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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA DO COMPORTAMENTO CULTURA DA BRINCADEIRA EM UMA COMUNIDADE RIBEIRINHA NA ILHA DO MARAJÓ DANIELA CASTRO DOS REIS BELÉM / PARÁ Outubro / 2007

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA

DO COMPORTAMENTO

CULTURA DA BRINCADEIRA EM UMA COMUNIDADE

RIBEIRINHA NA ILHA DO MARAJÓ

DANIELA CASTRO DOS REIS

BELÉM / PARÁ

Outubro / 2007

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA

DO COMPORTAMENTO

CULTURA DA BRINCADEIRA EM UMA COMUNIDADE

RIBEIRINHA NA ILHA DO MARAJÓ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Fernando Augusto Ramos Pontes. Co-orientadora: Leila Said Assef Mendes.

BELÉM / PARÁ

Outubro / 2007

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Para Maria Auxiliadora, João Luis Reis (meus Pais), João Reis (meu avô), Ivan

Cardoso (meu marido) e meu amado filho João Davi, por tudo que partilhamos.

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Agradecimento

Em primeiro lugar a DEUS, sem a sua presença em minha vida nada aconteceria;

À Santa Rita de Cássia minha eterna companheira;

Aos meus pais, meu avô e minhas irmãs que com todo apoio, incentivo, amor e paciência me

ajudaram nos período mais críticos;

À minha mãe que com todo carinho e amor cuidou de mim e do meu filho nas minhas

ausências. Obrigada minha velha!;

Ao meu marido que sempre me ajudou, dando apoio, carinho, atenção e amor em todos os

momentos. Tê-lo como companheiro foi essencial nesta caminhada;

À Dona Cátia por ser meu braço direito na minha casa e por ter toda paciência e amor por meu

filho nas horas que me ausentei do meu lar;

Ao meu filho pela paciência, pelo amor e carinho. Desculpe-me pelas ausências no início de

sua vida. Te amo;

Ao Professor Fernando Augusto Ramos Pontes, orientador e cuidador, pela amizade, respeito,

confiança e valorização do meu trabalho. Ser sua orientanda foi um grande prazer e uma

honra. Aprendi muito durante a nossa convivência e sou grata por tudo isso;

À minha co-orientadora, Leila Said Assef Mendes, pelo carinho e pela compreensão. Sou

eternamente grata e feliz, pois ganhei uma verdadeira amiga;

Ao primeiro grupo de pesquisa, Dani Miranda, Maiara, Abrão, Erick, Lorena e Laiane, pela

ajuda e pelo convívio, principalmente nas viagens ao Marajó;

Ao segundo grupo de pesquisa, Leandro, Amédio, Vitor, Marluce e Carlos, pelo compartilhar

de experiências e pelo convívio agradável durante as viagens ao Marajó;

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A todos os moradores da comunidade do rio Araraiana, especialmente às crianças que sempre

nos receberam com carinho, respeito e atenção. Foi uma rara experiência conviver com vocês,

aprendendo, a cada momento, sua cultura e seu jeito de cativar as pessoas;

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PARA SEMPRE

Todo menino é pouco curupira. Brincando de pira-pega (pega), ajuda (ajuda), Cola (cola), cócoras. Todo menino é um pouco curupira. Brincando de pira Pra despistar o caçador E se esconder entre as florestas na aresta. Deixando-nos perdido na floresta. Das brincadeiras de criança tenra Que sem pudor, se suja de terra. Menino levado. Meio curupira. Quem nunca teve curuba e pira? Criança feliz é aquela que brinca. E demora, e demora, e demora, e demora na hora de ir embora (...).

(André Coruja)

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SUMÁRIO

LISTA DE FIFURAS viii

RESUMO xi

ABSTRACT xii

APRESENTAÇÃO 02

1. REFERENCIAL TEÓRICO 04

1.1 1º Elemento: A criança como agente ativo no processo do desenvolvimento

humano 06

1.2 2º Elemento: Interações e relações 08

1.3 3º Elemento: O contexto como parte significativa do desenvolvimento humano10

1.4 Algumas perspectivas teóricas sobre a brincadeira 14

1.5 A brincadeira 20

DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA 29

OBJETIVOS 32

Objetivos Gerais

Objetivos Específicos

MÉTODO 34

Fundamentação da escolha metodológica 35

Aspectos contextuais da pesquisa 37

Base de pesquisa 39

Participantes 40

Informante 41

Comunidade 41

A vegetação e o rio 42

Material 45

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Técnicas e instrumentos 45

Observação e diário de campo 46

Inventário Sociodemográfico 47

Inventário espontâneo das brincadeiras tradicionais infantis 47

“Check list” de conhecimento e das brincadeiras tradicionais infantis 48

Procedimento de coleta 49

Etapa 1: Escolha da comunidade 49

Etapa 2: Submissão ao Comitê de Ética 49

Etapa 3: Discussão teórica e formação da equipe de pesquisa 50

Etapa 4: Contato preliminar/informante 50

Etapa 5: Consentimento dos moradores para a utilização dos dados 51

Etapa 6: Caracterização da comunidade-Estudo Piloto 51

Etapa 7: Caracterização da comunidade – Redimensionamento 51

Etapa 8: Caracterização das brincadeiras 52

Etapa 9: Organização dos dados na coleta de campo e tempo de aplicação 54

ANÁLISE DOS RESULTADOS 55

RESULTADOS E DISCUSSÃO 57

CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-DEMOGRÁFICA DA COMUNIDADE

DO ARARAIANA

A População 58

A família 60

O modo de vida dos moradores 63

A educação 71

A saúde 73

A religião 76

UMA IMPRESSÃO INICIAL DAS OBSERVAÇÕES DE CAMPO 78

CATEGORIZANDO O CONTEXTO FÍSICO ONDE AS BRINCADEIRAS SÃO

EXERCIDAS 81

Espaço interno 82

Espaço de transição 85

Espaço externo 89

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OS CONTEXTOS ONDE AS BRINCADEIRAS SÃO PREFERÊNCIALMENTE

EXERCIDAS 94

UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O ESPAÇO DE BRINCADEIRA 98

CARACTERIZANDO AS BRINCADEIRAS EXERCIDAS PELAS CRIANÇAS DO RIO

ARARAIANA 100

A variedade e preferência por brincadeiras 100

Análise das companhias de brincadeira 103

ANALISANDO OS BRINQUEDOS ENCONTRADOS ENTRE AS CRIANÇAS DO RIO

ARARAIANA 106

Formas de aquisição dos brinquedos identificados no rio 106

Classe de brinquedos 108

DESCREVENDO AS BRINCADEIRAS REALIZADAS PELAS CRIANÇAS DO RIO

ARARAIANA 116

Brincadeira de exercício 117

Brincadeira de exercício com animais e objetos 125

Brincadeiras com movimentos finos envolvendo objetos 128

Brincadeira de construção 129

Brincadeira turbulenta 139

Brincadeira Simbólica 141

Jogos de regras 145

CONSIDERAÇÕES FINAIS 168

REFERÊNCIAS 177

Anexos

Anexo 1 184

Anexo 2 188

Anexo 3 189

Anexo 4 194

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Mapa representativo da Ilha do Marajó e seus Municípios que compõem a ilha.

Figura 02: Foto do local onde está localizada a base de pesquisa

Figura 03: Distribuição da população do rio Araraiana (dados brutos) em função de sexo e

categoria de idade.

Figura 04: Mapa representativo do local onde se situa a comunidade do

Araraiana/Marajó/Ponta de Pedras/Pará).

Figura 05: Foto da vegetação característica da localidade do rio Araraiana.

Figura 06: Foto do rio Araraiana e do barco pô,pô, pô (Onomatopéia do barulho do motor) .

Figura 07: Gráfico de idade e gênero das crianças e adolescentes de zero a dezoito anos da

população da comunidade do Araraiana.

Figura 08: Gráfico de número de filhos por família.

Figura 09: Freqüência do estado civil dos casais das famílias da comunidade do rio Araraiana.

Figura 10: Gráfico que demonstra o local de origem das famílias não originárias do Araraiana.

Figura 11: Freqüência de respostas em categoria de motivos de migração

Figura 12: Foto de uma das moradoras tecendo peneira.

Figura 13: Gráfico que demonstra a ocupação dos moradores

Figura 14: Foto de uma das moradoras amassando açaí

Figura 15: Gráfico que demonstra as famílias que criam animais

Figura 16: Gráfico com as atividades diárias realizadas pelas meninas e meninos

Figura 17: Gráfico que demonstra o maior número de resposta relacionado a compras de

mantimento

Figura 18: Total de famílias em função da renda per capita familiar.

Figura 19: Gráfico que demonstra os moradores de 19 a 85 anos e seus respectivos graus de

instrução.

Figura 20: Número de crianças relacionado ao nível de escolaridade

Figura 21: Total de crianças por grau de escolarização relacionado ao gênero

Figura 22: Foto do Pote, utensílios utilizado pela população amazônica para se colocar água

para beber.

Figura 23: gráfico que demonstra a quantidade de resposta por família a respeito de como é

tratado o lixo

Figura 24: Gráfico de religião por gênero da população da comunidade do rio Arariana

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Figura 25: Gráfico de religião por gênero das crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos

Figura 26, 27 e 28: Foto da casa, da dimensão dos quartos e da cozinha das casas

Figura 29: Fotos dos materiais encontrados na natureza que servem para a construção das

casas

Figura 30: Foto de uma das casas que tem um interior amplo

Figura 31: Foto que demonstra o espaço de transição

Figura 32: Fotos que demonstram os ambientes adentrados

Figura 33: Foto frontal e parte interna da antiga escola

Figura 34: Foto da casa de um dos moradores que cedeu uma sala para funcionar a nova

escola.

Figura 35: Foto de uma criança brincando no terreno ao lado da escola-campinho

Figura 36: Foto do campo de futebol

Figura 37: Freqüência relativa dos espaços físicos onde as brincadeiras são desenvolvidas

Figura 38: Freqüência relativa dos locais na categoria de espaço interno onde as brincadeiras

são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo

Figura 39: Freqüência relativa das subcategorias de espaço de transição onde as brincadeiras

são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo

Figura 40: Freqüência relativa das subcategorias de espaço externo onde as brincadeiras são

desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo

Figura 41: Brincadeiras encontradas na comunidade do rio Araraiana

Figura 42: Brincadeiras segundo as escolhas femininas e masculinas

Figura 43: Número de respostas referente à companhia

Figura 44: Gráfico que representa as formas aquisição dos brinquedos

Figura 45: Número de resposta por família do tipo de brinquedo

Figura 46: Gráfico de número de brinquedos artesanais das crianças

Figura 47: Gráfico indicativo dos materiais utilizados na construção dos brinquedos

artesanais.

Figura 48: Foto de área da residência de uma família com destaque em vermelho para o local

em que os brinquedos industrializados são guardados, servindo como adornos na parte frontal

das casas.

Figura 49: Gráfico que demonstra a variedade dos brinquedos industrializados encontrados na

comunidade

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Figura 50: Foto de crianças brincando de correr

Figura 51: Fotos de uma criança brincando de subir na árvore

Figura 52: Foto de crianças penduradas nas hastes ao lado do tronco de miritizeiro

Figura 53: Foto de duas crianças brincando no barco de “soco-soco, bate-bate”

Figura 54: Foto de crianças brincando na água, em pé, no miritizeiro, no período noturno

Figura 55: Foto de crianças brincando no casco (canoa)

Figura 56: Foto de crianças brincando de roda

Figura 57: Foto de uma das casas que tem bicicleta

Figura 58: Foto de crianças brincando com o animal típico da região

Figura 59, 60, 61: Foto de um barco pesqueiro, pô,pô,pô e rabeta de miriti construídos pelas

crianças locais.

Figura 62: Fotos que demonstram a brincadeira de construção

Figura 63: Fotos de espingardas construídas por crianças com material nativo da região

Figura 64: Foto da boneca de pano.

Figura 65: Fotos de duas crianças segurando bonecas construídas com garrafa Pet

Figura 66: Fotos de uma criança brincando com objeto construído por ela própria

Figura 67: Foto de uma gaiola construída pelas crianças.

Figura 68: Fotos de crianças brincando em empurrar o outro para pegar um objeto no alto da

árvore

Figura 69: Foto de duas crianças uma brincando de puxar a outra

Figura 70: Fotos das brincadeiras simbólicas: boneca, boneca na rede e panelinhas

Figura 71: Fotos de crianças brincando de bandeirinha

Figura 72: Fotos de crianças brincando de elástico

Figura 73: Fotos de crianças brincando de pira garrafa

Figura 74: Foto das crianças brincando de pira alta

Figura 75: Foto de crianças brincando de pira cola.

Figura 76: Uma criança (mãe) na brincadeira pira esconde indo procurar outras crianças que

estão escondidas na mata

Figura 77: Foto de crianças brincando trepados na árvore de açaí

Figura 78: Foto que de crianças brincando de cemitério no campo de futebol.

Figura 79: Fotos das crianças saindo da escola em canoas

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REIS, Daniela Castro dos. Cultura da brincadeira em uma comunidade ribeirinha na ilha do

Marajó. Belém, Pará. 2007. Dissertação (Mestrado). Programa de pós-graduação em Teoria e

Pesquisa do Comportamento-Universidade Federal do Pará.

RESUMO

O objetivo principal desse estudo foi investigar, caracterizar e descrever as brincadeiras das crianças de uma comunidade ribeirinha da ilha do Marajó (Pa) e discuti-las em função do modo de vida, mais especificamente na comunidade do Rio Araraiana-Marajó-Pará-Brasil. Foram participantes todos os moradores da comunidade, divididos em dois grupos: o primeiro representado pelos responsáveis das 22 famílias e o segundo, pelas crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Esta pesquisa utilizou como metodologia a pesquisa quantitativa e qualitativa. Os principais instrumentos foram o inventário sociodemográfico, o levantamento espontâneo, o check-list das brincadeiras locais e a observação em lócus. Os resultados revelaram uma diversidade de brincadeiras próprias do contexto ribeirinho investigado, tais como construção de barco de miriti, confecção de bonecas de garrafas plásticas, pira pega em árvores, competição em canoas e etc. Estas brincadeiras demonstram a influência direta do contexto físico, social e cultural onde são exercidas. Pode-se concluir, portanto, que apesar do caráter universal, tais brincadeiras representam o modo de vida e a rotina diária dos ribeirinhos.

Palavras-chave: Desenvolvimento, contexto e brincadeira.

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REIS, Daniela Castro dos. Culture of the play in a riverine village at Marajó Island. Belém, Pará, 2007. Dissertação (Mestrado). Programa de pós-graduação em Teoria e Pesquisa do

Comportamento-Universidade Federal do Pará.

ABSTRACT The main objective of this study was investigate, characterize and to describe the children’s plays in a riverine context, specifically in the Araraiana village, located at Marajó-Pará and to debate it about lifestyle. The participants were all the inhabitants, divided in two groups: the first represented by the parents of the 22 families and the second, for the children and adolescents from 0 to 18 years. To collect and analyse the data it was utilized the methodology of quantitative and qualitative research. The principal instruments were the sociodemographic inventory, the spontaneous survey and check list of local plays and the observation in locus. The results revealed a diversity of plays of the riverine context investigated, like the construction of boat of miriti, confection of dolls of the plastic bottles, pira pega in trees, competition in canoe, etc. That plays demonstrated the direct influence of the physical, social and cultural where they are developed. Therefore, we can conclude that, despite the universal characteristics, that plays represent the way of life and the daily routine of the ribeirinhos. Key-words: Development, context and play.

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APRESENTAÇÃO

Meu interesse e o amor pelas comunidades de beira de rio nasceram a partir de

encontros sucessivos com os ribeirinhos, os quais despertaram um intenso respeito e

inexorável compreensão empírica “do” e “de” ser ribeirinho, sem visões preconceituosas

(“ribeirinho preguiçoso”) e sem julgamentos do seu modo de vida (extrativista) ou de suas

formas e dinâmicas familiares (sem planejamento familiar). Simplesmente, entendê-los como

povo da floresta, ímpares e, ao mesmo tempo, semelhantes às outras comunidades ditas

“desenvolvidas”.

Em termos profissionais, para aprofundar o conhecimento sobre os ribeirinhos foi

indispensável buscar um modelo científico que considerasse o estudo das práticas culturais,

propiciando a investigação de seu estilo peculiar de vida. Assim, aliada aos meus

conhecimentos sobre a Psicologia do Desenvolvimento, selecionei um aspecto que sempre me

despertava interesse, “a cultura da brincadeira”. A brincadeira poderia ser, então, investigada,

uma vez que ela revela propriedades do universo infantil em todos os tempos e culturas.

Sendo assim, poderia contribuir, sobremaneira, para o estudo do desenvolvimento da criança.

Nasceu assim à idéia de se estudar a cultura da brincadeira em um contexto amazônico.

Povo identificado como ribeirinho e que está imerso ou circunscrito por uma história, por uma

geografia específica e a investigação científica reconheceria os benefícios derivados da busca

e do uso dos conhecimentos de uma população genuinamente amazônica e que devem ser

compartilhados por todos, principalmente, pela comunidade que os detém.

A cultura ribeirinha é componente de uma cultura maior que, assim como as vertentes

culturais urbanas, fora alvo de intensa colonização portuguesa e influências do modo de vida

indígena. (Barthem, 1984; Diegues & Arruda, 2001; Hiraoka, 1992) e somente dessa forma

deve ser estudado.

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Diante desse contexto mais geral, foi necessário, então, localizar uma comunidade

ribeirinha, para conseqüente observação e compreensão de seus saberes e práticas tradicionais.

A partir de inúmeras tentativas de escolhas de comunidades, optou-se, de maneira racional e

emocional, pela comunidade do rio Araraiana, principalmente pelo seu aspecto de isolamento

geográfico e social, pela ausência de energia elétrica e por apresentar uma produção baseada

na economia extrativista.

A proposta deste estudo, portanto, é discutir a cultura da brincadeira ribeirinha, a partir

de um inventário dos conhecimentos, uso e práticas relativas às brincadeiras das crianças.

Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: o primeiro apresenta o arcabouço

teórico que norteou racionalmente a investigação; o segundo, a metodologia empregada para a

concretização dos objetivos propostos; e, finalmente, a análise dos dados coletados, que

subdivide-se em: caracterização sociodemográfica da comunidade; a caracterização dos

contextos físicos e sociais onde as brincadeiras ocorrem e, por último caracterização geral das

brincadeiras do local ( descrição e classificação).

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REFERENCIAL TEÓRICO

Um cursor singrando essas águas Feito lápis riscando espelho gigante Um barco afiado rasgando as anáguas Nessa seda esmeralda em verde diamante. (Miguelangelo, poeta paraense).

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A forma humana de interagir socialmente configurou-se como um dos aspectos

fundamentais de sua adaptação no ambiente evolucionário, de modo que é possível

caracterizá-la como biologicamente cultural (Bussab, 2003). Se a cultura é fruto e instrumento

do processo de seleção de nossa espécie, a compreensão de todos os processos envolvidos na

construção de relações sociais culturalmente mediadas é fundamental para o entendimento de

uma psicologia humana, particularmente uma psicologia do desenvolvimento.

A partir dessa apreensão, pode-se afirmar que os contextos de interação das crianças

com seus pares, particularmente o de brincadeira, se configuram como um espaço natural de

investigação da ontogênese na construção e re-construção da identidade individual, grupal e

de significação simbólica em uma determinada estrutura sociocultural.

Esse contexto é o lócus privilegiado de interação entre pares, pois grande parte das

relações criança-criança são mediadas “por” e “nas” situações de brincadeiras. Os atributos,

então, relacionais são preponderantemente observados na brincadeira infantil, o que denota a

relevância deste tema.

Tal contexto é concebido como o espaço físico e social que agrega os agentes,

produtos e produtores do processo do desenvolvimento humano, o que aponta para a

necessidade de uma maior investigação do “ser” e do “fazer” desses indivíduos, em especial a

criança. (Carvalho, 1992; Carvalho & Yamaoto, 2002).

Pode-se dizer, portanto, que o desenvolvimento infantil é contextualmente situado, e

dessa maneira não pode ser estudado de forma isolada, reconhecendo sua dinamicidade, sua

complexidade e a interação de elementos de ordem pessoal, relacional e contextual. (Silva,

2006; Verba, 1994).

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1º Elemento: A criança como agente ativo no seu processo de desenvolvimento.

O elemento de ordem pessoal é identificado como agente ativo de seu

desenvolvimento, por exemplo, a criança. Portanto, entende-se que a criança é produtora de

sua cultura, e somente desta forma pode ser estudada. (Carvalho & Pontes, 2003; Pontes &

Magalhães, 2002, 2003).

Observar e estudar o mundo infantil é, ao mesmo tempo, uma tarefa complexa e

desafiadora, pois apresenta características próprias, específicas e distintas das do mundo

adulto. Por esse motivo, sua compreensão torna-se difícil, já que a criança por estar

circunscrita em um ambiente predominantemente adulto é percebida, apenas, por meio desse

olhar.

Diante do grau de dificuldade e complexidade em estudar a criança, propõe-se um

desafio: pesquisar o mundo infantil e entendê-lo como autônomo, distinto do mundo adulto,

mas, ao mesmo tempo, interconectado a outros sistemas, como a família, a escola, o grupo de

pares, o trabalho, a religião, entre outros.

Sendo assim, a criança é entendida como componente principal do universo infantil e

como um ser ativo do desenvolvimento humano, pois traz em sua essência a capacidade de

recriar significados e de produzir sua própria cultura. Como afirma Bruner (1997), a criança

não é um “suporte passivo” no grupo, mas sim um participante ativo, construtor de seu

mundo, em um processo de desenvolvimento amplo, no qual os significados públicos são

compartilhados e re-construídos, em constantes trocas com seus co-específicos.

A compreensão sobre a criança e a sua valorização como participante ativo no seu

desenvolvimento não foram sempre da mesma maneira. A concepção de criança esteve

sempre associada à organização de cada sociedade e as estruturas econômicas e sociais em

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vigor o que possibilitou que a criança fosse vista de maneiras diferenciadas, e

consequentemente pesquisadas sob a ótica dominante de cada época. As noções de infância e

de criança, tal como re-conhecidas atualmente, são relativamente novas e sofreram

transformações durante séculos de história.

