade.
Em meio à reunião, chegavam notícias de, encontros dos Governadores da
Guanabara e de S. Paulo, e, deste último, pronunciamentos igualmente graves, que iam
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ao ponto de afirmar dispor ele de homens e armas para ação revolucionária contra o
Governo da República. Logo compreenderam os Ministros Militares e todo o Governo
que os dois chefes estaduais estavam articulados para a derrubada do Presidente. Armas
de guerra haviam sido apreendidas e todas as informações concluíam por atividades
conspiratórias que tinham, por comando, os dois governadores, da Guanabara e de São
Paulo.
Antes que o rastilho tomasse conta de todo o País, o General Jair, com o apoio dos
Ministros da Aeronáutica e da Marinha, inclinou-se pela decretação do Estado de Sítio.
Fizeram os projetos de mensagens e destes foi feita depois Mensagem ao Congresso, já
na madrugada da sexta-feira.
Salientava sempre o General Jair Dantas Ribeiro que a Mensagem devia ser
aprovada em 24 horas. Ponderei todo o tempo ser isto impossível e salientava que num
fim de semana, era difícil e mesmo inexeqüível conseguir-se número para uma votação
tão importante e urgente. Além do mais, reconhecendo bem a Câmara dos Deputados,
dividida e subdividida por correntes e grupos políticos e, ainda mais, contaminada por
um sentimento de indiferença e desconfiança com relação ao Governo, não via como se
pudesse obter êxito na investida, não obstante a achasse oportuna e adequada. O Estado
de Sítio era o remédio que a própria democracia estabelecia para a cura de males como
aqueles que nos estavam afligindo.
Falou-se que, em outras oportunidades, o Congresso havia alterado até o regime em
menos de 24 horas... Respondia que era verdade mas que, naquela ocasião, os fatos
estavam na rua, a convulsão à vista e as tropas já se deslocando dos quartéis. O exemplo
citado era o da crise provocada pela renúncia do Sr. Jânio Quadros.
Para salvar uma situação de fato, acrescentava, o Congresso iria até o arranhão das
normas regimentais e da própria Constituição. Uma lei maior se alevanta. Acima da Lei,
a Ordem. Não há lei sem ordem e não se mantém a ordem sem a lei.
Na madrugada mesmo da sexta-feira de fins de setembro, o Presidente João Goulart
voava para Brasília, com a Mensagem ao Congresso. Iria movimentar líderes,
presidentes da Câmara e do Senado, todos, no objetivo único de ser aprovado o Estado
de Sítio em 24 horas. Deixara, na retaguarda, um dispositivo armado para a ocupação da
Guanabara imediatamente, seguindo-se ação contra o Governador de São Paulo, no caso
de manifestações de solidariedade ao seu colega da Guanabara se este resistisse ao
pedido de “Sítio”. Os dois inimigos do Governo e do regime estavam nas alças de mira
do Presidente e do esquema militar. Sem essas providências, o Congresso,
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evidentemente, não atenderia ao chamamento do Chefe da Nação e dos seus Ministros
Militares.
Nem uma coisa nem outra houve. Não houve ação militar nem na Guanabara, nem
articulações militares em São Paulo. O sábado amanheceu pacífico, como todos os dias.
Em resposta ao Presidente, que me telefonara de Brasília, disse-lhe que tudo estava tão
calmo como num dia de domingo... Não havia tanque na rua, nem prontidão nos
quartéis.
Custou-me entender o General Jair, nessa conjuntura. Tão precavido como era, tão
perspicaz, tão zeloso na adoção de providências combinadas, recolhera-se à sua
residência, normalmente, não deixando sequer de fazer o cabelo, o que acontecia
invariavelmente todos os sábados!
Era a presença do General Pery Bevilacqua, no comando do 2º Exército de São
Paulo, que o preocupava! Já há muito que queria alt erar aquele comando, sem
conseguir, entretanto, a anuência do Presidente, que se mostrava muito confiante
naquele comandante que tanto o havia ajudado na luta para assumir a Presidência da
República. Todos os comandos se achavam nas mãos de gente sua gente sua, menos o
do 2º Exército. O General Jair confiava mais no seu dispositivo militar- pessoal do que
nos amigos do Presidente que ainda tinham postos de comando.
Certa vez me disse que o Presidente era um homem bom e muito otimista com
relação a certos amigos generais. Ele, general, não era homem de desconfianças
generalizadas, mas só punha, em comando, aqueles que já tivesse testado. Além do
mais, o General Jair mantinha-se dentro da mística predominante em todo o Exército –
legalidade. Aguardou que o Congresso se movimentasse à vista dos pronunciamentos
irretorquíveis dos três Ministros Militares, cujas exposições acompanhavam a
Mensagem do Governo. Qualquer passo avançado poderia ser o estopim para o
descambar da ilegalidade!
Passadas 72 horas, já com todos os governadores contra, inclusive os de maior
compromisso com o Presidente, como os de Pernambuco e Minas Gerais, a atoarda
contra o pedido de Estado de Sítio começou a incomodar o Sr. João Goulart, que é um
homem da massa. Das cúpulas sindicais patronais às trabalhadoras, a voz era uma só, de
protesto contra a medida. Dos estudantes aos intelectuais, da imprensa ao rádio,
ninguém compreendera a situação e ninguém confiava na execução de medidas
excepcionais pelo Presidente. Mais tarde, o próprio Arraes me dizia que ficara contra o
pedido de Estado de Sítio porque, em seqüência ao que pudessem sofrer Carlos Lacerda
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e Adhemar de Barros, viria ele... Encontrei nos dias de tramitação da Mensagem no
Congresso, no Aeroporto Santos Dumont, em trânsito de Brasília para São Paulo, o ex-
Ministro Almino Afonso que, em poucas palavras, me dizia que o Presidente não
conseguiria driblar as esquerdas. Estava indo para articular as massas trabalhadoras
paulistas também contra a medida de exceção.
Estava o Presidente e todo o Governo entre fogos cruzados, da esquerda da direita,
das Classes Produtoras e dos trabalhadores e com o centro igualmente ardoroso, no
combate à providência inspirada pelos percalços da hora trepidante que vivia o País.
Não tardou a minha convocação e logo estava o Presidente a me recomendar a
retirada da Mensagem. Tivera um grande gesto, preferindo recuar para estar com o
povo.
Saiu todo mundo, deste episódio, muito descapitalizado. O Governo perdera
autoridade e até a confiança das massas. E, ao que parece, o recuo, longe de significar o
retraimento do Governo para revisão e fortalecimento de suas forças, despertou maior
entusiasmo nas forças conspiratórias que logo verificaram que o dispositivo militar do
Presidente era mais para a defensiva, para a sustentação legal, do que para a ofensiva.
De tudo, o que mais me impressionara foi a maneira como eram combinadas, no
Palácio das Laranjeiras, as coisas mais sérias e traçados os planos mais importantes! A
maioria das conversações, entre o Presidente e os seus Ministros, entre o Presidente e os
militares, entre o Presidente e os seus assessores, era realizada nas “terrasses” abertas do
Palácio, com um sem número de pessoas transitando por todas as suas dependências e,
muitas delas, poucos de nós as conhecíamos. Eu e Oliveira Britto ficávamos espantados
com a facilidade de acesso que havia no Palácio, numa hora das mais difíceis do por que
passava o Governo. Lembro-me que, da discussão da retirada da Mensagem do Estado
de Sítio, de repente, em torno de nós, estavam figuras completamente estranhas. Haviam
ingressado no Palácio com Darcyi Ribeiro que se retirara, deixando as ao nosso lado.
Certa vez o General Jair me dizia que o Presidente nada resolvera de concreto a
respeito do que se devia fazer no plano político militar, revelando nas entrelinhas muita
dúvida com relação ao futuro. Apesar de suas desconfianças, sempre acrescentava que o
Presidente não devia ter receios pois iria até o fim do seu Governo. Estribava-se na
legalidade, confiando nos seus homens de comando, que deviam ter igual posição com
relação à legalidade.
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Passada a crise do “Sítio”, os Ministros Militares formalizaram pedidos de
demissão para facilitar a ação do Presidente. Este os confirmou nas Pastas, afirmando-
me que aquela não era hora de dispensar a colaboração de amigos e auxiliares.
Entretanto, daí em diante, nova onda de mudança ministerial surgiu e, de semana
em semana, aumentava ou diminuía, à medida que o Presidente se mostrava mais
reticencioso a respeito. Poucos ou raros eram os Ministros que se sentiam seguros. Por
várias vezes, disse ao Presidente que o meu posto estava sem problema para uma
composição, ao que me respondia sempre que iria até o final do seu Governo.
Em muitas oportunidades, o Presidente me contava histórias de sua vida até
madrugada e sempre com muita cordialidade. Tratava-me fraternalmente, chegando até
a dizer que já não tinha irmãos e que como tal me considerava. Na intimidade, sem o
formalismo presidencial, o Presidente me revelava até tédio pelo cargo que exercia.
Afirmava que andava cansado, esgotado mesmo. Num desses momentos de depressão,
chegou a me dizer: – “Não sei, Seu Jurema, como o Juscelino ainda quer voltar para isto
aqui!...”
Ante a incompreensão das esquerdas e do centro, pela falta de apoio à sua
Mensagem de “Sítio”, mostrava-se amargurado, queixando-se das injustiças, das
incompreensões e até do que chamava da burrice de companheiros e amigos. O
Presidente, nesses momentos, se me revelava todo inteiro, humano e sensível, mas
igualmente surpreendido com todos os atropelos que marcavam a vida de um Chefe de
Estado. Em muitas ocasiões, sentia-se que havia perdido o encantamento pelo Poder.
Falava em licenciar-se para fazer uma viagem pela Europa e pela Ásia. Mostrava-se
desejoso de ausentar-se de tudo aquilo que começava a arranhar a sua alma.
Chego a pensar que a sua mocidade – 45anos – não estava em condições de
suportar o peso de tantas responsabilidades. Herdeiro de Getúlio Vargas, tendo vivido
intensamente da província à metrópole, procurava arcar com o fardo, mas se chocava
com grandes decepções e até mesmo com problemas superiores às suas resistências
espirituais. Homem sem problemas na sua vida de grande proprietário, tinha-os agora no
mais alto posto da República! Sempre me dizia que nunca havia atingido qualquer
posição na vida pública senão com muita luta e muito sacrifício. Muitas vezes me falou
sobre a incompreensão das classes favorecidas que o viam pelos ângulos da
desconfiança. Sempre me pareceu um homem que se agarrava ao apoiadas lideranças
sindicais, com receio de ficar sozinho, em face das incompreensões e mesmo hostilidade
com que era encarado pelo centro.
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Pensou, em muitas ocasiões, em modificar a sua política de governo e, quando
estava para iniciar ações nesse sentido, eis que uma assembléia de Associações
Comerciais de todo o Brasil o atingia em cheio, entre acusações veementes e até
calúnias!
Jamais imaginei que um Presidente de República tivesse vida tão atribulada!
Inúmeras vezes saí, em ponta de pés, do quarto do Presidente, deixando-o o estirado na
cama, de roupa, gravata e sapato, exausto, adormecido profundamente. Não raras eram
as vezes que adormecia no “Viscount” presidencial, entre Brasília Rio ou Rio – Brasília,
em meio a conversas com os seus auxiliares. Quantas vezes não o vi cochilando, de ar
cansado, no meio de audiências, daquelas que iam madrugada adentro.
Queixou-se, várias vezes, a mim de que tinha que resolver tudo, desde a conversa
com um ex-aviador da Varig cuja demissão provocara uma greve demorada na Aviação
Comercial até às audiências públicas com os mais necessitados, desde a solução de
problemas com governadores de Estado até às determinações à SUNAB para resolução
do problema do abastecimento do açúcar, desde a crise do petróleo à falta de trigo;
desde o reescalonamento de nossas dívidas externas até ao empréstimo de um modesto
servidor público pela Caixa Econômica; desde a falta de chuvas no Nordeste até aos
incêndios de cafezais no Paraná; desde a crise política à econômica; desde a frente
política parlamentar à composição da mesa da Assembléia do Rio de Janeiro; desde os
problemas da bBaixada fFluminense até às dívidas do Estado de Minas.
Tudo isso cada vez me fazia mais um escravo da administração e do Governo.
Passei a a dar assistência efetiva a todos os problemas que chegavam ao Presidente e
que provocavam a minha convocação. Não faltei a uma sequer,e nunca me omiti em
qualquer das situações que exigiam a ação e a presença do Governo.
Não me arreceava das críticas, das tempestades que desabavam sobre mim. No
cumprimento do dever, na colaboração a um Governo que confiava na minha lealdade e
na minha energia, não poupei sacrifícios, nem canseiras, nem noites indormidas.
Aos poucos, no dia a dia, fui conhecendo todas as virtudes e deficiências do
homem, do estadista, do político. Não podia abandonaá-lo na luta e esta nunca cessou
durante os nove meses que passei à frente do Ministério da Justiça.
A adversidade não me fez um arrependido. Ao contrário, no exílio, na mais madura
reflexão, convenço-me de que estava certo. Dei tudo o que podia dar de mim, da minha
inteligência e das minhas energias físicas. Sempre acreditei que a soma de todos estes
esforços trariam melhores serviços ao País, por cujo bem estar o Presidente realmente
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procurou zelar. Não tenho nenhuma dúvida a este respeito. Zelava, ainda que fosse sem
roteiros.
Na integralização da pessoa humana, entre os defeitos e as virtudes, o Presidente
apresentava boa diferença favorável, que nos prendia e nos indicava a necessidade que
ele tinha de ser ajudado. A sua cabeça era povoada de boas intenções e sempre as suas
recomendações, as suas ordens, as suas determinações buscavam o bem e nunca o mal.
Não guardava ódios nem rancôres, e aos inimigos mais ferrenhos pouco dispensava da
sua atenção.
Seu sonho era passar à História como o Grande Reformador e toda a sua inquietação era
ver o tempo passar sem nada de positivo poder apresentar.
Assisti-o dizer ao General Jair, na crise do “Sítio”, que se conseguisse introduzir
reformas nas velhas estruturas econômicas do País, assumiria o compromisso de
renunciar imediatamente ao Poder. O preço das reformas seria o seu afastamento da
Presidência.
Faltava-lhe, entretanto, capacidade de fixação em planos e métodos. Assim,
expunha-se às alternativas de conselheiros diversos, que motivavam transformações
súbitas do Governo, ao encarar problemas instantes ou ao resolver crises administrativas
ou políticas.
Há uma constante, porém, no temperamento do Presidente João Goulart. Nunca,
em tempo algum, faltou com o respeito ao povo. Jamais pensou em atuar contra o povo.
Em nenhum momento, aceitou conselhos que fossem contra os interesses populares.
Ficou uma fúria, quando soube que o General Pery, numa das agitações em São Paulo,
havia prendido líderes sindicais. Deu-me recomendações severas para falar ao General
Jair, a fim de que este determinasse a libertação dos operários, dizendo-me que não
queria que, em seu Governo. o Exército fosse
guarda pretoriana ou que os seus comandantes se transformassem em capitães-do-
mato.
Homem de grande coração, com uma formação política e sentimental de fazendeiro
e quase caudilho, não julgava amigos, mas os protegia; não os punia, mas os perdoava;
não os fiscalizava, mas neles confiava; não os selecionava, mas os aglutinava em torno
de si, sem joeirar o trigo. Enfim, era uma porta aberta às vicissitudes e aos percalços da
convivência humana.
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XIII - Sexta-Feira, 13
PASSADO o episódio do Estado de Sítio, parecia que o Presidente João Goulart
iria nortear o seu Governo mais para o predomínio do fato administrativo, sobrepondo-
se ao fato político que já consumira mais de metade do seu mandato. Seguiram-se
reuniões com os técnicos. Os Ministérios de Minas e Energia, Viação e Obras Públicas,
Educação, Saúde e Agricultura passaram a organizar planejamentos. Planos até
audaciosos, mas de reclamo de toda uma Nação em desenvolvimento. JK havia
sacudido o País de norte a sul com obras monumentais. Jânio Quadros foi apenas o
ético, consumindo todos os seus sete meses de Governo com inquéritos e bilhetinhos.
Em mais de um ano de governo parlamentarista, o Presidente não mareara nenhum tento
administrativo. Estava na estaca zero. Os conciliábulos políticos tomaram-lhe todo o
tempo. Não sobrava nada para despacho com os chefes de Serviço, nem para estudos
com os técnicos. Por toda a imprensa, comentaristas políticos, cronistas, observadores e
articulistas, via-se o fato político predominar totalmente.
A tônica do combate ao Presidente era a sua frouxidão administrativa. Procuravam
os oposicionistas impingir a idéia de que o Chefe da Nação era incapaz, primário,
preguiçoso e até analfabeto. Subestimavam uma figura de homem público que não era
nada daquilo. Inteligente, astuto, vivo, com imensa capacidade de audiência e outra
enorme de falar e de expor,o Sr. João Goulart pregou, realmente, sustos aos seus
inúmeros adversários. Sustos de verdade, com jogadas imprevisíveis, que pecavam
apenas pela sua falta de complementação, pela sua improvisação e falta de continuidade.
Sobretudo, pela sua imaturidade, pois o Presidente as lançava logo, sem que estivesse
armada ainda a alternativa para o êxito ou para o insucesso. Curioso no manuseio com
os políticos, com o fato político, com a própria administração, era ele lento,
demasiadamente demorado em qualquer solução definitiva! No jogo político, nas
cartadas, nos lances, era precipitado e jamais aguardava o amadurecimento da idéia!
Passou, de repente, o Sr. João Goulart, para estudos sérios da administração.
