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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO DO CAMPO LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO NO CAMPO ROSILENE CEREIJA FERREIRA MEMÓRIA E TRAJETÓRIA NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE DE MULHER NEGRA CAMPONESA MILITANTE DA AGROECOLOGIA MARABÁ- PA 2017

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO NO CAMPO

ROSILENE CEREIJA FERREIRA

MEMÓRIA E TRAJETÓRIA NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE DE

MULHER NEGRA CAMPONESA MILITANTE DA AGROECOLOGIA

MARABÁ- PA

2017

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO NO CAMPO

ROSILENE CEREIJA FERREIRA

MEMÓRIA E TRAJETÓRIA NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE DE

MULHER NEGRA CAMPONESA MILITANTE DA AGROECOLOGIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a

Faculdade de Educação do Campo da Universidade

Federal do Sul e Sudeste do Pará, como requisito

parcial para a obtenção do grau de Licenciado em

Educação do Campo, com ênfase em Ciências

Humanas e sociais.

Orientadora: Profa Ma..Ailce Margarida Negreiros

Alves

MARABÁ- PARÁ

2017

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO NO CAMPO

MEMÓRIA E TRAJETÓRIA NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDA DE

MULHER NEGRA CAMPONESA MILITANTE DA AGROECOLOGIA

ROSILENE CEREIJA FERREIRA

Defesa pública em: _________/ __________/ ___________

Conceito: _____________________

Banca Examinadora:

__________________________________________________

Prof ª Ma. Ailce Margarida Negreiros Alves

UNIFESSPA/ FECAMPO (Orientadora)

__________________________________________________

Profª Ma. Maura Pereira dos Anjos

UNIFESSPA/ FECAMPO (Examinadora)

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria Neuza da Silva Oliveira

UNIFESSPA/ FECAMPO (Examinadora)

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Biblioteca Setorial Josineide da Silva Tavares

Ferreira, Rosilene Cereija

Memória e trajetória na construção de uma identidade de mulher negra camponesa militante da

agroecologia / Rosilene Cereija Ferreira ; orientadora, Ailce Margarida Negreiros Alves. —

Marabá : [s. n.], 2018.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará,

Campus Universitário de Marabá, Instituto de Ciências Humanas, Faculdade de Educação do

Campo, Curso de Licenciatura em Educação do Campo, Marabá, 2018.

1. Mulheres – Aspectos sociais. 2. Quilombolas. 3. Negras. 4. Memória. 5. Ecologia agrícola. I.

Alves, Ailce Margarida Negreiros, orient. II. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. III.

Título.

CDD: 22. ed.: 305.4

Elaborada por Miriam Alves de Oliveira – CRB-2/583

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Movimento Sem Terra pela oportunidade de ter uma terra para poder criar

os meus filhos e construir uma vida digna com liberdade e por ter oportunidade de me

qualificar com uma militante e formadora, bem como de ser uma educadora do campo.

À minha família, meu padrasto que apesar de não ser o meu pai biológico me criou com

muito carinho, e a minha mãe que foi o motivo de eu existir e foi a pessoa mais importante

da minha vida.

A minha filha Juliana por ser a mais velha da família, foi quem me ajudou a cuidar dos

seus cinco irmãos para eu poder trabalhar. Sem ela as coisas teriam sido muito mais

difíceis.

Aos meus outros filhos: Jessica, Delbson, Delton, Lucas e a Ronielle, e meus netos por

me fazerem felizes nas horas mais difíceis da minha vida.

A meu amigo professor Salvador Batista que foi um dos maiores incentivadores para que

eu hoje esteja finalizando a graduação.

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Sumário

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS E A ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA DA

PESQUISA6

2. CAPÍTULO I: DESCENDÊNCIA QUILOMBOLA E A SAÍDA DO

MARANHÃO10

2.1. Minha família foi vendida três vezes por um “gato”, caímos no Projeto Jari16

2.2. “nós vamos embora desse inferno hoje”: a vida no Pará e a chegada em

Marabá20

2.3. A chegada dos filhos27

3. CAPÍTULO II: A MILITÂNCIA NO MST E A CONSTIUÇÃO DO

CMPESINATO NA AMAZÔNIA28

3.1. O massacre de 17 de Abril28

3.2. O Natal sem-terra31

3.3. Primeiros aprendizados como militante do MST34

4. CAPÍTULO III: OUTROS APRENDIZADOS NA FRONTEIRA37

4.1. Meu encontro com o debate de gênero e a agroecologia37

4.2. Agroecologia e produção de biojóias39

4.3. Minha trajetória na educação do campo41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS45

6. REFERÊNCIAS48

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1. NOTAS INTRODUTÓRIAS E A ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA DA

PESQUISA

Toda história contém elementos relevantes para a compreensão de processos

sociais culturais e políticos produzidos por pessoas, sujeitos, grupos, segmentos sociais

num dado tempo histórico e em contextos que envolvem espaço, localidade, aqui

compreendido como território. Histórias marcadas por enfrentamentos, resistências,

mobilidades, mudanças, andanças na conquista do sonhado território, o que neste

contexto do sudeste do Pará, assentamento Primeiro de Março, município de São João do

Araguaia, se convencionou chamar luta pela terra. Neste caso, confesso muitas andanças,

mudando de um lugar pra outro em busca de condições de vida melhores.

Este trabalho remete a fatos e acontecimentos importantes dentro de um contexto

de fronteira amazônica, envolvendo várias vivências, passagens, atos e atividades

específicas de sujeitos, que tratam de eventos que explicam dinâmicas específicas de

sociedades amazônicas e suas singularidades. Nesse contexto destaca-se particularmente

a formação de um campesinato migrante na Amazônia, em que a autora é uma

personagem ativa na construção desta história. Encontram-se neste texto em linhas e

entrelinhas a história de muitos e muitas outras personagens partícipes da constituição do

campesinato regional no complexo e disputado território do sudeste do Pará. Isso significa

adentrar num universo difuso, complexo, doloroso das lutas sociais, conflitos agrários,

ocupações organizadas da terra, migrações forçadas e forjadas, por situações de vida, por

condições étnicas e de raça é aprofundar a compreensão das desigualdades de classe, de

gênero, de etnia e raça, tanto no âmbito internacional, nacional e local, a exemplo do

tratamento dado pelos processos de colonização europeia aos povos africanos e indígenas

em solos brasileiros desde os primórdios da colonização europeia até as formas mais

contemporâneas de colonização.

Assim as reflexões contidas aqui são de uma experiência real, vivida ao longo dos

anos, entre um lugar e outro das muitas mudanças que experimentei como mulher negra,

camponesa, com passagens por diversas localidades e construção de relações singulares

que pouco ou quase nada se diz na literatura científica, mas que explica muito do contexto

amazônico camponês migrante, particularmente da vida de mulher e de mulher negra em

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particular. Bueno (2002;p 25) citando Margaret Nelson (1992) e Michele Perrot (1989)

diz: “a história pública frequentemente ignora a visão das minorias e nesse contexto a

vida das mulheres é ainda mais oculta, porque informações importantes são ignoradas,

conscientemente evitadas ou distorcidas.” Para Spvak trabalhadores em geral, a mulher e

a mulher negra em particular está submetida a subalternidade (SPIVAK, 2010), fato

ligado aos processos de colonização.

O ato de fazer ciência tem produzido uma diversidade de métodos e

metodologias científicas e histórias de vida, biografia e autobiografia se constituem

alguns desses métodos de caráter científico, muito utilizados nos últimos tempos em

várias áreas do conhecimento, os quais se prescindem muito da memória. E como afirma

Bueno (2002; p. 20): “Além do mais, sua narrativa não é um relatório de acontecimentos, mas

a totalidade de uma experiência de vida que ali se comunica.”.

Na construção deste trabalho foi fundamental a mobilização da memória, como

um dos principais recursos utilizados, não tinha como ser diferente, pois esta trajetória

está dentro de mim, como parte de minha vida e de minhas lembranças. Na perspectiva

de Margarida Neves (1998), citada por DELGADO (2006;p18) como muito importante o

conceito de memória por que é nela que “se cruzam passado, presente e futuro;

temporalidades e espacialidades; monumentalização e documentação; dimensões

materiais e simbólicas; identidades e projetos.” Todos estes elementos permeiam esta

autobiografia por serem inerentes, fazerem parte da minha história de vida. Cada

lembrança aqui registrada expressa os lugares, as pessoas, os grupos, comunidades, os

processos, as crenças, o meu jeito de ser e viver que coincide com o de muitos outros e

outras trabalhadoras do campo, pertencentes a grupos sociais específicos. Neves, citada

por DELGADO (2006; 18) diz ainda dessa importância da memória colocada como

crucial:

... porque na memória se entrecruzam a lembrança e o esquecimento; o pessoal

e o coletivo; o indivíduo e a sociedade, o público e o privado; o sagrado e o

profano. Crucial por que na memória se entrelaçam registro e invenção;

fidelidade e mobilidade; dado e construção; história e ficção; revelação e

ocultação.

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Dessa maneira este trabalho parte do objetivo de refletir sobre minha trajetória

de vida, ao longo dos anos, num exercício da memória, trazendo as lembranças do vivido,

do experimentado do construído por mim, na relação com minha família e a sociedade,

num esforço de identificar os elementos históricos e do contexto social e cultural que

influenciam na minha formação social e política. Dediquei-me sobre minha trajetória de

vida buscando compreender minha própria formação enquanto sujeita participante de um

segmento social importante na Amazônia, a categoria camponesa formada pelos que

vivem da agricultura familiar camponesa, na condição de assentados e assentadas da

Reforma Agrária ou acampados e acampadas, excluídos da Reforma Agrária, ou ainda

outros sujeitos com identidade ribeirinha, extrativista, povos tradicionais entre outros.

Todos com identidades marcadas por fatores que são da história e trajetória da formação

do Brasil, que implica na formação de um campesinato amazônico. No meu caso a

formação de uma identidade étnica social e política de mulher militante, negra

camponesa, assentada da reforma agrária atuante na agroecologia.

Partindo desses elementos, as perguntas da pesquisa são: que elementos da história

e do contexto sócio cultural do país marcam os processos formativos das identidade

étnicas sócio culturais e de gênero? Qual a contribuição da autobiografia e história de

vida para compreender processos históricos na Amazônia como a formação do

campesinato local, e as contradições do chamado desenvolvimento da Amazônia?

O trabalho está organizado da seguinte forma: o primeiro capítulo trata da minha

origem, minha descendência e processo migratório até chegar na região, onde discuto

minha descendência étnica negra de raízes em territórios de quilombos, minha formação

escolar e outros. Essa história que está articulada com a formação do povo brasileiro de

marcas escravocratas, mas também destaco não só a escravidão negra, mas as formas

novas de escravidão por que passou minha família1. No segundo capítulo faço uma

reflexão acerca da formação do campesinato migrante a partir da minha participação ativa

na organização do acampamento na Fazenda Pastorisa, município de São João do

Araguaia e no terceiro capítulo faço uma discussão da minha condição de mulher negra

militante e defensora da agroecologia na AMORA (Associação das Mulheres organizadas

1 Minha família trabalhou sem receber, pois foi serviço arranjado por “gatos” e esses cobravam um valor exagerado dos mantimentos e a dívida apenas aumentava e nunca tinha saldo positivo.

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da Reforma Agrária), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e integrada

a luta maior com participação outros espaços de luta dos trabalhadores e trabalhadoras a

exemplo da COMUNA CEPASP (Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e

Popular).

Dessa forma o trabalho Memória e trajetória da construção de uma identidade de

mulher negra camponesa militante da agroecologia aporta elementos e questões

relevantes para o entendimento das relações estabelecidas nessa grande fronteira do

sudeste do Pará na Amazônia oriental.

