As Identidades Do Brasil, De Varnhagen a FHC- João Carlos Reis
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO...
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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA
DO COMPORTAMENTO
CULTURA DA BRINCADEIRA EM UMA COMUNIDADE
RIBEIRINHA NA ILHA DO MARAJÓ
DANIELA CASTRO DOS REIS
BELÉM / PARÁ
Outubro / 2007
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA
DO COMPORTAMENTO
CULTURA DA BRINCADEIRA EM UMA COMUNIDADE
RIBEIRINHA NA ILHA DO MARAJÓ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Fernando Augusto Ramos Pontes. Co-orientadora: Leila Said Assef Mendes.
BELÉM / PARÁ
Outubro / 2007
Para Maria Auxiliadora, João Luis Reis (meus Pais), João Reis (meu avô), Ivan
Cardoso (meu marido) e meu amado filho João Davi, por tudo que partilhamos.
Agradecimento
Em primeiro lugar a DEUS, sem a sua presença em minha vida nada aconteceria;
À Santa Rita de Cássia minha eterna companheira;
Aos meus pais, meu avô e minhas irmãs que com todo apoio, incentivo, amor e paciência me
ajudaram nos período mais críticos;
À minha mãe que com todo carinho e amor cuidou de mim e do meu filho nas minhas
ausências. Obrigada minha velha!;
Ao meu marido que sempre me ajudou, dando apoio, carinho, atenção e amor em todos os
momentos. Tê-lo como companheiro foi essencial nesta caminhada;
À Dona Cátia por ser meu braço direito na minha casa e por ter toda paciência e amor por meu
filho nas horas que me ausentei do meu lar;
Ao meu filho pela paciência, pelo amor e carinho. Desculpe-me pelas ausências no início de
sua vida. Te amo;
Ao Professor Fernando Augusto Ramos Pontes, orientador e cuidador, pela amizade, respeito,
confiança e valorização do meu trabalho. Ser sua orientanda foi um grande prazer e uma
honra. Aprendi muito durante a nossa convivência e sou grata por tudo isso;
À minha co-orientadora, Leila Said Assef Mendes, pelo carinho e pela compreensão. Sou
eternamente grata e feliz, pois ganhei uma verdadeira amiga;
Ao primeiro grupo de pesquisa, Dani Miranda, Maiara, Abrão, Erick, Lorena e Laiane, pela
ajuda e pelo convívio, principalmente nas viagens ao Marajó;
Ao segundo grupo de pesquisa, Leandro, Amédio, Vitor, Marluce e Carlos, pelo compartilhar
de experiências e pelo convívio agradável durante as viagens ao Marajó;
A todos os moradores da comunidade do rio Araraiana, especialmente às crianças que sempre
nos receberam com carinho, respeito e atenção. Foi uma rara experiência conviver com vocês,
aprendendo, a cada momento, sua cultura e seu jeito de cativar as pessoas;
PARA SEMPRE
Todo menino é pouco curupira. Brincando de pira-pega (pega), ajuda (ajuda), Cola (cola), cócoras. Todo menino é um pouco curupira. Brincando de pira Pra despistar o caçador E se esconder entre as florestas na aresta. Deixando-nos perdido na floresta. Das brincadeiras de criança tenra Que sem pudor, se suja de terra. Menino levado. Meio curupira. Quem nunca teve curuba e pira? Criança feliz é aquela que brinca. E demora, e demora, e demora, e demora na hora de ir embora (...).
(André Coruja)
SUMÁRIO
LISTA DE FIFURAS viii
RESUMO xi
ABSTRACT xii
APRESENTAÇÃO 02
1. REFERENCIAL TEÓRICO 04
1.1 1º Elemento: A criança como agente ativo no processo do desenvolvimento
humano 06
1.2 2º Elemento: Interações e relações 08
1.3 3º Elemento: O contexto como parte significativa do desenvolvimento humano10
1.4 Algumas perspectivas teóricas sobre a brincadeira 14
1.5 A brincadeira 20
DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA 29
OBJETIVOS 32
Objetivos Gerais
Objetivos Específicos
MÉTODO 34
Fundamentação da escolha metodológica 35
Aspectos contextuais da pesquisa 37
Base de pesquisa 39
Participantes 40
Informante 41
Comunidade 41
A vegetação e o rio 42
Material 45
Técnicas e instrumentos 45
Observação e diário de campo 46
Inventário Sociodemográfico 47
Inventário espontâneo das brincadeiras tradicionais infantis 47
“Check list” de conhecimento e das brincadeiras tradicionais infantis 48
Procedimento de coleta 49
Etapa 1: Escolha da comunidade 49
Etapa 2: Submissão ao Comitê de Ética 49
Etapa 3: Discussão teórica e formação da equipe de pesquisa 50
Etapa 4: Contato preliminar/informante 50
Etapa 5: Consentimento dos moradores para a utilização dos dados 51
Etapa 6: Caracterização da comunidade-Estudo Piloto 51
Etapa 7: Caracterização da comunidade – Redimensionamento 51
Etapa 8: Caracterização das brincadeiras 52
Etapa 9: Organização dos dados na coleta de campo e tempo de aplicação 54
ANÁLISE DOS RESULTADOS 55
RESULTADOS E DISCUSSÃO 57
CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-DEMOGRÁFICA DA COMUNIDADE
DO ARARAIANA
A População 58
A família 60
O modo de vida dos moradores 63
A educação 71
A saúde 73
A religião 76
UMA IMPRESSÃO INICIAL DAS OBSERVAÇÕES DE CAMPO 78
CATEGORIZANDO O CONTEXTO FÍSICO ONDE AS BRINCADEIRAS SÃO
EXERCIDAS 81
Espaço interno 82
Espaço de transição 85
Espaço externo 89
OS CONTEXTOS ONDE AS BRINCADEIRAS SÃO PREFERÊNCIALMENTE
EXERCIDAS 94
UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O ESPAÇO DE BRINCADEIRA 98
CARACTERIZANDO AS BRINCADEIRAS EXERCIDAS PELAS CRIANÇAS DO RIO
ARARAIANA 100
A variedade e preferência por brincadeiras 100
Análise das companhias de brincadeira 103
ANALISANDO OS BRINQUEDOS ENCONTRADOS ENTRE AS CRIANÇAS DO RIO
ARARAIANA 106
Formas de aquisição dos brinquedos identificados no rio 106
Classe de brinquedos 108
DESCREVENDO AS BRINCADEIRAS REALIZADAS PELAS CRIANÇAS DO RIO
ARARAIANA 116
Brincadeira de exercício 117
Brincadeira de exercício com animais e objetos 125
Brincadeiras com movimentos finos envolvendo objetos 128
Brincadeira de construção 129
Brincadeira turbulenta 139
Brincadeira Simbólica 141
Jogos de regras 145
CONSIDERAÇÕES FINAIS 168
REFERÊNCIAS 177
Anexos
Anexo 1 184
Anexo 2 188
Anexo 3 189
Anexo 4 194
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Mapa representativo da Ilha do Marajó e seus Municípios que compõem a ilha.
Figura 02: Foto do local onde está localizada a base de pesquisa
Figura 03: Distribuição da população do rio Araraiana (dados brutos) em função de sexo e
categoria de idade.
Figura 04: Mapa representativo do local onde se situa a comunidade do
Araraiana/Marajó/Ponta de Pedras/Pará).
Figura 05: Foto da vegetação característica da localidade do rio Araraiana.
Figura 06: Foto do rio Araraiana e do barco pô,pô, pô (Onomatopéia do barulho do motor) .
Figura 07: Gráfico de idade e gênero das crianças e adolescentes de zero a dezoito anos da
população da comunidade do Araraiana.
Figura 08: Gráfico de número de filhos por família.
Figura 09: Freqüência do estado civil dos casais das famílias da comunidade do rio Araraiana.
Figura 10: Gráfico que demonstra o local de origem das famílias não originárias do Araraiana.
Figura 11: Freqüência de respostas em categoria de motivos de migração
Figura 12: Foto de uma das moradoras tecendo peneira.
Figura 13: Gráfico que demonstra a ocupação dos moradores
Figura 14: Foto de uma das moradoras amassando açaí
Figura 15: Gráfico que demonstra as famílias que criam animais
Figura 16: Gráfico com as atividades diárias realizadas pelas meninas e meninos
Figura 17: Gráfico que demonstra o maior número de resposta relacionado a compras de
mantimento
Figura 18: Total de famílias em função da renda per capita familiar.
Figura 19: Gráfico que demonstra os moradores de 19 a 85 anos e seus respectivos graus de
instrução.
Figura 20: Número de crianças relacionado ao nível de escolaridade
Figura 21: Total de crianças por grau de escolarização relacionado ao gênero
Figura 22: Foto do Pote, utensílios utilizado pela população amazônica para se colocar água
para beber.
Figura 23: gráfico que demonstra a quantidade de resposta por família a respeito de como é
tratado o lixo
Figura 24: Gráfico de religião por gênero da população da comunidade do rio Arariana
Figura 25: Gráfico de religião por gênero das crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos
Figura 26, 27 e 28: Foto da casa, da dimensão dos quartos e da cozinha das casas
Figura 29: Fotos dos materiais encontrados na natureza que servem para a construção das
casas
Figura 30: Foto de uma das casas que tem um interior amplo
Figura 31: Foto que demonstra o espaço de transição
Figura 32: Fotos que demonstram os ambientes adentrados
Figura 33: Foto frontal e parte interna da antiga escola
Figura 34: Foto da casa de um dos moradores que cedeu uma sala para funcionar a nova
escola.
Figura 35: Foto de uma criança brincando no terreno ao lado da escola-campinho
Figura 36: Foto do campo de futebol
Figura 37: Freqüência relativa dos espaços físicos onde as brincadeiras são desenvolvidas
Figura 38: Freqüência relativa dos locais na categoria de espaço interno onde as brincadeiras
são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo
Figura 39: Freqüência relativa das subcategorias de espaço de transição onde as brincadeiras
são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo
Figura 40: Freqüência relativa das subcategorias de espaço externo onde as brincadeiras são
desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo
Figura 41: Brincadeiras encontradas na comunidade do rio Araraiana
Figura 42: Brincadeiras segundo as escolhas femininas e masculinas
Figura 43: Número de respostas referente à companhia
Figura 44: Gráfico que representa as formas aquisição dos brinquedos
Figura 45: Número de resposta por família do tipo de brinquedo
Figura 46: Gráfico de número de brinquedos artesanais das crianças
Figura 47: Gráfico indicativo dos materiais utilizados na construção dos brinquedos
artesanais.
Figura 48: Foto de área da residência de uma família com destaque em vermelho para o local
em que os brinquedos industrializados são guardados, servindo como adornos na parte frontal
das casas.
Figura 49: Gráfico que demonstra a variedade dos brinquedos industrializados encontrados na
comunidade
Figura 50: Foto de crianças brincando de correr
Figura 51: Fotos de uma criança brincando de subir na árvore
Figura 52: Foto de crianças penduradas nas hastes ao lado do tronco de miritizeiro
Figura 53: Foto de duas crianças brincando no barco de “soco-soco, bate-bate”
Figura 54: Foto de crianças brincando na água, em pé, no miritizeiro, no período noturno
Figura 55: Foto de crianças brincando no casco (canoa)
Figura 56: Foto de crianças brincando de roda
Figura 57: Foto de uma das casas que tem bicicleta
Figura 58: Foto de crianças brincando com o animal típico da região
Figura 59, 60, 61: Foto de um barco pesqueiro, pô,pô,pô e rabeta de miriti construídos pelas
crianças locais.
Figura 62: Fotos que demonstram a brincadeira de construção
Figura 63: Fotos de espingardas construídas por crianças com material nativo da região
Figura 64: Foto da boneca de pano.
Figura 65: Fotos de duas crianças segurando bonecas construídas com garrafa Pet
Figura 66: Fotos de uma criança brincando com objeto construído por ela própria
Figura 67: Foto de uma gaiola construída pelas crianças.
Figura 68: Fotos de crianças brincando em empurrar o outro para pegar um objeto no alto da
árvore
Figura 69: Foto de duas crianças uma brincando de puxar a outra
Figura 70: Fotos das brincadeiras simbólicas: boneca, boneca na rede e panelinhas
Figura 71: Fotos de crianças brincando de bandeirinha
Figura 72: Fotos de crianças brincando de elástico
Figura 73: Fotos de crianças brincando de pira garrafa
Figura 74: Foto das crianças brincando de pira alta
Figura 75: Foto de crianças brincando de pira cola.
Figura 76: Uma criança (mãe) na brincadeira pira esconde indo procurar outras crianças que
estão escondidas na mata
Figura 77: Foto de crianças brincando trepados na árvore de açaí
Figura 78: Foto que de crianças brincando de cemitério no campo de futebol.
Figura 79: Fotos das crianças saindo da escola em canoas
REIS, Daniela Castro dos. Cultura da brincadeira em uma comunidade ribeirinha na ilha do
Marajó. Belém, Pará. 2007. Dissertação (Mestrado). Programa de pós-graduação em Teoria e
Pesquisa do Comportamento-Universidade Federal do Pará.
RESUMO
O objetivo principal desse estudo foi investigar, caracterizar e descrever as brincadeiras das crianças de uma comunidade ribeirinha da ilha do Marajó (Pa) e discuti-las em função do modo de vida, mais especificamente na comunidade do Rio Araraiana-Marajó-Pará-Brasil. Foram participantes todos os moradores da comunidade, divididos em dois grupos: o primeiro representado pelos responsáveis das 22 famílias e o segundo, pelas crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Esta pesquisa utilizou como metodologia a pesquisa quantitativa e qualitativa. Os principais instrumentos foram o inventário sociodemográfico, o levantamento espontâneo, o check-list das brincadeiras locais e a observação em lócus. Os resultados revelaram uma diversidade de brincadeiras próprias do contexto ribeirinho investigado, tais como construção de barco de miriti, confecção de bonecas de garrafas plásticas, pira pega em árvores, competição em canoas e etc. Estas brincadeiras demonstram a influência direta do contexto físico, social e cultural onde são exercidas. Pode-se concluir, portanto, que apesar do caráter universal, tais brincadeiras representam o modo de vida e a rotina diária dos ribeirinhos.
Palavras-chave: Desenvolvimento, contexto e brincadeira.
REIS, Daniela Castro dos. Culture of the play in a riverine village at Marajó Island. Belém, Pará, 2007. Dissertação (Mestrado). Programa de pós-graduação em Teoria e Pesquisa do
Comportamento-Universidade Federal do Pará.
ABSTRACT The main objective of this study was investigate, characterize and to describe the children’s plays in a riverine context, specifically in the Araraiana village, located at Marajó-Pará and to debate it about lifestyle. The participants were all the inhabitants, divided in two groups: the first represented by the parents of the 22 families and the second, for the children and adolescents from 0 to 18 years. To collect and analyse the data it was utilized the methodology of quantitative and qualitative research. The principal instruments were the sociodemographic inventory, the spontaneous survey and check list of local plays and the observation in locus. The results revealed a diversity of plays of the riverine context investigated, like the construction of boat of miriti, confection of dolls of the plastic bottles, pira pega in trees, competition in canoe, etc. That plays demonstrated the direct influence of the physical, social and cultural where they are developed. Therefore, we can conclude that, despite the universal characteristics, that plays represent the way of life and the daily routine of the ribeirinhos. Key-words: Development, context and play.
APRESENTAÇÃO
Meu interesse e o amor pelas comunidades de beira de rio nasceram a partir de
encontros sucessivos com os ribeirinhos, os quais despertaram um intenso respeito e
inexorável compreensão empírica “do” e “de” ser ribeirinho, sem visões preconceituosas
(“ribeirinho preguiçoso”) e sem julgamentos do seu modo de vida (extrativista) ou de suas
formas e dinâmicas familiares (sem planejamento familiar). Simplesmente, entendê-los como
povo da floresta, ímpares e, ao mesmo tempo, semelhantes às outras comunidades ditas
“desenvolvidas”.
Em termos profissionais, para aprofundar o conhecimento sobre os ribeirinhos foi
indispensável buscar um modelo científico que considerasse o estudo das práticas culturais,
propiciando a investigação de seu estilo peculiar de vida. Assim, aliada aos meus
conhecimentos sobre a Psicologia do Desenvolvimento, selecionei um aspecto que sempre me
despertava interesse, “a cultura da brincadeira”. A brincadeira poderia ser, então, investigada,
uma vez que ela revela propriedades do universo infantil em todos os tempos e culturas.
Sendo assim, poderia contribuir, sobremaneira, para o estudo do desenvolvimento da criança.
Nasceu assim à idéia de se estudar a cultura da brincadeira em um contexto amazônico.
Povo identificado como ribeirinho e que está imerso ou circunscrito por uma história, por uma
geografia específica e a investigação científica reconheceria os benefícios derivados da busca
e do uso dos conhecimentos de uma população genuinamente amazônica e que devem ser
compartilhados por todos, principalmente, pela comunidade que os detém.
A cultura ribeirinha é componente de uma cultura maior que, assim como as vertentes
culturais urbanas, fora alvo de intensa colonização portuguesa e influências do modo de vida
indígena. (Barthem, 1984; Diegues & Arruda, 2001; Hiraoka, 1992) e somente dessa forma
deve ser estudado.
Diante desse contexto mais geral, foi necessário, então, localizar uma comunidade
ribeirinha, para conseqüente observação e compreensão de seus saberes e práticas tradicionais.
A partir de inúmeras tentativas de escolhas de comunidades, optou-se, de maneira racional e
emocional, pela comunidade do rio Araraiana, principalmente pelo seu aspecto de isolamento
geográfico e social, pela ausência de energia elétrica e por apresentar uma produção baseada
na economia extrativista.
A proposta deste estudo, portanto, é discutir a cultura da brincadeira ribeirinha, a partir
de um inventário dos conhecimentos, uso e práticas relativas às brincadeiras das crianças.
Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: o primeiro apresenta o arcabouço
teórico que norteou racionalmente a investigação; o segundo, a metodologia empregada para a
concretização dos objetivos propostos; e, finalmente, a análise dos dados coletados, que
subdivide-se em: caracterização sociodemográfica da comunidade; a caracterização dos
contextos físicos e sociais onde as brincadeiras ocorrem e, por último caracterização geral das
brincadeiras do local ( descrição e classificação).
REFERENCIAL TEÓRICO
Um cursor singrando essas águas Feito lápis riscando espelho gigante Um barco afiado rasgando as anáguas Nessa seda esmeralda em verde diamante. (Miguelangelo, poeta paraense).
A forma humana de interagir socialmente configurou-se como um dos aspectos
fundamentais de sua adaptação no ambiente evolucionário, de modo que é possível
caracterizá-la como biologicamente cultural (Bussab, 2003). Se a cultura é fruto e instrumento
do processo de seleção de nossa espécie, a compreensão de todos os processos envolvidos na
construção de relações sociais culturalmente mediadas é fundamental para o entendimento de
uma psicologia humana, particularmente uma psicologia do desenvolvimento.
A partir dessa apreensão, pode-se afirmar que os contextos de interação das crianças
com seus pares, particularmente o de brincadeira, se configuram como um espaço natural de
investigação da ontogênese na construção e re-construção da identidade individual, grupal e
de significação simbólica em uma determinada estrutura sociocultural.
Esse contexto é o lócus privilegiado de interação entre pares, pois grande parte das
relações criança-criança são mediadas “por” e “nas” situações de brincadeiras. Os atributos,
então, relacionais são preponderantemente observados na brincadeira infantil, o que denota a
relevância deste tema.
Tal contexto é concebido como o espaço físico e social que agrega os agentes,
produtos e produtores do processo do desenvolvimento humano, o que aponta para a
necessidade de uma maior investigação do “ser” e do “fazer” desses indivíduos, em especial a
criança. (Carvalho, 1992; Carvalho & Yamaoto, 2002).
Pode-se dizer, portanto, que o desenvolvimento infantil é contextualmente situado, e
dessa maneira não pode ser estudado de forma isolada, reconhecendo sua dinamicidade, sua
complexidade e a interação de elementos de ordem pessoal, relacional e contextual. (Silva,
2006; Verba, 1994).
1º Elemento: A criança como agente ativo no seu processo de desenvolvimento.
O elemento de ordem pessoal é identificado como agente ativo de seu
desenvolvimento, por exemplo, a criança. Portanto, entende-se que a criança é produtora de
sua cultura, e somente desta forma pode ser estudada. (Carvalho & Pontes, 2003; Pontes &
Magalhães, 2002, 2003).
Observar e estudar o mundo infantil é, ao mesmo tempo, uma tarefa complexa e
desafiadora, pois apresenta características próprias, específicas e distintas das do mundo
adulto. Por esse motivo, sua compreensão torna-se difícil, já que a criança por estar
circunscrita em um ambiente predominantemente adulto é percebida, apenas, por meio desse
olhar.
Diante do grau de dificuldade e complexidade em estudar a criança, propõe-se um
desafio: pesquisar o mundo infantil e entendê-lo como autônomo, distinto do mundo adulto,
mas, ao mesmo tempo, interconectado a outros sistemas, como a família, a escola, o grupo de
pares, o trabalho, a religião, entre outros.
Sendo assim, a criança é entendida como componente principal do universo infantil e
como um ser ativo do desenvolvimento humano, pois traz em sua essência a capacidade de
recriar significados e de produzir sua própria cultura. Como afirma Bruner (1997), a criança
não é um “suporte passivo” no grupo, mas sim um participante ativo, construtor de seu
mundo, em um processo de desenvolvimento amplo, no qual os significados públicos são
compartilhados e re-construídos, em constantes trocas com seus co-específicos.
A compreensão sobre a criança e a sua valorização como participante ativo no seu
desenvolvimento não foram sempre da mesma maneira. A concepção de criança esteve
sempre associada à organização de cada sociedade e as estruturas econômicas e sociais em
vigor o que possibilitou que a criança fosse vista de maneiras diferenciadas, e
consequentemente pesquisadas sob a ótica dominante de cada época. As noções de infância e
de criança, tal como re-conhecidas atualmente, são relativamente novas e sofreram
transformações durante séculos de história.
Como pode ser identificado na obra de Áries (1975) que demonstrou que em
determinados períodos, a infância não despertava interesse, sendo concebida apenas como um
período de transição, sem importância, como uma visão adultocêntrica, caracterizando a
criança como passiva.
Vale ressaltar, que a concepção de criança como passiva e sem identidade,
principalmente nas ciências humanas, perdurou por séculos. Nos primórdios dos estudos da
psicologia, enquanto ciência que buscava estruturar seu objeto de estudo, prezava pela
pesquisa do indivíduo em laboratórios, pois não considerava relevantes os fatores sociais e
históricos que influenciavam o desenvolvimento da criança, centrando-se no aspecto
biológico e no desenvolvimento individual. Já na sociologia e na antropologia a crítica focou
a noção de socialização, tratada como uma via de mão única, na qual a sociedade adulta -
ativa - molda as crianças - passivas (Quinteiro, 2002).
É a partir do advento da sociedade capitalista urbano-industrial, que a concepção de
criança passiva vai mudando e desponta como uma fase peculiar, que necessita ser estudada
de maneira diferenciada (Kramer, 2002). Com a mudança da sociedade, a organização
familiar muda, assim o papel social desempenhado pela criança também mudou, ela ganhou
um maior espaço social e assim, há o início da preocupação com educação, carreira e futuro.
É dentro dessa esfera social, econômica e política que os estudos científicos vão superando a
dicotomia, biológico versus cultural, até então muito presente na forma de estudar os
fenômenos sociais humanos.
No entanto, é somente a partir das décadas de 70 e 80, que o ser - humano passou a
ser estudado a partir de conhecimentos científicos integrados e, especificamente, a criança
estudada como produtora de sua cultura e como agente ativo no processo do
desenvolvimento, pensada e inserida em um modelo ecológico, em que as relações
interpessoais e os sistemas relacionais são as diretrizes fundamentais para o entendimento
desse processo (Teixeira & Nunes, 2001).
Uma nova visão de ciência passou a ser formada, antes a criança individualizada hoje
pensada como parte do processo de desenvolvimento humano, em que as interações criança-
criança se configuram como essenciais para a compreensão do universo infantil.
Alem desse aspecto, Pires (1989) enfatiza que os estudos sobre o universo infantil e as
crianças devem abraçar áreas de interdisciplinaridade, trazendo o conhecimento das ciências
humanas, sociais e naturais para o estudo do ser - humano.
O mundo infantil, portanto, pode ser compreendido como um sistema complexo,
permeado de relações e interações, autônomo, com a própria capacidade de se recriar. Por
conseguinte, o meio em que as crianças vivem é o lócus privilegiado para a observação da
autonomia do universo infantil e consequentemente a interação criança-criança,
especificamente em situações de brincadeira, pois é nessa atividade que as crianças se
desenvolvem, trocam olhares, aprendem e transmitem repertórios verbais, assumem papéis,
reconstroem, influenciam e são influenciadas pelo contexto e pela relação interpessoal que
mantém com o outro (Carvalho & Beraldo, 1989).
2º Elemento: Interações e relações.
O segundo eixo norteador para a investigação do desenvolvimento humano são as
relações interpessoais. Deste modo, as formas de relações interpessoais, a identificação dos
seus mecanismos, seus efeitos e sua conseqüência no comportamento humano, se constitui
em uma significativa contribuição para análise do desenvolvimento, pois são representantes
do processo de interação entre pessoas e, nesse caso, entre pares, sobretudo nas situações de
brincadeira.
Para o estudo das interações e relações sociais, surgiram vários modelos e teorias
(Bronfenbrenner, 1987, Harris, 1995/1999, Supper & Harknnes, 1990 e Hinde 1976/1979)
que tentaram explicar e utilizar formas de compreensão das relações interpessoais, do
comportamento social e do desenvolvimento humano. No entender desta pesquisa, o modelo
de Robert Hinde (1976) apresenta-se como o mais apropriado para estudar as relações
interpessoais, pois defende uma sistematização das interações a partir de níveis complexos de
análise, que possam atender aos interesses e aos objetos de estudo das ciências voltadas para
pesquisar os fenômenos sociais. Porém, é necessário enfatizar que não se tem a pretensão de
abordar todas as proposições, e sim promover discussões, do ponto de vista de suas
possibilidades, contribuições e aplicabilidade para o desenvolvimento desta pesquisa.
Em suas pesquisas, Hinde (1987) defende o estudo sistematizado das interações
sociais e propõe uma nova abordagem para o entendimento do comportamento social
humano. Para que ocorra esta nova compreensão é necessária à superação da dicotomia entre
a biologia e o social. Como proposta e como forma de aproximação, o autor considera uma
dupla via de influências entre o biológico e o social e assim o reconhecimento de diferentes
níveis de complexidade social como: o indivíduo, a interação, a relação, o grupo e a estrutura
sociocultural, podendo ser estudados separadamente, porém de maneira integrada e dinâmica.
A superação dessa dicotomia leva ao reconhecimento das diferenças de cada um
desses níveis e o modo como os indivíduos influenciam e são influenciados pelo grupo, ou
seja, como os sujeitos se constroem e como se tornam o que são.
Hinde (1987) expõe, ainda, que o comportamento do sujeito, pelo menos em parte, só
pode ser compreendido no todo, e se o indivíduo for considerado como participante “do” e
“no” grupo. Percebe-se, com esse argumento, que todo o comportamento humano é social por
natureza, à medida que todos os indivíduos dependem do outro e de relações anteriores. Para
Hinde (1987), as relações afetam outras relações e a forma como cada indivíduo se comporta
depende, em parte, com quem ele está se relacionando.
Nessa direção, o foco de estudo do comportamento social humano demanda
mudanças. A análise do indivíduo, antes fragmentada, individualizada e determinista, muda
para a análise da natureza de suas interações e relações, e como estas contribuem para a
formação da estrutura do grupo e vice versa.
A partir da perspectiva de Hinde (1976), pode considerar o grupo de brincadeira como
um importante elemento de análise para a compreensão dos contextos de interação dos
grupos de pares. O grupo surge, então, como uma categoria social e, ao mesmo tempo, como
um espaço que propícia o desenvolvimento das crianças, pois, elas vêem o grupo como
psicologicamente significante, aquele com o qual se relacionam subjetivamente e do qual
tiram suas regras, seus padrões e suas crenças.
Portanto, ao mesmo tempo, que a criança é um agente ativo no grupo, proponente e
constituinte das interações e relações, ela também está inserida em um amplo contexto que
envolve todos os ambientes propícios para o seu desenvolvimento. O contexto surge, então,
como importante espaço de interação e por isso sua investigação é essencial para os estudos
da brincadeira e do desenvolvimento humano.
3º Elemento: O contexto como parte significativa do desenvolvimento humano
Analisar a criança como um participante ativo no desenvolvimento humano e não
atentar para o ambiente no qual está inserida é, certamente, uma visão fragmentada e
incompleta.
Nessa direção, é necessário esclarecer que a concepção de ambiente, aqui referida,
remete ao conceito de contexto de desenvolvimento e para entender os aspectos que o
circundam é necessário, antes de tudo, referenciar Moraes e Otta (2003) quando falam na
definição de Zona Lúdica.
Para Moraes e Otta (2003), Zona lúdica envolve, essencialmente, variáveis que podem
influenciar a brincadeira, como as relações familiares e as de pares, os diferentes tipos de
brinquedo, o modo de vida, etc.
Para Santos & Bichara (2005), muitos desses aspectos são constituídos e constituem o
contexto cultural onde as crianças se desenvolvem. Não se pode perder de vista que muitos
dessas variáveis são indicadores de elementos que caracterizam a diversidade, e que,
conjuntamente, podem indicar determinado contexto cultural como específico. É nesse
sentido que Moraes e Otta (2003) falam em uma Zona lúdica específica.
Além desses conceitos, Bichara e Santos (2005) consideram que os ambientes
específicos, como os rurais, os mais abertos, ajam como facilitadores para que as crianças
desenvolvam brincadeiras, e que isso se deve em função do espaço físico amplo, da natureza,
da rua e das próprias relações de pares. Diante disso, Moraes e Otta (2003) consideram esse
aspecto como sendo uma Zona Lúdica Ampliada.
A noção de Zona Lúdica Ampliada remete a idéia de ambiente (contexto) que é
compreendido como algo mais amplo que o utilizado na maioria das vezes, quase sempre
usado como sinônimo de lugar ou situação. Utiliza-se, neste trabalho, a palavra contexto para
indicar diferentes condições de vida em que as crianças nascem e se desenvolvem (Silva,
Macedo & Nunes, 2002). O contexto, portanto, engloba os comportamentos, além das
situações imediatas, e prioriza as relações que são estabelecidas no tempo e no espaço e que
podem influenciar na brincadeira.
É dentro desse quadro referencial, que o estudo do desenvolvimento em contexto
específico surge e vem cada vez mais ganhando espaço, pois possibilita a investigação da
diversidade contextual o que o torna indispensável para a produção de conhecimento no
campo da Psicologia do desenvolvimento.
A criança, portanto, é estudada no contexto em que se desenvolve e investigada sobre
a ótica de que o seu desenvolvimento está diretamente ligado ao contexto. É dentro desse
quadro de referência científica que emergem investigações das diversidades contextuais.
Essas diversidades vêm sendo reconhecidas como importantes fatores a serem investigados e
necessários para a produção do conhecimento do desenvolvimento humano, pois diferentes
contextos podem implicar em desenvolvimentos distintos, porém, segundo Lordelo e
Carvalho (2006), com semelhantes potencias de adaptação.
É seguindo essa lógica que a teoria ecológica de Bronfenbrenner (1999) contrasta com
abordagens mais tradicionais, já que tal teoria traduz uma natureza sistêmica e a interconexão
entre pessoa-ambiente nos mais variados contextos.
Nesse modelo, o autor idealizou topologicamente, os contextos de desenvolvimento
como instâncias interligadas e interdependentes com a finalidade de entender os processos
que envolvem a pessoa e o ambiente, além de identificar propriedades e mecanismos
processuais. Enfatiza, portanto, a investigação em contextos naturalísticos e a adoção de
múltiplos recursos de análise para esse fim.
Bronfenbrenner (1996) surge como um dos melhores representantes de uma visão
ecológica e sistêmica do desenvolvimento humano. Seu modelo propõe, por meio teórico e
operacional, uma investigação que segue instâncias multifatoriais de interação como uma
complexa rede de relações formada pelo tempo, lugar, pessoa, atividade, papéis, instituições,
etc, interligada entre o sujeito e o meio.
Bronfenbrenner (1996) define ambiente como um sistema estruturado em quatro
instâncias, que se articulam e se influenciam: os microssistemas, definidos como padrões de
atividades, papéis e relações interpessoais experienciadas em ambientes singulares, onde as
pessoas interagem umas com as outras; os mesossistemas, identificados como sistemas que
envolvem relações entre diferentes locais de desenvolvimento (microssistemas); os
exossistemas, concebidos como estruturas sociais que incluem os micros e mesossistemas e
que influenciam as características dos sistemas e dos indivíduos em níveis mais simples; e os
macrossistemas, vistos como as estruturas sociais mais amplas, em termos de valores, normas
e sistemas políticos. Deve ser observado que o macrossistema não é um contexto
propriamente específico, mas uma determinação geral existente na cultura que padroniza e
regula o modo de viver das pessoas. Ressalta-se, ainda, que as três primeiras instâncias
encontram-se imersas, manifestadas ou concretizadas no macrossistema. O que é novo é a
maneira como essas entidades se relacionam entre si e no curso do desenvolvimento.
Assim, para Bronfenbrenner (1987) o desenvolvimento humano é “o conjunto de
processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para
produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida” (p.191).
Considerando às idéias, do modelo acima exposto, entende-se que os fenômenos
desenvolvimentais não podem ser analisados de forma descontextualizada, indissociável e
atemporal. Simultaneamente a isso, é necessário desbravar e conhecer todas as
potencialidades e limites impostos de cada ambiente e suas implicações para o
desenvolvimento da criança. Pode-se dizer, então, que o comportamento de brincar, assim
como qualquer outro, pode ser influenciado pelo ambiente onde a criança vive. Aliás, essa é
uma nova forma de olhar o estudo da atividade lúdica o que reflete aspectos contemporâneos
da psicologia do desenvolvimento, solidificando uma visão crescente que integra o
comportamento, neste caso o brincar, o contexto e a cultura.
Contexto e brincadeira, então, estão intimamente ligados, pois entende-se que
ambientes diferentes proporcionam modos de brincar distintos de acordo com cada meio
social, já que cada contexto tem aspectos culturais peculiares.
Segundo Faver (1999) citado por Santos e Bichara (2005, p. 284)
“O importante é entender ainda que crescer em comunidade
particular leva a diferentes resultados desenvolvimentais, no
caso da brincadeira, resultando em suas diferentes formas e
conteúdos. Além disso, estudar os efeitos culturais sobre o
indivíduo implica conhecer o ambiente em que as atividades
humanas ocorrem.”
Pode-se dizer que amparada por essa premissa, o universo científico tem realizado
pesquisas que relacionam brincadeira, contexto específico e desenvolvimento infantil, de
forma que possam revelar a influência dos fatores sociais, econômicos, políticos, geográficos,
familiares e culturais. É nesse contexto científico que as pesquisas são realizadas, pois se
pressupõem a influência de fatores culturais sobre a forma e o conteúdo da brincadeira (Elga,
Fenier, Kantor & Klein, 1988; Weiss 1989; Bonamigo & Kuder, 1990; Verba, 1993;
Machado, 1994; Melo, 1997; Bichara, 1999; Bomtempo, 1999; Johnson, Christie & Yawkey,
1999; Gosso, 2004 e; Ponte & Magalhães, 2003).