Lançou em pauta o aproveitamento das Sete Quedas do Iguaçu; planejou hidrelétricas
do extremo-norte ao sul; investiu no setor da agricultura, adquirindo numerosos tratores
e máquinas agrícolas; agitou o campo educacional com um programa intensivo de
alfabetização popular; traçou, na Viação, largo programa rodoviário que subia a
centenas de bilhões de cruzeiros; avançou sobre as refinarias particulares de petróleo;
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ampliou a assistência médica aos Estados, através de convênios pelo Ministério da
Saúde; abriu frentes
de luta contra a exploração e a carestia; abriu perspectivas para o magistério
primário, Polícia Militar e magistratura estaduais; convocou técnicos da melhor
categoria para o acerto das nossas dívidas externas, imprimindo novos rumos
econômicos e financeiros à nossa política externa.
Não saíam de sua cabeça, contudo, as reformas. Especialmente a agrária. A
princípio, pensava que, com um programa de obras tão arrojado, conseguiria uma
opinião pública embalada em torno das reformas, com reflexos intensos no Congresso
Nacional e debilitamento de toda a oposição.
Sem paciência para aguardar alguns efeitos da nova política de administração, o
Presidente começou a fazer pronunciamentos que provocavam não apenas a oposição,
mas assustavam seus próprios correligionários. As suas mensagens ao Congresso
Nacional, apesar de vazadas sem termos altos e respeitosos, colocando em pauta vários
problemas, sobressaltavam os partidos políticos. Mais ainda aumentava esse sobressalto
a versão que lhe davam vários intérpretes do plano político do Presidente. Dava-se
mesmo a impressão de luta aberta contra o Congresso. Pessoalmente, não. Nessas
ocasiões, o Presidente mantinha os melhores contactos parlamentares e a mim, apesar de
queixas dos líderes do PSD, sempre me fazia crer que, através de um grande movimento
pacífico de opinião, iria conseguir o apoio do Congresso para as suas metas reformistas.
Irritado com a iniciativa dos senadores, de prorrogação dos trabalhos parlamentares
nas férias natalinas, na presunção de um golpe do Governo contra as instituições
democráticas, o Presidente revelou todo esse estado de espírito, retirando-se de Brasília
para Petrópolis. Esvaziava-se Brasília não apenas dos seus Ministros e diretores de
Serviço, como dos próprios parlamentares.
Nesse clima e com essa tensão, o Presidente começou a planejar coisas. Primeiro
uma mensagem ousada ao Congresso, com todas as questões de reforma fixadas de
modo a despertar, nos parlamentares, a consciência da Hora Brasileira. Essa Mensagem
de início de sessão legislativa, em 1964, foi cuidadosamente preparada pelo “staff”
presidencial sem participação de qualquer dos Ministros, cuja colaboração foi a de
rotina, fornecendo elementos para a parte expositiva. O conteúdo político era segredo de
Estado. Só nas vésperas é que o Prof. Darcyi Ribeiro fez chegar exemplares, bem
encadernados, aos Ministros. Por muito tempo, a boataria campeou e se tinha a
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impressão de que coisa mais grave iria conter a Mensagem, lida, afinal, no Congresso,
sem maiores frissons.
Mas, para que o Congresso reabrisse suas portas para a nova sessão legislativa de
1964, num clima de tensão política, que o capacitasse a sentir uma opinião pública
definitivamente favorável às reformas, o Presidente programou um grande comício para
o Rio de Janeiro, ao qual se deviam seguir outros, em São Paulo, Minas, Pernambuco e
Porto Alegre. Queria o Presidente trazer para as ruas o povo em massa. Para isso, teve
que recorrer às esquerdas, minorias atuantes que sabem botar povo na rua. Do Estado de
Sítio para a frente, foi a primeira vez que o Presidente voltou a ter contactos com as
lideranças sindicais. Preparava-se um grande comício na Guanabara. Para dirigi-lo,
entretanto, na arregimentação e mobilização populares, voltou as vistas para José
Gomes Talarico e Gilberto Crockrat de Sá, antigos e leais amigos, que nada tinham com
o plano ideológico, mas se especializaram em atividades sindicais, a serviço
exclusivamente do Presidente.
O destino não podia fugir à sua ação e, nas marchas e contramarchas para a
marcação da data, muitas vezes fixada e várias desmarcada, foi assentada, afinal, para as
vésperas da instalação do Congresso. O prazo era curto, entre a idéia do comício e a sua
realização. Foi-se prorrogando, prorrogando, até que não havia outro jeito, sexta-feira,
pois o Congresso se instalava no sábado. E caiu ser 13, sexta-feira, justamente o dia de
o Presidente fazer a maior demonstração de prestígio e apoio popular que a história
política registraria. E essa sexta-feira, 13, já por si tão envolvida pela opinião pública
em mistérios e lendas, essa sexta-feira tão cuidadosamente evitada por milhões, essa
sexta-feira que desperta, até nos mais indiferentes, precauções e cuidados especiais,
passou a constituir a, pedra-de-toque da oposição no seu combate ao Governo. Criou-se,
em torno do comício, uma expectativa de crise, de golpe, de baderna, de amotinadas, de
quebra-quebra, de subversão geral no País. Na realidade, o desejo do Presidente era
demonstrar ao Governador da Guanabara que quem dispunha de povo era ele e, em
seqüência, marcar a presença do Presidente nas ruas de todo o País, até que a Nação
sentisse que o Congresso Nacional a ela se juntava, nos seus anseios reformistas. Era,
realmente, uma luta democrática, e as praças públicas são as grandes tribunas de onde as
vozes de uma nação sempre se alteiam aos seus homens públicos. Temê-las, receá-las,
impedi-las, fechá-las, seria a sufocação dos pulmões populares!
Todas as grandes conquistas do homem, os seus direitos e as suas liberdades,
partiram das praças públicas.
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A contrapropaganda, entretanto, se não conseguiu diminuir as proporções do
comício, criou um estado de espírito que se refletia, sem dúvida, mais intensamente, no
bloco militar antigovernista. A partir dessa sexta-feira, 13, a frente de oposição
galvanizou-se. A massa assustou, realmente, toda a reação como aumentou as
preocupações, seriamente, dos bem intencionados que achavam o País à beira da
comunização. Dessa sexta-feira para a frente, a luta teria que ser dura, áspera e muito
difícil. Faltou perspectiva ao Presidente, para compreender que qualquer falha, qualquer
deslize, qualquer gesto a mais ou a menos, que servisse de interpretação para o
transbordamento da gota no copo d'água, levaria tudo ao desastre total, tanto para o seu
Governo, como para as forças políticas que o sustentavam. Difícil é construir, mas fácil
é a tarefa de destruir.
Daquele dia em diante, a programação teria que se assentar na serenidade de uma
atuação vigilante, que não permitisse fossem os seus sucessos explorados nem
destorcidos por agitações ideológicas extremadas, capazes de dar a impressão de que as
esquerdas eram as donas da festa. A bandeira da reforma não poderia passar a outras
mãos e nem, tampouco, convinha deixá-la ser utilizada por lideranças dissociadas e até
rivais do Presidente.
Aquelas duzentas mil pessoas, que se comprimiam na praça pública, com o feijão
caro, com a carne cara, com o leite caro, com o arroz caro, com o pão caro, com tudo
caro, não iam agradecer nada, ainda, ao Presidente. Estavam ali confiantes de que as
coisas melhorassem com as reformas. Nem era, tampouco, uma multidão comunista
como a oposição quis fazer crer! Seria comunista demais numa praça pública, em um
País católico, onde as forças de esquerda, em eleições livres, jamais haviam conseguido
eleger bancadas numerosas. Aquela multidão acreditava em alguma coisa e o Governo
não poderia decepcioná-la. Aquelas legendas comunistas, que se liam entre inúmeros
cartazes, davam a presença dos seus adeptos, era verdade, mas o mar humano, que se
estendia de ponta a ponta do imenso logradouro que se abre entre a Estação da Central,
o Palácio da Guerra e a Praça da República, sufocaria todas as questões ideológicas e
esmagaria qualquer sectarismo político, porque ali estava por acreditar num Governo
que emanara do seu voto livre.
Lembro-me bem que, nessa noite, a convite do General Jair, que revelava cuidado
com a minha segurança pessoal, jantei com vários generais no Palácio da Guerra. Todos
eles estavam eufóricos e achando de grande beleza e significado democráticos o povo se
misturando, tranqüila e confiantemente, com os tanques e carros blindados, com a tropa
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maciçamente distribuída por toda a praça do comício. De cima, das varandas do Palácio
da Guerra, generais e inúmeros oficiais das três armas exultavam com o espetáculo
cívico. Uma mole humana, ordeira, pacífica, ao som de bandas de música, reunia-se na
praça, sob a proteção de um Exército que sempre foi das causas populares.
No ingresso à praça, momentos antes da chegada do Presidente, eu e os Ministros
Militares, sobretudo o General Jair, fomos todos delirantemente aclamados pelo povo.
Não fossem os cordões de isolamento dos PE do Exército, nenhum de nós chegaria
inteiro ao palanque. Um a um, fomos chamados à tribuna e as ovações populares eram
entusiásticas.
A participação dos Governadores Arraes, Seixas Dória e do Deputado Leonel
Brizola, ao invés de indicar a coloração vermelha do comício, mostrava que eles, como
líderes populares e com mandatos populares, apesar de todas as restrições ao Presidente
e de todas as mágoas e queixas, vieram de longe para não se perderem no conceito das
massas. Na realidade, ali, o grande denominador comum, que somava gregos e troianos,
era Jango! O seu nome era o alvo. O seu discurso, a voz de comando.
Dificilmente se podem controlar discursos de improviso e muito mais ainda de
líderes que não ouvem a ninguém e nem acham ninguém acima de suas cabeças.
Na verdade, em que pesem os destemperos de linguagem de vários e a
incontinência política de alguns, o espetáculo era essencialmente democrático e o seu
sentido indicava ao Presidente rumos de equilíbrio, de prudência e de bom senso. O
Governo tinha povo e o Governo tinha força armada. Tudo sincronizado, e não para a
seqüência de agitações estéreis e nunca para radicalizações que jamais foram bem
entendidas ou compreendidas pelo povo. O próprio Presidente me dizia, ainda
empolgado pelo acontecimento, que aquela massa frenética ali estava mais pelo
combate ao custo de vida, mais pelo tabelamento de aluguéis, mais pela prisão dos
exploradores da bolsa do povo, mais pela luta a seu favor em termos concretos e
objetivos do que pelas reformas de base, pela temática ideológica, pelos refrãos dos
pregadores nacionalistas de extrema esquerda. Aquela massa, me dizia Jango, ali estava,
porque confiava no seu Governo, para minorar o seu sofrimento e assegurar-lhe
condições mais dignas e mais humanas de existência.
E o que impressionou a todos foi a ausência de qualquer fato desprimoroso da
conduta popular. Nenhum incidente se verificou e a ordem foi absoluta.
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Contrariando todos os prognósticos, a massa se dissolveu ordeiramente, indo para a
casa distante, sem provocações e revelando disciplina e compreensão. Emprestara maior
significação, ainda, ao acontecimento.
Do fato, porém, outras interpretações abundaram. A direita se sentiu frustrada, e até
ameaçada, e a extrema esquerda se superestimou, esquecendo a força aglutinadora de
Jango, para se considerar já tão forte que talvez pudesse ultrapassar o Presidente. E o
acontecimento, ao invés de servir de base de sustentação ao Governo, serviu como tema
divisionista, enquanto as forças de oposição dele se serviam para se unirem e se
alinharem na conspiração.
O que ocorreu no Sindicato dos Metalúrgicos e no Automóvel Club mostrou o
quanto se superestimaram as lideranças radicais e como alimentaram a oposição, num
temário que não saiu mais das manchetes dos jornais e das edições extraordinárias dos
jornais falados!
O Presidente João Goulart dormiu sob os louros de uma noite de massas
empolgadas pelo seu Governo e não ouviu os tropéis de uma cavalgada que partia dos
setores que se assustaram, incentivados por um jogo político que vinha de muito longe,
que vinha desde quando, pela primeira vez, depusera, Getúlio Vargas.
Sexta-feira, 13, mareou a caminhada do Presidente pelo Poder. Levou-o ao delírio
de uma glória efêmera, ao mesmo tempo que o jogou no ostracismo de um exílio, ele
que, por sua vez, subestimou os seus adversários e julgou invencíveis os sentimentos
populares.
Sexta-feira, 13, mais uma vez se fortalecia na superstição popular e mais uma vez
mostrava que os antigos tinham razão quando afirmavam – não acredito em bruxas, mas
que elas existem,existem!
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XIV - Começo do Fim
MANHÃ de quarta-feira (Semana Santa), sou chamado, com urgência, ao Palácio
das Laranjeiras. Pareceu-me, pelo movimento, que o Presidente tomava providências
que o permitissem ausentar-se do Rio por alguns dias. Era desejo do Presidente deixar-
se ficar em.São Borja até Domingo de Páscoa.
Também este era o meu desejo. Antes de sair de casa, já havia combinado com a
minha mulher e alguns casais amigos, marcando-se um almoço em Corrêas, na casa de
um dos meus conterrâneos da Paraíba, favorecido pela sorte, que nos prometia peixada
gorda e tranqüila. Na quarta-feira mesmo, meu conterrâneo subira com a esposa para
Corrêas, levando os peixes e os condimentos necessários. Teria muito que esperar, uma
vez que os acontecimentos se encarregariam de alterar todos os nossos planos de uma
Feliz Páscoa.
Contrariando o habitual, o Presidente não se achava com uma fisionomia muito
boa, isto é, tranqüila e confiante. Estava algo preocupado e conversando muito
amiudadamente com o General Assis Brasil. Darciy Ribeiro participava, vez por outra,
desses conciliábulos. Algo estava contrariando o Presidente e algo teria que ser
determinado lá não muito do seu agrado.
Lá para meio-dia, convocado pelo Presidente, compareci ao seu gabinete
improvisado no Palácio das Laranjeiras (não há palácio mais impróprio para despacho
administrativo). Contou-me o Presidente que o Ministro da Marinha, Almirante Sílvio
Motta, estava em crise na sua Pasta. Disse-me que mais de vinte mil marinheiros
rebelavam-se contra determinações do Ministro. Falou que já, por várias vezes,
recomendara ao Ministro evitar choques com a Associação dos Cabos e Marinheiros, e
procurasse contornar, pois se já o Governo não dispunha do almirantado, não poderia
perder a simpatia dos inferiores. Disse-me, por fim, que naquele dia, à noite, iria
realizar-se uma reunião comemorativa do 2º aniversário de fundação da Associação, no
Sindicato dos Metalúrgicos. Iriam comparecer para mais de quinze mil marinheiros,
segundo informações seguras. Ele não poderia comparecer, em face dos atritos
ocorridos entre o Ministro da Marinha e os marinheiros, dos quais já haviam resultado
algumas prisões que, por sinal, estavam contrariando muito o Presidente.
Pediu-me o Presidente para representá-lo, na solenidade, falando em tom de
conselheiro e de amigo. Fez-me recomendações várias, todas nesse sentido. Por
momentos, repetia até o que teria eu de dizer aos marinheiros.
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Levantou-se em seguida e foi andando pelo Palácio afora, numa escalada entre
amigos que terminou no aeroporto, rumo a São Borja.
Em seguida, Dareyi Ribeiro me explicava mais minuciosamente o problema da
Marinha, que não me pareceu de fácil solução. Inclusive, achei, pela exposição do chefe
da Casa Civil, que a minha presença na reunião não seria muito aconselhável nem
política. Apesar do entusiasmo de Dareyi Ribeiro pela reunião e pelo meu
comparecimento representando o Presidente, confesso que saí do Palácio das
Laranjeiras meditando muito sobre o assunto. Dirigi-me de imediato ao Almirante
Cândido Aragão. Apesar de toda a sua fama, encontrei-o cordato e também contrário à
reunião, mas esclarecendo que não tinha mais força para impedi-la. Censurou, também,
o Ministro Sílvio Motta por não ter sabido dialogar com o que chamava ele a moçada a
moçada, achando ainda um erro as últimas prisões verificadas.
Falei dialeticamente com o Almirante Aragão. Disse que aquela reunião não
capitalizaria nada para o Governo nem renderia, politicamente, nada para a sua a sus
moçada. Disse, em tom eloqüente, que ela iria servir para mais uma campanha contra o
Presidente e que o esvaziamento do Almirante Sílvio Motta era um erro, pois até aquela
data tinha sido ele curtíssimo corretíssimo, disposto, leal e atuante – ainda há alguns
dias o Presidente havia participado, com o maior entusiasmo, das homenagens prestadas
ao Ministro por milhares de servidores do Arsenal de Marinha. Em tom até veemente,
cheguei a dizer que, se ele, Aragão, era líder mesmo, devia impedir a reunião. Não
compreendia que a a moçada não ouvisse ninguém, pelo que, assim, acrescentei eu, não
teriam eles direito a querer o nosso apoio e a nossa compreensão. Aragão respondia
sempre que a coisa chegara a um ponto que não dava mais para uma ação conciliatória
dele. Não tinha mais autoridade para isso. Disse-lhe para procurar o cabo Anselmo cabo
Anselmo (um menino) e outros dirigentes, inclusive líderes sindicais e deputados que
davam cobertura às reivindicações dos marinheiros. Andamos de ceca em meca e não
foram encontrados os protagonistas da crise da Marinha. Fui com o Almirante Cândido
Aragão ao Ministro da Marinha. Entrei no gabinete de Sílvio Motta, sozinho. Aragão
ficou na chefia do Gabinete.