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2. CAPÍTULO I: DESCENDÊNCIA QUILOMBOLA E A SAÍDA DO

MARANHÃO

Eu sou Rosilene Cereija Ferreira e a memória da família me diz que tenho uma

descendência mestiça. Sou de pele negra mas carrego nas veias sangue do branco. Tive

oportunidade de conhecer só a descendência materna. E de acordo com relatos de minha

mãe, meu bisavô era africano e minha bisavó era italiana. Dessa forma sou filha de Maria

Jose Cereija, mais conhecida como Raimunda e Joaquim Ferreira, (meu padrasto). Assim

minha origem envolve duas das matrizes étnicas importantes que deram origem ao atual

povo brasileiro, como narra a história: branca europeia e negra africana. Certa de que a

formação étnica originária predominante do povo brasileiro é de português e não

exatamente de italiano. De origem mestiça como a grande maioria do povo desta nação,

carrego no sangue, no rosto, na pele e na vida as marcas dessa história, particularmente

daqueles chamados afrodescendentes. Trago comigo na cor da minha pele, mais

visivelmente, os traços da beleza africana e na vida o exercício cotidiano da cultura afro-

brasileira.

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A figura 012 mostra meu pai de criação ainda vivo e mora comigo até hoje, e minha

mãe, que já partiu desse mundo material. Faço questão de deixar aqui registrado pela

significação que representaram pra mim na minha trajetória de vida, os aprendizados que

tive e a companhia, o cuidado e apoio que me deram o tempo todo.

Ao analisar a formação do povo brasileiro Darcy Ribeiro (1995), afirma que a

mestiçagem das matrizes tupi, luso e africana dá origem ao povo brasileiro, uma

experiência brutal e desumana, particularmente para negros e índios que foram

“d’eculturados” das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências

delas” (RIBEIRO, 1995; p 118). Diz ainda o autor que isso foi o resultado da “empresa

escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e de

coerção permanente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó

desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável.” (RIBEIRO, 1995). A

resistência étnica dos povos negros e índios adentrando a mata, fugindo do tratamento

cruel da coroa portuguesa, particularmente do sistema de escravidão deu origem à várias

experiências de organização e de comunidades tradicionais e campesinas. Quilombo foi

um deles, territórios de resistência das populações negras, fugitivas da condição de

escravidão, dos castigos das Casas grandes.

Não tive nenhum contato com meu pai biológico, a não ser uma breve visita que

fiz quando eu tinha 8 anos de idade, na localidade Bacabeira pertencente ao município de

Penalva-MA. Conforme minhas lembranças era um senhor negro alto aparentando uns 40

anos de idade, de nome Gregório Maia. As lembranças dos relatos de minha mãe afirmam

que a relação foi apenas um namoro de minha mãe com esse senhor, pois ela costumava

dizer que “não gostava de nego”, e me dizia: “quando for casar num arranja nego não,

senão os mininos sai muito preto e nem dá pra pentear os cabelos...Arruma um homem

branco que é pros mininos sair pelo menos vermelhin...”

Daí minha mãe mais tarde achou meu padrasto que era de pele mais ou menos

clara, com quem ficou até os últimos dias de sua vida. Esse jeito de pensar de minha mãe,

2 Figura 01: Fotos de meu pai/ padrasto e minha Mãe Maria José Cereija.

Fonte: Álbum da Autora.

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ainda está muito presente no pensamento do povo brasileiro, construído dentro de um

processo cruel de colonização onde o negro foi associado a tudo que era negativo, inferior

e ruim na sociedade, e isso se expressa hoje no que definimos como racismo. Frantz Fanon

(2008) na obra Peles Negras, Máscaras Brancas destaca algumas dimensões do racismo,

uma ligada a cor da pele, por tanto ao fenótipo, outra ligada ao simbólico, que atua de

forma sutil, cuja consequência é a subalternização de saberes, e ainda a dimensão da

introjeção da inferioridade pela vítima. A colonização branca, racista impôs o fenótipo

europeu branco como modelo de perfeição, e foi responsável pela introjeção e negação

de outros sujeitos como os negros vindos da África e os que já habitavam este território

brasileiro – as inúmeras etnias tupi guarani que constituem os povos originários,

chamadas indígenas. Estes foram considerados raças inferiores. O negro tinha cabelo

“ruim” em oposição ao cabelo “bom” e a própria ciência ratificou isso. O racismo no

Brasil é uma realidade, está entranhada como componente estrutural, porém se disfarça

na crença propagada tanto pela ciência quanto pelos meios de comunicação a existência

da democracia racial no discurso da miscigenação e da tolerância. Isso levou o

antropólogo Kabengele Munanga afirmar que “o nosso racismo é um crime perfeito”3 por

que a própria vítima é responsável por ele.

Sou maranhense, de um dos estados da federação com um contingente étnico

negro muito forte, além da Bahia, Pará, Pernambuco e outros, nascida no ano de 1970, já

na cidade de Santa Inês-MA, para onde minha mãe migrou pela primeira vez ao sair das

terras de suas raízes, terras quilombolas, território deixado pra trás. Meu bisavô se

chamava Francisco Braga descende de africano e minha bisavó descendente de italianos:

Salustiana Cereija eram pertencentes ao quilombo4 de Formosa, onde viviam agricultores,

quebradeiras de coco e pescadores. Este território faz parte do município de Penalva no

Estado do Maranhão. O Território de Formoso é constituído de povoados e ilhas.

3 Entrevista concedida à Camila Souza Ramos e Glauco Farias em 2009, publicada na Revista

Forum. Disponível em https://www.revistaforum.com.br/mariafro/2011/11/20/kabengele-munanga-nosso-

racismo-e-um-crime-perfeito/ 4 Expressão que identifica território onde vivem famílias com traços de ancestralidade negra, de

resistência à escravidão, e que preservam traços culturais importantes. Denominação dada pelos próprios

negros africanos fugitivos das senzalas das casas grandes na época da escravião negra no Brasil. O mais

famoso foi o Quilombo dos Palmares, que data do sec. XVI e registros apontam que residiram 30 mil

pessoas nos diversos povoados chamados de mocambos.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2017-11/ região-do-quilombo-dos-palmares-se-tornara-

patromonio-cultural-do-mercosul

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Quilombo, lugar de muitas histórias de invisíveis, mistérios e encantados, como minha

mãe relatava. Histórias mescladas de saberes tradicionais, formas de cura. Revelam um

potencial natural cultural dos povos negros que ali povoaram aquele espaço. (NOVA

CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA, s/d).

Assim, minha história se assemelha a história de muitos brasileiros, iniciada

ainda no Sec. XV quando do tráfico negreiro pelo Atlântico, o comércio de pessoas

envolvendo Portugueses pela costa da África, comércio altamente lucrativo

(ALENCASTRO, 2000; RIBEIRO, 1995). No Brasil os negros da África que foram

escravizados foram inseridos na exploração da cana-de-açúcar, nos engenhos instalados

no nordeste brasileiro, especialmente por conta da resistência indígena a esse tipo de

trabalho forçado. Condição imposta com a chegada dos europeus no Brasil estes passaram

a explorar as madeiras, ouro, cobre e também mão de obra do escravizada.

Para o estudioso do tema Darcy Ribeiro:

...os concessionários reais do tráfico negreiro tiveram um dos negócios mais

sólidos da colônia, que duraria três séculos, permitindo-lhes transladar milhões

de africanos ao Brasil e, deste modo, absolver a maior parcela do rendimento

das empresas açucareiras, auríferas, de algodão, de tabaco, de cacau e de café,

que era o custo da mão-de-obra escrava. (RIBERIRO, 1995; p76).

É exatamente assim que se inicia minha história étnica cultural com a inserção

forçada dos povos africanos no Brasil e dentre eles os meus antepassados. Meus pais são

naturais do estado do Maranhão. Minha mãe nasceu na cidade de Penalva, no ano de

1940, na conhecida Baixada maranhense e meu padrasto o qual eu considero como pai é

do mesmo Estado, porém, de outro município, da cidade de Codó, região conhecida como

a região dos cocais maranhenses.

Minha mãe e meu padrasto se conheceram na cidade Santa Inês, em 1970,

quando eu tinha 2 meses de vida. Como de costume naquela região entre os mais pobres,

o casamento não precisava de formalidade e burocracia, então minha mãe e meu padrasto

simplesmente foram viver juntos. A saída de Penalva, desconheço os motivos, porém

sabe-se que a migração se dá em busca de melhorias de vida. Mas da parte de minha mãe

pelo que diz a memória pode estar ligada a apropriação das terras devolutas, pela família

Sarney. As histórias de minha mãe sobre esse lugar ficaram marcados no meu imaginário.

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As crendices populares explicam a existência de um ecossistema específico em Penalva,

com a presença de lagos e ilhas que se movimentam, inclusive com vestígios de aldeias

pré-históricos. Tais características incluíram esse território na área de proteção ambiental

da Baixada Maranhense. Ouvi muito dizer que os campos mudavam, as ilhas mudavam

de lugar e que tinham cobras que de tão velhas criavam asas e chifres, explicando as

razões do sumiço de pescadores e caçadores de vez em quando para aqueles lados.

Falavam também de um tal rodeiro que parecia um forno de fazer farinha que acreditavam

que este virava as canoas dos pescadores da região. A presença de mitos e lendas são

comuns em territórios tradicionais, para explicar fenômenos e fatos ocorridos, mas não é

intenção deste trabalho discutir essa dimensão.

Já nas nossas andanças, nessa época, o meu irmão estava com dez anos e eu tinha

seis meses de idade, as histórias que ouvia em casa, meus pais eram agricultores e para

sobreviver trabalhavam em terras de outras pessoas, visto que eles não tinham terra, nem

condição financeira para adquirir um pedaço de terra para manter a família. Desta forma,

a única alternativa que se apresentava era trabalhar na terra de outras pessoas, dando uma

parte da sua produção para os donos da terra, chamado trabalho na porcentagem.

Essa era uma prática comum no nordeste como em outras regiões do Brasil,

conhecida como trabalho de porcentagem. Nessa época, segundo a minha mãe nós

morávamos em um povoado chamado Caju no município de Zé Doca no estado do

Maranhão.

Nesse período no município de Zé Doca, existiam os chamados Centros como

exemplo os Centros de Caju, Bacabeira e Cocaline, onde provavelmente meus pais

trabalharam. No Maranhão, os centros eram os pequenos povoados, mesmos porque

naquela época, as terras não tinham dono, eram de todos, e quando tinha aquelas famílias

que tinha muitos filhos chegavam em algum lugar eles formavam o seu próprio povoado,

virava um Centro e geralmente lhe era dado o nome do chefe da família. No Sudeste do

Pará era comum os centros até pela forte migração de Maranhenses para essa região.

Velho (1972) faz referência a esse tipo de organização através do Centro.

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Devido meu pai não ter uma terra para trabalhar e tirar o sustento da família a

migração tornou-se então, uma constante na vida de minha família, éramos pobres e foram

muitas idas e vindas na companhia de meus pais nessa fronteira Maranhão-Pará, de terra

em terra, de cidade em cidade, de centro em centro, viajando em pau-de-arara5, jumento

(animal de carga), ônibus, navio, etc, momentos muito vivos em minhas lembranças.

Assim partindo de diferentes origens para diferentes destinos, em busca de melhores

condições de vida, desde meu nascimento.

Minha história reafirma a afirmação de Milton Santos em entrevista à Revista

Veja nos anos 1980, de quando ressalta que a migração é motivada pela busca do sonho,

neste caso o sonho de uma vida melhor, uma vez que meus pais viajavam sempre para

um novo trabalho nas terras alheias. Minha mãe trabalhava junto com meu padrasto na

lavoura para onde ele fosse ela o acompanhava com os filhos e lá também se inseria na

relação de trabalho. Ela trabalhava na roça realizando atividades de capina, plantio,

colheita junto com meu pai. E ainda como tradição das mulheres camponesas do Estado

do Maranhão, também era quebradeira de coco babaçu, de onde conseguia recursos para

comprar roupas e caçados para seus filhos. As mulheres campesinas no Maranhão e em

vários cantos do país, a exemplo de minha mãe acumulam sobrecarga de trabalho para

sustentar os filhos, e a quebra do coco é mais uma das atividades realizadas pelas

mulheres com a finalidade de adquirir dinheiro para garantir o sustento dos filhos. No

entanto, todo este trabalho não é reconhecido como tal, por que é invisibilizado dentro

das relações capitalistas patriarcais. Na concepção de homens e mulheres a mulher não

trabalha, só ajuda expressão muito comum de ouvir na roça. Sua inserção no trabalho na

terra e na quebra do babaçu dava-se em especial pelo compromisso com a criação dos

filhos, tarefa que considerava exclusivamente sua, porque o seu marido não era o pai dos

filhos dela. Isso a fazia ter mais responsabilidade ainda, mesmo meu padrasto tendo uma

ótima relação comigo e meu irmão, minha mãe sentia que tinha mais responsabilidade

que ele pelos filhos, ela era uma mulher muito trabalhadora.