Como pode ser identificado na obra de Áries (1975) que demonstrou que em

determinados períodos, a infância não despertava interesse, sendo concebida apenas como um

período de transição, sem importância, como uma visão adultocêntrica, caracterizando a

criança como passiva.

Vale ressaltar, que a concepção de criança como passiva e sem identidade,

principalmente nas ciências humanas, perdurou por séculos. Nos primórdios dos estudos da

psicologia, enquanto ciência que buscava estruturar seu objeto de estudo, prezava pela

pesquisa do indivíduo em laboratórios, pois não considerava relevantes os fatores sociais e

históricos que influenciavam o desenvolvimento da criança, centrando-se no aspecto

biológico e no desenvolvimento individual. Já na sociologia e na antropologia a crítica focou

a noção de socialização, tratada como uma via de mão única, na qual a sociedade adulta -

ativa - molda as crianças - passivas (Quinteiro, 2002).

É a partir do advento da sociedade capitalista urbano-industrial, que a concepção de

criança passiva vai mudando e desponta como uma fase peculiar, que necessita ser estudada

de maneira diferenciada (Kramer, 2002). Com a mudança da sociedade, a organização

familiar muda, assim o papel social desempenhado pela criança também mudou, ela ganhou

um maior espaço social e assim, há o início da preocupação com educação, carreira e futuro.

É dentro dessa esfera social, econômica e política que os estudos científicos vão superando a

dicotomia, biológico versus cultural, até então muito presente na forma de estudar os

fenômenos sociais humanos.

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No entanto, é somente a partir das décadas de 70 e 80, que o ser - humano passou a

ser estudado a partir de conhecimentos científicos integrados e, especificamente, a criança

estudada como produtora de sua cultura e como agente ativo no processo do

desenvolvimento, pensada e inserida em um modelo ecológico, em que as relações

interpessoais e os sistemas relacionais são as diretrizes fundamentais para o entendimento

desse processo (Teixeira & Nunes, 2001).

Uma nova visão de ciência passou a ser formada, antes a criança individualizada hoje

pensada como parte do processo de desenvolvimento humano, em que as interações criança-

criança se configuram como essenciais para a compreensão do universo infantil.

Alem desse aspecto, Pires (1989) enfatiza que os estudos sobre o universo infantil e as

crianças devem abraçar áreas de interdisciplinaridade, trazendo o conhecimento das ciências

humanas, sociais e naturais para o estudo do ser - humano.

O mundo infantil, portanto, pode ser compreendido como um sistema complexo,

permeado de relações e interações, autônomo, com a própria capacidade de se recriar. Por

conseguinte, o meio em que as crianças vivem é o lócus privilegiado para a observação da

autonomia do universo infantil e consequentemente a interação criança-criança,

especificamente em situações de brincadeira, pois é nessa atividade que as crianças se

desenvolvem, trocam olhares, aprendem e transmitem repertórios verbais, assumem papéis,

reconstroem, influenciam e são influenciadas pelo contexto e pela relação interpessoal que

mantém com o outro (Carvalho & Beraldo, 1989).

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2º Elemento: Interações e relações.

O segundo eixo norteador para a investigação do desenvolvimento humano são as

relações interpessoais. Deste modo, as formas de relações interpessoais, a identificação dos

seus mecanismos, seus efeitos e sua conseqüência no comportamento humano, se constitui

em uma significativa contribuição para análise do desenvolvimento, pois são representantes

do processo de interação entre pessoas e, nesse caso, entre pares, sobretudo nas situações de

brincadeira.

Para o estudo das interações e relações sociais, surgiram vários modelos e teorias

(Bronfenbrenner, 1987, Harris, 1995/1999, Supper & Harknnes, 1990 e Hinde 1976/1979)

que tentaram explicar e utilizar formas de compreensão das relações interpessoais, do

comportamento social e do desenvolvimento humano. No entender desta pesquisa, o modelo

de Robert Hinde (1976) apresenta-se como o mais apropriado para estudar as relações

interpessoais, pois defende uma sistematização das interações a partir de níveis complexos de

análise, que possam atender aos interesses e aos objetos de estudo das ciências voltadas para

pesquisar os fenômenos sociais. Porém, é necessário enfatizar que não se tem a pretensão de

abordar todas as proposições, e sim promover discussões, do ponto de vista de suas

possibilidades, contribuições e aplicabilidade para o desenvolvimento desta pesquisa.

Em suas pesquisas, Hinde (1987) defende o estudo sistematizado das interações

sociais e propõe uma nova abordagem para o entendimento do comportamento social

humano. Para que ocorra esta nova compreensão é necessária à superação da dicotomia entre

a biologia e o social. Como proposta e como forma de aproximação, o autor considera uma

dupla via de influências entre o biológico e o social e assim o reconhecimento de diferentes

níveis de complexidade social como: o indivíduo, a interação, a relação, o grupo e a estrutura

sociocultural, podendo ser estudados separadamente, porém de maneira integrada e dinâmica.

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A superação dessa dicotomia leva ao reconhecimento das diferenças de cada um

desses níveis e o modo como os indivíduos influenciam e são influenciados pelo grupo, ou

seja, como os sujeitos se constroem e como se tornam o que são.

Hinde (1987) expõe, ainda, que o comportamento do sujeito, pelo menos em parte, só

pode ser compreendido no todo, e se o indivíduo for considerado como participante “do” e

“no” grupo. Percebe-se, com esse argumento, que todo o comportamento humano é social por

natureza, à medida que todos os indivíduos dependem do outro e de relações anteriores. Para

Hinde (1987), as relações afetam outras relações e a forma como cada indivíduo se comporta

depende, em parte, com quem ele está se relacionando.

Nessa direção, o foco de estudo do comportamento social humano demanda

mudanças. A análise do indivíduo, antes fragmentada, individualizada e determinista, muda

para a análise da natureza de suas interações e relações, e como estas contribuem para a

formação da estrutura do grupo e vice versa.

A partir da perspectiva de Hinde (1976), pode considerar o grupo de brincadeira como

um importante elemento de análise para a compreensão dos contextos de interação dos

grupos de pares. O grupo surge, então, como uma categoria social e, ao mesmo tempo, como

um espaço que propícia o desenvolvimento das crianças, pois, elas vêem o grupo como

psicologicamente significante, aquele com o qual se relacionam subjetivamente e do qual

tiram suas regras, seus padrões e suas crenças.

Portanto, ao mesmo tempo, que a criança é um agente ativo no grupo, proponente e

constituinte das interações e relações, ela também está inserida em um amplo contexto que

envolve todos os ambientes propícios para o seu desenvolvimento. O contexto surge, então,

como importante espaço de interação e por isso sua investigação é essencial para os estudos

da brincadeira e do desenvolvimento humano.

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3º Elemento: O contexto como parte significativa do desenvolvimento humano

Analisar a criança como um participante ativo no desenvolvimento humano e não

atentar para o ambiente no qual está inserida é, certamente, uma visão fragmentada e

incompleta.

Nessa direção, é necessário esclarecer que a concepção de ambiente, aqui referida,

remete ao conceito de contexto de desenvolvimento e para entender os aspectos que o

circundam é necessário, antes de tudo, referenciar Moraes e Otta (2003) quando falam na

definição de Zona Lúdica.

Para Moraes e Otta (2003), Zona lúdica envolve, essencialmente, variáveis que podem

influenciar a brincadeira, como as relações familiares e as de pares, os diferentes tipos de

brinquedo, o modo de vida, etc.

Para Santos & Bichara (2005), muitos desses aspectos são constituídos e constituem o

contexto cultural onde as crianças se desenvolvem. Não se pode perder de vista que muitos

dessas variáveis são indicadores de elementos que caracterizam a diversidade, e que,

conjuntamente, podem indicar determinado contexto cultural como específico. É nesse

sentido que Moraes e Otta (2003) falam em uma Zona lúdica específica.

Além desses conceitos, Bichara e Santos (2005) consideram que os ambientes

específicos, como os rurais, os mais abertos, ajam como facilitadores para que as crianças

desenvolvam brincadeiras, e que isso se deve em função do espaço físico amplo, da natureza,

da rua e das próprias relações de pares. Diante disso, Moraes e Otta (2003) consideram esse

aspecto como sendo uma Zona Lúdica Ampliada.

A noção de Zona Lúdica Ampliada remete a idéia de ambiente (contexto) que é

compreendido como algo mais amplo que o utilizado na maioria das vezes, quase sempre

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usado como sinônimo de lugar ou situação. Utiliza-se, neste trabalho, a palavra contexto para

indicar diferentes condições de vida em que as crianças nascem e se desenvolvem (Silva,

Macedo & Nunes, 2002). O contexto, portanto, engloba os comportamentos, além das

situações imediatas, e prioriza as relações que são estabelecidas no tempo e no espaço e que

podem influenciar na brincadeira.

É dentro desse quadro referencial, que o estudo do desenvolvimento em contexto

específico surge e vem cada vez mais ganhando espaço, pois possibilita a investigação da

diversidade contextual o que o torna indispensável para a produção de conhecimento no

campo da Psicologia do desenvolvimento.

A criança, portanto, é estudada no contexto em que se desenvolve e investigada sobre

a ótica de que o seu desenvolvimento está diretamente ligado ao contexto. É dentro desse

quadro de referência científica que emergem investigações das diversidades contextuais.

Essas diversidades vêm sendo reconhecidas como importantes fatores a serem investigados e

necessários para a produção do conhecimento do desenvolvimento humano, pois diferentes

contextos podem implicar em desenvolvimentos distintos, porém, segundo Lordelo e

Carvalho (2006), com semelhantes potencias de adaptação.

É seguindo essa lógica que a teoria ecológica de Bronfenbrenner (1999) contrasta com

abordagens mais tradicionais, já que tal teoria traduz uma natureza sistêmica e a interconexão

entre pessoa-ambiente nos mais variados contextos.

Nesse modelo, o autor idealizou topologicamente, os contextos de desenvolvimento

como instâncias interligadas e interdependentes com a finalidade de entender os processos

que envolvem a pessoa e o ambiente, além de identificar propriedades e mecanismos

processuais. Enfatiza, portanto, a investigação em contextos naturalísticos e a adoção de

múltiplos recursos de análise para esse fim.

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Bronfenbrenner (1996) surge como um dos melhores representantes de uma visão

ecológica e sistêmica do desenvolvimento humano. Seu modelo propõe, por meio teórico e

operacional, uma investigação que segue instâncias multifatoriais de interação como uma

complexa rede de relações formada pelo tempo, lugar, pessoa, atividade, papéis, instituições,

etc, interligada entre o sujeito e o meio.

Bronfenbrenner (1996) define ambiente como um sistema estruturado em quatro

instâncias, que se articulam e se influenciam: os microssistemas, definidos como padrões de

atividades, papéis e relações interpessoais experienciadas em ambientes singulares, onde as

pessoas interagem umas com as outras; os mesossistemas, identificados como sistemas que

envolvem relações entre diferentes locais de desenvolvimento (microssistemas); os

exossistemas, concebidos como estruturas sociais que incluem os micros e mesossistemas e

que influenciam as características dos sistemas e dos indivíduos em níveis mais simples; e os

macrossistemas, vistos como as estruturas sociais mais amplas, em termos de valores, normas

e sistemas políticos. Deve ser observado que o macrossistema não é um contexto

propriamente específico, mas uma determinação geral existente na cultura que padroniza e

regula o modo de viver das pessoas. Ressalta-se, ainda, que as três primeiras instâncias

encontram-se imersas, manifestadas ou concretizadas no macrossistema. O que é novo é a

maneira como essas entidades se relacionam entre si e no curso do desenvolvimento.

Assim, para Bronfenbrenner (1987) o desenvolvimento humano é “o conjunto de

processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para

produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida” (p.191).

Considerando às idéias, do modelo acima exposto, entende-se que os fenômenos

desenvolvimentais não podem ser analisados de forma descontextualizada, indissociável e

atemporal. Simultaneamente a isso, é necessário desbravar e conhecer todas as

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potencialidades e limites impostos de cada ambiente e suas implicações para o

desenvolvimento da criança. Pode-se dizer, então, que o comportamento de brincar, assim

como qualquer outro, pode ser influenciado pelo ambiente onde a criança vive. Aliás, essa é

uma nova forma de olhar o estudo da atividade lúdica o que reflete aspectos contemporâneos

da psicologia do desenvolvimento, solidificando uma visão crescente que integra o

comportamento, neste caso o brincar, o contexto e a cultura.

Contexto e brincadeira, então, estão intimamente ligados, pois entende-se que

ambientes diferentes proporcionam modos de brincar distintos de acordo com cada meio

social, já que cada contexto tem aspectos culturais peculiares.

Segundo Faver (1999) citado por Santos e Bichara (2005, p. 284)

“O importante é entender ainda que crescer em comunidade

particular leva a diferentes resultados desenvolvimentais, no

caso da brincadeira, resultando em suas diferentes formas e

conteúdos. Além disso, estudar os efeitos culturais sobre o

indivíduo implica conhecer o ambiente em que as atividades

humanas ocorrem.”

Pode-se dizer que amparada por essa premissa, o universo científico tem realizado

pesquisas que relacionam brincadeira, contexto específico e desenvolvimento infantil, de

forma que possam revelar a influência dos fatores sociais, econômicos, políticos, geográficos,

familiares e culturais. É nesse contexto científico que as pesquisas são realizadas, pois se

pressupõem a influência de fatores culturais sobre a forma e o conteúdo da brincadeira (Elga,

Fenier, Kantor & Klein, 1988; Weiss 1989; Bonamigo & Kuder, 1990; Verba, 1993;

Machado, 1994; Melo, 1997; Bichara, 1999; Bomtempo, 1999; Johnson, Christie & Yawkey,

1999; Gosso, 2004 e; Ponte & Magalhães, 2003).

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Essa nova forma de pensar e realizar pesquisas remete a necessidade de ter uma base

teórica consistente e atual que possa abranger e prover essa proposta de estudo, de forma que

ofereça uma base segura de análise do fenômeno observado de acordo com a realidade

pesquisada.

Algumas perspectivas teóricas sobre a brincadeira

Inúmeras são as teorias que se propõem explicitar sobre o propósito da brincadeira.

Muitas delas procuram explicar as condições antecedentes que conduzem este

comportamento, perspectiva funcional do brincar; outras tentam determinar o papel da

brincadeira no desenvolvimento infantil, Sociointeracionista e a perspectiva da Rede de

Significação; e há ainda pesquisadores que consideram a brincadeira como um processo que

envolve os aspectos evolutivo e cultural.

Em termos evolutivos e considerando os antecedentes que conduzem o comportamento

do brincar fala-se em função da brincadeira. Especificamente, a Psicologia Evolucionista vê o

brincar como uma característica presente no repertório comportamental de espécies que

possuem longo período de infância e imaturidade protegida, e grande potencial de

aprendizagem. É principalmente neste período que o brincar exerce maior influência, tendo,

portanto sido selecionado em virtude de possuir um valor funcional para a sobrevivência da

espécie. Dessa forma, seus benefícios devem refletir as funções para as quais foi selecionado

no decorrer da história de evolução. A atividade durante o brincar possui custos, como um

relativo consumo de tempo e energia da criança.

Bruner (1976) enfatiza que a brincadeira apresenta múltiplas funções e que a principal

seria a minimização das conseqüências da ação, isto é, uma minimização dos riscos,

proporcionando oportunidades para testar comportamentos, o que tornaria difícil em situações

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normais, pelo receio de rejeição ou punição. Dessa forma, o autor afirma que a brincadeira

colabora para o desempenho de importantes habilidades essenciais à sobrevivência do

indivíduo no grupo.

Idéia semelhante é compartilhada por Smith (1982) que argumenta, em seu artigo

clássico “Aspectos Funcionais e Evolucionários da Brincadeira nos Animais e no Homem”,

que a função das atividades lúdicas para a espécie humana pode estar relacionada às práticas

indiretas de habilidades físicas (habilidades competitivas e físicas), de habilidades como

aprendizagem não competitiva (vinculação social, postos sociais, comunicação social,

habilidades sociais complexas) e de aprendizagem de habilidades cognitivas (manutenção de

instrumento), importantes para a sobrevivência da espécie.

Recentemente, Spinka, Newberry e Bekoff (2001), com o objetivo de investigar

também a função da brincadeira, propõem que o comportamento do brincar possibilita aos

animais o desenvolvimento de movimentos versáteis e de respostas emocionais emitidas,

“para se recuperar de situações aversivas inesperadas, nas quais os animais experienciam

perda de controle” (p.8). Os autores sugerem que essa é uma função única para a brincadeira

em mamíferos, o treino para o inesperado, tanto do ponto de vista motor quanto emocional.

Para a perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, que não faz uso da

funcionalidade, a brincadeira é um aspecto importante para o desenvolvimento infantil, tanto

para o aspecto emocional, como para o social e o cognitivo.

Nesta teoria, o brinquedo (brincadeira) é um instrumento de ligação entre o indivíduo

e o ambiente, desenvolvido no plano interpessoal e depois internalizado e dessa forma,

percebido a partir da realização das necessidades da criança. A realização dos desejos infantis

é entendida em seu sentido mais amplo, que inclui tudo aquilo que é motivo para a ação, pois

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é nele que as crianças saciam os desejos que não podem ser realizados “na vida real”, pelo

menos imediatamente, reconstruindo um universo próprio.

Portanto, para Vygotsky (1984), o brinquedo deve ser considerado uma atividade

promotora de desenvolvimento. Para este autor, é por meio da interação interpessoal que o

processo do desenvolvimento é transformado, sempre subordinado a “zona de

desenvolvimento proximal”, pois a criança se comporta, no brinquedo, além do

comportamento habitual de sua idade. É como se ela fosse maior do que é na realidade. É

nesse sentido que a atividade lúdica atua como mediadora entre a criança e o seu mundo, é

um incentivo para colocá-la em ação, ou seja, fazer com que ela avance de um estágio para

outro.

Entendido dessa forma, o brinquedo é uma atividade imprescindível e essencial para a

aquisição ou construção de conhecimento e habilidades, pois nele a criança é livre para

determinar suas próprias ações e limites. O que implica acreditar na existência de uma

capacidade da criança em interagir com o mundo, como também a existência de uma

recriação de significados nos grupos de brincadeira com seus co-específicos.

Desse modo, pode-se dizer que a brincadeira é uma atividade contextualizada

socioculturalmente, significa dizer que ela releva e também representa propriedades do

sistema econômico, social e organizacional do contexto onde a criança se desenvolve.

Semelhante idéia é partilhada pela perspectiva da Rede de Significação, em que Costa,

Oliveira e Guanaes (2004) entendem que a brincadeira é um instrumento de ligação entre o

indivíduo e o social, funcionando para a exploração de lugares, pessoas, regras e situações, e

nesse sentido é um recurso privilegiado do desenvolvimento da criança.

A brincadeira seria, portanto, uma ocasião para recriação da cultura em um contexto

interacional cheio de conflitos e de intensas negociações, possibilitando refletir sobre as

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formas de ação que ela e seus parceiros adotam e as regras sociais que as orientam, conforme

as examinadas pela ação, além de introduzir a criança no mundo das regras sociais.

Isso ocorre no momento em que a criança, ao brincar, se coloca no lugar do outro, por

exemplo, uma criança, mais velha, desempenhando o papel de pai atribui outro papel, como o

de filho ou de mãe, para outra criança. Com isso, ao brincar, a criança ultrapassa seu

comportamento diário e experimenta outros modelos e papéis, inserida em sua rede de

experiências sociais.

Idéia semelhante, porém com uma perspectiva ampliada, pode ser encontrada nos

estudos de Pontes e Magalhães (2003) que consideram que: “brincadeira é cultura”. Um dos

pressupostos da esta perspectiva é que a herança biológica e a cultura na qual o indivíduo está

inserido são componentes de um mesmo processo de desenvolvimento. Quando se fala em

herança biológica, portanto, fala-se na repercussão de nosso passado evolucionista sobre o

desenvolvimento ontogenético do ser humano, por meio da ação genética. Nesse sentido, se

introduz novas variáveis que contribuem para uma melhor e mais abrangente compreensão do

processo de desenvolvimento, sem negar a influência dos aspectos sociais e antropológicos.

A partir desta compreensão, Pontes e Magalhães (2003) fazem referência à discussão

da universalidade e especificidade da brincadeira como prática cultural. “Apesar de os jogos

tradicionais caracterizarem uma cultura local, é interessante a existência de certos padrões

lúdicos universais, mesmo observando-se diferenças regionais, como variações nas

designações, e nas regras e suas formas de utilização” (Pontes & Magalhães, 2003, p.117).

Seguindo a discussão acima, Charlesworth (1992) faz alusão a existência de duas

matrizes conceituais que contribuem para a psicologia do desenvolvimento e que estão

relacionadas a essa perspectiva. A primeira seria a noção de características típicas da espécie

(universais), comportamentos ou motivações que usualmente aparecem em diferentes

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contextos culturais e históricos e que estão associados com a sobrevivência e perpetuação da

espécie. Já a segunda contribuição refere-se às diferenças individuais relacionadas a aspectos

do ambiente físico e social (mortalidade infantil, abuso, negligência, desnutrição, qualidade no

cuidado e na educação infantil, etc.), os quais; segundo a autora, devem ser analisados no

sentido de investigar quais fatores ecológicos, econômicos e culturais os modulam.

Ainda com relação à universalidade do brincar, Göncü, Tuerme, Jain e Johnson (1999)

alertam para dois aspectos: o primeiro deles é a idéia de que a origem, a freqüência e o

desenvolvimento das brincadeiras das crianças seguem os mesmos padrões em diferentes

partes do mundo; o segundo diz respeito às características específicas das brincadeiras, que

dependem do contexto em que a criança está inserida e dessa forma possibilitam pensar o seu

estudo não somente como uma atividade para entender o desenvolvimento psicológico, mas

com uma atividade válida o suficiente para estudá-la por si mesma.

A universalidade do brincar e sua importância para o desenvolvimento não exclui a

relevância em estudar o contexto onde a brincadeira ocorre, pelo contrário, leva em

consideração as especificidades culturais, pois são essenciais para indicar os fatores

universais e particulares do brincar.

