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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE
ONEIDE BAÍA DE CASTRO
FATORES QUE INFLUENCIAM NA IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMANACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE PARAENSE
– UM RECORTE DO PERÍODO DE 1995 A 2015
Belém/PA 2017
ONEIDE BAÍA DE CASTRO
FATORES QUE INFLUENCIAM NA IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMANACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE PARAENSE
– UM RECORTE DO PERÍODO DE 1995 A 2015
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do titulo de Mestre em Ciências e Meio Ambiente pelo Programa de Pós-graduação em Ciências e Meio Ambiente do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Federal do Pará. Orientador: Prof. Dr. Waldinei Rosa Monteiro
Belém/PA 2017
Dados Internacionais de Catalogação - na - Publicação (CIP)
Biblioteca de Pós-Graduação do ICEN/UFPA
______________________________________________________________
Castro, Oneide Baía de
Fatores que influenciam na implantação do programanacional
de reforma agrária no nordeste paraense-um recorte do período
de 1995 a 2015/Oneide Baía de Castro; orientador, Waldinei Rosa
Monteiro.-2017.
75 f.il. 29cm
Inclui bibliografias
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Instituto
de Ciências Exatas e Naturais, Programa de Pós-Graduação em .Ciências e Meio Ambiente,
Belém, 2017.
1. Reforma agrária-Amazônia-Brasil. 2. Meio ambiente. 3.
Assentamentos humanos. 4. Movimentos sociais. 5. Acampamentos.
I. Monteiro, Waldinei Rosa,orient.II. Título.
CDD – 22 ed.333.318115
____________________________________________________________________
ONEIDE BAÍA DE CASTRO
FATORES QUE INFLUENCIAM NA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA
NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE PARAENSE – UM
RECORTE DO PERÍODO DE 1995 A 2015
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do titulo de Mestre em Ciências e Meio Ambiente pelo Programa de Pós-graduação em Ciências e Meio Ambiente do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Federal do Pará. Orientador: Prof. Dr. Waldinei Rosa Monteiro
Data da apresentação: 12/07/2017
RESULTADO: ( X ) APROVADO ( ) REPROVADO
Banca Examinadora:
Belém/PA 2017
Para Antônio Lino Serrão de Castro (In Memoriam) e Astésia de Jesus Baía de Castro; Patrícia de Castro Lima e Moacir Lima Júnior; Marcos César de Castro Silva, Aline Medeiros de Castro Silva e Marcos César de Castro Silva Filho; Marcelo de Castro Silva, Giselle Costa Dantas e Silva, Giovanna Dantas de Castro e Miguel Dantas de Castro, o bebê a caminho.
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiro a Deus e aos meus pais pelo dom da vida!
A minha família e a todas as pessoas que de alguma maneira contribuíram para
esta realização com estímulos ou mesmo com críticas, pois elas também estimulam
enquanto desafios, que ao longo da minha vida sempre se fizeram presentes e foram
vencidos.
Para quem aos vinte anos abandonou os estudos para casar e criar os três filhos
frutos do casamento, o sonho de cursar uma faculdade ficava muito distante quase
impossível, no entanto, acima de qualquer planejamento nosso, está à vontade de Deus
que nos conduz sempre para o caminho da realização e da felicidade.
Chegar aos sessenta e quatro anos com um título acadêmico de Mestre é além do
que sonhei, mas sou muito grata pela oportunidade ofertada e sabiamente aproveitada.
Sinto-me muito orgulhosa pela conquista, não pelo título, mas sim pelo exemplo vivo
para meus filhos e netos e também às pessoas que de modo geral se sentem incapazes de
realizações pessoais e profissionais aos primeiros obstáculos encontrados no decorrer da
caminhada.
Quero agradecer a todos os professores do Programa de Pós Graduação em
Ciências e Meio Ambiente da UFPA (Universidade Federal do Pará),e aos colegas do
INCRA nas pessoas de Danilo Coutinho, Denival Gonçalves, Francymary Costa, José
Abucater, Juarez Oliveira, Marcelo Arbage, Rodson Sousa e Ronaldo Coelho e aos
demais não citados, mas igualmente grata aos que de alguma forma contribuíram
comigo ao longo desses dois anos de estudo, pela colaboração e incentivo sem os quais
não teria finalizado o estudo.
Sou muito grata ao meu orientador professor Waldinei Monteiro pela paciência e
estímulo sempre a me animar a seguir em frente, apesar das adversidades encontradas
nesse período e ao meu colega e chefe imediato Carlos Oliveira pela compreensão ao
longo desse período de estudo.
Eternamente grata ao Senhor JESUS pelo merecimento desta graça.
Agradeço todas as dificuldades que enfrentei;
não fosse por elas, eu não teria saído do lugar.
As facilidades nos impedem de caminhar.
Mesmo as críticas nos auxiliam muito.
Chico Xavier
LISTA DE FIGURAS
Figura 1– Mapa de localização dos assentamentos tomados para estudo ...................... 32
Figura 2 - Criação de Projetos de assentamentos na modalidade Tradicional na SR-01
Belém/PA ....................................................................................................................... 35
Figura 3 - Criação de Assentamento por municípios ..................................................... 36
Figura 4 - Assentamentos por forma de obtenção na SR-01/Belém............................... 38
Figura 5 – Castanhal e no detalhe, o projeto João Batista II .......................................... 40
Figura 6 - Município de São Francisco, no detalhe o projeto Luiz Lopes Sobrinho ...... 44
Figura 7 - Transporte dos soldados da borracha na década de 30. ................................. 47
Figura 8 - Infra-estrutura pronta quando da criação do assentamento ........................... 50
Figura 9- Município de Santa Bárbara do Pará, no detalhe o projeto Abril Vermelho .. 52
Figura 10 - Imagens da escola/UBS da comunidade ...................................................... 60
Figura 11 - Matéria prima da farinha e casa do forno .................................................... 60
Figura 12 - Pequeno curral para o gado e plantação de mandioca ................................. 61
Figura 13– Culturas de espécies adaptadas e criação de galinhas .................................. 61
Figura 14- Forno para o preparo da farinha .................................................................... 62
Figura 15- Visão ampliada da fazenda. Marathon e Detalhe da vila de casas ............... 63
Figura 16– Detalhe das casas e a praça na vila............................................................... 63
Figura 17 - Foto do paricá abandonado na área.............................................................. 65
Figura 18 - Mudas de espécies cultivadas pelos colonos ............................................... 67
RESUMO
Realizou-se a análise do conjunto de procedimentos que compõem o processo de execução do Programa Nacional de Reforma Agrária em uma de suas várias ações: a criação dos Assentamentos do tipo Tradicional no período de 1995 a 2015 no espaço amazônico, particularmente, no Território do Nordeste Paraense e Região Metropolitana de Belém. Especificamente, procurou-se analisar fatores que influenciaram ou que determinaram as dificuldades nos processos de implantação e execução do Programa de Reforma Agrária sob o enfoque do comportamento adotado pelas partes integrantes desse processo, ou seja, os pretensos beneficiários do programa (acampados/assentados) e o órgão executor (INCRA). As observações realizadas ao longo dos procedimentos voltados à aplicação dessa política pública, enquanto instrumento da reforma agrária, conduziram à percepção de distorções e vícios localizados na pessoa do pretenso beneficiário. Tais percepções elucidaram o mecanismo pelo qual esses fatores influenciam negativamente na implantação do Programa, e ainda, indicaram a necessidade de se realizar ações no sentido de impedir ou minimizar o insucesso da implantação dos projetos da Reforma Agrária no Brasil.
Palavras-chave: Amazônia; Movimentos Sociais; Acampamento; Assentamentos Tradicionais.
ABSTRACT
An analysis was made of the set of procedures that comprise the process of implementing the National Agrarian Reform Program in one of its various actions: the creation of Traditional Settlements in the period 1995 to 2015 in the Amazonian area, particularly in the Territory of Northeast of Pará and Metropolitan Region of Belém. Specifically, it was tried to analyze factors that influenced or that determined the difficulties in the processes of implantation and execution of the Agrarian Reform Program under the approach of the behavior adopted by the integral parts of that process, that is, the beneficiaries of the program (Camped/settled) and the executing agency (INCRA). The observations made during the procedures aimed at the application of this public policy, as an instrument of agrarian reform, led to the perception of distortions and vices located in the person of the alleged beneficiary. Such perceptions elucidated the mechanism by which these factors negatively influence the implementation of the Program, and also indicated the need to take actions to prevent or minimize the failure of the implementation of Agrarian Reform projects in Brazil.
Keywords: Amazon; Social Movements; Camp; Seated; Traditional Settlements.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11
1.1 RELAÇÃO: PESSOAS E INSTITUIÇÃO ...................................................... 12
1.2 ASSENTAMENTOS TOMADOS PARA ESTUDO ...................................... 15
1.3 ACAMPAMENTOS E OCUPAÇÕES: O INÍCIO DO PROCESSO ............. 16
1.4 O PROCESSO LEGAL ................................................................................... 18
1.5 MECANISMOS DE OBTENÇÃO DA TERRA ............................................. 20
1.6 A QUESTÃO DA FRONTEIRA ..................................................................... 22
1.7 BREVE HISTÓRICO DA REFORMA AGRÁRIA ........................................ 24
1.7.1 O INCRA ........................................................................................................ 26
1.8 PRÁTICAS DE ORIGENS E CONSEQUÊNCIAS ........................................ 33
2 OBJETIVOS .................................................................................................. 33
2.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................ 33
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .......................................................................... 34
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA ........................................................... 34
3.1 SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ........................................ 34
3.2 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ........................................... 34
3.3 ASSENTAMENTOS TRADICIONAIS .......................................................... 35
3.4 FORMAS DE OBTENÇÃO DA TERRA ....................................................... 37
3.4.1 Projeto de assentamento “JOÃO BATISTA II” ........................................ 39
3.4.2 Projeto de assentamento “LUIZ LOPES SOBRINHO” ............................ 43
3.4.3 Projeto de assentamento ABRIL VERMELHO ......................................... 51
4 IDENTIFICAÇÃO DE FATORES .............................................................. 58
4.1 PROJETO DE ASSENTAMENTO “JOÃO BATISTA II” ............................ 58
4.2 PROJETO DE ASSENTAMENTO “LUIS LOPES SOBRINHO” ................. 59
4.3 PROJETO DE ASSENTAMENTO “ABRIL VERMELHO” ......................... 59
5 SITUAÇÃO ATUAL DOS PROJETOS DE ASSENTAMENTO ............ 59
5.1 ASSENTAMENTO: JOÃO BATISTA II ....................................................... 59
5.2 ASSENTAMENTO LUIZ LOPES SOBRINHO ............................................ 62
5.3 ASSENTAMENTO: ABRIL VERMELHO .................................................... 64
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 72
ANEXO ..........................................................................................................................74
11
1 INTRODUÇÃO
O tema Reforma Agrária é amplamente debatido nos meios político e acadêmico ao
redor do mundo pela sua complexidade e especialmente devido ao apelo social contido em
seu cerne. No Brasil, a reforma agrária tem como órgão executor o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, autarquia federal responsável pela implantação do
Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA em todo território nacional.
Segundo o Estatuto da Terra – Lei nº 4.504/1964, a reforma agrária é o conjunto de
medidas para melhor promover a distribuição da terra com modificações no regime de posse e
uso visando atender os princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e
aumento da produção. A reforma agrária faz parte de um projeto nacional de desenvolvimento
através de diretrizes contidas no Programa Nacional de Reforma Agrária I e II.
As recentes movimentações no sentido de se realizar a implantação dos assentamentos
deflagrados pelo INCRA nem sempre resultaram em um efetivo êxito, sendo que essas
observações, a partir da análise das informações do próprio instituto, motivaram o presente
estudo, de maneira que quaisquer esforços no sentido de se evidenciar os fatores que
influenciaram ou que determinaram as dificuldades nos processos que compõem o
instrumento da reforma agrária consistiram de ferramentas que, em um futuro breve auxiliará
os novos processos a seguirem uma linha menos tortuosa e possivelmente de sucesso na
implantação.
Tal observação se faz pertinente, visto que em uma análise crua, ao se tomar o curso
de doze anos acompanhando os processos em andamento, não se tem notícia da criação e/ou
implantação de algum assentamento dentro dos padrões normais de execução do programa
com obtenção de sucesso, embora se saiba de casos em outros Estados em que houve
tentativas neste sentido, porém sem alcançar o sucesso esperado.
Desta forma, propõe-se aqui a analisar como se dá de fato todo o processo de
implantação do programa de reforma agrária, pelo menos em tese. Há que se considerar que
segundo as diretrizes do programa, existe todo um trâmite administrativo regido por normas
de execução internas do órgão onde constam pelo menos as etapas de: cadastro, seleção,
classificação e homologação das famílias obedecendo a vários critérios em cada etapa do
processo de implantação do programa que na prática não acontece.
12
Finalmente, procura-se evidenciar quais possíveis fatores consistem de empecilhos
para o sucesso da implantação do PNRA – Programa Nacional de Reforma Agrária no Brasil
especificamente na Amazônia brasileira no Estado do Pará, pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
1.1 RELAÇÃO: PESSOAS E INSTITUIÇÃO
Ao longo da evolução da humanidade, a evolução da técnica determinou a modificação
da paisagem cuja impressão dessa evolução está presente em todos os lugares.
A mundialização da economia levou as sociedades a adotarem de maneira geral um
modelo técnico único que se sobrepõe a multiplicidade de recursos naturais e humanos.
A mundialização unifica a natureza e os diversos capitais a individualização
hierarquizando-a segundo suas lógicas em diversas escalas de modo que o espaço está em
constante transformação de acordo com os interesses desse capital (SANTOS; 1994).
A transformação da natureza significa uma rotura progressiva entre o homem e seu
entorno num processo em que o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização
do Planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza
artificializada marca uma grande mudança na história humana da natureza.
Em todos os tempos, a problemática da base territorial da vida humana sempre
preocupou a sociedade. Mas nesta fase atual da história tais preocupações redobraram, porque
os problemas também se acumularam.
Os pequenos produtores rurais, nosso público alvo neste estudo, são assim classificados
como agricultores familiares a partir do Censo Agropecuário do IBGE, 2006 baseado no
conceito da Lei 11.326/2006 de 24 de julho de 2006 que instituiu a Política Nacional da
Agricultura Familiar cuja área não pode ultrapassar quatro módulos fiscais.