5 Transporte realizado em Caminhões, com bancos e cobertura atrás. É meio de transporte muito

comum no Nordeste e nesta região.

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Esse foi um dos principais aprendizados que tive, filha de quebradeira de coco

babaçu6, aprendi a enfrentar a vida muito cedo, trabalhar para sustentar a família,

inicialmente ajudar meus pais, depois sustentar meus filhos.

Meus pais, eram analfabetos, não sabiam ler nem escrever e isso por lhes terem

sido negado o direito de estudar. Por falta de oportunidade, eles também foram como

milhares de brasileiros, nunca sentaram num banco de escola, numa sala de aula para

aprender nem mesmo a assinar nem seu próprio nome. Situação difícil meus pais tem

muito fortemente nas suas busca de melhora de vida, a migração. E como sabemos na

década de 1970, com o governo militar a Amazônia passa a ser centro de atuação das

políticas de governo. A implantação de infraestruturas, grandes Projetos: rodovias,

ferrovias, hidrelétricas, portos e outros, demandam mão de obra barata e com a crise nas

outras regiões brasileiras especialmente no nordeste, esse contingente empobrecido de

regiões de conflitos, constituído de milhares de trabalhadores sem terras, passam a migrar,

pois foram estimulados a vir para Amazônia, a procura de emprego, renda, terra, estudos,

melhores condições etc. Simultaneamente há uma grande propaganda do “eldorado”, de

“terra pra burro”, de oportunidade, de desenvolvimento atraindo principalmente os mais

vulneráveis, os desterritorializados para as bandas de cá. Entre estes está minha família.

Muita gente escreveu sobre esse momento (HALL (1999), HEBETTE (2004), VELHO,

(2013)) para citar alguns.

2.1. Minha família foi vendida três vezes por um “gato”, caímos no Projeto Jari

Muitas famílias vieram em processos migratórios para esta região da Amazônia,

a minha família também veio migrando para o Estado do Pará, (a procura de terras para

plantar, de uma vida melhor). Na época nós morávamos em uma cidade por nome Santa

Luzia do Paruá no Estado do Maranhão, depois viemos para Maracaçumé e como não

6 As quebradeiras de coco babaçu hoje compõem um universo de sujeitos políticos de direito, são

reconhecidas na diversidade sócio cultural brasileira. Essas mulheres reivindicaram sua identidade sócio

cultural como quebradeira de coco, bem como o babaçu livre. Hoje se organizam no MIQCB, que é uma

organização Interestadual, agregando mulheres de 4 estados: Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. No Pará

existe uma Regional do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu. Essas mulheres

criaram também a Cooperativa Interestadual das Quebradeiras de coco babaçu para organizar melhor sua

produção e conseguir comercializar melhor seus produtos: azeite, sabão, sabonete e a farinha de babaçu

feita de mesocarpo e ainda o artesanato de palha e outros resíduos sólidos da palmeira.

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tinha emprego para o meu pai trabalhar, então mudamos. Minha família saía procurando

trabalho em fazenda e essa não era a primeira vez que nós fazíamos esse tipo de viagem.

A minha família costumava passar uns tempos no Pará, e quando ele; meu pai

ficava sem trabalho, e as coisas ficam mais difíceis na época do inverno, e ainda como o

meu pai não tinha leitura, nós íamos para as fazendas onde meu pai trabalhava em tudo:

roçava, derrubava, plantava, cuidava de gado, e de tudo o que tocava ele fazia não

trabalhava com nada específico. Porem a minha mãe não se acostuma a viver longe da

familiar e acabávamos voltando para junto da família, que ficava para traz no estado do

Maranhão na cidade de Zé Doca e nos povoados onde eram chamados de centros. Em

uma dessas vindas teve uma fato que marcou muito na minha vida da minha família foi

no ano de 1976, quando nós voltamos novamente para o Estado Pará.

Naquela época poucas pessoas andavam de ônibus, a maioria viajava era em

cima de pau de arara (caminhão de carroceria coberta de lona ou plástico, com bancos de

madeira, que servia para carregar as pessoas, normalmente na zona rural). Aí paramos em

uma cidade Estado do Pará, chamada Gurupi-PA) eu e minha família, quando chegou um

senhor bem vestido e perguntou para meu pai se ele queria trabalhar em uma fazenda em

Belém. Como nós estávamos todos sem emprego meu pai aceitou a proposta. Nisso, o

homem logo nos levou para um hotel para dormir e comer, mas quando chegamos no

hotel já tinha outras famílias que já estavam esperando completar a quantidade de pessoas

para serem levadas para a Capital do Estado. No dia seguinte quando foi bem cedo, já

apareceu uma outra pessoa, já veio com outro pau de arara para levar todas aquelas

famílias que estavam no hotel. E então todos entramos no pau de arara e saímos em

direção a Belém.

Quando chegamos à Belém, capital do Estado fomos direto para um barracão

que hoje vendo o lugar acho que é onde ficam as docas ao lado do Vero Peso, passamos

três dias naquele lugar, aí que ficamos sabendo que tínhamos sidos vendidos três vezes e

estávamos devendo para o gato7, e meu pai teria que trabalhar em uma fazenda no

7 Figura muito conhecida e presente no imaginário popular como um agenciador de trabalhadores

destinados a trabalhar em fazendas de empreitadas, sob a promessa de bom salário. No entanto os custos

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município de Jarí, Estado do Amazonas. Foram oito dias de viagem de navio subindo no

Mar e entrando no rio Amazonas.

Esse triste episódio o qual vivi com minha família, foi muito comum na

Amazônia e no Pará. A figura do gato era muito forte. Tratava-se da pessoa contratada

por latifundiários, responsável por atrair trabalhadores nas áreas de pobreza como

Maranhão, Piauí e outros estados e levava para grandes fazendas para trabalho escravo.

O “destino” no imaginário dos pobres; as contradições sociais e a desigualdade

de uma sociedade capitalista que produziu a riqueza pra poucos e a pobreza pra muitos, e

neste caso a classe trabalhadora do campo, é que na concepção de muitos intelectuais do

materialismo histórico dialético de Marx se encarregou de conduzir minha família até o

Projeto Jari. Todos nós peões, condição social muito discutida por Martins (1995), no

artigo “A reprodução do capital na frente pioneira e o renascimento da escravidão no

Brasil”, até eu ainda muito criança. Projeto muito falado e discutido em fóruns,

academias, seminários, etc. Representou um dos grandes projetos direcionado para a

Amazônia brasileira, e a mais concreta presença do capital internacional nessa região.

Assim esse projeto foi um:

... empreendimento econômico desenvolvido em caráter privado, a partir de

1967, pelo empresário norte-americano Daniel Keith Ludwig na região

amazônica. Localizado na confluência dos rios Jari e Amazonas, abrangendo

terras do estado do Pará e do então território do Amapá, o Jari foi planejado

para funcionar como um complexo econômico de grandes dimensões,

envolvendo atividades industriais, agrícolas e de extração mineral e vegetal.

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/projeto-jari

Na prática se traduziu na extração e produção de madeira destinada à fabricação

de celulose, e para tal sacrificou cem mil hectares de floresta nativa e reflorestou com

espécies importadas, investiu na maior área contínua de cultivo de arroz do mundo, na

criação de milhares de cabeças de gado, e no setor mineral, investiu na extração de caulim,

além do domínio sobre importantes reservas de bauxita, minério de ferro, quartzo,

calcário e ouro. Construiu uma infraestrutura com quilômetros de ferrovias, rodovias,

portos e 3 vilas.

com transporte, acomodação e comida durante a estada com o gato produz uma dívida alta que impede

esses trabalhadores deixam esses peões também conhecidos assim numa relação de escravidão por dívida.

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Quando chegamos ao local, aí que foi sofrimento, pois meu pai e meu irmão que

já tinha 16 anos tinha que ir trabalhar no campo, trabalho este que envolveu toda a minha

família neste trabalho na fazenda, que era um projeto apoiado pela SUDAM

(superintendência de desenvolvimento da Amazônia). Neste lugar várias atividades eram

desenvolvidas, como capinar, plantar, ajuntava raízes no campo e outras atividade ligadas

a plantio.

Essas atividades eram desenvolvidas por toda minha familiar para pagar as

despesas da viagem, era uma despesa muito grande que toda a minha família, tinha que

ir trabalhar no campo todos os dias para pagar a conta que não tinha fim. Isso tudo durante

06 (seis) meses de sofrimento e angustia e eu tinha que ficar em casa sozinha o dia inteiro,

numa casa que era fundo de cemitério, e como quase toda criança eu tinha medo de

cemitério.

Minha mãe fazia comida para levar e deixava a minha feita quando eu acordava

já estava sozinha. Pensa uma criança sozinha na casa com seis anos todos os dias! Assim

eu ficava trancada, pois tinha medo do cemitério. Passamos seis meses nessa situação foi

quando pagamos a conta, fomos trabalhar para ganhar dinheiro para voltar pro Maranhão,

mas uma vez.

Segundo a minha mãe, a viagem foi muito difícil, ficamos todos doentes, porque

a viagem era muito longa o navio era grande de dois andares com muitas redes armadas

umas por cima das outras uma comida muito ruim, ela contava que passou muito medo

na viagem porque segundo os comandantes dos navios, não se podia navegar na Bahia do

Marajó antes da meia noite.

No entanto, o comandante entrou antes da hora e a maré estava muito alta, todas

as pessoas quase morrem, e todas as vezes que minha mãe contava essa história ela

chorava porque teve tanto medo de morrer com toda a sua família. Os perigos e as

dificuldades sempre foram uma constante na vida de minha família, por serem negros,

pobres e pelas consequências que se acumulavam ao longo dos anos pelas questões

étnicas de classe e gênero, no caso de minha mãe e a minha mesmo por ser mulher negra.

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2.2. “nós vamos embora desse inferno hoje”: a vida no Pará e a chegada em

Marabá

Mais uma vez de volta ao Maranhão depois da dura experiência no Jari, ficamos

pouco tempo. Meu pai não acostuma em sua cidade de origem que era no Maranhão, mas

as condições e o sonho de melhorar de vida exigia constantes mudanças, e com o passar

do tempo fomos para o Pará novamente, dessa vez fomos para Rondon do Pará, onde

vivemos cinco anos, distante de nossas famílias. Nesta localidade morávamos numa casa

de tábua que meu pai comprou. Para garantir a sobrevivência meu pai trabalhava em

serraria e minha mãe fazia comida para vender. Lembro que tinha um barraca na beira da

estrada chamada na época que chamava PA-70, e vendia comida para trabalhadores de

serrarias, viajantes, passageiros de ônibus e outros. Nessa estada em Rondon do Pará,

minha vida era cuidar da casa e ir pra escola, com a responsabilidade de cuidar da limpeza.

Esse período na história da região nota-se uma transição radical do extrativismo da

castanha para a exploração da madeira e criação de gado na Amazônia. Afinal havia nos

documentos da SUDAM o indicativo de que a Amazônia tinha que ser desenvolvida pela

pata do boi. Dessa maneira multiplicam-se as empresas madeireiras, muitas serrarias

clandestinas e algumas legais se instalaram por essas bandas. Em Rondon essa atividade

madeireira e pecuária eram muito fortes.

A cidade ficava em um trecho seco e lembro que lavávamos roupas só uma vez

por semana. Íamos para o Igarapé muito distante lavar as roupas da semana. Era eu e

minha mãe e passávamos o dia todo para dar conta da roupa. Normalmente íamos toda a

família e enquanto lavávamos roupas meu pai pescava. Lembro que era muita gente da

cidade que ia lavar roupa nesse igarapé. Tenho boas lembranças desse tempo. A maior

dificuldade era a falta d’água que supríamos com a água da fazenda da Dra. Ana, uma

médica da cidade proprietária de terra e de serraria. Morávamos em frente a essa

propriedade.

Em 1980, meu pai resolveu fazer uma visita para rever os parentes do Maranhão.