Essa nova forma de pensar e realizar pesquisas remete a necessidade de ter uma base
teórica consistente e atual que possa abranger e prover essa proposta de estudo, de forma que
ofereça uma base segura de análise do fenômeno observado de acordo com a realidade
pesquisada.
Algumas perspectivas teóricas sobre a brincadeira
Inúmeras são as teorias que se propõem explicitar sobre o propósito da brincadeira.
Muitas delas procuram explicar as condições antecedentes que conduzem este
comportamento, perspectiva funcional do brincar; outras tentam determinar o papel da
brincadeira no desenvolvimento infantil, Sociointeracionista e a perspectiva da Rede de
Significação; e há ainda pesquisadores que consideram a brincadeira como um processo que
envolve os aspectos evolutivo e cultural.
Em termos evolutivos e considerando os antecedentes que conduzem o comportamento
do brincar fala-se em função da brincadeira. Especificamente, a Psicologia Evolucionista vê o
brincar como uma característica presente no repertório comportamental de espécies que
possuem longo período de infância e imaturidade protegida, e grande potencial de
aprendizagem. É principalmente neste período que o brincar exerce maior influência, tendo,
portanto sido selecionado em virtude de possuir um valor funcional para a sobrevivência da
espécie. Dessa forma, seus benefícios devem refletir as funções para as quais foi selecionado
no decorrer da história de evolução. A atividade durante o brincar possui custos, como um
relativo consumo de tempo e energia da criança.
Bruner (1976) enfatiza que a brincadeira apresenta múltiplas funções e que a principal
seria a minimização das conseqüências da ação, isto é, uma minimização dos riscos,
proporcionando oportunidades para testar comportamentos, o que tornaria difícil em situações
normais, pelo receio de rejeição ou punição. Dessa forma, o autor afirma que a brincadeira
colabora para o desempenho de importantes habilidades essenciais à sobrevivência do
indivíduo no grupo.
Idéia semelhante é compartilhada por Smith (1982) que argumenta, em seu artigo
clássico “Aspectos Funcionais e Evolucionários da Brincadeira nos Animais e no Homem”,
que a função das atividades lúdicas para a espécie humana pode estar relacionada às práticas
indiretas de habilidades físicas (habilidades competitivas e físicas), de habilidades como
aprendizagem não competitiva (vinculação social, postos sociais, comunicação social,
habilidades sociais complexas) e de aprendizagem de habilidades cognitivas (manutenção de
instrumento), importantes para a sobrevivência da espécie.
Recentemente, Spinka, Newberry e Bekoff (2001), com o objetivo de investigar
também a função da brincadeira, propõem que o comportamento do brincar possibilita aos
animais o desenvolvimento de movimentos versáteis e de respostas emocionais emitidas,
“para se recuperar de situações aversivas inesperadas, nas quais os animais experienciam
perda de controle” (p.8). Os autores sugerem que essa é uma função única para a brincadeira
em mamíferos, o treino para o inesperado, tanto do ponto de vista motor quanto emocional.
Para a perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, que não faz uso da
funcionalidade, a brincadeira é um aspecto importante para o desenvolvimento infantil, tanto
para o aspecto emocional, como para o social e o cognitivo.
Nesta teoria, o brinquedo (brincadeira) é um instrumento de ligação entre o indivíduo
e o ambiente, desenvolvido no plano interpessoal e depois internalizado e dessa forma,
percebido a partir da realização das necessidades da criança. A realização dos desejos infantis
é entendida em seu sentido mais amplo, que inclui tudo aquilo que é motivo para a ação, pois
é nele que as crianças saciam os desejos que não podem ser realizados “na vida real”, pelo
menos imediatamente, reconstruindo um universo próprio.
Portanto, para Vygotsky (1984), o brinquedo deve ser considerado uma atividade
promotora de desenvolvimento. Para este autor, é por meio da interação interpessoal que o
processo do desenvolvimento é transformado, sempre subordinado a “zona de
desenvolvimento proximal”, pois a criança se comporta, no brinquedo, além do
comportamento habitual de sua idade. É como se ela fosse maior do que é na realidade. É
nesse sentido que a atividade lúdica atua como mediadora entre a criança e o seu mundo, é
um incentivo para colocá-la em ação, ou seja, fazer com que ela avance de um estágio para
outro.
Entendido dessa forma, o brinquedo é uma atividade imprescindível e essencial para a
aquisição ou construção de conhecimento e habilidades, pois nele a criança é livre para
determinar suas próprias ações e limites. O que implica acreditar na existência de uma
capacidade da criança em interagir com o mundo, como também a existência de uma
recriação de significados nos grupos de brincadeira com seus co-específicos.
Desse modo, pode-se dizer que a brincadeira é uma atividade contextualizada
socioculturalmente, significa dizer que ela releva e também representa propriedades do
sistema econômico, social e organizacional do contexto onde a criança se desenvolve.
Semelhante idéia é partilhada pela perspectiva da Rede de Significação, em que Costa,
Oliveira e Guanaes (2004) entendem que a brincadeira é um instrumento de ligação entre o
indivíduo e o social, funcionando para a exploração de lugares, pessoas, regras e situações, e
nesse sentido é um recurso privilegiado do desenvolvimento da criança.
A brincadeira seria, portanto, uma ocasião para recriação da cultura em um contexto
interacional cheio de conflitos e de intensas negociações, possibilitando refletir sobre as
formas de ação que ela e seus parceiros adotam e as regras sociais que as orientam, conforme
as examinadas pela ação, além de introduzir a criança no mundo das regras sociais.
Isso ocorre no momento em que a criança, ao brincar, se coloca no lugar do outro, por
exemplo, uma criança, mais velha, desempenhando o papel de pai atribui outro papel, como o
de filho ou de mãe, para outra criança. Com isso, ao brincar, a criança ultrapassa seu
comportamento diário e experimenta outros modelos e papéis, inserida em sua rede de
experiências sociais.
Idéia semelhante, porém com uma perspectiva ampliada, pode ser encontrada nos
estudos de Pontes e Magalhães (2003) que consideram que: “brincadeira é cultura”. Um dos
pressupostos da esta perspectiva é que a herança biológica e a cultura na qual o indivíduo está
inserido são componentes de um mesmo processo de desenvolvimento. Quando se fala em
herança biológica, portanto, fala-se na repercussão de nosso passado evolucionista sobre o
desenvolvimento ontogenético do ser humano, por meio da ação genética. Nesse sentido, se
introduz novas variáveis que contribuem para uma melhor e mais abrangente compreensão do
processo de desenvolvimento, sem negar a influência dos aspectos sociais e antropológicos.
A partir desta compreensão, Pontes e Magalhães (2003) fazem referência à discussão
da universalidade e especificidade da brincadeira como prática cultural. “Apesar de os jogos
tradicionais caracterizarem uma cultura local, é interessante a existência de certos padrões
lúdicos universais, mesmo observando-se diferenças regionais, como variações nas
designações, e nas regras e suas formas de utilização” (Pontes & Magalhães, 2003, p.117).
Seguindo a discussão acima, Charlesworth (1992) faz alusão a existência de duas
matrizes conceituais que contribuem para a psicologia do desenvolvimento e que estão
relacionadas a essa perspectiva. A primeira seria a noção de características típicas da espécie
(universais), comportamentos ou motivações que usualmente aparecem em diferentes
contextos culturais e históricos e que estão associados com a sobrevivência e perpetuação da
espécie. Já a segunda contribuição refere-se às diferenças individuais relacionadas a aspectos
do ambiente físico e social (mortalidade infantil, abuso, negligência, desnutrição, qualidade no
cuidado e na educação infantil, etc.), os quais; segundo a autora, devem ser analisados no
sentido de investigar quais fatores ecológicos, econômicos e culturais os modulam.
Ainda com relação à universalidade do brincar, Göncü, Tuerme, Jain e Johnson (1999)
alertam para dois aspectos: o primeiro deles é a idéia de que a origem, a freqüência e o
desenvolvimento das brincadeiras das crianças seguem os mesmos padrões em diferentes
partes do mundo; o segundo diz respeito às características específicas das brincadeiras, que
dependem do contexto em que a criança está inserida e dessa forma possibilitam pensar o seu
estudo não somente como uma atividade para entender o desenvolvimento psicológico, mas
com uma atividade válida o suficiente para estudá-la por si mesma.
A universalidade do brincar e sua importância para o desenvolvimento não exclui a
relevância em estudar o contexto onde a brincadeira ocorre, pelo contrário, leva em
consideração as especificidades culturais, pois são essenciais para indicar os fatores
universais e particulares do brincar.
É, portanto, uma nova forma de olhar a brincadeira e é apresentada não somente como
parte da cultura e presente na vida da criança e do adulto, mas como pertencente ao
patrimônio histórico da humanidade. Ela não só reflete a cultura de uma sociedade como é
encontrada na cultura, como um elemento antes da própria cultura, desde a origem da
civilização até os dias atuais (Carvalho, 1994).
Portanto, para Carvalho (1994) “a brincadeira é uma atividade social e cultural e
pressupõe um aprendizado” (p.51). Essa afirmação possibilita pensar que é por meio da
brincadeira que os participantes de determinado grupo resgatam valores, regras e habilidades
sociais fundamentais para o seu desenvolvimento. Esse ponto de vista possibilita pensar no
papel ativo dos agentes de criação e de transmissão de cultura.
É nessa perspectiva que Ponte e Magalhães (2003) assim conceituam a brincadeira
como: “rituais que se transmitem, repetidos ou recriados, em ambientes socioculturais
distintos.” (p.15).
O brincar, segundo essa perspectiva adotada, pode ser pensado como um
comportamento adaptado e adaptativo da espécie. Adaptado porque, visto de um tempo longo,
é comum a todos os membros da espécie; já se visto de um tempo curto é adaptativo, porque
se de todos da espécie brincam varia o como, onde, com que e com quem brincam.
Das várias formas e possibilidades de investigação da brincadeira, salienta-se esta
enquanto contexto privilegiado de interação social, um meio de desenvolvimento de
habilidades sociais, de teste de habilidades pessoais e de escolhas de companheiros (Pontes &
Izar, 2005).
Dessa maneira, pode-se dizer que as crianças constroem suas brincadeiras, recortam
pequenas ações das outras, ajustando-se a elas, seja repetindo-as integralmente ou
parcialmente, acrescentando-lhe algo, ou até substituindo partes delas, e regulando-se
continuamente pelo confronto com as ações. O recorte e o ajustamento compõem uma
linguagem cujo compartilhamento construído na situação interativa se manifesta nos acordos
alcançados e na efetivação de seqüência interativa. (Bonamigo & Kuder, 1990; Kishimoto,
1993; Carvalho & Pedrosa, 1995).
A brincadeira
A importância dada ao brincar como uma atividade inerente e essencial da infância
tem sido amplamente reconhecida. Esse aspecto contribuiu para que a brincadeira tenha sido
objeto de várias investigações científicas nas mais diversas áreas de conhecimento, como a
Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, a Etologia, a Filosofia, etc. Todavia, apresenta
ainda uma série de dificuldades conceituais, visto que é um fenômeno estudado com visões e
modelos teóricos distintos.
Diante da dificuldade de conceituar a brincadeira, e por mais familiaridade que se
tenha com esse assunto, não se chegará a uma definição consensual do brincar. Isso acontece
por várias razões, mas principalmente porque o brinquedo e a brincadeira se apresentam de
várias formas e sempre se intercalam com atividades consideradas não lúdicas em contextos
distintos.
Diferentes maneiras de definição de brincadeiras podem ser encontradas na literatura,
porém na maioria das vezes são conceitos vagos, imprecisos que recortam apenas um aspecto
da brincadeira descrevendo somente um fator, como a situação, o comportamento ou o estado
interno. Johnson, Christie e Yawkey (1999) consideram que essas definições são impróprias e
inválidas se tomadas em sua íntegra, porém entendem que não podem ser excludentes e
devem fazer parte de uma visão que percebe a brincadeira como um fenômeno holístico.
A dificuldade aumenta quando se percebe a mesma problemática no conceito de jogo
e brinquedo. Essa questão é maximizada à medida que se identifica brinquedo, jogo, e
brincadeira como sinônimos. Diante disso, se faz necessário tentar esclarecer e diminuir essa
complexidade conceitual e fazer a distinção desses três conceitos, porém de maneira
integrada e sem a pretensão de declarar conceitos totalmente acabados.
O brinquedo, por sua vez, supõe uma relação íntima com a criança e uma
indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua
utilização (Kishimoto, 1993).
O jogo pode ser definido como um sistema de regras que permite identificar, em
qualquer jogo, uma estrutura seqüencial que especifica sua modalidade (Avedon & Sutton-
Smith, 1971).
Em relação à brincadeira, Johnson, Christie e Yawkey (1987) ponderam a partir de
algumas características: a não-literalidade que corresponde ao fato de que as situações de
brincadeira são caracterizadas por uma realidade interna sobreposta à externa, ou seja, a
criança recria ou reconstrói os eventos lúdicos; o efeito positivo, o qual é representado pelo
sentido do prazer ou da alegria; a motivação intrínseca da criança para o brincar; a prioridade
do processo de brincar cuja atenção está concentrada na atividade em si e não em seu
resultados ou efeitos; e a livre escolha, pois segundo os mesmos autores, só é brincadeira
quando sua escolha for livre e espontânea.
Uma possível definição a respeito do conceito de brincadeira, de acordo com
Kishimoto (1993), é que este se caracteriza como um comportamento que possui um fim em si
mesmo, que surge livre, sem noção de obrigatoriedade e exerce-se pelo simples prazer que a
criança encontra ao colocá-lo em prática. Pellegrini e Smith (1998) concordam com este
conceito e acrescentam que, a partir dele, a importância do brincar estaria mais no seu próprio
processo (meio), do que em seus benefícios futuros (fins).
Diante dessas prerrogativas, vários estudos têm se proposto a investigar como e
porque as crianças brincam, além de compreender episódios de brincadeira que possibilitem
identificá-las. Essa tarefa parece ser inevitável, quando se estuda brincadeira, e para isto é
necessário que critérios sejam criados para identificar que determinado comportamento é uma
brincadeira. No entanto, isso nem sempre é possível, visto que o brincar é um comportamento
complexo e suas definições constituem-se, muitas vezes, insuficientes.
Apesar disso, Bichara e Santos (2005) colocam que adotar uma definição de
brincadeira e estabelecer critérios de identificação são aspectos imprescindíveis e norteadores
para o pesquisador que estuda a atividade lúdica. Com relação à identificação de um evento de
brincadeira, Carvalho e Yamamoto (2002) afirmam que ela é facilitada pelo olhar do
pesquisador, pois a criança ao brincar dá pistas faciais e corporais que são facilmente
reconhecíveis (como o riso e a descontração). Diante disso, Bichara (1994) estabelece dois
critérios de identificação de episódios de brincadeira: a verbalização e o comportamento
motor da criança. Segundo a autora, estes dois aspectos dão uma pista se a criança está
brincando e também do que ela brinca.
Embora a brincadeira seja uma atividade universal entre as crianças de diferentes
populações, cada cultura possui uma forma peculiar de expressão que é um reflexo das
características ambientais específicas. Segundo Moraes e Otta (2003), tanto a brincadeira
como os brinquedos que ela pode envolver estão marcados pela identidade cultural e por
características sociais específicas de um grupo social. Diante disso, pode-se dizer que ao
mesmo tempo em que a brincadeira constitui-se como uma característica universal, ela possui
aspectos específicos que irão depender de diversos fatores, tais como ambiente físico, social,
cultural e as características da criança.
Para ilustrar o caráter universal e singular da brincadeira, pode-se citar uma conclusão
de Gosso (2004) após a realização de seu estudo com índios Parakanã. Para a autora as
crianças representam as atividades dos adultos de sua cultura na brincadeira, fato que também
foi verificado em estudos realizados com crianças de outras culturas. Nesse caso, observar e
estudar o que ocorre na comunidade, assimilar, interpretar e representar a seu modo pode ser
considerado como um aspecto universal do brincar infantil. Enquanto o que é representado
seria uma característica mais específica que depende da cultura em que a criança está inserida.
Segundo Santos e Bichara (2005), essa universalidade e especificidade da brincadeira
não são mutuamente excludentes, mas complementares. Com relação à reconstrução da
realidade vivenciada a partir das experiências adquiridas pela criança em seus espaços físicos
e culturais. Santos e Bichara (2005) colocam que esse fato não é visto apenas como uma
repetição dos eventos vistos ou ouvidos, uma vez que a criança cria e recria, combinando o
antigo com o novo.
Seguindo essa perspectiva, Corsaro (1985) entende a brincadeira como produções
coletivas e inovadoras, sendo que a criança não é agente passivo, mas contribui para a
reprodução da cultura adulta, assim como para a produção de culturas particulares entre os
parceiros de brinquedos.
Segundo Gosso (2004), as crianças parecem viver em uma cultura à parte da dos
adultos. É uma cultura dentro da outra, sendo que uma interfere na outra. Adulto e criança
estão em contato com a cultura do outro e participam dela também. Dessa forma, aos poucos a
criança aprende a fazer parte da cultura do adulto e sem perceber passa a compartilhar com a
cultura dele. Isso acontece porque, de acordo com Bussab e Ribeiro (1998), a criança é um ser
biologicamente cultural, ou seja, possui uma tendência inata para a cultura e é por meio dela
que se constitui enquanto ser humano.
Pra quem se propõe estudar a brincadeira é necessário não somente uma definição
clara desse fenômeno, mas ao mesmo tempo, o estabelecimento de critérios que possibilitem
além de identificá-la, classificar e descrever a brincadeira, já que elementos das brincadeiras
são norteadores e essenciais no estudo dessa atividade.
Considerando as especificidades dos contextos, Kishimoto (1993) alega que cada
contexto social constrói uma imagem de jogo conforme seus valores e modo de vida, que se
expressa por meio da linguagem.
Brougére (1998) acredita também, que todo pesquisador deve estabelecer critérios
para avaliar e identificar uma atividade lúdica, uma vez que considera que a brincadeira é
influenciada por valores culturais de determinado contexto. Este autor parte do pressuposto
de que a atividade do brincar é contextualizada socioculturalmente, isto quer dizer que todo
estudo deve, necessariamente, ser ajustado ao ambiente onde o brincar ocorre. Assim, para o
autor, à distância e à teorização da realidade experienciada em cada contexto pode ser
reduzida. É a partir desse ponto de vista, que critérios de classificação devem,
necessariamente, ser estabelecidos seguindo a lógica contextual.
A classificação das brincadeiras, portanto, é um importante aspecto a ser considerado
pelos pesquisadores da área, na tentativa de se aproximar do fenômeno da brincadeira. Essa
classificação ajuda não só a sistematizar e categorizar a brincadeira como também pode
indicar propriedades particulares do contexto e sinalizar indicadores fundamentais para o
desenvolvimento infantil, já que a brincadeira é entendida como atividade processual
reveladora dos fatores sociais e culturais de onde a criança se desenvolve.
Dentre as várias classificações, pode-se citar a proposta de Kishimoto (1993) voltada
para a educação infantil:
(1) Brinquedo infantil (jogo educativo), cuja finalidade é a utilização pedagógica, é
um instrumento para situações de ensino-aprendizagem;
(2) Brincadeira tradicional infantil, filiada ao folclore, que incorpora a mentalidade
popular, se expressa, sobretudo, pela oralidade;
(3) Brincadeira de faz-de-conta é também reconhecida como simbólica, representação
de papéis ou sociodramática. É a que deixa mais evidente a presença da situação imaginária;
(4) Brincadeiras de construção são atividades que direcionam para a construção de
algo, como os brinquedos de tijolinhos.
Essa classificação é caracterizada por ser muito geral, pouco coesa, quanto aos
aspectos dinâmicos e estruturais da brincadeira, e particularmente, direcionada à área da
educação.
Além dessa proposta, há a classificação de Parker (1984) que está fundamentada em
um arcabouço teórico maior, os estágios de desenvolvimento de Piaget. Sua classificação é
composta de seis tipos de brincadeiras:
(1) Brincadeira por contingência de exercício sensório-motor contribui para que a
criança seja levada a exercitar vários elementos: os comportamentais, as relações espaciais e
causais, além de possibilitar que o participante aprenda a usar a força e a função dos objetos;
(2) Brincadeira de contingência social, é caracterizada pela alternância de papéis e há
uma resposta verbal, facial e de sinais ao outro, “pleasure in the ability to produce contigent
responses in others, and to respond contingently to others” (p.275);
(3) Brincadeiras simbólicas ou imaginativas em que as crianças imitam ou
dramatizam atividades diárias como dormir, comer, viajar e etc;
(4) Brincadeira turbulenta/agonística que é caracterizada por exercícios de lutas,
brigas e perseguição. A única distinção de uma luta real é o sorriso das crianças envolvidas;
(5) Jogos de construção são identificados por objetos que servem para empilhar ou
construir um outro objeto maior;
(6) Brincadeira e jogos de regras são representados por jogos de campo como futebol,
jogo de tabuleiro como a dama, jogos de cartas e etc.
Segundo Moraes e Otta (2003), a maioria das brincadeiras apresenta algumas destas
classificações simultaneamente e propõem que o critério de classificação não seja aleatório,
entendendo somente um aspecto, mas sim a partir da complexidade da brincadeira: exercício
físico, contingência social, turbulência, construção, regra e simbólica.
Entre essas classificações encontradas na literatura, há a desenvolvida por Avedon e
Sutton-Smith (1971) que tem como perfil a exaustão, contudo ela se prende somente à
descrição dos elementos estruturais dos jogos. Para o autor estes elementos não estão
acabados e dessa maneira, outros recursos podem ser adicionados a esses apresentados a
seguir, são compostos de um total de 10 itens:
(1) propósito do jogo, está relacionado à finalidade que o jogo se destina;
(2) procedimento para ação cuja identificação é feita pelas operações específicas de
ações exigidas para o desenvolvimento do jogo;
(3) regra que é o princípio fixado que determina a conduta e o padrão para o
comportamento;
(4) participantes, ou seja, número mínimo ou máximo necessário para a ação;
(5) papéis dos participantes que indicam a função e o status, sendo que o papel ou a
função podem ser diferenciados de cada participante ou pode ser a mesma;
(6) resultado ou recompensa do jogo;
(7) habilidades requeridas para as atividades que são identificadas pelos aspectos de
três domínios comportamentais, utilizados em determinada atividade. Esse elemento é
subdividido em três categorias: domínio cognitivo que inclui o simbólico, processos
operacionais, como memória e cognição; domínio sensório – motor que inclui os movimentos
do corpo, habilidades motoras manipulativas; domínio afetivo referente aos fatores
semióticos que estimulam as emoções e a identificação;
(8) padrões de interação que podem ser identificados por:
a) Intraindividual: A ação se dá envolvendo somente a ação da pessoa participante,
não requerendo nenhum contato com outra pessoa ou objeto. Não há , portanto, competição.
b) extraindividual: A ação é dirigida por uma pessoa para um objeto no ambiente, não
requerendo nenhum contato com outra pessoa. Também não há competição.
c) Agregado: A ação é dirigida por uma pessoa para um objeto no ambiente, o que se
dá na companhia de outras pessoas que também dirigem suas ações para o mesmo objeto, não
há necessidade de interação entre ás pessoas, contudo dá-se à competição.
d) Interindividual: É uma ação de natureza competitiva dirigida de uma pessoa para a
outra, ocorrendo à competição.
e) Unilateral: É uma ação de natureza competitiva que se dá entre três ou mais
pessoas, e estabelece-se a partir de díades competitivas simultâneas, ou seja, dento do jogo,
disputa-se apenas com um dos participantes e não com todos ao mesmo tempo.
f) Multilateral: A ação é de natureza competitiva que se dá entre três ou mais pessoas,
sendo que nenhuma destas é antagonista da outra, cuja intenção seria procurar vencer.
G) Intragrupo: A ação é de natureza cooperativa que ocorre entre duas ou mais
pessoas com o intento de alcançar uma meta mútua.
h) Intergrupo: É uma ação de natureza competitiva entre dois ou mais intragrupos.
(9) O ambiente é sub-categorizado em físico, espaço natural onde a ação acontece ex.
quadra e as exigências ambientais, que são as circunstancias naturais indispensáveis ou
obrigatórias, ex. piscina;
(10) os equipamentos, último elemento requerido, identificados pelos objetos naturais
empregados no decorrer da ação, ex. raquete.
Pontes e Magalhães (2003) adicionam aos itens acima outros que consideram
relevantes para a descrição do jogo: (11) período da ocorrência, resumido como horário e
época do ano em que ocorre determinada brincadeira; (12) faixa etária dos participantes; (13)
verbalizações típicas encontradas; (14) formas de brincar, variações encontradas na prática do
mesmo jogo; (15) a terminologia e a relação com o vocabulário típico do contexto da
brincadeira. De forma complementar, esses autores consideram que o item 3 de Avedon e
Sutton-Smith (1971) não é codificado verbalmente, podendo ser subdividido em regras
explicitas e implícitas, sendo essa última inferida de comportamentos padronizados
encontrados no jogo.
Pode-se concluir que os vários estudos que relacionam brincadeira e desenvolvimento
infantil, procuram detectar a influência dos fatores geográficos, socioculturais, econômicos, e
familiares (Ponte & Magalhães, 2003; Bichara, 1999; Johnson, Christie & Yawkey, 1999,
Gosso, 2004). E é dentro desse contexto teórico que se entende a relevância dos estudos em
contextos específicos.
Nesse sentido, a diversidade geográfica e cultural presente no Brasil possibilitam a
observação das várias formas e conteúdos do brincar, o que contribui e se constitui num rico
campo de investigação da brincadeira como “prática cultural e dinâmica entre seu caráter
universal e as especificidades existentes em função dos ambientes socioculturais distintos”
(Santos & Bichara, 2005, P.209). Utilizando, ainda, a cultura e o modo de vida da população
brasileira como referencial de análise, contribuindo para o engrandecimento da psicologia de
desenvolvimento no contexto brasileiro e promovendo pesquisas no nível intercultural.
Diante dessas considerações, o estudo em questão se deu em uma comunidade
denominada de ribeirinha, localiza a beira de rio Araraiana. A sua escolha se deu em função
do isolamento sociogeográfico e de suas peculiaridades locais como: ausência de energia
elétrica, isolamento entre as casas e carência de saneamento básico.
DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA
Nesta pesquisa, entende-se que o estudo da diversidade cultural é fundamental para a
compreensão do processo do desenvolvimento humano, pois nos contextos específicos, como
o da comunidade do rio Araraiana, pode-se identificar aspectos que revelam as
particularidades do contexto físico, social e cultural de determinada localidade e com isso
revelar indicadores do desenvolvimento infantil.
O contexto específico, neste caso, a região amazônica apresenta particularidades que
lhe são próprias como o isolamento sociogeográfico, que em função da floresta Amazônica e
dos rios extensos, barreiras naturais, dificultam a locomoção e maximiza o isolamento. Pode-
se dizer que o isolamento e o distanciamento do contexto urbano contribuem para que a
população ribeirinha esteja adaptada ao contexto sociogeográfico onde vive.
Com características semelhantes, a comunidade do rio Araraiana localizada na ilha do
Marajó, no Estado do Pará, tem como características principais o isolamento geográfico,
moradias em sistemas de palafitas e o modo de vida estruturado no extrativismo o que
contribui para o estudo da diversidade cultural.
Essa comunidade exibe, ainda, a peculiaridade de se definir em função de sua relação
com o rio. O rio, presente em vários momentos da vida deste povo, encontra-se representado
em suas lendas, medos e desejos. Pode-se falar em uma verdadeira cultura do rio. Parte dessa
cultura é influenciada pela própria dinâmica do rio. Seus momentos de cheia e vazante
organizam a rotina de quem vive em seu entorno. O rio, por outro lado, faz o duplo papel de
propiciar vínculos e afastamentos, ou seja, o rio atua como obstáculo ambiental e meio de
contato, uma barreira e ponte ambiental, criando e restringindo as possibilidades de interação
principalmente entre as crianças.
Para Harris (2000), o rio representa a “metonímia do ser ribeirinho”, aquilo que ao
mesmo tempo cria vínculos e isolamentos entre as pessoas. Desse modo, a peculiaridade de
isolamento desta população constitui um dos aspectos que delineiam a relevância deste
estudo.
Em termos socioculturais, o rio pode sistemicamente favorecer o desenvolvimento de
culturas típicas de brincadeira de determinadas famílias, pois a condição de isolamento que
lhes são impostas dificulta o compartilhamento de culturas de pares.
Pensar desenvolvimento como um processo eminentemente relacional, no qual estão
postos os aspectos do contexto físico e sociocultural implica levar em conta as diferentes
identidades envolvidas e assim a necessidade de aprofundar o conhecimento das práticas
culturais desses sujeitos, neste caso, as situações de brincadeiras, pois é uma forma de estar
revelando parte da cultura que neste caso é a cultura da brincadeira ribeirinha.
Nesse sentido, entende-se que o estudo em contextos particulares pode indicar
diferentes formas de desenvolvimento, assim como formas e conteúdos das brincadeiras
distintas e específicas, uma vez que estão diretamente ligadas ao contexto onde são exercidas.
Mesmo reconhecendo a importância dos estudos em contextos particulares, grande
parte dos estudos de brincadeira centra-se em contextos urbanos. As pesquisas sobre
brincadeira ainda estão centradas em contextos padronizados e organizados por adultos, como
pode ser observado nos trabalhos em escolas e em creches (Kishimoto, 1997; Martins e
Szymanski, 2004; Silva, Vieira, Guimarães, Frank e Hipper, 2005; Poleto, 2005; Carvalho,
Alves e Gomes, 2005; Pedrosa, 2005; Cruz e Carvalho, 2006; Foresti e Bomtempo, 2006;
Roble e Gil, 2006; Lordelo e Carvalho, 2006).
Apesar de existir uma diversidade de trabalhos em Psicologia realizados com
brincadeira, há ainda poucos desenvolvidos em contextos culturais específicos. A
particularidade de determinados contextos culturais pode corroborar para a compreensão da
relação da brincadeira com esse contexto. É nesse sentido que trabalhos como Bichara,
(1999), Pontes e Magalhães, (2003); Gosso, (2004); Silva, Pontes, Silva-Bahia, Magalhães e
Bichara, (2006); Gosso e Otta, (2006); tem corroborado para uma perspectiva da relação
brincadeira e cultura.
Além do mais, diferente dos contextos urbanos, há uma riqueza a mais nos contextos
específicos e que é possível de ser visualizada quando se pensa em contextos não urbanos,
pois possibilita identificar os fatores culturais que influenciam na brincadeira, na autonomia
do mundo infantil e na transmissão da cultura de brincadeira entre pares.
OBJETIVOS
Eu gosto é da capoeira, Do meu chalé de madeira Feito na beira do rio. (Ivan Cardoso e Alfred’ Moraes - Poetas Paraenses)
OBJETIVOS
Objetivo Geral:
O Principal objetivo que norteou a realização dessa pesquisa foi investigar,
caracterizar e descrever as brincadeiras das crianças de uma comunidade ribeirinha da ilha do
Marajó (Pa) e discuti-las em função do modo de vida.
Objetivos Específicos:
Com a finalidade de identificar e caracterizar as peculiaridades do grupo de
brincadeira e da comunidade ribeirinha objetivou-se também.
• Caracterizar sociodemograficamente a população ribeirinha investigada.
• Identificar e caracterizar os contextos físico e social onde as brincadeiras
tradicionais são exercidas.
• Identificar e descrever as brincadeiras partilhadas pelas crianças da
comunidade estudada.
MÉTODO
A sombra da mata, mata, A relva do chão da mata Que a pata do sol não pisa... (Ivan Cardoso e Alfred’ Moraes - Poetas Paraenses)
Fundamentação da escolha metodológica
Esta pesquisa tem como parâmetros metodológicos uma abordagem ecológica que
privilegia os estudos realizados em ambientes naturais e a análise da participação de pessoas
focalizadas no maior número possível de ambientes e em contato com diferentes pessoas,
díades e tríades (Bronfenbrenner, 1996 e Hinde, 1987).
Essa abordagem, além de considerar os elementos ambientais, ressalta a importância
do estudo contextualizado e entende que o ambiente natural é o lócus privilegiado para a
pesquisa do desenvolvimento humano, com destaque para métodos e análises que viabilizem
a descrição e a compreensão dos sistemas sociais, de maneira mais contextualizada possível.
(Bronfenbrenner, 1987).
A partir dessas configurações contextuais, o delineamento da estratégia de pesquisa,
aqui configurada, procurou unir a investigação quantitativa e qualitativa. Nessa direção, foram
utilizados instrumentos quantitativos como o inventário sociodemográfico, o check-list e o
inventário de brincadeiras tradicionais, aliados as técnicas qualitativas de coleta e análise de
dados como os diários de campo (Bogdan & Biklen, 1994).
Esta pesquisa é caracterizada, ainda, como ecológica à medida que a realização do
estudo específico e a discussão dos resultados não ignorem os fatores sociais, políticos e
econômicos e suas possíveis influências no processo estudado.
Para a realização de pesquisa do desenvolvimento em contexto, Bronfenbrenner
(1979/1976) propõe, ainda, a “validade ecológica”, em que o pesquisador deve
necessariamente presumir ou supor as formas de apreensão do meio ambiente vivenciado pelo
sujeito. A utilização desse conceito remete em considerar como o objeto de pesquisa foi
percebido e interpretado pelo grupo de pesquisadores, por meio dos métodos naturalísticos,
como a descrição etnográfica, estudos de caso e observação em contexto que passam a ser de
extrema relevância, evitando assim, formas errôneas de interpretação.
O modelo ecológico explicita, também, a necessidade dos pesquisadores estarem
atentos para a diversidade que caracteriza o homem como seus processos psicológicos, sua
participação dinâmica nos ambientes, suas características pessoais e sua construção histórico-
sociocultural.
E para que isso ocorra é necessário que o observador realize mais do que um simples
registro das situações e fatos. Para Cecconello & Koller (2004) é essencial que aja no
pesquisador uma mudança de comportamento, integrando-se ao ambiente e tornando-se o
mais próximo possível de todos os aspectos que circundam o contexto estudado. As autoras
conceituam essa forma de observação participante como “inserção ecológica”.
As pesquisas baseadas no modelo ecológico do desenvolvimento optam pela
observação participante como alternativa metodológica. A observação participante busca,
assim, estabelecer uma participação adequada dentro do grupo pesquisado, na forma mais
natural possível, de modo a reduzir o processo de estranheza recíproca e levar a observação
dos fatos, situações, rotinas atividades que seriam alterados na frente de estranhos, de formas
que o indivíduo seja capaz de revelar ações, atitudes, falas, episódios, que de uma forma
diferente, poderiam ser escondidos. (Martins, 1996)
Em função dessas premissas, os passos metodológicos foram progressivos, os quais
implicaram em aproximações sucessivas, tornando possível um constante redimensionamento
das etapas metodológicas como formas de contato com os participantes, estratégias de coletas
de dados, revisão e reconstrução dos instrumentos.