É, portanto, uma nova forma de olhar a brincadeira e é apresentada não somente como

parte da cultura e presente na vida da criança e do adulto, mas como pertencente ao

patrimônio histórico da humanidade. Ela não só reflete a cultura de uma sociedade como é

encontrada na cultura, como um elemento antes da própria cultura, desde a origem da

civilização até os dias atuais (Carvalho, 1994).

Portanto, para Carvalho (1994) “a brincadeira é uma atividade social e cultural e

pressupõe um aprendizado” (p.51). Essa afirmação possibilita pensar que é por meio da

brincadeira que os participantes de determinado grupo resgatam valores, regras e habilidades

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sociais fundamentais para o seu desenvolvimento. Esse ponto de vista possibilita pensar no

papel ativo dos agentes de criação e de transmissão de cultura.

É nessa perspectiva que Ponte e Magalhães (2003) assim conceituam a brincadeira

como: “rituais que se transmitem, repetidos ou recriados, em ambientes socioculturais

distintos.” (p.15).

O brincar, segundo essa perspectiva adotada, pode ser pensado como um

comportamento adaptado e adaptativo da espécie. Adaptado porque, visto de um tempo longo,

é comum a todos os membros da espécie; já se visto de um tempo curto é adaptativo, porque

se de todos da espécie brincam varia o como, onde, com que e com quem brincam.

Das várias formas e possibilidades de investigação da brincadeira, salienta-se esta

enquanto contexto privilegiado de interação social, um meio de desenvolvimento de

habilidades sociais, de teste de habilidades pessoais e de escolhas de companheiros (Pontes &

Izar, 2005).

Dessa maneira, pode-se dizer que as crianças constroem suas brincadeiras, recortam

pequenas ações das outras, ajustando-se a elas, seja repetindo-as integralmente ou

parcialmente, acrescentando-lhe algo, ou até substituindo partes delas, e regulando-se

continuamente pelo confronto com as ações. O recorte e o ajustamento compõem uma

linguagem cujo compartilhamento construído na situação interativa se manifesta nos acordos

alcançados e na efetivação de seqüência interativa. (Bonamigo & Kuder, 1990; Kishimoto,

1993; Carvalho & Pedrosa, 1995).

A brincadeira

A importância dada ao brincar como uma atividade inerente e essencial da infância

tem sido amplamente reconhecida. Esse aspecto contribuiu para que a brincadeira tenha sido

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objeto de várias investigações científicas nas mais diversas áreas de conhecimento, como a

Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, a Etologia, a Filosofia, etc. Todavia, apresenta

ainda uma série de dificuldades conceituais, visto que é um fenômeno estudado com visões e

modelos teóricos distintos.

Diante da dificuldade de conceituar a brincadeira, e por mais familiaridade que se

tenha com esse assunto, não se chegará a uma definição consensual do brincar. Isso acontece

por várias razões, mas principalmente porque o brinquedo e a brincadeira se apresentam de

várias formas e sempre se intercalam com atividades consideradas não lúdicas em contextos

distintos.

Diferentes maneiras de definição de brincadeiras podem ser encontradas na literatura,

porém na maioria das vezes são conceitos vagos, imprecisos que recortam apenas um aspecto

da brincadeira descrevendo somente um fator, como a situação, o comportamento ou o estado

interno. Johnson, Christie e Yawkey (1999) consideram que essas definições são impróprias e

inválidas se tomadas em sua íntegra, porém entendem que não podem ser excludentes e

devem fazer parte de uma visão que percebe a brincadeira como um fenômeno holístico.

A dificuldade aumenta quando se percebe a mesma problemática no conceito de jogo

e brinquedo. Essa questão é maximizada à medida que se identifica brinquedo, jogo, e

brincadeira como sinônimos. Diante disso, se faz necessário tentar esclarecer e diminuir essa

complexidade conceitual e fazer a distinção desses três conceitos, porém de maneira

integrada e sem a pretensão de declarar conceitos totalmente acabados.

O brinquedo, por sua vez, supõe uma relação íntima com a criança e uma

indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua

utilização (Kishimoto, 1993).

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O jogo pode ser definido como um sistema de regras que permite identificar, em

qualquer jogo, uma estrutura seqüencial que especifica sua modalidade (Avedon & Sutton-

Smith, 1971).

Em relação à brincadeira, Johnson, Christie e Yawkey (1987) ponderam a partir de

algumas características: a não-literalidade que corresponde ao fato de que as situações de

brincadeira são caracterizadas por uma realidade interna sobreposta à externa, ou seja, a

criança recria ou reconstrói os eventos lúdicos; o efeito positivo, o qual é representado pelo

sentido do prazer ou da alegria; a motivação intrínseca da criança para o brincar; a prioridade

do processo de brincar cuja atenção está concentrada na atividade em si e não em seu

resultados ou efeitos; e a livre escolha, pois segundo os mesmos autores, só é brincadeira

quando sua escolha for livre e espontânea.

Uma possível definição a respeito do conceito de brincadeira, de acordo com

Kishimoto (1993), é que este se caracteriza como um comportamento que possui um fim em si

mesmo, que surge livre, sem noção de obrigatoriedade e exerce-se pelo simples prazer que a

criança encontra ao colocá-lo em prática. Pellegrini e Smith (1998) concordam com este

conceito e acrescentam que, a partir dele, a importância do brincar estaria mais no seu próprio

processo (meio), do que em seus benefícios futuros (fins).

Diante dessas prerrogativas, vários estudos têm se proposto a investigar como e

porque as crianças brincam, além de compreender episódios de brincadeira que possibilitem

identificá-las. Essa tarefa parece ser inevitável, quando se estuda brincadeira, e para isto é

necessário que critérios sejam criados para identificar que determinado comportamento é uma

brincadeira. No entanto, isso nem sempre é possível, visto que o brincar é um comportamento

complexo e suas definições constituem-se, muitas vezes, insuficientes.

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Apesar disso, Bichara e Santos (2005) colocam que adotar uma definição de

brincadeira e estabelecer critérios de identificação são aspectos imprescindíveis e norteadores

para o pesquisador que estuda a atividade lúdica. Com relação à identificação de um evento de

brincadeira, Carvalho e Yamamoto (2002) afirmam que ela é facilitada pelo olhar do

pesquisador, pois a criança ao brincar dá pistas faciais e corporais que são facilmente

reconhecíveis (como o riso e a descontração). Diante disso, Bichara (1994) estabelece dois

critérios de identificação de episódios de brincadeira: a verbalização e o comportamento

motor da criança. Segundo a autora, estes dois aspectos dão uma pista se a criança está

brincando e também do que ela brinca.

Embora a brincadeira seja uma atividade universal entre as crianças de diferentes

populações, cada cultura possui uma forma peculiar de expressão que é um reflexo das

características ambientais específicas. Segundo Moraes e Otta (2003), tanto a brincadeira

como os brinquedos que ela pode envolver estão marcados pela identidade cultural e por

características sociais específicas de um grupo social. Diante disso, pode-se dizer que ao

mesmo tempo em que a brincadeira constitui-se como uma característica universal, ela possui

aspectos específicos que irão depender de diversos fatores, tais como ambiente físico, social,

cultural e as características da criança.

Para ilustrar o caráter universal e singular da brincadeira, pode-se citar uma conclusão

de Gosso (2004) após a realização de seu estudo com índios Parakanã. Para a autora as

crianças representam as atividades dos adultos de sua cultura na brincadeira, fato que também

foi verificado em estudos realizados com crianças de outras culturas. Nesse caso, observar e

estudar o que ocorre na comunidade, assimilar, interpretar e representar a seu modo pode ser

considerado como um aspecto universal do brincar infantil. Enquanto o que é representado

seria uma característica mais específica que depende da cultura em que a criança está inserida.

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Segundo Santos e Bichara (2005), essa universalidade e especificidade da brincadeira

não são mutuamente excludentes, mas complementares. Com relação à reconstrução da

realidade vivenciada a partir das experiências adquiridas pela criança em seus espaços físicos

e culturais. Santos e Bichara (2005) colocam que esse fato não é visto apenas como uma

repetição dos eventos vistos ou ouvidos, uma vez que a criança cria e recria, combinando o

antigo com o novo.

Seguindo essa perspectiva, Corsaro (1985) entende a brincadeira como produções

coletivas e inovadoras, sendo que a criança não é agente passivo, mas contribui para a

reprodução da cultura adulta, assim como para a produção de culturas particulares entre os

parceiros de brinquedos.

Segundo Gosso (2004), as crianças parecem viver em uma cultura à parte da dos

adultos. É uma cultura dentro da outra, sendo que uma interfere na outra. Adulto e criança

estão em contato com a cultura do outro e participam dela também. Dessa forma, aos poucos a

criança aprende a fazer parte da cultura do adulto e sem perceber passa a compartilhar com a

cultura dele. Isso acontece porque, de acordo com Bussab e Ribeiro (1998), a criança é um ser

biologicamente cultural, ou seja, possui uma tendência inata para a cultura e é por meio dela

que se constitui enquanto ser humano.

Pra quem se propõe estudar a brincadeira é necessário não somente uma definição

clara desse fenômeno, mas ao mesmo tempo, o estabelecimento de critérios que possibilitem

além de identificá-la, classificar e descrever a brincadeira, já que elementos das brincadeiras

são norteadores e essenciais no estudo dessa atividade.

Considerando as especificidades dos contextos, Kishimoto (1993) alega que cada

contexto social constrói uma imagem de jogo conforme seus valores e modo de vida, que se

expressa por meio da linguagem.

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Brougére (1998) acredita também, que todo pesquisador deve estabelecer critérios

para avaliar e identificar uma atividade lúdica, uma vez que considera que a brincadeira é

influenciada por valores culturais de determinado contexto. Este autor parte do pressuposto

de que a atividade do brincar é contextualizada socioculturalmente, isto quer dizer que todo

estudo deve, necessariamente, ser ajustado ao ambiente onde o brincar ocorre. Assim, para o

autor, à distância e à teorização da realidade experienciada em cada contexto pode ser

reduzida. É a partir desse ponto de vista, que critérios de classificação devem,

necessariamente, ser estabelecidos seguindo a lógica contextual.

A classificação das brincadeiras, portanto, é um importante aspecto a ser considerado

pelos pesquisadores da área, na tentativa de se aproximar do fenômeno da brincadeira. Essa

classificação ajuda não só a sistematizar e categorizar a brincadeira como também pode

indicar propriedades particulares do contexto e sinalizar indicadores fundamentais para o

desenvolvimento infantil, já que a brincadeira é entendida como atividade processual

reveladora dos fatores sociais e culturais de onde a criança se desenvolve.

Dentre as várias classificações, pode-se citar a proposta de Kishimoto (1993) voltada

para a educação infantil:

(1) Brinquedo infantil (jogo educativo), cuja finalidade é a utilização pedagógica, é

um instrumento para situações de ensino-aprendizagem;

(2) Brincadeira tradicional infantil, filiada ao folclore, que incorpora a mentalidade

popular, se expressa, sobretudo, pela oralidade;

(3) Brincadeira de faz-de-conta é também reconhecida como simbólica, representação

de papéis ou sociodramática. É a que deixa mais evidente a presença da situação imaginária;

(4) Brincadeiras de construção são atividades que direcionam para a construção de

algo, como os brinquedos de tijolinhos.

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Essa classificação é caracterizada por ser muito geral, pouco coesa, quanto aos

aspectos dinâmicos e estruturais da brincadeira, e particularmente, direcionada à área da

educação.

Além dessa proposta, há a classificação de Parker (1984) que está fundamentada em

um arcabouço teórico maior, os estágios de desenvolvimento de Piaget. Sua classificação é

composta de seis tipos de brincadeiras:

(1) Brincadeira por contingência de exercício sensório-motor contribui para que a

criança seja levada a exercitar vários elementos: os comportamentais, as relações espaciais e

causais, além de possibilitar que o participante aprenda a usar a força e a função dos objetos;

(2) Brincadeira de contingência social, é caracterizada pela alternância de papéis e há

uma resposta verbal, facial e de sinais ao outro, “pleasure in the ability to produce contigent

responses in others, and to respond contingently to others” (p.275);

(3) Brincadeiras simbólicas ou imaginativas em que as crianças imitam ou

dramatizam atividades diárias como dormir, comer, viajar e etc;

(4) Brincadeira turbulenta/agonística que é caracterizada por exercícios de lutas,

brigas e perseguição. A única distinção de uma luta real é o sorriso das crianças envolvidas;

(5) Jogos de construção são identificados por objetos que servem para empilhar ou

construir um outro objeto maior;

(6) Brincadeira e jogos de regras são representados por jogos de campo como futebol,

jogo de tabuleiro como a dama, jogos de cartas e etc.

Segundo Moraes e Otta (2003), a maioria das brincadeiras apresenta algumas destas

classificações simultaneamente e propõem que o critério de classificação não seja aleatório,

entendendo somente um aspecto, mas sim a partir da complexidade da brincadeira: exercício

físico, contingência social, turbulência, construção, regra e simbólica.

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Entre essas classificações encontradas na literatura, há a desenvolvida por Avedon e

Sutton-Smith (1971) que tem como perfil a exaustão, contudo ela se prende somente à

descrição dos elementos estruturais dos jogos. Para o autor estes elementos não estão

acabados e dessa maneira, outros recursos podem ser adicionados a esses apresentados a

seguir, são compostos de um total de 10 itens:

(1) propósito do jogo, está relacionado à finalidade que o jogo se destina;

(2) procedimento para ação cuja identificação é feita pelas operações específicas de

ações exigidas para o desenvolvimento do jogo;

(3) regra que é o princípio fixado que determina a conduta e o padrão para o

comportamento;

(4) participantes, ou seja, número mínimo ou máximo necessário para a ação;

(5) papéis dos participantes que indicam a função e o status, sendo que o papel ou a

função podem ser diferenciados de cada participante ou pode ser a mesma;

(6) resultado ou recompensa do jogo;

(7) habilidades requeridas para as atividades que são identificadas pelos aspectos de

três domínios comportamentais, utilizados em determinada atividade. Esse elemento é

subdividido em três categorias: domínio cognitivo que inclui o simbólico, processos

operacionais, como memória e cognição; domínio sensório – motor que inclui os movimentos

do corpo, habilidades motoras manipulativas; domínio afetivo referente aos fatores

semióticos que estimulam as emoções e a identificação;

(8) padrões de interação que podem ser identificados por:

a) Intraindividual: A ação se dá envolvendo somente a ação da pessoa participante,

não requerendo nenhum contato com outra pessoa ou objeto. Não há , portanto, competição.

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b) extraindividual: A ação é dirigida por uma pessoa para um objeto no ambiente, não

requerendo nenhum contato com outra pessoa. Também não há competição.

c) Agregado: A ação é dirigida por uma pessoa para um objeto no ambiente, o que se

dá na companhia de outras pessoas que também dirigem suas ações para o mesmo objeto, não

há necessidade de interação entre ás pessoas, contudo dá-se à competição.

d) Interindividual: É uma ação de natureza competitiva dirigida de uma pessoa para a

outra, ocorrendo à competição.

e) Unilateral: É uma ação de natureza competitiva que se dá entre três ou mais

pessoas, e estabelece-se a partir de díades competitivas simultâneas, ou seja, dento do jogo,

disputa-se apenas com um dos participantes e não com todos ao mesmo tempo.

f) Multilateral: A ação é de natureza competitiva que se dá entre três ou mais pessoas,

sendo que nenhuma destas é antagonista da outra, cuja intenção seria procurar vencer.

G) Intragrupo: A ação é de natureza cooperativa que ocorre entre duas ou mais

pessoas com o intento de alcançar uma meta mútua.

h) Intergrupo: É uma ação de natureza competitiva entre dois ou mais intragrupos.

(9) O ambiente é sub-categorizado em físico, espaço natural onde a ação acontece ex.

quadra e as exigências ambientais, que são as circunstancias naturais indispensáveis ou

obrigatórias, ex. piscina;

(10) os equipamentos, último elemento requerido, identificados pelos objetos naturais

empregados no decorrer da ação, ex. raquete.

Pontes e Magalhães (2003) adicionam aos itens acima outros que consideram

relevantes para a descrição do jogo: (11) período da ocorrência, resumido como horário e

época do ano em que ocorre determinada brincadeira; (12) faixa etária dos participantes; (13)

verbalizações típicas encontradas; (14) formas de brincar, variações encontradas na prática do

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mesmo jogo; (15) a terminologia e a relação com o vocabulário típico do contexto da

brincadeira. De forma complementar, esses autores consideram que o item 3 de Avedon e

Sutton-Smith (1971) não é codificado verbalmente, podendo ser subdividido em regras

explicitas e implícitas, sendo essa última inferida de comportamentos padronizados

encontrados no jogo.

Pode-se concluir que os vários estudos que relacionam brincadeira e desenvolvimento

infantil, procuram detectar a influência dos fatores geográficos, socioculturais, econômicos, e

familiares (Ponte & Magalhães, 2003; Bichara, 1999; Johnson, Christie & Yawkey, 1999,

Gosso, 2004). E é dentro desse contexto teórico que se entende a relevância dos estudos em

contextos específicos.

Nesse sentido, a diversidade geográfica e cultural presente no Brasil possibilitam a

observação das várias formas e conteúdos do brincar, o que contribui e se constitui num rico

campo de investigação da brincadeira como “prática cultural e dinâmica entre seu caráter

universal e as especificidades existentes em função dos ambientes socioculturais distintos”

(Santos & Bichara, 2005, P.209). Utilizando, ainda, a cultura e o modo de vida da população

brasileira como referencial de análise, contribuindo para o engrandecimento da psicologia de

desenvolvimento no contexto brasileiro e promovendo pesquisas no nível intercultural.

Diante dessas considerações, o estudo em questão se deu em uma comunidade

denominada de ribeirinha, localiza a beira de rio Araraiana. A sua escolha se deu em função

do isolamento sociogeográfico e de suas peculiaridades locais como: ausência de energia

elétrica, isolamento entre as casas e carência de saneamento básico.

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DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA

Nesta pesquisa, entende-se que o estudo da diversidade cultural é fundamental para a

compreensão do processo do desenvolvimento humano, pois nos contextos específicos, como

o da comunidade do rio Araraiana, pode-se identificar aspectos que revelam as

particularidades do contexto físico, social e cultural de determinada localidade e com isso

revelar indicadores do desenvolvimento infantil.

O contexto específico, neste caso, a região amazônica apresenta particularidades que

lhe são próprias como o isolamento sociogeográfico, que em função da floresta Amazônica e

dos rios extensos, barreiras naturais, dificultam a locomoção e maximiza o isolamento. Pode-

se dizer que o isolamento e o distanciamento do contexto urbano contribuem para que a

população ribeirinha esteja adaptada ao contexto sociogeográfico onde vive.

Com características semelhantes, a comunidade do rio Araraiana localizada na ilha do

Marajó, no Estado do Pará, tem como características principais o isolamento geográfico,

moradias em sistemas de palafitas e o modo de vida estruturado no extrativismo o que

contribui para o estudo da diversidade cultural.

Essa comunidade exibe, ainda, a peculiaridade de se definir em função de sua relação

com o rio. O rio, presente em vários momentos da vida deste povo, encontra-se representado

em suas lendas, medos e desejos. Pode-se falar em uma verdadeira cultura do rio. Parte dessa

cultura é influenciada pela própria dinâmica do rio. Seus momentos de cheia e vazante

organizam a rotina de quem vive em seu entorno. O rio, por outro lado, faz o duplo papel de

propiciar vínculos e afastamentos, ou seja, o rio atua como obstáculo ambiental e meio de

contato, uma barreira e ponte ambiental, criando e restringindo as possibilidades de interação

principalmente entre as crianças.

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Para Harris (2000), o rio representa a “metonímia do ser ribeirinho”, aquilo que ao

mesmo tempo cria vínculos e isolamentos entre as pessoas. Desse modo, a peculiaridade de

isolamento desta população constitui um dos aspectos que delineiam a relevância deste

estudo.

Em termos socioculturais, o rio pode sistemicamente favorecer o desenvolvimento de

culturas típicas de brincadeira de determinadas famílias, pois a condição de isolamento que

lhes são impostas dificulta o compartilhamento de culturas de pares.

Pensar desenvolvimento como um processo eminentemente relacional, no qual estão

postos os aspectos do contexto físico e sociocultural implica levar em conta as diferentes

identidades envolvidas e assim a necessidade de aprofundar o conhecimento das práticas

culturais desses sujeitos, neste caso, as situações de brincadeiras, pois é uma forma de estar

revelando parte da cultura que neste caso é a cultura da brincadeira ribeirinha.

Nesse sentido, entende-se que o estudo em contextos particulares pode indicar

diferentes formas de desenvolvimento, assim como formas e conteúdos das brincadeiras

distintas e específicas, uma vez que estão diretamente ligadas ao contexto onde são exercidas.

Mesmo reconhecendo a importância dos estudos em contextos particulares, grande

parte dos estudos de brincadeira centra-se em contextos urbanos. As pesquisas sobre

brincadeira ainda estão centradas em contextos padronizados e organizados por adultos, como

pode ser observado nos trabalhos em escolas e em creches (Kishimoto, 1997; Martins e

Szymanski, 2004; Silva, Vieira, Guimarães, Frank e Hipper, 2005; Poleto, 2005; Carvalho,

Alves e Gomes, 2005; Pedrosa, 2005; Cruz e Carvalho, 2006; Foresti e Bomtempo, 2006;

Roble e Gil, 2006; Lordelo e Carvalho, 2006).

Apesar de existir uma diversidade de trabalhos em Psicologia realizados com

brincadeira, há ainda poucos desenvolvidos em contextos culturais específicos. A

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particularidade de determinados contextos culturais pode corroborar para a compreensão da

relação da brincadeira com esse contexto. É nesse sentido que trabalhos como Bichara,

(1999), Pontes e Magalhães, (2003); Gosso, (2004); Silva, Pontes, Silva-Bahia, Magalhães e

Bichara, (2006); Gosso e Otta, (2006); tem corroborado para uma perspectiva da relação

brincadeira e cultura.

Além do mais, diferente dos contextos urbanos, há uma riqueza a mais nos contextos

específicos e que é possível de ser visualizada quando se pensa em contextos não urbanos,

pois possibilita identificar os fatores culturais que influenciam na brincadeira, na autonomia

do mundo infantil e na transmissão da cultura de brincadeira entre pares.