Um dos acontecimentos que marcaram nessa viagem se deu quando fomos para casa dos

meus avos, onde para chegar até a roça tínhamos que ir montados de jumentos.

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Arrumaram um jumento para eu e minha mãe. Montadas no animal seguimos viagem,

mas como o caminho tinha muitas ladeiras e as estradas eram muito longas, o jumento

avistou o outro e começou a correr, minha mãe caiu e começou a chorar, pois ela tinha

quebrado o pé, isso foi muito triste para mim, visto que minha mãe estava sentindo muitas

dores com tudo isso ainda foi muito bom ter feito a viagem.

Diante de todos esses atropelos em nossas vida com tantas idas e vindas fui uma

criança feliz, mesmo porque minha infância deu-se com muito carinho dos meus pais

mesmo criados por padrasto, mas eu fui uma criança criada com muita fartura ouvindo

minha mãe contar histórias e cantar músicas que hoje eu sinto muita vontade de ouvir

pois só ela sabia contar. Vale dizer que houve um tempo onde essa prática de contar

histórias de encantados, reinados e mesmo de caçadas eram muito fortes, e que hoje não

se tem mais. Momentos que contribuíam na formação dos filhos, formação de valores e

do caráter dos filhos. Hoje quase desapareceu essa prática, principalmente com a chegada

da televisão e outras tecnologias a família se desintegra e “é cada um pro seu lado” e nem

se conversa mais, não se faz mais refeição juntos, etc. e a tecnologia influencia

grandemente na formação das crianças e jovens de hoje.

Hoje vejo como era importante ouvir as histórias e hoje eu passo esta cultura

para meus filhos e meus netos, músicas de roda como esta.

Fui em um forro de coco na casa da Juliana, a festa lá estava boa passei mais

de uma semana. Juliana na roda de coco dançava, pulava e saltava e rufava

os tambores, Juliana na roda desafiando Zé Negrão.

Meia noite entrou Caboco com uma faca na mão e um facão na cintura, ele

perguntou para ela se aqui não tem gente procurando confusão a Juliana

respondeu para ele aqui não se briga, porque eu não quero. Juliana pegou a

peixeira e mandou o Caboco por cemitério. La, lá, lá;

O trecho da música toca aspectos importantes de um tempo e de um lugar: a

presença do coco como elemento forte nas comunidades tradicionais e a sua dança: o

forró e a dança do coco que ainda existe em algumas localidades do Maranhão como

prática cultural. E assim motivada pelas cantigas de rodas e as histórias éramos muitos

felizes eu meu padrasto e minha mãe e o meu irmão.

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Depois da visita, e quando chegamos a cidade onde morávamos em Rondon do

Pará, meu irmão já com 17 anos tinha ido embora. Para nós foi uma grande tristeza minha

mãe ficou doente, de tanta tristeza e saudades, mas com o tempo decidimos adotar uma

criança indígena de 1 ano de idade, pois eu me sentia muito sozinha ele foi meu

companheiro por muito tempo. Era uma criança indígena, e quando completou uma certa

idade ele foi para a aldeia Akrãtikatêjê, liderada pelo Cacique Payaré, provavelmente em

busca de suas origens deixadas para trás, quando seus pais saíram da aldeia e

especialmente quando perdeu o contato com seus pais que eram indígenas e que o doaram

para minha mãe e foram embora.

Esse irmão adotivo foi assassinado no Assentamento 1º de Março ainda na sua

adolescência, fato que certamente aumentou os índices de violência contra jovens

particularmente indígenas, negros, pobres e de periferia, mas também a violência do

campo, uma vez que a Vila é parte de um território camponês.

Minha trajetória educativa foi marcada por rupturas radicais, já que meus pais

na condição de pobres, migrar virou uma constante nas suas vidas, tinham que mudar

sempre em busca de melhores condições de vida. Comecei a estudar aos 7 anos de idade,

fazendo o ABC naquela época, estudar a cartilha do ABC na cidade de Santa Luzia do

Paruá no estado do Maranhão. O processo de aprendizagem foi marcado por métodos

tradicionais contendo os símbolos de uma educação rígida e decorativa. Palmatórias,

réguas, castigo e o tal do argumento. Até hoje não gosto da palavra OBRAS, por que foi

a palavra que mais fui castigada por que não conseguia soletrar e apanhava por isso.

Soletrar significava juntar as sílabas para formar o nome: o – bras. Tinha muita

dificuldade de soletrar especialmente essa palavra.

Nesta escola estudei até o segundo ano, foi aí que aprendi a ler, com a professora

Emília, minha primeira professora. A primeira ruptura na escolarização se deu quando

fomos para o Jari e não estudei lá, ficando mais ou menos 1 ano sem estudar.

A retomado dos estudo só se deu quando voltamos do Jari e nos instalamos na

cidade de Rondon do Pará, localizada na antiga PA – 70, rodovia construída pelo governo

militar no período da Colonização da Amazônia.

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Já com uma idade bem avançada; com oito anos, retomei os estudos numa escola

particular e com uma professora também tradicional. Todos os dias ela me batia com

palmatória, porque eu não sabia soletrar as palavras. Nos dias de sexta-feira, isso também

acontecia com as contas de matemática, prática chamada de argumento, que consistia em

perguntar de forma rápida as operações matemática, neste caso a adição e se não acertasse

levava bolo que era uma batida de palmatória na mão. Essa escola existiu durante muito

tempo e quiçá ainda exista em algum canto. Nesse tempo devido minhas características

étnicas sofri muita discriminação. Os próprios colegas me chamavam de neguinha do

Codó, mas nunca deixei barato, revidava com porrada, pedrada e outros. Porém no dia do

argumento que era as perguntas cantadas de matemática feitas pela professora, meus

colegas que respondiam com rapidez e acertavam aproveitavam para descontar as

porradas que eu dava nas brigas fora de sala de aula.

Além disso ela ainda mandava os meus colegas fazerem o mesmo comigo. Esse

processo de ensinamento na base da porrada foi algo que marcou muito minha infância

e toda minha vida, assim mesmo estudei até a quarta série com muitas dificuldades em

todas as matérias, e o medo de fazer provas, até hoje não superei, isso devido, os mal

tratos que tive na infância, marcada por grande violência por parte da professora, isso

tudo teve grande repercussão na minha vida escolar.

Neste ensino repetitivo e reprovador, a professora sempre colocava a culpa nas

crianças, quando estas não conseguiam aprender, mas na verdade era ela que não ajustava

a disciplina para nossa capacidade de entendimento, este era o maior erro escolar daquela

época. Paulo Freire nomina como bancaria essa prática da educação tradicional

explicando que essa, visa apenas o depósito de informações sobre o aluno. O autor critica

essa prática pois em nada contribui para a formação do sujeito que sequer consegue

compreender sua realidade Freire (1980, p. 30). As mudanças constantes e as dificuldades

me fizeram ter uma vida escolar cheia de rupturas, continuei atrasada nos estudos e depois

quando tive que começar a trabalhar acabei parando mesmo de continuar os estudos.

No ano de1981 mudamos para a cidade de Curionópolis. Na época estava na

febre do ouro da Serra Pelada, quando chegamos lá, e a minha família não tinha vocação

para garimpo, meu pai foi mexer com um bar e a minha mãe foi cuidar de uma chácara

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que o meu pai comprou. Como a minha mãe só sabia trabalhar na agricultura se dedicou

a criar galinhas, então nós duas ficávamos cuidando da chácara, e o meu pai do seu bar e

assim moramos por dois anos, vivemos, mas não nos acostumamos com aquela vida, de

desordem, mortes e prostituição.

A cidade, na época chamada “30”, apresentava um índice muito alto de

violência, havia conflitos de toda ordem no campo e na cidade e movimentos de

resistência. Tal era, que existia um ditado popular que descrevia essa situação: “De dia

era 30 e de noite era 38”, referindo-se ao uso de arma de fogo, revolver de calibre 38. Eu

mesma vi muitas mortes violentas, e me deparei com muitos cadáveres nos caminhos que

percorria na cidade, inclusive próximo de minha casa, no caminho da escola, na beira da

estrada, era comum encontrar corpos assassinados. A cidade cheia de migrantes de várias

partes do país, chamados de aventureiros, principalmente do Maranhão, inclusive minha

família, todos atraídos pela Serra Pelada, se enfrentavam em bares, barrancos e bordéis

da cidade, na época ligada a Eldorados dos Carajás.

Neste período da febre do ouro do maior garimpo de ouro a céu aberto do mundo

“Serra Pelada” conforme publicado em revistas e jornais impressos e televisionados, a

cidade de Curionópolis município onde está localizada o garimpo, era uma cidade

violenta ao extremo com vários problemas sociais dentre eles a prostituição, segurança,

saúde e outros. Várias situações de violência eu presenciei naquela época mas, uma que

marcou muito foi quando mataram três homens em frente a nossa casa. A minha mãe

ficou com muito medo das balas nos atingir porque a casa era de tábua e não tinha muita

segurança. Outro episódio marcante na minha memória foi em, 1982, quando o governo

queria fechar o garimpo da Serra Pelada, e os garimpeiros reuniram e fizeram greves e

fecharam as estradas e derrubaram uma castanheira no meio da estrada e isolaram a

Cidade de Curionópolis, ninguém podia sair nem entrar na cidade. Frente a ação política

dos garimpeiros, estes tomaram conta da cidade foi uma verdadeira desordem dentro da

cidade, saquearam as lojas e os supermercados, e quebraram a delegacia local, e várias

coisas aconteceram naquele momento, e tudo aquilo deixava minha mãe muito triste por

que nós ficávamos muito sozinhas, porém, com tudo isso nós ainda continuamos morando

lá. Meu pai passava quinze dias sem vim em casa nos ver, e tudo isso criava um

sentimento de insatisfação do lugar, em minha mãe.

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A vida continuava, e quando foi um dia o vizinho do meu pai, arrumou uma

confusão num cabaré e matou três policiais e um garimpeiro, e o meu pai mandou ele vim

se esconder lá em nossa casa, e quando foi altas horas chegou esse homem em nossa casa

procurando abrigo para si esconder. Eu e minha mãe ficamos muito assobradas e com

muito medo, e talvez por isso minha mãe recebeu esse homem. Lembro que ele pediu

comida, e minha mãe matou uma galinha para ele comer. Depois ela pegou o resto e fez

um frito para ele levar na viajem. Quando deu altas horas veio um carro pegar esse

homem. Minha mãe ficou muito assustada, e quando ele saiu, ele deu para minha mãe

uma quantia relativa a quinze mil cruzeiros. Minha mãe falou que era muito dinheiro e

ela ficou muito feliz e disse: “nós vamos embora desse inferno hoje”, logo foi arrumando

a metade das coisas que tinha, e foi procurar um carro e quando foi meio dia nós saímos

da cidade, sem nenhum destino. Eu pensava que ela queria voltar para o Maranhão. Dessa

forma ela foi na rua, fretou uma Kombi e colocou o que coube dentro, fechou a casa e

rumamos na estrada.

Mas, quando chegamos na cidade do Marabá, o homem nos deixou na beira do

rio Tocantins. Ele disse: senhora agora você pode atravessar o rio e pegar um carro para

o Maranhão. Então atravessamos a balsa e pegamos outro carro com os bagulhos em cima

e quando chegou certo ponto, no Km 2 do que conhecemos da PA 150, ela decidiu ficar.

Lembro que tinha um pé de caju e era a entrada da localidade Espírito Santo, e nós, meu

irmão adotivo e eu, ficamos em baixo e ela disse: vou caçar uma casa para comprar.”

Naquela altura ela não tinha mais sua mãe, que já tinha falecido e naquele momento só

restava nós três, meu pai tinha ficado no 30.

Naquela ocasião, a decisão e determinação daquela mulher sofrida,

perambulando de cidade em cidade, vivendo no meio de tanta violência, arriscando a vida,

trabalhando de sol a sol, analfabeta, sem parente e nem aderente naquela altura de sua

história dois filhos para cuidar, sua atitude mostra o papel das mulheres nessa fronteira.

Ela decide ficar em Marabá, e não voltar pro Maranhão.