À medida que se teve clareza das possibilidades de investigação, foram utilizadas
estratégias de procedimentos direcionados aos objetivos específicos do projeto.
Diante dos aspectos expostos, a investigação em questão foi dividida em dois
momentos. No primeiro momento, foram levantados dados gerais com vista a caracterizar a
comunidade onde a pesquisa seria desenvolvida. No segundo momento, procurou-se realizar
um estudo do levantamento das brincadeiras envolvidas nessa atividade.
Aspectos contextuais da pesquisa.
Nesta pesquisa, os aspectos contextuais são representados pelo ambiente físico,
cultural e social, tanto da região amazônica quanto da comunidade do rio Araraiana (Micro-
região da Pesquisa). Sua descrição é de fundamental importância, já que possibilita o leitor
situar-se em que contexto esta investigação ocorreu, além de informar sobre as características
peculiares dessa comunidade ribeirinha.
A Amazônia apresenta um perfil peculiar representado pela sua grandeza territorial e
sua riqueza natural. Essas especificidades são resultados, não somente do aspecto geográfico,
mas, principalmente da relação existente entre os diferentes elementos naturais, como a
vegetação, o clima, o solo, os rios, o relevo e a população nativa da região.
Dentro dessa diversidade amazônica, pode-se localizar a ilha do Marajó, a maior ilha
fluviomarítima do mundo, encontrada na foz do rio Amazonas. Etimologicamente, a palavra
marajó vem do indígena Mbarayó que significa “anteparo do mar” ou “tapa-mar” (IBGE,
2006 www.ibga.com.br.), aspecto que pode ser contemplado nos mapas da região.
A ilha apresenta aproximadamente 40.100 km2 (Wikipédia, 2007,
www.Wikipédia.com.br) de extensão territorial, cercada pelos rios Amazonas e Pará, com
mais de mil anos de História e cultura. Em sua magnitude geográfica, encontram-se inúmeras
comunidades ribeirinhas, a maioria isolada dos grandes centros urbanos.
Repartida em 13 municípios, (Ver figura 01) a ilha tem relevo relativamente plano,
com áreas de terra firme, várzeas e igapó, influenciadas pelo fluxo e refluxo das marés e o
índice pluviométrico alto em determinada época do ano. Sua vegetação é diversificada com
algumas partes da ilha coberta por florestas e, outras por campos naturais como a vegetação
do tipo savana.
Figura 01: Mapa representativo da Ilha do Marajó e seus Municípios.
Entre os municípios que compõem a Ilha do Marajó está o de Ponta de Pedras, um dos
municípios mais pobre economicamente desta região, com total de 19.856 habitantes
(Wikipédia, 2007, www.Wikipédia.com.br). Por ser um município extenso, com
aproximadamente 3.380,30 Km2 (Wikipédia, 2007, www.Wikipédia.com.br), apresenta
muitas comunidades distantes do centro comercial, o que dificulta à locomoção da população
à sede do município, e conseqüentemente o acesso as quaisquer recursos básicos. Esses
lugarejos, algumas vezes estão mais perto da sede de outros municípios do que de sua
própria, como exemplo, a comunidade do rio Araraiana que pertence geograficamente a
Ponta de Pedras, mas está mais próximo da sede do município de Abaetetuba.
O lugar conhecido como comunidade do Rio Araraiana, às proximidades da Fazenda
São Francisco (base de pesquisa), distante da capital do Pará, Belém, cerca 4 horas de viagem
de barco local é o local desta pesquisa. Descrição mais detalhada da comunidade Araraiana
pode ser encontrada no item comunidade.
Base de pesquisa
No decorrer do estudo científico, a base de pesquisa foi o hotel fazenda São Francisco,
local conhecido pelos moradores ribeirinhos como Ponta do Malato. Em acordo firmado com
os proprietários, foram concedidas as instalações estruturais do hotel para a permanência do
grupo de pesquisa durante a realização dos trabalhos científicos (Ver figura 02). Um dos
pontos acordados constava que não haveria nenhum ônus, por parte do proprietário, cabendo
aos pesquisadores arcarem com todas as despesas, desde alimentação até o gasto de
combustível para a iluminação elétrica do hotel.
Dentre as instalações, o hotel possuía um funcional sistema de energia elétrica, movido
a motor, viabilizando o trabalho na armazenagem dos dados no computador. Além desse
facilitador, o hotel contava também com um porto que facilitava a locomoção do grupo de
pesquisa ao rio Araraiana e servia ainda de entreposto para outras embarcações que
transitavam pela região. O fluxo constante de pessoas de outras localidades contribuiu para a
obtenção de informações importantes para o armazenamento do banco de dados da pesquisa.
Figura 02: Foto do local onde está localizada a base de pesquisa
Participantes
De maneira geral, pode-se dizer que todos os moradores da comunidade foram sujeitos
desta investigação científica. O perfil populacional da comunidade é de um total de 22
famílias, que se situa em torno de 125 indivíduos, sendo 60 adultos e 66 crianças e
adolescentes (Ver figura 03).
FEMININO MASCULINO
010 05125 1005 125
0 - 0607 - 1213 - 1819 - 2425 - 3031 - 3637 - 4243 - 4849 - 5455 - 6061 - 6667 - 7273 <
FAIX
A
ETÁ
RIA
( A
NO
S )
POPULAÇÃO TOTAL
Figura 03: Distribuição da população do rio Araraiana (dados brutos) em função das
categorias: idade e sexo.
Em função das fases distintas e da realização dos objetivos específicos desta pesquisa,
os sujeitos foram divididos em dois grupos, os quais participaram em etapas subseqüentes.
1º grupo: Na primeira etapa, participaram os responsáveis das 22 casas da comunidade
do rio Araraiana e teve como objetivo realizar o levantamento dos dados socioeconômico e
demográficos de cada família, assim como dados gerais da comunidade, além de algumas
questões exploratórias sobre a brincadeira e os contextos em que ocorrem.
2º grupo: Na segunda etapa, participaram da pesquisa todas as crianças e adolescentes
do rio Araraiana, pois foram registradas brincadeiras dentro do grupo etário de 5 a 18 anos.
Essa faixa de idade foi escolhida em função do grau de dificuldade em responder os
instrumentos.
Informante
O informante foi um morador da comunidade, residente e caseiro da fazenda São
Francisco, foi participante à medida que facilitou o vínculo da equipe de pesquisa com a
comunidade e serviu como fonte de informações complementares sobre as atividades
cotidianas dos moradores do rio.
Comunidade
Todo o processo de investigação científica foi desenvolvido em uma comunidade
situada no Rio Araraiana, no município de Ponta de Pedras-Marajó-Pará-Brasil (Ver figura
04). A escolha dessa comunidade se deu principalmente em função do isolamento geográfico
e das condições socioeconômicas. Além desse fator, outras características típicas compõem a
justificativa da escolha, por exemplo, a inacessibilidade aos serviços públicos como energia
elétrica, saneamento e as condições de moradias.
Apesar de sua singularidade, a comunidade do rio Araraiana encontra-se em total
abandono político, social e econômico, fator que pode ser observado no descaso em relação à
escola e ao saneamento, como água tratada e esgoto, revelando a ausência quase que total do
Estado.
Figura 04: Mapa representativo do local onde se situa a comunidade do
Araraiana/Marajó/Ponta de Pedras/Pará.
A vegetação e o rio
Como característica física, a comunidade tem uma área predominantemente de
florestas, com campos alagados e áreas de terra firme. Uma vegetação diversificada de onde a
comunidade usufrui dos recursos naturais, como a coleta de frutos, a caça, a pesca, além da
retirada de matéria prima para a construção das casas e de alguns brinquedos. A rica e
diversificada vegetação encontrada, de uma forma ou de outra, tem alguma função para os os
moradores ribeirinhos.
Para exemplificar, pode-se apresentar o Miriti (Maurita flexuosa L.), também
denominada de buriti do brejo, palmeira abundante na Amazônia que predomina nos locais
baixos e alagadiços. É uma das palmeiras mais importantes da Amazônia, pois desempenha
um papel relevante no cotidiano das populações da região, uma vez que dela tudo é
aproveitável. O miriti além de se tirar o “vinho” do fruto, sua tala serve para fazer o matapi1 e
sua palma para construção de brinquedos de Miriti, muito utilizado pelas crianças da região.
Seu tronco é utilizado como entreposto entre o rio e as casas caboclas, uma vez que apresenta
como característica natural a capacidade de flutuar na água, subindo e descendo conforme a
maré.
Outra palmeira muito significativa na região é a Euterpe Oleracea, vulgarmente
chamada como “açaizeiro”, é um dos vegetais de grande tradição tanto econômica como
social, pois representa muito para a dieta alimentar da região. O aproveitamento desse
vegetal se dá de muitas maneiras, mas, principalmente, pela extração do fruto (Açaí) que
produz suco bastante nutritivo e pela extração, mas recente do palmito (parte retirada do
caule). No entanto, o palmito não representa tanto para alimento da população quanto o
suco produzido do fruto em si.
Jupati é também outra palmeira nativa da região, tem na exploração da tala a
principal fonte de renda dos moradores. Essa matéria prima é utilizada na confecção de
matapi, na construção das paredes e assoalhos das casas dos ribeirinhos e também na
fabricação do Pari (curral construído para capturar peixe).
1 Objeto construído pelos ribeirinhos para a pesca do camarão - uma espécie de gaiola, que serve para prender o camarão, sua arquitetura é produzida de tal forma que o camarão quando entra não consegue sair.
Diante da diversidade da vegetação (Ver figura 05), outras árvores nativas da região
ajudam a complementar a alimentação e o orçamento familiar, principalmente as frutíferas:
A seringueira, o jambeiro e a andirobeira, são exemplos de vegetais nativos com expressivo
valor econômico para os ribeirinhos.
Figura 05: Foto da vegetação característica da localidade do rio Araraiana.
O rio
Outra característica marcante dessa comunidade tipicamente amazônica é o rio. O rio
Araraiana tem aproximadamente 5 Km de extensão e pode ser considerado um rio pouco largo
para os padrões regionais, com aproximadamente 100 m. É um braço de rio que deságua na
baia do Marajó com água barrenta e que apresenta um ciclo de enchente e vazante. Na maré
baixa, o rio se torna raso e apresenta pontos que impedem a passagem dos barcos de grande e
médio porte; na preamar, permite a navegação em toda sua totalidade. Serve como principal
via de locomoção, e ao mesmo tempo, é um importante logradouro para a pesca (Ver figura
06). Além de possibilitar a sua navegação, ele é essencial para a população, pois é o principal
distribuidor de água: para beber, cozinhar e lavar roupa. Esse rio além de representar uma
fonte de vida para essa população, também exerce um poderoso respeito que advém das lendas
amazônicas e do medo de animais, como pirararas e jacarés.
Figura 06: Foto do rio Araraiana e do barco pô, pô, pô. (Onomatopéia do barulho do
motor)
Material
� Caderno de registro das notas de campo;
� Canetas e pranchetas;
� Computador Pentium IV;
� Máquina fotográfica digital;
� Formulários de coletas (Ver os anexos)
Técnicas e instrumentos de coleta.
Este estudo tem uma abordagem multimetodológica do fenômeno estudado e a
interconexão de pesquisa qualitativa e quantitativa. Este tipo de abordagem pode ser
configurado como a forma mais completa e, portanto, se aproximar da realidade dos
fenômenos sociais. Nessa direção, optou-se pela técnica de observação e notas de campo
como também, instrumentos quantitativos que representem, de forma mais realista, as facetas
do estudo em questão.
Observação e diário de campo
A partir de uma abordagem ecológica do desenvolvimento humano e da influência de
trabalhos com uma perspectiva etnográfica, optou-se pela observação e o diário de campo
como ferramentas indispensáveis para a realização desta pesquisa.
Com os diários, foi realizada a descrição de todos os contatos e eventos com a
população de maneira descritiva e mais fidedigna possível. A cada visita eram feitas
observações e em seguida registradas manualmente de forma detalhada, precisa e extensiva.
Essa técnica deu sustentabilidade e complementaridade às informações no decorrer da
utilização dos instrumentos, na concretização da metodologia, além de colher informações
fundamentais à compreensão da comunidade e das brincadeiras típicas locais. Mesmo nos
contatos mais estruturados, como a utilização dos instrumentos quantitativos, foram realizadas
anotações de campo de natureza descritiva e reflexiva.
Alerta-se para os dados de natureza descritiva que, primeiramente, possibilitaram uma
descrição extensa e rica dos tipos e das formas de brincadeira, do vocabulário típico, da
interação entre criança, somada às descrições das pessoas, dos objetos ou brinquedos, dos
lugares, dos acontecimentos, das atividades, das conversas, dos gestos corporais, da entonação
de voz etc.
Quanto à natureza da descrição reflexiva, foram registradas idéias, estratégias,
reflexões e palpites do que e como os aspectos da brincadeira poderiam ser investigados.
Essas anotações foram feitas individualmente após visitas aos contextos de interação como: a
escola, a casa, as áreas livres, os momentos de lazer, tarefas domésticas e brincadeiras. É
necessário esclarecer que todas as notas individuais realizadas no final do dia eram discutidas
em grupo, o que possibilitou um redimensionamento de possíveis problemas metodológicos.
Inventário Sociodemográfico
O Inventário sociodemográfico teve como objetivo caracterizar a comunidade referente
ao aspecto econômico e sociodemográfico, além de realizar um levantamento exploratório das
brincadeiras locais.
Este instrumento foi construído com 88 quesitos referentes ao modo de vida descritos
nos seguintes itens: identificação dos sujeitos pertencentes ao grupo familiar (nome, idade,
gênero, parentesco, estado civil), dados demográficos (renda, escolarização, religião,
propriedade, tamanho da residência), aspectos referentes ao modo de vida familiar (modo de
sobrevivência, alimentação típica, atividade de lazer, atividades sociais, hábitos de saúde e
higiene, etc,) e contextos de brincadeira (tipos de brincadeira e brinquedo, locais para brincar,
companhia e fonte de aquisição dos brinquedos) (Anexo 01).
Inicialmente, este instrumento foi aplicado em famílias de baixa renda no contexto
urbano, após uma adaptação para o contexto em questão foi aplicado um teste piloto em cinco
famílias ribeirinhas para que pudesse ser reavaliado e aperfeiçoado.
As pessoas que não participaram da construção do instrumento foram treinadas em
reuniões posteriores, onde se discutiu todos os itens do Inventário.
Inventário espontâneo das brincadeiras tradicionais infantis
Este instrumento foi utilizado para fins de obtenção dos dados referentes à
identificação e a descrição de brincadeiras ribeirinhas, além de possibilitar o reconhecimento
dos contextos das práticas lúdicas e seus companheiros de brincadeiras. O Inventário
espontâneo é caracterizado pelo levantamento não diretivo das brincadeiras, possibilitando
que a criança possa relatar as brincadeiras a partir do próprio conhecimento.
Tal instrumento é composto por 05 colunas: a primeira tem a função de identificar
todas as brincadeiras que as crianças exercem na comunidade; a segunda coluna é
disponibilizada para o reconhecimento da companhia; local onde as brincadeiras são
praticadas está localizado na terceira coluna; a seguinte coluna é para a identificação de
quando ocorre; e a última é reservada para a descrição detalhada de como ocorre tal
atividade. (Ver anexo 02)
Foi essencial o detalhamento de cada um dos itens que compõem esse instrumento, de
maneira que possibilitou a descrição de cada brincadeira e contribuiu, conjuntamente com as
notas de campo, para a classificação sistêmica das atividades de brincadeiras. É necessário
esclarecer, ainda, que no momento da coleta de dados o pesquisador treinado não poderia, em
hipótese nenhuma, trocar o nome das brincadeiras ribeirinhas por nome similar conhecido
pelas crianças urbanas, por exemplo, macaca por amarelinha.
“Check list” de conhecimento das brincadeiras tradicionais infantis
Tomado como referência o conhecimento prévio urbano (Baia-Silva, 2003) foi
aplicado o check-list diretivo, que teve como objetivo reconhecer quais as brincadeiras
urbanas conhecidas pelas crianças ribeirinhas.
Esse instrumento consiste em uma lista de identificação das brincadeiras infantis
desenvolvidas a partir de parâmetros urbanos (Baia-Silva, 2003). É composto por quatro
colunas: na primeira, estão localizadas as brincadeiras urbanas; às seguintes identificadas por
“sim” e “não”, além de um espaço para qualquer anotação importante. Este instrumento foi
aplicado sem interferência de qualquer outra criança e propiciou o levantamento verbal das
brincadeiras conhecidas pelas crianças da comunidade. (Anexo 03)
Procedimento de coleta 2
Para fins didáticos, o procedimento de coleta foi agrupado em etapas. Contudo, a
despeito da progressividade no procedimento, não há nenhuma implicação necessária de pré-
requisito entre uma etapa e a posterior. Todas as etapas estão interligadas de um modo ou de
outro, já que a sua seqüênciação é essencial para a construção do conhecimento.
Etapa 1: Escolha da comunidade
A escolha da comunidade para o estudo em questão se deu, inicialmente, a partir de
uma busca que envolveu desde pesquisa junto aos órgãos que trabalham com comunidade
ribeirinha, como por exemplo, o POEMA (UFPA), até visitas as comunidades ribeirinhas,
próximas à Belém. A escolha da comunidade seguiu alguns critérios: Isolamento geográfico e
socioeconômico, ausência de energia elétrica e de saneamento básico. O isolamento e a
ausência de energia elétrica contribuíram na seleção da comunidade, uma vez que a mídia
televisiva e radiofônica teria pequena influência no modo de vida dos ribeirinhos. Após 2
meses de levantamento, optou-se pela do rio Araraiana, pois se enquadrava em todos os pré-
requisitos acima exposto.
Etapa 2: Submissão ao Comitê de Ética
A partir da escolha da comunidade deu-se andamento na concretização do projeto de
pesquisa, o qual foi enviado para o comitê de ética e após sua aprovação foi iniciada a
pesquisa “propriamente dita”.
2 Devido este projeto de pesquisa inserir-se num projeto maior intitulado: Contextos de desenvolvimento em uma comunidade ribeirinha: família, pares e escola (Pontes, 2004), parte dos procedimentos de coleta e da análise, aqueles que se referem aos objetivos comuns, são os mesmos do referido projeto.
Etapa 3: Discussão teórica e formação da equipe de pesquisa
No decorrer das etapas iniciais e para fins do desenvolvimento de uma equipe
integrada, antes e durante o período da pesquisa foram realizadas discussões teóricas a cada 15
dias. Nessas reuniões foram tratados temas referentes aos aspectos teóricos e metodológicos
pertinentes ao projeto mais geral e a pesquisa em questão, como exemplos: discussão de
teorias contemporâneas do desenvolvimento humano, pesquisa qualitativa, incluindo diários
de campo, e o treinamento do grupo de pesquisa.
Entende-se que a formação de uma equipe de pesquisa é um elemento fundamental do
procedimento de coleta e análise de dados, já que a construção do conhecimento, neste caso,
se dá de forma conjunta e integrada é nesse sentido que se pode dizer que o levantamento e as
discussões precedentes foram desenvolvidos por todos os membros da equipe de pesquisa.
O treinamento da equipe de pesquisa foi uma etapa constantemente reavaliada e retro-
alimentada. Todos os instrumentos, desde o mais geral ao mais específico, foram discutidos e
treinados pela equipe. Pode-se citar as notas de campo em que após cada aplicação, a equipe
reavaliava e aperfeiçoava.
Etapa 4: Contato preliminar/informante
As etapas acima aconteceram quase que simultaneamente ao contato com a
comunidade. Para que ocorresse a primeira aproximação com os moradores do local foi
necessário que o “informante” apresentasse o grupo à comunidade. Por sua extensa rede de
relações na comunidade, esse informante facilitou a entrada do grupo e viabilizou a
comunicação com os moradores. O informante também possibilitou a checagem do material
de pesquisa, de modo que os dados coletados eram discutidos com ele, permitindo assim a
incorporação de aspectos não entendidos no momento de coleta ou a revelação de novas
informações ao material transcrito.
Etapa 5: Consentimento dos moradores para a utilização dos dados
Concomitante à fase anterior e com o intuito de que a pesquisa progredisse, foi
necessária a autorização dos moradores da comunidade. Então, o termo de consentimento livre
e esclarecido (Ver anexo 04), foi lido, esclarecido e aplicado a todos os membros, inclusive às
crianças, durante as visitas diárias a cada uma das casas. No decorrer do esclarecimento foi
citado que toda e qualquer informação dada por eles seria confidencial e sigilosa, não podendo
ser divulgada sem as suas autorizações e dessa forma os responsáveis poderiam ou não
autorizar a utilização dos seus dados. Foi explicado ainda que caso algum responsável não
soubesse assinar poderia autorizar por meio de sua impressão digital.
Etapa 6: Caracterização da comunidade-Estudo Piloto
Inicialmente, o contato foi mais em caráter exploratório e de habituação, cuja
finalidade era conhecer os moradores e informar sobre o propósito da pesquisa. Apesar de o
primeiro contado ter gerado dados para a caracterização da comunidade, foi indispensável
construir um instrumento que possibilitasse identificar seus aspectos demográficos,
econômicos, educacionais e os contextos de brincadeiras. Para tanto, foi necessário à
realização de um estudo piloto, com a aplicação do inventário sociodemográfico em cinco
famílias, com a finalidade de realizar um pré-conhecimento do local, além de checar possíveis
dúvidas, adequação à linguagem e dificuldades que as pessoas tivessem em responder tal
instrumento.
Etapa 7: Caracterização da comunidade - Redimensionamento.
A aplicação do questionário piloto norteou o grupo para algumas questões: itens que
necessitavam ser reavaliados, outros que estavam ausentes e careciam estar presentes, e uma
nova forma da abordagem. Para a caracterização completa da comunidade, o instrumento
sociodemográfico necessitou ser redimensionado e após as alterações foi aplicado. As
primeiras 5 (cinco) famílias que serviram para o estudo piloto necessitaram de visitas que
complementassem os dados já coletados, e nas 17 famílias restantes foi aplicado o instrumento
completo. Nesse primeiro momento, o inventário foi respondido preferencialmente pelos
responsáveis da família, mesmo nos itens sobre brincadeiras.
Enfatiza-se que a aplicação desse inventário ocorreu nas próprias casas dos moradores,
em forma de entrevista dirigida, no período de cinco a oito dias consecutivos, de 8:00 às
15:00. As visitas foram realizadas por pesquisadores e estudantes treinados, estes se dividiam
em díades, sendo que cada dupla ficava em casas específicas para a aplicação do inventário.
Ao final de cada dia, o grupo se reunia para avaliar o trabalho e armazenar os dados
em uma grande planilha, onde as díades de pesquisadores introduziam as informações
registradas a fim de evitar que informações não anotadas fossem perdidas.
Etapa 8: Caracterização das brincadeiras
Diante dos dados de caracterização da comunidade, surgiu a possibilidade da criação
de instrumentos, aliados à observação, que descrevessem, com maiores detalhes, as
brincadeiras locais. Para a otimização dessa etapa, então, foram utilizados dois instrumentos: o
Inventário espontâneo e o check-list das brincadeiras tradicionais.
a) Observação naturalística: Os registros ocorreram durante o período de 13 meses,
novembro de 2005 a dezembro de 2006, no horário mututino e vespertino (8 às 14 horas),
sendo que as viagens à ilha do Marajó ocorriam, aproximadamente, uma vez por mês. As
observações aconteciam durante as visitas às casas e à escola nesse período de tempo. A
estratégia de observação participante era se inserir no grupo de brincadeira ou conversar sobre
tais atividades. Assim, algumas observações foram muito ricas, pois os pesquisadores
participaram diretamente de determinadas situações que envolviam brincadeiras.
Quanto aos questionários com dados mais quantitativos, a aplicação era realizada com
todas as crianças e adolescentes da localidade referida, de 05 a 18 anos, que se encontravam
presentes naquele momento. Para que não ocorresse interferência de nenhuma pessoa,
utilizou-se como estratégia de coleta outras atividades conjuntas com a aplicação dos
instrumentos. Enquanto um pesquisador coordenava uma atividade qualquer com as demais
crianças, outro pesquisador realizava com uma determinada criança a aplicação do
instrumento.
A aplicação e a investigação das brincadeiras foram realizadas essencialmente nas
casas das crianças. Porém, quando não foi possível à aplicação em casa, a escola serviu como
uma solução para esse problema.
b) O Inventário Espontâneo: foi aplicado em todas as crianças e adolescente do rio,
de 05 a 18 anos, sem interferência de qualquer pessoa. Informava à criança que ela deveria
responder sem pressa e com os maiores detalhes possíveis. Esse instrumento foi aplicado
anterior ao Check-list, para que não ocorresse possível contaminação das respostas neste
último.
c) O check-list: teve como finalidade conhecer o repertório de brincadeiras
desenvolvidas no local e seu respectivo nome. O pesquisador pedia para que a criança
respondesse se conhecia ou não determinada brincadeira, afirmando sim ou não, em caso da
resposta ser positiva, foi solicitado que descrevesse brevemente como se dá tal brincadeira.
Essa última questão teve por objetivo averiguar o real conhecimento da brincadeira e as
possíveis diferenças de regras e estilos desenvolvidos naquele local comparado com o
levantamento já feito em ambiente urbano (Silva-Baia, 2003).
Etapa 9: Organização dos dados na coleta de campo
Conforme já relatado, a coleta inicial se deu seguindo os objetivos mais gerais do
projeto maior e posteriormente foi ramificada para os objetivos mais específicos. Todos os
dados coletados foram arquivados em um banco de dados, de forma que possibilitou ser
compartilhados por todos os integrantes, facilitando assim o fluxo de interconexão de
informação sobre a comunidade.
Tempo de observação e de aplicação dos questionários
É importante enfatizar que a aplicação de cada instrumento durou, aproximadamente,
uma hora e meia para cada família e/ou membro. Cada instrumento e participante teve uma
dinâmica própria, portanto, o tempo estabelecido variou em função dessas duas variáveis. No
caso do levantamento das brincadeiras, a aplicação foi realizada em período de tempo mais
curto.
Cada instrumento foi aplicado de uma forma previamente sistematizada, ou seja, em
cada viagem foi executado um instrumento por vez. Por falta de tempo, algumas vezes, houve
a necessidade de continuar a aplicação do mesmo instrumento, em viagens posteriores. A
equipe utilizava de 5 a 8 dias de trabalho, não em função da aplicação em si, mas pela grande
distância em que as casas se localizavam.
Como foi verificada, cada etapa direcionou a etapa consecutiva, assim como a
aplicação de alguns instrumentos que serviam de pré-requisitos para a execução consecutiva
de outros. Dessa forma, o inventário sociodemográfico possibilitou pensar em condições
melhores para explorar a brincadeira e também refletir sobre o levantamento espontâneo das
brincadeiras, sempre complementados pelos registros de observação.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Todos os elementos coletados foram agrupados em um banco de dados, onde foram
analisados de maneira específica de acordo com os objetivos do trabalho. Faz-se necessário
enfatizar que apesar da análise ser distinta os interesses são comuns e interligados.
Os dados de natureza mais quantitativos, ou seja, passíveis de tabulação como o
inventário sociodemográfico, o levantamento espontâneo das brincadeiras tradicionais e o
check-list foram tratados em planilhas de Excel 2003, através de estatísticas descritivas,
transformados em planilhas dinâmicas e em gráficos.
Com base nos dados do inventário demográfico, foram construídos gráficos que
possibilitam o leitor identificar e caracterizar a comunidade do rio Araraiana. Para os dados
de caracterização da comunidade, algumas variáveis foram consideradas: número de
moradores, de crianças, divididos quanto ao gênero e idades, religião, assim como aspectos
físicos da comunidade, incluindo a descrição das moradias e do modo de vida, e os contextos
onde ocorrem as brincadeiras e etc.
Já para os dados do levantamento espontâneo e do Check-list foram construídos
gráficos que demonstram companhia, local e brincadeiras encontradas na comunidade, além
de aspectos descritivos de cada brincadeira. As brincadeiras identificadas nesses instrumentos
serão descritas segundo as categorias de Parker (1984) e os jogos serão traçados seguindo os
itens adaptados de Avedon e Sutton Smith (1971) e por uma complementação sugerida por
Pontes & Magalhães (2002). É digno de nota que toda a descrição das brincadeiras e jogos foi
realizada de maneira cursiva e sistematizada, seguindo os parâmetros da pesquisa qualitativa.
O diário de campo foi analisado em conjunto com os respectivos dados quantitativos.
As notas foram transcritas para programas de edição de texto como o “Word 2003”.
Posteriormente foi organizada de forma que possibilitou agrupar dados mais sistemáticos
para a classificação e descrição das brincadeiras, assim como para a caracterização da
comunidade, no sentido de compreender o fenômeno da brincadeira de maneira holística.
Portanto, os dados de diário de campo possibilitaram uma discussão integrada das
elaborações resultantes dos dados quantitativos.
A partir do conhecimento das análises da caracterização da comunidade em questão,
pretendeu-se, de maneira geral, obter a caracterização da cultura da brincadeira ribeirinha e
particularidades do modo de ser ribeirinho. Para isso, foi utilizado o modelo ecológico como
norteador do conjunto de resultados compilados de instrumentos diferentes.
A partir da análise convergente dos objetivos, os resultados serão apresentados
seguindo uma ordem sistemática.
RESULTADO E DISCUSSÃO
É na beira onde tudo começa Por uma razão desconhecida. Sem explanar um Dossiê de Odessa. Para marcar este dia na história conhecida. (Miguelangelo, Poeta Cametaense)
Esta etapa foi organizada em seis categorias de análise. Na primeira, apresenta-se a
caracterização sociodemográfica da comunidade estudada, enfatizando os pontos considerados
relevantes nesta pesquisa; na segunda, identificam-se e caracterizam-se os contextos físicos e
sociais onde as brincadeiras tradicionais são exercidas, realizando a comparação das
brincadeiras do contexto ribeirinho com as de outros contextos; na terceira etapa, enfoca-se a
descrição das brincadeiras partilhadas pelas crianças da comunidade em questão; e na quarta e
última etapa, expõe-se uma discussão sintética dos dados apresentados.
CARACTERIZAÇÃO SOCIODEMOGRÁFICA DA COMUNIDADE DO ARARAIANA
A descrição dos principais aspectos demográficos e sociais da população da
comunidade do rio Araraiana foi essencial e necessária, uma vez que, este trabalho apresenta
uma abordagem contextual do fenômeno estudado. Pode-se dizer, portanto, que todos os
objetivos são amparados no pressuposto de que o fenômeno da brincadeira só pode ser
compreendido em sua abrangência, quando o contexto for considerado.
Para a realização da descrição sistemática da comunidade, foram utilizados os dados
obtidos a partir do Inventário Sociodemográfico. Alguns aspectos foram eleitos como mais
relevantes para a concretização desta investigação. Os tópicos abaixo foram organizados de
maneira ordenada para levar o leitor a compreender, de forma contextualizada, a comunidade
e o fenômeno da brincadeira.
A População
Considerando os dados levantados e a dinâmica da comunidade, no início desta
pesquisa, o número de pessoas residentes na comunidade era de 125 indivíduos organizados
em 22 famílias. Ressalta-se que ao final da coleta de dados o número de moradores alterou-se
para 129, o que levou a criação do 23º núcleo familiar. Entretanto, os dados constantes no
presente estudo dizem respeito ao número inicial de moradores.
O total geral foi de 125 moradores envolvendo adultos, crianças e adolescentes. São 59
adultos (entre 19 e 85 anos) e 66 crianças e adolescentes, entre 0 e 18 anos, sendo 32 meninos
e 34 meninas. Os dados etários das crianças e adolescentes estão demonstrados abaixo (Ver
figura 07).
0
2
4
6
8
10
12
Mes
es 1-2
3-4
5-6
7-8
9-10
11-1
2
13-1
4
15-1
6
17-1
8
Idade
Fre
quên
cia
M
F
Figura 07: Gráfico de idade e gênero das crianças e adolescentes de zero a dezoito anos da população da comunidade do Araraiana.
Analisando os dados populacionais, percebe-se que é uma comunidade constituída
essencialmente por uma população jovem, já que 65,6 % dos moradores encontram-se no
intervalo etário de 0 a 24 anos. Vale ressaltar que o número de meninas e meninos, como
observado na figura acima, mantém-se similar ao longo das faixas etárias, apresentando uma
desproporção na faixa etária de 9 a 10 anos de idade, em que o número de meninos é menores
que os das meninas.
Outra relação que pode ser identificada é quanto as faixas etárias, os meninos ou estão
em número menores que as meninas ou se equivalem, exceto na faixa de 11 a 12 anos, em que
os meninos encontram-se em quantidade superior as das meninas.
A família
Levando em consideração as residências da comunidade, pode-se afirmar que a
composição do grupo prevalecente nessa localidade é o familiar, uma vez que as crianças e
adolescentes fazem parte desse arranjo. Um dado importante da composição familiar é que das
22 casas, 16 têm crianças e adolescentes o que revela uma quantidade expressiva de crianças
na comunidade.
Além deste aspecto, a composição familiar é representada por no mínimo o casal e no
máximo c0om doze membros que são caracterizados por uma rede familiar extensa. As idades
dos filhos variam de 1 a 22 anos de idade, e em alguns casos com membros de terceira e
quarta geração. (Ver figura 08)
01234567
Famíliasem
criança
01 filhos 03 f ilhos 04 f ilhos 05 filhos 06 filhos 07 f ilhos 08 f ilhos 09 f ilhos
Números de filhos
Fre
qüên
cia
Figura 08: Gráfico de número de filhos por família.
Entre as 16 famílias, pode-se encontrar uma composição familiar bastante variável,
desde famílias com 01 a 09 filhos. Deste total, 02 famílias apresentam membros de quarta
geração e outras 02 de terceira, todas moradoras na comunidade.
Geralmente, as famílias locais são formadas por uniões informais. Segundo os relatos,
somente quatro casais são casados no civil, nenhum no religioso e 14 vivem na forma de
concubinato (Ver figura 09). Apesar de não se ter dados precisos, sabe-se que muitas uniões
ocorreram em decorrência da gravidez da parceira.
02468
10121416
Vivem Juntos Casados civil Separados ViúvoEstado Civil
Fre
quên
cia
Figura 09: Freqüência do estado civil dos casais das famílias da comunidade do rio
Araraiana.
Em relação à origem dos moradores, constatou-se que das 22 famílias fixadas na
comunidade do Rio Araraiana 12 são originárias no próprio local, as demais estão na
localidade entre 1 a 23 anos.
A maioria dos moradores que não é originária da própria comunidade vem de zonas
rurais ou da capital, Belém. Os originários de outras comunidades, seja o da sede do
município ou circunvizinhos, vieram à procura de outras oportunidades e melhoria de
qualidade de vida ou sobrevivência. Esse dado é demonstrado na figura 10 e descreve a
freqüência de local de origem das famílias não originárias da comunidade do Araraiana.
0
1
2
3
4
5
Proximidadesda ilha
Município Pontade Pedras
Capital Municípiopróximo
Local de origens
Fre
quên
cia
Figura 10: Gráfico que demonstra o local de origem das famílias não originárias do
Araraiana.