O conceito de agricultura familiar, na visão de Navarro (2010), apud LUI, Gabriel
Henrique (2013) atualmente restringem o aperfeiçoamento das políticas publicas para
produtores familiares carecendo demonstrar a imensa diversidade social e produtiva que
caracterizam as regiões agrárias.
Segundo ZART (1998) todo sujeito ou agente social é essencialmente um ser do seu
momento histórico que cria e recria continuamente a sua história, reestruturando as estruturas
já estruturadas sejam econômicas, tecnológicas, simbólicas ou da linguagem, ou seja, as
13
mudanças que ocorrem em qualquer das dimensões influem nas diversas dimensões que
fazem parte do momento histórico.
Para analisar os fatores que provavelmente influenciaram no processo não podemos
deixar de lado os atores principais que desencadeiam toda a teia de acontecimentos variados
que vão se tornando parte do processo, ou seja, o indivíduo objeto desse mesmo processo que
é o pretenso beneficiário do programa de reforma agrária que, antes mesmo de se tornar
assentado, já determina uma mudança radical no trâmite do programa.
Observa-se na prática que o tramite de implantação do programa de reforma agrária é
atropelado pela ação desse novo ator social que é o acampado durante o decorrer do processo.
Assim, torna-se necessário também fazer uma análise aproximada do perfil desse assentado.
Não se pretende fazer uma descrição estruturada e/ou socioeconômica deste assentado, mas
pelo menos uma análise quanto ao comportamento deste em relação às práticas comuns
observáveis durante o processo de implantação.
A saber, acampado é a denominação que se dá ao indivíduo que está fora do mercado de
trabalho sem maiores compromissos e que são cooptados pelas lideranças dos movimentos
sociais para integrar e mobilizar a bandeira da reforma agrária na luta pela posse da terra.
Esses movimentos operam como produto de sua organização e como estratégia de pressionar
o governo realizando as ocupações de imóveis rurais (via de regra, imóveis particulares) com
a intenção de que estes sejam integrados ao programa de reforma agrária. Essas ocupações são
a origem dos acampamentos que se traduzem numa nova forma de ocupação do território1.
O acampamento passa então a integrar sujeitos de diversas origens, com desejos e
objetivos nem sempre explícitos, mas que nesse momento transforma-se em um novo sujeito
social atuando de forma decisiva no processo da reforma agrária.
O acampamento é caracterizado pela ocupação antecipada dos imóveis rurais
aparentemente viáveis para a reforma agrária e que na prática acabaram por precipitar às
ações previstas no Plano Nacional de Reforma Agrária, essa ação tem como consequência,
1 É importante deixar claro que ao fazermos a descrição dessa operação realizada por pessoas vinculadas ou não a qualquer movimento político partidário ou de outra natureza, não se está fazendo qualquer juízo quanto à legitimidade da ação ou mesmo de apoio às mesmas.
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invariavelmente, o insucesso e/ou a inviabilização do processo dentro dos requisitos previstos
pelo INCRA.
Os elementos que compõem os fatores determinantes desse fato provavelmente estão na
forma de como o processo de seleção dos beneficiários no PNRA - Plano Nacional de
Reforma Agrária é realizado. É provável que tenhamos alguma diferença nos processos em
função da origem das ações, por exemplo, quando o beneficiário é oriundo de uma ocupação e
não de um cadastro prévio dentro de critérios definidores de prioridades para o assentamento
das famílias.
Especificamente na modalidade de Assentamento Tradicional, escolhida para este
estudo na maioria dos casos, os processos não ocorreram de acordo com a legislação
pertinente exatamente por que a execução do programa se deu a reboque da ocupação
intempestiva.
Diferentemente das outras regiões do Pará, no Nordeste Paraense a participação de
indivíduos assentados em um movimento de luta pela reforma agrária, segundo Figueiredo &
Pinto (2014), concentra-se em dois momentos diferentes: o recrutamento e o assentamento.
Quando recrutados, a experiência dos indivíduos acampados torna-se de maneira
reflexiva frente ao mundo administrado, ele questiona esse mundo administrado passando a
ter possibilidade de desenvolver um pensamento não tutelado e criando um conteúdo coletivo
e um significado partilhado para suas ações.
Por outro lado, quando assentados, os indivíduos tendem a voltar a se adaptar ao mundo
administrado, o que causa uma série de rompimentos e desencontros uma vez que a união e a
participação igualitária do acampamento são substituídas pela fragmentação e desmobilização
decorrentes da diferença entre os projetos de vida do assentado e os projetos das lideranças do
movimento social.
Os recrutamentos são organizados de forma participativa, reflexiva e coletiva em
instâncias de decisão geralmente em assembléias ou grupos de trabalhos e comissões de bases,
abrangendo todas as problemáticas como educação, saúde, mobilização, segurança, etc.
O recrutamento em si é caracterizado pela mudança de comportamento do indivíduo,
que detinha um conceito de vida individual e nesse momento passa a adquirir um novo
conceito de construção de objetivos coletivos diante da nova realidade que se apresenta com
novos padrões culturais, de valores e de postura.
15
1.2 ASSENTAMENTOS TOMADOS PARA ESTUDO
Dentre as várias modalidades de projetos de assentamentos cridos pelo INCRA os
Assentamentos Tradicionais, escolhida para esse estudo, são os que melhor caracterizam a
questão abordada neste estudo por suas peculiaridades e principalmente pela forma de
obtenção através da desapropriação como maneira de solucionar o problema social criado pela
ocupação antecipada dos imóveis rurais em sua maioria de propriedade particular.
A escolha da área de estudo se deu pelas características emblemáticas e atípicas no
processo de ocupação dessas áreas, dentre os 87 (oitenta e sete) projetos de assentamento que
compõem essa modalidade escolhemos 03(três) que pelas suas peculiaridades possuíam todos
os elementos para servirem de assentamentos modelo e infelizmente não alcançaram sucesso.
Neste sentido, destacamos como fator relevante a motivação para a ocupação que
originou o conflito e as condições favoráveis utilizadas como solução na criação dos projetos
de assentamento estudados que contribuiriam para o sucesso dos empreendimentos nos três
casos em estudo: Projeto de Assentamento João Batista II, Projeto de Assentamento Luiz
Lopes Sobrinho, e Projeto de Assentamento Abril Vermelho.
No projeto de assentamento “JOÃO BATISTA II”, informações colhidas durante a
pesquisa indicam que foi estabelecido um conflito entre o movimento social MST e o
proprietário da Fazenda que daria origem ao assentamento JOÃO BATISTA II e, em virtude
desse conflito e ainda das características e ações praticadas por este proprietário durante
embates anteriores na relação com os trabalhadores sem terra daquela região e de outras, o
movimento entendeu que aquele imóvel teria que ser desapropriado e incorporado à reforma
agrária. Ressalta-se aqui que o conteúdo destas linhas retrata única e exclusivamente a
descrição de fatos ocorridos e que são assim descritos a partir de informações coletadas
durante a pesquisa.
O conflito original que culminou com a criação do Projeto de Assentamento “LUIS
LOPES SOBRINHO” ocorreu em função de problemas trabalhistas ocasionados pelo estado
de quase falência da empresa Goodyear do Brasil Produtos de Borracha Vegetal Ltda.
Quanto ao Projeto de Assentamento “ABRIL VERMELHO” o conflito central se deu
não apenas pela cobiça em torno da área reflorestada com várias essências, como 54.657 pés
da espécie paricá² existente na antiga empresa Dendê do Pará S/A - DENPASA, mas
16
certamente pela proximidade com a capital do Estado sendo vislumbrado pelos recrutados
como um local de lazer com chácaras bem estruturadas para o descanso de final de semana.
Como podemos perceber nos três casos a ocupação dos imóveis com objetivos de
obtenção dos mesmos para a reforma agrária se deu por motivos inusitados e por isso mesmo
teoricamente teria tudo para obter sucesso o que na realidade não ocorreu.
Ao longo deste trabalho procuraremos identificar os fatores responsáveis pelo
insucesso desses empreendimentos rurais.
1.3 ACAMPAMENTOS E OCUPAÇÕES: O INÍCIO DO PROCESSO
Embora alguns especialistas digam que a ocupação dos imóveis rurais surgiu como
conseqüência de um processo de organização político-social em relação aos conflitos no meio
rural em busca de terras (MEDEIROS, 1995), sabe-se que os conflitos no campo adquiriram
caráter nacional a partir de uma nova identidade e uma linguagem comum para agregar
politicamente diferentes tipos de trabalhadores, em varias regiões de forma a forjar uma
bandeira de luta aparentemente unificadora: A Reforma Agrária.
O acampado tem seu status sendo modificado durante o período de evolução do
processo, este período consiste entre a espera no acampamento e sua inclusão no processo de
implantação do Programa Nacional de Reforma Agrária. A este ponto, o acampado sai da
condição de acampado e passa para a condição de assentado através da inclusão do seu nome
na RB - Relação de Beneficiários, passando assim a ter o direito de receber todos os
benefícios inerentes ao programa.
As ocupações ocorrem, segundo relatos que se tem conhecimento dos próprios
membros dos movimentos, a partir das informações obtidas pelo próprio movimento social
sobre as condições de que algumas imóveis rurais dadas as suas características de posse e uso,
podem ser declarados improdutivos e passíveis de obtenção pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA ressalta-se que esse é um trabalho exclusivo do
INCRA, assim, os acampados se antecipam quanto às ações do órgão competente e procedem
com a ocupação. Essa ação teve conseqüências diretas sobre todo o processo implantação de
reforma agrária.
O acampamento/recrutamento, segundo Turatti (2005) apud Figueiredo& Pinto (2014),
se caracteriza como um momento de transição ou de passagem, durante o qual o recrutado
17
rompe com sua identidade/papel anterior, mas ainda não alcança o novo lugar pretendido (o
de assentado), lugar este que permitiria um enraizamento definitivo.
Para Caldart (2004), o movimento social entende o acampamento como um espaço de
formação dos futuros assentados enquanto novo sujeito social, no sentido coletivo que
participa dos embates sociais proporcionando uma experiência singular que questiona os
padrões culturais prévios dos acampados, levando a uma “mudança de conceitos, de valores,
de postura diante de determinadas realidades”.
Caldart (2004) aponta que “... os acampamentos podem ser construídos na área que se
pretende transformar em assentamento, ou à margem de rodovias, do lado de fora das
fazendas, etc.”, no entanto, cada um deles demanda estratégias de sobrevivência diferentes,
mas todos visam explicitar a luta, pressionar governos e mobilizar a opinião pública sobre a
questão da terra.
Esses autores consideram o acampamento como um momento de experiência com
muitas dificuldades, inclusive risco da própria existência física do acampado - fome,
fragilidade dos barracos, intempéries, risco de violência de grupos armados e/ou das forças
policiais, despejos e remontagens constantes de barracos, entre outros Caldart, (2004); Turatti
(2005).
Especificamente no Nordeste Paraense, área onde se concentrou o estudo no período
de 20 anos (1995/2015) não se aplica essa característica, pois os “acampamentos” em sua
maioria encontravam-se no interior dos imóveis rurais de propriedade particular
caracterizando-se na realidade como “invasões” travestidas de ocupações espontâneas.
Como classificar essas ocupações? Não podemos dizer que é acampamento por estar
localizado no interior dos imóveis rurais, também não podemos classificar como ocupação
espontânea por que a terra não estava abandonada ou devoluta já que eram propriedades
privadas.
Além do ato propriamente dito da ocupação devemos analisar qual o papel
desempenhado por esse novo sujeito social definido por Caldart, (2004) que não se identifica
com os agricultores que de fato lutam pela posse da terra.
O acampado, pretenso beneficiário da Reforma Agrária está engajado em um
determinado movimento social e durante esse período de espera adota um comportamento
condizente com a ideologia do movimento além de compartilhar com as decisões tomadas por
18
esse movimento ao qual está ligado mesmo que no inconsciente ele tenha o seu projeto
particular.
Neste ponto é importante observar o agora assentado, de forma que os interesses que
outrora eram coletivos serão postos à prova, de maneira que seu comportamento pode
fortalecer o grupo de assentados ou mesmo prejudicar a todos haja vista que o objetivo mais
imediato do assentado é sua capitalização através da venda ilegal da terra e de todos os outros
benefícios que recebe como crédito apoio, crédito habitação, linha de financiamento do
PRONAF– Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Essa prática, ao
longo desse período passou a se constituir como um dos vícios de irregularidades presentes
nos assentamentos de modo geral.
1.4 O PROCESSO LEGAL
Regimentalmente, o INCRA possui a atribuição legal e exclusiva para obtenção dos
imóveis e incorporação aos bens da União para atender as demandas do Programa Nacional
de Reforma Agrária através do seu cadastro rural, identificando os imóveis que não estão
cumprindo sua função social ou são improdutivos. Quando imitido na posse do referido
imóvel através de trâmite administrativo e/ou judicial, o INCRA faz a inclusão dos candidatos
cadastrados no Programa e emite a Relação de Beneficiário com o nome das famílias
atendidas pelo programa.
A Lei 8.629/1993, de 25 de fevereiro de 1993 dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos
constitucionais relativos à reforma agrária, previsto no capitulo III, Título VII, da
Constituição Federal KOÇOUSKI (2012).
A NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/IDT/N°69 de 12 de março de 2008, dispõe
sobre o processo de criação e reconhecimento de projetos de Assentamento de Reforma
Agrária atualmente em vigência.
O INCRA financia a implantação dos lotes, com recursos para a construção da
moradia, da manutenção da família no primeiro ano, além de financiar o custeio da produção
e disponibilizar crédito para investimento, com prazos e carências (ALBUQUERQUE et al;
2004).
19
Quando o imóvel é ocupado pelos acampados, que nem sempre estão cadastrados antes da
implantação do programa, é criada uma expectativa de acesso à terra que leva a muitos
conflitos entre os recrutados e o INCRA que ainda não os tem como tutelados, porem é
chamado para mediar conflitos originados pela falta de perfil dos pretensos beneficiários para
a agricultura já que não passaram pelas etapas de cadastro e seleção.
Entre o momento dessa ocupação até o final do processo de criação e implantação
oficial do projeto de assentamento propriamente dito decorreu um longo tempo dando ensejo
às ações ilícitas dos acampados como a venda de lotes por uns e as aglutinações dos lotes por
outros não clientes da reforma agrária, produto dessa ocupação intempestiva da área.
Sob a bandeira da reforma agrária e a busca por terras para trabalhar, os acampados
acabam criando vícios, como explicitados acima (venda e aglutinação) e regras próprias
existentes nos chamados “acampamentos”, criados pelos “chamados” movimentos sociais que
na verdade se tornam regras.