E assim iniciou nossa vida na cidade de Marabá-PÁ, no ano de 1983, quando

chegamos de mudança e nos instalamos no bairro de São Felix, onde vivi praticamente

toda a minha adolescência, a partir dos 13 anos de idade, com muitas dificuldades. Foi

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quando tive que parar de estudar para ter uma vida adulta muito cedo mas, com muita

seriedade e dignidade.

Como toda pessoa, também tive diversos problemas, um dos mais marcantes na

minha memória, foi a separação do meu pai da minha mãe, quando eu tinha 13 anos, e

precisei trabalhar em casas de família pra ajudar minha mãe e meu irmão, que era

pequeno, e ver faltar as coisas dentro de casa e ainda ver minha mãe sofrendo apaixonada

pelo meu pai era muito difícil. Naquela ocasião conhecemos D. Maria, uma senhora muito

pobre que morava próximo de nós e trabalhava na casa do Vavá Mutran e Dona Dorivan

sua esposa. Por sinal uma mulher muito bonita e bondosa. Na época, a família estava

precisando de mais uma pessoa para ajudar na cozinha e falou comigo perguntando se eu

queria. Era para lavar vasilha e limpar a cozinha. Então eu pedi que perguntasse a minha

mãe pois eu só ia se ela deixasse. Minha mãe me perguntou se eu queria, se eu dava conta

e eu afirmei que sim. Frente as dificuldades assumi essa tarefa para ajudar minha mãe.

Não tenho muito claro quanto recebia pelo trabalho, mas lembro que Dorivan me dava

roupas, rancho, carne, galinha do açougue do Vavá para eu levar para casa. Não lembro

quanto ganhava em dinheiro, mas sei que ela pagava direitinho. No regime de trabalho

tínhamos que ficar a semana toda na casa dos patrões, pois a gente trabalhava até esgotar

as tarefas do dia, não importava a hora, voltava no final da tarde de sábado para casa e

domingo a tarte retornava pro trabalho. A relação de trabalho era bem definida: patrão e

empregado não se misturam, cada um no seu lugar. Lembro que não se comia da mesma

comida dos patrões a não ser que sobrasse, e Dourivan dividisse entre nós. Comíamos

outra comida feita pela dona Maria, cuja qualidade era inferior. Uma das razões por que

até hoje não gosto de picadinho. Trabalhei dos 13 aos 17 anos na casa dos Mutran e minha

saída se deu devido a volta da filha mais velha do casal: Alzira Mutran, chamada

Alzirinha, que era muito enjoada, e conheci sua forma de lidar com as empregadas da

casa, daí eu mesma decidi saí.

Meu segundo emprego foi na casa de um Delegado da Polícia Federal, uma

família que veio do Rio de Janeiro, lá no INCRA. Lá trabalhei um ano e saí quando eles

foram embora da cidade. Lá eles pagavam bem. A relação empregado patrão era bem

diferente do que foi na casa do Vavá, pois uma das grandes diferenças em se tratando da

convivência, existia uma separação entre patrão e empregado, no primeiro emprego a

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comida não era a mesma para patrão e empregado, não era permitido nem mesmo sequer

assistir televisão no mesmo espaço que os patrões, no segundo a comida era igual para

todos e quanto aos espaços sociais, não existiam restrições para ninguém. Ao todo

trabalhei em umas seis casas de família em Marabá, sempre ficava longos períodos, que

extrapolava o ano, mas foi um período que fiquei sem estudar durante muito tempo, por

que não dava para conciliar trabalho e estudo.

A separação de meus pais foi muito difícil, e para piorar a situação meu pai foi

morar na mesma rua que nós morávamos, com a mulher que era sua amante, e com o

tempo minha mãe ficou muito doente, eu precisei me desdobrar, trabalhar ainda mais pra

sustentar minha família, mesmo assim eu tive uma adolescência muito boa brinquei,

dancei e sempre fui uma garota muito extrovertida e feliz.

2.3. A chegada dos filhos

Sempre tive dignidade, sempre procurei trabalhos que fossem aceitos e vistos

com bons olhos pela sociedade, pois mesmo sofrendo nunca trabalhei com coisas ilícitas

ou consideradas imoral por assim dizer, procurei sempre alternativas para me manter

dentro da lei e dos “bons costumes”, horas de trabalhos pesados, porem sempre tinha

orgulho do que eu fazia, fui uma jovem que de tudo fiz um pouco, em minha vida como

toda jovem também tive ilusões e sonhos de encontrar meu grande amor, e aos 17 anos,

conheci um rapaz de trinta e cinco anos e namoramos dois anos, o qual tive minha

primeira filha, que pra mim é um troféu que Deus me deu, porém quando eu estava

grávida de dois meses, este grande amor teve que ir embora, me deixando para traz

durante a gravidez, recebi todo amor da minha mãe e até do meu pai, uma coisa nada

comum para a época.

Quando a criança nasceu fui trabalhar, para nada faltar para minha filha, que

coloquei no mundo. Seu nome é Juliana, foi dado por minha mãe que gostava muito deste

nome. Daí em diante aconteceram muitas coisas na minha vida, quando foi em 1992, tive

a minha segunda filha e quando ela tinha três (3) meses de nascida, fui trabalhar na firma

que era siderúrgica por nome COSIPAR (Companhia Siderúrgica do Pará), empresa

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“ligada ao grupo guseiro de Minas Gerais, Itaminas, que se instalou no distrito industrial

de Marabá e entrou em funcionamento em março de 1988 com a instalação de um forno

de 50 t/ano de ferro gusa” (MONTEIRO, 1996;p. 84).

Nestas fazendas da COSIPAR, havia grande quantidade de homens e mulheres

trabalhando no cultivo do eucalipto, arvore destinada para o processo de combustão na

produção do ferro gusa (MONTEIRO, 1996). Trabalhadores e trabalhadoras ficavam

alojados lá, e haviam vários alojamentos onde mulheres e os homens ficavam separadas

e faziam atividades diferentes, atividades como preparar a terra, encher os saquinhos de

terra para fazer mudas de eucalipto, plantar as sementes, molhar as mudas, adubar e até

chegar o momento de leva as mudas para o campo, para ser plantado. Lá eu trabalhava

oito horas diárias de serviço, junto com os homens no campo, plantando eucalipto todos

os dias para ganhar um salário durante o mês para sustentar minha mãe e as minhas filhas.

Um dia conheci um rapaz e começamos a namorar, me juntei com ele, aí foi que

eu fiquei uma mulher iludida, que só vivia para casa e para marido, ele passava mês inteiro

fora de casa trabalhando, em fazendas dos outros, eu ficava em casa só cuidando dos

afazeres doméstico e dos filhos, diante de uma televisão. Vivemos durante sete anos,

tivemos três filhos, amei muito este homem fomos muitos felizes, mas como tudo tem

seu fim, este grande amor também teve o seu, porém foi muito bom enquanto durou.

3. CAPÍTULO II: A MILITÂNCIA NO MST E A CONSTITUIÇÃO DO

CMPESINATO NA AMAZÔNIA

3.1. O massacre de 17 de Abril

Já adulta, mãe, cheia de outras responsabilidades, vivendo e sentindo as

dificuldades, aprendendo a cada dia com as experiências, a vida me encaminhou à buscar

outras possibilidades. As histórias que vivenciei na companhia de minha mãe, meu pai,

vendo eles perambularem de fazenda em fazenda, de lugar em lugar por que eram

camponeses sem terra, me encorajaram a entrar nas fileiras da luta pela terra que era muito

forte nessa região. Mas foi determinante o contato com o massacre dos sem terras na

curva do “S”. A minha inserção no MST se deu pelo impacto sentido ao ver tantos corpos

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assassinados no chão, e a sensibilidade ao ver mulheres e crianças em desespero no antigo

SESP, na Velha Marabá. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,

conforme verbete do Dicionário da educação do Campo é definido como:

...um movimento sócioterritorial que reúne em sua base diferentest categorias

de camponeses pobres – como parceiros, meeiros, posseiros, minifundiários e

trabalhadores assalariados, chamados de sem-terra – e também diversos

lutadores sociais para desenvolver as lutas pela terra, pela Reforma Agrária e

por mudanças na agricultura brasileira. (FERNANDES, 2012; p. 496).

Este movimento social camponês nasceu em 1984 e hoje atua em 24 Estados

brasileiros (FERNANDES, 2012; p. 496). No Pará, tem uma atuação forte no sudeste e

nordeste do estado. Sua principal estratégia é fazer ocupações organizadas de terras

improdutivas e que possuem titulação frágeis através da organização de marchas e

acampamentos, que garantem a resistência até conseguirem a legalização da terra em

Assentamento.

No dia 17 de abril de 1996 um fato marcou definitivamente o rumo da minha

vida. Naquele tempo eu não conhecia o movimento (MST), e passou noticiário que tinha

morrido algumas pessoas, mas para mim não tinha acontecido nada. No dia seguinte eu

andava no bairro velha Marabá em frente ao hospital vi uma multidão, parei e resolvi

encostar para saber o que estava acontecendo, tomei um susto muito grande. Este fato

envolvia uma marcha de rumo a Belém-PA por cerca de 1.000 famílias organizada pelo

MST Pará.

Cheguei perto, me deparei com uma cena muito forte, havia muitas pessoas

mortas como nunca havia visto em toda minha vida, pelo chão do necrotério muitas

pessoas choravam outras reclamavam. Do lado havia uma senhora sentada, ela chorava

muito, me aproximei e perguntei se havia algum parente dela morto ali. E ela me

respondeu que sim e disse “meu marido, pai dos meus cinco filhos”, ela começou a falar:

“ele era um homem que só queria um pedaço de terra para plantar e criar nossos filhos,

com a mesa farta, e esses miseráveis o mataram” e eu a chamei pra tomar refrigerante

comigo, e ela me falava:

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... somos sem-terra e já ficamos muito tempo em frente ao INCRA, essa 19

pessoas que foram mortas só queriam um pedaço de terra para plantar e criar

nossos filhos com vida digna.” só fazemos isso porque essa bendita reforma

agrária, não sai do papel ... (Maria dos Santos, 18.04.1996).

Naquele momento eu parei, refleti, e perguntei, mas a senhora ainda vai pros

sem-terra? Ela me respondeu:

Mataram o pai dos meus filhos, mas eu voltarei com coragem, agora vou lutar

pois não temos para onde ir. Quem trabalhava pra nos sustentar era meu

marido, agora não sei o que fazer pra criar meus filhos... só nos resta uma

solução que e ficar juntos pois agora esta e minha família e para onde eles

forem estarei junto com você MST... (Maria dos Santos, 18.04.1996).

Dizia aquela mulher com rosto tão sofrido mas cheio de esperança. Na ocasião

a senhora estava acompanhada do filho de uns 11 a 12 anos que chorava e reclamava

muito o acontecido e a morte do pai. “Mataram meu pai, mas quando acabar com tudo

isso voltaremos, pra dentro de nossa terra, e só sairemos quando ganharmos essa terra”

(João dos Santos, 18.04.1996). Essa frase me marcou pra sempre, vindo de uma criança.

Aqueles acontecidos foram muito fortes e me deixaram confusa, e eu me perguntava

várias coisas: como a polícia que deveria defender o povo estava matando dessa forma?

fiquei imaginando como alguém pode matar uma pessoa sem nunca ter visto antes?

Tratava-se de uma das maiores tragédias da história da terra no Brasil, o episódio

conhecido internacionalmente como Massacre de Eldorado ou Chacina da Curva do “S”

que a Polícia Militar do Pará, a mando do então governador Almir Gabriel, assassinou a

sangue frio 19 sem-terras e vitimou dezenas de outros. Depois de tudo aquilo que vi,

fiquei muito triste; tanta gente morta ao mesmo tempo, fui para casa indignada. Quando

cheguei em casa comecei a comentar com amigos e vizinhos e disse que quando aqueles

sem-terras estivessem no INCRA (Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária),

eu iria visitá-los, falei pra minha mãe: gostei muito daquela gente.

A partir daquele dia minha vida mudou passei a entender que devemos lutar por

nossos ideais, lutar por uma nova vida, uma vida que tenha dignidade, que só assim

podemos construir uma sociedade, mais justa e igualitária. Para isso acontecer, eu sabia

que precisava ajudar. Indo pra dentro do movimento, me assumindo enquanto uma sem-

terra. Nesse tempo já casada e com 4 filhos pequenos que eram meus, e outro que era do

marido, e que eu assumi a criação.