Ouvi toda a história oficial da chamada crise. O Ministro Sílvio Motta se mostrava
confiante de que podia debelá-la. Disse-me que não compareceriam nem quinze nem
vinte mil à noite e sim uns mil. Disse-me que várias das reivindicações (casamento,
vestir à paisana fora do serviço, melhoria de salários – um marinheiro fazia de quatro a
cinco mil cruzeiros por mês –, reconhecimento dos estatutos da Associação com
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pequenas modificações) já estavam aceitas e me mostrou estudos reservados, realizados
pelo seu “staff”, e que indicavam o atendimento daqueles pontos. Explicou que não
seriam atendidas de imediato, porque, primeiramente, teria que ser mantida a disciplina.
Mostrou-se inflexível e, ao ser indagado por mim sobre o meu comparecimento à
reunião, foi compreensivo, mas muito lógico, dizendo-me que iriam sair críticas à sua
gestão, na minha presença, e que, naturalmente, iriam constranger-me não apenas como
seu amigo mas como membro do Governo a que ambos servíamos.
Durante toda a tarde, ainda promovi “démarches” e entendimentos para evitar a
reunião. Havia o propósito deliberado de fazêe-la. Devia haver interessados na
substituição do Ministro da Marinha. Devia haver algum irresponsável atuando pelos
bastidores. Devia haver inocente sendo manobrado. Devia haver muita coisa, mas o fato
é que, sob todos os aspectos em que examinava o problema, mais me parecia um erro a
reunião. Um erro maior a presença de qualquer Ministro lá e, muito mais ainda, a
minha, como titular da Justiça e que seria interpretada como a própria presença do
Jango. Só me preocupava o número de manifestantes que iriam, comparecer ao
Sindicato. O argumento era de que o almirantado já era contra Jango, por isto não se
podia perder a moçada a moçada que era toda da legalidade e do Jango.
Senti em tudo, também, o dedo da exploração eleitoral. Os marinheiros não
votavam, mas suas famílias, amigos, parentes e aderentes votavam. Era um colégio
eleitoral carioca a ser disputado por deputados ativos e atuantes.
O CGT também queria ser dono da bola para conquistar prestígio para os seus
quadros e, assim, fortalecer os seus líderes.
Os marinheiros eram uma presa de guerra política. Não há a negar que focos de
infecção estavam já, há tempo, provocando todo esse quadro.
As constantes demonstrações de indisciplina de oficiais superiores, como no caso
da nomeação e promoção do Almirante Aragão, a atuação do ex-Ministro Sílvio Heck,
as constantes publicações de manifestações hostis ao Governo, tudo isto estimulou a
marujada, que devia estar sendo trabalhada com igual intensidade, de fora para dentro.
Não é à toa que se leva, para uma situação como aquela que se verificou no
Sindicato dos Metalúrgicos, uma juventude garbosa e que constitui orgulho da Pátria
nos conveses dos nossos navios de guerra!
À noite, deixei-me ficar em casa de prontidão, de ouvido colado aos telefones,
enquanto observadores pessoais meus compareciam ao Sindicato dos Metalúrgicos,
informando-me dos preparativos da reunião e, depois, de suas fases iniciais. As
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informações previam um grande comparecimento. Indicavam, entretanto, discursos
violentos. As previsões eram pessimistas. Consegui, ainda por intermédio dos meus
observadores, falar com vários líderes da reunião, civis e militares. Fiz apelos, mostrei
que era uma reunião sem desdobramento, como num processo reivindicatório, salientei
que o Governo não poderia ficar com a indisciplina e disse, ainda, da disposição do
Ministro Silvio Motta para o entendimento, desde que as armas fossem ensarilhadas.
Não houve jeito. Os ouvidos estavam fechados à razão. Pressionavam até o Governo,
com a convicção de que entre almirantes do contra e uma marujada a favor, o Governo
não teria mais do que escolher os que contavam com o apoio sindical, para uma greve
geral, no caso de conseqüências mais graves da reunião. De nada adiantaram para os
líderes os meus últimos argumentos, de que tudo aquilo vinha somar mais dificuldades
para o Governo, fortalecer o inimigo comum na exploração do dia seguinte e levantar
novas forças contra nós, como “slogan” da inquebrantabilidade da disciplina. Foram
palavras ao vento...
Todo o sossego de uma Semana Santa foi devorado pelos insensatos e por uma
juventude mal conduzida.
Pela manhã cedo de Quinta-Feira Maior, já coisas mais graves se juntavam aos
acontecimentos do Sindicato dos Metalúrgicos. Um médico, responsável e muito meu
amigo, procurava-me para dar-me notícias intranqüilizadoras para a segurança do País.
O Ministro da Guerra, que se havia internado na segunda-feira da Semana Santa, na
presunção de voltar para casa e ao despacho normal no fim da semana, tinha sofrido
acidentes operatórios, em função do que os prognósticos mais otimistas davam-lhe trinta
dias de pós-operatório se não ocorressem novos imprevistos.
Comuniquei cedo, nesse mesmo dia (Quinta-Feira Maior), a Dareyi Ribeiro e a Riff
(Raul secretário de imprensa da Presidência da República) todo o ocorrido. Lembro-me
que entre os atropelos que se seguiram nesse dia, Raul Riff dizia: – “Seu Jurema,
estamos fritos, o Presidente fora (São Borja), o chefe da Casa Militar (General Assis
Brasil), em Porto Alegre, o Ministro da Marinha de missionário e, ainda por cima, sem
Ministro da Guerra!”
Tivemos um dia cheio de dificuldades. Vários foram os entendimentos com o
General Morais Âncora, comandante do 1º Exército. Providências acauteladoras da
ordem foram adotadas. Sentia -se, a todo instante, a falta do General Jair Dantas Ribeiro,
hospitalizado no Hospital dos Servidores do Estado.
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O Ministro Sílvio Motta, preocupado e muito justamente ferido no seu orgulho de
chefe da Marinha, procurava o apoio do Exército para abafar o movimento indisciplinar.
Fuzileiros mandados para o Sindicato haviam aderido ao movimento, jogando as armas
fora e ingressando no recinto do Sindicato para se unirem aos manifestantes. Impossível
ao Exército entrar numa operação limpeza, que se aligeirava afigurava sangrenta, contra
companheiros de outra arma. A situação se tornava extremamente delicada e, a meu ver,
sem solução conciliatória mais, naquela altura. Alguém teria que se arranhar,
descapitalizar-se, perder substância popular. Seria o Presidente João Goulart. Os limites
toleráveis já haviam sido alcançados. Não mais poderia o Presidente dialogar com uma
tropa que já não obedecia aos seus superiores.
Várias reuniões de Ministros se seguiram. Oficiais da Aeronáutica também
compareciam, procurando ajudar numa solução. Lembro-me bem que o Cel. Lino
Teixeira, que era sempre um juscelinista doente e um janguista ortodoxo, dizia a todo o
momento: – “Qualquer que seja a solução, não esqueçam, é sagrada, e até rudimentar, a
disciplina”. Creio que foi do Cel. Lino a primeira idéia de conduzir presos os
marinheiros para os quartéis do Exército, pois o ambiente entre oficiais e tropas, na
Marinha, não era muito animador nem inspirava confiança.
A noite de quinta-feira ia alta e toda gente esperava pelo Presidente João Goulart
que já havia partido de São Borja, com escala em Porto Alegre.
Em todo esse cipoal, ninguém havia compreendido como era que o General Assis
Brasil, chefe da Casa Militar, havia viajado na madrugada dessa quinta-feira agitada,
deixando atrás de si um mundo turbulento, na vã esperança de uma Ppáscoa tranqüila no
Rio Grande...
Chega, afinal, o Presidente. Toda a noite de Quinta para Sexta-Feira Santa foi gasta
em conferências sucessivas – do Ministro da Marinha de missionário (Silvio Motta) ao
Ministro da Marinha novo (Paulo Mário).
Nas aparências, a solução do Presidente parecia justa e a única. Remoção dos
marinheiros sublevados para os quartéis do Exército, abertura de inquérito e regresso ao
trabalho de todos oficiais e marinheiros, no início da próxima semana, segunda ou terça-
feira.
Assisti à posse do Almirante Paulo Mário e o comparecimento de quase todo o
almirantado me tranqüilizara. Parecia que o Presidente havia acertado na escolha e na
hora precisa. De regresso ao Palácio das Laranjeiras, essa também era a impressão de
todos, inclusive a do próprio Presidente.
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Tinha-se a impressão de que, afinal, iria reinar paz na Semana Santa. Regressei
para casa, no começo da noite da Sexta-Feira, com a convicção de que a tempestade
havia passado.
Alguns telefonemas de repórteres me indicavam, mais tarde, que o ambiente
voltava a agitar-se. Haviam sido libertados os marinheiros que se achavam nos quartéis
do Exército e já realizavam passeatas rumo ao Ministério da Guerra.
Confesso, não entendi nada a esta altura. Voltei ao Palácio das e Laranjeiras e todas
as explicações diziam que o Almirante Paulo Mário havia anistiado gregos e troianos,
num licenciamento geral, para, na próxima semana, apurar as responsabilidades. Na
manhã do sábado, estive longamente com o Ministro Paulo Mário. Tinha
recomendações do Presidente João Goulart para explicar, pela televisão, toda a decisão
do Governo. O instituto da anistia era vitorioso no Brasil, pois que nunca fora de penas
eternas. Vários exemplos me foram alinhados, inclusive o da anistia concedida pelo
Ministro Pedro Paulo de Araújo Suzano aos oficiais generais que haviam devolvido
condecorações. Falou-se na anistia que Juscelino Kubitschek concedera aos sublevados
de Jacareacanga, logo no dia seguinte às últimas prisões, sem que, ao menos, tivesse
sido aberto inquérito.
Apesar de preocupado, pareceu-me razoável a atitude do Ministro da Marinha, cuja
figura me inspirava confiança pela sua serenidade e, sobretudo, pela sua firmeza.
Mas, ao sair do Mministério, já os jornais publicavam clichês de Aragão e Suzano
à frente de marinheiros, que realizavam passeatas pelas ruas da cidade. A repercussão,
realmente, em toda a cidade era a pior possível. Ninguém entendia a pressa na libertação
dos marinheiros que não chegaram a passar mais que horas nos quartéis do Exército.
Muito menos compreendia alguém que tudo fosse comemorado festivamente, como
faziam crer os noticiários da imprensa e do rádio.
O Presidente João Goulart a mim disse que havia determinado as prisões dos
Almirantes Cândido Aragão e Suzano, em face das fotografias publicadas, apesar, dizia-
me o Presidente, de o Ministro da Marinha haver explicado que aqueles oficiais-
generais haviam deixado o Ministério por ordem sua para encontrarem a massa de
marujos na Candelária e evitarem a sua vinda maciça ao Ministério. Tudo isso fez voltar
intranqüilidade, desconfiança e apreensões em todos os círculos oficiais. Ninguém se
sentia seguro.
Jantando num restaurante da cidade, na noite do sábado, com a minha família e
amigos, fui abordado pelo Cel. Lino Teixeira. Estava furioso. Havia tido um choque
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com o próprio irmão, Brigadeiro Francisco Teixeira. Não compreendia a solução e me
dizia, expressamente, que o que ele estava sentindo, de revolta, de mal-estar e de
surpresa, todo o mundo militar janguista estaria também. Salientou que o Governo.havia
perdido substância total no seu dispositivo militar. Ele que era um ortodoxo, que havia
sido preso pelos mesmos oposicionistas de hoje e que ontem negavam a posse ao Sr.
João Goulart, ele que tinha um irmão num dos postos-chave do dispositivo militar (3ª
Zona Aérea), ele que lutaria até ontem com armas na mão ao lado do Presidente e das
reformas, hoje não titubearia em lutar ao lado de Carlos Lacerda para manter a
disciplina, que, a seu ver, havia sido violentada irreparavelmente.
Impressionou-me o Cel. Lino Teixeira e nunca mais pude esquecer a sua
advertência: “Seu Jurema, a causa é tão ingrata que você, que eu sempre escuto um
agrado na televisão, não estava, no programa de hoje, nem convincente nem convicto da
tese que defendia...”
Se o Cel. Lino, que era um janguista politizado assim estava, podia bem imaginar
outros.setores apenas de simpatizantes!
No domingo, almoçava eu com generais do dispositivo militar do Presidente, no
Rio. Todo inquietos com a ausência do General Jair, do Ministério. Faltava comando e
as noticias de Minas já indicavam que o Governador Magalhães Pinto estava à frente de
um movimento, pelo menos, naquele momento, de opinião. hHavia reformulado o seu
secretariado, integrando-o com figuras nacionais mineiras, como Alkmim, Milton
Campos e Afonso Arinos.
Era voz unânime: em tempo de paz, Jair poderia ser substituído interinamente pelo
Ministro da Aeronáutica, Anísio Botelho, que teria livre trânsito no Exército. Acontece
que já começava a soprar fumaça de guerra e todos achavam que o Presidente teria que
quebrar o seu natural constrangimento e designar um general para Ministro Interino. A
Guerra não podia ficar sem comando na hora da guerra. Era doutrina mansa e pacífica.
Não sei se o Presidente subestimou os acontecimentos ou se seu sentimentalismo
foi maior do que o seu senso da realidade. A verdade é que, ainda hoje, aguarda alta no
Hospital, o General Jair Dantas Ribeiro. Tudo, aliás, dentro dos prognósticos do
médico, que transmiti ao Presidente. O Presidente foi deposto e nunca foi designado um
Ministro substituto. Vencera em Jango o sentimentalismo. Sem querer ferir as
suscetibilidades do General Jair, deixou o barco militar sem direção. Os quatro exércitos
ficaram, exclusivamente, ao arbítrio dos seus comandantes, que não tinham com quem
se entender nos acontecimentos que se sucederam.
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Com Jair Dantas Ribeiro no leme, talvez não tivesse regressado aos navios, com
tanta rapidez, a marujada sublevada. Talvez a crise da Marinha não tivesse atingido
aquelas proporções. Com Jair Dantas Ribeiro no comando, os campos de batalha teriam
tomado outra conformação e a legalidade seria mais uma vez salva, ainda mesmo por
um preço alto. O Presidente, talvez, tivesse tido outra decisão e a disciplina preservada!
O destino tem mais força do que os seus participantes. Os acontecimentos envolvem os
homens. Só grandes figuras, na hora exata, podem alterar, com um gesto, o curso da
História. São, entretanto, homens carlylianos, que surgem de cem em cem anos.
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XV - Entreato
O RESCALDO da crise da Marinha fumegava ainda. Toda a imprensa da
Guanabara e do País, rádios e televisões, a opinião pública ainda tonta, tudo ainda
estava revolto e sem maior explicações, e, já na segunda-feira após a Semana Santa,
novo acontecimento fora programado para o Automóvel Club. É bem verdade que a
festa dos sargentos já estava marcada e sem conexão com os acontecimentos da
Marinha, mas ninguém poderia dissociá-los, agora, na opinião pública.
Em meio a tudo isso, as notícias de Minas Gerais eram intranqüilizadoras.
Magalhães Pinto havia reformulado o seu secretariado, convocando figuras nacionais
para integrá-lo. Corriam notícias, por toda parte, de idas e vindas de Magalhães Pinto a
Juiz de Fora e de Mourão Filho (General Comandante das Tropas Federais mineiras) de
Juiz de Fora a Belo Horizonte. Já havia rebuliço nas ruas de Belo Horizonte. Prisões
efetuadas de líderes operários, gasolina requisitada, transportes requisitados,
mobilização da Policia Militar, abertura de voluntariado, todo um estado de guerra, em
Minas Gerais, já era um fato consumado para os observadores mais imparciais.
No Palácio das Laranjeiras reinava relativa tranqüilidade e o Presidente João
Goulart, ao ser interrogado, por mim, sobre os fatos que corriam, sobre a situação do
Estado de Minas Gerais, me respondia que havia muito boato... A preocupação do
Presidente e de todo o seu Gabinete Militar era a concentração de sargentos e cabos no
Automóvel Club. Notícias chegavam, a todo instante, de que o número de participantes
iria ultrapassar vinte mil. Ninguém fazia conta do tamanho do Automóvel Club. Às
perguntas mais indiscretas e realísticas, respondiam que era bom que a massa de
sargentos e praças represassem pelos jardins do Passeio Público. Optantes da Polícia
Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros da Guanabara também iriam comparecer.
A preocupação do Gabinete Militar da Presidência da República não era com vistas
aos acontecimentos de Minas Gerais. Dominava a todos a preocupação de não faltar
transporte para os manifestantes.
Enquanto Mourão Filho, Carlos Luis Guedes e Magalhães Pinto punham já a tropa
na rua, para marchar para o Rio de Janeiro, e se articulavam com Adhemar de Barros no
sentido de que as tropas de São Paulo, simultaneamente, convergissem para o mesmo
objetivo, o General Assis Brasil e toda a oficialidade da Casa Militar da Presidência
consumiam as melhores horas de articulação e vigilância não na defesa do Governo,
85
mas no empenho de ser realizada, no Automóvel Club, uma manifestação
consagradora...
O quadro me fazia lembrar uma situação semelhante em João Pessoa, na Paraíba,
embora sem a gravidade dessa. Véspera de eleição. Nós, do Partido Social Democrático,
nos achávamos tão eufóricos com a vitória, na eleição, no dia seguinte que, já à noite,
nos reuníamos nos bairros, em churrascos cívicos, comemorando a sagração dos nossos
candidatos, enquanto os adversários udenistas se esparramavam pelo, bairros
distribuindo chapas eleitorais dos seus candidatos, rasgando as nossas e substituindo-as
pelas deles... Entre o nosso churrasco e o trabalho dos adversários, não houve outro
caminho para a decisão das urnas. Perdemos...