Nesses vícios, se podem encontrar a raiz dos abandonos/vendas ilegais de lotes, a alta
rotatividade, as aglutinações de lotes que estavam subjacentes apenas à espera da
concretização das ocupações para serem realizadas encorajadas pela falta de critérios no ato
do recrutamento, pois não era objetivo do movimento estabelecer critérios e sim arregimentar
componentes.
Importante notar que os pretensos beneficiários enquanto acampados estão submetidos
a um regime rígido e mesmo assim permaneciam aguardando a ocupação da área para
realizar, ilusoriamente através disso, a sua própria capitalização.
Os movimentos sociais têm identificados nos ditos acampamentos uma série de vícios,
bem como as diretrizes para a sua superação. Segundo eles, nos acampamentos,
assentamentos, cooperativas, associações, núcleos, há muitos erros decorrentes desses vícios
históricos que são parte do processo de vivencia nesse período de espera.
Os vícios, muitas vezes, aparecem de formas disfarçadas e alguns acampamentos
possuem características comuns, embora algumas se destaquem mais. Para combater os vícios
é necessário estabelecer um sistema que preveja possíveis punições no caso da incidência de
algum desses vícios, de maneira que os mesmos sejam eliminados, e para isso será necessário
que alguns sacrifícios sejam realizados, basicamente caracterizados pela divulgação das regras
sob a forma de organização que pode resultar em punição aos que não respeitarem as normas.
20
Diante dessas evidências, o futuro beneficiário da política pública da reforma agrária
tornou-se pelo comportamento equivocado, o agente complicador do processo no momento
em que interfere na implantação do projeto de assentamento.
O INCRA, sempre a reboque das ações em virtude da criação dos acampamentos de
trabalhadores sem terra que apresentavam como característica principal a ocupação do imóvel
objeto de suas pretensões tentou por um fim a essa prática através da edição da Lei nº 8.629
de 25 de fevereiro de 1993, que no seu Art. 2º diz no§ 6o:
� O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório
ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não
será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua
desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser
apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com
qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas
vedações.
Ainda assim, após a alteração da lei acima mencionada a prática da ocupação antes das
ações do INCRA, não deixou de ocorrer tendo em vista o lapso de tempo entre as vistorias
para determinação de produtividade, a edição do decreto, o ajuizamento de ação e a imissão
provisória de posse.
Mesmo assim tais atos de “assentamento” não deixaram de ser praticados com mais
intensidade do que anteriormente, haja vista, os beneficiários se sentirem autorizados desde a
publicação do decreto de expropriação.
1.5 MECANISMOS DE OBTENÇÃO DA TERRA
As formas de obtenção de terras pela INCRA para o Programa de Reforma Agrária são
diversas, mas para o período de estudo destacamos as quatro mais adequadas para o presente
estudo.
♦ Os Projetos Estaduais por Reconhecimento - tiveram como origem, terras de
domínio do Estado do Pará, cujas unidades administrativas foram criadas pelo Órgão Estadual
de Terras e reconhecidas pelo INCRA.
♦ Os Projetos de Assentamento por Arrecadação - têm como substrato terras públicas
federais que após procedimento discriminatório administrativo foram arrecadadas e
21
matriculadas em nome da União Federal. As referidas terras não foram destinadas e, por
conseguinte ocupadas mansa e pacificamente. O INCRA apenas regularizou a situação
fundiária dessas ocupações reunidas em torno de comunidades já consolidadas por muitos
anos de ocupação, através da criação dos projetos de assentamentos possibilitando, assim, às
famílias acesso a outras políticas públicas como credito instalação (apoio e habitação), infra-
estrutura, assistência técnica dentre outros, não se restringindo apenas ao documento da terra
(regularização fundiária). No seu Artigo 28 é dito que:
Sempre que se apurar, através de pesquisa nos registros públicos, a inexistência de domínio particular em áreas rurais declaradas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais, a União, desde logo, as arrecadará mediante ato do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, ou seja, a União faz a Arrecadação Sumária.
♦ Projetos de Assentamentos em terras obtidas por Desapropriação – incidem em
terras onde realmente houve a intervenção do Estado via o instituto da desapropriação
previsto na Constituição Federal. No caso da desapropriação, o INCRA se fez presente
intervindo em nome do Estado propondo a expropriação dos imóveis que se caracterizavam
por apresentarem ancianidades ocupacionais de muitos anos, isto é, imóveis muito antigos.
♦ Projetos de Assentamentos em terras obtidas por Compra e Venda - Projeto de
Assentamento por Compra e Venda ocorreu em apenas um imóvel o que comprova que essa
modalidade de obtenção foi infimamente usada na SR-01. A compra e venda de imóveis
rurais para fins de reforma agrária são regidos pelo Decreto nº 2.614, de três de junho de 1998
que alterou o Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992.
Neste trabalho serão evidenciadas as formas mais comuns praticadas pela
Superintendência Regional 01. Avaliar a consequência do comportamento desse novo sujeito
social, o acampado, no período que antecede a sua inclusão no Programa Nacional de
Reforma Agrária, suas ações e intenções na sua relação com o órgão executor do programa,
isto é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- INCRA no processo que vai da
demanda até a obtenção de terras para fins de Reforma Agrária e quais as conseqüências dessa
ação para o sucesso ou fracasso dessa política pública do governo federal é o objetivo maior
deste estudo.
22
Essas análises serão feitas a partir do levantamento do histórico de formação de cada
acampamento/assentamento nos arquivos e banco de dados do INCRA e de revisão
bibliográfica inerente ao assunto.
Conforme exposto acima, trataremos mais à frente, de três projetos de assentamento
situados na região do Nordeste Paraense e Metropolitana de Belém que são emblemáticos no
processo de obtenção e criação das unidades administrativas, objetivando a análise da
conseqüência do comportamento dos sujeitos enquanto acampados durante o período de
“espera” para ser assentado buscando identificar os elementos que vão se tornar uma das
principais causas de entrave ao sucesso da Reforma Agrária no Brasil.
1.6 A QUESTÃO DA FRONTEIRA
A Amazônia, segundo Martins (2009), assim como as sociedades latino-americanas
encontra-se no estágio da fronteira quando as relações sociais e políticas são marcadas pelo
movimento de expansão demográfica em terras não ocupadas ou “insuficientemente”
ocupadas como a última grande fronteira.
A ocupação se deu através da escravização dos índios, da coleta de plantas conhecida
como “drogas do sertão” e extração do látex e da castanha. Com o Golpe de Estado de 1964 e
a implantação da ditadura militar a ocupação da Amazônia brasileira passou a ser massiva
violenta e rápida. Esse processo foi atenuado pela reinstauração do regime político civil e
democrático de 1985.
Para Martins (2009), a fronteira no Brasil se traduz nas lutas étnicas e sociais
envolvendo índios, camponeses, moradores antigos, recém-migrados e grandes fazendeiros na
luta pelo direito a terra com mortes, assassinatos e massacres. Na Amazônia, considerada
como a última fronteira terrestre, o deslocamento da fronteira foi marcado historicamente pela
destruição e resistência.
Bacelar (2005) se ressente da falta de estudos sobre a demografia histórica do Brasil
contemplando todo um contexto histórico colonial, de sociedades escravistas, heterogêneas,
que receberam grandes fluxos migratórios compulsórios e espontâneos, de fronteiras abertas e
de contatos com populações autóctones.
Essa área de estudo caracteriza muito bem a questão da luta pelo acesso a terra através
do envolvimento dos acampados nos movimentos sociais buscando legitimidade para suas
23
ações de ocupação dos imóveis rurais, onde particularmente na Amazônia, na maioria das
vezes, se traduzem em mortes violentas no campo provocadas pelos conflitos de interesses
individuais e coletivos, inclusive políticos, oriundos da alta incidência de concentração de
terras no Brasil.
A fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, os tempos se fundem e a
alteridade original e mortal é substituída pela alteridade política, quando o outro se torna a
parte antagônica do nós. Martins (2009) vai além e afirma que é nesse ponto que: “... a
história passa a ser a nossa história nossa pluralidade e diversidade. Nós já não somos nós
mesmos porque somos antropofagicamente nós e o outro que devoramos e que nos devorou.”
(MARTINS, 2009, p 134).
Nesse sentido, a fronteira sempre existirá, pois que o conflito é inerente ao ser humano
e quando o indivíduo se torna acampado ele tende a lutar consigo mesmo entre seu interesse
pessoal enquanto indivíduo, e os interesses coletivos do movimento ao qual está ligado e
pelos quais luta sob a bandeira da reforma agrária, mesmo que conscientemente saiba que seu
interesse pessoal terá prioridade sobre o interesse coletivo quando tiver conquistado o direito
de acesso a terra.
No Brasil, a frente de expansão retrata melhor as relações servis de trabalho
caracterizado pela peonagem ou escravidão por dívidas, pela ausência da propriedade formal
da terra com predominância de posse sem titulo de propriedade. Os patrões foram por longo
tempo até poucos anos, meros posseiros, como os camponeses, ou arrendatários de terras
públicas, pagando ao Estado foros simbólicos e favores eleitorais as concessões territoriais
recebidas. Essa relação resulta da precária institucionalização do direito de propriedade e
também porque esses territórios estão fora do circuito rentável da renda da terra ou da
aplicação do capital na aquisição de terrenos.
Os diferentes sujeitos com trajetória no movimento social nem sempre continuam
agindo de acordo com o projeto político participativo de quando ingressam nos movimentos.
As pessoas e os projetos vão mudando na proporção que novas conexões acontecem e se
tornam relevantes para os objetivos do movimento.
Na região amazônica são fortes as representações do mal que aflige os camponeses
ameaçados de expulsão da terra pelos grandes proprietários e pelas grandes companhias. Se os
camponeses estivessem apenas buscando terras para trabalhar e assegurar sobrevivência e a
continuidade da família seria menos complicado lidar com os conflitos resultantes da
24
desagregação das relações sociais, principalmente de parentesco e vizinhança e os
desencontros próprios da frente de expansão, porém o camponês se encontra numa situação
limite do humano, na fronteira.
Tempo e espaço se fundem no espaço-limite concebido ao mesmo tempo como tempo-
limite É no fim que está propriamente o começo.
A luta na fronteira do eu e do nós no imaginário dos pretensos beneficiários da
reforma agrária, cria uma tendência pela resolução individualista da questão da posse da terra
no sentido de transformar rapidamente, a terra a que fez jus quando incluído no Programa
Nacional de Reforma Agrária em capital financeiro através da venda ilegal do lote e dos
outros benefícios recebidos do programa, para efetivamente realizar seus objetivos
individuais, à revelia dos objetivos coletivos, trazendo dessa forma, um grande prejuízo ao
resultado final do programa, causando uma série de transtornos para o órgão executor da
reforma agrária, uma vez que exige deste ações de correções das irregularidades causadas
pelo desertor do lote.
1.7 BREVE HISTÓRICO DA REFORMA AGRÁRIA
A Reforma Agrária no Brasil remonta ao período colonial - Cardoso (2009) com a
criação das capitanias hereditárias e do sistema de sesmarias - grandes glebas distribuídas pela
Coroa portuguesa a quem se dispusesse a cultivá-las em troca de um sexto de sua produção.
Nascia aí o latifúndio (CARDOSO, 2009).
Em 1822, com a Independência do País, o quadro se agravou, pois a troca de donos
não envolvia trabalhadores rurais já que praticamente todos eram escravos, mas sim,
proprietários e grileiros apoiados por bandos armados.
Em 1850, o Império tentou ordenar o campo ao editar a Lei das Terras. Porém, a
proibição de ocupar áreas públicas e a determinação para aquisição de terra somente com
pagamento em dinheiro, reforçou o poder dos latifundiários ao tornar ilegais as posses de
pequenos produtores.
Segundo Martins (2003), a instituição da Lei de Terras (1850) foi uma maneira legal
de restringir a posse da terra aos índios, aos africanos e seus descendentes e aos colonos
europeus que chegaram ao Brasil na segunda metade do séc. XIX, mesmo assim os
25
proprietários encontravam meios ilegais como a grilagem, a falsificação de títulos e a
corrupção para ampliar suas posses conquistando novas terras.
A instauração da República, em 1889, um ano e meio após a libertação dos escravos,
também não melhorou o perfil da distribuição de terras. O poder político continuou nas mãos
dos latifundiários, os temidos coronéis do interior. Somente no final dos anos 50 e início dos
anos 60, com a industrialização do País, a questão fundiária começou a ser debatida pela
sociedade, que se urbanizava rapidamente.
Surgiram na região Nordeste do Brasil as Ligas Camponesas e o Governo Federal
criou a Superintendência de Reforma Agrária (Supra). Ambas foram duramente combatidas
pelo grupo sociopolítico que exercia sua autoridade, controle ou influência, defendendo seus
privilégios dentro do quadro que resultou no golpe militar de 1964.
A Amazônia no período pós-golpe militar em 1964 surge como fronteira agrícola,
proporcionando grandes deslocamentos de população para essa região num processo de
colonização voluntária e oficial, processo conhecido como “modernização conservadora” pela
transformação tecnológica na produção da agricultura, porém, sem mudar a estrutura fundiária
do Brasil e sem melhoria das condições de vida no campo. Esse processo de modernização
atendia à expansão capitalista no Brasil.
Nesse contexto, os espaços urbanos e rurais foram organizados a partir das décadas de
1960-1970, com a preocupação do Governo Federal em integrar a região amazônica ao
território nacional, ocupando os espaços “vazios” e implantando o aproveitamento
econômico, a partir de 1970, com a aprovação do Projeto de Integração Nacional através da
construção de grandes rodovias como a BR-230 (Transamazônica) e BR-163 (Cuiabá-
Santarém), assim como a implantação de projetos de colonização das margens dessas rodovias
para a fixação dos migrantes.
Não podemos deixar de fora dessa discussão a dimensão ambiental cujos estudos no
Brasil, assim como na comunidade internacional tem destaque com o grupo que se organizou
no seio da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), com pesquisadores
engajados em temas correlatos que começavam a aparecer em diferentes fóruns de pesquisa
no Brasil, todos gravitando em torno da questão ambiental com o GT- Grupo de Trabalho
População e Meio Ambiente. MARANDOLA (2007).