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Meu marido era empregado em firma e ele não iria pra dentro de uma terra,

porém eu sempre ficava pensando, em ter um pedaço de terra para viver e criar meus

filhos. Tinha uma senhora que se chamava Angélica, que era sindicalista e um dia fui à

casa dela procurar como era para entrar numa terra, ela me olhou e riu, e me disse: Quando

estiver um acampamento te convido. Um dia em minha casa, chegou um vizinho fazendo

cadastro pra ganhar terra, e ele dizia mais, que íamos ganhar credito, e isso me deixou

muito entusiasmada. Aí decidi que toda a família ía acampar para ganhar terra. Isso era

uma, quarta-feira 16 de dezembro de 1996. Quando foi no sábado, no dia 19 de dezembro

do mesmo ano, ás dez horas do dia saímos de casa destino a Marabá e chegamos em frente

ao INCRA, eu e meus filhos e daí passei a constituir um grupo de 60 famílias, era gente

que eu nunca tinha visto. Para mim tudo era novidade, neste momento que comecei me

familiarizar com toda aquela gente. Com o casamento em crise, eu fui acampar no INCRA

com os Sem-Terra.

Quando nós estávamos acampados na frente do INCRA, todos os dias havia

reunião, assembleia para entrar organizados na terra. Passamos sete dias acampados.

Naquela época os militantes eram pessoas muito novas, podemos dizer eram uns garotos,

mas transmitiam muita segurança e responsabilidade a todos nós. Aliás, notei nesse

movimento uma participação muito ativa dos jovens na mobilização e organização na luta

pela terra, e como diz Guaraná (2012; 440), “...manifestações de organizações de

juventude rural, cada vez mais presentes no cenário nacional. Juventude é hoje uma

categoria acionada para organizar aqueles que assim se identificam nos movimentos

sociais do campo.”.

3.2. O Natal sem-terra

A gente só pensava em ir pra terra imediatamente, tirar cada um seu pedaço e ir

trabalhar e produzir. Mas ao longo das discussões, comecei a entender que aquele

movimento era diferente, era necessário organizar melhor, construir estratégias, era

preciso trabalhar uma integração de todos, precisávamos ter grupos coletivos, não pessoas

individuais, trabalhar a solidariedade, a partilha entre todos de forma igual, os direitos e

valores de igualdade entre homens, mulheres e crianças.

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No dia 24 de dezembro, saíram as primeiras carradas de gente rumo à terra

prometida que tanto a gente esperava. Eu e minha família viemos na última carrada,

naquele momento parecia que um pedaço da minha vida ia ficando para traz, eu pensava

que seria capaz de resistir e ficar mesmo nessa terra.

Quando entrei no caminhão com minha mãe e meus filhos saímos rumo ao São

Domingos do Araguaia, quando chegou na entrada do Assentamento Araras, que fica a

34 km de Marabá, lado esquerdo da Rodovia Transamazônica, sentido Marabá – São

Domingos, entramos mais 14 km em um ramal (pequena estrada de chão feita por

madeireiros) e chegamos a terra de um senhor por nome Nonato. Sindicalista do

município de São João do Araguaia, liderança do assentamento, que tinha um sonho de

que um dia aquela terra fosse ocupada, e criada um assentamento pra o povo produzir

alimentos. Então ele doou seu lote pro MST montar seu acampamento, já que o local

ficava em frente à terra que MST pretendia conquistar. Este foi um Natal bem diferente,

depois da recepção no lote do Seu Nonato passamos a passagem organizando os barracos

para montar o acampamento e organizar o povo.

Informações do Seu Nonato afirmam que o Assentamento Araras foi o primeiro

da região sudeste do Pará, datado de 19.12.1987, conquistado pela luta posseira

(GUERRA, 2004), organizada através do Movimentos Sindical, e resultou de uma forte

articulação e organização que reuniu posseiros e indígenas da TI Mãe Maria.

Lá ficamos sabendo que outro movimento (FETAGRI) já havia ocupado aquela

área e não teve bons resultados, perderam três trabalhadores brutalmente assassinados

pelos pistoleiros da fazenda e pela polícia de Marabá. A área reivindicada era a conhecida

Fazenda Pastorisa, que hoje é o Assentamento Primeiro de Março.

Chegamos no Assentamento Castanhal Araras, terra vizinha a Fazenda Pastorisa,

pretendida pelo Movimento Sem-Terra, e fomos direto para o lote do seu Nonato, cedido

para instalar o acampamento. O local era um grande matagal onde havia muita formiga e

nenhuma barraca. Quando a noite ia chegando, o tempo se fechava para chover, era

preciso correr para abrigar o povo. Os homens começaram a pegar palhas, madeira e cipó,

outros iam cavando buracos, enquanto as mulheres faziam a comida. Eu fui ajudar a pegar

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as palhas, e às oito da noite já tínhamos aprontado um barracão bem grande, onde foram

assentadas 60 famílias para dormirem.

Ao amanhecer o dia, parecia que eu tinha nascido novamente e parecia que

começava nova vida pois era dia de Natal. Fomos todos chamados pra assistir uma missa,

celebrada pelo padre Luiz Muralhes, esta era primeira missa que acontecia no

acampamento onde o padre abençoa o acampamento e disse que logo a terra seria

desapropriada com fé em Deus. Naquele dia, quando voltamos da missa, tivemos a

primeira reunião do acampamento na qual foi tirada toda coordenação que iria atuar no

acampamento que reuniu mais de duais mil pessoas.

Dessa forma, pela via da organização, da marcha, da ocupação, da formação do

acampamento fui me constituindo uma camponesa nessa região de fronteira – o sudeste

do Pará, uma das regiões mais violentas do Brasil em que o campesinato vai se

constituindo no enfrentamento a pistolagem, ao trabalho escravo, a peonagem

(MARTINS, p.1999), ao latifúndio, as milícias e polícias constituintes do Estado. Para

Carvalho (2005), lido em Costa e Carvalho (2012, p. 116) “O campesinato enquanto

unidade da diversidade camponesa, se constitui num sujeito social, cujo movimento

histórico se caracteriza por modos de ser e viver que lhes são próprios ...”. Dizem ainda

os autores que nessa diversidade camponesa, insere-se uma diversidade de famílias que

não se autodenominam necessariamente camponesas, por conta de suas especificidades

históricas e de contextos. E foi assim em muitas áreas que se tornaram assentamentos,

territórios desse campesinato diverso. Essa região por ter uma natureza rica e diversa, foi

rateada oficialmente pelo governo militar desde décadas anteriores:1960, 1970, no

entanto, aos poucos com a massiva migração de famílias sem terras e a organização

política desses sujeitos do campo, o projeto oficial foi contrariado, e se tornando a área

de maior concentração de assentamentos do país, na lei ou na marra. Com o fim do

extrativismo da castanha e as novas estratégias do capital nacional e internacional para a

Amazônia foi necessária a organização em torno da terra pelos posseiros através dos

Sindicatos dos trabalhadores rurais, luta que foi somada a luta sem-terra nos anos 1990,

quando o MST chegou na região. O Assentamento Araras é fruto dessa luta sindical na

sua luta pela terra.

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3.3. Primeiros aprendizados como militante do MST

Ser militante é se inserir de corpo e alma na organicidade do movimento, é

assumir e cumprir as tarefas que lhe cabe, é assumir uma identidade coletiva defensora e

cuidadora do coletivo. Logo na primeira reunião do acampamento fui apontada para ser

coordenadora da educação, e fui me inserindo nas atividades, fui participando de várias

reuniões e logo fui apreendendo algumas músicas. Além de preparar algumas místicas, o

tempo foi passando e ao longo fui me identificando com as crianças do acampamento e

todas passaram a me chamar de tia Rosilene. A primeira atividade que eu participei com

as crianças foi juntamente com o companheiro Gustavo, um dos jovens militantes que

contribuía na organização do acampamento. A educação é uma das primeiras tarefas a

organizar num acampamento do MST, para garantir a presença de uma escola para

educação infantil, sempre negada como direito, principalmente a escola do campo. A

escola também constitui-se uma das estratégias de conquista da terra.

No trabalho pedagógico com as crianças fizemos muitas brincadeiras, místicas,

trabalhos de pintura, recorte de jornais e revistas, tudo isso me deixou muito feliz, quando

fui identificando outras capacidades que não tive oportunidade de perceber. Ali decidi

que se ainda pudesse estudar, eu ia ser uma professora para trabalhar com essas crianças.

Logo fizemos um grande mutirão com os pais e fizemos um barracão de palha para

funciona a escola. Para minha surpresa, fui convidada para fazer o levantamento das

crianças e dos adultos, e depois fizemos as matrículas.

Todas aquelas coisas que aconteciam, eram totalmente novas para mim, e na

vivência no acampamento fui percebendo nos estudos, palestras e assembleias, em cada

reunião, que não era só a terra que eu queria, mas também uma moradia decente, saúde,

educação de qualidade, crédito e outros direitos.

Para conquistar a terra não só para mim, mas pros meus filhos e os companheiros

que se encontravam lutando pelo mesmo objetivo, dependia muito de cada um dos que

estavam ali, precisávamos unir e nos organizar cada dia mais pra ganhar a terra. Foi ali

junto com este povo que conheci o carinho que os companheiros tinham uns pelos outros

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a coletividade, a partilha a divisão igualitária dos alimentos. Os companheiros que

coordenavam o acampamento, sempre traziam informes da cidade e passavam a todos

nós, nas assembleias que eram feitas com todo o povo. Ali percebi o caráter educativo

permanente daquele lugar, o pedagógico de um acampamento, a importância do coletivo,

e o despertar da solidariedade com o outro e a outra, lá todos estávamos na mesma

situação, e a identidade sem-terra era fundamental para equiparar todos que ali viviam.

Tínhamos histórias semelhantes: origem pobre, moradores de periferia, migrantes de

outros estados, logo desterritorializados de suas localidades, enfim compúnhamos uma

categoria social chamada trabalhadores rurais sem-terra.

Conheci o companheiro Onalício Barros: o Fusquinha, assassinado a mando do

Carlinhos da Casa Goiás na luta sem terra, e foi ele quem coordenou uma assembleia que

marcou definitivamente minha vida e dos companheiros do acampamento da fazenda

Pastorisa. Lembro muito bem, todos estavam emocionados quando ele iniciou gritando

uma palavra de ordem que dizia “OCUPAR! RESISTIR! PRODUZIR!” Depois

perguntou-nos “estão preparados pra ocupar a terra” naquele momento todos

responderam em uma só voz que “sim” então ele perguntou “quanto tempo precisamos

para arrumar nossas bagagens e enfim entra na terra?” ficamos um pouco assustados, mas

também felizes e respondemos que duas horas eram suficientes. Aquele momento foi de

grande emoção dentro do acampamento, muita gente chorava, outras desmaiavam, muita

gente feliz, pois iriam ocupar a terra que passamos meses olhando com vontade de

produzir e alimentar nossos filhos. Naquele momento nossos filhos estavam comendo

feijão e arroz, e tudo isso nos deixava indignados com a situação que estava passando

aquelas famílias.

Para minha surpresa, naquele dia, o pai dos meus filhos veio ao acampamento.

Tinha três meses que não vinham nos visitar, veio de Marabá naquela manhã. Ele ficou

muito surpreso com aquilo que estava acontecendo, já que quando chegamos da

assembleia fui logo arrumando as redes e as panelas e colocando dentro de um saco

naquele momento meu marido ficou preocupado comigo e com as crianças e pediu pra

que eu não fosse, pois era muito perigoso. Perguntou-me se era aquilo que eu queria para

mim e para nossos filhos. Então comecei a chorar, mas respondi que tinha ido pro MST

para ganhar uma terra, nem que para isso custasse minha vida e se eu não ficasse, meus

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filhos ficariam com a terra Ele me chamou de louca e pediu que eu ficasse com as

crianças, e no outro dia ele vinha nos buscar.