Uma voz cheia, enérgica, serena mas sincera, em tom até dramático, fazia-se ouvir
no apartamento privado do Presidente. Reunidos a ele apenas o autor, Samuel Wainer,
Raul Riff, General Assis Brasil, Jorge Serpa e Amaury Silva. Era Tancredo Neves que
aconselhava o Presidente a não comparecer à reunião, acrescentando que seria uma
provocação, sobretudo depois dos acontecimentos da Marinha, que ainda não estavam
com a sua situação resolvida. Sustentava o líder do Governo, na Câmara dos Deputados,
que a conduta do Presidente, naquela hora, teria que somar e nunca que criar condições
polêmicas que pudessem ser exploradas por uma imprensa que estava lançando muita
lenha na fogueira de uma guerra civil. Salientava Tancredo Neves que motivos havia -os
de sobra para o Presidente desculpar-se a não comparecer. A crise na Marinha era o
argumento razoável e suficiente. Um representante autorizado, com um discurso
eloqüente, daria a presença do Presidente e evitaria conseqüências imprevisíveis.Além
do mais, o General Jair Dantas Ribeiro - que teria aprovado a reunião e compareceria -
achava-se hospitalizado e o seu estado de saúde, irão sendo bom, seria um pretexto a
considerar,para justificar-se a ausência do Presidente. Só compreendia o
comparecimento do Presidente a uma reunião como aquela, numa luta armada, em que
dali saíssem tropas para o combate, pois teria ela o sentido de galvanizar as forças da
legalidade. Mesmo assim, só se o Presidente comparecesse já com todo o seu Estado
Maior militar, como se já estivesse numa campanha. Tancredo Neves até se expôs aos
desagrados do Presidente. Apesar de toda a intimidade entre ambos, sentia-se que o
Presidente estava algo incomodado, pois logo mais se retirava para uma sala e não via
mais o seu líder na Câmara dos Deputados.
Todos concordavam, discretamente, com a tese de Tancredo Neves. Ninguém
sabia, entretanto, o que se iria se desenvolver dali por diante e, por isso mesmo,
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aguardavam, com impaciência, a palavra do General Assis Brasil. De fisionomia
carregada, o chefe da Casa Militar pronunciou algumas palavras incisivas, afirmando
que ninguém, na Presidência da República, tivera um dispositivo militar como o Sr.
João Goulart. Salientou ainda que a manifestação tinha o concordo de todos os
Ministros Militares, que a ela iriam comparecer. Ainda ouço as palavras proféticas de
Tancredo Neves: – “Deus faça com que eu esteja enganado, mas creio ser este o passo
do Presidente que irá provocar o inevitável, a motivação final para a luta armada!”
Daí para adiante, os telefones não paravam. As primeiras notícias do Automóvel
Club eram desanimadoras. Havia pouca gente. Surgiam as explicações de que o pessoal
da Vila Militar não havia chegado ainda. Esclareciam que tinha havido dificuldades de
transporte. Falavam em sabotagem. Diziam que alguns comandantes de tropas tinham
criado dificuldades ao comparecimento dos sargentos e cabos à reunião. Alegavam,
ainda, que os promotores da reunião não se haviam organizado devidamente.
Ninguém falava da necessidade de a tropa ficar de prontidão em face das noticias
alarmantes de Minas Gerais. Ninguém falava mesmo na situação de Minas Gerais.
Dominava a todos a perspectiva de êxito ou fracasso da manifestação.
Era tal o otimismo com relação ao dispositivo militar do Presidente da República,
que muitos exclamavam que era ótimo mesmo que os inimigos botassem a cabeça de
fora para serem esmagados. Só assim, saberia o Governo com quem contaria para a luta
das reformas...
Afinal, já 20 horas, veio o sinal de partida. O Automóvel Club estaria superlotado.
Todos os Ministros presentes, eu, Oliveira Britto, Wilson Fadul, Expedito Machado,
Paulo Mário, Anísio Botelho e Oswaldo Lima Filho iríamos na frente. Aguardaríamos o
Presidente já na mesa diretora da reunião.
A chegada dos Ministros ao Automóvel Club foi contagiante. Grande massa, à
entrada, nos aplaudia a todos. Da porta principal à mesa central, as aclamações não
pararam. Havia mesmo delírio nos aplausos. Sentia-se a confiança de todos os presentes
nos auxiliares do Presidente João Goulart. Comovi-me até com as aclamações nominais
que me faziam. Só o Almir ante Aragão me vencera nos aplausos.
Era evidente, entretanto, que ali não estavam mais de dois mil sargentos e cabos,
pois todo o salão repleto indicava a presença de numerosos civis e inúmeras famílias.
Era uma grande reunião, mas não teria o significado que a ela se queria emprestar, de
fazer sentir aos adversários que vinte mil sargentos e cabos estavam ao lado do
Presidente João Goulart contra a reação.
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No Automóvel Club não caberiam vinte mil sargentos e cabos, nem tampouco as
guarnições da Guanabara poderiam esvaziar-se de sargentos e praças, sobretudo com os
ventos de guerra soprando das montanhas mineiras. Creio até que generais bem
advertidos, apesar de amigos leais do Presidente, autorizaram o comparecimento só de
parte dos seus graduados, reservando-se para uma eventualidade.
Notei a ausência de oficiais- generais das três armas. Oficiais generais amigos e
decididos, que conhecia e que não se achavam ali. Alguns amigos também estranharam.
Pensei que todos deviam estar à frente de suas tropas, mas, ao mesmo tempo, num
almoço no dia anterior, Domingo de Páscoa, tinha estado eu até com comandantes de
tropas do Sul, que aqui se achavam, passando tranqüilamente a Semana Santa ... E que
Semana Santa tranqüila havíamos passado! Sublevação de marinheiros, regresso
inopinado de Jango, do Rio Grande, reuniões sucessivas até de madrugada, trabalho sem
cessar durante o dia e a noite, a semana inteira! Não obstante, algumas guarnições do
Sul estavam sem seus comandantes, que passavam a Páscoa na Guanabara...
Falaram vários oradores. Monótonos uns, exaltados outros, objetivos poucos, mas
tudo num ambiente de contagiante entusiasmo. Tudo tinha o calor e o aspecto de uma
marcha para a vitória. Comandantes leais dispondo de inferiores daquela têmpera,
generais amigos com uma juventude daquela nos quartéis, ninguém teria coragem de
enfrentar o Presidente.
Escalado para falar, enchi-me de entusiasmo e de confiança num Governo que
tinha massa, dispunha de tropa leal, aguerrida e entrosada com seus princípios e que
ainda possuía o maior trunfo para uma luta, que era a legalidade.
Com o povo, com as Forças Armadas e com a legalidade, não haveria o que temer!
Na cabeça do Presidente deviam estar também estas razões. A sua fala foi forte,
entusiástica e até parecia uma palavra de ordem para medidas conseqüentes no campo
das reformas. Falara como um chefe que dispõe de tropas invencíveis.
Sempre observei que, por duas coisas, o Presidente não escondia a sua paixão: o
povo e a Força Armada. Em qualquer oportunidade, deixava ele qualquer ambiente para
se deixar ficar horas em palestra com um general amigo. Nas manifestações públicas,
quer em recinto fechado ou aberto, os responsáveis pela sua segurança pessoal
passavam aperturas. O Presidente se, deixava envolver pelo povo, com um riso de
satisfação que o dominava inteiramente, fazendo-o esquecer outro compromisso já
marcado pelo seu dedicado Eugênio Caillard.
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Naquela noite, como na sexta-feira, 13, o Presidente da República estava entregue
ao seu próprio destino e à sua vocação. Era todo povo e todo Força Armada.
Lembro-me, entretanto, da fisionomia carregada do General Bomtempo, chefe do
Gabinete do Ministro Jair Dantas Ribeiro e seu substituto eventual já há alguns dias,
como também do ar inquieto do Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Anísio Botelho,
quando o cabo Anselmo – mal saído da sublevação da Armada, foi levado por um
graduado das Forças Aéreas até a tribuna, recebendo as palmas delirantes de toda a
assembléia.
Era visível o constrangimento de muitos de nós que estávamos sentindo que a
presença do Anselmo era contraindicada naquele instante. Associava, mais ainda, à
reunião dos acontecimentos da Marinha. Estava ainda aquele inferior da Marinha em
vésperas de responder a inquérito e ali se achavam o Presidente da Republica e o
Ministro da Marinha.
A situação foi tão incômoda que logo o retiraram do lado do orador, levando-o para
o fundo do palco. O cabo Anselmo ainda não havia baixado à terra. Estava sublimado.
Parecia fora da terra. Dava, sem dúvida, a impressão nítida, de quem não tinha preparo
nem condições psíquicas e intelectuais para viver aquela posição de herói, em que o
haviam colocado até mesmo a imprensa que combatia a sublevação dos cabos e
marinheiros.
Ninguém tinha dúvida de que se o Presidente havia comparecido àquela reunião, se
havia pronunciado discurso tão veemente e forte nas suas adjetivações de endereço certo
e se contava, naquela ocasião, com dispositivo militar de segurança tão ostensivo,
ninguém tinha a menor dúvida de que os adversários do Governo estariam, àquela hora,
desarvorados. Teria pois razão o General Assis Brasil: nenhum Presidente da República
tivera, até os dias correntes, um dispositivo militar tão poderoso!
Estávamos, apenas, há quarenta e oito horas do desmoronamento desse dispositivo
do modo mais espetacular que já se realizara na República Brasileira!
oObviamente, aquela massa saiu dali até mais confiante do que o próprio Jango.
Dificilmente, nós, Ministros, conseguimos tomar os nossos automóveis. Perdemo-nos,
uns dos outros, nos braços do povo. Reunimo-nos, mais tarde, em um restaurante da
cidade, que, por sinal, estava repleto de simpatizantes da causa do Governo. Todos nós
recebíamos cumprimentos e acenos cordiais de congratulações. Havia, em todos,
entusiasmo e muita confiança no futuro. O povo, realmente, estava do nosso lado e
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esperava do Presidente ação a seu favor no campo das suas reivindicações mais caras e,
sobretudo, no combate aos seus exploradores.
No fundo, entretanto, de cada um de nós e a fisionomia do Ministro Oliveira Britto
não escondia – havia uma dúvida, uma desconfiança. Uma grande interrogação presidia
a todos os nossos pensamentos.
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XVI - Ato Final
MANHÃ cedo de terça-feira, 31 de março. Os jornais não deram tempo para uma
melhor reflexão. Páginas inteiras ampliavam a seu modo, de acordo com a linha política
de cada um, os acontecimentos do Automóvel Club, juntando-os aos da Marinha. Era
muito barulho de uma só vez sobre a frente governista. De Minas continuava a soprar o
vento da revolta. As notícias se amiudavam, em nada favoráveis para a situação
governista.
Telefonemas de amigos inquietos davam conta do clima de agitação e de apreensão
reinante. Ninguém estava tranqüilo. Os mais confiantes nos então poderosos
dispositivos governamentais, os mais radicais até em favor de programações radicais do
Governo, jornalistas, cronistas, políticos, toda a gente enfim, com quem tive contato
nessa manhã, mostrava-se insegura e nervosa. Algo no ar perturbava o ambiente,até o
familiar. Várias foram as amigas de minha mulher que lhe telefonaram perguntando o
que havia, pois diretores de colégio estavam fazendo voltar seus alunos para casa, na
previsão de graves acontecimentos.
Notícias me chegavam da interdição, pela Polícia Estadual, das ruas de acesso ao
Palácio Guanabara. Falavam até em cerco do Palácio das Laranjeiras, onde se achava o
Presidente João Goulart. O noticiário radiofônico, aqui e ali, deixava escapar notícias
intranqüilizadoras e mesmo alarmantes, juntando-se estas àquelas que eram ouvidas das
emissoras de São Paulo e de Minas Gerais.
O clima era, sem dúvida, de guerra.
Saí para despachar com os meus auxiliares. Todos me trouxeram noticias
semelhantes e todos estavam preocupados. Caminhões do governo da Guanabara
bloqueavam inúmeras ruas do Flamengo, das Laranjeiras e de Botafogo. A Polícia
Estadual estava mobilizada para a guerra. Nas imediações dos seus quartéis, os
quarteirões estavam impedidos. Tinha-se mesmo a impressão de que o governo da
Guanabara havia, realmente, tomado conta da cidade e que tinha começado a ofensiva.
Só não eram vistas, em todo o centro da cidade, tropas federais. Nós, do Governo, nos
sentíamos como numa cidade ocupada pelo inimigo e até sem segurança individual.
Noticias chegavam de buscas pela Policia Estadual, Civil ou Militar, de amigos nossos
em suas próprias residências.
Confesso que, ao atravessar as ruas Voluntários da Pátria e São Clemente, vias de
acesso para a minha residência, não me sentia seguro, com um quartel em pé de guerra
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perto da Real Grandeza. Já, na noite anterior, observei anormalidades nas imediações,
com reforço de patrulhamento em áreas distantes do quartel.
Mobilizei o pessoal de segurança do Ministério da Justiça com receio até de que
viesse o mesmo a ser ocupado pelos adversários. Determinei que os optantes da Polícia
Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros se encontrassem nas suas sedes provisórias,
assim como recomendei aos seus comandantes que entrassem em ligações com o I
Exército, para se inteirarem da situação e se integrarem, se fosse o caso, às tropas do
Exército. Não dispunham os optantes de armas, pois começávamos a organizá-los em
unidades, iniciando-se as compras de armamento e fardamento que, obviamente, ainda
não haviam chegado ao Ministério da Justiça. Mais de cinco mil homens disponíveis e
habilitados, mas inteiramente desarmados, era essa a força dos optantes.
Procurei discipliná-los, determinando que os optantes da Polícia Militar ficassem
sob as ordens do I Exército e os do Corpo de Bombeiros sob o comando do Corpo de
Fuzileiros. Todo o pessoal da Polícia Civil ficaria mobilizado, aguardando ordens
exclusivamente do meu gabinete, para qualquer ação ofensiva ou de segurança.
No Palácio das Laranjeiras, aonde cheguei no mesmo dia, antes das 12 horas, já era
o ambiente um pouco diferente. Ou havia muita calma e muita segurança, ou as fontes
de informação da Presidência da República falhavam ou poupavam o Presidente do
dissabor das más notícias.
Impressionou-me a aparência de calma do Presidente. Achava que havia muito
boato. Não se mostrava seguramente informado do que se estava passando, nem mesmo
na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Sucediam-se audiências, umas
necessárias ao momento, outras ainda de rotina.
No Gabinete Militar da Presidência da República, apesar do esforço de vários dos
seus componentes, sobretudo oficiais mais novos, as notícias eram escassas. Às minhas
indagações do que se passava, realmente, em Minas e na Guanabara, as respostas eram
inseguras e até cheias de evasivas.
Assisti, impressionado, os ajudantes de ordens do General Assis Brasil, perto das
13 horas, ainda no telefone para o Ministério da Guerra, sugerindo que se mandasse
observadores a Juiz de Fora e a Belo Horizonte para se informarem, com segurança, do
que ocorria. Na rua, já era público o movimento sedicioso de Minas, chefiado pelo
Governador Magalhães Pinto e Mourão Filho. Já eram ouvidas até proclamações. No
Palácio da Presidência da República, ainda se falava em observadores para apalpar uma
situação que já era do domínio público.
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Lembro-me que, às minhas indagações, informavam-me que do Ministério da
Guerra haviam falado com as guarnições de Juiz de Fora e de Belo Horizonte e que seus
comandantes esclareciam que estava tudo em ordem, sem anormalidades. Afirmei que
se estas houvessem, obviamente, os seus responsáveis não iriam denunciá-las. Fazia
parte da prudência dos que se levantavam em armas, fazia parte mesmo do mecanismo
tático do rudimentar principio conspiratório, prosseguir com o elemento surpresa até o
máximo, ganhando tempo e deixando o Governo ar.
Ao correr os dedos pelo teclado da máquina, agora, fico a imaginar como poderia
aninhar-se, na cabeça de gente com tanta responsabilidade com a segurança do
Presidente e do Governo, tal ingenuidade. Que mundo de anjos, que cabeça de
dispositivo militar tão oca e tão pobre de argúcia e de decisões!
Não tive aí mais qualquer dúvida quanto ao nosso destino. Continuava o Ministério
da Guerra sem titular, apesar de o seu Ministro merecer admiração pelas suas atitudes
coerentes, firmes e prontas. Estava ele, porém, num leito de hospital. Um corpo sem
cabeça começava a ser atacado. Desde menino que as leituras das guerras, das
revoluções e dos “putsch” me indicavam que, sem comando único, as vitórias são
impossíveis. Nós estávamos até piores, pois não só não havia comando único para as
forças do Governo, como o seu ponto-chave, o centro nervoso de todo o dispositivo
militar que era, sem dúvida, o Ministério da Guerra, estava vago por impedimento de
saúde do seu titular.
Na crise dos marinheiros pude bem aquilatar a falta do Ministro Jair Dantas
Ribeiro, quando vi, no I Exército, inúmeros generais leais e dispostos, atônitos, sem
decisões prontas e perplexos ante a sucessão dos fatos.
Quem daria ordens para os quatro Exércitos, que tinham à sua frente generais de
tradição como Amaury Kruel, Justino Alves Bastos, Benjamim Galhardo e Moraes
Âncora? Quem conjugaria Marinha, Aeronáutica e Exército para uma ação comum
contra os focos de infecção da lei e da ordem e que, naquele instante, eram apenas focos
localizados e localizáveis? Quem faria sentir a todo o dispositivo militar, do Amazonas
ao Rio Grande do Sul, que havia um homem no comando geral das forças do Governo?