26
A questão ambiental está intrinsecamente atrelada ao uso e a ocupação do solo na
Amazônia, estando o debate muito vinculado às políticas públicas, à gestão e ao planejamento
regional em maior ou menor escala dependendo da concentração dos conflitos, porém sempre
no embate população versus recursos naturais.
1.7.1 O INCRA
É com o INCRA, e não por meio do INCRA que majoritariamente quilombolas, sem-terras,
populações tradicionais e outros grupos populacionais têm acesso a terra, aos seus benefícios
e seus problemas. O INCRA tem sido ao longo dos últimos quarenta anos, um dos órgãos
mais sensíveis às transformações políticas no Brasil, tanto em termos de suas ações quanto da
composição de seus quadros funcionais num processo de constituição do aparato estatal
voltado para a reforma agrária caminhando pari passu com as mobilizações por terra e, por
conseguinte, com a instituição de políticas públicas.
É a permeabilidade e constante negociação desses burocratas ou servidores com vários atores
em diferentes níveis que o Estado, de forma heterogênea, se faz fundamental na vida das
populações em áreas rurais brasileiras que reivindicam terra. Pena, Camila & Rosa, Marcelo
C. (2015)
Com a edição do Estatuto da Terra, Lei 4506 (BRASIL, 1964), houve a criação do
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e do Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrário - INDA, em substituição à Superintendência da Política Agrária - SUPRA.O Decreto
nº 59.456 de 4 de novembro de 1966, instituiu o primeiro Plano Nacional de Reforma
Agrária, que não saiu do papel e o Decreto nº 1.110 de 09 de julho de 1970, criou o INCRA-
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, resultado da fusão do IBRA – Instituto
Brasileiro de Reforma Agrária com o INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário
e com o GERA- Grupo Executivo de Reforma Agrária.
A redemocratização, em 1984, trouxe de volta o tema da reforma agrária. O Decreto nº
97.766, de 10 de outubro de 1985, instituiu I Plano Nacional de Reforma Agrária, com a meta
utópica de destinar 43 milhões de hectares para o assentamento de 1,4 milhões de famílias até
1989. Criou-se para isso o MIRAD- Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e a
Reforma Agrária, mas quatro anos depois os números alcançados eram modestos perante a
meta: 82.689 famílias assentadas em pouco menos de 4,5 milhões de hectares. Esses números
refletiam o intenso debate político e ideológico em torno da reforma agrária na Assembléia
27
Nacional Constituinte. Do embate, resultou a extinção do INCRA- Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária, em 1987, e a do próprio MIRAD – Ministério da Reforma e
do Desenvolvimento Agrário, por meio da Medida Provisória nº 29/89.
A responsabilidade pela reforma agrária passou então em 1990 para o Ministério da
Agricultura. Em 29 de março de 1989, o Congresso Nacional recriou o INCRA, rejeitando o
decreto-lei que o extinguira, mas a falta de respaldo político e a pobreza orçamentária
mantiveram a reforma agrária quase paralisada.
A questão foi, então, vinculada diretamente à Presidência da República com a criação,
em 29 de setembro de 1996, pelo Decreto. Nº1. 889/96 do Ministério Extraordinário de
Política Fundiária - MEPF, o qual incorporou o INCRA.
Em 14 de janeiro de 2000, o Decreto nº 3.338 criou o Ministério do Desenvolvimento
Agrário - MDA, antes regido pelo Decreto nº 7.255 de 04 de Agosto de 2010 e agora alterado
pelo Decreto 8.786/2016 de 14 de junho de 2016 subordinando a estrutura do MDA ao
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o INCRA está vinculado
hoje à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa
Civil da Presidência da República através do Decreto nº 8. 865, de 29 de Setembro de 2016.
Nesse intervalo de tempo foi lançado em 2004 o II Programa Nacional de Reforma
Agrária-II PNRA. É um programa que integra um Plano de Governo e um Projeto para o
Brasil Rural objetivando retomar a trajetória anunciada pelo I Plano Nacional de Reforma
Agrária, elaborado em 1985 como uma das expressões do projeto de redemocratização do
país, com o propósito de mudar a estrutura agrária brasileira.
O INCRA possui sede em Brasília e conta com trinta Superintendências Regionais
(SR). Subordinadas a cada Superintendência estão as Unidades Avançadas (UA), órgãos
executores descentralizados de caráter transitório. Apenas o Estado do Pará e o Estado de
Pernambuco possuem mais de uma superintendência no território nacional em virtude dos
inúmeros conflitos no campo. O Estado do Pará conta com três superintendências (Belém,
Santarém e Marabá) e o Estado de Pernambuco com duas (Recife e Petrolina).
De acordo com o Art. 2º inciso I b, do atual Regimento Interno do INCRA aprovado
pelo Decreto 8.955 de11 de janeiro de 2017 a Ouvidoria Agrária Nacional, saiu do ministério
da defesa e agora faz parte da estrutura do INCRA, órgão agora subordinado ao Ministro de
28
Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República pelo Decreto 8.786/2016 de 27 de
maio de 2016, tendo como missão:
I - promover gestões junto a representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público,
do INCRA e de outras entidades relacionadas com o tema, visando à resolução de tensões e
conflitos sociais no campo;
II - estabelecer interlocução com os governos estaduais, municipais, movimentos
sociais rurais, produtores rurais e sociedade civil, visando prevenir, mediar e resolver as
tensões e conflitos agrários para garantir a paz no campo;
III - diagnosticar tensões e conflitos sociais no campo, de forma a propor soluções
pacíficas;
IV - consolidar informações sobre tensões e conflitos sociais no campo, com o
objetivo de propiciar ao Ministro de Estado, ao Presidente do INCRA e a outras autoridades
subsídios atualizados e periódicos para tomada de decisão; e
V - garantir os direitos humanos e sociais das pessoas envolvidas em tensões e
conflitos sociais no campo.
No âmbito das ouvidorias regionais junto ao INCRA, há um controle das famílias
acampadas em vulnerabilidade alimentar, haja vista a ouvidoria intermediar junto à
Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB a doação de cestas básicas de alimentos
para essas famílias como instrumento de controle para manter a paz no campo.
Oquadro01demonstra o número de pessoas inscritas em acampamentos por município
na jurisdição da SR-01 Belém/PA. Indicando que a maior concentração de inscritos se dá nos
municípios de fronteira com o Estado do Maranhão e os mais próximos.
29
Quadro 01- Acampados no âmbito da SR-01 Belém/PA.
Nº ORDEM MUNICIPIO Nº FAMILIAS
01 Aurora do Pará 63
02 Capitão-poço 67
03 Curuçá 47
04 Dom Eliseu 322
05 Garrafão do Norte 97
06 Ipixuna do Pará 78
07 Irituia 21
08 Mãe do Rio/São Domingos Capim 48
09 Paragominas 115
10 Santa Luzia do Pará 31
11 Tomé–Açú 148
12 Ulianópolis 286
13 Gurupá (Marajó) 115
14 Marapanim (salgado) 35
TOTAL 1.473
Fonte: INCRA. www.incra.gov.br- 2015
Conforme coleta de informações na Ouvidoria Agrária Regional, nesta
Superintendência, a mediação de conflitos no campo é o seu principal objetivo e podemos
destacar alguns casos emblemáticos na jurisdição da SR-01/Belém/PA quais sejam:
30
Tabela 1 - Acampamentos por municípios no âmbito da SR-01Belém/Pará
IMOVEL ACAMPAMENTO MUNICIPIO ÁREA (HA) OCUPAÇÃO FAM Faz. Cambará
Quintino Lira Stª. Luzia Pará 4.800,0000 2009- MST 110
Fazenda Nova Esperança I II
Tomé-Açú 2.776,0000 2010-FETAG 88
Faz. S. José Bom Sossego II Tomé-Açú 1.260,0000 2007-FETAG 66 Faz.Palm Terra Cabano Benevides 3.800,0000 2008-MST 190 Faz. Stª Marta
Assoc. Renascer Tailândia/Moju 17.000,0000 2003-FETAG 320
Faz.Campo boi
Bracinho Ipixuna do Pará 4.800,0000 2015-FETAG 144
Faz. Bar. Branco
Estefânia Rubi Castanhal 1.800,0000 2013-MST 78
Faz. StªPaula Chico Mendes Benevides 420,0000 2003-MST 52 Faz. Belminas
Belminas Paragominas 2.300,0000 2009-MST 73
Fonte: INCRA- Ouvidoria Regional/SR/01, 2016
Esses casos destacados como emblemáticos na questão dos conflitos no campo, em
sua maioria se enquadram na situação objeto de análise desta pesquisa de propriedades
particulares ocupadas, o que foge do conceito de acampamento merecendo assim uma
interpretação bem profunda por parte do governo federal.
Os referidos casos ditos emblemáticos, conforme evidenciados acima resumem uma
rede de conflitos com vários elementos como: reintegração de posses; confronto com
pistoleiros; seguranças, morte de trabalhadores rurais sem terra. Títulos Definitivos expedidos
pelo Estado do Pará após aprovação do Congresso Nacional; falência de grandes grupos
empresariais e a mesma área ocupada por mais de um movimento social. Em todas as
ocupações se registra muita incidência de violência com ocorrência do uso de armas de fogo
pesadas por seguranças das fazendas.
Na Superintendência de Belém- SR-01 Belém/PA, dentre as diversas funções
desempenhadas pela Superintendência, segundo o Relatório n°0227 de 16/10/2015 do Sistema
de Informações de Projetos de Reforma Agrária- SIPRA existe um universo de 397 projetos
de assentamentos conforme abaixo discriminado nas diversas modalidades de assentamento
sendo que a modalidade escolhida foi o Projeto de Assentamento Tradicional por ser a
modalidade de assentamento onde ocorreu de maneira mais contundente a prática abordada
neste estudo, qual seja, a ocupação intempestiva. A tabela a seguir demonstra o quantitativo
em percentual por modalidade de Assentamentos criados no âmbito da SR-01 Belém/PA até o
ano de 2015.
31
Tabela 2 - Assentamentos na SR-01 pela sua modalidade.
TIPO ASSENTAMENTO SIGLA QTE %
Projeto Assentamento Tradicional PA 87 21,91
Reserva Agroextrativista RESEX 14 3,53
Reserva de Desenvol. Sustentável RDS 2 0,50
Projeto Agroextrativista PAE 269 67,76
Projeto Casulo PCA 4 1,01
Projeto Assentamento Quilombola PA Quilombola 1 0,25
Projeto de Assentam. Especial PE 5 1,26
Projetos Anteriores a 1995 15 3,78
Total de Projetos de Assentamentos 397 100
Fonte/organização: o autor 2015
Neste trabalho, serão também contabilizados os assentamentos na modalidade
tradicionais, criados no período que compreende o estudo aqui traçado, ou seja, no intervalo
de vinte anos de 1995 a 2015. Serão também sumarizados os assentamentos criados por
município no estado do Pará, assim como a forma com a qual a terra necessária para a
execução dos mesmos fora obtida.
Dentre os projetos aqui mencionados, elegemos três para objeto desta pesquisa
tomando como critério as características diferenciadas em relação aos demais e a proximidade
com a sede do INCRA e ainda, foi escolhida dentre várias existentes, a modalidade Projetos
de Assentamentos Tradicionais e/ou Convencionais, aqueles criados sob as normas da
Instrução Normativa-IN Nº 15, de 30 de março de 2004, art.3º.
Os Projetos de Assentamento que serão analisados encontram-se localizados em duas
mesorregiões do Estado: a mesorregião Metropolitana de Belém e o Nordeste Paraense.
Na mesorregião Metropolitana de Belém estudaremos o Projeto de Assentamento
“João Batista II” localizado no município de Castanhal, (microrregião de Castanhal), e o
Projeto de Assentamento “Abril Vermelho” no município de Santa Bárbara (microrregião de
Belém) e na mesorregião Nordeste Paraense o Projeto de Assentamento “Luiz Lopes
Sobrinho” no município de São Francisco do Pará, microrregião Bragantina, conforma mapa
de localização apresentado na figura 1.
32
Figura 1– Mapa de localização dos assentamentos tomados para estudo
Fonte: Base de Dados Cartográficos do INCRA/SR-01/Belém
O mapa acima localiza os projetos de assentamento objetos deste estudo e foi
elaborado a partir da base de dados cartográficos do INCRA-SR-01 no Datum SIRGAS 2000
33
no fuso UTM 22, com carta imagem do Google Earth na escala de 1:600.000 em agosto de
2016, identificando o Projeto de Assentamento João Batista II no município de Castanhal, o
Projeto de Assentamento Luiz Lopes Sobrinho no município de São Francisco do Pará e o
Projeto de Assentamento Abril Vermelho, no município de Santa Bárbara, todos no Estado do
Pará.
1.8 PRÁTICAS DE ORIGENS E CONSEQUÊNCIAS
O assentamento de trabalhadores rurais tem sido a principal resposta do Estado à
pressão exercida pelos movimentos sociais demandantes por reforma agrária, no caso do
Brasil, constituindo-se assim como uma tentativa de intervenção e controle estatal sobre um
conflito social segundo Caume 2002 e Medeiros 2003.
A maioria dos projetos de assentamento criados no âmbito da SR-01-Belém originou-
seda reivindicação dos movimentos sociais através da estratégia das ocupações dos imóveis
rurais particulares produtivos ou não, levando o INCRA a apenas regularizar uma situação já
posta sem ter como aplicar à legislação pertinente a implantação do Programa Nacional de
Reforma Agrária na sua íntegra e nas suas etapas cronológicas.
A ocupação caracterizou-se nesse período como regra geral como forma de cobrança
do poder público pela resolução de tantos conflitos no campo, mas historicamente cada
ocupação/acampamento/assentamento conservam características peculiares que os
diferenciam entre si.
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Este estudo objetiva entender os fatores que podem caracterizar-se como entraves aos
propósitos previstos pelos projetos de assentamento e suas conseqüências negativas dentro do
processo de implantação dos Projetos de Assentamento, executado pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
34
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar, a partir do histórico de formação de cada assentamento a mudança de
comportamento dos indivíduos envolvidos em um movimento de luta pela posse da terra
através de suas ações antes, durante e depois de assentados.
Identificar os fatores que contribuíram para fomentar a relação entre a ocupação
antecipada dos imóveis passíveis de obtenção pelo INCRA e o insucesso da implantação do
Programa da reforma agrária
Revelar a lógica da relação do pretenso beneficiário da reforma agrária enquanto
sujeito atuante no processo de luta pela posse da terra, no momento em que ele comanda a
ocupação e o seu comportamento de sujeito assentado sob o comando do Estado, quando
incluído no Programa Nacional de Reforma Agrária pelo INCRA.