Naquele momento estava chovendo muito e meu filho muito gripado e com febre

fiquei muito preocupada sem saber o que poderia acontecer. Ele em silêncio pegou o

facão e saiu pro meio da multidão. Nesse momento ouvia muitas falas, gritos, as pessoas

todas em fileiras às 7 hs da noite daquele mesmo dia, todos tinham de ir pra terra, já

tinham ido grande parte das famílias, só restava alguma pessoas cuidando das crianças.

As 4hs da manhã, meu companheiro voltou da ocupação e disse: Precisamos ir

pra nossa casa, não vamos ficar em acampamento, daí meu casamento não estava muito

bem, e por isso eu resolvi ficar com minha nova família: o MST. Neste momento nascia

outra mulher, decidida, segura do que queria e não submissa, consciente de que precisava

seguir naquela luta por melhores condições de vida. O rompimento com o casamento e

outro casamento com a luta pela terra, liberdade e autonomia.

Quando dia acabou de amanhecer peguei meus filhos e sai caminhando

devagarzinho, pois um deles não andava e outro que andava era bem devagar, mas mesmo

assim chegamos dentro da terra que eu sempre sonhava em viver com meus filhos e minha

mãe, começamos a fazer o barraco com a maior felicidade, parecia que estava me

transformando em uma nova mulher.

Meu marido iniciou uma briga por conta desse acampamento. Nós conversamos,

mas ele arrumou suas coisas e foi embora. Assim ficamos sozinhos em um barraco todo

no aberto, no entanto aquilo logo virou uma cidade onde todos tinham um sonho em

comum, que era ganhar um pedaço de terra pra plantar.

Em pouco tempo levantamos um barraco para instalar a escola, uma farmácia

alternativa pro acampamento, ainda que só com remédios caseiros, pouco tempo depois

fomos convidados pelo professor Manoel Maria, que era líder da pastoral da criança no

município e começamos a trabalhar com os remédio caseiros com participação do líder

da pastoral da criança.

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Com o tempo fui convidada a ajudar como educadora na escola, para mim era

tudo que eu queria, era a realização de um grande sonho que estava acontecendo comigo

era uma transformação em minha vida e uma revolução dentro da minha cabeça, tinha

medo de não dar conta de trabalhar com esses educandos, deu um frio na barriga quando

entrei pela primeira na sala de aula, fiquei muito confusa e preocupada como ia trabalhar

com aquelas crianças, pois nunca tinha tido uma experiência como aquela.

4. CAPÍTULO III: OUTROS APRENDIZADOS NA FRONTEIRA

4.1. Meu encontro com o debate de gênero

A minha inserção no grupo de mulheres aconteceu ainda no tempo do

acampamento da Fazenda Pastorisa, no ano de 1997. A mobilização começou diante das

dificuldades dentro do Acampamento com a falta de alimentação, medicamento e material

escolar, estrutura, situação financeira ruim, e outras necessidades em geral que nós

acampados passávamos. Notava-se que o acampamento estava precisando de um

acompanhamento frente a muitas dificuldades, especialmente, diante do fato de ter muitas

crianças doentes com gripe, diarreia, pneumonia, anemias e até mesmo muita desnutrição.

Precisávamos tomar uma atitude perante a situação. Foi o momento em que o

companheiro Manoel Maria, que era diretor de uma escola vizinha veio acampar conosco,

e ele começou a fazer parte do nosso grupo, então juntos decidimos tomar algumas

medidas para ajudar aquelas crianças. Como ele já fazia um trabalho social na

comunidade Araras, de onde vinha, então junto com ele fizemos um levantamento das

crianças, o que resultou num diagnóstico que ele mesmo levou para Marabá. Na ocasião,

ele era coordenador da Pastoral da Criança no município de São João do Araguaia. Assim

ele marcou uma reunião na Diocese de Marabá onde compareceram 16 mulheres que iam

acompanhar as crianças da Pastorisa. Aí surgiu a primeira necessidade de uma formação

para qualificar as líderes daquele trabalho com as crianças. Voltando da formação em

Marabá, cada companheira se responsabilizou por 10 crianças em idade de 0 a 6 anos. A

partir desse momento aquelas mulheres passaram a reunir todos os meses numa

celebração onde se fazia pesagem das crianças na parte da manhã e à tarde fazíamos

remédios caseiros para combater a desnutrição, também xarope, vitaminas e remédios

para verme e anemia.

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Aquele trabalho exigia um caderno de anotações para cada criança para

acompanhar o desenvolvimento dela. Assim inicia o grupo de Mulheres AMORA

inicialmente ligado a Pastoral da saúde, voltado para apoiar as crianças e suas mães e

posteriormente para discutir outras necessidades como o debate de gênero, violência

contra as mulheres no caso do acampamento. Na época, havia muita violência no

acampamento, os homens batiam muito nas mulheres, normalmente seus atuais ou ‘ex’

maridos, namorados, companheiros. Existia uma outra associação que discutia o interesse

considerado dos homens: a questão dos homens, do projeto, do plantio de cupu, banana,

que era associação para lidar com a produção e comercialização, mas não se tocava nem

discutia os interesses das mulheres, entre eles a própria questão da saúde como o PCCU

– Preventivo , e outros.

Observamos que dentro do acampamento as mulheres estavam participando nos

coletivos e das instâncias de decisão, como coordenação de grupos, seguranças,

disciplinas, saúde e educação. Eu mesma participava diretamente de vários espaços e até

da segurança. Na realidade dos acampamentos percebemos que além da maioria das

mulheres serem responsáveis pelo cuidado da educação dos filhos, elas sempre estão nas

fileiras das lutas dos movimentos sociais, mesmo porque no tempo de acampamento os

maridos saem para trabalhar e buscar o sustento das famílias, e são as mulheres que

assumem o comando do acampamento e ainda cuidar dos filhos e dos maridos. Dessa

forma nota-se que a mulher tem uma superjornada, uma sobrecarga de trabalho e isso se

apresentava como uma questão a ser discutida e compreendida por mulheres e homens. E

foi assim que compreendemos a necessidade das mulheres ter organização específica

onde pudesse discutir suas problemáticas e tirar encaminhamentos. No Brasil, o debate

de gênero vinha se constituindo fortemente sobre pressão dos Movimentos Feministas e

Movimentos de Mulheres, exigindo uma outra relação entre homens e mulheres. A

pesquisadora Joan Scott (1995), provoca utilizando o termo gênero como um elemento

constitutivo das relações sociais e necessário como categoria de análise das diferenças

entre homens e mulheres, buscando compreender como se constroem essas diferenças, a

partir da cultura. Esse debate na AMORA começa a se materializar para que

compreendêssemos o nosso lugar na história. Quando mudou de acampamento para

assentamento foi necessário criar a associação através da qual fizemos muitos cursos de

formação voltado para essa compreensão das relações sociais, a história da submissão da

mulher, estratégias de construção de autonomia e oportunidade de renda.

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4.2. Agroecologia e produção de biojóias

Já assentada e com terra legalizada no Assentamento 1º de Março, iniciei práticas

produtivas incorporando elementos da agroecologia, tradição passada de geração para

geração em minha família, com o aproveitamento de sementes, raízes e outros existentes

no meu lote. O Assentamento 1º de Março está localizado na região sudeste do Pará,

município de São João do Araguaia, as margens da rodovia transamazônica, ha 22

quilômetros de Marabá, cidade polo da região e 35 quilômetros de São domingos do

Araguaia. O assentamento é cortado pela Rodovia Transamazônica, e banhado pelo rio

Tocantins em um de seus limites. Segundo informações do PDA – Plano de

Desenvolvimento do Assentamento vivem hoje na vila e nos lotes cerca de 325 famílias

assentadas, equivalendo a quatro mil pessoas (PDA 2007).

Na condição de agricultora, descendente de agricultores vindos de comunidades

tradicionais, já trazia algo de agroecologia no meu lote de terra. Compreendendo esta

como prática que se contrapõe ao modelo de agricultura capitalista que usa agrotóxico,

concentra terra e lucro, e destrói a natureza. Agroecologia “... se configura como prática

social, ação de ‘manejo’ da complexidade dos agroecossistemas particulares, inseridos

em múltiplas relações naturais e sociais, relações que elas determinam e pelas quais são

determinadas.” (GUBUR e TONÁ, 2012). No meu lote deixei minha reserva de floresta,

preservando a natureza e na minha prática de plantio sempre deixei minha capoeira, para

as árvores crescer, não gosto de trabalhar com veneno, e até tenho alguns vizinhos que

me chamam de preguiçosa ecológica, por que acho que a produção sem veneno faz bem

para a saúde dos meus filhos e netos. Há 10 anos iniciei um trabalho com as sementes

naturais, aprendi essa nova prática, graças a uma ação em conjunto entre MST, INCRA,

e organização Burro Velho de Belém do Pará, graças a essas organizações, consegui

utilizar sementes beneficiando-as transformando-as em adereços e artesanatos, como

forma de agregar valor e aumentar a renda, além de aproveitar o que a natureza me dá.

Esse trabalho artesanal se chama bio-jóias. Estas faço com os restos mortais (sementes

que não servem mais para reproduzir), além das sementes também aproveito raízes,

folhas, cascas, cipós e outros.

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E tudo isso me incentiva a trabalhar e a conservar a natureza. Nesse sentido eu

já trabalhava com agroecologia mas sem a consciência de que era um trabalho

agroecológico. Em 2015, quando fui participar de um encontro no IALA Amazônico,

chamado encontro dos sábios no Assentamento Palmares II, por sinal foi o meu primeiro

encontro para discutir agroecologia, é que fui perceber que o trabalho que eu fazia, a

forma de trabalho era agroecológico. A partir do momento que eu selecionava as

sementes, cultivava e cuidava da minha pequena reserva, eu já era uma guardiã das

sementes.

Então quando fui convidada pelo companheiro Raimundinho para participar do

encontro estadual de Agroecologia em Belém no mês de setembro de 2017 fiquei muito

feliz em poder participar e ter mais conhecimento e me apropriar de novas ideias. Até

aquele momento achava que era mais homens que participavam desse tipo de discussão,

que era encontro de homens, porém me surpreendi com a quantidade de mulheres que

faziam parte da agroecologia, foi muito importante para mim estudar a proposta junto

com as companheiras e entender que a agroecologia tem uma proposta e um

monitoramento da produção da agricultura familiar camponesa e com um objetivo de dar

a visibilidade e a valorização da produção agroecológica diversificando sobretudo a

produção das mulheres agricultoras.

No final do mês de maio de 2018, fui participar do ENA - Encontro Nacional de

Agroecologia, que ocorreu em Belo Horizonte. Lá pude entender melhor a agroecologia

como prática mais ampla e diversa, e com participação massiva das mulheres. O encontro

permitiu ricas trocas de experiências em diferentes espaços e formas de lidar com a

produção agroecológica. As trocas de sementes, de saberes na produção das lavouras, das

hortas, dos pomares, das cozinhas, dos quitais, das vendas, das trocas, das doações, no

consumo nas outras práticas adotadas pelas famílias do campo e da cidade foram

enriquecedoras e contribuíram para a ampliação de conhecimentos e adoção de outras

estratégias.

A minha participação na AMORA – Associação de Mulheres Organizadas da

Reforma Agrária, me permitiu uma inserção numa militância mais ampla que envolvia

além de marchas, caminhadas e ocupações também a participação em formações com

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temas diversos: gênero, feminismo, violência contra a mulher, saúde da mulher,

agroecologia, questão ambiental, e também exposições, feiras onde levava produtos

artesanais confeccionados com sementes, raízes e folhas. Essa formação e qualificação

em produção artesanal me garantiu ampliar a renda familiar. A primeira vez que vendi

biojóias foi no Fórum Social Mundial em Belém-PA, onde levei uma variedade de

produtos, brincos, colares, braceletes, anéis de tucum. Depois fui para outro fórum social,

um evento Pan Amazônico em Santarém, fui a Rio + 20 no Rio de Janeiro, encontro de

todos os chefes de países para discutir uma agenda ambiental para o mundo. Na ocasião

fiquei numa tenda responsável pela discussão ambiental, junto com Marina Silva e a

recém assassinada Marielle Franco.