Quem imprimiria às massas confiança na ação militar em favor do Presidente da
República? Quem faria sentir aos governantes estaduais que um pulso dirigia a
legalidade? Quem assinaria os boletins militares para a Nação permanecer ao corrente
dos acontecimentos? Quem, afinal, daria as ordens de marcha para a sufocação da
resvolução que nascia e, como todas, ainda informe, insegura e desordenada?
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Ninguém. Nem mesmo o Presidente João Goulart que não se revelava nem com
índole bélica, nem tampouco com conhecimento exato do que se passava. Um
Presidente civil, numa hora de revolução, cobre apenas com a sua autoridade legal as
ações militares de defesa do Governo. Como comandante supremo das Forças Armadas,
um Presidente civil fica na dependência dos planos táticos e estratégicos dos seus
Ministros Militares e, sobretudo, do seu Ministro da Guerra.
Na ausência do Ministro da Guerra, como era o caso, o que se via era a confusão no
barco situacionista até mesmo com relação à extensão dos acontecimentos.
De fora, comandantes leais, da Marinha, Aeronáutica e Guerra, reclamavam, pelo
telefone, a ausência de planejamento e de ordem. Fuzileiros, acronautas e poderosos
grupamentos da Vila Militar prontos para a defesa do Governo, sem terem a quem se
dirigir e a quem sequer apelar para ouvir uma voz de comando. Afora o Forte de
Copacabana, cuja notícia de sublevação somente se espalhou e foi conhecida do Palácio
das Laranjeiras na quarta-feira, quando já tudo ia por água abaixo, nenhuma defecção se
operava no dispositivo militar governista da Guanabara.
Já pelo começo da tarde, a Casa Militar da Presidência começou a se inquietar com
o cerco, agora ostensivo, do Palácio Guanabara pelas forças policiais do Estado. Com
esforço e muita movimentação, pois se sentia, claramente, que havia dificuldades, lá
pelas bandas do Ministério da Guerra, para a vinda de reforços de tropa para a
segurança do Presidente no Palácio das Laranjeiras, foi conseguida a limpeza de
algumas ruas de acesso, apreendendo-se muitos caminhões de lixo e carroças do
governo do Estado.
Em várias oportunidades, tinha o I Exército ocupado o Rio, restringindo a área de
movimento do Governador. Além do grande comício de sexta-feira, 13, cuja
repercussão, tanto nos círculos governistas como antigovernistas, fora enorme, inúmeras
foram as vezes em que o Governador da Guanabara se amendrontara, até na expectativa
de que havia chegado a hora de sua deposição.
Lembro-me que, quando da realização de comícios contra a carestia, o Cel. Borges,
Chefe de Polícia da Guanabara, determinou a sua proibição de fato, uma vez que não
permitia a passeata, da Central do Brasil para o local da concentração, que era em frente
ao antigo Palácio Tiradentes. O Gen. Jair Dantas Ribeiro protegeu os sindicatos, cercou
toda a área do Palácio Tiradentes, policiou toda a Avenida Presidente Vargas, garantiu
as estações das Estradas de Ferro Leopoldina e Central do Brasil e ainda assenturou
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perfeita e normal retirada dos manifestantes, quando do término do comício, não
havendo nenhuma anormalidade.
No grande comício da Cinelândia, quando do aniversário da morte do Presidente
Vargas, igual demostração de força foi feita, de forma espetacular até. Era a presença do
General Jair Dantas Ribeiro.
No caso da Faculdade Nacional de Filosofia, o Governador da Guanabara
permaneceu mais de quatro horas na rua e o Exército, com várias patentes das mais altas
no local, não permitiu o seu ingresso no Salão de Honra da Faculdade, onde se realizaria
a solenidade programada para a exaltação da figura do Governador. Assisti a tudo da
janela do Gabinete do Ministro da Educação e pude bem verificar a disposição das
forcas federais, com relação ao Sr. Carlos Lacerda.
Em Recife, nas grandes manifestações populares que cercaram a visita do
Presidente da República, inclusive à zona campesina de Massangana, o Exército estava
presente e maciçamente. No Piauí, foi o mesmo espetáculo de segurança militar e de
apoio popular. No Rio Grande do Norte, ainda se fala na grandeza da manifestação
prestada ao Presidente, quando da inauguração da energia elétrica de Paulo Afonso.
Ainda aí, e de maneira inequívoca, o Exército garantia o Presidente, com poderosa
exibição de força.
Em Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Volta Redonda etc., o Presidente estava
sempre envolvido pelo verde oliva.
Daí a minha surpresa, na terça-feira, 31 de março, quando senti, pela primeira vez,
o Presidente quase sozinho. Creio que até receios de ser preso, pelas forças do Cel.
Borges, deve ter ele tido, pois, durante todo o tempo, achava-o desconfiado e
apreensivo.
Todos os amigos que chegavam ao Palácio das Laranjeiras falavam na completa
insegurança das autoridades e dos próprios amigos do Governo, pois o Governador
Lacerda, com a sua Polícia, que devia ser mínima com relação ao grosso das tropas leais
que se achavam na Vila Militar, estava absoluto na cidade. Estava, como se poderia
dizer na gíria, dando as cartas e jogando de mão... Ninguém compreendia mesmo o que
estava acontecendo! Por que a cidade não era ocupada ostensivamente como das outras
vezes? Por que o Cel. Borges parecia o próprio comandante do I Exército no domínio
das posições estratégicas da cidade? Por que não se ouvia a zoada de um tanque? Por
quê?
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Aviões na Base de Santa Cruz roncando para a luta, fuzileiros bem armados e com
a melhor disposição de ânimo ansiavam por uma ordem de combate e fortíssimas
unidades do Exército como o GUEs ficaram com os seus comandantes esgotados à
espera de uma palavra de ordem que nunca chegou ...
Enquanto isso, faltava força até para a segurança pessoal do Presidente no Palácio das
Laranjeiras, e para chegar, até lá, um choque blindado, passou-se todo o dia de terça-
feira na espera. Somente chegou no fim da noite.
Era impressionante a desarticulação. Várias vezes os Generais Moraes Âncora,
Milton Barbosa, Bomtempo e até mesmo Pery Bevilacqua estiveram no Palácio das
Laranjeiras. Nada mudava a perspectiva. Entravam e saíam e o clima de tensão era o
mesmo.
Quem conversasse com os três primeiros generais, sairia, sem dúvida, mais
preocupado. Não sabiam nem mesmo das notícias já divulgadas pelas rádios, nem
traziam para o próprio Presidente da República notícia de qualquer movimento ofensivo
ou defensivo que indicasse a presença do dispositivo militar do Presidente nos
acontecimentos.
Até a madrugada de terça-feira, nem no Palácio das Laranjeiras nem no Palácio da
Guerra se sabia de qualquer coisa positiva com relação ao General Amaury Kruel, nem
muito menos sobre o ambiente militar de São Paulo. Igualmente nada se sabia com
relação ao General Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército. Falava-se, ainda,
àquela altura, que o General Ladário Teles rumara para o Rio Grande do Sul, a fim de
assumir o comando do III Exército, de vez que o General Benjamim Galhardo não tinha
aprovado à sua frente. Também se dizia que os Generais Crisanto Figueiredo e Silvino
Castor da Nóbrega haviam-se dirigido ao Paraná para reassumirem os seus postos em
Ponta Grossa e em Curitiba.
Na verdade, jamais estes dois últimos generais chegaram aos seus destinos. As
notícias foram sempre desencontradas. Até mesmo as oficiais. Ora se falava que o
General Crisanto invadira já São Paulo, ora se informava que o General Silvino
controlava toda Curitiba, tendo o Governador Ney Braga sob o seu controle. Na
realidade, ambos não desceram no Paraná, ou por dificuldade do tempo, ou porque as
tropas já se tivessem sublevado. O fato é que dois grandes e leais comandantes, na hora
da borrasca, estavam de férias...
O General Ladário, segundo notícias muito filtradas da Casa Militar, estava
encontrando dificuldades no Rio Grande do Sul. Chegara à última hora, com uma
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situação já deflagrada e os planos conspiratórios traçados e os conspiradores já
compromissados. Era homem forte, disposto e muito firme para com o Governo, mas
ninguém realiza milagres. Não seria em 24 horas que o General Ladário iria transformar
um Exército numa unidade fechada aos trabalhos e infiltrações de desagregação que, há
tempo, já se faziam sentir.
Toda a tarde de terça-feira levou o Presidente sem uma definição clara do que
pretendia fazer. Consumira em conversas e audiências que, bem pesadas, não estavam
trazendo contribuição efetiva para a sufocação do movimento.
Entre as audiências, uma deve ter sido proveitosa, a do Marechal Osvino Ferreira
Alves. Disse este cabo-de-guerra ao Presidente que tinha, quando no comando do I
Exército, um plano para ocupar, em qualquer emergência, a cidade do Rio de Janeiro
em hora e meia. Acrescentou que, à frente da Petrobrás, somente poderia tomar
providências complementares, mas que aguardava ordens sobre o “front” que deveria
ocupar. Após a audiência, o Marechal Osvino palestrou nas ante-salas, com ar grave, e
sempre a dizer que o Governo, nos setores militares, estava inteiramente desorientado.
Disse que havia sugerido ao Presidente da República a nomeação imediata de um
Ministro da Guerra, mesmo interino, e a deflagração imediata da ação repressora ao
movimento.
Entre uma obrigação e outra, lá vinham notícias de S. Paulo e de Minas, captadas
sobretudo pelo rádio. Não havia mais dúvida sobre a sublevação mineira. As tropas do
General Mourão Filho já marchavam para a fronteira do Estado do Rio. Em São Paulo,
dizia-se, até aquela hora, que generais leais estavam sendo presos e o interventor da
Companhia Telefônica, General Puertas, com o jornalista Nélson Gato, chefe do setor
de repressão ao contrabando, achavam-se cercados pela Polícia do Governador
Adhemar de Barros. Falas de Adhemar na televisão, proclamações e convocações à luta
eram divulgadas sem qualquer controle mais do CONTEL (Conselho de
Telecomunicações). O Cel. Adhemar Scaffa, presidente do Conselho e homem da
melhor categoria moral, social e militar, comunicava-me que o II Exército não dava
cobertura à determinação do Conselho. Por isso, não havia como controlar as
comunicações de rádio e de televisões, em São Paulo. Tentei falar várias vezes com o
General Amaury Kruel, não sendo possível. Reuniões impediam o comandante do II
Exército de ser encontrado.
Em face dessa e de outras, fui sentindo que as notícias, espalhadas e de origem
paulista, de que o General Amaury Kruel marcharia ao lado dos revolucionários contra
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Jango eram verdadeiras. Assisti, várias vezes nesse dia e pela madrugada adentro, o
Presidente falar com o General Amaury Kruel. Apesar do cuidado do Presidente nas
suas respostas, como que a nos esconder a realidade de São Paulo, pude bem colher a
verdade nua. Justamente aquele general sobre cujos ombros estavam todas as
responsabilidades de uma situação militar decisiva para o Governo, justamente o
General Amaury Kruel, em cuja atitude todo o Estado-Maior do I Exército depositava as
suas esperanças de êxito e, ainda, a sua própria disposição de marchar para o campo da
luta pela legalidade, justamente esse general, efetivamente, não estava mais com o
Presidente.
Às nossas perguntas, Samuel Wainer, eu, Riff, Serpa e pouquíssimos outros mais, o
Presidente sempre respondia evasivamente e quase que textualmente: – “Kruel –vai
bem... é meu amigo, esta comigo, mas... sempre falando nesse negócio de comunismo,
na infiltração do CGT, no PUA, nessas bobagens que eu liquido em dois tempos. Vai
bem...”
Às minhas solicitações para falar ao General Amaury Kruel, para garantir a ação do
General Puertas no controle das rádios e televisões de São Paulo, sempre o Presidente se
descartava, encaminhando-as para o General Assis Brasil.
Afinal, a primeira proclamação lançada pelo General Amaury Kruel, na qual ainda
abria portas para um recuo do Presidente, no caso de libertar-se de Dareyi Ribeiro, Raul
Riff, CGT, PUA e UNE, estabeleceu pânico entre os militares presentes. Não havia
dúvidas quanto à posição do General Kruel. O Presidente, que conversara amiúde com
ele pelo telefone, entenderia melhor a proclamação.
Nova reunião de Ministros Militares e alguns generais, sem qualquer conseqüência
satisfatória. Os Ministros Civis dela não participaram. A uma minha pergunta, na
presença de vários colegas do Ministério, sobre a necessidade de uma demonstração de
existência do dispositivo militar do Governo, o General Moraes Âncora, coadjuvado
pelo General Bomtempo, respondeu, sem muita convicção, dizendo que a cidade estava
entregue à Marinha e à Aeronáutica, para que o Exército pudesse concentrar todos os
seus elementos em operações pesadas. Nessa ocasião, foi o Presidente convencido de
que o General Cunha Mello, comandante das tropas federais no Estado do Rio, já à
frente de poderosos contingentes, achava-se em Paraibuna e, logo pela madrugada da
quarta-feira (1º de abril), com cobertura da Aviação, romperia as linhas mineiras e
deveria chegar, no mesmo dia, até Juiz de Fora. Em todas essas 24 horas de sublevação,
foi a única notícia positiva mesmo, sobre deslocamento de tropa e expectativa de ação.
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O Estado da Guanabara continuava entregue à Polícia do Governador Lacerda, com as
ruas atravancadas e as autoridades e amigos do Governo expostos a toda sorte de
violência.
Em nenhum momento, o Presidente João Goulart foi informado da posição e
situação do General Castello Branco – homem que a Revolução revelou, no seu capítulo
final, ser o verdadeiro chefe e o seu paciente articulador.
Ao ser preso, no final dos episódios, no começo da noite de quarta-feira, conduzido
para a Escola de Estado-Maior, pude bem aquilatar como o Presidente e nós, seus
auxiliares, andávamos enganados sobre as proporções da sublevação, até mesmo no Rio.
Toda a Praia Vermelha era uma praça de guerra muito bem defendida. Note-se, praça de
guerra preparada só por oficiais da Escola Técnica do Exército e da Escola de Estado-
Maior. Não havia inferior, nem cabo, nem sargento, nem praça. Tudo era de tenente
para cima. Gente aguerrida, disposta, unida e com um comandante que era o seu ídolo,
General Jurandir Bizarria Mamede, diretor da Escola de Estado-Maior, homem
estudioso, sereno, educado e que gualdvanizava mais de 200 oficiais, que se
transformavam em várias companhias não só pelas qualidades técnicas como pela sua
politização. Eram oficiais fanáticos à causa e ao seu comandante. Dificilmente uma
força se poderia dispor a atacar tão qualificados combatentes. Compreendi por que o
General Moraes Âncora, respondendo a perguntas sobre onde andava o General Castello
Branco, respondia que o Chefe do Estado-Maior do Exército havia passado até às 14
horas da terça-feira (31 de março) no Palácio do Ministério da Guerra, acompanhado de
muitos oficiais armados e que dali já se havia retirado, tendo o General Bomtempo
acrescentado que todas as dependências do Estado-Maior estavam fechadas. Senti, em
ambos os generais, o alívio de ter o General Castello Branco se retirado,
espontaneamente, do Palácio da Guerra, sem ser molestado, à frente dos seus oficiais,
que constituíam, sem dúvida, o núcleo central da Revolução. Recordo-me que era
doutrina vitoriosa, nos altos comandos militares janguistas, a transferência de oficiais
oposicionistas ou mesmo duvidosos para as regiões do Norte e Nordeste e para o
Estado-Maior e a Escola Superior de Guerra. Sempre se alegava que o IV Exército não
teria maior importância num movimento, pois a situação se decidiria em São Paulo, Rio
Grande e Guanabara. Nem Minas Gerais entrava nas cogitações. Por isso mesmo, os
Generais Mourão Filho e Carlos Luís Guedes, apontados sempre como contrários ao
Presidente, eram ali mantidos como inofensivos comandantes de pequena tropa.
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A Revolução mostrou justamente o contrário. Foi de Minas que veio o primeiro
grito e de onde se ouviram os primeiros passos pelas estradas rumo ao Rio de Janeiro.
De Recife, vieram as primeiras demonstrações da extensão do movimento, com a
ação rápida do General Justino Alves Bastos contra o Governador Miguel Arraes e todo
o dispositivo governista da época.
Da Escola de Estado-Maior, veio não apenas o chefe da Revolução, como também
o atual Presidente da República. Da Escola de Estado-Maior surgiu todo o comando
revolucionário. Da Escola de Estado-Maior surgiram os planos de ação. Da Escola de
Estado-Maior deve ter surgido toda a filosofia do movimento revolucionário.
Alegavam, ainda, que no EMFA, no Estado-Maior do Exército e na Escola
Superior de Guerra não havia tropas e os generais se perderiam, como no 11 de
novembro de 1955 se perderam Cordeiro de Farias, Juarez Távora, Jurandir Mamede
etc.
Esqueciam-se, entretanto, da contaminação do movimento através da cátedra.
Desses altos centros de estudos técnicos e profissionais, devem sair alunos para todas as
guarnições. Devem sair mentalidades formalmente contra toda uma situação política.
Deve sair uma consciência, como saiu, que daria corpo a um movimento armado de
estatura e de base.