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA
3.1 SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A metodologia empregada neste estudo constitui-se de pesquisa documental com
coleta de dados no âmbito da Superintendência Regional do Pará (SR-01) /Belém e com base
no levantamento bibliográfico focado em livros, artigos, jornais, relatórios, monografias, e
acervo das localidades estudadas. Além da pesquisa bibliográfica, a constatação das condições
e modo de vida das comunidades assentadas foram registradas e descritas nesta pesquisa,
dentro de uma perspectiva meramente analítica sem estabelecer qualquer relação com os
motivos e/ou intenções institucionalizadas.
3.2 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A caracterização da área de estudo consiste na descrição de cada projeto de
assentamento escolhido para a pesquisa destacando seus pontos relevantes, ou seja, seu
caráter inusitado pelo qual chamou atenção e despertou o interesse em estudá-los objetivando
entender o resultado após implantação do programa de reforma agrária com a criação desses
assentamentos que na sua origem abrigavam as condições ideais para se transformarem em
assentamentos bem sucedidos em virtude de apresentarem uma boa infra-estrutura como:
casas estradas, saneamento e possíveis processos de produção.
35
O interesse em focar nessas facilidades reside no fato de se tentar compreender o
motivo pelo qual boa parte dos processos implantação de assentamento muitas vezes não
prosperou a partir da ocasião da criação do assentamento, mesmo dispondo de todos esses
mecanismos possíveis de subsistência.
Tal mecanismo tributa ao INCRA a impressão de insucesso na elaboração e execução
dos processos de assentamento, embora numa análise mais profunda vá se constatar que os
entraves estão diretamente ligados às ações do pretenso beneficiário no período que antecede,
e imediatamente posterior à criação do assentamento.
3.3 ASSENTAMENTOS TRADICIONAIS
Na modalidade de assentamento tradicional existem 87 (oitenta e sete) projetos de
assentamento correspondendo a 21,91% (vinte e um vírgula noventa e um por cento) do total
de 397 (trezentos e noventa e sete) assentamentos criados pela SR-01, com características
peculiares na forma de ocupação. Os gráficos a seguir mostram a quantidade, o período, os
municípios e a forma de obtenção dessa modalidade.
Figura 2 - Criação de Projetos de assentamentos na modalidade Tradicional na SR-01 Belém/PA
Fonte/organização: o autor 2017
Como demonstrado no gráfico acima, o período escolhido para estudo foi o que concentrou a
maioria dos Assentamentos Tradicionais criados pela SR-01 com destaque para o ano de 2006
com a criação do maior número de assentamentos (12) no governo de Luís Inácio Lula da
0
2
4
6
8
10
12
14
3 3
7
10
2
1
3
2
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3
5
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1
4
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7
1 1
5
6
1
Quantidade de Criação de Assentamentos Tradicionais
De 1995 a 2015
Ano de Criação
Qu
an
tid
ad
e
36
Silva seguido pelo ano de 1998 com a criação de dez projetos de assentamento no primeiro
governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) em resposta ao crescimento das
ocupações como forma de pressão para garantir o cesso a terra.
Figura 3 - Criação de Assentamento por municípios
Fonte/organização: o autor 2017
A criação de assentamentos por municípios no período estudado na SR/01 na
modalidade Tradicional conforme demonstrado no gráfico acima se localiza a maioria no
Nordeste Paraense com destaque para os municípios de Capitão-Poço, Aurora do Pará e
Paragominas.
O gráfico abaixo engloba os 87 (oitenta e sete) projetos de assentamento na
modalidade Tradicional criados no âmbito da SR-01 sob o critério da forma de obtenção
desses imóveis para a sua incorporação ao Programa Nacional de Reforma Agrária referente
ao período estudado de 1995 a 2015.
0
2
4
6
8
10
12
8
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2 2
11
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2
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1 1 1
7
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3
1
Quantidade de Criação de Assentamentos Tradicionais Por Municípios
De 1995 a 2015
37
Figura 4: Formas de Obtenção dos Assentamentos Tradicionais
Fonte/organização: o autor 2017
Conforme demonstrado no gráfico acima, durante o período estudado a forma de
obtenção de terras com predominância é a desapropriação o que confirma a ação também
intempestiva do INCRA na execução do programa de reforma agrária, já que a desapropriação
ocorre como solução para um conflito instalado no campo, uma vez que os imóveis rurais
ocupados são propriedades privadas, caracterizadas pela ocupação antes da criação dos
assentamentos necessitando, portanto de sua desapropriação.
3.4 FORMAS DE OBTENÇÃO DA TERRA
Cada superintendência regional do INCRA estabelece as regiões prioritárias para
obtenção de terras, de acordo com alguns critérios pré-estabelecidos pela Portaria
MDA/INCRA nº 06/2014, tais como maior proporção de famílias do campo em situação de
extrema pobreza, áreas com maior concentração fundiária e existência de outras ações do
Poder Público para melhoria das condições sociais e econômicas locais.
A desapropriação é uma das formas de obtenção onde a atuação do INCRA, no
Nordeste Paraense, mais se deu nas áreas já ocupadas, ou seja, as áreas de propriedade
particular foram ocupadas por trabalhadores rurais sem terras ou não.
Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2001):
46
40
1
Formas de Obtenção
De 1995 a 2015
Desapropriação
Arrecação
Compra e Venda
38
Desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estar em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real.
Figura 4 - Assentamentos por forma de obtenção na SR-01/Belém
Fonte/organização: o autor 2017
Na Amazônia, esses imóveis se tornaram alvo por se tratarem de áreas onde estavam
implantados projetos agropecuários, praticamente abandonados, financiados com recursos dos
incentivos fiscais principalmente da SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia, que se esgotaram.
Um exemplo é o caso dos assentamentos estudados os quais tiveram seu início de
forma muito peculiar ao já ocorrido na região, dada a situação de esgotamento do
empreendimento naquele imóvel rural, onde nada mais de valor econômico estimulava os
posseiros, pois na maioria dos casos a documentação de propriedade era forjada com o intuito
de obter o financiamento, portanto sem valor jurídico.
A partir do esgotamento desses empreendimentos muitas vezes praticamente
abandonados, as ocupações se deram, inicialmente, pelas áreas destinadas à reserva legal,
39
onde os proprietários já haviam promovido garimpagem florestal, ou seja, a extração das
espécies de maior valor comercial e industrial já havia acontecido.
Aos ocupantes, usando o binômio derruba e queima, não importava a destinação de
algumas das espécies que lhes proporcionava pequeno rendimento, bem como acerca da
exploração da atividade que a (o) proprietária (o) do imóvel ali exercia.
Tal situação fez aflorar a mentalidade imediatista, ou seja, vender o lote que além de
proporcionar uma renda que apenas satisfaz suas necessidades imediatas ao acreditar que está
se capitalizando, desfaz o difundido compromisso com a Reforma Agrária e a tão propalada
busca da terra para trabalhar e garantir o sustento de suas famílias.
3.4.1 Projeto de assentamento “JOÃO BATISTA II”
O Projeto de Assentamento “João Batista II”, código SIPRA nº PA0250000, processo
formalizado sob nº. 54100.002480/00-81,segundo o Laudo Agronômico de
Fiscalização/1998está localizado na Mesorregião Metropolitana de Belém, Microrregião
Castanhal, mais precisamente no município de Castanhal na rodovia BR 316 (Pará-
Maranhão), no sentido Castanhal/Santa Maria do Pará.
40
Figura 5 – Castanhal e no detalhe, o projeto João Batista II
Fonte: Base de Dados Cartográficos do INCRA/SR-01/Belém
41
O município de Castanhal possui área de 1.028,889 km², e população de 173.149
habitantes, sendo 19.771 rurais e 153.378 urbana com população estimada em 2016 de
192.571mil habitantes possuem IDH 0, 673. (IBGE: Censo 2010).
O imóvel rural que deu origem a esse projeto de assentamento denominava-se
“Fazenda Tanary” com área de 2.138,1312 há. A ocupação ocorreu em 15/11/1998 por 136
famílias de trabalhadores rurais sem terras ligados ao MST- Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terras de forma pacifica, cerca de 600(seiscentas) pessoas com utilização de
ônibus e caminhões, acampando inicialmente à margem direita do rio Inhangapi numa área
denominada “Prainha”.
A expropriação do imóvel visou solucionar a tensão até então existente entre
proprietário e movimento social e arrefecer o iminente conflito pela posse e uso da terra, além
de democratizar o uso da terra do setor agropecuário da microrregião.
O assentamento dos beneficiários seria feito de acordo com o uso projetado, adotando
o modelo de exploração coletivo, dividindo o imóvel em 19 (dezenove) núcleos rurais
variando de 50 a 110 ha para cada grupo de 5 a 11 famílias, destinando em média para cada
família 10 ha, devendo absorver 157 famílias.
Por ser uma coletividade, cuja composição embora pouco heterogênea em face da
origem de cada membro que a compõe, tanto no trato sociocultural, como no de usos e
costumes, o trabalho de conscientização comunitária era forte e apresentava resultados
visíveis e atingindo um patamar satisfatório.
A condição de vida dos beneficiários era considerada ruim, por isso necessitava da
imediata intervenção do INCRA, haja vista que ele é responsável pela melhoria da qualidade
de vida e desenvolvimento sustentável dos projetos de Reforma Agrária.
O manejo posto em prática pelos ocupantes era o empírico, com emprego de pouco
capital e tecnologia, consistindo em arrancar e queimar o capim para em seguida plantar, de
acordo com a época, mandioca, feijão, milho, etc.; usando a própria mão de obra, em face da
indisponibilidade de recursos para a adoção de quaisquer outras práticas mais evoluídas e/ou
pagamento de trabalhadores.
Os trabalhadores ocupantes do “João Batista II” utilizavam práticas agrícolas
tradicionais que empregam recursos de custos relativamente baixos, e não havendo
42
investimento do setor público, tenderiam a permanecer adotando uma agricultura
relativamente pouco produtiva com renda também relativamente baixa.
A localização do projeto é muito boa, pois assegura maior diferença entre os custos e
benefícios privados e sociais, haja vista que permite obter a mais alta rentabilidade (critério
privado) ou o custo unitário mínimo (critério social).
A intervenção visava promover a evolução e consolidação do Projeto de Assentamento
como unidade socioeconômica produtora de bens e serviços comunitários auto-sustentáveis e
em decorrência a sua inclusão no sistema econômico, social e político da microrregião.
A exploração de forma coletiva da terra conforme pretendiam os ocupantes da “João
Batista II”, tinha como ponto convergente e de representação uma associação, a Associação
de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento João Batista
APROCJOB, que cuidaria da produção, consumo e as atividades industriais, permitiu
vislumbrar melhores dias para aquele grupo de trabalhadores rurais.
A possibilidade de implantação de um projeto nos moldes propostos, exploração
coletiva, necessariamente requereria uma análise mais profunda, em face da mentalidade
individualista existente nos seres humanos, onde cada um, neste caso, quer seu pedaço de
terra, por conseguinte necessário se fazia incrementar o processo educativo, com vistas à
implementação e manutenção do modelo.
Um projeto de assentamento tendo como suporte inicial, culturas de subsistência, a
pastagem plantada, o extrativismo de coleta do açaí, desde que permanecesse a forma coletiva
de exploração, e a partir daí diversificar com açaizal de cultivo, pimenta do reino, aves, suínos
e peixes, apresentava-se como promissora.
Visava à proposta a adoção de um novo modelo agrícola de exploração respeitando o
ecossistema e recuperando o que foi destruído, através de sistemas agroflorestal comercial,
envolvendo culturas do açaí e da pimenta do reino, aliado a explorações da bovinocultura para
produção de leite e seus derivados e a criação de peixes, suínos e aves.
Este modelo, considerando que 85% do imóvel encontram-se coberto com pastagem
plantada, objetivava o aproveitamento da referida pastagem, bem como a exploração de
culturas cujos manejos estejam ao alcance do nível de conhecimento e da capacidade
econômica dos beneficiários do Projeto.
43
Denota-se que parte da produção dessas culturas é vendida por necessidade e não
como excedente, haja vista que às vezes essa venda compromete o consumo da família.
Nos municípios da microrregião, existem mercados dinâmicos, que devem ser
atrelados a esse processo produtivo, principalmente no que trata das culturas de subsistência,
haja vista que para o leite, ovos, frangos, porcos bem como farinha, na capital do estado e nos
demais municípios da mesorregião existem mercados garantidos.
Infelizmente a realidade hoje vivenciada na área é que poucos dos assentados
permanecem no projeto, ocorreram muitas vendas ilegais de lotes, aglutinações de lotes, os
núcleos de lotes rurais foram subdivididos, presença de não clientes de reforma agrária,
inadimplência bancária, etc.
3.4.2 Projeto de assentamento “LUIZ LOPES SOBRINHO”
O Projeto de Assentamento Luiz Lopes Sobrinho, código SIPRA PA 0224000,
processo formalizado sob nº 54100.000822/98-04, segundo o Laudo de Vistoria Agronômico
de 1998 a área onde está localizado o Projeto teve sua primeira exploração no ano de 1935,
quando o tráfego de produtos era feito pela estrada de ferro Belém-Bragança e em seu lugar,
hoje, se encontra a rodovia PA 320.
No início dos anos de 1950, a área foi comprada pela empresa Goodyear do Brasil
Produtos de Borracha Vegetal Ltda.
44
Figura 6 - Município de São Francisco, no detalhe o projeto Luiz Lopes Sobrinho
Fonte: Base de Dados Cartográficos do INCRA/SR-01/Belém
45
O município de São Francisco do Pará possui área de 479.565 km², e população de
15.060 habitantes, sendo 9.947 rural e 5.113urbana com população estimada em 2016 de
15.418 mil habitantes possui IDH 0, 608 e uma densidade demográfica de 31,40hab/km²
(IBGE: Censo 2010).
Especificamente este assentamento merece que se destaque a importância que a
borracha brasileira teve no processo histórico da Amazônia no qual ele está inserido. A
borracha já era exportada desde o início do século XIX. O auge de venda desse produto
ocorreu entre os anos 1879 e 1912 quando a borracha se tornou o produto mais procurado no
mercado mundial, segundo o economista brasileiro Celso Furtado no livro Formação
Econômico do Brasil.