Os motivos alegados da migração para a comunidade do Araraiana foram
categorizados em: a) história familiar, b) conflitos no antigo local de origem, c) questões
financeiras e d) Casamento/tentar vida melhor.
A história familiar está relacionada aos momentos factuais vividos pela família, ou
seja, em algum momento houve a mudança da família para o local. O conflito no antigo local
de origem está relacionado a problemas com a vizinhança, nesta houve duas respostas:
conflito com vizinhos e outra com parentes. A respeito das questões financeiras, casamento e
tentativa de uma vida melhor foram respostas textuais dos próprios participantes (Ver figura
11).
00,5
11,5
22,5
33,5
44,5
História familiar Casamento/tentarvida melhor
Conflito Questõesfinanceiras
Motivo da migração
Fre
quên
cia
Figura 11: Freqüência de respostas em categoria de motivos de migração Os dados apresentados permitem concluir que o arranjo típico de organização dos lares
é a família, sendo em sua maioria numerosa, com configurações típicas de família estendida e
multigeracional, ou seja, de mais de uma geração convivendo em um mesmo ambiente, ao
mesmo tempo. Estes aspectos contribuem para um possível sistema de cuidado compartilhado
e rede de apoio presente dentro do ambiente familiar. Tais fatores podem possibilitar um
maior trânsito de informação ou de características culturais dentro da família. Essas
características, possivelmente, podem influenciar nas principais relações desenvolvidas pelas
crianças e na sua respectiva cultura da brincadeira.
Por outro lado, o apego ao local e o fato de a origem da grande maioria dos moradores
estarem relacionados aos contextos físicos e culturais semelhantes, pode indicar uma
reprodução de padrões similares ao da geração anterior e consequentemente pode ser um
indicativo do desenvolvimento de uma cultura da brincadeira tipicamente ribeirinha.
O modo de vida dos moradores
O modo de vida desses moradores é predominantemente extrativista. Essa condição
submete o ribeirinho a viver em função de um ciclo sazonal. No período de escassez de fruta
ou de caça, a população sofre com a diminuição de recursos naturais para sua alimentação,
pois a coleta, a caça e a pesca são as únicas fontes de renda, durante todo ano. A renda
familiar é complementada pela venda da tala do miriti e jupati, da extração do palmito e do
açaí e da construção de paneiros e peneiras, que mesmo de maneira indireta, está ligada ao
período sazonal.
Como maneira de informar detalhadamente sobre da caracterização da comunidade do
rio Araraiana, será delineada, a seguir, cada tipo de aquisição de alimento conjuntamente com
as formas de complementação da renda familiar.
O extrativismo vegetal é uma atividade importante na produção econômica dessa
população devido a grande quantidade e diversidade de espécies existente na floresta. Os
produtos nativos mais coletados na mata pelos moradores são: o açaí, a semente de copaíba
(Copaifera officinalis) e de andiroba (Carapa quianensis Aubl), essas duas últimas são
sementes colhidas para a retirada do óleo, considerado como medicinal pelo povo da região.
Estes produtos são vendidos nos municípios mais próximos e complementam a renda familiar.
As brincadeiras das crianças estão muito ligadas às sementes encontradas na natureza, é
bastante comum encontrar crianças brincando com tais produtos naturais.
A caça é outra atividade econômica que possibilita complementar a alimentação.
Geralmente, é um trabalho desempenhado pelo genitor ou provedor da família, sendo
realizado no período noturno. Uma expressão bastante utilizada pelos moradores para
caracterizar essa atividade é a expressão “lanternar”. Um aspecto interessante dessa atividade
é que desde pequenas, as crianças, preferencialmente os meninos, são incentivadas a
praticarem esse tipo de atividade.
A atividade de pesca, por sua vez, caracteriza-se como artesanal, apresentando um
caráter não predatório, porém, nem sempre respeitando o ciclo de reprodução das espécies.
Técnicas simples são utilizadas para a captura do peixe como: tarrafa, curral ou cacuri,
pequenas redes de pesca, matapi, montaria e pequenos barcos. As técnicas de captura de
animais são aprendidas e re-produzidas pelas crianças, inseridas desde pequenas nessas
atividades, o que pode ser observado nas brincadeiras.
A construção de paneiros e peneiras é uma atividade quase que exclusivamente das
mulheres e são tecidas com tala de Miriti ou de Jupati, servindo para ajudar no “sustento”, já
que são vendidas nas redondezas da região ou aproveitadas nas próprias casas, como
utensílios para guardar mantimentos, roupas e outros tipos de objetos. (Ver figura 12)
Figura 12: Foto de uma das moradoras tecendo peneira.
A retirada do Turu3 também é uma atividade voltada para a complementação da
alimentação dos ribeirinhos. Sua “coleta” ocorre manualmente pelos membros familiares, em
trabalho conjunto, cujas tarefas são divididas por gênero e idade. Esses moluscos servem
como alimentação para toda família, podendo ser comidos, crus ou cozidos.
As crianças desde pequenas são inseridas nessas atividades, assim parece que esse
padrão de sobrevivência é transmitido e reconstruído pelas crianças, uma vez que tanto as
3 Espécie de molusco que dá em troncos de arvores podres submersos no rio.
maiores quanto as menores realizam atividades conjuntamente, e, em alguns momentos, sem a
presença de um adulto.
Diante de tais observações, identifica-se a influência que cada atividade exerce na
cultura de brincadeira dessas crianças, como a representação de tarefas rotineiras, as questões
de gênero, a construção dos brinquedos artesanais e nas formas e conteúdos das brincadeiras
próprias do lugar.
O modo de vida ribeirinho aponta, portanto, para uma questão central, que é o tipo de
ocupação (serviço) que os moradores desempenham na comunidade referida.
Os dados sobre a ocupação dos moradores refletem a dinâmica do local, em que as
pessoas relataram ter pouca ou nenhuma oportunidade de trabalho ou crescimento
profissional. Segundo os dados demográficos, à ocupação com maior freqüência foi a de
pescador e a segunda extrativista (Ver figura 13). As mulheres, em sua maioria, responderam
que são donas de casa, outras se diziam artesãs, em função da manufatura de paneiro e
peneira.
05
10152025303540
Extra
tivist
a
Pesca
dor
Agricu
ltor
Domés
tica
Profe
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a
Apose
ntad
o
Carpinteiro
Ocupação
Fre
quên
cia F
M
Figura 13: Gráfico que demonstra a ocupação dos moradores.
As atividades são diferenciadas de acordo com o gênero, as mulheres se
responsabilizam com as atividades domésticas e os homens são encarregados das atividades
mais pesadas. Essa função repartida por gênero não é rígida, em algumas famílias as mulheres
também pescam, apanham e amassam açaí (Ver figura 14), o mesmo ocorre com os homens,
que ajudam nas tarefas domésticas, varrendo e passando pano na casa.
Como foi constatada, a maioria das formas de obter renda deve-se à tradição local,
basicamente extrativista, sem qualquer grau de especialização, como é o caso de um morador
que se identificou como carpinteiro e duas pessoas que se identificaram como agricultores.
Segundo os relatos, à carência de uma cultura agrícola no local está diretamente ligada a
pobreza do solo, quase sempre, alagado, ou pela invasão de búfalos. A justificativa dada pela
população à ausência de uma cultura do cultivo da terra é quanto aos poucos elementos
naturais essenciais ao crescimento e desenvolvimento de espécie cultiváveis, como a
“fraqueza da terra”.
Figura 14: Foto de uma das moradoras amassando açaí.
Quanto ao cultivo da terra foi identificado que poucas famílias plantam, das 22
famílias somente 2 possuem pequenos roçados, exclusivamente de mandioca. Essa é vendida
in natura, pois não há na comunidade nenhuma casa de farinha para o beneficiamento da
mandioca. Muitas famílias já plantaram (mandioca, limão, pimenta-do-reino, arroz) ou
tiveram algum tipo de criação (pato, galinha, e porco). Segundo os moradores, as plantações
não “vingam” e as criações de animais são mortas por bicho do rio ou são roubadas.
Foi identificado, ainda, que as famílias criam, principalmente, porcos e frangos (Ver
figura 15) criados em espaços abertos no “terreiro”. Esse fato ressalta que a aquisição de
nutrientes ocorre por meio da exploração da natureza, o que limita a alimentação dos
moradores, basicamente feita por meio de peixe, carne de caça e frutos do mar (camarão,
turu).
0
5
10
15
20
Sim Não
Criação de animais
Fre
quên
cia
Figura 15: Gráfico que demonstra as famílias que criam animais.
Este déficit de nutrientes é maximizado em função da ausência de uma cultura agrícola
no local, já que a maioria dos moradores relata que a terra é imprópria para o plantio
sistemático, e nesse sentido, a maioria das plantações ocorre por meio do plantio
assistemático, por exemplo, a semente do açaí é jogada na terra após a retirada de sua polpa.
Além da ocupação dos adultos, os dados do inventário sociodemográfico indicaram
quais as tarefas que as crianças e os adolescentes estão envolvidos. Esses dados podem ser
observados na figura 16.
02468
101214
Lava
r rou
pa
Enche
r águ
a
Lavar
louça
Ajudar
em c
asa
Cozinha
r
Apanha
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i
Tirar t
ala
Tirar m
atap
i
Cort ar L
enha
Pesca
r
Tecer
pan
eiro/m
atap
i
Pilota
r
Roçar
Atividade diárias
Fre
quên
cia
F
M
Figura 16: Gráfico com as atividades diárias realizadas pelas meninas e meninos
Pode-se observar que as meninas desempenham, preferencialmente, atividades
domésticas, enquanto que os meninos executam atividades de subsistência, característica que
repercute nas brincadeiras das crianças, meninas brincando de tarefas domésticas e os meninos
de atividades voltadas para o trabalho de subsistência.
Outro fato típico, a respeito do modo de vida da comunidade Araraiana, refere-se às
compras de mantimentos para casa. Os mantimentos mais comuns adquiridos nos municípios
mais próximos pelos moradores são: óleo para lamparina, açúcar, farinha de mandioca e café,
este consumido em grande escala pelos moradores (Ver figura 17). Na maioria das vezes, são
os homens que fazem as compras, principalmente quando vão receber a bolsa escola de seus
filhos. Assim, as viagens ocorrem uma vez por mês, no entanto não parece existir um padrão
de freqüência.
0
5
10
15
20
25
Café Açucar Farinha Arroz Feijão óleo Bateria
Mantimentos
Fre
quên
cia
Figura 17: Gráfico que demonstra o maior número de respostas relacionado a compras
de mantimento
Diante destas observações, pode-se dizer que em termos de sobrevivência todos vivem
de algum modo do extrativismo, e a maioria apresenta renda mensal abaixo do salário
mínimo, (Ver figura 18) complementado pela bolsa escola, por exemplo. Atentando para o
total de sujeitos por família, na maioria dos casos, a renda familiar per capita está muito
abaixo dos níveis de miséria, ou seja, equivalente em 2004 a R$115,00 em São Paulo
(Fundação Getulio Vargas, 2004).
0
2
4
6
8
10
R$ 40-R$100 R$ 101-R$200 R$ 201-R$300 R$ 301-R$400 Não sabe
Valor
Fre
qüên
cia
Figura 18: Total de famílias em função da renda per capita familiar
Assim sendo, pode-se concluir que as atividades diárias realizadas pelos adultos são
bem delimitadas quanto ao gênero, embora aja registro de famílias em que algumas atividades,
como a doméstica, sejam executadas tanto pelo homem quanto pela mulher. Quando se
observa os dados de ocupação dos homens e das mulheres e compara com as atividades das
crianças e dos adolescentes, é nítida a relação da divisão por gênero nessas atividades, em que
as meninas ajudam suas mães nas tarefas domésticas e os meninos com os pais, executam
trabalhos considerados mais “pesados”.
Um ponto a ser considerado, diz respeito ao fato de que há a presença constante das
crianças em todas as atividades que, de uma forma ou outra, estão envolvidas em atividades
domésticas ou voltadas para o sustento da família, esse dado é expressivo, pois demonstra o
envolvimento das crianças com atividades, essencialmente, do universo adulto e do meio
familiar.
Tem-se, portanto, fortes indícios de que as atividades rotineiras podem interferir na
cultura da brincadeira, principalmente quando se observa a questão da diferenciação de gênero
que pode ser revelada nas brincadeiras, sobretudo naquelas que “reproduzem” tais atividades,
a casinha, por exemplo. Além deste aspecto, o intenso envolvimento do modo de vida dos
ribeirinhos com os elementos da natureza expressa um estreito relacionamento com aspectos
relacionados à sobrevivência, aspecto que é, também, revelado por meio da brincadeira.
A educação
Pode-se afirmar que a população desta comunidade ribeirinha apresenta uma baixa
escolaridade e um grande índice de analfabetismo, o que reflete a falta de políticas públicas no
local, principalmente relacionadas à educação. A escola, por sua vez, trabalha com um
currículo descontextualizado da realidade dos ribeirinhos, sem nenhuma aplicação prática e
revela um total distanciamento do modo de vida local e o conteúdo curricular utilizado.
A figura abaixo (Ver figura 19) demonstra que de todos os adultos de 19 a 85 anos,
somente dois completaram o Ensino Médio, enquanto que os demais nem completaram o
Fundamental. Foi verificado também que apesar de 41 pessoas terem iniciado a alfabetização
continuam analfabetas funcionais, ou seja, sabem tão somente assinar o nome e, em sua
maioria, com certa dificuldade. As pessoas que estão na faixa etária entre 19 e 24 anos que
deveriam ainda estar estudando, segundo os relatos, todas se encontram foram da escola.
0
2
4
6
8
10
12
Analfa
beto
Alfa
1a sé
rie
2a sé
rie
3a sé
rie
4a sé
rie
5a sé
rie
8a sé
rie
2a grau
Grau de instrução
Freq
uênc
ia
F
M
Figura 19: Gráfico que demonstra a relação dos moradores de 19 a 85 anos com seus
respectivos graus de instrução.
O levantamento indicou que dos 66 indivíduos, entre crianças e adolescentes de 0 a 18
anos, 24 estão fora da escola, com uma variação de idade que vai 1 a 18 anos; 09 estão na 1ª
série, sendo que, somente uma criança tem 07 anos, enquanto que os demais estão na faixa
etária de 11 a 16 anos; na 2ª série existem 10 alunos, somente 02 com idades compatíveis com
a série, enquanto que 04 têm 13 anos, 02 tem 12 anos e 02 de 11 e 12 anos, o que denota um
grande percentual de defasagem escolar (Ver figura 20).
24
3
9 9 107
4
0
5
10
15
20
25
30
Nãoestudam
Pré-escolar
Alfa 1ª série 2ª série 3ª série 4ª série
Grau de escolaridade
Fre
quên
cia
Figura 20: Número de crianças relacionado ao nível de escolaridade.
É importante ressaltar que a escola atende somente da alfabetização à 4ª série. Quando
estes dados são comparados com o grau educacional público urbano, constata-se a deficiência
escolar aliada a nenhuma expectativa de continuidade dos estudos no local.
0
20
40
60
80
100
120
Alfa Pré-escola
1ª Série 2ª Série 3ª Série 4ª Série Nãoestudam
Grau de Escolariade
Fre
quên
cia
Rel
ativ
a
FM
Figura 21: Total de crianças por grau de escolarização relacionado ao gênero
Quando se observa a figura 21, identifica-se que as meninas estão presentes em
número maior que os meninos na escola, como nas séries da alfa, da 2ª, 3ª e 4ª, esse dado é
confirmado a partir da freqüência alta de meninos fora da escola.
A limitação da escola em não dar prosseguimento às séries subseqüente a 4º série,
aliado aos outros fatores como gravidez, casamento precoce, ausência de perspectiva e
conteúdo escolar descontextualizado, contribui para a permanência e o agravamento de uma
situação de circularidade entre o modo de vida e a educação, como mantenedores de certos
padrões característicos dessa comunidade.
Portanto, todos os aspectos, em termos de educação formal, pouco contribuem para a
superação da situação e ao mesmo tempo propiciam a repetição do estigma da continuidade
das origens sociais e locais.
É nesse sentido, que a educação, de certa maneira, contribui para a manutenção das
condições de vulnerabilidade social local, não sinalizando caminhos para o rompimento das
tendências historicamente estabelecidas.
A saúde
Aliada a todas as condições já expostas, a higiene básica é extremamente precária.
Essa precariedade está essencialmente relacionada à ausência de água tratada e nenhum
cuidado com o lixo produzido pela comunidade.
Mais de 90% das residências têm seus banheiros no fundo do quintal, um pequeno
cubículo de madeira com o fundo aberto em que os dejetos são jogados diretamente no
substrato lamacento. Durante a maré alta, estes dejetos são levados pelas águas do rio.
Segundo os relatos dos moradores, toda água consumida é a do próprio rio e em
nenhuma das residências há qualquer tipo de sistema de tratamento, nem de filtragem.
Somente em alguns casos, a água é coada em pedaços de panos e armazenada em pote de
barro (Ver figura 22). Apenas um morador relatou que utiliza a água de poço, porém foi
observado que, em certas ocasiões, a água do rio também foi usada para o consumo.
Figura 22: Foto do Pote, utensílio utilizado pela população amazônica em que é depositada água para beber.
A respeito do lixo, a maioria das casas descarta-o jogando no próprio rio e em alguns
casos são queimados e/ou depositados na floresta (Ver figura 23). Culturalmente, há pouco
cuidado de higiene de forma geral, principalmente no preparo de alimentos.
Pode-se suspeitar que a maioria das doenças como a de pele e a diarréia, que afeta essa
população, tem origem das condições de higiene precárias. Esse aspecto reafirma a ausência
do Estado no que concerne políticas públicas essenciais à sobrevivência, como a falta de um
posto de saúde e agentes que possibilitem orientações de saúde.
0
2
4
6
8
10
12
Jogado ao ar livre QueimadoTratamento do lixo
Fre
quên
cia
Figura 23: Gráfico que demonstra a quantidade de resposta por família a respeito de
como é tratado o lixo
Dentre as patologias levantadas, as mais freqüentes são: problemas intestinais, como
diarréia, doenças de pele, gripe e dor de cabeça. O uso de estratégias para o combate das
infecções se dá pela utilização de remédios caseiros.
Os moradores procuram assistência médica somente quando as doenças não podem ser
“curadas” pelos remédios caseiros e dirigem-se preferencialmente as sedes dos municípios
mais próximos como o de Pontas de Pedra ou de Abaetetuba. A falta de uma assistência ou
uma intervenção mais rigorosa na saúde por parte do governo municipal e estadual, faz com
que a situação precária e de absoluto abandono seja cada vez mais agravada, levando a
população a uma situação de urgência, tanto econômica quanto de saúde pública.
A ausência de água potável e a falta de conhecimento sobre os malefícios de água não
tratada e de saneamento básico influencia e contribui nas características peculiares dessa
população. A preocupação com a saúde é encontrada somente nos discursos, na prática não se
observou nenhuma ação relacionada a este problema social, o que pode ser caracterizado
como uma especificidade da localidade. Semelhante aspecto é revelado nas brincadeiras, pois
não há nenhum cuidado onde se pisa. Por exemplo, em uma das observações identificou-se
que havia dejetos fecais espalhados pelo terreno, local onde as crianças estavam brincando,
descalças.
A religião
Essa é uma outra característica marcante na comunidade, a identificação de duas
religiões bem definidas: a católica e a evangélica. Essa distinção parece ser parte significativa
na vida dos moradores e interferir no próprio modo de vida, inclusive nas brincadeiras das
crianças ribeirinhas.
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10152025303540
Católica Evangélica Indefindos
Religião
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quên
ciai
F
M
Figura 24: Gráfico de religião por gênero da população da comunidade do rio Arariana
O gráfico (Ver figura 24) demonstra que há uma quantidade maior de mulheres que
pertencem à religião evangélica, tal fato é importante quando comparado com os homens, pois
há uma maior incidência destes na religião católica. Segundo os depoimentos das mulheres, a
religião evangélica ajudou seus maridos a saírem do vício do álcool, isso pode explicar, em
parte, esse escore.
A religião tende a cindir os moradores em dois grupos os “crentes” e os “ímpios”. Essa
denominação percebida na fala dos evangélicos é marcada por um conjunto de valores e
restrições a determinados tipos de comportamentos, dentre estes a própria brincadeira. Tal
conjunto de restrições tende a formar grupos que têm como base de organização a sua
preferência religiosa.
Um fato marcante quando à religião evangélica, como praticada no local, é a proibição
de seus membros em participar de jogo de futebol ou qualquer jogo que envolva bola. Tal
aspecto nunca foi explicado com total clareza, alguns argumentam que é por causa do uso do
“short curto”, outros por ser uma atividade que leva ao álcool, que envolve competição,
gerando discórdia ou até pela participação da atividade junto com os “ímpios”. Mesmo nas
brincadeiras das crianças ribeirinhas, esse estigma é repassado, o que impede que algumas
brincadeiras sejam praticadas, como o jogo de bola.
Na figura 25, se observa a mesma divisão de gênero por religião entre as crianças e os
adolescentes, em que 23 meninas fazem parte da igreja evangélica, enquanto que os meninos,
em sua maioria são católicos.
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5
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15
20
25
Católica Evangélica IndefinidoReligião
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quên
cia
F
M
Figura 25: Gráfico de religião por gênero das crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos. Geralmente, as crianças têm a mesma religião dos pais e o mesmo discurso quando a
brincadeira envolve bola. Pode-se dizer, portanto, que a religião é um importante fator que
interfere diretamente nas brincadeiras das crianças, sobretudo nas evangélicas.
UMA IMPRESSÃO INICIAL DAS OBSERVAÇÕES DE CAMPO
No período de um ano e meio, em que se deu a coleta de dados, foram realizadas
observações e notas de campos em situações que envolviam brincadeira. A coleta foi efetivada
tanto nas casas dos moradores quanto na escola, o que levou a um total de 95 notas de campo
armazenadas.
Em função de algumas variáveis, a quantidade de registros por casas apresentou
variação. A maré foi uma delas, o qual nos impossibilitou, em algumas viagens, que as visitas
em determinas casas fossem realizadas, assim como a ausência de crianças que
constantemente se encontravam fora da comunidade, em localidades próximas. A tarefa na
mata, também, foi outra variável que interferiu na diferenciação da coleta de dados, pois
delongava tempo, ausentando às crianças de suas casas. Compreendemos que tais dificuldades
fazem parte do cotidiano da comunidade e, dessa forma, tivemos que nos adaptar às
constantes ausências das crianças.
Por ser uma comunidade distante da base de pesquisa, toda a aproximação realizada na
comunidade sempre se deu a partir de um barco, fosse uma lancha voadeira ou o barco de
motor a diesel conhecido popularmente de “pô pô pô” (Onomatopéia do barulho do motor). A
cada visita feita no rio, se tentava observar e registrar crianças brincando ou qualquer
atividade que estivessem fazendo. Quando possível, caso identificássemos as crianças
brincando, parávamos para observá-las, independente das visitas pré-programadas.
Nas primeiras observações de campo, ficamos surpresos com o baixo registro de
situações de brincadeira. Ao passarmos com nosso barco, víamos poucas crianças brincando, a
maioria quando avistada, parecia estar na porta de suas casas para nos observar, atenta e
parada. Em outros momentos, não eram vistas e ficamos a nos perguntar onde estavam as
brincadeiras? Onde estavam as crianças?
As primeiras impressões nos direcionaram para o levantamento de algumas hipóteses
acerca da freqüência do brincar na comunidade: a primeira de que as brincadeiras não
ocorriam com tanta freqüência no rio, como se pensava, ou se haveria outros espaços de
interação lúdica e se tal local possibilitava a aglutinação de brincadeiras. Diante dessas
hipóteses levantadas, fomos investigar as brincadeiras.
Nossa surpresa pela pouca freqüência de registro de brincadeiras deu-se em parte pelo
olhar contaminado da experiência de registro de situação urbana da periferia, onde a rua,
como observa Pontes e Magalhães (2003), é um verdadeiro ponto de interação e de
compartilhamento de experiências. Esperávamos encontrar um registro bastante disseminado
da brincadeira, contudo isso não foi encontrado. A primeira impressão é que o rio não tinha o
mesmo papel da rua, ao contrário, ele parecia exercer uma função totalmente avessa àquela, a
de isolar e segregar.
A despeito desta primeira impressão, à medida que avançávamos em nossa
investigação percebemos dois locais de freqüência alta de brincadeira. Como as casas estão
localizadas muito distantes umas das outras, identificamos que a escola e o campo de futebol
são os locais de socialização intensos e que mais se aproximam da rua dos contextos urbanos,
pois apresentavam uma freqüência alta em que grupos de crianças podem ser observados
brincando.
Os nossos registros permitiram identificar, ainda, que não há divisão de tempo
equivalente aos parâmetros urbanos. O brincar não ocorre da mesma forma para todas as
crianças, é como se elas não seguissem uma rotina diária, tal como ocorre nos centros
urbanos, um horário para estudar, outro para brincar etc. As crianças brincam independente do
espaço, da atividade e da companhia, isto é, brincam durante as tarefas ou quando estão na
canoa ou no barco.
Com o decorrer do processo de habituação e da familiarização de nossa presença no
local, percebemos que deixamos de ser tão diruptivos em suas atividades cotidianas; não que
isso fosse totalmente alcançado, pois de alguma forma produzíamos alguma perturbação e
interferíamos na sua atividade rotineira. Os adultos e especialmente as crianças estavam
sempre atentos a nossa presença, nos observando, contudo sem tomar iniciativa de interação.
Após uma maior aproximação e uma “intimidade” bem mais consolidada, formas de
interação, por parte das crianças, começaram a surgir, como indagações, contato físico, gestos
e convites para brincar.
Outro aspecto que nos aproximou da cultura infantil do brincar foram os vestígios de
brincadeiras e brinquedos encontrados na comunidade. Esse ponto foi de extrema relevância,
pois, quando não foi possível registrar a brincadeira em desenvolvimento, seus vestígios,
traços e brinquedos encontrados possibilitaram a investigação de seu uso e de sua atividade
rotineira.
Os vestígios de brincadeira como: o terreno batido e sem vegetação, pedaços de
brinquedos artesanais e industriais, casinhas construídas com o material de região, brinquedos
em construção, assim como a própria brincadeira, nos levaram a especular sobre os vários
contextos em que elas se desenvolvem.
Apesar de espaço do brincar ser reduzido, quando comparado com o urbano, sua
identificação é de extrema relevância, pois possibilita um estudo mais completo da cultura da
brincadeira ribeirinha.
Nessa direção, discute-se abaixo as características específicas de cada espaço onde as
brincadeiras são desenvolvidas e os tipos principais de brincadeiras nele encontrado.
CATEGORIZANDO O CONTEXTO FÍSICO ONDE AS BRINCADEIRA S SÃO
EXERCIDAS.
O contexto possibilita entender as brincadeiras e as formas típicas de brincar e as que
estão relacionadas a ele. (De Conti & Sperb, 2001; Volpato, 2002; Moukachar, 2004).
Enquanto pressuposto fundamental deste trabalho, todas as brincadeiras encontradas têm
algum tipo de relação com o contexto mais amplo, ou seja, ao mundo ribeirinho. Contudo, no
próprio mundo ribeirinho, diferentes elementos contextuais, aspectos físicos, sociais e
relacionais, implicam em diferentes modos de brincadeiras. É nesse sentido que a
compreensão do contexto em que as brincadeiras ocorrem investe-se de fundamental valor
para o entendimento dos fatores relacionados com o brincar.
Para fins deste trabalho, as categorias desenvolvidas de contextos são inicialmente
recortadas em função de classes de particularidades típicas de determinados ambientes
físicos. Isso não implica em um determinismo físico ambiental ou em uma desconsideração
dos aspectos sociais e subculturais como caracterizadores de determinadas particularidades
do contexto; tomou-se o contexto em termos físico somente para fins de uma caracterização
didática.
Deste modo, os locais de interações lúdicas foram representados por três categorias
contextuais estabelecidas com base no levantamento sociodemográfico, no inventário
espontâneo das brincadeiras tradicionais e nas observações de campo.
As categorias foram desenvolvidas em função de semelhanças das particularidades de
brincadeiras desenvolvidas em cada contexto, contudo, como serão verificadas, algumas
brincadeiras são encontradas em contextos diversos, tal aspecto será sinalizado no decorrer da
descrição. Assim sendo, os contextos foram desenvolvidos em três categorias, considerando o
aspecto físico: espaço interno, espaço de transição e espaço externo.
Algumas dessas categorias são compostas por subcategorias de contextos. O espaço
interno é composto por toda a estrutura física das residências dos moradores locais; os
espaços de transição são compostos pelo rio, terreiros e espaços adentrados e o espaço
externo tem como subcategorias a escola e o campo de futebol.
Espaço interno:
Considera-se espaço interno toda área que envolve a casa dos moradores, incluindo o
jirau e o banheiro, mesmo estes localizados fora da área residencial.
As casas dos moradores do Araraiana têm como característica principal a sua
localização. Das 22 casas da comunidade somente uma não está localizada na beira do rio, o
que demonstra que este é parte integrante do cotidiano das crianças.
Quanto à estrutura física das casas, pode-se descrevê-las, em sua maioria, como
composta por três cômodos: sala, quarto e cozinha. A sala, em algumas casas, não é composta
de divisória na sua parte frontal (Ver figura 26). Os quartos geralmente são pequenos com
dimensões aproximadas de 3m² X 3m² (Ver figura 27). A cozinha é um pequeno ambiente
composto essencialmente de uma mesa, um fogão e um jirau (Ver figura 28). Ressalta-se que
o espaço da cozinha, raramente, funciona como refeitório, pois é utilizado, tão somente, para
o preparo da alimentação.
Figura 26, 27 e 28: Foto da casa, da dimensão dos quartos e da cozinha das casas.
As casas são cobertas, em sua maioria, com palha de Jupati e raramente cobertas de
telhas de argila. As divisórias dos ambientes são feitas de madeira ou de tala de Jupati. Os
assoalhos, geralmente, são de tábuas ou de Paxiuba4 (Socratea exorrhiza). No geral, como foi
verificado, as residências são construídas com materiais próprios da região. (Ver figura 29)
Figura 29: Fotos dos materiais encontrados na natureza que servem para a construção
das casas.
Apesar das casas se distinguirem uma das outras, há um padrão de divisórias.
Geralmente, existe na parte frontal da casa uma sala espaçosa, com uma parede que demarca
o restante da casa. No segundo cômodo, localiza-se o quarto e a cozinha e, na maioria das
vezes, apenas um quarto que é ligado à cozinha. Como parte essencial da cozinha, há o jirau,
uma espécie de tablado onde as atividades domésticas como lavar louças e preparar comida
são executadas. Apesar de serem consideradas casas pequenas todas têm em seu interior
amplos espaços que facilitam a brincadeira. (Ver figura 30)
4 Palmeira nativa da região
Figura 30: Foto de uma das casas que tem um interior amplo.
Os ambientes internos das residências são compostos de pouquíssimos móveis, os
mais comuns são bancos rusticamente produzidos por seus próprios moradores e estantes
improvisadas para a conservação dos cadernos. Nos quartos, não há camas e as roupas são
guardadas, geralmente, suspensas em fios ou pedaços de madeira, imitando a função de um
cabide. Na cozinha, não há presença de fogão a gás e as panelas são penduradas nas paredes.
Algumas casas apresentam enfeites nas paredes frontais como: os brinquedos
industriais ou de miriti, fotos de pessoas famosas, bicicleta, gaiola de passarinhos, espelhos,
televisão ou rádio, quase sempre inutilizados. Discutiremos posteriormente o uso de tais
brinquedos na parede, enquanto vestígios de uso de brincadeira e o fator valorativo
implicado.
Na porta frontal, por onde se entra nas casas existem trapiches ou troncos de miriti
que servem de ponte entre a casa e o rio.
O banheiro encontra-se normalmente fora da casa, sendo uma espécie de
compartimento independente desta. Este é descrito como um pequeno barraco sem cobertura,
com um orifício no assoalho, onde os detritos são depositados ao ar livre sem sistemas de
esgoto e, normalmente, são interligados à área residencial por troncos de açaizeiro e/ou
miritizeiro.
Considerando as características do ambiente interno das residências dos moradores da
comunidade referida, foram registrados os seguintes jogos e brincadeiras: preferencialmente,
brincadeiras que envolviam jogos de tabuleiros como dominó, baralho e dama, assim como a
peteca (bola de gude). Essas brincadeiras tiveram altos registros durante à noite com exceção
da peteca, pois é desenvolvida também no terreiro no período diário sem registro da sua
execução noturna.
Grande parte dessas brincadeiras é desenvolvida com os parentes, principalmente entre
irmãos e primos. Em duas famílias identificou-se que os pais, no período noturno, brincam
com os seus filhos, especialmente brincadeiras que envolvem jogo de tabuleiro, como o jogo
da vida e dama.
Espaço de transição:
O ambiente de transição é caracterizado pelo rio, terreiro e os espaços adentrados em
torno da casa. Essa área é caracterizada por grandes dimensões territoriais e tem sua
contribuição no desenvolvimento das brincadeiras.
O rio Araraiana exerce o papel de principal via de locomoção entre os ribeirinhos, é ele
que estabelece uma espécie de ponte ou via de ligação entre todos da comunidade e, ao
mesmo tempo, isola-os. O rio, portanto, representa uma área de interação social, física e
cultural, já que possibilita encontros lúdicos que podem ser observados na hora de viajar, no
momento em que uma criança pilotando uma canoa pega a outra para irem estudar, ou no
próprio banho.
Nos fins de tarde, o rio é ocupado com o “banho”, momento que se desenvolve um
conjunto de brincadeiras relacionadas a essa atividade. Em sua maioria, as brincadeiras
desenvolvidas neste período envolvem atividades motoras e de caráter turbulento. Pode-se
citar as brincadeiras com saltos, piruetas, mergulhos e as brincadeiras de perseguição, como as
piras, as disputas de resistência de fôlego etc.
Percebeu-se no conjunto de registro um misto de atividade lúdica e de higiene pessoal.
O banho das crianças, principalmente quando em pares, não é funcional, ou seja, não está
restrito à limpeza do corpo, percebe-se em sua maioria um caráter lúdico. O agito desta
atividade parece preparar a criança para uma atividade mais calma, a janta e a dormida da
noite.
Destaca-se que a brincadeira relacionada ao banho da tarde foi frequentemente
registrada e tinha como principais “atores” os irmãos, parentes ou vizinhos que moram às
proximidades.
O terreiro e os espaços adentrados são outras subcategorias do espaço de transição. O
terreiro caracteriza-se por ser o terreno ao lado e ao fundo das casas, onde há ausência de
vegetação rasteira. As laterais das residências são compostas de plantações de açaí, e ao fundo
de árvores frutíferas variadas (Ver figura 31). Nesses locais foram identificadas brincadeiras
desenvolvidas, principalmente, após o almoço.
As crianças brincam, preferencialmente, no período vespertino, primeiro porque a
maioria das crianças estuda no período matutino e há uma maior concentração de crianças no
período oposto. Além desse aspecto, as tarefas domésticas e o trabalho pesado ou de
subsistência são desenvolvidos, essencialmente, pela manhã, o que dificulta o encontro das
crianças para brincar no terreiro, nesta parte do dia.