Sobre comandos de guarnições distantes como as do Maranhão, Paraíba, Piauí,
Amazonas etc., entregues a adversários, as argumentações se revestiam da mesma
ausência de conteúdo e densidade. Não decidiriam essas guarnições nenhum movimento
militar. Sempre achei que, juntas todas, a força seria grande e de repercussão em várias
camadas sociais, políticas, administrativas e mesmo militares da Nação. A Revolução de
1930 foi praticamente decidida quando todo o Nordeste caiu nas mãos de José Américo,
Juarez Távora e Juracy Magalhães, de vez que todo o Norte tomou igual destino e na
Capital da República começou logo a medrar a idéia da pacificação. Sabiam os mais
radicais da República Velha que seria impossível uma retomada do Poder com áreas tão
extensas nas mãos dos chamados revolucionários de trinta. Muitos governadores de
Estado foram derrubados pelo telégrafo. Outros não chegaram a esboçar a menor
resistência e fugiram por mar. E tudo em conseqüência da junção de pequenas unidades
da Federação que eram, como agora o foram novamente, subestimadas não apenas na
sua capacidade de luta como na de repercussão nos quadros da opinião pública nacional.
Que papel de importância não exerceu, agora, um General Justino Alves Bastos, no
comando do IV Exército? Que decisão não teve, em tudo isso, um comandante de
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guarnição do extremo norte? Que força de convicção não teve na Paraíba, por exemplo,
um modesto Cel. Ávila, comandante do 15º Regimento de Infantaria, que não só atuou
no Estado como assistiu às guarnições de Pernambuco, na mesma medida em que o
antigo 22º B. C., também de João Pessoa, atuou em 1930, dando sangue novo aos
tenentes que haviam fracassado no primeiro ímpeto de rebelião junto ao 21º B.C.,
localizado em frente à velha Faculdade de Direito da hoje Universidade do Recife?
Tenho comigo um telegrama curioso de governador de Estado pequeno que ao enviar
emissários ao Presidente João Goulart, na manhã da terça-feira (31), com as mais firmes
disposições de apoio à legalidade constitucional, já de terça para quarta-feira se
manifestava, no despacho, muito discreto e até desconfiado, começando assim: –
“Acuso recebimento seu telegrama que me dá notícias até às 22 horas de ontem ...
espero entrar em contacto com o Governador Magalhães Pinto para interar-me
devidamente da situação etc...” Outros agiram de forma diferente, mas com a mesma
indecisão e sob pressão de comandos militares regionais. Assisti o Presidente João
Goulart falar pelo telefone com vários deles e, até horas antes do desmoronamento da
situação governista, as manifestações de lealdade, de apoio a ordem, à política do
Presidente e às forças da legalidade eram absolutas e inequívocas... Todo o quadro se
alterava rapidamente, por força da ação desses comandantes, dos quais ninguém tomava
conhecimento!
Obviamente, tinha sido errada essa política de, concentrar comandantes leais nos
grandes centros, despreocupando-se com as menores guarnições. Havia que ser feita
uma política de esclarecimento, de catequese, de mobilização espiritual e de
arregimentação, uma vez que desde os últimos dias de Getúlio Vargas se sentiam sulcos
se abrindo nas Forças Armadas, enquanto outras Armas eram como que totalmente
envolvidas por um sentimento contrário aos governos que se sucederam até agora.
Juscelino Kubitschck lutou para ser candidato, lutou para eleger-se, lutou para tomar
posse e lutou para manter-se no Poder. Tolerante, magnânimo, otimista e despido de
sentimentos de ódio ou de vindita, Juscelino Kubitschek pôode governar até o fim, sem
maiores e mais profundas crises, apesar de Aragarças, Jacareacanga etc. Dizia -me
sempre o ex-Presidente mineiro: – “No Brasil, elege-se pelo povo, mas governa-se com
os olhos voltados para as Classes Armadas...” Noutra oportunidade, quando os
Ministros Militares se mostravam indóceis com relação à aprovação, pelo Congresso, da
chamada Lei da Paridade, recomendando-me o adiamento “sine die” da proposição,
acrescentava: – “Ou comando ou serei comandado”. No caso do porta-aviões, que
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despertou tanta controvérsia e luta interna mesmo entre a Aeronáutica e a Marinha,
afirmava-me, recomendando a aprovação do crédito para a sua aquisição: – “Com o
porta-aviões deixarei de ser inimigo da Marinha e, ao mesmo tempo, serei esquecido
pelos partidários do Brigadeiro (Eduardo Gomes) que, de outra maneira, não me
deixarão governar”. Promovendo o Almirante Pena Botto, concedendo anistia aos
rebeldes de Jacareacanga, 24 horas após a sufocação do movimento, o atual senador
goiano esclarecia: “Não se governa sem mártires nem com caprichos...”
Mas força é não esquecer que, durante todo o seu Governo, manteve na Pasta da
Guerra o Marechal Lott e este o seu dispositivo militar de 11 e 21 de Novembro de
1955, muito azeitado e para funcionar a tempo e a hora. O Presidente João Goulart, em
pouco mais de 3 anos de Governo, teve 4 Ministros da Guerra, não tendo nenhum tido
tempo de formar nada de concreto no que diz respeito a esquema militar. Um General
Nélson de Mello, um Jair Dantas Ribeiro e um Amaury Kruel não poderia m realizar
milagres com meses apenas de Ministério. Qualquer um deles seria osso duro de roer,
com tempo de sobra para firme atuação. Nisso o Presidente João Goulart não foi em
nada discípulo de Getúlio Vargas, que, durante quinze anos de Governo, teve Dutra no
Ministério da Guerra por quase dez anos e outros tantos o General Góes Monteiro. Já no
seu segundo Governo, mexendo muito com o Ministério da Guerra, encontrou-se na
situação que o levou ao suicídio!
É lugar comum o de que “a História se repete”. Por que? Será que os homens mais
inteligentes, mais sábios, mais manhosos mesmo, no Poder, se esquecem das lições da
História? Hitler não procurou afogar a sua tática militar pelos mesmos caminhos de
Napoleão, que terminou em Santa Helena? Não jogou a sua esquadra pelos mesmos
caminhos marítimos pelos quais Filipe de Espanha se lançara contra a Grã-Bretanha?
Não abriu duas frentes para uma Alemanha cujo Estado-Maior Militar se horrorizava,
através dos séculos, com a perspectiva constante de ter de lutar em duas frentes?
E era Hitler!
* * *
Creio que o Presidente João Goulart somente veio mesmo a sentir toda a extensão
do movimento revolucionário e a gravidade da sua própria situação, quando, na
madrugada de quarta-feira (1º), soube que todo um regimento das forças do General
Cunha Mello, que devia ocupar, Juiz de Fora naquele mesmo dia, havia-se passado todo
inteiro, inclusive com um grupo de Artilharia, para o lado do General Mourão Filho.
Este fato foi guardado até à derrocada final. Nenhum Ministro soube e creio que o da
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Aeronáutica e o da Marinha só vieram a sabê-lo pelo General Assis Brasil, já o
Presidente em Brasília.
A idéia de nomear o General Âncora, Ministro da Guerra, e o General Oromar
Osório, comandante do I Exército, já se concretizara muito tarde, quando toda a Nação
sentiu, e principalmente os comandantes das guarnições mais longínquas, que as forças
de apoio ao Presidente não tinham um comando único, nem tampouco um Ministro da
Guerra no posto. A proclamação pela disciplina e pela legalidade, do Marechal Lott, não
podia produzir mais efeitos, pois o barco governamental já adernava e o seu esquema
militar se esfacelava rápida e estrondosamente!
Toda uma semana de crise na Marinha, com os seus efeitos reforçados pela
assembléia dos sargentos, nada influiu para a revisão do dispositivo militar governista.
Nenhum ato, nenhuma providência, nenhuma medida, nenhum plano,enfim, foi
esboçado. O Presidente João Goulart se perdia em conferências com militares e civis,
permanecendo as suas forças nos quartéis, enquanto Kruel e Mourão Filho convergiam
para o Rio de Janeiro.
Também chegava tarde ,a tomar corpo, no pensamento do Presidente, a sugestão,
que ninguém sabe de onde havia partido, de se entregar o Ministério da Guerra e o
Comando Supremo das forças legais ao Marechal Lott. Animava o Presidente a idéia de,
com isso, chegar a uma condição satisfatória, deixando o Governo nas mãos de um
homem firme, de tradição legalista, que poderia pacificar a Nação sem retrocesso nas
suas conquistas políticas e sociais e mesmo com espírito reformista. Não havia mais
condições de sustentação do Governo para uma parlamentação desse tipo. Quando o
General Âncora foi parlamentar com o General Kruel, já não era o comandante de um
Exército, mas um soldado vencido que apenas iria acertar a rota dos vitoriosos para
neutralizar possíveis choques e perdas inúteis de vidas, humanas.
Pela manhã de quarta-feira, o Presidente João Goulart se mostrava visivelmente
abatido e perplexo. A nenhum Ministro fez qualquer recomendação e nenhum Ministro,
para ser verdadeiro, sabia de nada. Nenhum sabia nem onde se achavam os rebeldes,
nem onde estavam as forças legais.
O Governador Badger Silveira, por várias vezes, telefonou e eu não soube
responder, porque ninguém me informava, nem mesmo o General Assis Brasil, onde se
achavam as forças do General Cunha Mello que se dispunham a dar combate às do
General Mourão Filho. Informando-me o governador fluminense, certa vez, que tinha
conhecimento de que o General Mourão Filho já se achava à frente de suas tropas em
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Três Rios, a 1 hora do Rio, procurei esclarecimentos do General Assis Brasil que,
depois de muitas reticências, me confessava que o General Cunha Mello estava com os
seus soldados em Areal, muito mais perto ainda do Rio. A luta nas margens do
Paraibuna não tinha havido e felizmente...
Igualmente, numa oportunidade, quando se pensava, pelas informações oficiais,
que o General Zerbine continha o avanço do General Kruel em Jundiaí (a elevação do
terreno permitia uma resistência) e que grossos contigentes da Vila Militar (as melhores
e mais equipadas tropas) estavam rumando para reforçarem as forças do General
Zerbine, eis que impactou toda gente, no Palácio das Laranjeiras, a notícia de que as
forças do General Kruel já estavam em Resende e que a Escola Militar, também
rebelada, já marchava para o Rio.
O Palácio das Laranjeiras estava repleto por toda a manhã de quarta-feira. Havia
entusiasmo, disposição e firmeza em inúmeros amigos do Presidente. Acabava eu de
deixar o microfone da Rede da Legalidade (criação espontânea minha e do Riff para se
esclarecer a Nação, para se noticiar só fatos, para se transmitir à Nação a palavra de
ordem do Presidente) por volta das 12 horas e 30 minutos deste mesmo dia, quando o
telefone me chama. Era Raul Riff que, de casa, me comunicava que o Presidente havia
voado para Brasília. Não soube ele acrescentar e o que teria ido fazer o Presidente em
Brasília, onde os contingentes militares eram escassos. Desde a noite anterior que o
Presidente falava em ir a Brasília, enquanto todos nós o aconselhávamos a desistir de
viajar, porque a resistência (se é que podíamos chamar de resistência a estagnação das
forças legais), no Rio, se esfacelaria com a sua ausência. Após sua saída, quem estava
no Palácio das Laranjeiras foi vendo que se aproximava o fim da festa, pois as tropas
que o garantiam já começavam a abandoná-lo, inclusive o contigente de fuzileiros que,
aproximadamente às 14.30 h, já o deixava, rumo ao Ministério da Marinha. Ficara o
Palácio das Laranjeiras com uns 8 Ministros de Estado, com o Chefe da Casa Militar,
com o presidente da SUPRA e vários outros auxiliares do Governo, quase que
inteiramente desguarnecidos. Só um choque da PE do Cel. Ventura ainda dava sinal de
existência no Parque Guinle! Das varandas do Palácio das Laranjeiras, mostrei ao
Ministro Oliveira Britto as forças do Governador Lacerda andando pela Rua das
Laranjeiras.
Nessa altura, Pedrinho (Pedro de Castro um serviçal do Presidente, modesto e
humilde), que me tinha muitas atenções e respeito, revelando-se mesmo zeloso em
muitas oportunidades pela minha segurança, chamou-me a um canto e me cochichou: –
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“Ministro, o patrão, de Brasília, deve ir para Porto Alegre, pois ouvi quando, pelo
telefone, acertava ele a ida de um “Coronado” da Varig para Brasília , a fim de ficar à
disposição da Presidência da República. Fale com o Berta para arranjar outro avião e vá
embora com os outros Ministros, para Brasília ou Porto Alegre”.
Esta foi a mensagem melancólica mas verdadeira, que chegava aos Ministros de
Estado de toda a situação governista. Era a voz de um doméstico, humana porém, que
vinha como um roteiro. Era mais um companheiro de infortúnio que nos advertia,
verdadeiramente, da situação do que mesmo um empregado do Presidente!
Provoquei, em seguida, o General Assis Brasil e este, afinal, se resolveu a explicar
tudo aos Ministros – Amaury, Oswaldo Lima, Britto, Expedito, Fadul, Anísio Botelho,
Pinheiro Neto
e eu. Levou o Chefe da Casa Militar a contar coisas que já sabia, há mais de uma
hora. Não sabia, entretanto, para onde os Ministros deveriam ir, se para Biasília, Porto
Alegre ou se deviam permanecer no Rio (na cadeia, sem duvida). Não havia condições
de permanência no Rio, obviainente, pois, àquela altura, já a televisão do Palácio
mostrava que tudo havia acabado. Achava-se, no vídeo, o Governador Carlos Lacerda, e
as câmaras mostravam, com muita nitidez, vários tanques, daqueles que, há alguns
minutos, pareciam nos garantir no Palácio das Laranjeiras, com as suas guarnições se
apresentando ao governador guanabariano.
Resolvemos todos falar com o Presidente pelo rádio. Informamos que iríamos
todos para Brasília naquele instante.
Precisamente às 17.30 h, deixávamos o Palácio das Laranjeiras, justo quando o
último choque da PE do Exército também o abandonava e já começavam a chegar
curiosos e grupos lacerdistas. Todo o percurso até o comando da 3ªZona Aérea, no
Santos Dumont, foi feito sob tensão. O aspecto da cidade era o de uma praça de guerra,
ocupada por tropas inimigas. Na fisionomia de muitos, surgiam traços de vanglória, na
de outros, talvez, até de pena dos que se estavam retirando, batidos e desorientados...
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XVII - A Prisão
SEM rumo programado, antecipadamente, pelo Chefe do Governo, que se achava em
Brasília, e sem sabermos para onde, afinal, se dirigiria ele, nem tampouco quais os seus
planos ou sua estratégia político- militar, chegamos todos ao Aeroporto Militar do
Santos Dumont, onde fomos recebidos pelo Cel. Alvarez, substituto, no comando, do
Brigadeiro Francisco Teixeira, que se achava no Aeroporto Militar do Galeão, em
conferência com o Ministro da Aeronáutica e seus oficiais de maior confiança. O
ambiente era de derrota. Fisionomias tristes e perplexas. Ambiente de desolação até na
fisionomia dos subalternos. Muita cordialidade para todos nós e unia uma interrogação
se estampava em todos os que nos olhavam.
Havia um “Avro” (avião turboélice de transporte do Gabinete Militar da
Presidência da República) em condições de voar imediatamente para Brasília. Faltava
chegar o Gen. Assis Brasil que saíra conosco, na mesma hora, do Palácio das
Laranjeiras. Pela sua demora, tivemos até preocupações com o destino do Chefe da
Casa Militar da Presidência. Só muito mais tarde, já asilados na Embaixada do Peru, é
que soubemos ter sido a demora motivada pela sua ida à residência, para ver a família.
Acontece que nenhum de nós tínhamos tido este privilégio...
Na espera da hora da partida do “Avro”, decorrida quase uma hora, senti, pelos
olhares dos oficiais para o pátio do Aeroporto, que algo de anormal estava- se passando.
Quase que me achava certo de que chegavam revolucionários à minha busca. O sexto
sentido funciona rapidamente!
Poucos minutos depois, o Cel. Alvarez, muito emocionado, me procurava
discretamente, distante dos demais Ministros de Estado para me informar que uma
patrulha de oficiais da Escola de Estado- Maior do Exército se achava em uma das salas
do comando, com ordem de me conduzir preso. O Cel. Alvarez e o seu ajudante de
ordens, Tenente Farias, sugeriram-me fugir por uma das portas do comando que dava
acesso ao interior do quartel, onde se achavam viaturas que me conduziriam para
qualquer lugar que desejasse. Respondi ao Cel. Alvarez e ao Tenente Farias que estava
muito reconhecido pela sugestão e pelo interesse que tomavam pela minha pessoa, mas
que nada tinha a temer e nem iria comprometê-los numa fuga até inglória. Ao consultar
os meus colegas de Ministério da decisão que iria tomar (Ministros Amaury Silva,
Expedito Machado, Wilson Fadul, Oswaldo Lima Filho, Oliveira Britto e Pinheiro Neto,
presidente da SUPRA), naquela oportunidade histórica, ouvi Wilson Fadul, muito
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pálido, me dizer que era um caso de consciência. Respondi que apenas participava a
minha decisão para ouvir opiniões dos colegas, uma vez que não queria que qualquer
atitude minha prejudicasse a qualquer deles ou alterasse os planos delineados pelos
Mmesmos.
Dirigi-me, com o Cel. Alvarez e o Tte. Farias, à sala onde se achava a patrulha
comandada pelo Coronel Hiram. Todos portavam metralhadoras. Eram seis. Três mais
graduados, de major a coronel, e três outros de menor patente. Embaixo, quando da
minha partida, verifiquei que ainda os acompanhavam outros oficiais, igualmente
armados de metralhadora. Nessa altura, o Comandante Artur Benigno, meu assistente
militar no setor da Marinha, com muita dignidade fez questão de me acompanhar.