Desde então foram inúmeros eventos, encontros, seminários e Feiras

promovidos pelos Movimentos sociais articulados com a discussão ambiental,

agroecologia, questões de gênero e a Reforma Agrária, como foi o Evento Arte e Cultura

em Belo Horizonte. As feiras da Reforma Agrária feira estadual e feiras nacionais e

regionais. Os encontros de Mulheres e do Movimento Sem Terra, todos se traduziram em

espaços de divulgação e comercialização dos produtos agroecológicos da Reforma

Agrária e em particular dos meus produtos de um assentamento no sudeste paraense:

Primeiro de Março. Nos eventos além de expor uma forma de produção baseada na

agroecologia, aproveitar resíduos da natureza ainda trocamos experiências e vamos

ampliando conhecimentos.

4.3. Minha trajetória na educação do campo

Já bem inserida nas discussões da militância e na educação no acampamento,

por orientação do MST fomos trabalhar com identidade própria da escola do meio rural,

e assim com um projeto político pedagógico diferenciado, fortalecendo novas formas de

desenvolvimento do campo, baseado na justiça social na cooperação agrícola, respeitando

a vida humana e valorizando a cultura camponesa.

O tempo foi passando e eu aprendendo cada vez mais, inclusive com os próprios

alunos, com as reuniões as palestras que aconteciam no dia a dia. O conhecimento vai se

dando aos poucos. Fui convidada à participar do primeiro encontro estadual do MST, em

Marabá, era um encontro de educadores. Foi um encontro muito bonito com mística,

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ambientação, músicas, o que me fascinou mais ainda fortalecendo minha identidade com

as lutas do movimento e seus símbolos.

Neste encontro foi discutida, a importância de uma educação diferente no campo.

Meus amigos sempre falavam que era pra trabalhar dentro da realidade do próprio aluno

e assim quando nós voltamos começamos a trabalhar com os pais e com toda comunidade

tudo numa convivência respeitando grandes e pequenos, pois sonhávamos com uma

construção escolar que todos tivessem direito a uma educação libertadora, dentro dos

princípios que MST defendia. Aqui iniciava uma trajetória com a Educação do Campo,

uma proposta diferenciada reivindicada pelos sujeitos do campo que incide “... sobre a

política de educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas.”

(CALDART, 2012; p. 257) Com isso, princípios e metodologias necessariamente devem

considerar as relações diversas construídas pelos trabalhadores e trabalhadoras que vivem

no e do campo: o trabalho, a cultura, os conhecimentos, as lutas sociais conforme destaca

a autora, e outras questões que permeiam a vida e o meio onde vivem e se reproduzem

enquanto categoria social, na relação com os bens naturais.

No setor de educação algumas companheiras, tinha feito um compromisso com

a comunidade, iríamos trabalhar na escola de forma voluntária, da minha parte segui

firme, pois tinha objetivo maior que era lutar pela escola do acampamento, vê todo povo

feliz com suas terras e ver nossos filhos estudando numa escola com educação diferente,

onde todos falassem a mesma língua: a língua do povo camponês.

Minha participação no MST foi extremamente proveitosa, educativa e

criativamente. Tanto nos cursos direcionados para a militância, quanto as formações

complementares para atuar como educadora no acampamento. O movimento sempre

buscou desenvolver experiências pedagógicas que permitissem formação e qualificação

política de seus militantes, com uma proposta social e critica. Esses cursos foram

fundamentais para meu crescimento como pessoa, como mulher negra, como mãe, como

camponesa, pois recebi uma formação política, social e intelectual e me fizeram o ser, a

pessoa que sou hoje. Continuei crescer trabalhando voluntariamente com muita

dedicação, consegui trabalhar com duas turmas o ano inteiro de 1997. Para mim foi uma

das minhas maiores vitórias aprendi muito com eles, aquilo me serviu com uma escola,

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pra aumentar meu conhecimento tanto profissional com político, foi uma experiência que

me abriu o interesse pra ser uma educadora, ainda que com muitas limitações, mas

também com vontade de aprender pra melhorar meu trabalho dentro do assentamento.

Em fevereiro de, 1998, saímos do acampamento, para cidade são João do Araguaia, com

350 crianças para reivindicar seus direitos que são assegurados pela constituição

brasileira: toda criança tem direito a estudar.

Nossa escola, não tinha matérias didáticos nem merenda, mas não fomos

atendidos e voltamos tristes mas não desanimados, pois naquele momento estava

ocorrendo uma campanha do governo federal intitulado “TODA CRIANÇA NA

ESCOLA”. A notícia da situação das crianças chegou à Marabá e a 4º URE (Unidade

Regional de Ensino) que veio verificar a notícia, tomando pé da situação, no dia 1º de

marco de 1998, a escola foi reconhecida dentro do acampamento a qual colocamos nome

de Educar Para Crescer, que continua até hoje.

Figura 02: Machete sobre a Inauguração da Escola – uma vitórias das famílias

Fonte: Arquivo da CPT.

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Toda essa formação e experiência me conduziram a completar minha

escolarização rompida por conta do trabalho, questão de gênero e da falta de

oportunidade. A conquista de políticas públicas pelo MST e outros movimentos do campo

foram responsáveis pela implantação do PRONERA (Programa Nacional De Educação

na Reforma Agrária), através do qual eu e outras centenas de pessoas, homens e mulheres

de todo o país puderam retomar seus estudos, completar sua escolarização, graduação e

até pós-graduação. Foi pelo PRONERA que terminei o Ensino Fundamental e fiz o

Ensino Médio, curso de magistério, que teve uma formação política e cultural com uma

produção de conhecimento muito rica, e isto contribuiu para minha formação. O

PRONERA, posso afirmar sem nenhuma sombra de dúvidas fez toda a diferença na minha

vida, não apenas profissionalmente, mas como ser humano, esse programa abriu as portas

do mundo para muitas pessoas, e eu fui uma dessas, me trouxe dignidade, esperança em

futuro melhor, não apenas uma conquista pessoal, mas a certeza de que eu e toda minha

família podemos sim ter dias melhores, meu filho hoje graças ao PRONERA, cursa

Direito em uma universidade Federal UNIFESSPA, e sei que isso é apenas o início. O

curso de licenciatura me permitiu não apenas obter um diploma de ensino superior, mas

abriu-me os olhos para ter um olhar crítico sobre a sociedade como toda, não foi apenas

um aprendizado dentro da sala de aula, não foi aprendizado apenas enquanto eu estava na

universidade, porem aprendo todos os dias e busco passar o que aprendi e aprendo e devo

tudo ao PRONERA e ao curso de licenciatura.

Fiz tudo pela Universidade Federal do Para, Campus de Marabá. Essa formação

me permitiu acessar a formação superior, Curso de Licenciatura em educação do Campo

pela atual UNIFESSPA, no campus de Marabá-PA, antigo Campus da UFPA. A

organização pedagógica dos tempos do curso: tempo escola tempo comunidade, a

vivência coletiva com toda a turma me ensinaram muito do que sou hoje.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Minha trajetória de vida, minhas vivências, minhas experiências foram minhas

escolas principais, meus aprendizados, entretanto não foi apenas isso que construiu

minhas bases, existe algo que foi muito mais significativo que vai além do meu

individualismo, trata-se das vivencias coletivas, vivencias essas que tiveram início

quando fui abraçada pelos companheiros do MST, ao adentrar esse movimento, que eu

considero como família, minha vida mudou, junto com cada “camarada” construímos

muitas coisas juntos, fizemos história, lutamos, algumas vezes caímos, porem sempre

juntos, firmes, sempre levantado um ao outro.

A vida coletiva deveria ser algo indispensável na vida de qualquer pessoa, eu

agradeço muito as minhas vivencias coletivas, o coletivo sem dúvidas foi essencial para

minha formação. O enfrentamento a desigualdade econômica por ser de famílias humilde,

pais descendentes de quilombos de resistência, da experiência africana tornada escrava

em terras brasileiras pela colonização europeia. Tudo isso me ajudou muito a crescer

como pessoa, como sujeito histórico, como mulher e entender o meu lugar na sociedade

como negra, camponesa, artesã, agricultora assentada da reforma agrária. No início do

meu percurso no movimento tinha muita dificuldade e lembro que tremia e esquecia as

palavras, não conseguia falar. Hoje me sinto melhor, mais segura.

Dedicada com muito esforço durante esses anos, fui adquirindo conhecimento

teórico e também prático, para as defesas do dia a dia no enfrentamento, pois pra chegar

onde estou hoje passei por muita dificuldade, desilusão, humilhação, mas busquei

desempenhar e dar o melhor de mim.

Foram inúmeras as dificuldades devido minha própria condição social étnica

cultural. Mulher negra, pobre, maranhense, migrante sem estudo vivendo em uma

sociedade capitalista excludente, patriarcal, machista, racista e outros qualificativos, não

foi e não é fácil quando você carrega essas marcas no corpo e na vida.

Foram essas marcas e essas dificuldades do enfrentamento da pobreza que me

inseriram no processo intenso de migração junto com minha família e centenas de outros

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pobres do Nordeste que chegaram na Amazônia, em busca de melhores condições de vida.

Passamos por inúmeras localidade, trabalhando de terra em terra, de empreitada em

empreitada nas terras alheias, de Centro em Centro buscando trabalho, oportunidades

melhores de vida que acabamos vendidos para chegar no Projeto Jari, um dos grandes

projetos da Amazônia.

Essas condições de meus pais nos fizeram enfrentar a violência no campo, nos

garimpos, nos povoados, até perder meu irmão mais novo para a bala oficial dirigidas aos

jovens indígenas, pobres, negros da periferia. O enfrentamento a outras formas de

violência física e simbólica dentro do jogo capitalista, onde virei neguinha do Codó, para

os coleguinhas da escola que me batiam e não via nem reconhecia a violência que eu

sofria por ser negra.

Nestas circunstâncias, coragem não nos faltaram na vida, o enfrentamento ao

trabalho árduo, sem direito a escolarização, salário digno, terra e outras condições

necessárias a uma vida de qualidade. As experiências como mulher, tornei-me mãe de

quatro filhos e pela lógica patriarcal acabei assumindo praticamente sozinha a criação e

formação destes, quando as relações com o pais destes filhos foram rompidas. Viramos

Sem-Terras acampados resistentes para ter direito a um pedaço de terra, um lote da

Reforma Agrária no Assentamento 1º de Março. Preciso destacar o caráter pedagógico

do acampamento na fazenda Pastorisa nos anos 90, onde assumi tarefas importantes para

meu crescimento e para despertar e fortalecer em mim sentimentos de pertencimento a

um campesinato que vinha se constituindo na Amazônia e no sudeste do Pará. Além de

camponesa as questões de gênero e das mulheres se materializaram na organização da

AMORA, e lá aprendia meus direitos de mulher, a fazer o enfrentamento a violência

contra a mulher, fato muito presente na realidade do campo e também na cidade. Aprendi

que temos que construir espaços específicos para as mulheres discutirem suas questões

na busca de uma sociedade menos violenta com as mulheres. Da mesma maneira como

descobri o papel das mulheres dentro da agroecologia, a valorização dos saberes e que

esta é a via para a construção de uma vida saudável, com alimentos saudáveis e uma

relação social com igualdade de oportunidades para homens e mulheres.

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Neste percurso todo um sujeito político tenho que reconhecer e reverenciar: o

Movimento dos Trabalhadores Sem-terra, do qual me tornei parte. Neste trajeto o qual

estou me referindo tenho muito a agradecer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST) que me forjou na luta, como militante e educadora do povo.

Para concluir posso reafirmar que desde início até o presente momento

ocorreram várias mudanças em minha vida, posso dizer que consegui indicar um rumo

para minha vida com mais amadurecimento segurança, dentro de uma educação

emancipadora. Recuperar minha memória foi muito bom e ajudou-me a crescer enquanto

sujeito, compreender melhor tudo que eu, como mulher negra, camponesa vivi e que eu

sou resultado de toda essa experiência.

A história de vida permite visualizar tempos e espaços, as relações sociais, étnica

e de gênero, constituídas neles. Permite ainda ver os conflitos sociais, as contradições e

problematizar as questões conjunturais com a atuação do estado, a relação com os grupos,

classes, segmentos sociais, e com isso visualizar e tentar compreender as relações de

poder e opressão estabelecidas na sociedade. Neste caso em especial a partir de minha

própria história foi possível compreender o processo de formação de um campesinato

migrante na Amazônia e no sudeste do Pará.

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