Figura 31: Foto que demonstra o espaço de transição
As brincadeiras neste espaço de transição foram observadas no período de estiagem e
chuvas. No período de estiagem, o terreno ao redor das casas, geralmente, apresenta
consistência dura e seca, enquanto que no período de chuvas tem consistência alagada, com
aspecto lamacento. Apesar da condição de alagado, durante os seis meses de chuvas, é um
espaço de intensa atividade lúdica.
As principais brincadeiras registradas nessa subcategoria contextual foram as piras, o
cemitério, a bola e a bandeirinha o que demonstra a possibilidade de explorar esse ambiente.
Essa variação de brincadeiras demonstrou que as principais companhias do brincar eram os
irmãos e os vizinhos, essencialmente pessoas com parentesco.
Nessa terceira subcategoria, encontra-se a parte adentrada da floresta, a qual é
composta pela capoeira, mata terciária e campo aberto. Caracteriza-se por ser os espaços entre
residências e que favorecem, por serem intermediários, os encontros dos pares. Além deste
fator, propiciam adentramentos em territórios extras residenciais o que, aparentemente, parece
evocar as brincadeiras neles desenvolvidas, ou seja, brincadeiras relacionadas a conteúdos
exploratórios, como a caça e a exploração do ambiente (Ver figura 32).
Figura 32: Fotos que demonstram os ambientes adentrados
Em conjunto com os terreiros, os espaços adentrados são os locais com maiores
características de exploração de territórios e do desenvolvimento de brincadeiras relacionadas
às atividades de caça e coleta. Algumas vezes sugerimos acompanhar essas crianças em suas
buscas exploratórias, foi sempre nítido o conhecimento que detinham do ambiente, como a
busca de árvores frutíferas e o desenvolvimento de brincadeiras espontâneas, inclusive
conosco, ora revezando os papéis de guia, ora escondendo-se, deixando-nos em determinados
momentos perdidos.
Espaço externo:
O espaço externo é aqui composto por duas subcategorias, a escola e o campo de
futebol. Essas duas subcategorias de contexto são marcadas como verdadeiro lócus de
socialização.
Fisicamente, a escola apresenta-se de modo extremamente precário. Ela situa-se em
uma área de várzea, sendo basicamente um barracão de madeira coberto de palha (Ver figura
33).
Figura 33: Foto frontal e parte interna da antiga escola.
Por estar localizada em um terreno de várzea, não há a possibilidade de atividade livre
em terra firme, sendo realizada somente em sala de aula. Os únicos equipamentos encontrados
no interior da escola são: um quadro negro, um filtro de barro e as carteiras escolares.
Atualmente, a escola foi remanejada do lugar. O motivo do remanejamento está na
construção da nova sede da Igreja Evangélica, uma vez que o barracão onde a escola
localizava-se é propriedade da Igreja referida. Diante deste fato, um dos moradores cedeu à
sala da frente de sua casa para que a escola então funcionasse. A sala tem aproximadamente
24 m², dois quadros e 15 carteiras (Ver figura 34).
Figura 34: Foto da casa de um dos moradores que cedeu uma sala para funcionar a nova escola.
Essa nova escola tem características peculiares, pois funciona somente até a 4ª série do
nível fundamental, com uma classe multiseriada, que vai da alfa à quarta série. O fato de
funcionar somente até a 4ª série contribui para que aja uma freqüência alta de alunos que
repetem duas ou três vezes a mesma série e em outros casos abandonam a escola.
Apesar da sala atual ter uma dimensão menor, quando comparada com a sala de aula
da escola anterior, há áreas livres para o desenvolvimento das brincadeiras, como: o campinho
e o bambuzal, nomenclatura revelada pelas crianças. Estes espaços surgem no decorrer do
período de estiagem que vai de junho a novembro e apresenta como principal característica a
presença da vegetação nativa ao seu entorno.
O campinho é uma espécie de terreno localizado à frente da escola, no lado esquerdo.
O bambuzal é outro espaço localizado a direita da escola. Ambos apresentam características
físicas semelhantes, com vegetação nativa e terreno alagadiço. As principais brincadeiras
localizadas nestes espaços são: pira garrafão, cola, alta, bandeirinha, cemitério, entre outras.
(Ver figura 35)
Figura 35: Foto de uma criança brincando no terreno ao lado da escola, campinho.
Nestes sítios, onde se desenvolvem as brincadeiras, há um terreno limpo, sem
vegetação rasteira, devido o intenso trânsito das crianças brincando, o que inicialmente nos
indicou vestígios de brincadeira.
Todas as brincadeiras encontradas neste contexto foram desenvolvidas após o período
da aula, saída da escola, o que nos demonstrou uma intensa interação entre crianças que
moram longe e que não tem contato com seus colegas a não ser no período de aula.
A mudança da escola impossibilitou que algumas crianças continuassem seus estudos,
pois algumas moram perto da nascente do rio, enquanto a escola fica perto da foz, o que
dificulta o deslocamento destas crianças. Este fato traz como conseqüência, para as crianças, a
perda do ano letivo, além de ficarem isoladas do contato com outras crianças, já que a escola
perece ser o principal ponto de encontros infanto-juvenis.
A observação nos demonstrou que não há diferenças perceptíveis no registro de
brincadeiras por gênero nesta categoria. Tanto as meninas quanto os meninos estão presentes
nas brincadeiras no bambuzal, talvez em decorrência das brincadeiras de pira, cemitério e
bandeirinha.
Nessa categoria, houve somente um registro de brincadeira no interior da escola,
realizado por uma menina, que relatou brincar de faz-de-conta de professora. Porém, alguns
relatos de outras crianças em conversas informais relataram que brincam de professora ou
lição no período de aula.
O campo de futebol é outra subcategoria e situa-se as proximidades da na casa de um
morador, e tem como característica ser um terreno de terra-firme com árvores frutíferas ao
redor. Nessa residência há um trapiche amplo feito de madeira própria da região, o que facilita
o encontro dos moradores. Perto do trapiche pode-se avistar o campo de futebol que tem
aproximadamente 20 m de comprimento e 10 m de largura, sem qualquer vegetação,
demonstrando que há uma intensa atividade. Em torno do campo, há áreas descampadas e ao
lado mata fechada. Pode-se dizer que é o único local com uma extensão territorial
significativa, o que facilita o encontro de moradores. (Ver figura 36)
Figura 36: Foto do campo de futebol.
Este espaço demonstra, de uma forma geral, ser um lugar privilegiado para o lazer ou
qualquer outra atividade de integração social entre crianças e adultos.
O campo de futebol é identificado como um espaço que sofreu algum tipo de
intervenção, dos moradores, na melhoria de suas condições físicas. São o que podemos
chamar de “espaços formais de brincadeiras” como as praças, os parques e quadras esportivas.
O campo de futebol apresenta um suporte físico extremamente rico à brincadeira, por
promover o encontro de crianças em um espaço neutro, que não é a escola, nem a casa. É um
espaço lúdico que se recria continuamente no imaginário delas.
Das brincadeiras encontradas, pode-se salientar a pira cola, pira pega, cemitério, a roda
entre outras. É necessário salientar que por ser um local de encontro, as brincadeiras são
desenvolvidas em companhia com os colegas e não essencialmente entre os irmãos.
O campo de futebol é um grande ambiente de interação e de troca multietário, contudo
foi percebida uma organização por idade ou habilidade e gênero. Nesse sentido, se pode
verificar as crianças menores brincando em uma área mais protegida da bola dos adultos,
como brincadeira de roda, pira cola, de correr e de bola. Vale dizer que o campo é uma das
poucas áreas altas e secas do local, sendo um dos poucos espaços que é possível brincar com
areia.
Percebe-se que as crianças menores (de 5 a 10 anos) são levadas ao local por seus
genitores, geralmente as mães. Sob os seus olhares atenciosos, observam as crianças
brincando enquanto conversam e assistem ao jogo dos adultos.
Geralmente, os momentos de encontros se dão em dias estipulados pelos homens que
jogam futebol. Os registros permitiram identificar que as quintas e domingos eram os dias
estipulados, sendo que o horário de maior interação no campo de futebol é das 16 às 19 horas.
Essas categorias foram criadas de maneira que o leitor possa compreender a
especificidade dos contextos físicos e sociais em que as crianças se desenvolvem. Porém, essa
descrição por si só não é suficiente para a discussão desse tópico tão importante para esta
pesquisa, portanto o próximo item é caracterizado pela identificação mais sistemáticas dos
contextos de brincadeira.
OS CONTEXTOS ONDE AS BRINCADEIRAS SÃO PREFERENCIALM ENTE
EXERCIDAS
Considerando as respostas do inventário espontâneo de brincadeiras, foi realizada uma
análise quantitativa das categorias de locais mais citados pelas crianças.
É necessário esclarecer que participaram desse levantamento 35 crianças e
adolescentes, 21 meninas e 14 meninos, em função das constantes ausências (ida para as
sedes dos municípios, Ponta de Pedras ou Abaetetuba) das crianças da comunidade do rio
Araraiana. Este número de crianças é inferior ao total de crianças e adolescentes presentes na
comunidade, correspondente a 61 % e 41% respectivamente da população durante o período
em que a pesquisa foi aplicada, na faixa de idade pesquisada.
De maneira geral e de acordo com os dados, a categoria transição foi o espaço com
maior freqüência de respostas entre as crianças e adolescentes (5 anos a 18 anos), tanto do
gênero feminino quanto do masculino, o que demonstra a utilização dos espaços livre por
ambos os sexos (Ver figura 37).
Quanto à freqüência alta nos espaços de transição está relacionada às brincadeiras
como as piras, cemitério entre outras. A categoria externa teve maior registro entre os
meninos, o que pode está relacionado ao futebol, muito difundido entre o gênero masculino,
tanto na escola quanto no campo de futebol.
0
10
20
30
40
50
60
Transição Externo InternoCategorias dos contextos
Fre
quêc
ia R
elat
iva
F
M
Figura 37: Freqüência relativa dos espaços físicos onde as brincadeiras são
desenvolvidas.
Considerando somente o espaço interno, quando se pergunta quais são os locais em
casa que eles brincam, pode-se verificar os seguintes resultados (Ver figura 38)
0
20
40
60
80
100
Casa própria Casa decolegas
Casa deparente
Subcategorias do espaço interno
Fre
quên
cia
Rel
ativ
a
F
M
Figura 38: Freqüência relativa dos locais na categoria de espaço interno onde as
brincadeiras são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo.
Na categoria do espaço interno, as brincadeiras são mais desenvolvidas pelas meninas
(Ver figura 38). Posteriormente como será discutido, foi investigado que os tipos de
brincadeiras como a boneca e a casinha foram as principais atividades lúdicas exercidas no
interior das casas. Verificou-se também que as meninas saem de suas casas para brincar no
interior de outras, seja de vizinhos ou de algum parente.
Os meninos tiveram um alto registro dentro da subcategoria casa, isso pode está
relacionado ao fato dos meninos apresentarem uma intensa produção de brinquedos
construídos manualmente, como barcos e espingarda, todos de materiais encontrados da
natureza.
Quando se trata de espaço de transição, pode-se dizer que tanto as meninas quanto os
meninos compartilham de forma mais igualitária os contextos referentes a este espaço.
Porém, quando se visualiza as subcategorias pertencentes a este espaço, percebe-se que o
maior número de respostas está nas áreas livres mais próximas às residências das crianças
(Ver figura 39). Talvez em função do próprio isolamento imposto pelo rio e pela mata, o que
parece reforçar a suposição da existência de uma cultura típica de brincadeira familiar.
0
20
40
60
80
100
120
Adentrado Rio Terreiro
Subcategorias do espaço de Transição
Fre
quên
cia
Rel
ativ
a
F
M
Figura 39: Freqüência relativa das subcategorias de espaço de transição onde as brincadeiras são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo.
Dentre as subcategorias do espaço de transição, tanto as meninas quanto os meninos
fazem uso do terreiro na brincadeira, sendo que as meninas relativamente citam mais
brincadeiras desenvolvidas nesta subcategoria de local do que em outro. O rio, por outro lado,
teve maior registro entre os meninos, mas mesmo assim, teve baixo índice de escolhas de
maneira geral. Quando verificado sobre qual brincadeira foi registrada no rio, identificou o
barco e os saltos na hora do banho.
A subcategoria adentrada só teve registro entre os meninos, foi verificado que as
brincadeiras que estão relacionadas são aquelas que envolvem perseguição, caça e coleta.
0
20
40
60
80
100
Bambuzal Campinho Campo defutebol
Escola
Subcategorias do espaço externo
Fre
qûen
cia
Rel
ativ
a
F
M
Figura 40: Freqüência relativa das subcategorias de espaço externo onde as
brincadeiras são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo.
Somando todas as respostas das meninas e comparando com os dos meninos, pode-se
dizer que não há diferenças perceptíveis no registro de brincadeiras por gênero na categoria
espaço externo. Tanto as meninas quanto os meninos tem alta freqüência no bambuzal, talvez
em decorrência das brincadeiras de pira, cemitério e bandeirinha. O campo de futebol teve
um registro maior entre os meninos do que entre as meninas, o que pode está relacionado à
brincadeira futebol ou bola.
Nessa categoria, houve somente um registro de brincadeira no interior da escola,
realizado por uma menina, que relatou brincar de faz-de-conta de professora. Porém, alguns
relatos de outras crianças em conversas informais, relataram que brincam de professora ou
lição no período de aula.
UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O ESPAÇO DE BRINCADE IRA
Na presente investigação, as brincadeiras expressam, em sua maioria, o dia-a-dia da
população da região. Também foram encontradas várias brincadeiras que expressam uma
cultura com características tipicamente ribeirinhas, como o barco e a espingarda.
Muito das brincadeiras são representadas por temas domésticos (cozinha, boneca,
comidinha) e por temas ligados ao meio de subsistência como pescar, conduzir canoa,
construir gaiola, entre outras.
Tais brincadeiras estão ligadas, não somente à estrutura física dos brinquedos, mas,
aos contextos de interações em que são compartilhados pelas crianças. Nesse sentido, pode-se
dizer que a cultura ribeirinha, aliada aos contextos tipicamente amazônicos, propicia
brincadeiras específicas do local.
Diferente de como se pensava, o rio não é um local de intensa atividade lúdica. Há um
alto registro de brincadeiras na comunidade, porém em outros nichos, como na escola.
A concepção histórica de rua e de espaço público se faz mais presente pelos meninos,
enquanto que as meninas brincam mais nos quintais, jardins ou dentro de casa (Archer, 1992
& Maccoby, 1990). No caso do Araraiana, essa idéia parece ser concordante quando se
observa um maior número de meninas brincando dentro de casa. Em contrapartida, quando se
observa o número de meninas fora do contexto interno, percebe-se que esse padrão de
comportamento não é semelhante ao das crianças da rua na zona urbana.
Quanto ao espaço externo, pode-se dizer que a escola é um ambiente de intensa
interação e promovedora de socialização entre crianças. No estudo de Leite (2002) realizado
na escola de zona rural do município de São José do Rio Preto, identificou que esse é um
espaço de interação em situações que envolvem brincadeiras. Segundo o estudo referido, a
escola foi considerada um espaço privilegiado de interação, pois era vista como um espaço
esportivo ou de lazer.
No caso da escola da comunidade do rio Araraiana, pôde-se examinar que apesar de
não haver um espaço para o esporte declarado, ela ainda assim, é um espaço onde foi
observada uma variedade de brincadeiras e intensa interação, isso talvez esteja relacionado ao
fato de ser um espaço seguro para as crianças brincarem, diferente do rio.
Observa-se também, a escolha das brincadeiras de acordo com os locais, além da já
referida preferência dos meninos por ambientes externos e de meninas por ambientes
internos, aliado à influência de variáveis ecológicas e climáticas. Devido o forte calor da
região, em determinado período do ano, os locais preferidos são os que contêm sombras
(árvores); no período de chuva intensa, os locais mais procurados são os recintos internos das
casas; primeiro para a proteção da chuva e segundo pelo aumento das águas do rio que deixa
submerso boa parte do terreno. Porém, essa discussão precisa ser melhor investigada, pois
não há dados suficientes para identificar a variação das brincadeiras nos períodos de estiagem
e de chuva.
O trabalho de Bichara (1999) identificou que as brincadeiras, das crianças das aldeias
Xocó e Mocambo, também são influenciadas pela variação climática. Tal aspecto, também, é
enfatizado no trabalho com crianças da Periferia de Belém (Silva, 2006) onde há a presença
de brincadeiras específicas em períodos distinto de acordo com o clima, como o papagaio.
Os dados encontrados até o momento evidenciam que as crianças da comunidade do
rio Araraiana expressam, em suas brincadeiras, o modo de vida de seus pais e que sofrem
influências em seu desenvolvimento de particularidades culturais e, principalmente, que
diferenças socioculturais permitem variabilidade comportamental. (Rosen, 1974).
CARACTERIZANDO AS BRINCADEIRAS EXERCIDAS PELAS CRIA NÇAS DO
RIO ARARAIANA
Diante do que foi exposto e para uma melhor visualização da diversidade de
brincadeiras encontradas na comunidade do rio Araraiana, optou-se, primeiramente, por uma
apresentação em gráfico das brincadeiras com maior registro entre as crianças e jovens e, em
um segundo momento, a classificação e descrição das brincadeiras tradicionais.
Nessa primeira discussão, a brincadeira será apresentada de maneira geral, de forma
que traduza a diversidade lúdica no local da pesquisa.
A) A variedade e preferência por brincadeiras.
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Brincadeiras
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Figura 41: Brincadeiras encontradas na comunidade do rio Araraiana.
A figura 41 permite perceber que, embora as brincadeiras sejam bastante variadas, há
um grupo de registros que se destaca. A bola (futebol) contempla um total de 25 respostas; a
pira-esconde, com 24 respostas e a bandeirinha, com 23 escolhas, o que demonstra a
preferência destas brincadeiras entre as 66 crianças e adolescentes da comunidade. Estes
dados denotam preferências de brincadeiras, apesar das distâncias entre casas serem
significativas, e indica um compartilhar de preferência de brincadeiras entre as crianças.
A hipótese de pouco contato interacional entre pares, em tese, parece não ser
confirmada quando se observa os dados acima. Porém, deve-se notar que os dados do contexto
escolar pode ser uma variável importante quando se observa a variedade de brincadeiras
encontradas.
Porém, nem todas as crianças e os adolescentes estudam o que indica que em algum
momento e em algum contexto há interações entre as crianças e os adolescentes.
Outro fato identificado é quanto à preferência de brincadeiras típicas do contexto. O
barco, por exemplo, ocupa a 5º posição, assim como a caçada e a pesca, brincadeiras
recorrentes entre as crianças. Isso quer dizer que as formas de brincar são adaptadas ao
contexto em que as crianças vivem. Em todas as brincadeiras identificou-se traços específicos
do contexto local, o que pode ser exemplificado pela pira-pega, que ocorre em cima das
árvores, porém com regras semelhantes às urbanas. Trabalho análogo foi realizado com as
crianças das aldeias Xocotó e Mocambo (SE), em que as crianças recortavam aspectos das
brincadeiras e moldavam segundo o contexto (Bichara, 1999).
A descoberta da diversidade da brincadeira encontrada no local possibilita olhar para
as questões de gênero. O gráfico abaixo demonstra as preferências das brincadeiras segundo
as escolhas das meninas e dos meninos.
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Brincadeiras
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M
Figura 42: Brincadeiras segundo as escolhas femininas e masculinas.
Segundo a classificação acima, a boneca se sobrepõe sobre as demais brincadeiras
entre meninas. Assim como o barco, que apresenta uma alta freqüência em relação às demais
brincadeiras masculinas. A primeira consideração a ser feita, é quanto à escolha das
brincadeiras relacionadas à questão de gênero, pois são brincadeiras constituídas
historicamente como femininas e masculinas respectivamente.
Outro aspecto levantado é quanto à re-elaboração de versões de bonecas adaptadas á
realidade local, como bonecas feitas de sucatas, de garrafa pet e/ ou de materiais naturais
como o miriti.
Chama atenção, também, o fato de que a brincadeira de bola (futebol) tem uma
freqüência alta, entre as meninas, quando comparada com outras brincadeiras consideradas
masculinas. O que indica que, apesar do gênero e o tipo de brincadeiras serem variáveis
importantes, a brincadeira de futebol, neste contexto, possibilita a interação de grupos mistos
de crianças e adolescentes. Essa brincadeira apresenta um perfil de grupo tipicamente
homogêneo de gênero o que sugere que, embora em proporções diferentes, as meninas
brincam da mesma brincadeira que os meninos.
O barco surge como uma brincadeira que teve somente registro entre os meninos. Isso
leva a se pensar que é por ser uma atividade essencialmente masculina, pois o barqueiro
representa um mundo masculino do adulto, mesmo que se tenha observado meninas pilotando,
ainda é uma representação ligada ao gênero masculino, nesta comunidade.
Sabe-se que todo adulto na comunidade apresenta tal aptidão, porém dificilmente se
observa uma mulher adulta ou infanto-juvenil pilotando. O que se investigou é que as
mulheres são treinadas para pilotar em situações de vulnerabilidade, porém essa é uma aptidão
direcionada para o homem (provedor) da comunidade. Tal aspecto reflete os valores locais no
universo infantil, e explica, em parte, a não escolha das meninas pela brincadeira “com” e
“de” barco.
Do total de 29 brincadeiras escolhidas pelas crianças e adolescentes, 08 foram
classificadas como exclusivamente femininas e 08 predominantemente masculinas. Em
geral, são aquelas que envolvem alto grau de atividade e/ou confronto e desafio entre os
participantes, assim como as brincadeiras competitivas: barco, carro, pipa, polícia e ladrão,
tiroteio, caçada, lanternar e bilhar.
A comparação entre os dados das meninas e dos meninos possibilita identificar que das
29 escolhas, somente 08 são exclusivamente femininas e 09 predominantemente femininas
como as brincadeiras de boneca, casinha, quebra-cabeça, roda elástico entre outras. Isso
demonstra padrões de interação distintos entre os gêneros.
Nos estudos de Archer (1992) e Beal (1994), identificaram que os padrões de
interações de meninas e meninos são distintos. Os meninos brincam em grupos maiores e são
mais preocupados com status e reputação dentro dos grupos, enquanto que as meninas são
mais intimistas nas interações, mais cooperativas, fazem trocas de confidências, são mais
flexíveis que os meninos que são mais rígidos com seus papéis de gênero e mais preocupados
em rejeitar a feminilidade.
O uso do espaço também surge como uma diferença significativa, pois as meninas
usam espaços menores enquanto que os meninos ocupam espaços maiores e públicos em suas
brincadeiras. Aspectos facilmente identificados nos padrões de interações nas brincadeiras das
meninas e dos meninos da Comunidade do rio Araraiana.
B) Análise das companhias de brincadeira.
Outro foco ligado à análise de brincadeiras é o papel das interações e das relações
sociais no desenvolvimento. Nas últimas décadas, estes temas têm sido investigados
exaustivamente pela Psicologia, (Vygotsky, 1984), no entanto, a ênfase é dada aos estudos que
envolvem interações adulto-criança (Lindsey & Mize, 2001; Mendes & Moura, 2004).
Convém ressaltar que, nesta investigação, a análise de companhia é um indicativo primordial
do papel do parceiro nesse processo. Semelhante a maneira de interação dos adultos, a criança
também seleciona, recorta aspectos do comportamento do parceiro, ajusta-se e regula-se pelo
ajustamento do outro às suas ações, construindo assim, ativa e conjuntamente, atividades,
situações e conhecimento compartilhados (Carvalho, 1994) e neste caso, nas brincadeiras.
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Colegas irmãos primos sozinho sobrinho pais
Companhia
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Figura 43: número de respostas referente à companhia
Na figura 43, é facilmente identificado um alto número de escolhas na categoria
colegas, porém a soma total das categorias irmãos, primos e sobrinho é superior ao da
categoria anterior. Este fato pode ser explicado por duas variáveis importantes. Primeiro,
conforme os resultados de Silva (2006), a comunidade do rio Araraiana é composta por uma
grande rede familiar, aspecto que foi identificado no genograma do trabalho desta autora.
Assim, a maioria das crianças e adolescentes tem parentesco, fato que repercutiu nos dados
coletados de brincadeira. O segundo elemento indicador dessa possibilidade de explicação
surge das próprias características do contexto, isto é, as casas encontram-se distantes uma das
outras, o que dificulta o contato com outras crianças sem parentesco.
Isto é confirmado quando se observa que a categoria colega tem um número
expressivo quando a brincadeira ocorre na escola, pois é um dos poucos espaços de
socialização das crianças sem vínculos de parentescos.
Isto pode denotar uma cultura de brincadeira essencialmente familiar, ou seja, culturas
típicas de brincadeira de determinadas famílias, pois a condição de isolamento que são
impostas às crianças dificulta o compartilhamento da cultura de brincadeira entre pares; esse
aspecto apresenta um conhecimento diferencial dos encontrados em contextos urbanos.
Nos estudos de Lordelo & Carvalho (2006) com 62 crianças de 3 anos de idade, em
creches públicas e privadas em contexto urbano identificaram que a atividade lúdica é um
fenômeno sensível às condições contextuais.
Apesar de ser um trabalho realizado em um contexto e faixa de idade, distinto do
contexto do Araraiana, demonstrou que todo o sistema da brincadeira opera em interação com
o ambiente, dependendo de parceiros sociais e dos recursos ambientais disponíveis como: o
espaço, a estabilidade das condições e os tipos de materiais.
Semelhante discussão pode ser feita quando se observa o ambiente ribeirinho da
comunidade do rio Araraiana, pois o contexto, os parceiros sociais e os materiais naturais são
indicadores essenciais no desenvolvimento da cultura de brincadeira e dessa forma pode-se
pensar em brincadeiras e brinquedos tipicamente de núcleos familiares.
Considerando essa possibilidade e os materiais envolvidos nas brincadeiras, pode-se
identificar e analisar os tipos de brinquedos encontrados na comunidade do rio Araraiana e
assim, discutir aspectos peculiares dessa comunidade.
ANÁLISANDO OS BRINQUEDOS ENCONTRADOS ENTRE AS CRIAN ÇAS DO
RIO ARARAIANA
Formas de aquisição dos brinquedos identificados no rio
Um dos aspectos que caracteriza o brinquedo é a sua origem ou a sua forma de
aquisição. Diante dos dados levantados do inventário sociodemográfico, criou-se três
categorias principais que permitiram identificar a origem dos brinquedos como: categoria de
construção, identificando que os brinquedos são construídos pelas crianças do local, a de
doações, brinquedos doados por terceiros e, por último, comprados. (Ver figura 44).
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Construídos Doados Comprados
Forma de Aquisção
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Figura 44: Gráfico que representa as formas aquisição dos brinquedos
A aquisição e/ou a doação de brinquedos é realizada, principalmente, por fazendeiros
da região, nos períodos festivos de fim de ano. Este dado é importante, pois explica a
penetração de brinquedos urbanos, apesar do grande isolamento que se sobrepõe a essa
comunidade.
A freqüência alta de todas as categorias está diretamente relacionada às características
do brinquedo. Deste modo, foi necessário categorizar os brinquedos em artesanais e
industriais, para a confirmação da hipótese acima.
Os artesanais são todos os brinquedos construídos pelas crianças ribeirinhas, enquanto
que os industriais são aqueles adquiridos por via de compra e/ou doações e que se
caracterizam por serem produzidos pela indústria fabril.
Para a compreensão da categoria “construídos”, tentou-se investigar quem elaborava
ou confeccionava tais brinquedos, se eram somente as crianças ou se havia ajuda de
determinado adulto. Na busca dessa resposta, foram realizadas entrevistas com 03 crianças e
descobriu-se que nem todos os brinquedos artesanais são construídos por elas próprias. Após a
confirmação desse dado, procurou-se investigar com quem as crianças aprendiam. Segundo os
relatos de 02 pais, foram eles próprios que os ensinaram, principalmente os relacionados aos
brinquedos dos meninos, como o barco.
Quanto aos brinquedos das meninas, como a boneca e a casinha, além de ser a mãe o
principal agente incentivador, outras pessoas também foram indicadas, como as irmãs mais
velhas e as primas.
Apesar de serem os pais os parentes mais próximos e os principais agentes na
transmissão do conhecimento na construção de brinquedos artesanais, sabe-se que a criança é
um ser ativo e, portanto, re-criador do meio em que vive, pois era comum a observação, a
partir da forma primária, de outras formas e tipos de brinquedos construídos pelas crianças e
adolescentes, com variações de tamanho, formas e inventividade.
Conforme Packer (1984) e Valpoto (2002), a participação da criança nesta atividade
requer um senso de realidade compartilhado. O papel ativo da criança na transmissão cultural
garante que a cultura de sua geração vá além daquela de seus pais, pois as mensagens culturais
emitidas pelos adultos à criança são ativamente assimiladas por ela em suas estruturas de
conhecimento, de modos novos. Aspecto este, que pode ser observado no caso das crianças do
Araraiana, a respeito das variações de tipos de barco construídos pelas crianças.
Classe de brinquedos.
Em termos gerais, pode-se dizer que os brinquedos artesanais estão mais presentes nas
casas dos ribeirinhos do que os industrializados. Mesmo nas casas em que não haviam
crianças, foi observada nas paredes, a existência de brinquedos de mirití. Os próprios
moradores responderam que eram de seus netos ou seus filhos quando retornavam para
passear ou passar as férias.
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Artesanal Industrializado
Classe de brinquedos
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Figura 45: Número de resposta por família do tipo de brinquedo.
Apesar dos dados de brinquedos artesanais terem certa predominância, é importante
sinalizar o registro considerável dos brinquedos industrializados. Dentre as 17 casas com
crianças, as 17 tinham brinquedos artesanais e destas, 13 industrializados. O que denota a
importância do brinquedo industrializado nesse contexto.
Brinquedos artesanais
Na análise específica dos brinquedos artesanais, identificou-se que alguns elementos
que são comuns ao contexto ribeirinho como: a boneca, barco, a espingarda e a gaiola. (Ver
figura 46).
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Boneca Barco Espingarda Bola Baladeira Gaiola Carro
Brinquedos Artesanais
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Figura 46: Gráfico de número de brinquedos artesanais das crianças.
Pode-se dizer, portanto, que o gráfico acima demonstra aspectos eminentemente
contextuais, além de serem brinquedos construídos pelas próprias crianças e com materiais da
região. Todos os brinquedos citados refletem uma particularidade que é específica do local,
pois são objetos que representam o cotidiano da vida ribeirinha, como no caso da boneca, do
barco, da espingarda, da baladeira e da gaiola.
Pode-se dizer que a cultura local é uma entidade coletiva, portanto, com significados
compartilhados coletivamente. Essa é apreendida pela criança e pelo adolescente no contexto
das experiências vivenciadas em seus ambientes, muito mais que meramente nos setting
específico, onde os adultos, explicitamente, ensinam à criança.
Diante disso, entende-se que os brinquedos artesanais são muito mais do que mera
reprodução do cotidiano contextual, e ao mesmo tempo, refletem todo o modo de vida dessa
população.
A boneca, por exemplo, representante das brincadeiras das meninas é um brinquedo
que revela aspectos do universo feminino ribeirinho. De acordo com os dados demográficos,
as meninas são as principais assessoras de suas mães nas tarefas domésticas e no cuidados dos
irmãos menores, isso leva a entender que as brincadeiras que ocorrem em função da boneca
estão relacionadas, pelo menos em parte, às tarefas domésticas.
No trabalho de Leite (2002), com as meninas do município de São José do Vale do Rio
Preto, foi identificado que o trabalho familiar ocupa grande espaço. As meninas bem pequenas
realizam, junto dos mais velhos, outras atividades e ajudam suas mães nas atividades
domésticas, isto é, o trabalho das meninas está inserido no cotidiano junto do seu núcleo
social. As crianças do Araraiana, também, executam tarefas domésticas e quando perguntadas
sobre o brincar, foi identificado que todas brincam de boneca e casinha.
Quanto aos principais brinquedos dos meninos, o barco, a espingarda, a gaiola e a
baladeira, podem estar relacionados a um contexto primordialmente adulto masculino, o
homem provedor, o qual desempenha uma função de destaque na comunidade do rio
Araraiana. Conforme os dados da caracterização sociodemográfica, os homens, pais de
famílias, desempenham a função de provedor, sendo o principal mediador na inserção dos
seus filhos, preferencialmente meninos, na atividade de sustentação familiar, como as
atividades de caça, pesca e coleta.
Tal peculiaridade foi também identificada no trabalho de Leite (2002), com crianças da
zona rural, e percebeu-se que meninos e meninas têm a capacidade de tornar as tarefas diárias,
como trabalho pesado e a doméstica, mais lúdicas, o que torna difícil identificar se é
brincadeira ou “trabalho”. Esse estudo identificou, ainda, que as brincadeiras refletem o
trabalho dos pais, pois os meninos brincam de lavrador e as meninas brincam de casinha.
Pode-se compreender, então, que a realidade vivenciada é representada nos
brinquedos, pois é uma forma de recriar criativamente o contexto em que vivem, o que
proporciona um tipo de treino para habilidades fundamentais para a sobrevivência e adaptação
dessa população, nesse contexto. Conforme De Conti & Sperb (2001), a importância dada
para a atividade de brincar para o desenvolvimento da criança está relacionada ao
desenvolvimento afetivo, cognitivo e ao da criatividade.
Outro aspecto identificado nesse trabalho são os tipos de brinquedo relacionado ao
gênero. Apesar de não se ter um dado sistematizado quanto à construção e utilização dos
brinquedos por gênero, sabe-se que as meninas brincam ao construir bonecas, assim como
ajudam seus irmãos, primos ou colegas na construção de barcos, gaiolas, baladeira,
brinquedos de meninos.
Conforme a literatura, (Ache, 1989, Campenni, 1999; De Cont & Sperb, 2001;
Maccoby, 1988; Silva, 2006; Valpoto, 2002,), as meninas brincam mais com brinquedos
masculinos do que os meninos com os das meninas, porém, não foi registrada, durante as
observações, nenhuma menina construindo ou utilizando a espingarda. Os meninos, por sua
vez, utilizavam somente os brinquedos estereotipados para meninos.
Outra questão emergente do brinquedo artesanal é quanto o material utilizado na
construção destes objetos. Como já relatado na caracterização ambiental do local da pesquisa,
há uma variedade de espécies vegetais que servem como meio de subsistência para essa
população. Tem-se como exemplo a palmeira do mirití, que é essencial para a subsistência dos
moradores, assim como para as crianças que utilizam a palma da folha da árvore para a
construção de variados brinquedos: barco, boneca, espingarda, gaiola, jangadas e etc.
Além dessa palmeira, pode-se citar o mututi, espécie de árvore que nasce na beira do
rio. De sua raiz ou de seu caule são retirados pedaços medianos para a construção de barcos.
Sua principal característica é a capacidade de ser uma madeira leve e flutuante, o que
possibilita que o “barquinho” flutue na água.
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Miriti Garrafa Matuti Seringueira Pano Outros
Materiais naturais
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Figura 47: Gráfico indicativo dos materiais utilizados na construção dos brinquedos
artesanais.