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OBJETIVOS

Eu gosto é da capoeira, Do meu chalé de madeira Feito na beira do rio. (Ivan Cardoso e Alfred’ Moraes - Poetas Paraenses)

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OBJETIVOS

Objetivo Geral:

O Principal objetivo que norteou a realização dessa pesquisa foi investigar,

caracterizar e descrever as brincadeiras das crianças de uma comunidade ribeirinha da ilha do

Marajó (Pa) e discuti-las em função do modo de vida.

Objetivos Específicos:

Com a finalidade de identificar e caracterizar as peculiaridades do grupo de

brincadeira e da comunidade ribeirinha objetivou-se também.

• Caracterizar sociodemograficamente a população ribeirinha investigada.

• Identificar e caracterizar os contextos físico e social onde as brincadeiras

tradicionais são exercidas.

• Identificar e descrever as brincadeiras partilhadas pelas crianças da

comunidade estudada.

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MÉTODO

A sombra da mata, mata, A relva do chão da mata Que a pata do sol não pisa... (Ivan Cardoso e Alfred’ Moraes - Poetas Paraenses)

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Fundamentação da escolha metodológica

Esta pesquisa tem como parâmetros metodológicos uma abordagem ecológica que

privilegia os estudos realizados em ambientes naturais e a análise da participação de pessoas

focalizadas no maior número possível de ambientes e em contato com diferentes pessoas,

díades e tríades (Bronfenbrenner, 1996 e Hinde, 1987).

Essa abordagem, além de considerar os elementos ambientais, ressalta a importância

do estudo contextualizado e entende que o ambiente natural é o lócus privilegiado para a

pesquisa do desenvolvimento humano, com destaque para métodos e análises que viabilizem

a descrição e a compreensão dos sistemas sociais, de maneira mais contextualizada possível.

(Bronfenbrenner, 1987).

A partir dessas configurações contextuais, o delineamento da estratégia de pesquisa,

aqui configurada, procurou unir a investigação quantitativa e qualitativa. Nessa direção, foram

utilizados instrumentos quantitativos como o inventário sociodemográfico, o check-list e o

inventário de brincadeiras tradicionais, aliados as técnicas qualitativas de coleta e análise de

dados como os diários de campo (Bogdan & Biklen, 1994).

Esta pesquisa é caracterizada, ainda, como ecológica à medida que a realização do

estudo específico e a discussão dos resultados não ignorem os fatores sociais, políticos e

econômicos e suas possíveis influências no processo estudado.

Para a realização de pesquisa do desenvolvimento em contexto, Bronfenbrenner

(1979/1976) propõe, ainda, a “validade ecológica”, em que o pesquisador deve

necessariamente presumir ou supor as formas de apreensão do meio ambiente vivenciado pelo

sujeito. A utilização desse conceito remete em considerar como o objeto de pesquisa foi

percebido e interpretado pelo grupo de pesquisadores, por meio dos métodos naturalísticos,

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como a descrição etnográfica, estudos de caso e observação em contexto que passam a ser de

extrema relevância, evitando assim, formas errôneas de interpretação.

O modelo ecológico explicita, também, a necessidade dos pesquisadores estarem

atentos para a diversidade que caracteriza o homem como seus processos psicológicos, sua

participação dinâmica nos ambientes, suas características pessoais e sua construção histórico-

sociocultural.

E para que isso ocorra é necessário que o observador realize mais do que um simples

registro das situações e fatos. Para Cecconello & Koller (2004) é essencial que aja no

pesquisador uma mudança de comportamento, integrando-se ao ambiente e tornando-se o

mais próximo possível de todos os aspectos que circundam o contexto estudado. As autoras

conceituam essa forma de observação participante como “inserção ecológica”.

As pesquisas baseadas no modelo ecológico do desenvolvimento optam pela

observação participante como alternativa metodológica. A observação participante busca,

assim, estabelecer uma participação adequada dentro do grupo pesquisado, na forma mais

natural possível, de modo a reduzir o processo de estranheza recíproca e levar a observação

dos fatos, situações, rotinas atividades que seriam alterados na frente de estranhos, de formas

que o indivíduo seja capaz de revelar ações, atitudes, falas, episódios, que de uma forma

diferente, poderiam ser escondidos. (Martins, 1996)

Em função dessas premissas, os passos metodológicos foram progressivos, os quais

implicaram em aproximações sucessivas, tornando possível um constante redimensionamento

das etapas metodológicas como formas de contato com os participantes, estratégias de coletas

de dados, revisão e reconstrução dos instrumentos.

À medida que se teve clareza das possibilidades de investigação, foram utilizadas

estratégias de procedimentos direcionados aos objetivos específicos do projeto.

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Diante dos aspectos expostos, a investigação em questão foi dividida em dois

momentos. No primeiro momento, foram levantados dados gerais com vista a caracterizar a

comunidade onde a pesquisa seria desenvolvida. No segundo momento, procurou-se realizar

um estudo do levantamento das brincadeiras envolvidas nessa atividade.

Aspectos contextuais da pesquisa.

Nesta pesquisa, os aspectos contextuais são representados pelo ambiente físico,

cultural e social, tanto da região amazônica quanto da comunidade do rio Araraiana (Micro-

região da Pesquisa). Sua descrição é de fundamental importância, já que possibilita o leitor

situar-se em que contexto esta investigação ocorreu, além de informar sobre as características

peculiares dessa comunidade ribeirinha.

A Amazônia apresenta um perfil peculiar representado pela sua grandeza territorial e

sua riqueza natural. Essas especificidades são resultados, não somente do aspecto geográfico,

mas, principalmente da relação existente entre os diferentes elementos naturais, como a

vegetação, o clima, o solo, os rios, o relevo e a população nativa da região.

Dentro dessa diversidade amazônica, pode-se localizar a ilha do Marajó, a maior ilha

fluviomarítima do mundo, encontrada na foz do rio Amazonas. Etimologicamente, a palavra

marajó vem do indígena Mbarayó que significa “anteparo do mar” ou “tapa-mar” (IBGE,

2006 www.ibga.com.br.), aspecto que pode ser contemplado nos mapas da região.

A ilha apresenta aproximadamente 40.100 km2 (Wikipédia, 2007,

www.Wikipédia.com.br) de extensão territorial, cercada pelos rios Amazonas e Pará, com

mais de mil anos de História e cultura. Em sua magnitude geográfica, encontram-se inúmeras

comunidades ribeirinhas, a maioria isolada dos grandes centros urbanos.

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Repartida em 13 municípios, (Ver figura 01) a ilha tem relevo relativamente plano,

com áreas de terra firme, várzeas e igapó, influenciadas pelo fluxo e refluxo das marés e o

índice pluviométrico alto em determinada época do ano. Sua vegetação é diversificada com

algumas partes da ilha coberta por florestas e, outras por campos naturais como a vegetação

do tipo savana.

Figura 01: Mapa representativo da Ilha do Marajó e seus Municípios.

Entre os municípios que compõem a Ilha do Marajó está o de Ponta de Pedras, um dos

municípios mais pobre economicamente desta região, com total de 19.856 habitantes

(Wikipédia, 2007, www.Wikipédia.com.br). Por ser um município extenso, com

aproximadamente 3.380,30 Km2 (Wikipédia, 2007, www.Wikipédia.com.br), apresenta

muitas comunidades distantes do centro comercial, o que dificulta à locomoção da população

à sede do município, e conseqüentemente o acesso as quaisquer recursos básicos. Esses

lugarejos, algumas vezes estão mais perto da sede de outros municípios do que de sua

própria, como exemplo, a comunidade do rio Araraiana que pertence geograficamente a

Ponta de Pedras, mas está mais próximo da sede do município de Abaetetuba.

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O lugar conhecido como comunidade do Rio Araraiana, às proximidades da Fazenda

São Francisco (base de pesquisa), distante da capital do Pará, Belém, cerca 4 horas de viagem

de barco local é o local desta pesquisa. Descrição mais detalhada da comunidade Araraiana

pode ser encontrada no item comunidade.

Base de pesquisa

No decorrer do estudo científico, a base de pesquisa foi o hotel fazenda São Francisco,

local conhecido pelos moradores ribeirinhos como Ponta do Malato. Em acordo firmado com

os proprietários, foram concedidas as instalações estruturais do hotel para a permanência do

grupo de pesquisa durante a realização dos trabalhos científicos (Ver figura 02). Um dos

pontos acordados constava que não haveria nenhum ônus, por parte do proprietário, cabendo

aos pesquisadores arcarem com todas as despesas, desde alimentação até o gasto de

combustível para a iluminação elétrica do hotel.

Dentre as instalações, o hotel possuía um funcional sistema de energia elétrica, movido

a motor, viabilizando o trabalho na armazenagem dos dados no computador. Além desse

facilitador, o hotel contava também com um porto que facilitava a locomoção do grupo de

pesquisa ao rio Araraiana e servia ainda de entreposto para outras embarcações que

transitavam pela região. O fluxo constante de pessoas de outras localidades contribuiu para a

obtenção de informações importantes para o armazenamento do banco de dados da pesquisa.

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Figura 02: Foto do local onde está localizada a base de pesquisa

Participantes

De maneira geral, pode-se dizer que todos os moradores da comunidade foram sujeitos

desta investigação científica. O perfil populacional da comunidade é de um total de 22

famílias, que se situa em torno de 125 indivíduos, sendo 60 adultos e 66 crianças e

adolescentes (Ver figura 03).

FEMININO MASCULINO

010 05125 1005 125

0 - 0607 - 1213 - 1819 - 2425 - 3031 - 3637 - 4243 - 4849 - 5455 - 6061 - 6667 - 7273 <

FAIX

A

ETÁ

RIA

( A

NO

S )

POPULAÇÃO TOTAL

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Figura 03: Distribuição da população do rio Araraiana (dados brutos) em função das

categorias: idade e sexo.

Em função das fases distintas e da realização dos objetivos específicos desta pesquisa,

os sujeitos foram divididos em dois grupos, os quais participaram em etapas subseqüentes.

1º grupo: Na primeira etapa, participaram os responsáveis das 22 casas da comunidade

do rio Araraiana e teve como objetivo realizar o levantamento dos dados socioeconômico e

demográficos de cada família, assim como dados gerais da comunidade, além de algumas

questões exploratórias sobre a brincadeira e os contextos em que ocorrem.

2º grupo: Na segunda etapa, participaram da pesquisa todas as crianças e adolescentes

do rio Araraiana, pois foram registradas brincadeiras dentro do grupo etário de 5 a 18 anos.

Essa faixa de idade foi escolhida em função do grau de dificuldade em responder os

instrumentos.

Informante

O informante foi um morador da comunidade, residente e caseiro da fazenda São

Francisco, foi participante à medida que facilitou o vínculo da equipe de pesquisa com a

comunidade e serviu como fonte de informações complementares sobre as atividades

cotidianas dos moradores do rio.

Comunidade

Todo o processo de investigação científica foi desenvolvido em uma comunidade

situada no Rio Araraiana, no município de Ponta de Pedras-Marajó-Pará-Brasil (Ver figura

04). A escolha dessa comunidade se deu principalmente em função do isolamento geográfico

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e das condições socioeconômicas. Além desse fator, outras características típicas compõem a

justificativa da escolha, por exemplo, a inacessibilidade aos serviços públicos como energia

elétrica, saneamento e as condições de moradias.

Apesar de sua singularidade, a comunidade do rio Araraiana encontra-se em total

abandono político, social e econômico, fator que pode ser observado no descaso em relação à

escola e ao saneamento, como água tratada e esgoto, revelando a ausência quase que total do

Estado.

Figura 04: Mapa representativo do local onde se situa a comunidade do

Araraiana/Marajó/Ponta de Pedras/Pará.

A vegetação e o rio

Como característica física, a comunidade tem uma área predominantemente de

florestas, com campos alagados e áreas de terra firme. Uma vegetação diversificada de onde a

comunidade usufrui dos recursos naturais, como a coleta de frutos, a caça, a pesca, além da

retirada de matéria prima para a construção das casas e de alguns brinquedos. A rica e

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diversificada vegetação encontrada, de uma forma ou de outra, tem alguma função para os os

moradores ribeirinhos.

Para exemplificar, pode-se apresentar o Miriti (Maurita flexuosa L.), também

denominada de buriti do brejo, palmeira abundante na Amazônia que predomina nos locais

baixos e alagadiços. É uma das palmeiras mais importantes da Amazônia, pois desempenha

um papel relevante no cotidiano das populações da região, uma vez que dela tudo é

aproveitável. O miriti além de se tirar o “vinho” do fruto, sua tala serve para fazer o matapi1 e

sua palma para construção de brinquedos de Miriti, muito utilizado pelas crianças da região.

Seu tronco é utilizado como entreposto entre o rio e as casas caboclas, uma vez que apresenta

como característica natural a capacidade de flutuar na água, subindo e descendo conforme a

maré.

Outra palmeira muito significativa na região é a Euterpe Oleracea, vulgarmente

chamada como “açaizeiro”, é um dos vegetais de grande tradição tanto econômica como

social, pois representa muito para a dieta alimentar da região. O aproveitamento desse

vegetal se dá de muitas maneiras, mas, principalmente, pela extração do fruto (Açaí) que

produz suco bastante nutritivo e pela extração, mas recente do palmito (parte retirada do

caule). No entanto, o palmito não representa tanto para alimento da população quanto o

suco produzido do fruto em si.

Jupati é também outra palmeira nativa da região, tem na exploração da tala a

principal fonte de renda dos moradores. Essa matéria prima é utilizada na confecção de

matapi, na construção das paredes e assoalhos das casas dos ribeirinhos e também na

fabricação do Pari (curral construído para capturar peixe).

1 Objeto construído pelos ribeirinhos para a pesca do camarão - uma espécie de gaiola, que serve para prender o camarão, sua arquitetura é produzida de tal forma que o camarão quando entra não consegue sair.

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Diante da diversidade da vegetação (Ver figura 05), outras árvores nativas da região

ajudam a complementar a alimentação e o orçamento familiar, principalmente as frutíferas:

A seringueira, o jambeiro e a andirobeira, são exemplos de vegetais nativos com expressivo

valor econômico para os ribeirinhos.

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Figura 05: Foto da vegetação característica da localidade do rio Araraiana.

O rio

Outra característica marcante dessa comunidade tipicamente amazônica é o rio. O rio

Araraiana tem aproximadamente 5 Km de extensão e pode ser considerado um rio pouco largo

para os padrões regionais, com aproximadamente 100 m. É um braço de rio que deságua na

baia do Marajó com água barrenta e que apresenta um ciclo de enchente e vazante. Na maré

baixa, o rio se torna raso e apresenta pontos que impedem a passagem dos barcos de grande e

médio porte; na preamar, permite a navegação em toda sua totalidade. Serve como principal

via de locomoção, e ao mesmo tempo, é um importante logradouro para a pesca (Ver figura

06). Além de possibilitar a sua navegação, ele é essencial para a população, pois é o principal

distribuidor de água: para beber, cozinhar e lavar roupa. Esse rio além de representar uma

fonte de vida para essa população, também exerce um poderoso respeito que advém das lendas

amazônicas e do medo de animais, como pirararas e jacarés.

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Figura 06: Foto do rio Araraiana e do barco pô, pô, pô. (Onomatopéia do barulho do

motor)

Material

� Caderno de registro das notas de campo;

� Canetas e pranchetas;

� Computador Pentium IV;

� Máquina fotográfica digital;

� Formulários de coletas (Ver os anexos)

Técnicas e instrumentos de coleta.

Este estudo tem uma abordagem multimetodológica do fenômeno estudado e a

interconexão de pesquisa qualitativa e quantitativa. Este tipo de abordagem pode ser

configurado como a forma mais completa e, portanto, se aproximar da realidade dos

fenômenos sociais. Nessa direção, optou-se pela técnica de observação e notas de campo

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como também, instrumentos quantitativos que representem, de forma mais realista, as facetas

do estudo em questão.

Observação e diário de campo

A partir de uma abordagem ecológica do desenvolvimento humano e da influência de

trabalhos com uma perspectiva etnográfica, optou-se pela observação e o diário de campo

como ferramentas indispensáveis para a realização desta pesquisa.

Com os diários, foi realizada a descrição de todos os contatos e eventos com a

população de maneira descritiva e mais fidedigna possível. A cada visita eram feitas

observações e em seguida registradas manualmente de forma detalhada, precisa e extensiva.

Essa técnica deu sustentabilidade e complementaridade às informações no decorrer da

utilização dos instrumentos, na concretização da metodologia, além de colher informações

fundamentais à compreensão da comunidade e das brincadeiras típicas locais. Mesmo nos

contatos mais estruturados, como a utilização dos instrumentos quantitativos, foram realizadas

anotações de campo de natureza descritiva e reflexiva.

Alerta-se para os dados de natureza descritiva que, primeiramente, possibilitaram uma

descrição extensa e rica dos tipos e das formas de brincadeira, do vocabulário típico, da

interação entre criança, somada às descrições das pessoas, dos objetos ou brinquedos, dos

lugares, dos acontecimentos, das atividades, das conversas, dos gestos corporais, da entonação

de voz etc.

Quanto à natureza da descrição reflexiva, foram registradas idéias, estratégias,

reflexões e palpites do que e como os aspectos da brincadeira poderiam ser investigados.

Essas anotações foram feitas individualmente após visitas aos contextos de interação como: a

escola, a casa, as áreas livres, os momentos de lazer, tarefas domésticas e brincadeiras. É

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necessário esclarecer que todas as notas individuais realizadas no final do dia eram discutidas

em grupo, o que possibilitou um redimensionamento de possíveis problemas metodológicos.

Inventário Sociodemográfico

O Inventário sociodemográfico teve como objetivo caracterizar a comunidade referente

ao aspecto econômico e sociodemográfico, além de realizar um levantamento exploratório das

brincadeiras locais.

Este instrumento foi construído com 88 quesitos referentes ao modo de vida descritos

nos seguintes itens: identificação dos sujeitos pertencentes ao grupo familiar (nome, idade,

gênero, parentesco, estado civil), dados demográficos (renda, escolarização, religião,

propriedade, tamanho da residência), aspectos referentes ao modo de vida familiar (modo de

sobrevivência, alimentação típica, atividade de lazer, atividades sociais, hábitos de saúde e

higiene, etc,) e contextos de brincadeira (tipos de brincadeira e brinquedo, locais para brincar,

companhia e fonte de aquisição dos brinquedos) (Anexo 01).

Inicialmente, este instrumento foi aplicado em famílias de baixa renda no contexto

urbano, após uma adaptação para o contexto em questão foi aplicado um teste piloto em cinco

famílias ribeirinhas para que pudesse ser reavaliado e aperfeiçoado.

As pessoas que não participaram da construção do instrumento foram treinadas em

reuniões posteriores, onde se discutiu todos os itens do Inventário.

Inventário espontâneo das brincadeiras tradicionais infantis

Este instrumento foi utilizado para fins de obtenção dos dados referentes à

identificação e a descrição de brincadeiras ribeirinhas, além de possibilitar o reconhecimento

dos contextos das práticas lúdicas e seus companheiros de brincadeiras. O Inventário

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espontâneo é caracterizado pelo levantamento não diretivo das brincadeiras, possibilitando

que a criança possa relatar as brincadeiras a partir do próprio conhecimento.

Tal instrumento é composto por 05 colunas: a primeira tem a função de identificar

todas as brincadeiras que as crianças exercem na comunidade; a segunda coluna é

disponibilizada para o reconhecimento da companhia; local onde as brincadeiras são

praticadas está localizado na terceira coluna; a seguinte coluna é para a identificação de

quando ocorre; e a última é reservada para a descrição detalhada de como ocorre tal

atividade. (Ver anexo 02)

Foi essencial o detalhamento de cada um dos itens que compõem esse instrumento, de

maneira que possibilitou a descrição de cada brincadeira e contribuiu, conjuntamente com as

notas de campo, para a classificação sistêmica das atividades de brincadeiras. É necessário

esclarecer, ainda, que no momento da coleta de dados o pesquisador treinado não poderia, em

hipótese nenhuma, trocar o nome das brincadeiras ribeirinhas por nome similar conhecido

pelas crianças urbanas, por exemplo, macaca por amarelinha.

“Check list” de conhecimento das brincadeiras tradicionais infantis

Tomado como referência o conhecimento prévio urbano (Baia-Silva, 2003) foi

aplicado o check-list diretivo, que teve como objetivo reconhecer quais as brincadeiras

urbanas conhecidas pelas crianças ribeirinhas.

Esse instrumento consiste em uma lista de identificação das brincadeiras infantis

desenvolvidas a partir de parâmetros urbanos (Baia-Silva, 2003). É composto por quatro

colunas: na primeira, estão localizadas as brincadeiras urbanas; às seguintes identificadas por

“sim” e “não”, além de um espaço para qualquer anotação importante. Este instrumento foi

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aplicado sem interferência de qualquer outra criança e propiciou o levantamento verbal das

brincadeiras conhecidas pelas crianças da comunidade. (Anexo 03)

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Procedimento de coleta 2

Para fins didáticos, o procedimento de coleta foi agrupado em etapas. Contudo, a

despeito da progressividade no procedimento, não há nenhuma implicação necessária de pré-

requisito entre uma etapa e a posterior. Todas as etapas estão interligadas de um modo ou de

outro, já que a sua seqüênciação é essencial para a construção do conhecimento.

Etapa 1: Escolha da comunidade

A escolha da comunidade para o estudo em questão se deu, inicialmente, a partir de

uma busca que envolveu desde pesquisa junto aos órgãos que trabalham com comunidade

ribeirinha, como por exemplo, o POEMA (UFPA), até visitas as comunidades ribeirinhas,

próximas à Belém. A escolha da comunidade seguiu alguns critérios: Isolamento geográfico e

socioeconômico, ausência de energia elétrica e de saneamento básico. O isolamento e a

ausência de energia elétrica contribuíram na seleção da comunidade, uma vez que a mídia

televisiva e radiofônica teria pequena influência no modo de vida dos ribeirinhos. Após 2

meses de levantamento, optou-se pela do rio Araraiana, pois se enquadrava em todos os pré-

requisitos acima exposto.

Etapa 2: Submissão ao Comitê de Ética

A partir da escolha da comunidade deu-se andamento na concretização do projeto de

pesquisa, o qual foi enviado para o comitê de ética e após sua aprovação foi iniciada a

pesquisa “propriamente dita”.