No fim do século XIX e início do XX aconteciam o nascimento e crescimento da
indústria automobilística, a qual utilizava a borracha como matéria prima, principalmente para
fabricação de pneus. A partir dessa demanda toda a economia brasileira passou a depender do
látex, extraído da seringueira, árvore natural que existia em abundância e, até então,
exclusivamente na bacia hidrográfica do rio Amazonas.
A venda da borracha transformou a Amazônia principalmente as cidades Belém e
Manaus que passaram ser modelos de riqueza e requinte pelas remodelações urbanísticas,
construção de grandes avenidas, rede de esgoto e água encanada, instalação de rede luz
elétrica e bondes, o que ainda era luxo para São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo.
Casas bancárias e suntuosos prédios públicos foram construídos. O Teatro Amazonas
tornou-se símbolo da prosperidade econômica e cultural proporcionada pela borracha. Novos
mercados se abriam. Era a belle époque, cujo esplendor a literatura e o cinema se
encarregaram de retratar para as gerações seguintes.
Foi durante o período do auge da borracha que o território do Acre, o qual pertencia à
Bolívia, foi anexado ao Brasil como fruto dos desentendimentos entre os dois países quando
seringueiros brasileiros passaram a invadir a região para retirar látex das árvores. Brasil e
Bolívia decidiram negociar e em 1903 foi assinado o Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil
compra o Acre e se compromete a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
A extração do látex foi uma das primeiras experiências de trabalho sem utilização de
mão de obra escrava no Brasil mesmo que as condições enfrentadas pelos seringueiros tenham
sido difíceis já que andavam quilômetros na floresta extraindo a seiva da hevea brasiliensis,
46
nome científico da árvore da seringa, enquanto agentes desempenhavam papel indispensável à
configuração desse novo modo de produção.
A forma de ocupação do território na região norte se baseava no trabalho em troca de
alimentação e moradia, o que caracterizava condições precárias em que os homens da floresta
recebiam os gêneros de primeira necessidade em troca de certa quantidade de seringa. Aos
seringueiros restavam dívidas crescentes, a cada nova safra ficando na condição de devedores
vitalícios dos seringalistas e outros agentes passando a viver como “escravos da dívida”.
O Ciclo da Borracha foi uma época de grande investimento econômico, com
oportunidades de crescimento social das classes inferiores e que trouxe uma colonização sem
precedentes para a região amazônica, inclusive houve a influência de um importante industrial
norte-americano, Henry Ford, o qual no final dos anos 20 ensaiou uma tentativa de reação ao
controle do mercado da borracha, que à época era dominado pelos ingleses que no século
anterior haviam contrabandeado sementes de seringueira da Amazônia e desenvolvido no
jardim botânico britânico e em seguida enviadas para as colônias tropicais inglesas como a
Malásia, que na década de 20passou a ser um dos maiores produtores de látex no mundo.
A ação de Henry Ford trouxe um rápido desenvolvimento para a região Norte,
especialmente no Estado do Pará, onde instalou sua unidade de fabricação, e plantou 70
milhões de seringueira numa área de um milhão de hectares. O ambicioso projeto foi batizado
pelos moradores da região como Fordlândia e pretendia produzir 300 mil toneladas anuais de
borracha natural, metade do consumo mundial. Mas Ford sucumbiu às adversidades e ao
ambiente hostil da floresta amazônica chegando a abandonar todo o projeto no meio da mata e
que hoje é tida como uma “cidade fantasma”.
Além das dificuldades locais, houve também a ameaça externa, visto que o início da
produção de borracha na Ásia foi determinante para o declínio do Ciclo da Borracha na
Amazônia, as técnicas diferentes empregadas no plantio na Malásia em comparação à
plantação nativa do Brasil contribuíram para os resultados da exploração como negócio. O
declínio da produção de borracha natural no Brasil coincide com o período Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e com o marco inicial do grande desenvolvimento da indústria de
borrachas sintéticas.
Durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), o fornecimento da borracha asiática para as
potencias industriais da época foi interrompido. O Brasil retomou a produção amazônica num
acordo com o governo norte-americano através de um programa que levaria 60 mil pessoas, a
47
maioria de estados nordestinos, à Região Amazônica para trabalhar na extração do látex das
seringueiras da floresta. A borracha era enviada aos Estados Unidos e usada nos
equipamentos dos aliados para a guerra contra as forças do Eixo.
Os trabalhadores eram recrutados pelo Serviço Especial de Mobilização de
Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), por meio de intensa propaganda do governo
Vargas, que apelava ao patriotismo e para uma luta contra o nazismo, por isso os
trabalhadores recrutados eram chamados de “soldados da borracha” indo lutar na Batalha da
borracha.
Figura 7 - Transporte dos soldados da borracha na década de 30.
Fonte: "Soldados da Borracha - Os Heróis Esquecidos" (NEVES, 2015).
Os trabalhadores assim denominados “soldados da borracha” mantinham esse
pseudônimo apenas durante a ida até a floresta, pois ao chegarem ao local de trabalho a
realidade era bem diferente. A Batalha da borracha deixou ao menos 30 mil mortos em razão
das péssimas condições de trabalho enquanto dos 20 mil combatentes que foram para a Itália,
menos de 500 morreram. Com o fim da guerra os acordos com os Estados Unidos foram
cancelados e pouco a pouco o governo brasileiro abandonou a produção de borracha na
Amazônia. Estava perdida a Batalha da borracha. A partir da Constituição de 1988, esses
soldados passaram a receber uma pensão (cinco vezes menor que dos pracinhas) no valor de
dois salários mínimos.
48
Em 2015, ex-soldados da borracha, viúvas e dependentes receberam indenizações do Estado
Federal através da Emenda Constitucional nº 78 de 14 de maio de 2014 no valor de
R$25.000,00 em parcela única.
A empresa Goodyear, ao finalizar suas operações na região indenizou alguns funcionários e
outros que não foram indenizados de acordo com o que se previa a época entraram com
recursos na justiça. As casas construídas pela empresa e que eram ocupadas pelos então
funcionários da empresa foram disponibilizadas a esses funcionários com o fim das suas
atividades. Outras casas, que não estavam em condições de moradia foram abandonadas.
Em 1996, com a iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Cooperativa
Agrícola Livre União de São Francisco do Pará- COOLIVRE ocorreu à ocupação da área por
trabalhadores e a posse de todo o seringal existente, começando a produzir para seu próprio
sustento.
O período entre1996 e 1998 marcam o momento de reivindicações e ocupações da
sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, requerendo a posse
da terra que levaram o INCRA a desapropriar o imóvel, à época se chamava fazenda
Marathon com 2.818,50 ha, através do Decreto de 19 de dezembro de 1997 e em 5 de maio de
1998 a aquisição das fazendas Santana, com área de 821,50 ha e a fazenda São Francisco com
916,95 ha.
Em 2009 existiam no Projeto de Assentamento Luiz Lopes Sobrinho, 223 (duzentas e
vinte e três) famílias assentadas pelo INCRA.
De acordo com levantamento realizado para elaboração do PRA (Projeto de Reforma
Agrária), das famílias do assentamento, cerca de 90% tinha renda de 0,5 a 1,0 salários
mínimos e 10% tinha renda de 1,0 a 3,0 salários mínimos.
A renda dessas famílias era originada nas atividades agrícolas, com predominância do
cultivo de pimenta do reino e de extração de látex bem como os plantios de mandioca, milho,
feijão, açaí, maracujá, cupuaçu, graviola, limão, urucu e melancia.
Nas áreas do projeto 90% das famílias complementava suas rendas com os recursos
recebidos do Programa Bolsa Família do Governo Federal, o que é uma prova inconteste do
baixo nível econômico das mesmas.
49
Os trabalhadores rurais de São Francisco do Pará, desde 1.955 prestaram serviços,
sucessivamente, a Granja Marathon,Goodyear, Paracrevea e Agropecuária Marathon, na
exploração dos seringais de cultivo.
Os seringais de cultivo foram ali implantados para atender a demanda de borracha
natural, na época, no mercado internacional, contudo ao advir a borracha sintética a primeira,
inicialmente, sofreu o impacto na sua exploração e comercialização.
Os trabalhadores rurais dos imóveis e seus antecessores, ao ocuparem o imóvel em
maio/96, o fizeram objetivando reativar a exploração do seringal de cultivo, porém de forma
coletiva, beneficiando nos três imóveis 200 famílias.
O estado dos seringais permitia afirmar que a mudança de propriedade poderia ser
uma condição necessária para o aumento da produção, porém raramente, seria uma condição
suficiente.
A exploração de forma coletiva da terra através de uma cooperativa de produção
embutindo na mesma a produção, o consumo e atividades industriais, considerando a
existência de uma fábrica de transformação da borracha crua no imóvel, de propriedade da ex-
comodatária, permitiram na época vislumbrar melhores dias para aquela comunidade.
A possibilidade de implantação de um projeto de assentamento nos moldes propostos e
em uso naquela época nos imóveis, necessariamente requereria uma análise mais profunda em
face da mentalidade individualista incidente entre os trabalhadores rurais, onde cada um
sempre requer o seu pedaço de terra, e, por conseguinte, necessário se fazia a adoção de um
processo educativo, com vistas à manutenção do modelo.
Os trabalhadores ocupantes das áreas, que durante décadas usaram tecnologia
moderna, hoje, passaram a utilizar práticas tradicionais que empregavam recursos de custo
relativamente baixos, e que mesmo havendo investimento do poder público, adotaram uma
agricultura relativamente pouco produtiva com renda também relativamente baixa.
50
Figura 8 - Infra-estrutura pronta quando da criação do assentamento
Fonte: o autor
O bem estar que existia na comunidade no período que era propriedade privada é
parcialmente demonstrado pela existência de 200 residências (com redes elétrica, hidráulica e
sanitária), 03 galpões, postos de saúde, escolas, armazéns, depósitos, caixas d’água,
laboratório, galpão da fábrica, casa de força, galpão oficina, galpão marcenaria, clube, açudes,
pontes/bueiros, pista de pouso com 1.000 m; 95 km de estradas de penetração; 6 km de rede
elétrica; 2 km de rede hidráulica.
As possibilidades de implantação de um projeto de assentamento tendo como suporte
inicial o seringal de cultivo, bem como toda Infra-estrutura de produção e social, eram reais,
desde que permanecesse a forma de exploração coletiva que foi abandonada diante do
individualismo de cada beneficiário, bem como a interpretação equivocada do coletivismo,
pois alguns consideravam que era permitido absorver parentes e amigos provenientes de
outros municípios e/ou estados para fazerem parte do assentamento cuja quantidade de
famílias já estava dimensionada.
A partir dessa realidade a vontade inexorável da maioria prevaleceu o que levou o
INCRA a promover o loteamento dos imóveis que compõem o projeto de assentamento, indo
assim, por terra, a proposta inicial de exploração coletiva.
Os trabalhadores ocupantes dos imóveis sabiam que as variações cíclicas são
particularmente desastrosas no caso de culturas de árvores e arbustos como cupuaçu, cacau e
borracha, pois os longos períodos necessários para início de produção (novos plantios no caso
da seringueira e/ou recuperação de seringais em condições de produzir) permitem grandes
variações de preços constituindo um entrave ao progresso sócio econômico. Por outro lado,
nem mesmo as medidas no sentido de evitar essa situação não foram incentivadas, como por
51
exemplo, a promoção da divisão do trabalho, bem como a diversificação das culturas e
pesquisas de mercado.
3.4.3 Projeto de assentamento ABRIL VERMELHO
O Projeto de Assentamento ABRIL VERMELHO, situa-se no Município de Santa
Bárbara do Pará/PA, foi criado através da PORTARIA INCRA/SR-01/Nº159/2009, de 11 de
novembro de 2009, Processo nº. 54100.028609/2008-18, com área de6.803,1493ha (seis mil,
oitocentos e três hectares, quatorze ares e noventa e três centiares) e capacidade para 370
famílias.
O município de Santa Bárbara do Pará possui área de 278. 154 km², e população de
17. 141habitantes, sendo rural e urbana com população estimada em 2016 de 20.077mil
habitantes possui IDH 0,627 e uma densidade demográfica de 31,40 hab/km² (IBGE: Censo
2010).
52
Figura 9- Município de Santa Bárbara do Pará, no detalhe o projeto Abril Vermelho
Fonte: Base de Dados Cartográficos do INCRA/SR-01/Belém
53
Os laudos de vistoria apontam dois aspectos a serem relevados para o caso de
classificação do imóvel como produtivo: o alto custo das benfeitorias a serem indenizadas e a
incidência do “amarelecimento fatal” no plantio da palma.
Na época, os recursos que seriam despendidos na indenização de benfeitorias não
constituiriam óbices, tendo em vista a relação custo/beneficio focada na inclusão das famílias
no II Plano Nacional de Reforma Agrária, principalmente tendo-se como certeza a absorção
de famílias de integrantes do MST, ex-empregados da DENPASA e da comunidade agrícola
do município de Santa Bárbara do Pará.
A alegação de que o “amarelecimento fatal” não poderia ser visto como evento
imprevisível, cujos efeitos não foram possíveis evitar estava extrapolando os limites de uma
obrigação, conforme dispõe a Lei 8.629/1993.
De acordo com o contido no Laudo Agronômico de Fiscalização, o plantio da palma
encontrava-se transformado em capoeira (vegetação secundária que sucede à derrubada das
florestas pluviais) caracterizando que o problema data de época anterior ao considerado na
vistoria.
A ocupação promovida pelo movimento social em área isolada do imóvel se deu com
a chancela da própria empresa, não sendo impedimento legal para a vistoria/obtenção do
imóvel.
A citada ocupação, que pode ser chamada de consentida, foi objeto de tratativas entre
o INCRA, a DENPASA e o MST, que resultaram no acordo firmado pelas partes envolvidas,
no qual ficou definido que o acampamento ficaria restrito a pequena área já ocupada desde o
inicio, ou seja, aos 167 ha que representavam apenas 0,02% da área total do imóvel.
A ocupação aconteceu um ano antes da última vistoria realizada pelo INCRA, donde
foi apurado que a propriedade apresentava-se peculiar e sem qualquer possibilidade de
acarretar a improdutividade do imóvel. Fica assim evidente que a ocupação da maneira como
se deu tornou-se desinfluente para que o imóvel fosse classificado como produtivo ou
improdutivo, não comprometeu o procedimento da desapropriação.
É possível ainda acrescentar que a ocupação do imóvel não se deu de forma hostil, não
interferiu nas atividades ali desenvolvidas, portanto não se constituindo a presença dos sem
terra em força maior, haja vista que esse fato não impediu a propriedade de manter os índices
exigidos por lei para sua exploração.