Além dos materiais naturalmente encontrados na região, foram identificados materiais
sintéticos e industrializados como o pano e a garrafa plástica, que foram retransformados em
objetos simbolicamente adaptados à realidade ribeirinha. Estes tipos de materiais são
encontrados freqüentemente entre as brincadeiras das crianças da comunidade do rio
Araraiana.
A utilização dos materiais naturais e de sucatas na construção dos brinquedos permitiu
entender que o brinquedo artesanal é um importante representante do meio cultural onde as
crianças vivem. Possibilitou ainda entender que há uma ampla variedade de transformações
simbólicas: paus como revólveres, latas como utensílios domésticos, garrafas como bonecas,
entre outros. Esse aspecto ratifica o poder de reconstrução simbólica das crianças. (Vygotsky,
1984, Bichara, 1999 & Gosso, 2006).
Segundo Melo e Sperb (1997) e Machado (1994), a utilização de sucatas leva à
construção de significados comuns que devem ser negociados por não apresentarem um fim
determinado. Além, é claro, de ser desvendado por quem brinca, já que é um objeto possuidor
de inúmeros sentidos que não são tão óbvios nem evidentes, possibilitando dessa forma novas
e inusitadas relações.
Além dos aspectos já citados, Verba (1993), Mello (1994) e Weiss (1989) argumentam
que os tipos de brincadeiras muitas vezes são sugeridos pelas características físicas dos
objetos utilizados para brincar. As crianças negociam o significado de brinquedos, como os de
sucata e normalmente são criadas brincadeiras como faz-de-conta. Os brinquedos construídos
de sucata são fundamentais para as crianças, pois ao serem transformados artesanalmente,
passam a ter um valor afetivo.
Brinquedos Industrializados
A respeito dos brinquedos industrializados pode-se dizer que, apesar da
preponderância dos brinquedos artesanais, há uma expressiva presença dos industrializados.
Contudo, foram registradas poucas brincadeiras que envolvessem os industrializados,
exceto os brinquedos de bola e jogos de tabuleiro. Outro registro muito rico e bastante
singular foi observado a respeito da arrumação dos brinquedos industrializados nas
residências. Em todas as casas, os brinquedos industrializados são guardados como adornos
nas paredes frontais, ficam eles dispostos junto a calendários, fotografia de artistas, imagens
de santos, como pode ser verificado no destaque da figura 48.
Com referência à ausência de mobiliário, a forma de guardar o brinquedo remete a uma
possível dependência da representação dada ao objeto, como referência a algo de valor.
Figura 48: Foto de área da residência de uma família com destaque em vermelho para
o local em que os brinquedos industrializados são guardados, servindo como adornos na parte
frontal das casas.
Assim como os brinquedos artesanais, foram identificados tipos de brinquedos
industrializados encontrados na comunidade, os mais comuns estão demonstrados na figura
49.
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Bolas Bonecas Carros Barcos Avião Ursinho Jogo
Brinquedo industrializado
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Figura 49: Gráfico que demonstra a variedade dos brinquedos industrializados
encontrados na comunidade.
Estes dados demonstram e refletem a influência urbana presente na comunidade do rio
Araraiana. Pode-se dizer quer apesar do isolamento em que a localidade se encontra, ainda
assim, existe grande influência urbana representada pelos brinquedos industrializados.
O quantitativo de brinquedo industrializado teve uma freqüência tão alta quanto os
brinquedos artesanais. Entende-se que apesar destes objetos serem caracterizado como
brinquedos industriais, as crianças re-adaptam a sua realidade e, de uma forma ou de outra,
representam uma importante marca de pertença do grupo de brincadeira da comunidade do rio
Araraiana. Bonamigo & Kuder, (1990), Elga, Fenier, Kantor & Klein, (1988) verificaram que
os tipos de objetos utilizados por crianças de 3 a 5 anos para brincar são tidos por elas como
formas de afiliação e marca de pertença aos grupos de brincadeiras. Estes estudos
demonstraram que o brinquedo e as brincadeiras não são apenas utilizados pelas crianças para
sua diversão, mas desempenham um papel importante na condução do seu desenvolvimento.
Outro ponto discutido a respeito do brinquedo industrializado é quanto a sua forma de
aquisição na comunidade, que é por doação ou pela compra. O aspecto econômico é um fator
preponderante na aquisição dos brinquedos industrializados, fato que pode ser comprovado na
figura 44, de aquisição de brinquedo, pois demonstra que somente quatro famílias
responderam que obtém tais objetos lúdicos por meio da compra. Isso denota que a situação
econômica é uma variável que impede, em parte, a entrada dos brinquedos industrializados.
Segundo Volpato (2002) e Bichara (1999), a dificuldade econômica é uma condição
definidora para a obtenção desses tipos de brinquedos pelas crianças.
Em termos gerais pode se concluir que o brinquedo, como argumenta Sutton-Smith
(1986), é um produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos e, portanto,
importantíssimos para o estudo da criança em desenvolvimento.
Por outro lado, o brinquedo chama atenção por si mesmo, transformado em objetos
essenciais, que revelam uma cultura, já que está inserido em um sistema social e suporta
funções sociais que lhe conferem razão de ser. Porém, não somente como revelador da cultura,
o que em parte é verdadeiro, mas também como um transformador dela própria.
Possuidor de características especiais é um objeto portador de significados
rapidamente identificáveis e remete a elementos legíveis do real ou do imaginário das
crianças. Nesse sentido, o brinquedo é dotado de um forte valor cultural.
Conclui-se essa discussão, compreendendo que a apropriação do objeto, no caso,
brinquedo, está circunscrito em um contexto social e, portanto, caracterizado como um
mediador da relação com outra pessoa ou com o meio, mas sempre sobre o ponto de vista da
integração de uma cultura específica (Bomtempo, 1999).
DESCREVENDO AS BRINCADEIRAS EXERCIDAS PELAS CRIANÇA S DO RIO
ARARAIANA. 5
A maioria dos estudos realizados pela Psicologia do Desenvolvimento tem como base
teórica somente os contextos urbanos das crianças dos Estados Unidos e da Inglaterra, este é
um dos pontos que dificulta a discussão sobre a universalização de aspectos relacionados ao
desenvolvimento humano, pois têm somente como parâmetros os contextos industrializados.
Diante dessa contextualização, entendemos que pesquisas de cunho regional são de extrema
relevância, pois possibilitam entender os vários nichos culturais em que as crianças se
desenvolvem e assim nos permite a não aceitação de modelos generalizantes de
desenvolvimento muito difundido nas pesquisas dos paises industrializados.
5 Encontram-se descritas aqui as principais brincadeiras encontradas na área. Algumas não foram descritas por considerar-se que são de domínio público comum, podendo ser facilmente identificadas pelo leitor como exemplo do futebol, dominó, baralho e dama.
Diante deste paradigma, podemos citar vários trabalhos teóricos e metodologicamente
relevantes realizados no Brasil (Bichara, 1999; Gosso, 2006; Pontes & Magalhães, 2003;
Pontes & Izar, 2005;) pelos seus papeis nos estudos do desenvolvimento de uma Psicologia
comprometida com a compreensão do conjunto da realidade brasileira, focalizando distintos
grupos culturais e valorizando as peculiaridades culturais e históricas.
A partir desta perspectiva, a brincadeira pode ser apontada como uma “porta” de
acesso à complexidade de diferentes subgrupos culturais e sua descrição possibilita desvendar
alguns caminhos importantes para o estudo de uma Psicologia do desenvolvimento humano.
Para a concretização da descrição das brincadeiras, nesta pesquisa, optou-se por uma
classificação que atendesse os objetivos etnográficos deste trabalho. A partir do levantamento
bibliográfico referente às classificações e descrições das brincadeiras, escolheu-se a de Parker
(1984), já que apresenta uma classificação bastante utilizada nos trabalhos etnográficos e
antropológicos, similar a característica proposta nessa pesquisa. Diante dessa escolha, as
brincadeiras da comunidade do rio Araraiana serão descritas como: brincadeira de exercício,
brincadeira de exercício com objetos, brincadeira com movimentos finos envolvendo objetos,
brincadeira turbulenta, brincadeira simbólica e jogos de regras.
Brincadeira de exercício.
O trabalho de Nunes (2002) com crianças A’uwe-Xavante (MT), da aldeia
Namunkurá, identificou que os indiozinhos transformam o simples caminhar de um lado a
outro em brincadeira. Tais similaridades puderam ser observadas nas brincadeiras das crianças
ribeirinhas. O correr (Ver figura 50), como exemplo, foi uma das modalidades mais presentes
entre as crianças. A brincadeira acontecia de repente, como se houvesse algum motivo para tal
atividade. Alguém saia em disparada, podia ser na busca de algo ou alguma fruta, ou ainda, na
volta da escola para casa.
Essa brincadeira foi observada não somente nas casas onde havia terra-firme, mas nos
locais internos das casas, em que, principalmente, as crianças menores corriam.
Figura 50: Foto de crianças brincando de correr
No terreiro das casas, geralmente no período de seca, as crianças corriam para o rio ou
em volta de uma árvore, ou para subir em uma árvore, ou ainda, giravam sobre si mesmas com
os braços abertos, tentando avançar alguns passos até caírem completamente tontas.
Algumas observações possibilitaram os registros de correr no campo ao voltar da
escola. Talvez pelo simples fato de brincar ou se chegar mais rápido nas casas. Geralmente,
esse correr, sem disputa, foi identificado nos campos do Marajó, que apresenta um tipo de
vegetação rasteira e de terra firme, no período de seca. Os grupos eram mistos e independentes
da idade.
Um fato importante observado foi quanto a pouca habilidade física das crianças
menores ao correr, que normalmente ficavam para trás. De maneira imediata, a criança mais
velha parava e o esperava, sem nenhum vestígio de reclamação ou punição, somente saiam
dando risadas.
Por outro lado, no espaço adentrado, onde a mata é mais fechada e densa não se
identificou tal brincadeira com tanto freqüência, a não ser nos espaços que havia terra firme e
poucas raízes.
As árvores também possibilitaram diferentes formas de brincadeira de exercício. As
crianças da comunidade do rio Araraiana brincavam de subir e descer de árvores (jambeiro e
açaizeiro) aparentemente sem objetivo específico, somente pelo prazer da atividade. (Ver
figura 51). Algumas vezes, as crianças avistavam um fruto e subiam para apanhá-lo, sempre
envolvidos pelo divertimento e cercado de muitas risadas. A brincadeira era conduzida da
seguinte forma, uma criança chamava a outra, o mais velho comandava os menores para
permanecerem em baixo da árvore, fosse pelo perigo da altura ou para pegar as frutas. Quando
o menor não conseguia subir, era geralmente o mais velho que jogava a fruta para ele comer.
Essa brincadeira foi presenciada várias vezes durante a pesquisa e o comando, quase sempre,
era o mesmo.
A brincadeira de subir em árvores foi observada tanto no ambiente das casas quanto na
escola, entre irmãos e em alguns casos com os vizinhos. Foi observada, geralmente, em
grupos pequenos ou individualmente, nos quais todas as crianças participavam dessa
brincadeira, independente de idade e gênero.
Figura 51: Fotos de uma criança brincando de subir na árvore
As árvores prediletas eram aquelas localizadas as proximidades do rio, das casas e dos
terreiros.
Algumas vezes, as crianças subiam em árvores para olhar qualquer motor (barco)
que estivesse passando no rio, pelo simples prazer de realizar tal atividade ou para observar
ou cumprimentar, com um aceno de mão, os visitantes.
Ainda dentro da brincadeira de exercício, foi observado que as crianças se penduravam
em galhos, se balançavam e pulavam para o chão, quase sempre em árvores não muito altas.
Em outros casos, os mais velhos subiam tão alto que ficava impossível de vê-los, sustentavam
o corpo segurando os galhos com as mãos ou pisando em galhos tão finos que achávamos que
iam cair, algumas vezes controlando a descida com os pés agarrados ao tronco.
Além de subir em árvore, foi identificado que as crianças se penduravam ou se
agarravam em qualquer obstáculo elevado do chão, como pode ser percebido no episódio em
que elas estavam penduradas em pequenas hastes enfincadas nas laterais do tronco de miriti.
(Ver figura 52).
Figura 52: Foto de crianças penduradas nas hastes ao lado do tronco de miritizeiro
Nestes tipos de brincadeira de exercício não há uma regra clara a não ser a
demonstração de uma habilidade em jogo. É evidente que pelo próprio jogo relacional, na
dinâmica da brincadeira uma regra surja, como por exemplo, uma alternância entre seqüências
de papéis. Em outro sentido, por ser desempenhada em contextos essencialmente sociais,
percebe-se uma base motivacional de equiparação de habilidade.
A dança também foi encontrada como uma brincadeira de exercício, ela foi
identificada, preferencialmente, entre as meninas católicas e em momento muitos raros.
Primeiro, pela pouca presença de rádio nas casas e segundo por serem relatos de um grupo de
meninas que mantém contato intenso com outros municípios, o que leva a pensar em uma
forte influência urbana nestes relatos.
O “toco” é outra brincadeira que apresenta um caráter mais urbano, essa brincadeira
também foi identificada somente entre meninas. Ela ocorre entre duas crianças, e é guiada por
uma música “soco, soco, bate, bate...”, acompanhada por movimentos das mãos em que ambas
as crianças sincronizam os movimento específicos, seja batendo conjuntamente as palmas ou
as costas das mãos. É uma brincadeira que tem um cunho puramente urbano, devido ser uma
música difundida no programa da apresentadora Xuxa (Ver figura 53).
Figura 53: Foto de duas crianças brincando no barco de “soco-soco, bate-bate”.
Por ser um povo de beira de rio, a brincadeira de exercício no rio também foi
identificada. O rio é utilizado para o banho e pesca, além de exercer uma importante via para
percorrer longas distâncias em canoas ou barco local. Apesar de ter grande representação na
vida das crianças, exerce pouco fascínio para elas. Nadar não é uma brincadeira muito
observada, essa atividade é muito restrita quando se fala de rio. Quase sempre é na hora do
banho e se restringe à beira do rio, em cima de miritizeiros, muito distinto das brincadeiras
identificadas nas tribos dos índios parakanã (Gosso, 2004).
Diferentemente dos indígenas parakanã (Gosso, 2004), os ribeirinhos da comunidade
do rio Araraiana tem baixa freqüência de brincadeira de exercício na água. Collumbine (1950)
relatou, também, baixo índice de ocorrência de brincadeiras na água em povos de clima
tropicais.
O nadar é fundamental para sobrevivência dessa população, pois é bastante comum
observar crianças de três ou quatro anos nadando, porém nenhuma criança se atreve a nadar
até o meio do rio e permanecer muito tempo na água (Ver figura 54). A explicação da baixa
freqüência dessa brincadeira se dá pelo medo que se tem do rio. Existe na verdade uma lenda
que circunda os ribeirinhos. Segundo os relatos da maioria das crianças, há, no rio, um grande
peixe capaz de comer uma pessoa inteira, chamado de pirarara, o que é identificado como o
principal influenciador no não brincar na água.
Além desse fato, há relatos de puraquê6 e do jacaré presentes no rio, aspecto que são
constantemente relatados e reforçados pelos pais, demonstrando a forte crença transmitida
pelos genitores, pois segundo as crianças elas nunca viram tais animais, somente ouviram
relatos dos mais velhos. Tal fenômeno é tão intenso que todos os pesquisadores, assim como o
orientador, foram advertidos sobre o nadar no rio, principalmente na parte funda ou no meio.
6 Peixe característico da Amazônia que quando tocado por alguma pessoa emite uma descarga elétrica que pode levar à morte.
As brincadeiras ocorrem na beira do rio, quase sempre, na maré cheia. As crianças
utilizam árvores ou troncos de miriti como trampolim. Um tipo de brincadeira de exercício
específico foi o que os ribeirinhos identificaram como mortal (na água) desempenhado,
essencialmente, no período de maré cheia. Essa brincadeira ocorre quando a criança salta de
um lugar acima do nível do rio (tronco e/ou árvores), empurra-se, gira no ar e cai na água.
Cada criança fica esperando seu momento de dá o mortal, independente da idade e do gênero,
porém parece ter maior incidência entre os meninos.
Figura 54: Foto de crianças brincando na água, em pé, no miritizeiro, no período
noturno.
Andar de casco (canoa) é outra brincadeira de exercício, contudo está ligada a uma
atividade de trabalho (pesca) ou a ida para a escola. Mesmo na realização do trabalho de
pescaria, as crianças brincam o que é identificado pelo riso, porém sempre com respeito ou
medo do rio, o que explica a não utilização do casco pelas crianças menores, mesmo que elas
saibam nadar (Ver figura 55). A respeito da brincadeira que ocorre no casco (canoa), na ida
para a escola, será descrita no item jogo com regras.
Figura 55: Foto de crianças brincando no casco (canoa)
Nos exemplos citados, sempre é um mais velho que está ajudando um irmão menor de
idade, não foi identificado quanto ao aspecto do gênero, parecia que tanto os meninos quanto
as meninas brincam no casco (canoa).
A liberdade é uma característica marcante na vida das crianças ribeirinha e isso
repercute na sua forma de brincar, pois elas têm liberdade para brincar desde muito pequenas,
mesmo em situações perigosas, exceto no caso do rio. É explícito que longe do olhares dos
adultos a brincadeira livre contribui para que as crianças adquiram conhecimentos e limites
impostos pela própria natureza.
Com exceção do rio, percebeu-se que poucas vezes os adultos impõem os limites,
como na maioria das sociedades urbanas, são as próprias crianças que testam suas habilidades
e aumentam os riscos gradativamente conforme o desenvolvimento de suas capacidades.
Exemplo desse fato pode ser observado no dia-dia da comunidade, é muito comum observar
crianças utilizando, em suas brincadeiras, facas, subindo em árvores muitas altas, correndo
sem qualquer cuidado com os pés, ou se “tariando” (equilibrar) em troncos pouco espessos.
A brincadeira de roda foi um das brincadeiras registradas na comunidade, porém
observada, geralmente, entre as crianças menores de ambos os gêneros. Nessa brincadeira
as crianças ficam em círculo de mãos dadas, cantando as cantigas: sapatinho branco e
varre-varre vassourinha. (Ver figura 56).
Figura 56: Foto de crianças brincando de roda
A brincadeira bom barqueiro também foi citado pelas crianças, porém não foi descrita
de maneira precisa e nem houve registro de observação. Ela foi um relato isolado de uma
criança e que acabara de chegar da cidade de Ponta de Pedras, o que parece ter uma influência
direta na resposta da criança.
Brincadeira de exercício com animais e objetos.
No trabalho com os índios Paracanã (Gosso, 2004), foi identificado que algumas
brincadeiras de exercício com objetos podem ser incorporados às brincadeiras físicas
vigorosas que demandam habilidades e equilíbrio. Essas crianças indígenas brincavam de
flutuar com tábuas ou troncos de árvores e nadavam com auxílio do objeto e divertiam-se
sozinhas, ou com companheiros, revezando-se para usar o mesmo objeto.
Nas crianças da comunidade do rio Araraiana, brincadeira similar foi encontrada. A
jangada, construída de troncos de miriti ou de açaí, é usada para esse fim, porém as crianças
não se dirigem para o centro do rio, pelo medo dos grandes peixes.
Outra brincadeira de exercício com objeto que ocorre na comunidade é empurrar o
barco na margem do rio. A sua observação possibilitou identificar que essa brincadeira ocorre
individualmente ou em dupla, em alguns momentos parecia que era um teste para saber se o
barquinho flutuava ou não, em outros, se brincava de olhar o barco flutuar e ver onde ele iria
parar. Não foi observado o envolvimento de meninas nessa brincadeira, em alguns casos elas
somente observavam.
A brincadeira de exercício de andar de bicicleta teve baixo registro. Talvez por serem
objetos “raros” nesta comunidade que utilizam como principal meio de locomoção o barco e a
canoa. Além disso, a maioria das casas tem um reduzido espaço de terra firme para o
desenvolvimento dessa atividade. Essa brincadeira parece ser secundária, não há registro de
observação, somente relatos, o que impossibilitou identificar o aspecto da idade e gênero. (Ver
figura 57)
Figura 57: Foto de uma das casas que tem bicicleta
Apesar dos animais não serem considerados objetos, houve uma freqüência alta de
registros de brincadeiras com esses seres: cachorros, preguiça e aves, como o papagaio.
Algumas brincadeiras tinham como objetivo correr dos cachorros ou vice-versa. As aves eram
manipuladas para se equilibrarem nas mãos ou nas cabeças das crianças (Ver figura 58). Um
fato característico observado foi quando uma criança de 03 anos tentava pegar e segurar um
tipo de papagaio, mas, o animal tentando sair, voou, e mesmo com as assas cortadas subiu em
um esteio da casa. A criança foi atrás dele, subiu no esteio, até conseguir pegá-lo. Esse
episódio demonstra a habilidade motora e de equilíbrio em que as crianças, desde pequena,
desenvolvem.
Figura 58: Foto de crianças brincando com o animal típico da região O bole-bole é um outro tipo de brincadeira desempenhado por todas as crianças da
comunidade, independente do gênero e idade. Essa atividade é realizada com um tipo de
semente, muito comum na região, tem uma forma arredondada e achatada, de cor vermelha ou
vinho, com superfície dura, difícil de ser quebrada. Essa semente é facilmente encontrada,
boiando nas águas do rio. As crianças as utilizam em quantidade suficiente para caberem nas
suas duas mãos fechadas, em forma de cuia. As sementes são jogadas para o alto e tenta-se
pegá-las com ambas as mãos, e depois com o lado oposto das palmas das mãos. Essa
brincadeira termina quando se consegue pegar todas as sementes sem deixar cair. Pode ser
praticada individualmente ou em grupo, tendo cada brincante seu momento para brincar.
As brincadeiras desenvolvidas no rio Araraiana, dentro do casco (canoa) e com remo
também têm natureza de exercício físico com objeto, pois as crianças desde pequenas
manuseiam com grande destreza tais objetos e desempenham tal atividade (conduzir a canoa
com o remo) com naturalidade. Apesar de ser uma atividade comum na região e cuja
finalidade não é o brincar, em alguns momentos foi possível identificar comportamentos
verbais e não verbais identificando que estava ocorrendo uma brincadeira.
Algumas modalidades dessa brincadeira podem ser explicitadas: empurrar outra canoa
com a sua, pular para o interior do casco e o balançar, pular de uma canoa para outra, com
risos que revelavam o tom de brincadeira. A idade parece ser uma variável importante na
execução dessa atividade, crianças muito pequenas não foram observadas participando dessa
brincadeira. O gênero é outro ponto relevante, pois tanto as meninas quanto os meninos
tiveram participações marcantes nesta brincadeira.
Brincadeiras com movimentos finos envolvendo objetos
Nas brincadeiras, os objetos têm relevância na atividade lúdica, principalmente aquelas
que envolvem movimentos finos. Os camaiurá e os Yawalpiti (ambos do MT) constroem os
piões com frutos regionais, arcos, flechas e estilingues (Moisé, 2003). Nos meninos Paracanã
(Gosso, 2004) foram vistos usando arco e flecha em tamanho reduzido, confeccionados pelos
pais.
Na comunidade do rio Araraiana, a baladeira conhecida nos grandes centros urbanos
como estilingue, foi identificada como uma brincadeira envolvendo movimentos finos. Este
objeto é construído a partir de um galho de árvore em forma de forquilha, sendo que as suas
extremidades são enlaçadas com pedaços de câmara de pneu de bicicleta ou qualquer material
que estique (liga) para que ocorra o processo de impulso da munição. A munição é de caroço
de açaí ou de fruto de seringueira ou de tucumã. Funciona da seguinte forma: a semente é
arrumada na liga e em seguida é esticada, de forma que a parte frontal da forquilha seja
mirada para o alvo e assim, a semente seja liberada.
A habilidade relevante neste caso, não é a construção do brinquedo, embora tenha seu
grau de importância, mas sim a habilidade em mirar e acerta o alvo desejado.
Essa brincadeira é tipicamente masculina, já que não foi registrada entre as meninas.
Era comum o relato de que os meninos lançavam suas sementes conjuntamente, tentando
acertar uma folha, uma fruta ou um pássaro. Na maioria das vezes não havia alvo específico,
nem parecia haver competição no que diz respeito à direção da semente ou à distância
percorrida por ela, somente o treino para acertar o alvo. No entanto, houve casos em que as
crianças relataram que, propositalmente, colocavam algum alvo a ser atingido pela semente.
O desenhar com lápis da escola também foi descrita como uma brincadeira de
movimentos finos envolvendo objetos. Essa atividade é relatada, quase sempre, por crianças
entre 5 à 6 anos de idade, provavelmente por estar sendo alfabetizada. Quando perguntado à
criança se era um dever de casa, a resposta sempre foi negativa, ela simplesmente gostava de
fazer. Essa brincadeira foi identificada preferencialmente na escola, no período de intervalo e
nos ambiente das casas, desde que tivessem papel ou lápis disponível. Além disto, foi
registrada sendo desempenhada como uma atividade solitária.
Brincadeira de construção
Uma outra modalidade de brincadeira com objetos é a de construção. Bjorkulund &
Pellegrinni (2000) relatam alguns estudos com populações urbanas que revelam diferenças
sexuais na freqüência da brincadeira de construção. Meninos constroem mais estruturas do
que meninas e também manipulam mais os objetos, separando-os e juntando-os.
Este tipo de brincadeira também foi encontrada entre as crianças Paracanã, como
exemplos, a construção de bonecos, pratos, jabutis, etc, todos construídos com argilas. (Gosso,
2004)
Na comunidade do rio Araraiana, os vestígios da brincadeira de construção foram
constantes no decorrer da pesquisa. Porém, nem sempre foi possível registra o momento exato
desta construção o que levou a uma escassez dos dados de observação, em função disto, foi
utilizada como estratégia a documentação por meio de fotografias de um conjunto de
brinquedos construídos e encontrados nas residências, todos fabricados pelas crianças. As
seguintes classes de brinquedos foram: barcos, revólveres, espingardas, bonecas, entre outros.
Nessa comunidade, foi identificada uma variedade de barcos típicos da região. As
formas das embarcações refletem principalmente as atividades locais, pode-se citar o
pesqueiro (Ver figura 59), o pô, pô, pô (Ver figura 60), barco de transporte de mercadoria e de
passageiros, e a rabeta (Ver figura 61), barco caracterizado como um transporte rápido de
pessoas e mercadorias.
Figura 59, 60, 61: Foto de um barco pesqueiro, pô,pô,pô e rabeta de miriti construídos
pelas crianças locais.
Segundo as observações e as imagens fotográficas, o barco estava presente em todas as
casas que havia meninos, porém teve maior registro em duas casas, em que os meninos eram
primos. Todos os barcos eram construídos com materiais encontrados na natureza: miriti e
mututi. Essas crianças demonstravam grande habilidade motora na construção destes
brinquedos, utilizando instrumentos próprios para o corte das palmeiras e o conhecimento das
plantas nativas.
O brinquedo de miriti representa uma das características mais ricas da cultura infantil
da brincadeira, não somente na comunidade do rio Araraiana, mas também em termos da
região Amazônica.
O barco de miriti, somente, foi registrado por meninos. Não se sabe a que se deve essa
característica de gênero, mas pode-se supor que seja uma derivação da atividade de corte da
tala de miriti, feito, essencialmente, pelos homens ou devido ao uso de faca na sua fabricação.
Contudo, supõe-se que essa hipótese seja pouco sustentável, pois as meninas costumam
utilizar a faca no auxílio das atividades domésticas com suas mães.
Um outro fator que pode contribuir para essa característica de gênero é o fato de que a
transmissão de cultura da construção de barcos para as crianças do sexo masculino seja feita
basicamente por homens mais velhos (pais, primos, tios, parentes em geral). Este fato é
confirmado a partir do momento em que as crianças relataram que os parentes mais velhos
“repassavam” ou “ensinavam” o processo de fabricação dos brinquedos de miriti.
A construção do brinquedo de miriti foi, quase sempre, observada como uma atividade
em que a criança desempenhava sozinha, seguido pelas orientações paternas.
De qualquer modo, o curioso é que apesar da potencialidade de manejo do miriti para
fabricação de diversos objetos que possam representar atividades de gênero diversas, a
maioria encontrada refere-se aos aspectos do mundo masculino.
Barcos de miriti, caprichosamente feitos (Ver figura 62), são facilmente encontrados e
expostos nas residências como se fossem adereços de decoração do ambiente. A partir da alta
incidência deste registro, identifica-se que o próprio processo de fabricação seja parte da
atividade lúdica, sendo ela desenvolvida sozinha ou em paralelo.
Cada material utilizado na construção tinha uma forma de tratamento. Por exemplo, a
palma de miriti tinha que ser apanhada, secada e retirada a tala e, só então, estava pronta para
a sua utilização.
Quanto à árvore do mututi, bastava retirar um pedaço da árvore e construir o barco,
conforme a madeira vai secando, adquire a capacidade de flutuar na água. Apesar da
facilidade em construir o barco de mututi, o de miriti ainda tem maior incidência entre os
meninos.
Figura 62: Fotos que demonstram a brincadeira de construção
Outro tipo de brinquedo construído pelas crianças é o revolver e/ou a espingarda
confeccionados também com os materiais encontrados na região. Porém, a sua construção
requer uma habilidade mais apurada, segundo os relatos das crianças. Apesar da escassez de
registro de observação na construção dos brinquedos, houve um momento em que uma
espingarda foi construída por uma criança, tal registro permitiu identificar a dinâmica dessa
brincadeira que consistiu na execução solitária da criança, porém com a presença de outras
pessoas que lhe observavam, calados ou simplesmente dando-lhe palpites, sem qualquer tom
pejorativo.
A construção desse objeto é reconhecida na comunidade pela proximidade com a
atividade de caça que é muito valorizada na região. Diferentemente do contexto urbano o qual
considera a arma como um objeto perigoso, este brinquedo é valorizado pelos meninos e
incentivado pelos pais. (Ver figura 63).
Figura 63: Fotos de espingardas construídas por crianças com material nativo da região
Tanto na construção de barco quanto na de espingarda a habilidade do manuseio da
faca é uma necessidade de sobrevivência, primeiro porque as crianças necessitam dessa
habilidade para ajudar seus pais na coleta extrativista (apanhar açaí e/ou tirar tala) e segundo
por ser um treino motor para sua vida quando adulto. Em alguns casos, o grau de habilidade
em construir os brinquedos é tão sofisticado que determinadas crianças adaptaram o sistema
de propulsão dos braços de brinquedo, utilizando bobinas industrializadas, pilhas e baterias
para a sua locomoção.
Conforme os dados do levantamento espontâneo das brincadeiras tradicionais, algumas
bolas eram construídas do leite da árvore da seringueira pelas próprias crianças, denominada
de bola de sernanbi. Segundo os relatos, é a partir da defumação do “leite” da seringueira que
se constrói a bola. Esse dado é muito vago, pois não foi possível obter observação direta tendo
somente relatos verbais.
Ainda como brincadeira de construção, a boneca é um dos brinquedos com maior
diversidade de materiais utilizados na sua fabricação. Assim como na construção do barco de
miriti, as crianças relataram com grande refino a riqueza de detalhes na elaboração da boneca.
A boneca de pano, segundo o relato e as observações, foi ensinada pelas mães das
próprias meninas. A elaboração da boneca de pano tem seu início no momento em que há um
pedaço de pano disponível para sua confecção. As crianças cortam o tecido e modelam
conforme o corpo humano.
Depois de concluída essa etapa, as crianças costuram os lados, deixando uma abertura
para preencher o corpo da boneca com tecidos velhos. Em um primeiro momento, esse objeto
foi identificado somente em uma casa, em que havia a presença de três irmãs, sendo que a mãe
apresentava habilidades para tarefas manuais.
Em uma viagem subseqüente, foi possível coletar com mais detalhes a construção das
bonecas de pano e a identificou-se que havia bonecas em outra casa, onde as meninas com
idades similares a realizavam. (Ver figura 64).
Figura 64: Foto da boneca de pano.
A boneca de tronco de bananeira foi uma outra variação de boneca encontrada na
comunidade. Segundo os relatos, corta-se um tronco fino da bananeira e acopla talas de jupati,
como se fossem braços e pernas, porém sua confecção tem pouca incidência entre as crianças.
A boneca de vassoura de açaí é outra variação, a qual é muito comum nessa
comunidade. A sua construção se dá a partir da coleta de cachos secos do açaizeiro. A criança,
de posse desse cacho “vassouras”, amarra os fiapos (espécie de fios que compõe o cacho) ao
longo do tronco, no formato do corpo humano, deixando somente alguns fiapos para indicar
os braços e as pernas. Esse tipo de habilidade e material utilizado é muito característico da
região, pois os adultos utilizam, também, o cacho de açaí como vassouras que serve para a
limpeza da casa, do quintal ou do terreiro.
A boneca de miriti é outro brinquedo típico do local muito difundida entre as crianças.
Sua elaboração ocorre a partir das palmas do buritizeiro em que as mãos e os braços, do
mesmo material, são acoplados no corpo com talas finas de miriti. Neste brinquedo, a face da
boneca é construída, os olhos podem ser de sementes de açaí e a boca, quase sempre
desenhada.
Uma versão da boneca muito encontrada no rio foi à construída por garrafas pet,
material adquirido por meio da compra de refrigerantes. As meninas re-aproveitam esse tipo
de material (sucata) para a construção das bonecas. Tais garrafas são cheias de água para que
se tornem pesadas e se sustentem no chão, suas tampas servem como cabeça e ajudam a
prender um tipo de fio, equivalente ao cabelo (Ver figura 65). Esse brinquedo foi encontrado
com grande incidência nas casas onde existem meninas.
Figura 65: Fotos de duas crianças segurando bonecas construídas com garrafa Pet
Foi identificada, ainda, uma espécie de brinquedo construído com pedaços de bambu,
com aproximadamente 30 cm de cumprimento contendo um pequeno furo próximo a uma das
extremidades. A brincadeira derivada deste brinquedo foi identificada na saída da escola e
somente entre os meninos. Essa brincadeira acontecia da seguinte forma, depois de cortado os
pedaços de bambus, os meninos sopravam em um dos lados do objeto e este emitia um ruído,
cada menino tentava emitir o som o mais forte ou alto possível, isso ocorria no momento em
que eles estavam se deslocando para o interior do casco. À medida que eles se afastavam, o
som era emitido cada vez mais forte (Ver figura 66). Quando perguntado sobre o nome do
referido brinquedo, eles não souberam responder, falaram que era de bambu, que eles tinham
inventado e começaram a rir.
Figura 66: Fotos de uma criança brincando com objeto construído por ela própria
Construção de gaiolas é outra brincadeira caracterizada como de construção. Este tipo
de atividade foi identificado, somente, entre os meninos, independente da idade. A construção
de gaiola está diretamente ligada à atividade de capturar passarinho, pois geralmente são
construídas para esse fim. A gaiola é feita com tala de miriti ou jupati, em forma de um
quadrado ou retângulo, a parte de baixo é de palma de miriti em forma de um tablado que
impeça que a perna do passarinho fique presa, as laterais são tecidas com talas finas de miriti
de forma que as hastes impossibilitem a fuga do pássaro. (Ver figura 67).
.
Figura 67: Foto de uma gaiola construída pelas crianças.