2 Devido este projeto de pesquisa inserir-se num projeto maior intitulado: Contextos de desenvolvimento em uma comunidade ribeirinha: família, pares e escola (Pontes, 2004), parte dos procedimentos de coleta e da análise, aqueles que se referem aos objetivos comuns, são os mesmos do referido projeto.

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Etapa 3: Discussão teórica e formação da equipe de pesquisa

No decorrer das etapas iniciais e para fins do desenvolvimento de uma equipe

integrada, antes e durante o período da pesquisa foram realizadas discussões teóricas a cada 15

dias. Nessas reuniões foram tratados temas referentes aos aspectos teóricos e metodológicos

pertinentes ao projeto mais geral e a pesquisa em questão, como exemplos: discussão de

teorias contemporâneas do desenvolvimento humano, pesquisa qualitativa, incluindo diários

de campo, e o treinamento do grupo de pesquisa.

Entende-se que a formação de uma equipe de pesquisa é um elemento fundamental do

procedimento de coleta e análise de dados, já que a construção do conhecimento, neste caso,

se dá de forma conjunta e integrada é nesse sentido que se pode dizer que o levantamento e as

discussões precedentes foram desenvolvidos por todos os membros da equipe de pesquisa.

O treinamento da equipe de pesquisa foi uma etapa constantemente reavaliada e retro-

alimentada. Todos os instrumentos, desde o mais geral ao mais específico, foram discutidos e

treinados pela equipe. Pode-se citar as notas de campo em que após cada aplicação, a equipe

reavaliava e aperfeiçoava.

Etapa 4: Contato preliminar/informante

As etapas acima aconteceram quase que simultaneamente ao contato com a

comunidade. Para que ocorresse a primeira aproximação com os moradores do local foi

necessário que o “informante” apresentasse o grupo à comunidade. Por sua extensa rede de

relações na comunidade, esse informante facilitou a entrada do grupo e viabilizou a

comunicação com os moradores. O informante também possibilitou a checagem do material

de pesquisa, de modo que os dados coletados eram discutidos com ele, permitindo assim a

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incorporação de aspectos não entendidos no momento de coleta ou a revelação de novas

informações ao material transcrito.

Etapa 5: Consentimento dos moradores para a utilização dos dados

Concomitante à fase anterior e com o intuito de que a pesquisa progredisse, foi

necessária a autorização dos moradores da comunidade. Então, o termo de consentimento livre

e esclarecido (Ver anexo 04), foi lido, esclarecido e aplicado a todos os membros, inclusive às

crianças, durante as visitas diárias a cada uma das casas. No decorrer do esclarecimento foi

citado que toda e qualquer informação dada por eles seria confidencial e sigilosa, não podendo

ser divulgada sem as suas autorizações e dessa forma os responsáveis poderiam ou não

autorizar a utilização dos seus dados. Foi explicado ainda que caso algum responsável não

soubesse assinar poderia autorizar por meio de sua impressão digital.

Etapa 6: Caracterização da comunidade-Estudo Piloto

Inicialmente, o contato foi mais em caráter exploratório e de habituação, cuja

finalidade era conhecer os moradores e informar sobre o propósito da pesquisa. Apesar de o

primeiro contado ter gerado dados para a caracterização da comunidade, foi indispensável

construir um instrumento que possibilitasse identificar seus aspectos demográficos,

econômicos, educacionais e os contextos de brincadeiras. Para tanto, foi necessário à

realização de um estudo piloto, com a aplicação do inventário sociodemográfico em cinco

famílias, com a finalidade de realizar um pré-conhecimento do local, além de checar possíveis

dúvidas, adequação à linguagem e dificuldades que as pessoas tivessem em responder tal

instrumento.

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Etapa 7: Caracterização da comunidade - Redimensionamento.

A aplicação do questionário piloto norteou o grupo para algumas questões: itens que

necessitavam ser reavaliados, outros que estavam ausentes e careciam estar presentes, e uma

nova forma da abordagem. Para a caracterização completa da comunidade, o instrumento

sociodemográfico necessitou ser redimensionado e após as alterações foi aplicado. As

primeiras 5 (cinco) famílias que serviram para o estudo piloto necessitaram de visitas que

complementassem os dados já coletados, e nas 17 famílias restantes foi aplicado o instrumento

completo. Nesse primeiro momento, o inventário foi respondido preferencialmente pelos

responsáveis da família, mesmo nos itens sobre brincadeiras.

Enfatiza-se que a aplicação desse inventário ocorreu nas próprias casas dos moradores,

em forma de entrevista dirigida, no período de cinco a oito dias consecutivos, de 8:00 às

15:00. As visitas foram realizadas por pesquisadores e estudantes treinados, estes se dividiam

em díades, sendo que cada dupla ficava em casas específicas para a aplicação do inventário.

Ao final de cada dia, o grupo se reunia para avaliar o trabalho e armazenar os dados

em uma grande planilha, onde as díades de pesquisadores introduziam as informações

registradas a fim de evitar que informações não anotadas fossem perdidas.

Etapa 8: Caracterização das brincadeiras

Diante dos dados de caracterização da comunidade, surgiu a possibilidade da criação

de instrumentos, aliados à observação, que descrevessem, com maiores detalhes, as

brincadeiras locais. Para a otimização dessa etapa, então, foram utilizados dois instrumentos: o

Inventário espontâneo e o check-list das brincadeiras tradicionais.

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a) Observação naturalística: Os registros ocorreram durante o período de 13 meses,

novembro de 2005 a dezembro de 2006, no horário mututino e vespertino (8 às 14 horas),

sendo que as viagens à ilha do Marajó ocorriam, aproximadamente, uma vez por mês. As

observações aconteciam durante as visitas às casas e à escola nesse período de tempo. A

estratégia de observação participante era se inserir no grupo de brincadeira ou conversar sobre

tais atividades. Assim, algumas observações foram muito ricas, pois os pesquisadores

participaram diretamente de determinadas situações que envolviam brincadeiras.

Quanto aos questionários com dados mais quantitativos, a aplicação era realizada com

todas as crianças e adolescentes da localidade referida, de 05 a 18 anos, que se encontravam

presentes naquele momento. Para que não ocorresse interferência de nenhuma pessoa,

utilizou-se como estratégia de coleta outras atividades conjuntas com a aplicação dos

instrumentos. Enquanto um pesquisador coordenava uma atividade qualquer com as demais

crianças, outro pesquisador realizava com uma determinada criança a aplicação do

instrumento.

A aplicação e a investigação das brincadeiras foram realizadas essencialmente nas

casas das crianças. Porém, quando não foi possível à aplicação em casa, a escola serviu como

uma solução para esse problema.

b) O Inventário Espontâneo: foi aplicado em todas as crianças e adolescente do rio,

de 05 a 18 anos, sem interferência de qualquer pessoa. Informava à criança que ela deveria

responder sem pressa e com os maiores detalhes possíveis. Esse instrumento foi aplicado

anterior ao Check-list, para que não ocorresse possível contaminação das respostas neste

último.

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c) O check-list: teve como finalidade conhecer o repertório de brincadeiras

desenvolvidas no local e seu respectivo nome. O pesquisador pedia para que a criança

respondesse se conhecia ou não determinada brincadeira, afirmando sim ou não, em caso da

resposta ser positiva, foi solicitado que descrevesse brevemente como se dá tal brincadeira.

Essa última questão teve por objetivo averiguar o real conhecimento da brincadeira e as

possíveis diferenças de regras e estilos desenvolvidos naquele local comparado com o

levantamento já feito em ambiente urbano (Silva-Baia, 2003).

Etapa 9: Organização dos dados na coleta de campo

Conforme já relatado, a coleta inicial se deu seguindo os objetivos mais gerais do

projeto maior e posteriormente foi ramificada para os objetivos mais específicos. Todos os

dados coletados foram arquivados em um banco de dados, de forma que possibilitou ser

compartilhados por todos os integrantes, facilitando assim o fluxo de interconexão de

informação sobre a comunidade.

Tempo de observação e de aplicação dos questionários

É importante enfatizar que a aplicação de cada instrumento durou, aproximadamente,

uma hora e meia para cada família e/ou membro. Cada instrumento e participante teve uma

dinâmica própria, portanto, o tempo estabelecido variou em função dessas duas variáveis. No

caso do levantamento das brincadeiras, a aplicação foi realizada em período de tempo mais

curto.

Cada instrumento foi aplicado de uma forma previamente sistematizada, ou seja, em

cada viagem foi executado um instrumento por vez. Por falta de tempo, algumas vezes, houve

a necessidade de continuar a aplicação do mesmo instrumento, em viagens posteriores. A

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equipe utilizava de 5 a 8 dias de trabalho, não em função da aplicação em si, mas pela grande

distância em que as casas se localizavam.

Como foi verificada, cada etapa direcionou a etapa consecutiva, assim como a

aplicação de alguns instrumentos que serviam de pré-requisitos para a execução consecutiva

de outros. Dessa forma, o inventário sociodemográfico possibilitou pensar em condições

melhores para explorar a brincadeira e também refletir sobre o levantamento espontâneo das

brincadeiras, sempre complementados pelos registros de observação.

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ANÁLISE DOS RESULTADOS

Todos os elementos coletados foram agrupados em um banco de dados, onde foram

analisados de maneira específica de acordo com os objetivos do trabalho. Faz-se necessário

enfatizar que apesar da análise ser distinta os interesses são comuns e interligados.

Os dados de natureza mais quantitativos, ou seja, passíveis de tabulação como o

inventário sociodemográfico, o levantamento espontâneo das brincadeiras tradicionais e o

check-list foram tratados em planilhas de Excel 2003, através de estatísticas descritivas,

transformados em planilhas dinâmicas e em gráficos.

Com base nos dados do inventário demográfico, foram construídos gráficos que

possibilitam o leitor identificar e caracterizar a comunidade do rio Araraiana. Para os dados

de caracterização da comunidade, algumas variáveis foram consideradas: número de

moradores, de crianças, divididos quanto ao gênero e idades, religião, assim como aspectos

físicos da comunidade, incluindo a descrição das moradias e do modo de vida, e os contextos

onde ocorrem as brincadeiras e etc.

Já para os dados do levantamento espontâneo e do Check-list foram construídos

gráficos que demonstram companhia, local e brincadeiras encontradas na comunidade, além

de aspectos descritivos de cada brincadeira. As brincadeiras identificadas nesses instrumentos

serão descritas segundo as categorias de Parker (1984) e os jogos serão traçados seguindo os

itens adaptados de Avedon e Sutton Smith (1971) e por uma complementação sugerida por

Pontes & Magalhães (2002). É digno de nota que toda a descrição das brincadeiras e jogos foi

realizada de maneira cursiva e sistematizada, seguindo os parâmetros da pesquisa qualitativa.

O diário de campo foi analisado em conjunto com os respectivos dados quantitativos.

As notas foram transcritas para programas de edição de texto como o “Word 2003”.

Posteriormente foi organizada de forma que possibilitou agrupar dados mais sistemáticos

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para a classificação e descrição das brincadeiras, assim como para a caracterização da

comunidade, no sentido de compreender o fenômeno da brincadeira de maneira holística.

Portanto, os dados de diário de campo possibilitaram uma discussão integrada das

elaborações resultantes dos dados quantitativos.

A partir do conhecimento das análises da caracterização da comunidade em questão,

pretendeu-se, de maneira geral, obter a caracterização da cultura da brincadeira ribeirinha e

particularidades do modo de ser ribeirinho. Para isso, foi utilizado o modelo ecológico como

norteador do conjunto de resultados compilados de instrumentos diferentes.

A partir da análise convergente dos objetivos, os resultados serão apresentados

seguindo uma ordem sistemática.

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RESULTADO E DISCUSSÃO

É na beira onde tudo começa Por uma razão desconhecida. Sem explanar um Dossiê de Odessa. Para marcar este dia na história conhecida. (Miguelangelo, Poeta Cametaense)

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Esta etapa foi organizada em seis categorias de análise. Na primeira, apresenta-se a

caracterização sociodemográfica da comunidade estudada, enfatizando os pontos considerados

relevantes nesta pesquisa; na segunda, identificam-se e caracterizam-se os contextos físicos e

sociais onde as brincadeiras tradicionais são exercidas, realizando a comparação das

brincadeiras do contexto ribeirinho com as de outros contextos; na terceira etapa, enfoca-se a

descrição das brincadeiras partilhadas pelas crianças da comunidade em questão; e na quarta e

última etapa, expõe-se uma discussão sintética dos dados apresentados.

CARACTERIZAÇÃO SOCIODEMOGRÁFICA DA COMUNIDADE DO ARARAIANA

A descrição dos principais aspectos demográficos e sociais da população da

comunidade do rio Araraiana foi essencial e necessária, uma vez que, este trabalho apresenta

uma abordagem contextual do fenômeno estudado. Pode-se dizer, portanto, que todos os

objetivos são amparados no pressuposto de que o fenômeno da brincadeira só pode ser

compreendido em sua abrangência, quando o contexto for considerado.

Para a realização da descrição sistemática da comunidade, foram utilizados os dados

obtidos a partir do Inventário Sociodemográfico. Alguns aspectos foram eleitos como mais

relevantes para a concretização desta investigação. Os tópicos abaixo foram organizados de

maneira ordenada para levar o leitor a compreender, de forma contextualizada, a comunidade

e o fenômeno da brincadeira.

A População

Considerando os dados levantados e a dinâmica da comunidade, no início desta

pesquisa, o número de pessoas residentes na comunidade era de 125 indivíduos organizados

em 22 famílias. Ressalta-se que ao final da coleta de dados o número de moradores alterou-se

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para 129, o que levou a criação do 23º núcleo familiar. Entretanto, os dados constantes no

presente estudo dizem respeito ao número inicial de moradores.

O total geral foi de 125 moradores envolvendo adultos, crianças e adolescentes. São 59

adultos (entre 19 e 85 anos) e 66 crianças e adolescentes, entre 0 e 18 anos, sendo 32 meninos

e 34 meninas. Os dados etários das crianças e adolescentes estão demonstrados abaixo (Ver

figura 07).

0

2

4

6

8

10

12

Mes

es 1-2

3-4

5-6

7-8

9-10

11-1

2

13-1

4

15-1

6

17-1

8

Idade

Fre

quên

cia

M

F

Figura 07: Gráfico de idade e gênero das crianças e adolescentes de zero a dezoito anos da população da comunidade do Araraiana.

Analisando os dados populacionais, percebe-se que é uma comunidade constituída

essencialmente por uma população jovem, já que 65,6 % dos moradores encontram-se no

intervalo etário de 0 a 24 anos. Vale ressaltar que o número de meninas e meninos, como

observado na figura acima, mantém-se similar ao longo das faixas etárias, apresentando uma

desproporção na faixa etária de 9 a 10 anos de idade, em que o número de meninos é menores

que os das meninas.

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Outra relação que pode ser identificada é quanto as faixas etárias, os meninos ou estão

em número menores que as meninas ou se equivalem, exceto na faixa de 11 a 12 anos, em que

os meninos encontram-se em quantidade superior as das meninas.

A família

Levando em consideração as residências da comunidade, pode-se afirmar que a

composição do grupo prevalecente nessa localidade é o familiar, uma vez que as crianças e

adolescentes fazem parte desse arranjo. Um dado importante da composição familiar é que das

22 casas, 16 têm crianças e adolescentes o que revela uma quantidade expressiva de crianças

na comunidade.

Além deste aspecto, a composição familiar é representada por no mínimo o casal e no

máximo c0om doze membros que são caracterizados por uma rede familiar extensa. As idades

dos filhos variam de 1 a 22 anos de idade, e em alguns casos com membros de terceira e

quarta geração. (Ver figura 08)

01234567

Famíliasem

criança

01 filhos 03 f ilhos 04 f ilhos 05 filhos 06 filhos 07 f ilhos 08 f ilhos 09 f ilhos

Números de filhos

Fre

qüên

cia

Figura 08: Gráfico de número de filhos por família.

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Entre as 16 famílias, pode-se encontrar uma composição familiar bastante variável,

desde famílias com 01 a 09 filhos. Deste total, 02 famílias apresentam membros de quarta

geração e outras 02 de terceira, todas moradoras na comunidade.

Geralmente, as famílias locais são formadas por uniões informais. Segundo os relatos,

somente quatro casais são casados no civil, nenhum no religioso e 14 vivem na forma de

concubinato (Ver figura 09). Apesar de não se ter dados precisos, sabe-se que muitas uniões

ocorreram em decorrência da gravidez da parceira.

02468

10121416

Vivem Juntos Casados civil Separados ViúvoEstado Civil

Fre

quên

cia

Figura 09: Freqüência do estado civil dos casais das famílias da comunidade do rio

Araraiana.

Em relação à origem dos moradores, constatou-se que das 22 famílias fixadas na

comunidade do Rio Araraiana 12 são originárias no próprio local, as demais estão na

localidade entre 1 a 23 anos.

A maioria dos moradores que não é originária da própria comunidade vem de zonas

rurais ou da capital, Belém. Os originários de outras comunidades, seja o da sede do

município ou circunvizinhos, vieram à procura de outras oportunidades e melhoria de

qualidade de vida ou sobrevivência. Esse dado é demonstrado na figura 10 e descreve a

freqüência de local de origem das famílias não originárias da comunidade do Araraiana.

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0

1

2

3

4

5

Proximidadesda ilha

Município Pontade Pedras

Capital Municípiopróximo

Local de origens

Fre

quên

cia

Figura 10: Gráfico que demonstra o local de origem das famílias não originárias do

Araraiana.

Os motivos alegados da migração para a comunidade do Araraiana foram

categorizados em: a) história familiar, b) conflitos no antigo local de origem, c) questões

financeiras e d) Casamento/tentar vida melhor.

A história familiar está relacionada aos momentos factuais vividos pela família, ou

seja, em algum momento houve a mudança da família para o local. O conflito no antigo local

de origem está relacionado a problemas com a vizinhança, nesta houve duas respostas:

conflito com vizinhos e outra com parentes. A respeito das questões financeiras, casamento e

tentativa de uma vida melhor foram respostas textuais dos próprios participantes (Ver figura

11).

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00,5

11,5

22,5

33,5

44,5

História familiar Casamento/tentarvida melhor

Conflito Questõesfinanceiras

Motivo da migração

Fre

quên

cia

Figura 11: Freqüência de respostas em categoria de motivos de migração Os dados apresentados permitem concluir que o arranjo típico de organização dos lares

é a família, sendo em sua maioria numerosa, com configurações típicas de família estendida e

multigeracional, ou seja, de mais de uma geração convivendo em um mesmo ambiente, ao

mesmo tempo. Estes aspectos contribuem para um possível sistema de cuidado compartilhado

e rede de apoio presente dentro do ambiente familiar. Tais fatores podem possibilitar um

maior trânsito de informação ou de características culturais dentro da família. Essas

características, possivelmente, podem influenciar nas principais relações desenvolvidas pelas

crianças e na sua respectiva cultura da brincadeira.

Por outro lado, o apego ao local e o fato de a origem da grande maioria dos moradores

estarem relacionados aos contextos físicos e culturais semelhantes, pode indicar uma

reprodução de padrões similares ao da geração anterior e consequentemente pode ser um

indicativo do desenvolvimento de uma cultura da brincadeira tipicamente ribeirinha.

O modo de vida dos moradores

O modo de vida desses moradores é predominantemente extrativista. Essa condição

submete o ribeirinho a viver em função de um ciclo sazonal. No período de escassez de fruta

ou de caça, a população sofre com a diminuição de recursos naturais para sua alimentação,

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pois a coleta, a caça e a pesca são as únicas fontes de renda, durante todo ano. A renda

familiar é complementada pela venda da tala do miriti e jupati, da extração do palmito e do

açaí e da construção de paneiros e peneiras, que mesmo de maneira indireta, está ligada ao

período sazonal.

Como maneira de informar detalhadamente sobre da caracterização da comunidade do

rio Araraiana, será delineada, a seguir, cada tipo de aquisição de alimento conjuntamente com

as formas de complementação da renda familiar.

O extrativismo vegetal é uma atividade importante na produção econômica dessa

população devido a grande quantidade e diversidade de espécies existente na floresta. Os

produtos nativos mais coletados na mata pelos moradores são: o açaí, a semente de copaíba

(Copaifera officinalis) e de andiroba (Carapa quianensis Aubl), essas duas últimas são

sementes colhidas para a retirada do óleo, considerado como medicinal pelo povo da região.

Estes produtos são vendidos nos municípios mais próximos e complementam a renda familiar.

As brincadeiras das crianças estão muito ligadas às sementes encontradas na natureza, é

bastante comum encontrar crianças brincando com tais produtos naturais.

A caça é outra atividade econômica que possibilita complementar a alimentação.

Geralmente, é um trabalho desempenhado pelo genitor ou provedor da família, sendo

realizado no período noturno. Uma expressão bastante utilizada pelos moradores para

caracterizar essa atividade é a expressão “lanternar”. Um aspecto interessante dessa atividade

é que desde pequenas, as crianças, preferencialmente os meninos, são incentivadas a

praticarem esse tipo de atividade.

A atividade de pesca, por sua vez, caracteriza-se como artesanal, apresentando um

caráter não predatório, porém, nem sempre respeitando o ciclo de reprodução das espécies.

Técnicas simples são utilizadas para a captura do peixe como: tarrafa, curral ou cacuri,

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pequenas redes de pesca, matapi, montaria e pequenos barcos. As técnicas de captura de

animais são aprendidas e re-produzidas pelas crianças, inseridas desde pequenas nessas

atividades, o que pode ser observado nas brincadeiras.

A construção de paneiros e peneiras é uma atividade quase que exclusivamente das

mulheres e são tecidas com tala de Miriti ou de Jupati, servindo para ajudar no “sustento”, já

que são vendidas nas redondezas da região ou aproveitadas nas próprias casas, como

utensílios para guardar mantimentos, roupas e outros tipos de objetos. (Ver figura 12)

Figura 12: Foto de uma das moradoras tecendo peneira.

A retirada do Turu3 também é uma atividade voltada para a complementação da

alimentação dos ribeirinhos. Sua “coleta” ocorre manualmente pelos membros familiares, em

trabalho conjunto, cujas tarefas são divididas por gênero e idade. Esses moluscos servem

como alimentação para toda família, podendo ser comidos, crus ou cozidos.