54
O projeto está localizado na Região Metropolitana de Belém, e está subdividido em 04
pólos, contendo 08 Associações e atuação de 04 Movimentos Sociais (MTL – Movimento
Terra e Liberdade, MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, FETRAF -
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar e FETAGRI- Federação dos
Trabalhadores da Agricultura).
A quantidade de movimentos sociais e de associações diante do numero de famílias
beneficiarias do programa demonstra claramente que os objetivos, camuflados, em nada
representavam o desejo de obter terras para o sustento das respectivas famílias.
Apenas um ano após a criação do assentamento o INCRA realizou um levantamento
de dados e os indícios de uma gama muito grande de irregularidades aparecem na tabela
abaixo:
Tabela 3 - Situação da ocupação - PA Abril Vermelho 2010
Total de Parcelas do PA Parcelas Ocupadas Regularmente
Parcelas Ocupadas Irregularmente*
371* 225 146 100% 58,9% 41,1%
Fonte: Relatório de Revisão Ocupacional– INCRA/SR-01/2010
Dentre as situações irregulares encontradas no Assentamento, segundo o Relatório de
vistoria destacamos as seguintes:
Parcelas vagas oriundas de abandono por desistência ou afastamento temporário pelo
assentado original, sem anuência do INCRA;
Parcelas irregularmente ocupadas via transmissão sem anuência do INCRA;
Parcelas irregularmente ocupadas por agricultores (as) que já integram o público da
reforma agrária em outros assentamentos;
Parcelas irregularmente ocupadas, via permuta entre assentados, sem anuência do
INCRA;
Parcelas irregularmente ocupada por preposto do assentado;
Parcelas irregularmente ocupada em área de Reserva Legal;
Parcelas com a presença de pessoas fugitivas da justiça.
55
A situação encontrada em campo reflete a elevada flexibilidade na aplicação da
legislação quando do cadastramento das famílias. Em se tratando de um assentamento dentro
da Região Metropolitana de Belém, a norma deveria ter sido aplicada sem fazer concessões.
A situação ocupacional do Projeto de Assentamento vai de encontro, em muito, com
os dados constantes do SIPRA, pois o trabalho realizado requer a retomada de lotes, pois
foram encontrados lotes que não foram visitados pelas equipes de criação do PA, e em área
que está dentro do perímetro desapropriado, a requerer a alteração da capacidade do PA Abril
Vermelho para 392 famílias.
Vale destacar as situações relatadas no projeto, onde incidem algumas consideradas
emblemáticas e que são vivenciadas pelos moradores no PA, como:
� Assassinatos, tráfico de entorpecentes, roubos, assaltos, etc.
� A troca de lotes, ameaças constantes em virtude da área reflorestada com a
espécie2paricá (Shizolobiumamazonicum) devido à possibilidade de venda
imediata para as madeireiras de outros municípios da região, segundo relatos
da equipe de vistoria do INCRA.
� A imediata exclusão da Relação de Beneficiários dos assentados que se
evadiram ou desistiram do Assentamento e daqueles que participam de
acampamentos e/ou invasão de terras.
No caso específico da área reflorestada com a espécie denominada paricá, espécie
exótica da família das Caesalpiniaceae – Schizolobiumamazonicum, Huber exDucke.
Os levantamentos/cadastramentos realizados na área como demonstrado acima
apontaram uma grande incidência de ocupantes que não apresentavam perfil de beneficiários
da Reforma Agrária.
2 A espécie Shizolobiumamazonicum (paricá) bastante cultivada na região norte e nordeste do país, principalmente nos Estados do Pará e Maranhão. Ocorre na Amazônia brasileira, venezuelana, colombiana, peruana e boliviana. No Brasil, é encontrado nos Estados do Amazonas, Pará, Mato Grosso e Rondônia, em solos argilosos de florestas primárias e secundárias, tanto em terra firme quanto em várzea alta. Ocorre em altitudes de até 800m. Segundo o Centro de Pesquisa doParicá (CPP) localizado no município de Dom Eliseu, no sul do Pará, que representa a grande maioria dos plantadores de paricádos Estados do Pará e Maranhão, estima-se que, nestes Estados, existe em torno de 40.000 hectares da espécie plantados.
56
O INCRA deu início na ação de implantação do assentamento, de forma a aplicar a
legislação pertinente, principalmente por se tratar de um projeto situado na Região
Metropolitana de Belém, o que em certa medida provoca por seus lotes interesse nada
republicano.
Assim o serviço de levantamento/recadastramento/vistoria realizado no assentamento
construiu uma supervisão ocupacional que serviu de alicerce para a conseqüente retomada
administrativa e/ou judicial das áreas ocupadas irregularmente.
As áreas ocupadas por não beneficiários de reforma agrária seriam retomadas e
destinadas a trabalhadores rurais sem terras existentes na microrregião e, no âmbito do
próprio assentamento vivendo como “agregados” em casas de parentes e/ou amigos.
Aliado ao já exposto merece destaque as características/situações do projeto de
assentamento em questão, a saber:
- O projeto está situado na Região Metropolitana de Belém, o que facilita o
acesso e, inclusive caracteriza um incentivo ao ocupante a permanecer ocupando da
forma que melhor lhe convier, sobretudo utilizando como local de lazer/recreação. Há
casos em que os ocupantes possuem residência fixa em outro município;
- atuação de 04 (quatro) movimentos sociais;
- atuação de 08 (oito) associações de assentados;
- ocupação irregular e comercialização de lotes;
- ilícito ambiental mineral;
- assentados com desvios de conduta abrigados no Código Penal.
Vale destacar, que por causa das características expressas acima o “Abril Vermelho”
requeria um tratamento diferenciado cujo êxito transitava pela assistência técnica, social e
ambiental, mirando um conjunto de ações, dentre as quais, destaca-se o desenvolvimento
local, ou seja, desenvolvimento de comunidade, fazendo com que os beneficiários ingressem
na cadeia produtiva da Região Metropolitana de Belém.
Não são desprezíveis as preocupações/ansiedades/angústias e porque não dizer as
cobiças – por seu valor monetário - dos ocupantes dos 15 (quinze) lotes reflorestados com
paricá.
De acordo com a cronologia, quantidade, o valor unitário na época e a respectiva
depreciação, a ocupação e a distribuição dos lotes na fazenda DENPASA, no início se deu de
57
forma pacifica e dirigida, ocasião em que se constatou 15 (quinze) lotes com a incidência de
paricá.
Posteriormente, conforme cotejamento dos cadastros efetuados pelo INCRA em 2009
com o realizado em 2010 observou-se que houve rotatividade e/ou permuta de lotes sem
anuência do INCRA, que requereu a comprovação de cometimento de irregularidade.
Nos 15 (quinze) lotes onde incide o plantio de paricá, o tamanho das áreas com a
espécie varia de 0, 7114 ha a 20, 771 ha e, totalizam 194, 7611 ha (cento e noventa e quatro
hectares setenta e seis ares e onze centiares).
A área de 194, 7611 ha (cento e noventa e quatro hectares setenta e seis ares e onze
centiares) reflorestada com paricá, como já foi dito acima, é parte integrante da avaliação
realizada pelos técnicos do INCRA, por unidade plantada, com vistas à indenização da
expropriada DENPASA.
De acordo com a ancianidade e estado fitossanitário que o plantio de paricá
apresentava e, considerando-se a produtividade média de 38m³/ha, tem-se 7.400,92 m³ (sete
mil e quatrocentos metros e noventa e dois centímetros cúbicos) da espécie está apta para
colheita.
No mercado à época, o valor do metro cúbico, em média, para árvores cortadas e
empilhadas na fazenda, girava em torno de R$ 70,00 (setenta reais), permitindo afirmar que os
7.400,92 m³ (sete mil e quatrocentos metros e noventa e dois centímetros cúbicos)
representariam R$ 518.064,40 (quinhentos e dezoito mil e sessenta e quatro reais e quarenta
centavos) de renda bruta. Esse alentado volume de recursos financeiros possíveis atiçava a
cobiça e provocava o açodamento dos ocupantes dessas áreas acerca da comercialização das
árvores.
A afirmação tem guarida nas informações, mas obtidas na área pela equipe de vistoria
que dão conta da circulação de notícias de contratos firmados por ocupantes com madeireiras
de outros municípios.
Há que se direcionar as providências judiciais no sentido da averiguação da situação
no juízo federal da indenização da expropriada, tendo em vista que o plantio de paricá está
incluído no Laudo Agronômico de Avaliação que serviu de fundação para o ajuizamento da
ação expropriatória. Embora seja essa uma ação necessária, a mesma não será tratada no
presente trabalho, mas sendo necessário mencioná-la.
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É importante verificar se tais situações conflitantes já foram dirimidas, embora tal
verificação não seja facilmente realizável, a qual merece estudo ou maior aprofundamento
quanto aos fatores relacionados.
4 IDENTIFICAÇÃO DE FATORES
Neste tópico, procuramos identificar situações correlacionadas com o comportamento
dos recrutados para a composição do acampamento no período que antecedeu a criação do
projeto de assentamento e o momento de inclusão no Programa Nacional de Reforma Agrária
e quando, já na condição de assentados adquirem um comportamento que se contrapõe ao
apresentado na ocasião do acampamento ou no período de espera pelo assentamento.
Segundo Martins (2003), “... o beneficiário da reforma agrária quando negocia
ilegalmente o lote a ele destinado (aluga ou vende) não está apenas transformando a renda
fundiária como meio de sobrevivência, mas sim, negando a relevância do trabalho...”
Conforme fala o autor, o beneficiário da reforma agrária quando nega a relevância do
trabalho através da negociação ilegal do lote e de outros benefícios advindos do programa ele
está na verdade abrindo mão de produzir nesse lote para o seu sustento e da sua família, esse
gesto revela seu verdadeiro objetivo de que quando ele se engajou num movimento de luta
pela posse da terra não era a terra que ele queria, mas sim um meio de se capitalizar
imediatamente após sua inclusão no programa.
Outro fator que identificamos como decisivo para o entrave da reforma agrária é a
ocupação antecipada da área dos imóveis que sequer tinham sido alvo de obtenção por parte
da União para incorporá-lo ao Programa de Reforma Agrária executado pelo INCRA.
4.1 PROJETO DE ASSENTAMENTO “JOÃO BATISTA II”
Segundo o Laudo Agronômico de Fiscalização/1999 ao decorrer do tempo constatou-
se que as famílias que fizeram a ocupação em face da mentalidade individualista existente nos
seres humanos, onde cada um, neste caso, quer seu pedaço de terra, por conseguinte
necessário se fazia incrementar o processo educativo, com vistas à implementação e
manutenção do modelo, no entanto poucos assentados permanecem no projeto, pois núcleos
de lotes rurais foram subdivididos permitindo as vendas de lotes e, logicamente, provocando
aglutinações, bem como a presença de não clientes de reforma agrária, descaracterizando seus
objetivos iniciais.
59
4.2 PROJETO DE ASSENTAMENTO “LUIS LOPES SOBRINHO”
A mudança de foco do objetivo do assentamento, apesar do suporte do seringal de
cultivo, bem como toda infra-estrutura de produção e social, a forma de exploração coletiva
foi abandonada diante do individualismo de cada beneficiário e a interpretação equivocada do
coletivismo, pois alguns consideravam que era permitido absorver parentes e amigos
provenientes de outros municípios e/ou estados para fazerem parte do assentamento cuja
quantidade de famílias já estava dimensionada.
4.3 PROJETO DE ASSENTAMENTO “ABRIL VERMELHO”
O alto índice de irregularidades encontradas e sabidamente adquiridas por ocasião do
cadastro das pessoas, ou seja, do recrutamento dos pretensos beneficiários do programa de
reforma agrária reflete a frouxidão na aplicação da legislação quando do cadastramento das
famílias o que colide com os dados constantes do SIPRA, haja vista as situações ali
encontradas, desde assassinatos, tráfico de entorpecentes, roubos, assaltos, etc. além da troca
de lotes, ameaças constantes em virtude, principalmente, da área reflorestada com a essência
florestal “paricá” que detém possibilidade de venda imediata.
5 SITUAÇÃO ATUAL DOS PROJETOS DE ASSENTAMENTO
Este tópico consiste na descrição de uma visita técnica realizada aos três
assentamentos em agosto de 2016 objetivando estabelece uma visão numa perspectiva de
análise comparativa entre o passado e o presente.
5.1 ASSENTAMENTO: JOÃO BATISTA II
Constatamos a substituição da APROCJOB - Associação de Produção e
Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento João Batista presente na criação
do assentamento pela atual ACAJOB – Associação Comunitária dos Agricultores e
Agricultoras do Assentamento João Batista que tem como presidente da Associação o Sr.
Giovane Pereira dos Santos, que também é secretário da escola municipal Roberto Remigi.
O assentamento exibe certa organização, possui sistema produtivo diversificado,
trabalhando com mandioca, leite e frutas, sendo que as frutas são comercializadas via
60
cooperativa da agrovila vizinha e o leite é comercializado pelos Laticínios Kamy em
Castanhal, a qual disponibilizou e instalou um resfriador dentro do assentamento de onde faz
a coleta do leite a cada dois dias.
Existe uma escola no assentamento e também um posto de saúde na vila de maneira a
atender aos assentados mantidos pelo município de Castanhal (fotos abaixo).
Figura 10 - Imagens da escola/UBS da comunidade
Fonte: o autor
Sobre a produção de alimentos praticada no assentamento, sobretudo na cultura da
mandioca para produção de farinha, os assentados concentram suas produções de mandioca
no retiro (casa de farinha) central do assentamento. No retiro é preparada a farinha e o dono
do retiro recebe uma lata por saca de produção como pagamento pelo uso das instalações que
deve ser transformado em manutenção das mesmas como indica as fotos:
Figura 11 - Matéria prima da farinha e casa do forno
Fonte: o autor
61
A principal produção no assentamento é de leite com o plantel de gado,
majoritariamente destinados à produção de leite. No centro das quadras existe um reservatório
refrigerado para o leite produzido, o qual é coletado a cada dois dias pela indústria de
Laticínios Kamy para o beneficiamento desse leite. Em todas as propriedades é observada a
criação de pequenos animais para consumo próprio como patos e galinhas conforme fotos
abaixo.