O Maracá foi outra brincadeira identificada nos relatos, porém não houve nenhum
registro de observação. Conforme o que foi narrado, o maracá é uma espécie de brinquedo
construído com materiais naturais, como caroço de castanha-do-pará ou outro tipo de material.
As crianças colocavam no interior do caroço, pedras ou sementes, que quando balançadas
emitem um som, cujo objetivo é somente este. Não há registro de variedade de idade ou
gênero na sua construção, sabe-se que essa é uma brincadeira que ocorre em determinados
períodos, talvez em função do material que só pode ser encontrado sazonalmente.
No geral, pode-se dizer que a brincadeira de construção revela muito da criatividade e
particularidade do contexto ribeirinho. A utilização de materiais facilmente manipuláveis,
como o miriti e o mututi, possibilita a grande diversidade de objetos produzidos e,
especialmente em termos sociais. O desenvolvimento desses brinquedos isoladamente ou em
pequenos grupos, tipicamente díades, possibilita entender a riqueza e a diversidade na
construção e re-construção, pelas crianças, da realidade desta comunidade investigada.
O fato de determinado brinquedo ser desenvolvido em pequenos grupos apresenta um
aspecto que, ao mesmo tempo, restringe a sua disseminação e por outro lado, amplia a
diversificação. É fabuloso encontrar durante o mesmo período, culturas de díades de
brinquedos, ou seja, brinquedos que são desenvolvidos em determinados grupos não são
compartilhado por outros grupos, o que, provavelmente, caracteriza a não sazonalidade dos
brinquedos.
Se em contextos urbanos (rua) encontramos o fenômeno do contágio, do “tempo”,
“época” em que uma brincadeira é desenvolvida sazonalmente de modo disseminado em uma
rua ou bairro ou na cidade toda, nesta comunidade encontramos o inverso, há uma alta
diversidade de brincadeiras durante um mesmo período e este fato pode ser especialmente
verificado nos brinquedos de construção.
Brincadeira turbulenta
A brincadeira turbulenta é uma forma especial de brincadeira social e tem como
característica principal padrões de agressividade, porém em um contexto lúdico. Em
circunstâncias distintas, como em contextos mais sérios, tal agressividade provocaria cisão
entre os indivíduos envolvidos. Uma outra característica marcante e que distingui a
brincadeira de uma situação de combate é a presença constante de sorrisos e o risos, além da
autocontenção por parte do individuo maior e forte, indicadores principais de que se trata de
uma brincadeira turbulenta e não de uma briga real. (Ver figura 68)
Em alguns momentos, pode-se observar empurrões e agarrões característicos das
brincadeiras turbulentas, como na foto abaixo em que as crianças querem pegar um objeto
utilizando força física.
Figura 68: Fotos de crianças brincando de empurrar o outro para pegar um objeto no alto da árvore.
Na comunidade do rio Araraiana, a brincadeira registrada como de tiroteio ou
polícia e ladrão, apesar do caráter simbólico, apresenta algumas características turbulentas,
pois há registro de contato físico e empurrões.
As brincadeiras turbulentas foram observadas sempre paralelas ou secundárias as
outras brincadeiras como a pira, polícia e ladrão, futebol, bandeirinha, entre outras. As
brincadeiras turbulentas tiveram uma freqüência muito baixa, em alguns casos, foram
observadas na saída da escola ou quando os pesquisadores saiam de suas casas para entrar no
barco. Os meninos e as meninas empurravam uns aos outros, quase sempre em cima dos
troncos de miriti, como se um quisesse jogar outro na água, envolvidos pelo riso. (Ver figura
69)
Figura 69: Foto de duas crianças uma brincando de puxar a outra.
Brincadeira Simbólica
A brincadeira simbólica reconstitui o universo de valores, hábitos e convenções da
cultura em que a criança está inserida (Bichara, 1999; Moraes & Carvalho, 1994). Isto reflete,
em larga escala, na valorização de determinados papéis em detrimento de outros, quando
crianças líderes assumem papéis que representam maior status (Morais & Carvalho, 1994) e,
também, nos diferentes papéis assumidos em função do gênero da criança.
As crianças da comunidade do rio Araraiana brincam de faz-de-conta de variados
temas, como caçada, meios de transporte (caminhão, carrinho e barco), temas domésticos
(casinha, comidinha e redinha), temas escolares (escola, estudar, lição, professor), entre
outros.
A caçada é um tema que as crianças, preferencialmente os meninos, brincam. Nessa
brincadeira os meninos saem pela mata à procura de caça, fingem que atiram, e tudo que se
move é motivo para emitirem um ruído parecido com o som de um tiro, podendo ser uma
folha, ou até um passarinho. Em alguns momentos, as crianças simulam uma caçada, emitem
comportamentos como: espreitar por trás de uma árvore, ficar parado em sentido de alerta para
qualquer barulho e mirar um objeto, imaginário, em direção ao alvo.
Esse tipo de brincadeira faz sentido quando se observa o contexto em que as crianças
estão inseridas, além de observar a capacidade criativa de recriarem a sua realidade. São peças
fundamentais na construção de uma realidade vivenciada, não como meras reprodutoras do
social, mas como produtoras de sua cultura.
A brincadeira relacionada ao meio de transporte está presente no universo das crianças
da comunidade do rio Araraiana e envolve objetos como: caminhão, carros e barcos. O
caminhão e o carro, apesar de não serem objetos característicos do contexto ribeirinho estão
relacionados ao universo masculino.
A partir da observação das brincadeiras simbólicas com objetos, caminhão e carro,
identificou-se que as crianças simbolizam obstáculos físicos a partir de troncos de árvores,
raízes, folhas, sementes entre outra, simulando o contexto do universo adulto. De maneira
geral, observou-se que as crianças brincam sozinhas ou acompanhada de mais um membro
(díade), caracterizando-se como uma brincadeira solitária. Além deste aspecto, a brincadeira
simbólica, entre as crianças da comunidade, apresentou uma freqüência baixa quando compara
com outras brincadeiras, uma das explicações é quanto ao tipo de brinquedo, caracterizado por
ser industrializado.
Por outro lado, a brincadeira de faz-de-conta que envolve o barco é quase que unânime
entre os meninos e está presente em todas as casas onde vivem as crianças. Nessa brincadeira,
há ocorrência de histórias que envolvem barqueiros, viagens na baia do Marajó e lendas da
região que envolve o rio. Segundo os relatos das crianças, essas brincadeiras são realizadas
sozinhas ou em companhia de díades, quase sempre á beira do rio. Os brincantes criam
narrativas ou re-elaboram aspectos de suas experiências cotidianas que podem ser observadas
nas falas das crianças.
A brincadeira que envolve os temas relacionados à atividade doméstica, em sua
maioria, ocorre entre crianças do gênero feminino, porém houve relatos de que um dos
meninos brinca de casinha com as irmãs ou primas, contudo parece ser um fenômeno isolado,
característico de uma família. Nessa família, o irmão é o homem da casa, é ele que caça e traz
o “sustento”, mesmo brincando de uma atividade considerada feminina, o homem é
representado como o provedor da casa, papel desempenhado pelos homens da comunidade.
A brincadeira doméstica tem como sub-temas: brincadeira de casinha, de comidinha e
de redinha, nomes relatados pelas crianças. Nas observações dessas brincadeiras, identificou-
se que ela ocorre, essencialmente, no terreiro e/ou no interior das residências.
No terreiro, foi possível registrar redes de pano penduradas em pequenos troncos de
madeiras, com bonecas de sucata dentro delas, simulando crianças dormindo. Foram
observadas pequenas tampas imitando utensílios domésticos, como panelas (Ver figura 70).
Figura 70: Fotos das brincadeiras simbólicas: boneca, boneca na rede e panelinhas
Quando perguntado às crianças sobre os assuntos que ocorriam em volta da
determinada brincadeira, houve relatos que estavam imitando a mãe cozinhando, arrumando
casa e cuidando da criança chorando, refletindo o universo feminino e a rotina diária das
mães.
Os temas escolares também foram outras brincadeiras simbólicas identificadas na vida
dessas crianças. Tanto os meninos quanto as meninas relataram que brincavam com esses
temas, fato que ocorria na escola ou nas casas de algumas delas. Apesar de aparecerem como
nomes diferentes (dar aula, professor, lição), os relatos eram muito similares. Na maioria das
vezes, o mais velho era o professor e os demais eram os alunos, realizando tudo o que o
professor mandava: estudar, copiar do quadro, escrever o nome, ler o livro, apagar o quadro,
respeitar o professor.
Alguns relatos identificaram que a brincadeira ocorria quando a professora consentia
que os alunos brincassem no quadro, quase sempre após as aulas. Outros relatos informaram
que a brincadeira ocorria na casa, as crianças imaginavam ler livros, brincando de “lição”.
Este aspecto denota o poder que as crianças têm em representar o seu cotidiano e o poder que
a escola exerce na comunidade.
Outro tema encontrado foi sobre a taberna, essa brincadeira envolve vários produtos
como: farinha, café, açúcar, óleo, arroz, todos substituídos simbolicamente por materiais
encontrados in natura como: folhas, sementes, pedras. A brincadeira ocorria na presença de
alguma criança que assumia o papel de comerciante, vendendo os mantimentos para as outras
crianças, essas compravam e conversavam na hora da “venda” sobre variados assuntos, a
pesca, a caça, a casa e a escola das crianças. Um ponto curioso e relevante é o fato de que o
material que servia de troca eram folhas simbolizando dinheiro. Após os relatos, tentou-se
descobrir qual a relação representacional da taberna o com o universo ribeirinho e descobriu-
se que anos atrás tinha havido uma espécie de taberna na comunidade, além deste ponto, sabe-
se que a compra de mantimentos nos municípios vizinhos é constante na vida destes
ribeirinhos.
8. Jogos de regras
Variados tipos de jogos foram identificados na comunidade do rio Araraiana, alguns
com especificidades típicas do local como bandeirinha, cemitério, porfia (competição),
elástico, pira, macaca, entre outras.
Segundo a proposta deste estudo, todas as brincadeiras classificadas como jogos serão
descritas segundo o modelo de Avedon e Sutton-Smith, (1971). A partir das observações e dos
levantamentos das brincadeiras foram realizadas descrições estruturais das seguintes
brincadeiras.
Bandeirinha
Na brincadeira de Bandeirinha foi averiguado que os participantes, em geral, têm entre
6 e 16 anos, de ambos os sexos o que levou a caracterizá-la como um jogo de interação entre
meninos e meninas.
Para a formação dos times, há geralmente muita disputa para decidir quem irá compor
as equipes. De maneira geral, as crianças com maiores habilidades para a brincadeira
escolhem os brincantes. O último escolhido é habitualmente o mais fraco, ou aquele que ainda
não tem habilidade suficiente para a execução da brincadeira (a criança menor de idade).
Este jogo tem como propósito conseguir a bandeirinha do adversário que no caso da
comunidade referida é um pedaço de galho de árvore ou uma folha de açaizeiro. As
bandeirinhas ficam encostadas em um tronco de uma árvore, cada uma em um campo, na
maioria das vezes foi confundida como uma árvore, pelos pesquisadores, enquanto brincavam.
A brincadeira inicia quando duas crianças escolhem os integrantes que irão compor a
sua equipe. Não há par ou impar, como na brincadeira urbana (Silva-Bahia, 2006). A escolha
ocorre a partir de um consenso, quando é realizada pelo mais velho ou por uma menina, caso
ela seja, a mais velhas. O que se percebeu é que não há uma sistemática de escolhas, pois
assim que se verbalizada o convite para a brincadeira, os mais velhos escolhem os
participantes de seu time e assim há a formação dos dois grupos.
O território de brincadeira é composto por uma linha construída de tronco de açaí que
serve para demarcar o centro de campo e dividi-lo em dois lados. No fundo de cada campo
estão posicionadas as bandeirinhas as quais devem apresentar distâncias similares, tendo como
referencial a linha do centro do território da brincadeira.
Após as escolhas dos brincantes e a demarcação do campo, é necessário que se tente
alcançar o propósito da brincadeira. No decorrer de se alcançar o propósito da brincadeira os
brincantes tentam puxar o adversário para seu campo, caso este participante seja levado para o
campo do oponente ele fica “colado”, ou seja, só poderá sair do lugar se um dos membros do
seu time tocá-lo.
As tentativas de pegar a bandeirinha ocorrem durante toda a brincadeira, o time que
conseguir primeiro pegar a bandeirinha e levá-la para o seu campo é o vencedor.
As regras que envolvem a brincadeira variam de uma partida para a outra. Todas as
vezes as crianças combinam, antes ou durante o jogo quais as regras deverão valer para aquela
partida e desta forma, negociam a validade das regras. Assim, é negociada a área em que o
jogo se daria, se poderia ou não dar uma volta muito distante do campo da bandeirinha e se
poderia ou não puxar o oponente de seu campo, caso este não estivesse próximo à linha
divisória.
No caso das crianças da Comunidade do rio Araraiana, não há uma área restrita à
brincadeira, foi observado que alguns dos brincantes davam voltas ou percorriam distancias
tão grandes que não se conseguia vê-lo. Algumas vezes, as crianças alcançavam distâncias
extensas que o perseguidor e o perseguido chegavam aos campos do Marajó7.
No decorrer da brincadeira, a bandeirinha poderia ser arremessada, em alguns casos foi
observado que essa era uma regra não aceita, isso dependia dos participantes envolvidos.
Assim, a bandeirinha em vez de ser arremessada tinha que ser conduzida por um dos
participantes até o seu campo.
Não foi identificado um número determinado de participantes, isto dependia da
quantidade de crianças no local que variava de 5 a 10 crianças para cada time.
Além dos participantes, os papéis desempenhados pelas crianças eram distribuídos de
maneira implícita: uns marcavam os adversários, outros prestavam atenção ou vigiavam a
bandeirinha ou invadiam o campo adversário. É digno de nota que entre os participantes havia
um revezamento destas funções, porém, os brincantes com maiores habilidades de locomoção
eram os que desempenhavam a função de pegar a bandeirinha.
7 Locais que, em alguns casos, chegam a ser 500 m distante da beira do rio Araraiana.
O resultado ocorria quando o time adversário conseguia pegar a bandeirinha e o outro
time reconhecia o time como vencedor.
Um aspecto importante é quanto ao espaço físico, essa brincadeira se desenvolvia
em uma área onde o terreno é alagadiço, no período de chuva, e seco no período de
estiagem. Essa característica física denota que as crianças da comunidade brincam de
bandeirinha independente da época deixando descartada a possibilidade de sazonalidade
dessa brincadeira.
No local onde a brincadeira é mais intensa não há vegetação rasteira, mesmo no
período de chuva. Nem sempre o terreno é de terra firme, mas é rodeado de vegetação
rasteira e árvores da região, o que mantém o local de brincadeira sombreado (Ver figura
71).
.
Figura 71: Fotos de crianças brincando de bandeirinha.
Macaca
A brincadeira Macaca é uma variação da Amarelinha, brincadeira muito comum nos
centros urbanos. Na comunidade do rio Araraiana, ela é desenvolvida por meninos e meninas
de 05 a 17 anos de idade.
Essa brincadeira tem como propósito uma seqüência de pulos, obtendo o maior
número de “capotes” 8.
O procedimento para a realização da brincadeira se dá a partir da utilização de um
material para riscar o chão, um pedaço de pau ou pedra que serve para desenhar um esquema
da macaca. A escolha de quem é o primeiro a jogar se dá a partir de quem grita primeiro-“Eu
sou o primeiro”.
O jogo inicia quando o primeiro participante realiza sua jogada. O jogador coloca sua
pedra ou semente da região no local indicado, na primeira “casa” (quadrado). Ele pula com
um e dois pés alternadamente, seguindo todo o desenho da macaca, até completar o percurso,
retorna e realiza os mesmo passos. Finalizado essa etapa, o jogador se abaixa equilibrando-se
com um pé, pega sua pedra e sai da macaca. Em seguida, o jogador já localizado fora da
macaca, joga a pedra em direção a primeira “casa” e novamente pula sem pisar na “casa” que
está a pedra.
Caso finalize o percurso, sem pisar na linha ou se desequilibrar, retorna, pega sua
pedra e sai da macaca. A jogada se repete, e em uma nova casa a pedra deverá ser lançada.
Quando o jogador tiver percorrido todas as casas da macaca, os demais participantes
devem-lhe pergunta “lua ou estrela”, figuras desenhadas na “cabeça” (parte superior) da
macaca. É necessário dizer que há um acordo antes do início da partida, os participantes que
8 Nome dado a conquista de uma das casas da macaca como prêmio para por completar a seqüência sem erros, essa casa passa a ser privativa do jogador na qual os outros não podem mais pular (Silva, 2006)-essa nomenclatura é um termo urbano, não foi registrado nenhum nome similar na macaca dos ribeirinhos.
estão assistindo escolhem com quantos pés o jogador deverá pular as casas “lua ou estrela”.
Caso o jogador pule sem pisar na linha ou sair da macaca ele é o vencedor.
As regras da macaca são: não pode pisar na linha, não pode sair da macaca quando o
jogador lançar a pedra, a pedra não pode ultrapassar e nem esbarrar na linha, não deve ser
arremessada fora da macaca, o jogador que errar passa a vez e as casas que estiverem com
pedra não devem ser pisadas. Caso uma dessas regras seja violada, o jogador perde a vez e dá
lugar ao próximo competidor.
Quando o jogador completar todas as casas e acertar a lua ou a estrela, deve
arremessar, de fora da macaca, sua pedra, tanto de frente quanto de costa, em uma das casas.
Se acertar ele faz um capote e coloca suas iniciais naquela casa e nenhum outro jogador pode
tocar nesta casa. O jogo termina quando há desistências e nessa situação o vencedor é que tem
mais “capote” ou chegou mais perto de consegui-lo.
Existem dois papéis bem definidos nesta brincadeira, o primeiro é o jogador e o
segundo os observadores que também participam da brincadeira comentando cada jogada e
atuando com “árbitros”.
O espaço ambiental onde a brincadeira ocorre é, geralmente, no terreno seco plano,
pois permite que as pedras ou as sementes possam ser deslocadas com facilidade. A macaca
deve ter um comprimento que permita com que os jogadores consigam pular até sua cabeça,
parte superior.
Elástico
O elástico pode ser caracterizado como uma brincadeira urbana que foi registrada na
comunidade do rio Araraiana desenvolvida essencialmente por meninas, contudo houve
alguns relatos de meninos como participante.
Este jogo tem como finalidade (propósito) realizar todas as seqüências de saltos de
acordo com o nível de exigência. Para a sua realização é necessário que aja no mínimo três
brincantes. Dois dos participantes ficam em pé um na frente do outro, segurando o elástico em
volta dos tornozelos, enquanto o terceiro jogador realiza os movimentos (saltos) seqüenciais.
O objetivo do terceiro brincante é finalizar a primeira seqüência e, automaticamente,
seguir para a fase consecutiva até completar toda a série de exigências. Cada jogador deverá
pular, primeiramente, para dentro do elástico e executar os movimentos com as pernas, sem
tocar com as mãos. Cada seqüência tem um grau de dificuldade que é representado pelos
níveis de altura, referente às partes do corpo humano: tornolezo, joelho, nádegas, cintura,
sovaco, pescoço e orelha.
O jogo é composto por sete níveis: pré-elástico envolvendo o tornozelo, joelho-elástico
envolvendo os joelhos, bumbum-elástico envolvendo a região glútea, cintura-elástico
envolvendo a cintura, sovaco-elástico envolvendo as axilas, pescoço-elástico envolvendo os
pescoço e orelha-elástico envolvendo as orelhas.
Há algumas regras como: não pode pular para fora do elástico na hora de pular para
dentro, não pode deixar o pé escapar do elástico quando for para pisar em cima dele e não
pode trançar o elástico no jogador que está pulando. Em determinado momento, houve uma
regra caracterizada como “do mal” que significa que o brincante que está pulando não pode
dizer nenhuma palavra, caso isto ocorra ele perderá a sua vez na brincadeira.
Geralmente, a brincadeira se dá entre três crianças, mas não há limite do número de
participante, sendo que os demais serão observadores até que chegue a sua vez e poderão,
ainda, reclamar sobre as regras burladas.
Essa brincadeira ocorre em área livre preferencialmente no terreiro, pois tem uma
extensa área. O material utilizado é um elástico ou qualquer outro material que distenda. (Ver
figura 72).
Figura 72: Fotos de crianças brincando de elástico
Pira9
A Pira foi a brincadeira com maior variação registrada entre as brincadeiras da
comunidade do rio Araraiana com nomenclatura similares as urbanas, contudo com conteúdos
e regras distintos, pode-se citar: pira garrafa, pira alta, pira esconde, pira-mãe, pira na árvore,
entre outras. O maior número de registro ocorreu no momento da saída de escola, no período
da manhã e da tarde. Não houve registro no período noturno, fato que pode está relacionado à
ausência de energia elétrica na comunidade.
Uma ampla variação de idade também foi encontrada nesta brincadeira que vai desde o
menino de 2 anos até adolescentes de 19 e 20 anos, de ambos os sexos, aspecto que a
caracteriza com sendo um jogo de interação entre meninos e meninas.
9 Brincadeira conhecida no Brasil como Pega-pega.
A existência da “mãe” e seu desempenho funcional foram aspectos encontrados em
todas as modalidades de pira. Todas as modalidades desta brincadeira tinham na “mãe” a
finalidade em alcançar um objetivo, ou seja, alcançar um alvo. O jogo inicia com a escolha da
“mãe” que pode ser por espontaneidade ou ainda, pela criança que se oferece para brincar,
depois do grupo formado.
A forma de escolha mais freqüente identificada no local foi à garrafa. As crianças
fazem um circulo ao redor do objeto (garrafa) e giram-no com força até parar o bico do
utensílio em direção a alguém que automaticamente será a “mãe” naquela partida.
A seguir serão apresentadas todas as modalidades de pira cada qual com sua
especificidade.
Pira Garrafa ou pira garrafão
Essa brincadeira tem como propósito bater no objeto (garrafa) que a “mãe” está
protegendo. A “mãe” não deve deixar ninguém tocar na garrafa, caso isso ocorra, a pessoa que
é a “mãe” exercera novamente esta função.
A brincadeira inicia com a escolha da “mãe” e essa tem como objetivo defender a
garrafa que é, constantemente, atacada. Qualquer brincante tenta chutar a garrafa o mais longe
que puder, a “mãe” trata de correr atrás do objeto, ao passo que as outras crianças procuram se
esconder. A "mãe" deve pegar a garrafa e voltar ao lugar em que colocou o objeto
anteriormente, de costa a "mãe" inicia uma contagem crescente (a numeração é acordada antes
do início da partida pelas crianças). Quando a contagem terminar, o brincante “mãe” sai em
busca das crianças que estão escondidas.
No decorrer da busca, caso a "mãe" encontre alguém, volta correndo para a garrafa
bate três vezes no chão e verbaliza, simultaneamente, o nome da criança que encontrou. A
criança descoberta está, automaticamente, fora da brincadeira até que recomece outro ciclo.
Caso uma das crianças, durante a partida, arremesse a garrafa, a “mãe” deverá repetir
todo o procedimento inicial e, ao mesmo tempo, possibilita que os membros que estavam fora
da partida voltem para a brincadeira. A brincadeira tem seu fim quando os participantes
desistem ou quando todos forem revelados.
Algumas regras foram identificadas como: as crianças não podem delatar a outra
escondida; caso uma criança queira entrar na brincadeira depois de iniciada a partida, ela terá
quer aceitar o papel de mãe.
O grupo de brincadeira envolve de 4 a 10 crianças. A quantidade variava em função da
presença de crianças no local. Caso existissem 12 crianças, todas participariam da brincadeira.
A “mãe” desempenhava o principal papel da brincadeira, enquanto os demais buscavam
esquivar-se ou escondesse-se.
O resultado dessa brincadeira é deixar de ser a “mãe” o que implica em deixar de ser o
perseguidor.
Todos os registros dessa brincadeira foram encontrados no terreiro da escola ou nas
casas que tinham terreno seco. A área da brincadeira envolve todo o térreo em volta, sem
registro de uma área restrita.
O equipamento exigido para a realização dessa brincadeira foi somente a garrafa de
plástico, adquirida a partir dos utensílios utilizados na manutenção da casa, como garrafa pet
(Ver figura 73).
Figura 73: Fotos de crianças brincando de pira garrafa
Pira Alta
Essa brincadeira tem como propósito esquivar-se da ”mãe”, já que o objetivo é pegar o
maior número de brincantes que não estiver em um lugar elevado.
O início da brincadeira se dá pela escolha da “mãe” que automaticamente sai correndo
em direção aos brincantes para pegá-los. As crianças procuram um local alto para subir e não
saírem da partida.
Caso uma criança esteja no alto de um tronco, por exemplo, a "mãe" não pode pegá-la.
Enquanto a “mãe” estiver perseguindo um outro brincante, há constantes trocas de lugares
entre eles, é neste momento que a "mãe" tem a oportunidade de pegar algum brincante, o
simples toque faz com que o brincante seja a "mãe". A brincadeira finaliza quando a criança
perde o interesse.
As crianças não podem ser pegas enquanto estiverem em um lugar alto, ou seja, em um
nível superior ao chão. Elas não podem, também, permanecer por muito tempo no mesmo
lugar, caso isso ocorra, a criança será, automaticamente, a "mãe". Além dessas regras, a "mãe"
não pode, em hipótese alguma, puxar o brincante de seu lugar.
A quantidade de participantes varia em função do número de crianças presentes e o
resultado é alcançado quando a “mãe” deixa de ser o perseguidor e outra criança assume o
papel, e assim começa uma nova partida.
Os registros indicaram que essa brincadeira ocorre nos terreiros, na escola, nos
arredores das casas, em uma extensão territorial pouco delimitada. Os brincantes utilizam,
ainda, todos os suportes que lhes ajudam a permanecerem no alto e que são encontrados na
natureza: como troncos, árvores, pedras, canoa, jirau, entre outros (Ver figura 74).
Figura 74: Foto das crianças brincando de pira alta
Pira cola
O propósito dessa brincadeira é esquivar-se da "mãe", já que a finalidade é “colar”
(brincante que foi pego pela "mãe" e não pode sair do lugar) todos os brincantes, para então
iniciar nova partida e ser escolhida uma nova "mãe".
A brincadeira inicia quando se decide quem é a "mãe", em seguida o brincante tem que
se esquivar para não ser pego, ou seja, “colado”. Quando a "mãe" toca em uma das crianças, é
pronunciada a palavra “colado” e este deve permanecer no lugar em que sofreu a ação. Fica no
mesmo local até que outro brincante volte a tocá-lo e esteja livre, ou seja, pode se locomover
novamente pelo local.
As regras que regem essa brincadeira envolvem: a permanência do brincante no local
que foi “colado”; deve-se tocar em qualquer parte do corpo do participante, exceto puxar o
cabelo.
O número de participantes varia em função da presença das crianças no local onde a
brincadeira se desenvolve. É relevante citar que durante as observações todas as crianças
participavam ativamente dessa brincadeira.
O terreiro das casas, da escola e, eventualmente, o campo de futebol foram os
principais locais onde a brincadeira foi registrada.
Nessa brincadeira, não houve necessidade de nenhum material para a sua realização
(Ver figura 75)
Figura 75: Foto de crianças brincando de pira cola.
Pira esconde
Essa brincadeira foi identificada ainda como brincadeira de esconde-esconde. O
propósito dela é esconder-se da "mãe". A "mãe" terá que descobrir onde estão escondidos
todos os brincantes envolvidos na brincadeira.
A brincadeira inicia quando a "mãe" é escolhida, então um local é determinado para
ser a “base” da “mãe”, podendo ser uma árvore ou um esteio da casa. Essa base tem duas
funções, a primeira serve para a “mãe” ficar de costas para os brincantes e contar até dez, para
então sair à procura dos participantes. A segunda está relacionada ao local em que os
brincantes têm que “bater” (encostar) para não serem a "mãe".
Assim que os brincantes estejam escondidos, a "mãe" olha e tenta desvendar o
esconderijo das crianças. Quando esta descobre um dos participantes, ela diz onde ele está e o
chama pelo nome. Se neste momento ela deixar a base desprotegida e um dos brincantes tocar
na árvore escolhida e dizer “bati”, a "mãe" recomeça a rodada. Assim, a “mãe” além de
descobrir as crianças que estão escondidas ela tem que vigiar a base.
As regras dessa brincadeira são as seguintes: enquanto a “mãe” está contando até 10,
ela não pode olhar o local que as crianças estão se escondendo; nenhuma criança pode delatar
outra criança e a "mãe" deverá permanecer com esta função até que consiga descobrir todos.
O número de brincante varia de 5 a 10 crianças, dependendo do número de crianças no
local, independente do gênero. A "mãe" tem o principal papel e os demais são os brincantes.
Os espaços onde ocorrem à brincadeira são o terreiro das casas das crianças e o terreiro
da escola, incluindo os espaços adentrados. Este último é onde estão localizados os principais
lugares que servem como esconderijos: árvores, raízes, moitas, jirau, canoa, rio, igarapés entre
outros.
Figura 76: Uma criança (mãe) na brincadeira pira esconde indo procurar outras crianças que estão escondidas na mata.
Pega-pega10
Nessa brincadeira foram encontradas várias nomenclaturas, pira pega, pira pega no
açaizeiro, pira mãe e pira rebate, porém com descrições semelhantes. Identificou-se que os
nomes das brincadeiras mudam de acordo com a família pesquisada, ou seja, as famílias com
maior vínculo de parentesco apresentam nomenclaturas similares, em contrapartida aquelas
que moram distantes uma das outras apresentam nomenclaturas diferentes.
A finalidade dessa brincadeira é esquivar-se da "mãe", caso esta toque em qualquer
brincante, ele, automaticamente, será a "mãe".
Inicia a brincadeira quando a "mãe" é escolhida e em seguida corre atrás das crianças
para pegá-las. Quem ela pegar, imediatamente, se torna a "mãe". É uma brincadeira que exige
muito preparo físico, pois as crianças estão constantemente correndo. Um fato característico
dessa brincadeira na comunidade do rio Araraiana, é que como não há área descampada, sem
obstáculo, árvores, tronco, mato, rio, as crianças utilizam estes objetos naturais como formas
de esquivar-se.
Foi identificado um tipo de pira mãe na árvore, em que a “mãe” sobe na árvore para
pegar os brincantes, emitindo uma perseguição nos galhos das árvores, as crianças pulam de
uma árvore para outra com o objetivo de não serem pegas pela “mãe” (Ver figura 77).
Quando a pira pega na árvore foi pela primeira registrada, sentimos (pesquisadores)
uma mistura de euforia, pois nunca tínhamos ouvido falar em uma brincadeira que se
desenvolvia nas árvores. A pira pega pode, então, iniciar no chão, mas em determinado
momento ela pode se dar nas árvores. Como subir em árvore é uma habilidade que as crianças
10 Apesar de ter uma nomenclatura geral que caracterize como pira, nesta comunidade existe uma especificidade e as crianças nomeiam esta brincadeira, como um tipo da pira.
desenvolvem desde muito pequenas, pode-se dizer que a referida brincadeira é mais uma
manifestação dos aspectos próprios e peculiares desta comunidade.
Em um dos episódios registrados, pôde-se observar que várias crianças lançavam mão
dessa habilidade para tentar fugir da "mãe". No entanto, as crianças menores não praticavam
essa modalidade na árvore, ficando a cargo somente dos mais velhos, talvez pela maior
habilidade e confiança em realizar a perseguição e fuga nos galhos.
Essa brincadeira foi observada também no rio, porém com menor freqüência que nas
árvores e somente no período que as crianças tomavam banho.
O número de brincantes variava de acordo com a presença de crianças existentes, entre
4 e 12 participantes. A brincadeira foi observada nos terreiros das casas e da escola,
principalmente no período vespertino.
Figura 77: Foto de crianças brincando trepados na árvore de açaí.
Pira Ajuda
Essa brincadeira é muito semelhante à pira "mãe", inclusive com registros em cima das
árvores. O objetivo da pira ajuda é conseguir pegar os brincantes para que estes possam,
conjuntamente, com a “mãe” ajudar a pegar os demais brincantes, daí o nome da brincadeira.
A brincadeira termina quando todos os brincantes forem pegos e, então, inicia outra
partida. O primeiro que for pego será a próxima "mãe" na rodada seguinte. Não há restrições a
essa brincadeira, pois a única regra a seguir é ter que pegar todos os brincantes.
A variação de componente vai de 5 a 10 crianças, sendo desenvolvida nos espaços
adentrados, nos terreiros das casas e da escola.
Cemitério11
O jogo do Cemitério é praticado por ambos os sexos, com idade que varia de 6 a 19
anos. Os grupos são mistos e geralmente são formados por duas crianças ou adolescentes,
considerados com maiores habilidades físicas, de regra, são os mais velhos.
Pode-se dizer que o propósito do jogo é eliminar (matar) todos os integrantes do grupo
adversário. “Matar” significa que um brincante de posse da bola acertou o adversário.
A ação que envolve tal brincadeira é iniciada pela demarcação do campo, que deve,
necessariamente, ser do mesmo tamanho, pois é um tema que gera muita discussão. O campo
é divido em quatro partes, o campo maior é divido ao meio, atrás de cada campo fica uma
parte menor, identificado pelas crianças como o cemitério (para onde vão as crianças que são
“mortas”).
11Brincadeira conhecida no Brasil como Queimada, baleado.
O jogo inicia quando um dos times ganha a posse da bola, por meio da garrafa. Este
grupo tenta arremessar a bola em um dos brincantes do outro time, caso a bola pegue em uma
das crianças e esta não consiga agarrar a bola, ela é considera morta e vai para o “cemitério”
que fica atrás do campo oposto ao seu.
Esta criança ficará jogando a bola para o alto em direção ao seu campo de origem, o
que eles chamam de “combinando”, até haver uma oportunidade para que alguém seja
“morto”, ambos tentarão matar todos os elementos do grupo adversário. O “morto” não poderá
mais sair do cemitério e conta como menos um brincante, mas continuará a jogar, podendo até
matar outro componente.
Enquanto a posse da bola é de um time, os adversários correm de um lado ao outro até
que um dos membros consiga segurar a bola ou ser morto, neste momento, a posse da bola é,
imediatamente, do time que a pegou.
As regras deste jogo são bastantes claras: nenhum dos jogadores poderá pisar na linha
quando estiverem jogando a bola, caso isso ocorra será dada o passe da bola ao grupo
adversário; e quando a bola cair em um dos campos, a posse passa a ser do time em cuja área a
bola caiu.
Há dois papéis neste jogo, o “morto” e o “vivo”. Não foi identificado o café-com-leite,
como é conhecido nas brincadeiras urbanas aquele que participa da brincadeira, mas não está
sujeito as conseqüências das regras. Apesar de não ter registro desta nomenclatura, o papel
deste foi identificado em alguns momentos e em algumas situações. No decorrer da
observação, as crianças menores eram as últimas a serem escolhidas pelos times. Quando
mortas não ficavam “combinando”, esta era uma função desempenhada pelo mais experiente,
e na hora que o time oposto estava com o passe da bola, eram as primeiras a morrerem. Pode-
se concluir que apesar de não haver o relato verbal do café-com-leite, o comportamento
gestual emitido pelos mais experientes estava relacionado a função café-com-leite.