Na troca rápida de palavras formais da ordem de prisão e, obviamente, do seu
acatamento, fiz entrega ao Cel. Alvarez da minha carteira de Deputado Federal,
pedindo-lhe para fazer chegar às mãos do Presidente da Câmara, Deputado Ranieri
Mazzilli (mais tarde vim a saber que, mais ou menos naquele instante, 18.30 h, assumia
ele a Presidência da República), a fim de que tivesse conhecimento de que estava sendo
violada minha imunidade, assegurada pela Constituição da República. À saída do
gabinete, lembrei-me que estava armado e, espontaneamente, fiz entrega da minha
pistola “Walter”, com dois pentes de balas.
Num Volkswagem dirigido por um oficial, acompanhado de mais dois outros e
mais do Comandante Artur Benigno que, com rara dignidade e bravura, fez questão,
junto ao Coronel que comandava a patrulha, de acompanhar o “seu Ministro até o fim
da jornada”, cortamos o aterro da Glória, atravessamos Botafogo e chegamos,
precisamente às 19.20h, à Escola de Estado-Maior do Exército, localizada na Praia
Vermelha. Alguns outros carros acompanhavam o Volkswagem. Do começo da
Avenida Pasteur até à Escola, a praça era de guerra. Vários obstáculos espalhados pela
Avenida e ao longo de toda a praça central da Praia Vermelha. Não vi soldados. Toda a
tropa era de oficiais graduados e com metralhadoras. Senti, mais uma vez, como
estavam enganados aqueles que subestimavam as Escolas do Exército e que, para elas,
fizeram concentrar toda a oficialidade hostil ao Governo da Repúblic a! Aqueles que
achavam que comandar Escolas de Estado Maior, de Aperfeiçoamento e Técnica
constituía tarefa sem maior importância para uma ação militar, deviam ter visto o que
vi. Sim, compreendi que impossível seria a vitória completa do Governo. Aquela
oficialidade estava disposta a tudo. Não se entregaria e nem se renderia, fosse qual fosse
a sorte da luta. Eram fanáticos, como já disse. Nas fisionomias de cada um, senti
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lampejos até de ódio. Ouvi imprecações contra mim, como ouvi protestos contra aquela s
explosões de ira. Ouvi bem quando muitos reprimiram, em voz alta, um grito ainda mais
alto que me feriu a sensibilidade, apesar de minha preparação espiritual para enfrentar
um ambiente que já imaginava que fosse de exaltação e de trepidação revolucionárias.
Pela disposição que tomaram os que me conduziam, ladeando-me com suas
metralhadoras, percebi que o Comandante da Escola devia ter recomendado toda
segurança e proteção à minha pessoa física.
Uma praça de guerra como aquela, para ser sufocada, destruída e vencida, haveria
de ser um preço muito alto para a democracia brasileira. Poucos seriam os comandantes
legais que teriam a decisão de ordenar o ataque. Dificilmente, a paz voltaria a reinar no
País, se, por infelicidade, se desse o choque de armas.
No interior da Escola era maior ainda a aglomeração. Passei por corredores como
uma estranha figura, que todos quisessem ver como era. Só readquiri tranqüilidade
quando uma voz segura me abriu uma porta dizendo: “Esteja como na sua casa,
Ministro Jurema”. Contrastava aquela fidalguia com o ambiente de tensão. Há mais de
72 horas que não tomava conhecimento de tanta polidez. No interior da sala de
comando, o Cel. Paiva Chaves e o Major D’Aguiar seguiam o seu comandante, General
Jurandir Bizarria Mamede, na sobriedade dos gestos e atitudes, mas, por igual, na
cortesia e no respeito a uma autoridade de um Governo vencido.
Fui, realmente, um prisioneiro privilegiado, apesar da impressão colhida
desfavoravelmente à entrada da Escola. Só quando o General Mamede e os seus
auxiliares se ausentavam por um momento da sala, para atenderem telefonemas ou
adotarem providências exigidas pela hora, era que o ambiente se toldava. Vários foram
os oficiais de menor patente e bem mais jovens que ingressaram na sala, nessas
ocasiões, para matar a curiosidade e, uns poucos, para lançar alguns impropérios ou
insultos, que eu ouvia sem empáfia e sem valentia arrogante, mas com altivez,
compreendendo que não podia esperar outra coisa de um fanático, que a própria luta e a
tensão dos últimos dias fizeram ainda mais extremado. Apenas me preocupava a minha
insegurança ali, pois bem imaginava que, apesar de toda a preocupação para me pôr à
vontade, sem que me sentisse prisioneiro, não teria o General Mamede condições para
assegurar integralmente minha própria vida ou minha integridade física.
A conversa com o General Mamede, começa da várias vezes e interrompida outras
tantas elos chamados telefônicos que recebia e até por visitas de oficiais, inclusive a de
um general, que quase ia sendo atingido à entrada do edifício, por não obedecer ao sinal
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e advertência de uma sentinela, prolongou-se noite adentro. Sempre o General fazia
questão de me dizer que não me achava preso, mas sob a proteção do Exército, pois na
rua não havia segurança para mim, de vez que bandos armados do Governador Lacerda
e fuzileiros sem comando inquietavam toda a cidade. Na minha presença, falou pelo
telefone com o General Castello Branco e me transmitiu, também, a mesma afirmativa
de que me achava sob a proteção do Exército.
Essa conversa foi agradavelmente interrompida por duas vezes. Uma quando
chegou a esposa do Comandante Artur Benigno e a outra quando me surpreendeu o meu
parente João Carlos Pessoa de Oliveira, moço de pouco mais de vinte anos, que, ao
tomar conhecimento da minha prisão, rompeu todas as barreiras, arriscou-se e chegou
até a mim, trazendo não só o conforto de sua presença, como notícias de minha família.
Curioso, julgava o João Carlos um “playboy”, de caráter, mas sem maior senso de
responsabilidade. A sua bravura e, sobretudo, o seu “fair play”, naquela hora realmente
de perigo, me surpreenderam. É uma das coisas que guardo com maior carinho na
minha memória. Este gesto, de um jovem ainda imberbe, me impressionou vivamente.
Jantei com o General Mamede, sentados à mesa apenas o Comandante Artur
Benigno, o Major D’Aguiar e o Cel. Paiva Chaves. Para aumentar a intensidade da hora,
o garçom que nos servia desmaiou ao nos servir, levando, na queda, a bandeja de
serviço. Nos olhos do Comandante Benigno, via sempre estampada a emoção e, ao
mesmo tempo, a sua preocupação com o meu destino. Que correção!
Afinal, lá para duas da madrugada, fiz a seguinte sugestão ao General Bizarria
Mamede: “Se estou preso, General, nada terei a dizer, pois prisioneiro não tem vontade.
Se não estou, quero dispensar a proteção do Exército a fim de evitar que, amanhã, na
Câmara dos Deputados, se diga que um seu membro foi violado na sua imunidade
constitucional. Não deixarei que se faça a menor exploração a respeito e contarei,
fielmente, o que se passou. Acho natural tudo isso, mas me impressiona não apenas a
minha detenção como parlamentar, mas a minha insegurança pessoal, apesar de toda a
sua boa vontade e correção. Assim, faço a minha sugestão que é a de ter a proteção do
Comando da Escola de Estado-Maior até um ponto qualquer da cidade e, daí, o destino
que tomar será de toda a minha responsabilidade. Iria para uma residência de um
parlamentar que o General conhece e nela ficaria, à disposição do Comandante da
Escola de Estado-Maior, para qualquer explicação, esclarecimento ou informações, pois
não tenho crimes a responder. Servi a um Governo constituído. Servi lealmente e
respondo pelos meus atos. Não me omiti, não me escondi e, na hora de sua sustentação,
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também estava no “front” que me cabia”. Era uma proposta leal que fazia e somente o
General Mamede saberia onde me encontrar.
Ouviu o General Mamede, calado e sério, a minha sugestão. Falou, em sala
reservada, pelo telefone, com o General Castello Branco e, minutos após, com um riso
nos lábios, vinha me comunicar que o General Castello Branco havia aceito a minha
proposta. Iria me dar segurança e proteção até a Praça José de Alencar (a escolha deste
logradouro me ocorreu pelo hábito de almoçar e jantar freqüentemente no “Parque
Recreio”). Daí, eu rumaria para a casa do meu amigo congressista, para quem telefonei,
apenas conseguindo falar com a sua corajosa esposa que, informando-me que o seu
marido se achava em Brasília, acrescentou, com muita decisão e firmeza, que eu podia
ir que ela já ia preparar o apartamento de hóspedes. Já passavam de duas da madrugada
e esta senhora tomou todas as providências para me receber e me resguardar na sua
residência, arrostando com todas as conseqüências de um estado de guerra que ainda
não se normalizara.
Na minha residência, aguardava João Carlos Pessoa de Oliveira o meu chamado.
Veio incontinenti, acompanhado de outro amigo, um engenheiro que conheço, há
muitos anos, da Paraíba. Passaram, novamente, todas as barricadas, com ordens do
General Mamede e chegaram até onde eu me achava, no gabinete do Comando.
Na minha caminhada de regresso, pelos corredores da Escola, o ambiente era diferente.
Havia oficiais graduados de fisionomias cerradas, mas todos disciplinadamente
acompanhando a cena com discrição e respeito ao prisioneiro. O General Mamede me
acompanhou até ao automóvel de João Carlos. Ao meu lado, um coronel foi abrindo as
barreiras. Seguia-nos uma Kombi, com o Major D’Aguiar e outro oficial. Ao terminar a
Avenida Pasteur, o coronel que vinha no meu carro saltou. Prosseguimos, seguidos
sempre pela Kombi do Major D’Aguiar. Na Praça José de Alencar, o Major D’Aguiar se
perfila e bate continência, dizendo: – “Está finda aqui a minha missão. Felicidades,
Ministro Jurema”.
Que dignidade, que fidalguia, que correção, que compostura e que elegância de um
vencedor para um vencido, demonstrava o Major D’Aguiar! Era, realmente, um oficial,
na luta, na vitória e no trato com prisioneiros!
Na Rua das Laranjeiras, perto do novo viaduto que leva ao Túnel Catumbi-
Laranjeiras, o trânsito estava fechado por numerosos caminhões com tropas do
Governador do Estado. Valeu-nos, aà distância, a faixa amarela dos veículos do Estado.
João Carlos manobrou rápido o Gordini e rodamos desorientados as ruas do Catete e a
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pista do aterro. Impossível seria a passagem para a Zona Norte. Ou se iria pela Rua
Gomes Freire, onde a Polícia de Lacerda tinha o seu quartel general, ou pela Avenida
Presidente Vargas onde, em frente ao Ministério da Guerra, deveria haver muita tropa
concentrada.
Acolheu-me um amigo, bem em rua discreta e casa mais discreta ainda.
Era madrugada alta de quarta para quinta-feira (1º de abril). Recebi, ainda, amigos
decididos que me queriam ajudar. Tive noticias da família. Acertamos planos para
minha ida a Brasília a fim de reassumir o meu mandato de deputado. Era a minha meta.
Voltar ao posto para o qual me conduzira o povo paraibano e pela segunda vez. Dormi
tranqüilo, na expectativa de conseguir alcançar Brasília, por qualquer meio de transporte
à mão.
Sexta e sábado se passaram sem que as coisas, clareassem. Vários amigos tiveram
os seus esforços baldados na busca de um meio de condução que me levasse a Brasília.
Afinal, na manhã de domingo, os amigos acordaram que só haveria um recurso, o asilo
numa embaixada, pois o Deputado Neiva Moreira, que havia conseguido embarcar num
“Caravelle” para Brasília, à altura da nova Capital, teve o seu avião de regresso ao Rio,
por ordem do Comando Revolucionário e estava preso numa fortaleza. Brasília já não
oferecia segurança nem mesmo aos parlamentares. A Revolução alcançara outra etapa.
Não seriam respeitados os mandatos eletivos de qualquer figura comprometida com o
Governo deposto. O Presidente Ranieri Mazzilli havia mandado informar a minha
esposa que não podia me dar garantias e que, possivelmente, até ela própria teria que
comparecer à Polícia para prestar esclarecimentos...
Nessa altura, já a minha casa havia sido varejada por duas vezes pelos policiais do
conhecido Borer. Armados de metralhadora, voluntários e policiais submeteram minha
mulher e meus filhos aos atropelos e vexames de uma busca pelas dependências da casa
modesta em que resido, na Rua Cesário Alvim, 27, em Botafogo. Até tiro dispararam no
portão para amedrontar mulheres e crianças. E de tudo ficou a coragem de minha
mulher. Não houve amigos que conseguissem retirá-la de casa com as crianças.
Permaneceu nela e ainda permanece, Sem temer novas “visitas”, novos vexames, novas
arbitrariedades. Ao vasculhar por debaixo da cama do meu quarto, o irmão do Borer
ouviu de um jovem paraibano que havia servido no meu gabinete: – “O senhor já viu
paraibano se esconder debaixo da cama?” De minha mulher, o mesmo Borer ainda
ouviu: – “Para prender um homem é preciso tanta metralhadora? Se meu marido aqui
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estivesse não fugiria nem resistiria. Ele não tem nada a temer. Bastaria o convite da
autoridade competente, para ser atendido. Meu marido não é criminoso nem covarde!”
Na lei das compensações naturais, até as provações, por mais duras que sejam, têm
o seu sentido e o seu significado. Guardei, de tudo o que se passara, mais esses gestos
do que mesmo todas as incertezas vividas, todos os percalços, todas as apreensões e
sofrimentos!
No dia 5 de abril, domingo, às 13.30 h, entrava eu na Embaixada do Peru, cujos
portões e cujos braços do Embaixador Cesar Elejalde abriram-se cordial e
acolhedoramente, não apenas por força do sagrado direito de asilo, mas pelos
sentimentos que inspiram uma personalidade simpática de um diplomata que, durante
37 dias, sempre cresceu, no meu conceito e na minha admiração, pelo seu sentimento de
solidariedade humana, pelo alto teor de sua formação pública e pela firmeza de
propósitos em assegurar, a todos os asilados sob a bandeira do Peru, as garantias mais
completas e inequívocas.
Foram 37 dias de recolhimento, mas de ambiente sadio, tranqüilo e hospitaleiro.
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XVIII - O Asilo
AO chegar à Embaixada do Peru, residência do Embaixador, na Avenida Pasteur,
146, lá já encontrei um asilado. Antônio Luiz Prazeres, chefe da secção de treinamento
de pessoal da Petrobrás. Chegara no sábado, à tarde, depois de ter verificado, nos dias
subseqüentes ao movimento, a impossibilidade de voltar ao trabalho e, o que era pior, a
de ficar em liberdade.
Depois das apresentações formais à Embaixatriz, ao Ministro-Conselheiro e ao
Primeiro-Secretário, recolhi-me à meditação. Tudo se desmoronara tão rapidamente que
ainda não tinha tido tempo de pensar na vida. Na vida daí por diante. Vivendo do dia a
dia, sem recursos em disponibilidade, percebendo vencimentos, com compromissos
permanentes de manutenção da família e, ainda, com compromissos assumidos na
própria luta pela existência, em padrões exigidos pelo meio em que vivia, obviamente a
minha situação, se não era das piores, afligia e preocupava.
Não era das piores e o tempo se encarregou de me tranqüilizar, pois o regresso do
meu filho mais velho, de Roma, não apenas confortou a todos, a mim e a minha família,
como me assegurava um mínimo de cobertura das despesas normais de casa, com os
vencimentos que percebia na Caixa de Amortização. As manifestações constantes dos
amigos, do Rio e da Paraíba, as mensagens dos parentes mais próximos, tudo isso
começou a me dar mais segurança com relação aos dias que se iam seguir.
Havia, no entanto, o problema da viagem ao exterior, por força do asilamento.
Durante os meus trinta anos de vida pública, dispondo de todas as facilidades para
viajar, somente conhecia Assunção, Lisboa e Nova York, graças às comissões com que
me distinguiu o Presidente Juscelino Kubitschek quando exerci a liderança do seu
Governo na Câmara dos Deputados. Preocupava-me, sobremodo, o vulto das despesas
com passagem e estadia. Sabia-as altas, por experiência. Evidentemente, não seria fácil
viver no exterior, sem fontes de renda e sem trabalhar.
Aos poucos, pelas mãos de amigos impressionantemente dedicados, essas aflições
foram sendo superadas. Eles se movimentavam e, com a colaboração efetiva e também
muito carinhosa, pude, afinal, armar-me para suportar o exílio, com padrões modestos,
obviamente.
Houve Mmanifestações comovedoras entre muitas que me tocaram, a fundo, a
sensibilidade. Um contínuo do Banco do Brasil, através de uma carta, revelando-se
paraibano, mandava-me, por um amigo, ajuda. Outras se seguiram e até dólares, em
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pequenas parcelas, chegavam minha casa para a minha mulher me entregar. As visitas
não pararam em minha casa e na Embaixada, apesar do clima de tensão em que se vivia.
É que a provação tem dessas coisas! De par com o sofrimento, com o isolamento da
família, com as restrições à liberdade, com as injustiças cometidas, com os maus
julgamentos, com a fuga de alguns colegas e amigos dos velhos tempos de fastígio,
seguiam-se gestos que sufocavam inteiramente as mágoas e abriam horizontes ao
espírito, que valiam por um Ministério perdido da noite para o dia! Valiam muito mais,
até por um reino deste mundo!