Figura 12 - Pequeno curral para o gado e plantação de mandioca
Fonte: o autor
Há também a cultura do açaí, no entanto, o açaí produzido é de origem nativa, ou seja,
não há o plantio intensivo, o que justifica a não comercialização da produção para as
cooperativas, e assim os produtores entregam seus produtos a compradores pontuais
(atravessadores).
Figura 13– Culturas de espécies adaptadas e criação de galinhas
Fonte: o autor
62
Figura 14- Forno para o preparo da farinha
Fonte: o autor
Claramente, a existência de formas organizadas de produção atesta a capacidade de
subsistência desse grupo de assentados, indicando que há a possibilidade de que tais práticas
se forem incentivadas e fomentadas internamente, podem ser desenvolvidas e servir de
modelo para outros programas de assentamento.
5.2 ASSENTAMENTO LUIZ LOPES SOBRINHO
O assentamento Luiz Lopes Sobrinho não tem associação de moradores, mas existe
uma cooperativa que trata dos interesses dos assentados a COOLIVRE - Cooperativa Agrícola
Livre União São Francisco do Para.
O assentamento Luiz Lopes Sobrinho foi formado a partir da disponibilização das
terras, ora ocupadas pela empresa Goodyear, a qual consistia de três fazendas: Marathon, São
Francisco e Santana.
Atualmente algumas casas que outrora foram abandonadas, hoje estão ocupadas por
pessoas que não fizeram parte do movimento à época, e que não seguem um padrão de
moralidade adequado ao convívio social, condizente inclusive com os objetivos da
comunidade.
A comunidade se mantém a partir de produtores pontuais de Pimenta do reino, feijão
da colônia, mandioca (tucupi, goma, maniva e farinha), maracujá, citros (limão e laranja) e
milho. Além de plantas frutíferas, com elevado valor agregadas como o cupuaçu.
63
Figura 15- Visão ampliada da fazenda. Marathon e Detalhe da vila de casas
Fonte: o Google Maps
Figura 16– Detalhe das casas e a praça na vila
Fonte: o autor
Uma pequena parcela de colonos ainda trabalha na extração do látex, mas muito
pouco, pois não há mais compradores para o produto embora ainda existam muitas árvores de
seringa na região em fase de produção.
Com a prática ilegal da comercialização dos lotes hoje existem pessoas com perfil
diferente do propósito para a ocupação dos lotes, ou seja, com perfil de agricultores. Podemos
encontrar ocupando os lotes profissionais como policiais, oficiais de justiça, políticos e, em
alguns casos, usuários de entorpecentes (tais informações carecem de confirmação dada à
constante rotatividade das ocupações temporárias). Há inclusive a suspeita de que alguns
ocupantes dos lotes estejam cultivando plantas alucinógenas como a maconha (informações
que também carecem de confirmação) porém, essa informação já pertence ao âmbito policial.
O risco de um conflito é iminente, mesmo entre os moradores das fazendas ocupadas,
dados os diferentes perfis de pessoas dividindo o mesmo espaço em que os interesses são
64
diversos e sem qualquer indicação de sentimento comunitário, embora alguns moradores
tentem de forma isolada desenvolver culturas de subsistência.
5.3 ASSENTAMENTO: ABRIL VERMELHO
Após decisão do Conselho de Decisão Regional – CDR atendendo à consulta
solicitada pelo processo nº. 54100.000022/2012-12 através da Ata de Reunião Ordinária
nº09/2014 de 12 de dezembro de 2014, o INCRA provou por unanimidade aos assentados
ocupantes dos lotes a livre comercialização do paricá existente nos mesmos, e o acréscimo do
valor das benfeitorias no valor do Título de Domínio.
A comercialização foi realizada de maneira individual e cada colono decidiu o que
fazer restando apenas dois que mantiveram a plantação. Os demais venderam para um
conhecido madeireiro de Paragominas que foi adiantando pequenos valores aos assentados e
quando finalizaram os cortes o valor restante não correspondia ao valor de mercado e por isso
um grupo de assentados ajuizou ação contra o madeireiro.
Registra-se de fato que somente alguns dos colonos aderiram à comercialização e
ainda, o procedimento de retirada da madeira não seguiu um manejo sustentável, muito menos
respeitando as outras culturas ali existentes, visto que juntamente com o paricá foi plantado o
cupuaçu e o açaí. Essas culturas foram prejudicadas pela retirada do paricá e foram perdidas,
restando assim na desvalorização dos lotes.
Embora não seja consenso, alguns colonos não concordaram com a forma de
comercialização da madeira, e, como parte da madeira permaneceu no campo esperando a
retirada, boa parte dela foi perdida por estar fora de abrigo ou à mercê do tempo.
Alguns produtores locais desenvolvem uma produção agroecológica com produtos
orgânicosese ocupam da produção de compotas de doce de frutas produzidas no próprio lote
adquirido do assentamento, embora haja também a produção de pimenta, farinha e frutas que
são comercializados em feiras, na Central de Abastecimento (CEASA) e ainda em ações
individuais de visita por parte do próprio colono a instituições como o INCRA e EMBRAPA.
O assentamento é dividido em 04 Pólos, contendo 08 Associações e atuação de 04
movimentos Sociais, a saber, o Movimento Terra e Liberdade (MTL), o Movimento dos
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Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Federação dos Trabalhadores da Agricultura
Familiar (FETRAF) e a Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAGRI).
Basicamente, a produção do assentamento está fundamentada na agroecologia, com
produção de frango orgânico, leite, farinha, mandioca, pimenta do reino, cupuaçu e
recentemente o cacau, fomentado por uma cooperativa que fornece para o pólo cacaueiro
regional.
Algumas árvores deixadas ainda no local e outras já cortadas do paricá restante ainda
existem em claro estado de decomposição.
Figura 17 - Foto do paricá abandonado na área
Fonte: o autor
Alguns insumos ali produzidos também são beneficiados no próprio local se
transformando em produtos para pronto uso e de fácil aceitação no mercado consumidor,
como por exemplo: compotas e geléias como as de jambo, cupuaçu, abacaxi e pimenta.
Alguns dos produtos foram registrados em fotografias:
66
Figura 19 - Compotas produzidas artesanalmente pelos colonos
Fonte: o autor
Essas compotas apresentam um diferencial para esta comunidade, visto que é cultivada
no local de forma orgânica e ainda faz uso de fonte alternativa ao açúcar, também cultivada de
forma orgânica e embora incipiente e por enquanto para uso doméstico, a intenção é de se
profissionalizar na multiplicação da planta e ainda, produzir o adoçante oriundo da planta em
um futuro breve.
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Figura 18 - Mudas de espécies cultivadas pelos colonos
Fonte: o autor
Outras plantas são cultivadas como a alface, açafrão e gengibre (conforme já
comentado), e outros produtos não vegetais diretamente como o mel e o queijo.
O leite produzido no assentamento serve de matéria prima para o queijo e o mel,
porém, tal produção não ostenta tanta projeção no assentamento, mas considera-se com
grande potencial dada a imensa área disponível e o potencial de alguns colonos em manejar
tal cultura.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou identificar fatores que contribuíram de forma significativa ou
determinante para a falta de êxito no processo de implantação e execução do Programa
Nacional de Reforma Agrária no Brasil e particularmente na Amazônia Paraense, de modo
que não se tem noticia de assentamentos criados e implantados com sucesso dentro das
normas do PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária.
Analisando a forma e o desenvolvimento dos procedimentos para a criação de
assentamentos e o que preconiza a legislação pertinente a essa ação, observamos que o
INCRA não teve oportunidade de programar essa política pública de acordo com a legislação
simplesmente por que os movimentos sociais através das ocupações dos imóveis rurais
“atropelam” esse planejamento.
No Nordeste paraense e região Metropolitana de Belém, objeto deste estudo, no
período de 20 anos (1995-2015) analisando o perfil do histórico de criação desses
assentamentos identificou-se como características evidentes o recrutamento para a
composição do acampamento sem a observância de critérios de seleção, a ocupação
antecipada e somente a posteriori a criação do assentamento pelo órgão responsável, o
INCRA, sempre como forma de solucionar um problema social no campo, com conflitos já
instalados.
Reside ainda a questão: Como classificar essas ocupações antecipadas? Não podemos
dizer que é acampamento por estarem localizadas no interior dos imóveis particulares,
também não podemos classificar como ocupação espontânea por que a terra não estava
abandonada e/ou devoluta.
Nesse sentido, essas características não identificam essas ocupações como
acampamento, pois esses “acampamentos” em sua esmagadora maioria encontram-se no
interior dos imóveis rurais de propriedade particular caracterizando-se na realidade como
invasões travestidas de “ocupações espontâneas”, embora não seja usual se utilizar tal
terminologia.
A ocupação antecipada dos imóveis rurais suscetíveis de obtenção para a reforma
agrária pelos futuros beneficiários constituiu-se em um entrave às ações previstas no
Programa Nacional de Reforma Agrária, tendo como conseqüência, invariavelmente, o
insucesso e/ou a inviabilização do processo.
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Nos ditos “acampamentos” existem uma série de vícios, históricos, que provocam
muitos erros e conflitos como parte do processo de ocupação, no entanto existem também as
diretrizes para superá-los de modo a não prejudicar o objetivo maior, que é a ocupação da
terra.
Para combater os vícios as lideranças dos movimentos propõem um sistema de
punições para que os mesmos sejam eliminados e é necessário que só os componentes e não
os dirigentes façam alguns sacrifícios que são estabelecidos para os integrantes a fim de que
fique claro que é a organização que pune os que não respeitarem as normas.
Por isso o futuro beneficiário da política pública da reforma agrária com essa
submissão velada, tornou-se o agente complicador do processo, uma vez que antecipa a
implantação do projeto de assentamento contrariando os moldes técnico-legais estabelecidos.
Há bastante tempo os Órgãos de Controle Externo (TCU/CGU) vem
acompanhando/fiscalizando o INCRA emitindo determinações e recomendações para que o
INCRA possa melhorar as ações e combater os desvios de finalidades na execução do Plano
Nacional de Reforma Agrária.
Corroborando com o acima exposto, em recente atuação, o Tribunal de Contas da
União - TCU emitiu Acórdão nº. 775/2016 de 06/04/2016 atendendo representação da
Secretaria de Controle Externo da Agricultura e do Meio Ambiente – Secex Ambiental/TCU
que trata de indícios de irregularidade na seleção de beneficiários, na concessão de lotes e na
situação ocupacional dos lotes da Reforma Agrária e adota suspensão cautelar dos processos
de seleção e assentamento de novos beneficiários, suspensão de novos pagamentos e remissão
dos créditos de reforma agrária.
O INCRA requereu a revisão da medida cautelar para liberação dos efeitos da decisão,
e o TCU acolhe parte da solicitação relativamente à suspensão provisória dos efeitos da
cautelar de forma a garantir o acesso dos beneficiários especificados nos pedidos às políticas
publicas indicadas em alguns itens mantendo a suspensão dos outros itens através do acórdão
nº 2451/2016 de 21 de setembro de 2016.
Mesmo com a ação de órgãos fiscalizadores, há a necessidade de se desenvolver
mecanismos de controle, ou registro do quantitativo das situações em que se foi detectado
qualquer desvio ou irregularidade quanto à destinação dos benefícios advindos da ocupação
assistida pelos instrumentos governamentais.
70
Pode-se propor a partir do que foi apurado na pesquisa que, o beneficiário da reforma
agrária quando nega a relevância e obrigatoriedade do trabalho na terra através da negociação
ilegal do lote e de outros benefícios do programa, ele está na verdade abrindo mão de produzir
nesse lote para o seu sustento e da sua família.
O gesto descrito revela o verdadeiro objetivo de uma parte significativa dos
beneficiários, de que quando ele se engajou num movimento de luta pela posse da terra não
era propriamente a terra que ele queria, mas sim seu principal objetivo era obter um meio de
se capitalizar imediatamente após sua inclusão no programa.
Esse fator revela que nesse momento, o beneficiário se iguala subjetivamente à
natureza do latifundiário que usa a posse da terra para especulação fundiária e como modo de
enriquecimento rápido e fácil.
Por fim, o fator identificado que mais se repete e antecede a criação dos projetos de
assentamento funciona como fator decisivo para o entrave da reforma agrária nos locais e
período estudados é a ocupação antecipada da área dos imóveis particulares com potencial
para incorporação ao Programa Nacional de Reforma Agrária.
Fator esse, que na maioria das vezes obriga o órgão responsável à execução e
implantação do Programa Nacional de Reforma Agrária, restando ao INCRA à ação de
regularizar uma situação irregular posta como prioridade pelos acampados, completamente
fora dos tramites técnico-administrativos normais que deveria ser seguido para esse fim.
71
GLOSSÁRIO:
ÀREA – destinada a reforma agrária: imóvel rural obtido, independentemente de sua forma de aquisição, destinado a implantação do projeto de assentamento do programa de reforma agrária, precedida de estudos de viabilidade econômica e de potencialidade dos recursos naturais. É a base sobre a qual se sustentará o assentamento.
BENEFICIARIOS: São os(as)candidatos (as)reconhecidos (as)formalmente pelo INCRA, após terem sido selecionados (as)e homologados (as), conforme processo seletivo para participar do Programa de Reforma Agrária, constantes da Relação de Beneficiários- RB,com direitos e deveres que estarão expressos em contrato de concessão de uso.
CANDIDATOS: São pessoas interessadas em participar do Programa Nacional de Reforma Agrária, ficando rigorosamente submetidas às etapas do processo seletivo definidos pela legislação vigente, através de inscrição, a qual não cria direito subjetivo de ser assentado.
ABEP - Associação Brasileira de Estudos Populacionais
CGU – Controladoria Geral da União.
INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
PNRA - Programa Nacional de Reforma Agrária
PROJETO DE ASSENTAMENTO: Consiste num conjunto de ações, em área destinada à reforma agrária, planejadas, de natureza interdisciplinar e multisetorial, integradas ao desenvolvimento territorial e regional, definidas com base em diagnósticos Precisos acerca do publico beneficiário e das áreas a serem trabalhadas, orientadas para utilização racional dos espaços físicos e dos recursos naturais existentes, objetivando a implementação; ao dos sistemas de vivencia e produção auto-sustentáreis, na perspectiva do cumprimento da função social da terra.
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
SR-01 Superintendência Regional do Estado do Pará/Belém
SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
TCU - Tribunal de Contas da União
72
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assentamento. Universidade Federal da Paraíba, 2004.
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Quarenta anos de demografia histórica. São Paulo. 2005.
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dá outras providências. Acessado em 19 de abril de 2017, disponível em
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ANEXO