As crianças desde pequenas são inseridas nessas atividades, assim parece que esse

padrão de sobrevivência é transmitido e reconstruído pelas crianças, uma vez que tanto as

3 Espécie de molusco que dá em troncos de arvores podres submersos no rio.

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maiores quanto as menores realizam atividades conjuntamente, e, em alguns momentos, sem a

presença de um adulto.

Diante de tais observações, identifica-se a influência que cada atividade exerce na

cultura de brincadeira dessas crianças, como a representação de tarefas rotineiras, as questões

de gênero, a construção dos brinquedos artesanais e nas formas e conteúdos das brincadeiras

próprias do lugar.

O modo de vida ribeirinho aponta, portanto, para uma questão central, que é o tipo de

ocupação (serviço) que os moradores desempenham na comunidade referida.

Os dados sobre a ocupação dos moradores refletem a dinâmica do local, em que as

pessoas relataram ter pouca ou nenhuma oportunidade de trabalho ou crescimento

profissional. Segundo os dados demográficos, à ocupação com maior freqüência foi a de

pescador e a segunda extrativista (Ver figura 13). As mulheres, em sua maioria, responderam

que são donas de casa, outras se diziam artesãs, em função da manufatura de paneiro e

peneira.

05

10152025303540

Extra

tivist

a

Pesca

dor

Agricu

ltor

Domés

tica

Profe

ssor

a

Apose

ntad

o

Carpinteiro

Ocupação

Fre

quên

cia F

M

Figura 13: Gráfico que demonstra a ocupação dos moradores.

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As atividades são diferenciadas de acordo com o gênero, as mulheres se

responsabilizam com as atividades domésticas e os homens são encarregados das atividades

mais pesadas. Essa função repartida por gênero não é rígida, em algumas famílias as mulheres

também pescam, apanham e amassam açaí (Ver figura 14), o mesmo ocorre com os homens,

que ajudam nas tarefas domésticas, varrendo e passando pano na casa.

Como foi constatada, a maioria das formas de obter renda deve-se à tradição local,

basicamente extrativista, sem qualquer grau de especialização, como é o caso de um morador

que se identificou como carpinteiro e duas pessoas que se identificaram como agricultores.

Segundo os relatos, à carência de uma cultura agrícola no local está diretamente ligada a

pobreza do solo, quase sempre, alagado, ou pela invasão de búfalos. A justificativa dada pela

população à ausência de uma cultura do cultivo da terra é quanto aos poucos elementos

naturais essenciais ao crescimento e desenvolvimento de espécie cultiváveis, como a

“fraqueza da terra”.

Figura 14: Foto de uma das moradoras amassando açaí.

Quanto ao cultivo da terra foi identificado que poucas famílias plantam, das 22

famílias somente 2 possuem pequenos roçados, exclusivamente de mandioca. Essa é vendida

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in natura, pois não há na comunidade nenhuma casa de farinha para o beneficiamento da

mandioca. Muitas famílias já plantaram (mandioca, limão, pimenta-do-reino, arroz) ou

tiveram algum tipo de criação (pato, galinha, e porco). Segundo os moradores, as plantações

não “vingam” e as criações de animais são mortas por bicho do rio ou são roubadas.

Foi identificado, ainda, que as famílias criam, principalmente, porcos e frangos (Ver

figura 15) criados em espaços abertos no “terreiro”. Esse fato ressalta que a aquisição de

nutrientes ocorre por meio da exploração da natureza, o que limita a alimentação dos

moradores, basicamente feita por meio de peixe, carne de caça e frutos do mar (camarão,

turu).

0

5

10

15

20

Sim Não

Criação de animais

Fre

quên

cia

Figura 15: Gráfico que demonstra as famílias que criam animais.

Este déficit de nutrientes é maximizado em função da ausência de uma cultura agrícola

no local, já que a maioria dos moradores relata que a terra é imprópria para o plantio

sistemático, e nesse sentido, a maioria das plantações ocorre por meio do plantio

assistemático, por exemplo, a semente do açaí é jogada na terra após a retirada de sua polpa.

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Além da ocupação dos adultos, os dados do inventário sociodemográfico indicaram

quais as tarefas que as crianças e os adolescentes estão envolvidos. Esses dados podem ser

observados na figura 16.

02468

101214

Lava

r rou

pa

Enche

r águ

a

Lavar

louça

Ajudar

em c

asa

Cozinha

r

Apanha

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i

Tirar t

ala

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atap

i

Cort ar L

enha

Pesca

r

Tecer

pan

eiro/m

atap

i

Pilota

r

Roçar

Atividade diárias

Fre

quên

cia

F

M

Figura 16: Gráfico com as atividades diárias realizadas pelas meninas e meninos

Pode-se observar que as meninas desempenham, preferencialmente, atividades

domésticas, enquanto que os meninos executam atividades de subsistência, característica que

repercute nas brincadeiras das crianças, meninas brincando de tarefas domésticas e os meninos

de atividades voltadas para o trabalho de subsistência.

Outro fato típico, a respeito do modo de vida da comunidade Araraiana, refere-se às

compras de mantimentos para casa. Os mantimentos mais comuns adquiridos nos municípios

mais próximos pelos moradores são: óleo para lamparina, açúcar, farinha de mandioca e café,

este consumido em grande escala pelos moradores (Ver figura 17). Na maioria das vezes, são

os homens que fazem as compras, principalmente quando vão receber a bolsa escola de seus

filhos. Assim, as viagens ocorrem uma vez por mês, no entanto não parece existir um padrão

de freqüência.

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0

5

10

15

20

25

Café Açucar Farinha Arroz Feijão óleo Bateria

Mantimentos

Fre

quên

cia

Figura 17: Gráfico que demonstra o maior número de respostas relacionado a compras

de mantimento

Diante destas observações, pode-se dizer que em termos de sobrevivência todos vivem

de algum modo do extrativismo, e a maioria apresenta renda mensal abaixo do salário

mínimo, (Ver figura 18) complementado pela bolsa escola, por exemplo. Atentando para o

total de sujeitos por família, na maioria dos casos, a renda familiar per capita está muito

abaixo dos níveis de miséria, ou seja, equivalente em 2004 a R$115,00 em São Paulo

(Fundação Getulio Vargas, 2004).

0

2

4

6

8

10

R$ 40-R$100 R$ 101-R$200 R$ 201-R$300 R$ 301-R$400 Não sabe

Valor

Fre

qüên

cia

Figura 18: Total de famílias em função da renda per capita familiar

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Assim sendo, pode-se concluir que as atividades diárias realizadas pelos adultos são

bem delimitadas quanto ao gênero, embora aja registro de famílias em que algumas atividades,

como a doméstica, sejam executadas tanto pelo homem quanto pela mulher. Quando se

observa os dados de ocupação dos homens e das mulheres e compara com as atividades das

crianças e dos adolescentes, é nítida a relação da divisão por gênero nessas atividades, em que

as meninas ajudam suas mães nas tarefas domésticas e os meninos com os pais, executam

trabalhos considerados mais “pesados”.

Um ponto a ser considerado, diz respeito ao fato de que há a presença constante das

crianças em todas as atividades que, de uma forma ou outra, estão envolvidas em atividades

domésticas ou voltadas para o sustento da família, esse dado é expressivo, pois demonstra o

envolvimento das crianças com atividades, essencialmente, do universo adulto e do meio

familiar.

Tem-se, portanto, fortes indícios de que as atividades rotineiras podem interferir na

cultura da brincadeira, principalmente quando se observa a questão da diferenciação de gênero

que pode ser revelada nas brincadeiras, sobretudo naquelas que “reproduzem” tais atividades,

a casinha, por exemplo. Além deste aspecto, o intenso envolvimento do modo de vida dos

ribeirinhos com os elementos da natureza expressa um estreito relacionamento com aspectos

relacionados à sobrevivência, aspecto que é, também, revelado por meio da brincadeira.

A educação

Pode-se afirmar que a população desta comunidade ribeirinha apresenta uma baixa

escolaridade e um grande índice de analfabetismo, o que reflete a falta de políticas públicas no

local, principalmente relacionadas à educação. A escola, por sua vez, trabalha com um

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currículo descontextualizado da realidade dos ribeirinhos, sem nenhuma aplicação prática e

revela um total distanciamento do modo de vida local e o conteúdo curricular utilizado.

A figura abaixo (Ver figura 19) demonstra que de todos os adultos de 19 a 85 anos,

somente dois completaram o Ensino Médio, enquanto que os demais nem completaram o

Fundamental. Foi verificado também que apesar de 41 pessoas terem iniciado a alfabetização

continuam analfabetas funcionais, ou seja, sabem tão somente assinar o nome e, em sua

maioria, com certa dificuldade. As pessoas que estão na faixa etária entre 19 e 24 anos que

deveriam ainda estar estudando, segundo os relatos, todas se encontram foram da escola.

0

2

4

6

8

10

12

Analfa

beto

Alfa

1a sé

rie

2a sé

rie

3a sé

rie

4a sé

rie

5a sé

rie

8a sé

rie

2a grau

Grau de instrução

Freq

uênc

ia

F

M

Figura 19: Gráfico que demonstra a relação dos moradores de 19 a 85 anos com seus

respectivos graus de instrução.

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O levantamento indicou que dos 66 indivíduos, entre crianças e adolescentes de 0 a 18

anos, 24 estão fora da escola, com uma variação de idade que vai 1 a 18 anos; 09 estão na 1ª

série, sendo que, somente uma criança tem 07 anos, enquanto que os demais estão na faixa

etária de 11 a 16 anos; na 2ª série existem 10 alunos, somente 02 com idades compatíveis com

a série, enquanto que 04 têm 13 anos, 02 tem 12 anos e 02 de 11 e 12 anos, o que denota um

grande percentual de defasagem escolar (Ver figura 20).

24

3

9 9 107

4

0

5

10

15

20

25

30

Nãoestudam

Pré-escolar

Alfa 1ª série 2ª série 3ª série 4ª série

Grau de escolaridade

Fre

quên

cia

Figura 20: Número de crianças relacionado ao nível de escolaridade.

É importante ressaltar que a escola atende somente da alfabetização à 4ª série. Quando

estes dados são comparados com o grau educacional público urbano, constata-se a deficiência

escolar aliada a nenhuma expectativa de continuidade dos estudos no local.

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0

20

40

60

80

100

120

Alfa Pré-escola

1ª Série 2ª Série 3ª Série 4ª Série Nãoestudam

Grau de Escolariade

Fre

quên

cia

Rel

ativ

a

FM

Figura 21: Total de crianças por grau de escolarização relacionado ao gênero

Quando se observa a figura 21, identifica-se que as meninas estão presentes em

número maior que os meninos na escola, como nas séries da alfa, da 2ª, 3ª e 4ª, esse dado é

confirmado a partir da freqüência alta de meninos fora da escola.

A limitação da escola em não dar prosseguimento às séries subseqüente a 4º série,

aliado aos outros fatores como gravidez, casamento precoce, ausência de perspectiva e

conteúdo escolar descontextualizado, contribui para a permanência e o agravamento de uma

situação de circularidade entre o modo de vida e a educação, como mantenedores de certos

padrões característicos dessa comunidade.

Portanto, todos os aspectos, em termos de educação formal, pouco contribuem para a

superação da situação e ao mesmo tempo propiciam a repetição do estigma da continuidade

das origens sociais e locais.

É nesse sentido, que a educação, de certa maneira, contribui para a manutenção das

condições de vulnerabilidade social local, não sinalizando caminhos para o rompimento das

tendências historicamente estabelecidas.

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A saúde

Aliada a todas as condições já expostas, a higiene básica é extremamente precária.

Essa precariedade está essencialmente relacionada à ausência de água tratada e nenhum

cuidado com o lixo produzido pela comunidade.

Mais de 90% das residências têm seus banheiros no fundo do quintal, um pequeno

cubículo de madeira com o fundo aberto em que os dejetos são jogados diretamente no

substrato lamacento. Durante a maré alta, estes dejetos são levados pelas águas do rio.

Segundo os relatos dos moradores, toda água consumida é a do próprio rio e em

nenhuma das residências há qualquer tipo de sistema de tratamento, nem de filtragem.

Somente em alguns casos, a água é coada em pedaços de panos e armazenada em pote de

barro (Ver figura 22). Apenas um morador relatou que utiliza a água de poço, porém foi

observado que, em certas ocasiões, a água do rio também foi usada para o consumo.

Figura 22: Foto do Pote, utensílio utilizado pela população amazônica em que é depositada água para beber.

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A respeito do lixo, a maioria das casas descarta-o jogando no próprio rio e em alguns

casos são queimados e/ou depositados na floresta (Ver figura 23). Culturalmente, há pouco

cuidado de higiene de forma geral, principalmente no preparo de alimentos.

Pode-se suspeitar que a maioria das doenças como a de pele e a diarréia, que afeta essa

população, tem origem das condições de higiene precárias. Esse aspecto reafirma a ausência

do Estado no que concerne políticas públicas essenciais à sobrevivência, como a falta de um

posto de saúde e agentes que possibilitem orientações de saúde.

0

2

4

6

8

10

12

Jogado ao ar livre QueimadoTratamento do lixo

Fre

quên

cia

Figura 23: Gráfico que demonstra a quantidade de resposta por família a respeito de

como é tratado o lixo

Dentre as patologias levantadas, as mais freqüentes são: problemas intestinais, como

diarréia, doenças de pele, gripe e dor de cabeça. O uso de estratégias para o combate das

infecções se dá pela utilização de remédios caseiros.

Os moradores procuram assistência médica somente quando as doenças não podem ser

“curadas” pelos remédios caseiros e dirigem-se preferencialmente as sedes dos municípios

mais próximos como o de Pontas de Pedra ou de Abaetetuba. A falta de uma assistência ou

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uma intervenção mais rigorosa na saúde por parte do governo municipal e estadual, faz com

que a situação precária e de absoluto abandono seja cada vez mais agravada, levando a

população a uma situação de urgência, tanto econômica quanto de saúde pública.

A ausência de água potável e a falta de conhecimento sobre os malefícios de água não

tratada e de saneamento básico influencia e contribui nas características peculiares dessa

população. A preocupação com a saúde é encontrada somente nos discursos, na prática não se

observou nenhuma ação relacionada a este problema social, o que pode ser caracterizado

como uma especificidade da localidade. Semelhante aspecto é revelado nas brincadeiras, pois

não há nenhum cuidado onde se pisa. Por exemplo, em uma das observações identificou-se

que havia dejetos fecais espalhados pelo terreno, local onde as crianças estavam brincando,

descalças.

A religião

Essa é uma outra característica marcante na comunidade, a identificação de duas

religiões bem definidas: a católica e a evangélica. Essa distinção parece ser parte significativa

na vida dos moradores e interferir no próprio modo de vida, inclusive nas brincadeiras das

crianças ribeirinhas.

05

10152025303540

Católica Evangélica Indefindos

Religião

Fre

quên

ciai

F

M

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Figura 24: Gráfico de religião por gênero da população da comunidade do rio Arariana

O gráfico (Ver figura 24) demonstra que há uma quantidade maior de mulheres que

pertencem à religião evangélica, tal fato é importante quando comparado com os homens, pois

há uma maior incidência destes na religião católica. Segundo os depoimentos das mulheres, a

religião evangélica ajudou seus maridos a saírem do vício do álcool, isso pode explicar, em

parte, esse escore.

A religião tende a cindir os moradores em dois grupos os “crentes” e os “ímpios”. Essa

denominação percebida na fala dos evangélicos é marcada por um conjunto de valores e

restrições a determinados tipos de comportamentos, dentre estes a própria brincadeira. Tal

conjunto de restrições tende a formar grupos que têm como base de organização a sua

preferência religiosa.

Um fato marcante quando à religião evangélica, como praticada no local, é a proibição

de seus membros em participar de jogo de futebol ou qualquer jogo que envolva bola. Tal

aspecto nunca foi explicado com total clareza, alguns argumentam que é por causa do uso do

“short curto”, outros por ser uma atividade que leva ao álcool, que envolve competição,

gerando discórdia ou até pela participação da atividade junto com os “ímpios”. Mesmo nas

brincadeiras das crianças ribeirinhas, esse estigma é repassado, o que impede que algumas

brincadeiras sejam praticadas, como o jogo de bola.

Na figura 25, se observa a mesma divisão de gênero por religião entre as crianças e os

adolescentes, em que 23 meninas fazem parte da igreja evangélica, enquanto que os meninos,

em sua maioria são católicos.

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0

5

10

15

20

25

Católica Evangélica IndefinidoReligião

Fre

quên

cia

F

M

Figura 25: Gráfico de religião por gênero das crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos. Geralmente, as crianças têm a mesma religião dos pais e o mesmo discurso quando a

brincadeira envolve bola. Pode-se dizer, portanto, que a religião é um importante fator que

interfere diretamente nas brincadeiras das crianças, sobretudo nas evangélicas.

UMA IMPRESSÃO INICIAL DAS OBSERVAÇÕES DE CAMPO

No período de um ano e meio, em que se deu a coleta de dados, foram realizadas

observações e notas de campos em situações que envolviam brincadeira. A coleta foi efetivada

tanto nas casas dos moradores quanto na escola, o que levou a um total de 95 notas de campo

armazenadas.

Em função de algumas variáveis, a quantidade de registros por casas apresentou

variação. A maré foi uma delas, o qual nos impossibilitou, em algumas viagens, que as visitas

em determinas casas fossem realizadas, assim como a ausência de crianças que

constantemente se encontravam fora da comunidade, em localidades próximas. A tarefa na

mata, também, foi outra variável que interferiu na diferenciação da coleta de dados, pois

delongava tempo, ausentando às crianças de suas casas. Compreendemos que tais dificuldades

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fazem parte do cotidiano da comunidade e, dessa forma, tivemos que nos adaptar às

constantes ausências das crianças.

Por ser uma comunidade distante da base de pesquisa, toda a aproximação realizada na

comunidade sempre se deu a partir de um barco, fosse uma lancha voadeira ou o barco de

motor a diesel conhecido popularmente de “pô pô pô” (Onomatopéia do barulho do motor). A

cada visita feita no rio, se tentava observar e registrar crianças brincando ou qualquer

atividade que estivessem fazendo. Quando possível, caso identificássemos as crianças

brincando, parávamos para observá-las, independente das visitas pré-programadas.

Nas primeiras observações de campo, ficamos surpresos com o baixo registro de

situações de brincadeira. Ao passarmos com nosso barco, víamos poucas crianças brincando, a

maioria quando avistada, parecia estar na porta de suas casas para nos observar, atenta e

parada. Em outros momentos, não eram vistas e ficamos a nos perguntar onde estavam as

brincadeiras? Onde estavam as crianças?

As primeiras impressões nos direcionaram para o levantamento de algumas hipóteses

acerca da freqüência do brincar na comunidade: a primeira de que as brincadeiras não

ocorriam com tanta freqüência no rio, como se pensava, ou se haveria outros espaços de

interação lúdica e se tal local possibilitava a aglutinação de brincadeiras. Diante dessas

hipóteses levantadas, fomos investigar as brincadeiras.

Nossa surpresa pela pouca freqüência de registro de brincadeiras deu-se em parte pelo

olhar contaminado da experiência de registro de situação urbana da periferia, onde a rua,

como observa Pontes e Magalhães (2003), é um verdadeiro ponto de interação e de

compartilhamento de experiências. Esperávamos encontrar um registro bastante disseminado

da brincadeira, contudo isso não foi encontrado. A primeira impressão é que o rio não tinha o

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mesmo papel da rua, ao contrário, ele parecia exercer uma função totalmente avessa àquela, a

de isolar e segregar.

A despeito desta primeira impressão, à medida que avançávamos em nossa

investigação percebemos dois locais de freqüência alta de brincadeira. Como as casas estão

localizadas muito distantes umas das outras, identificamos que a escola e o campo de futebol

são os locais de socialização intensos e que mais se aproximam da rua dos contextos urbanos,

pois apresentavam uma freqüência alta em que grupos de crianças podem ser observados

brincando.

Os nossos registros permitiram identificar, ainda, que não há divisão de tempo

equivalente aos parâmetros urbanos. O brincar não ocorre da mesma forma para todas as

crianças, é como se elas não seguissem uma rotina diária, tal como ocorre nos centros

urbanos, um horário para estudar, outro para brincar etc. As crianças brincam independente do

espaço, da atividade e da companhia, isto é, brincam durante as tarefas ou quando estão na

canoa ou no barco.

Com o decorrer do processo de habituação e da familiarização de nossa presença no

local, percebemos que deixamos de ser tão diruptivos em suas atividades cotidianas; não que

isso fosse totalmente alcançado, pois de alguma forma produzíamos alguma perturbação e

interferíamos na sua atividade rotineira. Os adultos e especialmente as crianças estavam

sempre atentos a nossa presença, nos observando, contudo sem tomar iniciativa de interação.

Após uma maior aproximação e uma “intimidade” bem mais consolidada, formas de

interação, por parte das crianças, começaram a surgir, como indagações, contato físico, gestos

e convites para brincar.

Outro aspecto que nos aproximou da cultura infantil do brincar foram os vestígios de

brincadeiras e brinquedos encontrados na comunidade. Esse ponto foi de extrema relevância,

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pois, quando não foi possível registrar a brincadeira em desenvolvimento, seus vestígios,

traços e brinquedos encontrados possibilitaram a investigação de seu uso e de sua atividade

rotineira.

Os vestígios de brincadeira como: o terreno batido e sem vegetação, pedaços de

brinquedos artesanais e industriais, casinhas construídas com o material de região, brinquedos

em construção, assim como a própria brincadeira, nos levaram a especular sobre os vários

contextos em que elas se desenvolvem.

Apesar de espaço do brincar ser reduzido, quando comparado com o urbano, sua

identificação é de extrema relevância, pois possibilita um estudo mais completo da cultura da

brincadeira ribeirinha.

Nessa direção, discute-se abaixo as características específicas de cada espaço onde as

brincadeiras são desenvolvidas e os tipos principais de brincadeiras nele encontrado.

CATEGORIZANDO O CONTEXTO FÍSICO ONDE AS BRINCADEIRA S SÃO

EXERCIDAS.