Nessa brincadeira, o espaço físico amplo é relevante para o desempenho da atividade,
uma vez o objetivo (“matar”) em um espaço reduzido seria facilitado e a brincadeira acabaria
rapidamente.
O material necessário para a realização da brincadeira é um pedaço de pau para riscar o
campo e uma bola, que segundo foi observada é de um tamanho da bola de futebol. (Ver
figura 78).
Figura 78: Foto das crianças brincando de cemitério no campo de futebol.
Taco
Este jogo envolve de 4 e 13 crianças, dependendo da quantidade de criança presente.
Tem como propósito conseguir o número de pontos com a batida dos tacos. As crianças
formam seus times com escolhas aleatórias ou com a garrafa. Após determinadas às equipes, o
jogo é iniciado.
Uma das equipes fica de posse dos tacos enquanto que a outra fica com a bola. Duas
garrafas ou latas são posicionadas na mesma direção, mas distantes uma da outra,
aproximadamente 5 a 6 metros. Os jogadores que ficam com a bola, posicionam-se atrás das
latas e os que ficam com os tacos na frente delas.
Os jogadores com a bola a arremessam um para o outro, tentando derrubar as garrafas,
para que possam trocar de lugar com os brincantes que estão com os tacos, tornando-se os
rebatedores. Por outro lado, os brincantes que estão com os tacos tentam defender as garrafas
para que elas não sejam derrubadas ao chão, enquanto isso, estes jogadores tentam rebater o
mais longe possível a bola. Neste momento, os brincantes que estão com as bolas vão a sua
procura e, simultaneamente, os rebatedores batem os tacos no centro do campo, realizando
uma contagem que vai de 1 a 10, podendo acumular um total de 100 pontos.
Ganha à brincadeira a equipe que atingir a maior pontuação. Tem como principal regra
derrubar as garrafas quando a bola for rebatida com os tacos e cair no centro do campo, assim
um dos brincantes da equipe poderá pegá-la no lugar onde parou e tentar derrubar as garrafas.
Quatro é o número de jogadores por partida, sendo que os jogadores se revezam entre
as funções de rebatedores e arremessadores de bola. A equipe vencedora permanece no jogo e
outra dupla desafia os membros vencedores.
O ambiente requerido para a realização é um espaço físico de aproximadamente 9 a 15
m. Para a sua realização, é exigido uma bola mediana construída com sacolas, e 02 tacos que
são de pedaços de madeiras ou tronco de árvores finos cortado na mata e 02 garrafas pet ou
latas.
Boca de forno
Essa brincadeira tem como propósito executar as tarefas solicitadas pelo brincante
chefe. No início da brincadeira, escolhe-se uma criança que será o chefe (espécie de líder) que
solicita determinadas tarefas aos demais brincantes. As crianças alternam a liderança e
habitualmente a escolha é aleatória, porém consensual. A partida é iniciada com o seguinte
diálogo.
-Boca de forno? -Forno -Tirando bolo? -Bolo - Onde eu mandar? -Vou -E se não for? -Apanha um bolo Após estes dizeres, a criança líder dita as tarefas que as demais terão que cumprir:
pegar uma pedra, um pedaço de madeira, folha, fruta, dizer algo ou fazer algo a alguém. Todas
as crianças saem à procura de realizar a tarefa verbalizada pelo líder e se conseguirem realizar
a tarefa retornam.
Caso um dos brincantes não consiga alcançar o objetivo, ou chegue por último em
relação às outras crianças, ganha um “bolo” (tapa na mão). As tarefas, quase sempre, vão
tendo graus de dificuldades maiores, de forma que impossibilite que determinada criança
consiga realizá-la. Nessa brincadeira, não existe um resultado preciso, acaba quando as
crianças perdem o interesse.
O ambiente natural é muito importante nessa brincadeira, pois é ele que delimita as
possibilidades de tarefas ou objetos a serem alcançados, por exemplo: pegar uma folha de
açaí. Na observação, foi identificado que todas as crianças conheciam os nomes dos objetos
requisitados. Em alguns casos, o pesquisador necessitava que alguém lhe informasse sobre
qual objeto estava sendo requisitado pelo líder.
Polícia e Ladrão
A brincadeira de tiroteio (polícia e ladrão) foi relatada como sendo uma brincadeira em
que dois grupos mistos participavam, um o “ladrão” e o outro a “polícia”.
Quando um dos membros do grupo de “ladrão” era preso, ele ficava em um local
reservado denominado de cadeia que quase sempre era uma árvore de grande porte, um lugar
de destaque escolhido pelos brincantes. Não houve registros de divisão de gênero, nem de
idade, o que se identificou foi que as meninas exerciam o papel da “polícia” e os meninos dos
“bandidos”.
A brincadeira acabava quando todos os ladrões eram presos, mas a finalidade era a
exploração dos lugares e o contato físico que em alguns casos se caracterizava por encenação
de briga corporal.
De maneira geral, os brincantes utilizavam paus como revólver e espingarda. Tal
brincadeira apresenta em seu desenvolvimento episódios tipicamente turbulentos, que são
independentes das regras explicitas e implícitas dessa brincadeira.
Pofia12
Essa brincadeira pode ser entendida como corrida ou uma disputa em grupo. No caso
da comunidade do rio Araraiana, a brincadeira pofia ocorre na água entre dois ou mais grupos,
todos em canoas, geralmente na ida ou vinda da escola, independente do gênero e da idade.
(Ver Figura 79).
12 Segundo o dicionário Aurélio a grafia correta é Porfia que tem como significado competição, rivalidade e disputa.
Figura 79: Fotos das crianças saindo da escola em canoas.
Geralmente, os grupos são formados por crianças que moram perto uma das outras ou
por irmãos que se dirigem para a escola. Quando as canoas se encontram no rio, surge um
convite “vamo pofiar” e, automaticamente, inicia a competição. A chegada é a escola ou as
casas, e o vencedor é quem chegar primeiro.
O ambiente necessário é o rio. Quanto aos materiais exigidos, são essenciais as canoas
e os remos. Essa brincadeira tem sua peculiaridade quando se observa que independente do
material e do espaço físico ela é executada e no poder criativo das crianças da comunidade do
rio Araraiana.
Estas observações e descrições demonstraram que as crianças ribeirinhas têm jogos e
brincadeiras semelhantes às urbanas como: casinha, pira esconde, jogo de bola, perseguições,
mas também atividades lúdicas bem peculiares e representativas de sua cultura, tais como, as
brincadeiras de caça, pesca, barco, pira pega na árvore, confecções de bonecas de sucatas ou
materiais da natureza. Todas as brincadeiras, assim como os jogos, parecem exercitar não só
habilidades físicas, mas também habilidades sociais, cognitivas e afetivas importantes para o
desenvolvimento físico, social e emocional das crianças e adolescentes da comunidade do rio
Araraiana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Corre meu rio sem barreiras Onde fiz minha doce pesqueira Donde agora não te vejo mais Só em sonhos que te tenho voraz. (Miguelangelo, Poeta Paraense,Cametaense)
Inicialmente, gostaria de ressaltar a satisfação em ter realizado esta pesquisa e sua
imensa contribuição em minha vida pessoal e profissional. A grandiosa experiência
vivenciada por quase 02 anos de pesquisa, levou-me a compreender e respeitar, ainda mais, o
modo de vida do povo ribeirinho, sobretudo as crianças.
Nossas observações permitiram entender que o modo de vida dessa gente é tão
importante quanto o dito mundo “civilizado”. Seu modo de vida tem características que
podem ser identificadas como singulares e peculiares representadas pelo ambiente físico e
as formas de interações interpessoais desenhadas no convívio com a comunidade. Portanto,
o ribeirinho da comunidade do rio Araraiana apresenta determinadas características que são
próprias e específicas e deste modo pode ser entendido como um universo singular.
Considerando as características peculiares da comunidade do rio Araraiana, podemos
dizer, então, que a perspectiva descritiva que esta pesquisa assume demonstra a relevância
desse tipo de estudo, tão quanto uma pesquisa teórica discursiva. Ao nosso entender, a
perspectiva descritiva propicia a compreensão do fenômeno de maneira abrangente e profunda
e ajuda a contextualizar o objeto de pesquisa, neste caso a cultura da brincadeira.
De qualquer modo, exploratoriamente aqui e ali, são arriscadas algumas elaborações
de caráter mais teórico que, conjuntamente com os dados descritivos, permeiam, justificam e
dá sentido lógico e racional a esta pesquisa.
Este estudo entende, portanto, que os fenômenos sociais, sobretudo nos grupos de
brincadeira, ocorrem de uma forma sistêmica, dialética e contextualizada e que todos os
aspectos que envolvem tais situações, como as interações interpessoais e os contextos,
configuram-se como reveladores do modo de vida dos sujeitos envolvidos e como indicadores
importantes para o estudo do desenvolvimento infantil.
A partir do pensamento sistêmico e dialético, foi proposta uma análise integrada dos
dados de observação e dos inventários que revelou o ambiente ribeirinho como uma
composição de sistemas ou subsistemas (escola, família e trabalho, religião) reais para as
crianças que ali se encontram. São nesses subsistemas que elas estabelecem contatos sociais,
desempenham papéis e realizam diversas atividades, como a doméstica e os trabalhos de
subsistência, como pescar, tirar tala, apanhar açaí, pilotar barco e canoa, entre outras.
Em termos sistêmicos, é evidente que o sistema familiar, do trabalho, da religião,
infantil, escolar, estão interligados e que de uma forma ou de outra se influenciam, como pôde
ser observado no resultados e principalmente na discussão da autonomia do universo infantil.
A autonomia da cultura infantil deve ser interpretada em função do contexto em que tal
cultura se situa. Nos contextos urbanos, por exemplo, as relações de pares ocorrem de modo
disseminado e, em grande parte, independente das relações familiares, como verificado nos
estudos de rua das periferias das grandes cidades. Este contexto possibilita uma maior
autonomia da disseminação de uma cultura infantil que existe quase que independente das
relações adultas.
No caso do ribeirinho do Araraiana, o isolamento e a forma de organização social
típica em torno da família parecem influenciar diretamente em uma menor autonomia do
mundo infantil e uma maior dependência aos aspectos referentes à cultura e ao universo
adulto, como a religião, o mundo do trabalho e as relações. Como a proibição, por parte da
religião, na execução de determinadas brincadeiras. Em termos sistêmicos, é evidente que em
nenhum dos casos, o mundo e a cultura infantil, mostram-se como um sistema fechado, a
discussão envolve as fronteiras relacional que estão diretamente ligadas às outras unidades do
sistema cultural mais geral.
Um bom exemplo do pensamento sistêmico pode ser evidenciado no caso da influência
da religião. Como se sabe, há duas religiões bem definidas e contrastantes na comunidade e
que afeta a rotina diária dos moradores e consequentemente na brincadeira, já que não poderia
ser diferente, uma vez que consideramos essa atividade como contextualmente situada.
Sem a pretensão de agir em defesa de qualquer religião, a evangélica demonstrou
influenciar diretamente em determinadas brincadeiras, principalmente aquelas cujo objeto
“bola” está envolvido. Os evangélicos proíbem seus filhos de realizarem qualquer atividade
que envolva bola, porém apesar desta proibição, e em momentos específicos, as crianças
burlam estas determinações. Pode-se concluir que mesmo na presença de uma variável
cultural forte, religião, o poder do grupo e a capacidade criativa das crianças, enquanto sujeito
ativo do processo, agem como uma força intensa e contrária a esta norma cultural, o que leva a
identificar a criança como sujeito ativo do seu desenvolvimento e a criar estratégias para
brincar.
A partir das observações acerca das estratégias do brincar das crianças, foi possível
pesquisar as variáveis que interferem nessas brincadeiras. Tais variáveis são fatores que
compõem a realidade concreta de cada criança e da comunidade em questão, isto é, estão
relacionadas ao modo de vida, as possibilidades de apreensão necessárias para a sobrevivência
do grupo social, as relações com o mundo adulto, com a família, com a escola, com a natureza
e por fim às condições socioeconômicas. Podemos dizer, então, que em relação às variáveis
que interferem nos brinquedos, nas brincadeiras e nos jogos das crianças influenciam
conjuntamente e concomitantemente, sem haver um fator que prepondere ao outro.
Este estudo mostrou, ainda, uma paisagem complexa e multideterminada das situações
de brincadeira, com variáveis que envolvem desde o microssistema das crianças, até questões
macrossitêmicas relativas aos valores, às crenças, aos planos econômicos e às formas de
governos da sociedade na qual se insere.
Em termos macrossistemico, a realidade é representada pelo isolamento geográfico e
ausência de energia elétrica na comunidade o que reflete na forma de brincar das crianças do
Araraiana. O contexto de várzea, como exemplo, cria regulações de relações de dependência
das enchentes e vazantes dos rios, envolvendo os custos para a manutenção dos contatos,
exemplificados na posse de uma canoa e o esforço físico para o deslocamento, entre outros.
O isolamento, aliado a outras condições físicas, sociais e culturais proporciona
unidades típicas de relacionamento em díades, geralmente parentes. A construção e
reconstrução da cultura têm como base essa unidade (relações diádicas) e estão mais propícias
ao desenvolvimento de determinados tipos de brincadeiras, como as de faz-de-conta
(simbólicas) e a construção de brinquedos, quase sempre observadas em díades. Diante dessas
condições, pode-se dizer que foi exatamente nessas brincadeiras que foram encontradas uma
grande tipicidade e especificidade local.
É curioso também observar que mesmo em uma comunidade muito pequena, algumas
brincadeiras são típicas de determinadas díades ou famílias, o que mostra uma extrema
dependência da cultura da brincadeira com outras dimensões como a meso e macrossitêmicas
do local.
Há ainda brincadeiras que têm certa dependência de um grupo para o processo de
dispersão, por exemplo, os jogos com regras. Tais brincadeiras têm o grupo como seu
principal fator de disseminação, e a escola e o campo de futebol o seu nicho fundamental. É
neste contexto que as brincadeiras com um caráter mais urbano são encontradas, como o
cemitério. Sua organização em termo de times ou de grupos maiores é essencial pra o
processo de disseminação entre as crianças.
De modo geral, pode-se dizer ainda que as situações de brincadeiras, encontradas no
contexto ribeirinho do rio Araraiana, são representadas de uma maneira bastante peculiar. Os
aspectos importantes do modo de vida da comunidade, do mundo físico e simbólico como a
própria natureza, como cenário e fundo das brincadeiras; a representação do trabalho dos pais
nas brincadeiras; e a religião, a utilização de materiais próprios da região na construção e no
desenvolvimento dos brinquedos e das brincadeiras, entre outros são constantemente
retratados em todas as brincadeiras identificadas na comunidade.
A construção de brinquedos remete a discussão dos brinquedos industrializados e
artesanais. Os brinquedos artesanais são facilmente acessados e visíveis o tempo todo, por
outro lado, os industrializados são mais restritos e de difícil obtenção. Os brinquedos
industrializados gozam de um espaço privilegiado que serve de adornos, um uso também com
fins decorativos; talvez por seu difícil acesso ou pela sua atratividade (coloridos e bonitos),
pois tais brinquedos são conseguidos geralmente via doação.
Os dados mostram ainda que a construção de objetos lúdicos não identificados como
brinquedos em sociedades modernas só têm sentido quando considerado no contexto em que
estão inseridos. Além deste ponto, os objetos lúdicos ou os brinquedos artesanais nos
permitem observar a capacidade criativa e re-criativa dessas crianças, como exemplo, a
construção e re-significação da boneca feita com a garrafa pet.
Quando há brincadeiras em torno destes brinquedos é constantemente re-significados e
“adaptados” à realidade local, reafirmando a força que o contexto exerce nas brincadeiras e no
poder criativo da criança.
Os brinquedos artesanais são construídos por materiais encontrados na própria região,
como o miriti, o mututi, o jupati, paus, folhas, entre outros. Construções da realidade,
vivenciadas pelos ribeirinhos, barcos de miriti, bonecas de tronco de bananeiras, paus
transformados em espingardas ou em baladeiras, folhas em dinheiro e assim por diante. Fato
que os torna peculiar, característico do local e eminentemente singular.
Além da construção dos brinquedos, as brincadeiras e os jogos tradicionais típicos do
local fazem parte da vida dessas crianças e dos adolescentes. Identificamos que as
brincadeiras típicas do contexto urbano estão presentes na comunidade, porém com aspectos
peculiares do local, exemplificado na pira mãe em cima das árvores.
Outro ponto discutido é a utilização, pelas crianças, dos vários contextos como espaço
de brincadeiras. Assim, o terreiro, os espaços adentrados, as casas e a escola têm suas
peculiaridades e compõe um cenário muito revelador, rico e intrigante para quem se propõem
estudar a brincadeira. Cada qual com sua especificidade, contribuindo para o desenvolvimento
das brincadeiras e do mundo infantil.
O ambiente também é um indicador essencial na escolha de parceiros para brincar. O
ambiente escolar, a área livre ou o familiar, assim como as brincadeiras escolhida,
possibilitam que novas interações sejam constituídas e tais aspectos parecem permitir que a
criança engaje-se em atividades para quais elas se dispõem à auto-expressão e criação,
aliados aos recursos naturais.
Os resultados apontam, ainda, que o gênero, a brincadeira e o tipo de brinquedos são
as principais variáveis influenciadoras nos contextos de brincadeiras, diferentemente da idade
que não parece ser uma variável significativa desse aspecto.
A investigação mostrou ainda, o quanto é diversificado o universo lúdico das crianças,
já que os brinquedos, jogos, brincadeiras tradicionais entrelaçam-se com as atividades
rotineiras, representadas e recriadas na brincadeira como boneca, casinha, barco, espingarda,
entre outros.
Pôde-se observar, ainda, que determinadas brincadeiras ocorrem no meio das
atividades diárias consideradas não lúdicas. É comum presenciarmos crianças brincando
quando pescam, quando tiram água ou quando vão apanhar açaí.
Além das brincadeiras que ocorrem durante as tarefas rotineiras, foi observado que a
própria brincadeira é desenvolvida a partir de temas que representam simbolicamente as
atividades laborais.
As atividades realizadas pelos adultos e, em alguns momentos, pelas crianças, como
pilotar, caçar, construir braços, varrer casa, são re-elaboradas e redimensionadas nas
brincadeiras e consequentemente internalizadas e re-transmitidas nas relações interpessoais.
Além desses aspectos, pode-se dizer que a execução das brincadeiras passa por uma
construção conjunta das crianças. Segundo Valsiner (1989), essa construção depende, em
parte, dos sistemas de significados coletivamente compartilhados pelo grupo a que a criança
pertence. A criança, portanto, reelabora seus espaços de brincar, recriando novo mundo e
inventando novas funções para os objetos, de tal forma que tenha sentido para ela, mas que
sejam adequados às determinações sociais. Talvez assim, o ressignificar do que já está
estabelecido pela cultura, permita que novos significados sejam gradualmente construídos, ao
longo das décadas. Assim, as redes de interação entre crianças e suas manifestações
simbólicas são fruto e instrumento do modo de vida dessas crianças.
Diante desses resultados, parte-se das constatações e do princípio de que é por meio do
brincar que a criança se desenvolve, apreende a realidade sociocultural, apropria-se das regras
e dos aspectos do meio ambiente, além de atribuir significados ao universo adulto.
Os achados desta pesquisa são conciliáveis com os dados da literatura e ressaltam a
ligação da brincadeira com as variáveis ambientais circundantes, percebendo o caráter
interativo do fenômeno em questão e sua perfeita sintonia com a cultura na qual ocorre
(Bichara, 2006; Pontes & Magalhães, 2003).
Nesta direção, existe a perspectiva de se fazer novas descobertas e desvendar novos
caminhos. Algumas sugestões importantes apontam para a continuidade da investigação do
fenômeno da brincadeira, entre elas podemos citar: o estudo da cultura da brincadeira em
contextos diversificados; as diferenças existentes em termos etários e de gênero; os aspectos
que norteiam a transmissão de cultura de brincadeira, em localidades distintas tais como:
condomínios fechados, aldeias indígenas, zona rural e comunidade ribeirinha.
Além das perspectivas deste trabalho, sugere-se que o conhecimento adquirido neste
estudo possa ser direcionado para o reconhecimento das brincadeiras enquanto um traço que
constitui a cultura da comunidade do Araraiana, além de ajudar a promover atividades lúdicas
na escola, como forma de gerar um aprendizado mais contextualizado. Desse modo, ao levar o
reconhecimento de suas próprias marcas grupais, os moradores podem, por meio dos filhos e
das brincadeiras, atuarem conjuntamente na educação ambiental, na preservação da mata, na
sua auto-sustentação e na “consolidação” do senso de pertencimento.
É necessário enfatizar, ainda, a importância de estudos descritivos com populações
específicas, pois as informações obtidas por meio dessas pesquisas, quando analisadas dentro
dos parâmetros da Teoria dos Sistemas Ecológicos, possibilitam uma visão mais ampla e real
do fenômeno estudado.
A brincadeira das crianças da comunidade do rio Araraiana é, portanto, uma atividade
freqüente e deve ser entendida no contexto em que ocorre. Este processo de contextualização
permitiu identificar e valorizar as habilidades e conquistas da criança nos aspectos
sociocognitivos envolvidos nessas atividades.
Concluindo, pode-se dizer que essa investigação não representa um estudo conclusivo
sobre a variabilidade sociocultural nas brincadeiras de crianças brasileiras, principalmente
nas áreas rurais. Novos estudos são necessários, assim como os dados desta pesquisa que
precisam ser aprofundados, como os das redes de relações nos grupos de brincadeira e o de
transmissão de cultura da brincadeira.
Diante dessas considerações, percebe-se, portanto, na criança o verdadeiro ator social
de suas ações, um ser ativo, dotado de sentido e competência na sociedade em que vive,
construindo um novo sentido de valorização da experiência da infância, longe da visão
idealizada do adulto que, ao olhar para trás, contempla sua própria infância.
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184
QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA FAMILIAR I - IDENTIFICAÇÃO 1. Família: nº ________ Nº de pessoas que moram na casa______________ 3. Questionário respondido por: � mãe � pai � responsável 2. Aplicador: _________________ Data: ___/___/___ Início: ___hs ___min Término: ___hs.___min II – DADOS DEMOGRÁFICOS
Nome completo de todos Apelido Nasc. Idade Sexo Status familiar
Escolaridade (verificar a presença de
analfabetismo funcional)
Com que idade entrou na escola?
Ocupação atual
Desde quando?
Ocupação anterior
185
2) Vocês usam alguma forma de controlar o nascimento das crianças? ______________________________ 3) Com que idade foi sua primeira gravidez? __________________________________________________ 3) Quem faz parte da sua família? ___________________________________________________________ 4) Tem algum filho morando fora? Qual é o motivo? ____________________________________________ Há quanto tempo?________________________________________________________________________ 5) Há alguma criança que não está freqüentando creche ou instituição escolar? _______________________
(especificar motivo(s), caso a resposta seja positiva). 6) Por que você quer que seu filho vá para a escola? _____________________________________________ 7) Como vocês acham que será a vida de seus filhos daqui a 20 anos? _______________________________ 9) Escolaridade e ocupação dos avós NOME APELIDO IDADE ESCOLARIDADE OCUPAÇÃO Avó materna
Avô materno
Avó paterna
Avô paterno
10) Há ou já houve cultivo da terra? __________________________________________________________ De quê? ________________________________________________________________________________ Há quanto tempo? ________________________________________________________________________ 11) Há ou já houve criação de algum animal?___________________________________________________ Qual? __________________________________________________________________________________ Há quanto tempo? ________________________________________________________________________ III. RENDA FAMILIAR
Mãe ou madrasta = R$ ____________________
Pai ou padrasto = R$ ____________________
Outros (que contribuam): Quem? _____________________________Valor = R$______________________ TOTAL= R$________________________________________ Em salários mínimos: __________________ OBS: No caso de responsável, identificar a renda de cada componente da família, de acordo com o roteiro acima. IV. MORADIA a) Situação da moradia: � Própria � Alugada � Invasão � Cedida � Outros b) Tipo de terreno: ( ) Seco ( ) Alagado ( ) Semi-alagado c) Número de cômodos: _____________Número de paredes na casa ____________________________ material das paredes e______________________material do telhado _______________________________ material do chão__________________________________________________________________________ d) Descrição geral da casa __________________________________________________________________ e) Locais para brincar: � Interno � Externo (ESPECIFICAR DETALHADAMENTE) _________________ f) Do que elas brincam? ___________________________________________________________________ g) Com quem elas brincam? ________________________________________________________________ h) Quais são os brinquedos que elas usam? ____________________________________________________ i) Como elas conseguem estes brinquedos? ____________________________________________________ j) Há quanto tempo vocês residem nesta localidade? (anos e meses)_________________________________
186
k) Onde moravam anteriormente ____________________________________________________________ l) Por que mudaram? ______________________________________________________________________ m) Onde os seus pais moravam anteriormente?__________________________________________________ n) e os pais de seu companheiro, onde moravam? ______________________________________________ o) Vocês pretendem continuar morando aqui? Porque? __________________________________________ p) Lixo: ( ) Enterrado ( ) Queimado ( ) Ar livre ( ) Rio q) Qual é a água que você utiliza para bebe? ___________________________________________________ r) Aparelhos domésticos: ( ) TV ( ) Rádio ( ) Aparelhos de som ( ) Geladeira ( ) fogão s) Disposição dos móveis: ( ) centralizado ( ) Descentralizado t) Disposição dos enfeites: ( ) Ordenado ( ) Desordenado ( ) Não tem u) Plantas: ( ) Ordenado ( ) Desordenado ( ) Não tem w) Atividade alimentar: Quem faz as compras? _________________________________________ Onde faz as compras da casa? ____________________________________________________________________ _ x) As compras são feitas? ( ) mensalmente ( ) quinzenalmente ( ) semanalmente y) Quais são os itens comprados? ____________________________________________________________ z) Quanto gasta, por mês, nas compras com toda a família? _______________________________________ V. ESTADO CIVIL ATUAL a) � solteiro � casado � vive junto � separado/divorciado � viúvo b) � 1o companheiro � 2o companheiro � 3o companheiro � 4ocompanheiro ou + OBS: Caso tenha se separado dos pais das crianças, há quanto tempo isto aconteceu? (anos e meses) __________ Quanto filho teve com cada com cada companheiro? 1o companheiro ____________________ 2o companheiro ____________________ 3o companheiro ___________________ 4ocompanheiro ou + ________________
c) Há quanto tempo você vive com o seu marido/companheiro atual? (anos e meses) ___________________ d) Data do casamento/união ________________________________________________________________ e) Houve cerimônia no seu casamento?____________________ Como foi? __________________________ f) Quem pediu a mão de quem? _____________________________________________________________ g) Você casou virgem? ______________________ O que você acha da virgindade? ____________________ VI. CRENÇAS E VALORES a) Você deseja que sua filha case virgem? _____________________________________________________ b) Você acha que isto vai acontecer? Porque ? __________________________________________________ c) Em sua opinião, é mais difícil cuidar de meninos ou de meninas? _____________________________________ e Porque__________________________________________ d) Quais são os trabalhos das meninas? ______________________________________________________e dos meninos? ____________________________________________________________________________ e) E na hora de castigar, quem é mais castigado, os meninos ou as meninas? __________________________ Porque? ________________________________________________________________________________ f) Como são os castigos? ___________________________________________________________________ VII. RELIGIÃO a) Possui religião? � Sim � Não b) Qual? � Católica � Protestante � Espírita � Outras ____________________ c) Freqüência: � mensalmente � esporadicamente (pelo menos uma vez por ano) � quinzenalmente � não freqüento � semanalmente
187
d) Quem freqüenta mais a igreja, o homem ou a mulher? ____________________________ Porque você acha que isto acontece? ____________________________________________________________________ d) Sobre o que é falado nos encontros religiosos? Quais são os assuntos falados pelo pastor na igreja?______ e) e o batismo, como ocorre? _______________________________________________________________ Quais são as roupas usadas? É diferente para meninos e meninas? Como? ___________________________ f) e quando morre alguém, como é o funeral? __________________________________________________ g) Já Morreu alguém de sua família? Quem? ___________________________________________________ h) Como foi esta perda para a família? ________________________________________________________ i) Do que vocês têm mais medo? (após eles responderem, sugerir o rio, a mata, o estrangeiro, por último Deus)__________________________________________________________________________________ VIII. CARACTERÍSTICAS DA REDE SOCIAL DE APOIO DA FAMÍLIA. 1. Com quem na sua familia, vocês podem realmente contar quando estão com alguma necessidade? Obs.: Colocar a ordem de importância nos quadradinhos correspondentes, conforme objetivo do projeto, isto
é, considerando todas as categorias ou por subcategorias (familiares e não familiares).
� MEMBROS FAMILIARES � esposa � marido � primeiro filho � segundo filho � terceiro filho � + 4________ Por parte da mãe: � avô �avó � tio � tia � outros___ Por parte do pai: � avô � avó � tio � tia � outros___ 2. Além da sua família, com quem vocês podem realmente contar quando estão com alguma necessidade?
� REDE SOCIAL - NÃO FAMILIAR � amigos � vizinhos � empregada � babá � professora � outros_______ IX. USO DE SUBSTÂNCIAS NA FAMÍLIA:
TIPO
DE
SUBSTÂNCI
A
MEMBROS DA FAMÍLIA
Mãe
Pai Avô / Avó
Tios/ tias
Sob
rinhos(s)
Padrasto
Madrasta
Irmãos (ãs)
Outros (especificar
)
Cigarro Álcool
Drogas 1. Quais foram e são as doenças mais freqüentes na família? ______________________________________ 2. Quais são os remédios usados? (Explorar o uso dos remédios caseiros)_____________________________
Inventário Espontâneo das brincadeiras tradicionais infantis VAMOS CHECAR QUAIS BRINCADEIRAS EXISTEM NO RIO ARARAIANA?
OBS: NUNCA Trocar o nome da brincadeira ribeirinha pelo nome que “eu” (pesquisador) conheço, devendo ser enfatizado o nome das brincadeiras como as crianças do local as conhecem. No local de “outras” deve-se escrever o nome e resumir como é tal brincadeira.
Nome: Data:
Companhia
Brincadeira
Especificar
Nom
e
Pare
ntesco
LOCAL Especificar (rio, local da casa, terreiro, casa do
vizinho, de quem é a casa, escola).
QUANDO (Na hora da escola, na saída da escola, da tarefa doméstica, na hora que ajuda os pais, quando
visita um parente ou um vizinho).
COMO (Descrever como ocorre a brincadeira)
VAMOS CHECAR QUAIS BRINCADEIRAS EXISTEM NO RIO ARARAIANA? OBS: NUNCA Trocar o nome da brincadeira ribeirinha pelo nome que “eu” (pesquisador) conheço, devendo ser enfatizado o nome das brincadeiras como as crianças do local as conhecem. No local de “outras” deve-se escrever o nome e resumir como é tal brincadeira.
Nome: Data:
Brincadeira
Especificar
Companhia
Nome e grau de parentesco
LOCAL Especificar (rio, local da casa, terreiro, casa do vizinho, de quem é a casa, escola).
QUANDO (Na hora da escola, na saída da escola, da tarefa doméstica, na hora que ajuda os pais, quando visita um parente ou um vizinho).
COMO (Descrever como ocorre a brincadeira)
adedonha
(desconfio)
baladeira
bandeirinha
baralho
barco
bicicleta
Boca de
forno
Bode (linha
encerada
com uma
pedra pressa)
bole-bole
boliche
bombarqueiro
boneca
brincar com
animais
Cabo de
guerra
cabra cega
cai no poço
carrinho
casinha
cemitério
correr com
pneu ou aro
de bicicleta
pelo campo.
desenhar
detetive
detetive,
polícia,
ladrão
dominó
elástico
escravo de jó
espeta
estátua
fresco boll
futebol
ioiô
jogo de
botão
jogos de
tabuleiros
(dama,
gamão,
xadrez)
jogos
eletrônicos
macaca.
mata no
meio
paredão (joga
uma ficha na
parede e quem
ficar um palmo
na ficha do
outra)
patins
perna-de-pau
peteca
peteca de
mão
pião
ping-pong
pipa
(papagaio)
pira
(cola,pega,
esconde,
alta, coca,
cola, mãe)
pira garrafão
pira
maromba
(mãe fica com
uma bola em
quem pegar é a
mãe)
polícia e
ladrão
pula corda
Roda
skate
soco-
soco,bate-
bate
stop (declaro
guerra ao
Brasil, e fala
stop, todos
param)
taco-boll
outras
Outras
Outras
Outras
Outras
Outras
Outras
Outras
Outras
Outras
Quando tiver mais de uma resposta no local e na companhia é necessário registrá-los. Realizar com todas as crianças
que participaram do teste sociométrico.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA DO COMPORTAMENTO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pesquisadora responsável: Daniela Castro do Reis. Endereço: Conjunto: Cidade Nova V, we-29, nº 622, Ananindeua-PA, Fone: 3273-7797 Orientador: Fernando Augusto Ramos Pontes. Endereço: Farias Rodrigues, Nº 16, CEP: 66.610530.
PROJETO: Cultura das brincadeiras em uma comunidade ribeirinha na ilha do Marajó/Pará.
NOME DA FAMÍLIA:
Ilustríssimos Senhores Pais (ou Responsáveis), Estamos convidando os senhores e seus filhos (as) para participarem de uma pesquisa sobre
brincadeiras de Pares. Esta pesquisa envolve as crianças, adolescentes e a família, e está sendo desenvolvida na
Universidade Federal do Pará, sob coordenação e supervisão da Prof. Dr. Fernando Augusto Ramos Pontes, visando fornecer aos educadores e pais maneiras eficazes de conhecer o “mundo” das crianças, dos adolescentes e seus familiares da Comunidade do rio Araraiana.
A pesquisa será feita através de um conjunto de entrevistas: Questionário demográfico, teste sociométrico, entrevista semi-estruturada e observações sistemáticas, que serão respondidos pelas crianças, adolescentes e seus familiares. A duração média da entrevista e aplicação dos questionários será de 1 hora e
30 minutos. Durante a sessão, seu filho (a) desenvolverá normalmente as atividades programadas pela escola, sem qualquer interferência do pesquisador, somente no momento em que for responder as perguntas, a fim de não apresentar nenhuma interferência. Desse modo a entrevista não irá intervir no andamento das
suas atividades diárias. Neste sentido, solicitamos sua colaboração autorizando a participação de seu filho (a). Você tem
todo o direito de não autorizar e, em qualquer momento da pesquisa, seu filho (a) poderá interromper sua participação sem qualquer problema ou retaliação ou represália, devendo somente avisar o pesquisador da sua desistência.
Esclarecemos, ainda, que os dados e resultados da pesquisa serão confidenciais e as identidades não serão reveladas na divulgação do trabalho. Será utilizado um código para a identificação de cada participante da pesquisa.
_________________________________________________ Pesquisador Responsável:
Nome: Daniela Castro do Reis.
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Declaro que li as informações acima sobre a pesquisa, e que me sinto perfeitamente esclarecido (a)
sobre o conteúdo da mesma, assim como os seus riscos e benefícios. Declaro ainda que, por minha livre vontade, autorizo a participação de meu filho (a) na presente pesquisa.
Belém, __ de ________________ de 2007.
Assinatura
Responsável (Nome legível)