Recebi abraços que nunca se assemelham àqueles que são dados quando no Poder
da glória ou do dinheiro. Recebi-os com o coração ferido, embora, mas com a alegria
profunda que a certeza da sinceridade dessas demonstrações de afeto e de amizade
desperta e faz crescer. Ouvi palavras de sabedoria e de compreensão. Ouvi conselhos
profundos. Ouvi vozes amigas que nunca mais sairão dos meus ouvidos. Aos meus
olhos desfilam, diariamente, mesmo aqui em Lima, toda aquela gente boa que não se
perdeu através do trombetear dos rádios e de noticiário oficial e oficioso. Toda aquela
gente que, sem alterar julgamentos e sem revisionar conceitos, apesar do tempo e das
tempestades, veio até a mim e me dava uma absolvição o que vale mais do que a de
qualquer tribunal. Não foram às provas, não foram aos indícios, não escutaram os
libelos. Ouviram, apenas, a consciência. Sentia elevação destses gestos, que
representaram, no meu espírito, a sentença moral dos que acreditavam em mim,
continuaram a acreditar e nunca, em tempo algum, julgaram-me mau brasileiro, mau
amigo, mau pai, mau esposo e mau companheiro de trabalho e de luta.
Os 37 dias passados na Embaixada do Peru fizeram-me passar, e muito bem, no
teste do ostracismo e no do opróbrio a que, alguns pensaram me jogar. Se não dão
saudades, mataram, entretanto, as saudades de casa, fazendo-nos orgulhosos perante a
família. Ela não estavas sozinha no julgamento do seu chefe. Ela não choraria sozinha a
separação. Ela não derramaria lágrimas, porque também de orgulho se encheriam os
seus olhos e corações.
Até os atropelos naturais de uma vida em comum e em casa alheia, as cerimônias,
os constrangimentos e os conflitos de temperamento e de formação cultural e política,
tudo isto era superado pela romaria dos que ainda acreditavam em nós e a maioria deles
desvinculada de quaisquer compromissos políticos. Muitos deles nunca tiveram os seus
destinos vinculados ao meu. Muitos me acompanhavam, apenas, pelo rádio e pela
imprensa, face ao meu tempo muito escasso para estreitar amizades e convivências. O
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importante é que estavam ali na hora certa de destinos incertos. Estavam ali na
espontaneidade de atitudes e gestos que dão à vida beleza e felicidade.
Não fiquei sozinho na hora da adversidade e isso me basta mesmo.
* * *
Toda a segunda-feira (6 de abril) seguinte, na Embaixada, discorreu sem novidade.
Eu e o Antônio Prazeres, com o Embaixador ausente da Chancelaria (Av. Ruy Barbosa)
e a Embaixatriz também fora, atendendo a compromissos sociais, vendo os portões
abertos, sentindo que, na casa, só estavam os serviçais e ouvindo, pelo rádio, e lendo,
pela imprensa, as batidas do Borer, as buscas em domicílio, as prisões em massa e toda
uma série de violências que se seguia ao sucesso revolucionário, começamos a ter
conhecimento do que representava o instituto do asilamento. Garantia a nossa
integridade física apenas um símbolo. Não havia força alguma nem dentro nem fora da
Embaixada, apenas, da linha do portão para dentro, estávamos nós protegidos por uma
convenção de povos, por normas internacionais, por compromissos que nenhuma força,
até mesmo a de uma revolução, poderia quebrar.
Da nossa janela divisávamos o “Princesa Leopoldina” e víamos, ao longe, as
Fortalezas da Laje, Santa Cruz e São João que estavam, como diziam os jornais, repletas
de prisioneiros. Imaginávamos quantos injustamente ali estavam e sentíamos não terem
tido eles tempo ou idéia de alcançarem uma Embaixada, como a nossa, por exemplo,
onde, do Embaixador ao mais modesto serviçal, tudo era uma vontade só, em nos
acolher bem e com toda a dignidade.
Ao nosso lado havia um cinema cujas filas se esparramavam pelas calçadas da
Embaixada, à nossa frente o Iate Clube, cheio de vida e de mocidade, e, mais além,
contrastando com a Baía de Guanabara, presídios que falavam à nossa alma, indicando
como os erros dos homens que perdem e que vencem são comuns nos seus efeitos,
jogando na desdita gregos e troianos, inocentes e culpados, numa promiscuidade em
nada favorável aos destinos do País.
No correr da semana, foram chegando mais Hóspedes à Embaixada. Pela ordem,
foram entrando: advogado Magarinos Tôrres, radialista Hiran Aquino, industrial Otto da
Rocha e Silva e o psiquiatra Clidenor Freitas.
Todos jamais imaginaram ter de recorrer ao asilo. Vitoriosa a Revolução, cada um
pensou que, passados os primeiros instantes de vindita, de violência e de perseguição,
retornaria a Nação à vigência das suas leis que a formam uma Nação democrática.
Direta ou indiretamente, todos tinham servido ou ajudado, cooperado ou simpatizado
115
com o Governo João Goulart. Nenhum, entretanto, julgou seus papéis à altura de ter que
recorrer ao asilo para que não sofresse os vexames de uma prisão e as humilhações de
policiais desarvorados, que nada respeitavam.
O psiquiatra Clidenor Freitas, por exemplo, achava-se em casa, no dia seguinte ao
sucesso revolucionário, arrumando calmamente as suas malas para regressar a Brasília e
se considerando já exonerado do cargo de Presidente do IPASE quando, do gabinete
daquela instituição previdenciária, um bom amigo anônimo lhe telefonou e recomendou
a sua fuga, pois, naquele instante, oficiais armados de metralhadoras o buscavam por
todas as dependências do IPASE, já tendo levado para as prisões um dos seus diretores,
Gamaliel Bueno. O médico já estava de passagem marcada para Brasília, com a
consciência tranqüila e à espera só de ser chamado, posteriormente, para
esclarecimentos ou mesmo defesa dos seus atos que, por certo, iriam ser, levados a
duras pendências. A partir daquele instante, a sua vida mudou e passou a ser um
fugitivo, de casa em casa de amigos, até à Embaixada, onde chegou com os nervos, o
corpo e o espírito esgotados pelo sofrimento e pelas injustiças. Dormiu doze horas
seguidas, restaurando-se fisicamente.
Assim, viveram muitos dos que se acham hoje no exílio ou ainda nas prisões que o
Brasil vê, pela primeira vez, mais cheias de acusados do que de criminosos, mais cheias
de suspeitos do que de réus, mais cheias de inocentes do que de culpados.
Já nos últimos dias do asilamento, chega de Minas Gerais o advogado Fabrício
Soares, ex-deputado estadual e procurador do IPASE. Estava também sob suspeita e
caçado pela Polícia se Minas e pelos “voluntários” de Borer.
Já antes alguns dias, o advogado Magarinos Tôrres, irrequieto e teimoso, trocava o
asilo da Embaixada do Peru pelo da Bolívia.
Nos dias 11 e 15 de maio, chegavam a Lima dois grupos de asilados. Primeiro
grupo: eu, Hiran Aquino e Otto da Rocha e Silva. Segundo grupo: Clidenor Freitas e
Antônio Luiz Prazeres. O advogado Fabrício Soares resolvera, na última hora,
abandonar o asilo para esconder-se em algum lugar, à espera de luzes para voltar aos
livros de Direito e aos processos do fórum.
Lima nos acolheu bem. Cidade limpa, plana, ampla e em pleno desenvolvimento. A
acolhida discreta dos peruanos, pelo temperamento e pela educação, não seduz à
primeira vista, mas acalenta, embala e esquenta a alma, pela fidalguia e, sobretudo, pela
mais absoluta compreensão e respeito às motivações que levam estrangeiros aos seus
horizontes.
116
As portas de Lima se abriram tão largas como as da Embaixada no Brasil. E aqui
estamos cumprindo um destino, voltados para a Pátria distante, com o coração e o
espírito alimentados pelos mesmos ideais que já, por tantas vezes, tem sacrificado não
apenas centenas de milhares de presos e grande número de asilados, mas até gerações.
Que nos sacrifiquem a nós, mas não aquelas gerações que nunca se tornarão felizes
com as costas voltadas para as injustiças.
Nunca o ódio construiu.
“Só o amor constrói para a eternidade.”
117
XIX - Diálogos
A DEMOCRACIA que, na sua essência, vive da convivência dos contrários, jamais
poderá subsistir no monólogo que a definhará até à morte. Sua consistência se apura no
debate, na controvérsia, no entrechoque das teses e idéias. Qualquer outra modalidade
que se lhe aplique, não apenas porá em curso o processo de distorção do seu conteúdo
moral e político, como se alterará toda a sua significação através da história da
humanidade. Toda a sua história é de lutas, de sangue, de sacrifícios, de suor e lágrimas.
Por isso mesmo é que grandes vultos, na história de todos os povos, que surgiram
para salvá-la, no delírio do Poder se perderam, e, ainda em seu nome, por algum tempo
a exerceram, deformada e deturpada, até à queda fatal. Há monumentos, nas praças
públicas, de reconhecimento pelo que representaram nas lutas libertarias, mas nunca
pelo que praticaram do alto, pensando, sem dúvida, em servi-la.
Napoleão aí está, de corso a imperador, de soldado do povo ao déspota que
terminou os seus dias em Santa Helena. Seus troféus e glórias servem para a exaltação
do ideário que simbolizou na época, mas nunca para o ditador, como paradigma (do
espírito francês.
Na sua visão de estadista, de político e de chefe, Getúlio Vargas, ao inspirar,
simultaneamente, a criação do Partido Social Democrático e do Partido Trabalhista
Brasileiro, nos começos da redemocratização política do País, procurou lançar bases
sólidas de uma democracia que resistisse aos embates ideológicos que já começavam a
agitar, mais intensamente, a vida brasileira.
Estava Luiz Carlos Prestes em liberdade e recebendo consagrações populares por
toda parte em que surgia. As chamadas classes dirigentes já apontavam, para o embate
político, divididas entre o varguismo e o antivarguismo, origens do PSD e da UDN.
Uma indústria nascente já dava oportunidade à expansão de um trabalhismo que se
avolumaria, com ou sem o PTB. Esse trabalhismo se misturaria a um populismo
preexistente ao desenvolvimento industrial e faria ainda mais crescer o “preéstismo” e,
conseqüentemente, o Partido Comunista Brasileiro. O PTB, na visão de Getúlio Vargas,
seria o dique a essa onda vermelha e, unido ao PSD, daria consistência à democracia em
nosso País.
Já se disse, e com muita razão, pelos fatos que têm ocorrido, que o PSD, sem o
PTB, marcharia para a reação absoluta. E o PTB, por sua vez, sem o PSD, Mmarcharia
para a revolução. Um completaria o outro, nas suas deficiências e defeituosas
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interpretações humanas dos fenômenos sociais. A aliança conteria os dois nos justos
termos. Nem muito ao mar, nem muito à terra. José Américo, o grande estadista
paraibano, dizia sempre, numa advertência ao seu povo e à própria gente brasileira, que
é preciso se dar alguma coisa hoje, para não se perder tudo amanhã!
A essa luta das esquerdas pelo controle do PTB, o Presidente João Goulart esteve
presente em toda a sua vida política. A princípio, de forma até inconsciente, disputando
a liderança e lutando pela sua consolidação. Na Presidência da República, não fez outra
coisa, lutando para não lhe fugir das mãos a liderança trabalhista cuja disputa não
apenas partia das esquerdas como das camadas mais esclarecidas do Partido Trabalhista,
como aconteceu com Alberto Pasqualini e Fernando Ferrari. Na Presidência da
República, jamais pensou em substituir Baeta Neves no exercício da Presidência do
Partido, se bem que conhecesse as suas deficiências e a sua curta projeção política.
Quando a Almino Afonso cresceram as asas, como Ministro do Trabalho, sobre o
campo trabalhista, logo Gilberto Crockat de Sá foi despachado para controlá-lo e em
seguida derrubá-lo.
Certa vez, simples deputado, ouvi do Almino Afonso, no seu gabinete de Ministro
de Estado, que não permitiria o “peleguismo” oficial como filosofia trabalhista e não
admitiria a existência dos Crockats de Sá nos sindicatos, federações e confederações do
trabalho. Julgava ter limpado a área de toda essa influência de Gilberto Crockat de Sá,
que vinha desde os tempos de Vargas.
No dia seguinte, ao chegar a Brasília, recebi um convite do Presidente para uma
audiência especial na Granja do Torto. À minha entrada, estava Gilberto Crockat de Sá,
muito à vontade e me dizia que “há três dias estava com o Jango que ainda não o
deixara regressar ao Rio, num repasso das providências a serem tomadas na área
trabalhista sindical...”
Compreendi, de logo, que o Ministro Alinino Afonso estava no chão. Lutara contra
uma tradição e fora facilmente vencido pelo ciúme do Presidente com aquele setor que
era seu, por herança política, e permanecia seu, pelo prestígio que já se consolidara nas
massas e ainda, obviamente, pela força da Presidência da República.
Pelas mesmas razões, nunca um Sérgio Magalhães teria força no trabalhismo
oficial. O Governador Miguel Arraes, na última convenção do PTB, em Pernambuco,
desejou ingressar no Partido Trabalhista. Já era um candidato ostensivo quase à
Presidência da República. Teve, Arraes, o seu ingresso barrado pelo Presidente.
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Na Paraíba, dispensava considerações especiais ao Senador Argemiro de
Figueiredo, Presidente do PTB regional, mas alimentava o prestígio do jovem Deputado
Assis Lemos junto aos trabalhadores e às Ligas Camponesas, mesmo contra o Senador
Argemiro de Figueiredo, como cuidado de evitar que Francisco Julião o arrebatasse.
Barros Carvalho, Bezerra Leite, Souto Maior, Oswaldo Lima Filho e alguns líderes
sindicais eram elementos da sua confiança, que punha de sentinela, em Pernambuco,
para evitar que Arraes dominasse a área trabalhista. O Padre Melo, figura singular de
pároco de aldeia, com larga irradiação nos campos agitados da zona canavieira de
Pernambuco, desfrutava de todo o seu prestígio, justamente para neutralizar e mesmo
evitar a predominância de Francisco Julião na área nascente do trabalhismo camponês.
Assim atuava o Presidente por todo o País. E, para conservar-se nessa liderança,
teria que dialogar com as esquerdas, conservá-las ao seu lado, simular-lhes prestígio,
ainda mesmo concessões que, aparentemente, poderiam significar rendição ou
envolvimento.
Em despachos subseqüentes à minha investidura, aplaudindo os meus
pronunciamentos de que seria, no Ministério da Justiça, o “homem do diálogo”,
recomendou-me: – “Converse com as esquerdas, dê uma conversada com Arraes,
dialogue muito e em toda parte, mas não dê nada às esquerdas”...
Evidentemente, ninguém governará bem o País, ignorando correntes de opinião. As
esquerdas constituem uma corrente. Muito dividida e sem um líder único, mas sempre
presentes em todas as lutas reivindicatórias. As maiores dificuldades, para se conter uma
greve, não eram encontradas na intransigência da massa trabalhista, mas na
radicalização de muitos dos seus líderes que, num jogo político, ampliavam as
postulações para se fortalecerem.
O Ministro Amaury Silva, na sua paciência beneditina, levava o diálogo por
madrugadas inteiras, esgotando-se em vão. Só a intervenção pessoal do Presidente da
República, às vezes até com ameaças diretas aos líderes sindicais, sobretudo àqueles que
sabia mais da extrema esquerda do que do trabalhismo petebista, com o seu
conhecimento pessoal de cada um, a sua experiência no trato com todos eles, a sua
autoridade de Chefe trabalhista e de Presidente da República, carreava sempre êxito às
suas intervenções.
Fortalecia-se o Presidente na liderança trabalhista, mas cada vez mais se
comprometia com as Classes Produtoras e com uma opinião pública trabalhada pela
oposição que jamais lhe deu tréguas.
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Ampliava-se a área de diálogo com as classes trabalhadoras, mas estreitavam-se as
condições para entendimento com as classes patronais que rapidamente, se foram
associando àquela oposição que engrossava à medida que os desajustamentos sociais
provocavam novas crises entre o cCapital e o Trabalho.
Dos contactos que tive com o Presidente, e que se amiudaram, obviamente, nos
nove meses que passei no Ministério, nada me levava a aceitar o seu envolvimento pelo
Partido Comunista. Disputava, sim, o comando das massas, com manobras até nas mais
das vezes audaciosas, nunca, porém, para distribuir as glórias com Prestes ou com quem
quer que aparecesse travestido nas roupagens de líder popular.
Faltou ao Presidente decisão de chefia, como, às lideranças populares que o
apoiavam ostensiva ou discretamente, faltou perspectiva histórica. O diálogo que se
abria para o debate amplo das idéias e das reivindicações, com o afastamento total da
velha tese de que a “questão social era um caso de polícia”, substituíram-no pelo
tumulto, pela agitação e pela seqüência de situações. Esgotaram a capacidade e as
reservas de resistência e de sustentação do Presidente João Goulart.
O processo democrático, numa República sacudida pelos efeitos multiformes do
seu vertiginoso crescimento, da transformação de sua sociedade tradicionalmente
agrária em sociedade agroindustrial, da participação dos trabalhadores, cada vez mais
presentes, nos comandos nacionais e da onda inflacionária que desajusta e inquieta a
maior parte da família brasileira, esse processo, para se conservar normal, dentro da
processualística jurídico-constitucional, teria que ser cuidado como uma planta tenra a
exigir paciência, renúncia, compreensão e transigência.
As radicalizações eclodiram por todos os lados e a violência surgiu como medida
que, a grandes forças, pareceu oportuna, numa adequação imposta e que o tempo será o
grande juiz da sua oportunidade e justeza saneadora.
Acima das contingências do momento, das injustiças e do arbítrio, mais alto e mais
forte falará a Nação.
Ouçam vencedores e vencidos os ecos do grito de Marat, do fundo da banheira em
que foi assassinado: – “Oh, Liberdade! Quantos crimes se cometem em teu nome!”