O contexto possibilita entender as brincadeiras e as formas típicas de brincar e as que

estão relacionadas a ele. (De Conti & Sperb, 2001; Volpato, 2002; Moukachar, 2004).

Enquanto pressuposto fundamental deste trabalho, todas as brincadeiras encontradas têm

algum tipo de relação com o contexto mais amplo, ou seja, ao mundo ribeirinho. Contudo, no

próprio mundo ribeirinho, diferentes elementos contextuais, aspectos físicos, sociais e

relacionais, implicam em diferentes modos de brincadeiras. É nesse sentido que a

compreensão do contexto em que as brincadeiras ocorrem investe-se de fundamental valor

para o entendimento dos fatores relacionados com o brincar.

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Para fins deste trabalho, as categorias desenvolvidas de contextos são inicialmente

recortadas em função de classes de particularidades típicas de determinados ambientes

físicos. Isso não implica em um determinismo físico ambiental ou em uma desconsideração

dos aspectos sociais e subculturais como caracterizadores de determinadas particularidades

do contexto; tomou-se o contexto em termos físico somente para fins de uma caracterização

didática.

Deste modo, os locais de interações lúdicas foram representados por três categorias

contextuais estabelecidas com base no levantamento sociodemográfico, no inventário

espontâneo das brincadeiras tradicionais e nas observações de campo.

As categorias foram desenvolvidas em função de semelhanças das particularidades de

brincadeiras desenvolvidas em cada contexto, contudo, como serão verificadas, algumas

brincadeiras são encontradas em contextos diversos, tal aspecto será sinalizado no decorrer da

descrição. Assim sendo, os contextos foram desenvolvidos em três categorias, considerando o

aspecto físico: espaço interno, espaço de transição e espaço externo.

Algumas dessas categorias são compostas por subcategorias de contextos. O espaço

interno é composto por toda a estrutura física das residências dos moradores locais; os

espaços de transição são compostos pelo rio, terreiros e espaços adentrados e o espaço

externo tem como subcategorias a escola e o campo de futebol.

Espaço interno:

Considera-se espaço interno toda área que envolve a casa dos moradores, incluindo o

jirau e o banheiro, mesmo estes localizados fora da área residencial.

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As casas dos moradores do Araraiana têm como característica principal a sua

localização. Das 22 casas da comunidade somente uma não está localizada na beira do rio, o

que demonstra que este é parte integrante do cotidiano das crianças.

Quanto à estrutura física das casas, pode-se descrevê-las, em sua maioria, como

composta por três cômodos: sala, quarto e cozinha. A sala, em algumas casas, não é composta

de divisória na sua parte frontal (Ver figura 26). Os quartos geralmente são pequenos com

dimensões aproximadas de 3m² X 3m² (Ver figura 27). A cozinha é um pequeno ambiente

composto essencialmente de uma mesa, um fogão e um jirau (Ver figura 28). Ressalta-se que

o espaço da cozinha, raramente, funciona como refeitório, pois é utilizado, tão somente, para

o preparo da alimentação.

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Figura 26, 27 e 28: Foto da casa, da dimensão dos quartos e da cozinha das casas.

As casas são cobertas, em sua maioria, com palha de Jupati e raramente cobertas de

telhas de argila. As divisórias dos ambientes são feitas de madeira ou de tala de Jupati. Os

assoalhos, geralmente, são de tábuas ou de Paxiuba4 (Socratea exorrhiza). No geral, como foi

verificado, as residências são construídas com materiais próprios da região. (Ver figura 29)

Figura 29: Fotos dos materiais encontrados na natureza que servem para a construção

das casas.

Apesar das casas se distinguirem uma das outras, há um padrão de divisórias.

Geralmente, existe na parte frontal da casa uma sala espaçosa, com uma parede que demarca

o restante da casa. No segundo cômodo, localiza-se o quarto e a cozinha e, na maioria das

vezes, apenas um quarto que é ligado à cozinha. Como parte essencial da cozinha, há o jirau,

uma espécie de tablado onde as atividades domésticas como lavar louças e preparar comida

são executadas. Apesar de serem consideradas casas pequenas todas têm em seu interior

amplos espaços que facilitam a brincadeira. (Ver figura 30)

4 Palmeira nativa da região

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Figura 30: Foto de uma das casas que tem um interior amplo.

Os ambientes internos das residências são compostos de pouquíssimos móveis, os

mais comuns são bancos rusticamente produzidos por seus próprios moradores e estantes

improvisadas para a conservação dos cadernos. Nos quartos, não há camas e as roupas são

guardadas, geralmente, suspensas em fios ou pedaços de madeira, imitando a função de um

cabide. Na cozinha, não há presença de fogão a gás e as panelas são penduradas nas paredes.

Algumas casas apresentam enfeites nas paredes frontais como: os brinquedos

industriais ou de miriti, fotos de pessoas famosas, bicicleta, gaiola de passarinhos, espelhos,

televisão ou rádio, quase sempre inutilizados. Discutiremos posteriormente o uso de tais

brinquedos na parede, enquanto vestígios de uso de brincadeira e o fator valorativo

implicado.

Na porta frontal, por onde se entra nas casas existem trapiches ou troncos de miriti

que servem de ponte entre a casa e o rio.

O banheiro encontra-se normalmente fora da casa, sendo uma espécie de

compartimento independente desta. Este é descrito como um pequeno barraco sem cobertura,

com um orifício no assoalho, onde os detritos são depositados ao ar livre sem sistemas de

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esgoto e, normalmente, são interligados à área residencial por troncos de açaizeiro e/ou

miritizeiro.

Considerando as características do ambiente interno das residências dos moradores da

comunidade referida, foram registrados os seguintes jogos e brincadeiras: preferencialmente,

brincadeiras que envolviam jogos de tabuleiros como dominó, baralho e dama, assim como a

peteca (bola de gude). Essas brincadeiras tiveram altos registros durante à noite com exceção

da peteca, pois é desenvolvida também no terreiro no período diário sem registro da sua

execução noturna.

Grande parte dessas brincadeiras é desenvolvida com os parentes, principalmente entre

irmãos e primos. Em duas famílias identificou-se que os pais, no período noturno, brincam

com os seus filhos, especialmente brincadeiras que envolvem jogo de tabuleiro, como o jogo

da vida e dama.

Espaço de transição:

O ambiente de transição é caracterizado pelo rio, terreiro e os espaços adentrados em

torno da casa. Essa área é caracterizada por grandes dimensões territoriais e tem sua

contribuição no desenvolvimento das brincadeiras.

O rio Araraiana exerce o papel de principal via de locomoção entre os ribeirinhos, é ele

que estabelece uma espécie de ponte ou via de ligação entre todos da comunidade e, ao

mesmo tempo, isola-os. O rio, portanto, representa uma área de interação social, física e

cultural, já que possibilita encontros lúdicos que podem ser observados na hora de viajar, no

momento em que uma criança pilotando uma canoa pega a outra para irem estudar, ou no

próprio banho.

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Nos fins de tarde, o rio é ocupado com o “banho”, momento que se desenvolve um

conjunto de brincadeiras relacionadas a essa atividade. Em sua maioria, as brincadeiras

desenvolvidas neste período envolvem atividades motoras e de caráter turbulento. Pode-se

citar as brincadeiras com saltos, piruetas, mergulhos e as brincadeiras de perseguição, como as

piras, as disputas de resistência de fôlego etc.

Percebeu-se no conjunto de registro um misto de atividade lúdica e de higiene pessoal.

O banho das crianças, principalmente quando em pares, não é funcional, ou seja, não está

restrito à limpeza do corpo, percebe-se em sua maioria um caráter lúdico. O agito desta

atividade parece preparar a criança para uma atividade mais calma, a janta e a dormida da

noite.

Destaca-se que a brincadeira relacionada ao banho da tarde foi frequentemente

registrada e tinha como principais “atores” os irmãos, parentes ou vizinhos que moram às

proximidades.

O terreiro e os espaços adentrados são outras subcategorias do espaço de transição. O

terreiro caracteriza-se por ser o terreno ao lado e ao fundo das casas, onde há ausência de

vegetação rasteira. As laterais das residências são compostas de plantações de açaí, e ao fundo

de árvores frutíferas variadas (Ver figura 31). Nesses locais foram identificadas brincadeiras

desenvolvidas, principalmente, após o almoço.

As crianças brincam, preferencialmente, no período vespertino, primeiro porque a

maioria das crianças estuda no período matutino e há uma maior concentração de crianças no

período oposto. Além desse aspecto, as tarefas domésticas e o trabalho pesado ou de

subsistência são desenvolvidos, essencialmente, pela manhã, o que dificulta o encontro das

crianças para brincar no terreiro, nesta parte do dia.

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Figura 31: Foto que demonstra o espaço de transição

As brincadeiras neste espaço de transição foram observadas no período de estiagem e

chuvas. No período de estiagem, o terreno ao redor das casas, geralmente, apresenta

consistência dura e seca, enquanto que no período de chuvas tem consistência alagada, com

aspecto lamacento. Apesar da condição de alagado, durante os seis meses de chuvas, é um

espaço de intensa atividade lúdica.

As principais brincadeiras registradas nessa subcategoria contextual foram as piras, o

cemitério, a bola e a bandeirinha o que demonstra a possibilidade de explorar esse ambiente.

Essa variação de brincadeiras demonstrou que as principais companhias do brincar eram os

irmãos e os vizinhos, essencialmente pessoas com parentesco.

Nessa terceira subcategoria, encontra-se a parte adentrada da floresta, a qual é

composta pela capoeira, mata terciária e campo aberto. Caracteriza-se por ser os espaços entre

residências e que favorecem, por serem intermediários, os encontros dos pares. Além deste

fator, propiciam adentramentos em territórios extras residenciais o que, aparentemente, parece

evocar as brincadeiras neles desenvolvidas, ou seja, brincadeiras relacionadas a conteúdos

exploratórios, como a caça e a exploração do ambiente (Ver figura 32).

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Figura 32: Fotos que demonstram os ambientes adentrados

Em conjunto com os terreiros, os espaços adentrados são os locais com maiores

características de exploração de territórios e do desenvolvimento de brincadeiras relacionadas

às atividades de caça e coleta. Algumas vezes sugerimos acompanhar essas crianças em suas

buscas exploratórias, foi sempre nítido o conhecimento que detinham do ambiente, como a

busca de árvores frutíferas e o desenvolvimento de brincadeiras espontâneas, inclusive

conosco, ora revezando os papéis de guia, ora escondendo-se, deixando-nos em determinados

momentos perdidos.

Espaço externo:

O espaço externo é aqui composto por duas subcategorias, a escola e o campo de

futebol. Essas duas subcategorias de contexto são marcadas como verdadeiro lócus de

socialização.

Fisicamente, a escola apresenta-se de modo extremamente precário. Ela situa-se em

uma área de várzea, sendo basicamente um barracão de madeira coberto de palha (Ver figura

33).

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Figura 33: Foto frontal e parte interna da antiga escola.

Por estar localizada em um terreno de várzea, não há a possibilidade de atividade livre

em terra firme, sendo realizada somente em sala de aula. Os únicos equipamentos encontrados

no interior da escola são: um quadro negro, um filtro de barro e as carteiras escolares.

Atualmente, a escola foi remanejada do lugar. O motivo do remanejamento está na

construção da nova sede da Igreja Evangélica, uma vez que o barracão onde a escola

localizava-se é propriedade da Igreja referida. Diante deste fato, um dos moradores cedeu à

sala da frente de sua casa para que a escola então funcionasse. A sala tem aproximadamente

24 m², dois quadros e 15 carteiras (Ver figura 34).

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Figura 34: Foto da casa de um dos moradores que cedeu uma sala para funcionar a nova escola.

Essa nova escola tem características peculiares, pois funciona somente até a 4ª série do

nível fundamental, com uma classe multiseriada, que vai da alfa à quarta série. O fato de

funcionar somente até a 4ª série contribui para que aja uma freqüência alta de alunos que

repetem duas ou três vezes a mesma série e em outros casos abandonam a escola.

Apesar da sala atual ter uma dimensão menor, quando comparada com a sala de aula

da escola anterior, há áreas livres para o desenvolvimento das brincadeiras, como: o campinho

e o bambuzal, nomenclatura revelada pelas crianças. Estes espaços surgem no decorrer do

período de estiagem que vai de junho a novembro e apresenta como principal característica a

presença da vegetação nativa ao seu entorno.

O campinho é uma espécie de terreno localizado à frente da escola, no lado esquerdo.

O bambuzal é outro espaço localizado a direita da escola. Ambos apresentam características

físicas semelhantes, com vegetação nativa e terreno alagadiço. As principais brincadeiras

localizadas nestes espaços são: pira garrafão, cola, alta, bandeirinha, cemitério, entre outras.

(Ver figura 35)

Figura 35: Foto de uma criança brincando no terreno ao lado da escola, campinho.

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Nestes sítios, onde se desenvolvem as brincadeiras, há um terreno limpo, sem

vegetação rasteira, devido o intenso trânsito das crianças brincando, o que inicialmente nos

indicou vestígios de brincadeira.

Todas as brincadeiras encontradas neste contexto foram desenvolvidas após o período

da aula, saída da escola, o que nos demonstrou uma intensa interação entre crianças que

moram longe e que não tem contato com seus colegas a não ser no período de aula.

A mudança da escola impossibilitou que algumas crianças continuassem seus estudos,

pois algumas moram perto da nascente do rio, enquanto a escola fica perto da foz, o que

dificulta o deslocamento destas crianças. Este fato traz como conseqüência, para as crianças, a

perda do ano letivo, além de ficarem isoladas do contato com outras crianças, já que a escola

perece ser o principal ponto de encontros infanto-juvenis.

A observação nos demonstrou que não há diferenças perceptíveis no registro de

brincadeiras por gênero nesta categoria. Tanto as meninas quanto os meninos estão presentes

nas brincadeiras no bambuzal, talvez em decorrência das brincadeiras de pira, cemitério e

bandeirinha.

Nessa categoria, houve somente um registro de brincadeira no interior da escola,

realizado por uma menina, que relatou brincar de faz-de-conta de professora. Porém, alguns

relatos de outras crianças em conversas informais relataram que brincam de professora ou

lição no período de aula.

O campo de futebol é outra subcategoria e situa-se as proximidades da na casa de um

morador, e tem como característica ser um terreno de terra-firme com árvores frutíferas ao

redor. Nessa residência há um trapiche amplo feito de madeira própria da região, o que facilita

o encontro dos moradores. Perto do trapiche pode-se avistar o campo de futebol que tem

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aproximadamente 20 m de comprimento e 10 m de largura, sem qualquer vegetação,

demonstrando que há uma intensa atividade. Em torno do campo, há áreas descampadas e ao

lado mata fechada. Pode-se dizer que é o único local com uma extensão territorial

significativa, o que facilita o encontro de moradores. (Ver figura 36)

Figura 36: Foto do campo de futebol.

Este espaço demonstra, de uma forma geral, ser um lugar privilegiado para o lazer ou

qualquer outra atividade de integração social entre crianças e adultos.

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O campo de futebol é identificado como um espaço que sofreu algum tipo de

intervenção, dos moradores, na melhoria de suas condições físicas. São o que podemos

chamar de “espaços formais de brincadeiras” como as praças, os parques e quadras esportivas.

O campo de futebol apresenta um suporte físico extremamente rico à brincadeira, por

promover o encontro de crianças em um espaço neutro, que não é a escola, nem a casa. É um

espaço lúdico que se recria continuamente no imaginário delas.

Das brincadeiras encontradas, pode-se salientar a pira cola, pira pega, cemitério, a roda

entre outras. É necessário salientar que por ser um local de encontro, as brincadeiras são

desenvolvidas em companhia com os colegas e não essencialmente entre os irmãos.

O campo de futebol é um grande ambiente de interação e de troca multietário, contudo

foi percebida uma organização por idade ou habilidade e gênero. Nesse sentido, se pode

verificar as crianças menores brincando em uma área mais protegida da bola dos adultos,

como brincadeira de roda, pira cola, de correr e de bola. Vale dizer que o campo é uma das

poucas áreas altas e secas do local, sendo um dos poucos espaços que é possível brincar com

areia.

Percebe-se que as crianças menores (de 5 a 10 anos) são levadas ao local por seus

genitores, geralmente as mães. Sob os seus olhares atenciosos, observam as crianças

brincando enquanto conversam e assistem ao jogo dos adultos.

Geralmente, os momentos de encontros se dão em dias estipulados pelos homens que

jogam futebol. Os registros permitiram identificar que as quintas e domingos eram os dias

estipulados, sendo que o horário de maior interação no campo de futebol é das 16 às 19 horas.

Essas categorias foram criadas de maneira que o leitor possa compreender a

especificidade dos contextos físicos e sociais em que as crianças se desenvolvem. Porém, essa

descrição por si só não é suficiente para a discussão desse tópico tão importante para esta

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pesquisa, portanto o próximo item é caracterizado pela identificação mais sistemáticas dos

contextos de brincadeira.

OS CONTEXTOS ONDE AS BRINCADEIRAS SÃO PREFERENCIALM ENTE

EXERCIDAS

Considerando as respostas do inventário espontâneo de brincadeiras, foi realizada uma

análise quantitativa das categorias de locais mais citados pelas crianças.

É necessário esclarecer que participaram desse levantamento 35 crianças e

adolescentes, 21 meninas e 14 meninos, em função das constantes ausências (ida para as

sedes dos municípios, Ponta de Pedras ou Abaetetuba) das crianças da comunidade do rio

Araraiana. Este número de crianças é inferior ao total de crianças e adolescentes presentes na

comunidade, correspondente a 61 % e 41% respectivamente da população durante o período

em que a pesquisa foi aplicada, na faixa de idade pesquisada.

De maneira geral e de acordo com os dados, a categoria transição foi o espaço com

maior freqüência de respostas entre as crianças e adolescentes (5 anos a 18 anos), tanto do

gênero feminino quanto do masculino, o que demonstra a utilização dos espaços livre por

ambos os sexos (Ver figura 37).

Quanto à freqüência alta nos espaços de transição está relacionada às brincadeiras

como as piras, cemitério entre outras. A categoria externa teve maior registro entre os

meninos, o que pode está relacionado ao futebol, muito difundido entre o gênero masculino,

tanto na escola quanto no campo de futebol.

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0

10

20

30

40

50

60

Transição Externo InternoCategorias dos contextos

Fre

quêc

ia R

elat

iva

F

M

Figura 37: Freqüência relativa dos espaços físicos onde as brincadeiras são

desenvolvidas.

Considerando somente o espaço interno, quando se pergunta quais são os locais em

casa que eles brincam, pode-se verificar os seguintes resultados (Ver figura 38)

0

20

40

60

80

100

Casa própria Casa decolegas

Casa deparente

Subcategorias do espaço interno

Fre

quên

cia

Rel

ativ

a

F

M

Figura 38: Freqüência relativa dos locais na categoria de espaço interno onde as

brincadeiras são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo.

Na categoria do espaço interno, as brincadeiras são mais desenvolvidas pelas meninas

(Ver figura 38). Posteriormente como será discutido, foi investigado que os tipos de

brincadeiras como a boneca e a casinha foram as principais atividades lúdicas exercidas no

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interior das casas. Verificou-se também que as meninas saem de suas casas para brincar no

interior de outras, seja de vizinhos ou de algum parente.

Os meninos tiveram um alto registro dentro da subcategoria casa, isso pode está

relacionado ao fato dos meninos apresentarem uma intensa produção de brinquedos

construídos manualmente, como barcos e espingarda, todos de materiais encontrados da

natureza.

Quando se trata de espaço de transição, pode-se dizer que tanto as meninas quanto os

meninos compartilham de forma mais igualitária os contextos referentes a este espaço.

Porém, quando se visualiza as subcategorias pertencentes a este espaço, percebe-se que o

maior número de respostas está nas áreas livres mais próximas às residências das crianças

(Ver figura 39). Talvez em função do próprio isolamento imposto pelo rio e pela mata, o que

parece reforçar a suposição da existência de uma cultura típica de brincadeira familiar.

0

20

40

60

80

100

120

Adentrado Rio Terreiro

Subcategorias do espaço de Transição

Fre

quên

cia

Rel

ativ

a

F

M

Figura 39: Freqüência relativa das subcategorias de espaço de transição onde as brincadeiras são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo.

Dentre as subcategorias do espaço de transição, tanto as meninas quanto os meninos

fazem uso do terreiro na brincadeira, sendo que as meninas relativamente citam mais

brincadeiras desenvolvidas nesta subcategoria de local do que em outro. O rio, por outro lado,

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teve maior registro entre os meninos, mas mesmo assim, teve baixo índice de escolhas de

maneira geral. Quando verificado sobre qual brincadeira foi registrada no rio, identificou o

barco e os saltos na hora do banho.

A subcategoria adentrada só teve registro entre os meninos, foi verificado que as

brincadeiras que estão relacionadas são aquelas que envolvem perseguição, caça e coleta.

0

20

40

60

80

100

Bambuzal Campinho Campo defutebol

Escola

Subcategorias do espaço externo

Fre

qûen

cia

Rel

ativ

a

F

M

Figura 40: Freqüência relativa das subcategorias de espaço externo onde as

brincadeiras são desenvolvidas por crianças de acordo com o sexo.

Somando todas as respostas das meninas e comparando com os dos meninos, pode-se

dizer que não há diferenças perceptíveis no registro de brincadeiras por gênero na categoria

espaço externo. Tanto as meninas quanto os meninos tem alta freqüência no bambuzal, talvez

em decorrência das brincadeiras de pira, cemitério e bandeirinha. O campo de futebol teve

um registro maior entre os meninos do que entre as meninas, o que pode está relacionado à

brincadeira futebol ou bola.

Nessa categoria, houve somente um registro de brincadeira no interior da escola,

realizado por uma menina, que relatou brincar de faz-de-conta de professora. Porém, alguns

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relatos de outras crianças em conversas informais, relataram que brincam de professora ou

lição no período de aula.

UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O ESPAÇO DE BRINCADE IRA

Na presente investigação, as brincadeiras expressam, em sua maioria, o dia-a-dia da

população da região. Também foram encontradas várias brincadeiras que expressam uma

cultura com características tipicamente ribeirinhas, como o barco e a espingarda.

Muito das brincadeiras são representadas por temas domésticos (cozinha, boneca,

comidinha) e por temas ligados ao meio de subsistência como pescar, conduzir canoa,

construir gaiola, entre outras.

Tais brincadeiras estão ligadas, não somente à estrutura física dos brinquedos, mas,

aos contextos de interações em que são compartilhados pelas crianças. Nesse sentido, pode-se

dizer que a cultura ribeirinha, aliada aos contextos tipicamente amazônicos, propicia

brincadeiras específicas do local.

Diferente de como se pensava, o rio não é um local de intensa atividade lúdica. Há um

alto registro de brincadeiras na comunidade, porém em outros nichos, como na escola.

A concepção histórica de rua e de espaço público se faz mais presente pelos meninos,

enquanto que as meninas brincam mais nos quintais, jardins ou dentro de casa (Archer, 1992

& Maccoby, 1990). No caso do Araraiana, essa idéia parece ser concordante quando se

observa um maior número de meninas brincando dentro de casa. Em contrapartida, quando se

observa o número de meninas fora do contexto interno, percebe-se que esse padrão de

comportamento não é semelhante ao das crianças da rua na zona urbana.

Quanto ao espaço externo, pode-se dizer que a escola é um ambiente de intensa

interação e promovedora de socialização entre crianças. No estudo de Leite (2002) realizado

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na escola de zona rural do município de São José do Rio Preto, identificou que esse é um

espaço de interação em situações que envolvem brincadeiras. Segundo o estudo referido, a

escola foi considerada um espaço privilegiado de interação, pois era vista como um espaço

esportivo ou de lazer.

No caso da escola da comunidade do rio Araraiana, pôde-se examinar que apesar de

não haver um espaço para o esporte declarado, ela ainda assim, é um espaço onde foi

observada uma variedade de brincadeiras e intensa interação, isso talvez esteja relacionado ao

fato de ser um espaço seguro para as crianças brincarem, diferente do rio.

Observa-se também, a escolha das brincadeiras de acordo com os locais, além da já

referida preferência dos meninos por ambientes externos e de meninas por ambientes

internos, aliado à influência de variáveis ecológicas e climáticas. Devido o forte calor da

região, em determinado período do ano, os locais preferidos são os que contêm sombras

(árvores); no período de chuva intensa, os locais mais procurados são os recintos internos das

casas; primeiro para a proteção da chuva e segundo pelo aumento das águas do rio que deixa

submerso boa parte do terreno. Porém, essa discussão precisa ser melhor investigada, pois

não há dados suficientes para identificar a variação das brincadeiras nos períodos de estiagem

e de chuva.

O trabalho de Bichara (1999) identificou que as brincadeiras, das crianças das aldeias

Xocó e Mocambo, também são influenciadas pela variação climática. Tal aspecto, também, é

enfatizado no trabalho com crianças da Periferia de Belém (Silva, 2006) onde há a presença

de brincadeiras específicas em períodos distinto de acordo com o clima, como o papagaio.

Os dados encontrados até o momento evidenciam que as crianças da comunidade do

rio Araraiana expressam, em suas brincadeiras, o modo de vida de seus pais e que sofrem

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influências em seu desenvolvimento de particularidades culturais e, principalmente, que

diferenças socioculturais permitem variabilidade comportamental. (Rosen, 1974).

CARACTERIZANDO AS BRINCADEIRAS EXERCIDAS PELAS CRIA NÇAS DO

RIO ARARAIANA

Diante do que foi exposto e para uma melhor visualização da diversidade de

brincadeiras encontradas na comunidade do rio Araraiana, optou-se, primeiramente, por uma

apresentação em gráfico das brincadeiras com maior registro entre as crianças e jovens e, em

um segundo momento, a classificação e descrição das brincadeiras tradicionais.

Nessa primeira discussão, a brincadeira será apresentada de maneira geral, de forma

que traduza a diversidade lúdica no local da pesquisa.

A) A variedade e preferência por brincadeiras.

0

5

10

15

20

25

30

Brincadeiras

Fre

qüên

cia

Figura 41: Brincadeiras encontradas na comunidade do rio Araraiana.

A figura 41 permite perceber que, embora as brincadeiras sejam bastante variadas, há

um grupo de registros que se destaca. A bola (futebol) contempla um total de 25 respostas; a

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pira-esconde, com 24 respostas e a bandeirinha, com 23 escolhas, o que demonstra a

preferência destas brincadeiras entre as 66 crianças e adolescentes da comunidade. Estes

dados denotam preferências de brincadeiras, apesar das distâncias entre casas serem

significativas, e indica um compartilhar de preferência de brincadeiras entre as crianças.

A hipótese de pouco contato interacional entre pares, em tese, parece não ser

confirmada quando se observa os dados acima. Porém, deve-se notar que os dados do contexto

escolar pode ser uma variável importante quando se observa a variedade de brincadeiras

encontradas.

Porém, nem todas as crianças e os adolescentes estudam o que indica que em algum

momento e em algum contexto há interações entre as crianças e os adolescentes.

Outro fato identificado é quanto à preferência de brincadeiras típicas do contexto. O

barco, por exemplo, ocupa a 5º posição, assim como a caçada e a pesca, brincadeiras

recorrentes entre as crianças. Isso quer dizer que as formas de brincar são adaptadas ao

contexto em que as crianças vivem. Em todas as brincadeiras identificou-se traços específicos

do contexto local, o que pode ser exemplificado pela pira-pega, que ocorre em cima das

árvores, porém com regras semelhantes às urbanas. Trabalho análogo foi realizado com as

crianças das aldeias Xocotó e Mocambo (SE), em que as crianças recortavam aspectos das

brincadeiras e moldavam segundo o contexto (Bichara, 1999).

A descoberta da diversidade da brincadeira encontrada no local possibilita olhar para

as questões de gênero. O gráfico abaixo demonstra as preferências das brincadeiras segundo

as escolhas das meninas e dos meninos.

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20

Brincadeiras

Fre

qüên

cia F

M

Figura 42: Brincadeiras segundo as escolhas femininas e masculinas.

Segundo a classificação acima, a boneca se sobrepõe sobre as demais brincadeiras

entre meninas. Assim como o barco, que apresenta uma alta freqüência em relação às demais

brincadeiras masculinas. A primeira consideração a ser feita, é quanto à escolha das

brincadeiras relacionadas à questão de gênero, pois são brincadeiras constituídas

historicamente como femininas e masculinas respectivamente.

Outro aspecto levantado é quanto à re-elaboração de versões de bonecas adaptadas á

realidade local, como bonecas feitas de sucatas, de garrafa pet e/ ou de materiais naturais

como o miriti.

Chama atenção, também, o fato de que a brincadeira de bola (futebol) tem uma

freqüência alta, entre as meninas, quando comparada com outras brincadeiras consideradas

masculinas. O que indica que, apesar do gênero e o tipo de brincadeiras serem variáveis

importantes, a brincadeira de futebol, neste contexto, possibilita a interação de grupos mistos

de crianças e adolescentes. Essa brincadeira apresenta um perfil de grupo tipicamente

homogêneo de gênero o que sugere que, embora em proporções diferentes, as meninas

brincam da mesma brincadeira que os meninos.

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O barco surge como uma brincadeira que teve somente registro entre os meninos. Isso

leva a se pensar que é por ser uma atividade essencialmente masculina, pois o barqueiro

representa um mundo masculino do adulto, mesmo que se tenha observado meninas pilotando,

ainda é uma representação ligada ao gênero masculino, nesta comunidade.

Sabe-se que todo adulto na comunidade apresenta tal aptidão, porém dificilmente se

observa uma mulher adulta ou infanto-juvenil pilotando. O que se investigou é que as

mulheres são treinadas para pilotar em situações de vulnerabilidade, porém essa é uma aptidão

direcionada para o homem (provedor) da comunidade. Tal aspecto reflete os valores locais no

universo infantil, e explica, em parte, a não escolha das meninas pela brincadeira “com” e

“de” barco.

Do total de 29 brincadeiras escolhidas pelas crianças e adolescentes, 08 foram

classificadas como exclusivamente femininas e 08 predominantemente masculinas. Em

geral, são aquelas que envolvem alto grau de atividade e/ou confronto e desafio entre os

participantes, assim como as brincadeiras competitivas: barco, carro, pipa, polícia e ladrão,

tiroteio, caçada, lanternar e bilhar.

A comparação entre os dados das meninas e dos meninos possibilita identificar que das

29 escolhas, somente 08 são exclusivamente femininas e 09 predominantemente femininas

como as brincadeiras de boneca, casinha, quebra-cabeça, roda elástico entre outras. Isso

demonstra padrões de interação distintos entre os gêneros.

Nos estudos de Archer (1992) e Beal (1994), identificaram que os padrões de

interações de meninas e meninos são distintos. Os meninos brincam em grupos maiores e são

mais preocupados com status e reputação dentro dos grupos, enquanto que as meninas são

mais intimistas nas interações, mais cooperativas, fazem trocas de confidências, são mais

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flexíveis que os meninos que são mais rígidos com seus papéis de gênero e mais preocupados

em rejeitar a feminilidade.

O uso do espaço também surge como uma diferença significativa, pois as meninas

usam espaços menores enquanto que os meninos ocupam espaços maiores e públicos em suas

brincadeiras. Aspectos facilmente identificados nos padrões de interações nas brincadeiras das

meninas e dos meninos da Comunidade do rio Araraiana.

B) Análise das companhias de brincadeira.

Outro foco ligado à análise de brincadeiras é o papel das interações e das relações

sociais no desenvolvimento. Nas últimas décadas, estes temas têm sido investigados

exaustivamente pela Psicologia, (Vygotsky, 1984), no entanto, a ênfase é dada aos estudos que

envolvem interações adulto-criança (Lindsey & Mize, 2001; Mendes & Moura, 2004).

Convém ressaltar que, nesta investigação, a análise de companhia é um indicativo primordial

do papel do parceiro nesse processo. Semelhante a maneira de interação dos adultos, a criança

também seleciona, recorta aspectos do comportamento do parceiro, ajusta-se e regula-se pelo

ajustamento do outro às suas ações, construindo assim, ativa e conjuntamente, atividades,

situações e conhecimento compartilhados (Carvalho, 1994) e neste caso, nas brincadeiras.

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Colegas irmãos primos sozinho sobrinho pais

Companhia

Fre

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cia

Figura 43: número de respostas referente à companhia

Na figura 43, é facilmente identificado um alto número de escolhas na categoria

colegas, porém a soma total das categorias irmãos, primos e sobrinho é superior ao da

categoria anterior. Este fato pode ser explicado por duas variáveis importantes. Primeiro,

conforme os resultados de Silva (2006), a comunidade do rio Araraiana é composta por uma

grande rede familiar, aspecto que foi identificado no genograma do trabalho desta autora.

Assim, a maioria das crianças e adolescentes tem parentesco, fato que repercutiu nos dados

coletados de brincadeira. O segundo elemento indicador dessa possibilidade de explicação

surge das próprias características do contexto, isto é, as casas encontram-se distantes uma das

outras, o que dificulta o contato com outras crianças sem parentesco.

Isto é confirmado quando se observa que a categoria colega tem um número

expressivo quando a brincadeira ocorre na escola, pois é um dos poucos espaços de

socialização das crianças sem vínculos de parentescos.

Isto pode denotar uma cultura de brincadeira essencialmente familiar, ou seja, culturas

típicas de brincadeira de determinadas famílias, pois a condição de isolamento que são

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impostas às crianças dificulta o compartilhamento da cultura de brincadeira entre pares; esse

aspecto apresenta um conhecimento diferencial dos encontrados em contextos urbanos.

Nos estudos de Lordelo & Carvalho (2006) com 62 crianças de 3 anos de idade, em

creches públicas e privadas em contexto urbano identificaram que a atividade lúdica é um

fenômeno sensível às condições contextuais.

Apesar de ser um trabalho realizado em um contexto e faixa de idade, distinto do

contexto do Araraiana, demonstrou que todo o sistema da brincadeira opera em interação com

o ambiente, dependendo de parceiros sociais e dos recursos ambientais disponíveis como: o

espaço, a estabilidade das condições e os tipos de materiais.

Semelhante discussão pode ser feita quando se observa o ambiente ribeirinho da

comunidade do rio Araraiana, pois o contexto, os parceiros sociais e os materiais naturais são

indicadores essenciais no desenvolvimento da cultura de brincadeira e dessa forma pode-se

pensar em brincadeiras e brinquedos tipicamente de núcleos familiares.

Considerando essa possibilidade e os materiais envolvidos nas brincadeiras, pode-se

identificar e analisar os tipos de brinquedos encontrados na comunidade do rio Araraiana e

assim, discutir aspectos peculiares dessa comunidade.

ANÁLISANDO OS BRINQUEDOS ENCONTRADOS ENTRE AS CRIAN ÇAS DO

RIO ARARAIANA

Formas de aquisição dos brinquedos identificados no rio

Um dos aspectos que caracteriza o brinquedo é a sua origem ou a sua forma de

aquisição. Diante dos dados levantados do inventário sociodemográfico, criou-se três

categorias principais que permitiram identificar a origem dos brinquedos como: categoria de

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construção, identificando que os brinquedos são construídos pelas crianças do local, a de

doações, brinquedos doados por terceiros e, por último, comprados. (Ver figura 44).

02468

101214

Construídos Doados Comprados

Forma de Aquisção

Fre

qüên

cia

Figura 44: Gráfico que representa as formas aquisição dos brinquedos

A aquisição e/ou a doação de brinquedos é realizada, principalmente, por fazendeiros

da região, nos períodos festivos de fim de ano. Este dado é importante, pois explica a

penetração de brinquedos urbanos, apesar do grande isolamento que se sobrepõe a essa

comunidade.

A freqüência alta de todas as categorias está diretamente relacionada às características

do brinquedo. Deste modo, foi necessário categorizar os brinquedos em artesanais e

industriais, para a confirmação da hipótese acima.

Os artesanais são todos os brinquedos construídos pelas crianças ribeirinhas, enquanto

que os industriais são aqueles adquiridos por via de compra e/ou doações e que se

caracterizam por serem produzidos pela indústria fabril.

Para a compreensão da categoria “construídos”, tentou-se investigar quem elaborava

ou confeccionava tais brinquedos, se eram somente as crianças ou se havia ajuda de

determinado adulto. Na busca dessa resposta, foram realizadas entrevistas com 03 crianças e

descobriu-se que nem todos os brinquedos artesanais são construídos por elas próprias. Após a

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confirmação desse dado, procurou-se investigar com quem as crianças aprendiam. Segundo os

relatos de 02 pais, foram eles próprios que os ensinaram, principalmente os relacionados aos

brinquedos dos meninos, como o barco.

Quanto aos brinquedos das meninas, como a boneca e a casinha, além de ser a mãe o

principal agente incentivador, outras pessoas também foram indicadas, como as irmãs mais

velhas e as primas.

Apesar de serem os pais os parentes mais próximos e os principais agentes na

transmissão do conhecimento na construção de brinquedos artesanais, sabe-se que a criança é

um ser ativo e, portanto, re-criador do meio em que vive, pois era comum a observação, a

partir da forma primária, de outras formas e tipos de brinquedos construídos pelas crianças e

adolescentes, com variações de tamanho, formas e inventividade.

Conforme Packer (1984) e Valpoto (2002), a participação da criança nesta atividade

requer um senso de realidade compartilhado. O papel ativo da criança na transmissão cultural

garante que a cultura de sua geração vá além daquela de seus pais, pois as mensagens culturais

emitidas pelos adultos à criança são ativamente assimiladas por ela em suas estruturas de

conhecimento, de modos novos. Aspecto este, que pode ser observado no caso das crianças do

Araraiana, a respeito das variações de tipos de barco construídos pelas crianças.

Classe de brinquedos.

Em termos gerais, pode-se dizer que os brinquedos artesanais estão mais presentes nas

casas dos ribeirinhos do que os industrializados. Mesmo nas casas em que não haviam

crianças, foi observada nas paredes, a existência de brinquedos de mirití. Os próprios

moradores responderam que eram de seus netos ou seus filhos quando retornavam para

passear ou passar as férias.

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Artesanal Industrializado

Classe de brinquedos

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cia

Figura 45: Número de resposta por família do tipo de brinquedo.

Apesar dos dados de brinquedos artesanais terem certa predominância, é importante

sinalizar o registro considerável dos brinquedos industrializados. Dentre as 17 casas com

crianças, as 17 tinham brinquedos artesanais e destas, 13 industrializados. O que denota a

importância do brinquedo industrializado nesse contexto.

Brinquedos artesanais

Na análise específica dos brinquedos artesanais, identificou-se que alguns elementos

que são comuns ao contexto ribeirinho como: a boneca, barco, a espingarda e a gaiola. (Ver

figura 46).

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Boneca Barco Espingarda Bola Baladeira Gaiola Carro

Brinquedos Artesanais

Fre

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ncia

Figura 46: Gráfico de número de brinquedos artesanais das crianças.

Pode-se dizer, portanto, que o gráfico acima demonstra aspectos eminentemente

contextuais, além de serem brinquedos construídos pelas próprias crianças e com materiais da

região. Todos os brinquedos citados refletem uma particularidade que é específica do local,

pois são objetos que representam o cotidiano da vida ribeirinha, como no caso da boneca, do

barco, da espingarda, da baladeira e da gaiola.

Pode-se dizer que a cultura local é uma entidade coletiva, portanto, com significados

compartilhados coletivamente. Essa é apreendida pela criança e pelo adolescente no contexto

das experiências vivenciadas em seus ambientes, muito mais que meramente nos setting

específico, onde os adultos, explicitamente, ensinam à criança.

Diante disso, entende-se que os brinquedos artesanais são muito mais do que mera

reprodução do cotidiano contextual, e ao mesmo tempo, refletem todo o modo de vida dessa

população.

A boneca, por exemplo, representante das brincadeiras das meninas é um brinquedo

que revela aspectos do universo feminino ribeirinho. De acordo com os dados demográficos,

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as meninas são as principais assessoras de suas mães nas tarefas domésticas e no cuidados dos

irmãos menores, isso leva a entender que as brincadeiras que ocorrem em função da boneca

estão relacionadas, pelo menos em parte, às tarefas domésticas.

No trabalho de Leite (2002), com as meninas do município de São José do Vale do Rio

Preto, foi identificado que o trabalho familiar ocupa grande espaço. As meninas bem pequenas

realizam, junto dos mais velhos, outras atividades e ajudam suas mães nas atividades

domésticas, isto é, o trabalho das meninas está inserido no cotidiano junto do seu núcleo

social. As crianças do Araraiana, também, executam tarefas domésticas e quando perguntadas

sobre o brincar, foi identificado que todas brincam de boneca e casinha.

Quanto aos principais brinquedos dos meninos, o barco, a espingarda, a gaiola e a

baladeira, podem estar relacionados a um contexto primordialmente adulto masculino, o

homem provedor, o qual desempenha uma função de destaque na comunidade do rio

Araraiana. Conforme os dados da caracterização sociodemográfica, os homens, pais de

famílias, desempenham a função de provedor, sendo o principal mediador na inserção dos

seus filhos, preferencialmente meninos, na atividade de sustentação familiar, como as

atividades de caça, pesca e coleta.

Tal peculiaridade foi também identificada no trabalho de Leite (2002), com crianças da

zona rural, e percebeu-se que meninos e meninas têm a capacidade de tornar as tarefas diárias,

como trabalho pesado e a doméstica, mais lúdicas, o que torna difícil identificar se é

brincadeira ou “trabalho”. Esse estudo identificou, ainda, que as brincadeiras refletem o

trabalho dos pais, pois os meninos brincam de lavrador e as meninas brincam de casinha.

Pode-se compreender, então, que a realidade vivenciada é representada nos

brinquedos, pois é uma forma de recriar criativamente o contexto em que vivem, o que

proporciona um tipo de treino para habilidades fundamentais para a sobrevivência e adaptação

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dessa população, nesse contexto. Conforme De Conti & Sperb (2001), a importância dada

para a atividade de brincar para o desenvolvimento da criança está relacionada ao

desenvolvimento afetivo, cognitivo e ao da criatividade.

Outro aspecto identificado nesse trabalho são os tipos de brinquedo relacionado ao

gênero. Apesar de não se ter um dado sistematizado quanto à construção e utilização dos

brinquedos por gênero, sabe-se que as meninas brincam ao construir bonecas, assim como

ajudam seus irmãos, primos ou colegas na construção de barcos, gaiolas, baladeira,

brinquedos de meninos.

Conforme a literatura, (Ache, 1989, Campenni, 1999; De Cont & Sperb, 2001;

Maccoby, 1988; Silva, 2006; Valpoto, 2002,), as meninas brincam mais com brinquedos

masculinos do que os meninos com os das meninas, porém, não foi registrada, durante as

observações, nenhuma menina construindo ou utilizando a espingarda. Os meninos, por sua

vez, utilizavam somente os brinquedos estereotipados para meninos.

Outra questão emergente do brinquedo artesanal é quanto o material utilizado na

construção destes objetos. Como já relatado na caracterização ambiental do local da pesquisa,

há uma variedade de espécies vegetais que servem como meio de subsistência para essa

população. Tem-se como exemplo a palmeira do mirití, que é essencial para a subsistência dos

moradores, assim como para as crianças que utilizam a palma da folha da árvore para a

construção de variados brinquedos: barco, boneca, espingarda, gaiola, jangadas e etc.

Além dessa palmeira, pode-se citar o mututi, espécie de árvore que nasce na beira do

rio. De sua raiz ou de seu caule são retirados pedaços medianos para a construção de barcos.

Sua principal característica é a capacidade de ser uma madeira leve e flutuante, o que

possibilita que o “barquinho” flutue na água.

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Miriti Garrafa Matuti Seringueira Pano Outros

Materiais naturais

Fre

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cia

Figura 47: Gráfico indicativo dos materiais utilizados na construção dos brinquedos

artesanais.

Além dos materiais naturalmente encontrados na região, foram identificados materiais

sintéticos e industrializados como o pano e a garrafa plástica, que foram retransformados em

objetos simbolicamente adaptados à realidade ribeirinha. Estes tipos de materiais são

encontrados freqüentemente entre as brincadeiras das crianças da comunidade do rio

Araraiana.

A utilização dos materiais naturais e de sucatas na construção dos brinquedos permitiu

entender que o brinquedo artesanal é um importante representante do meio cultural onde as

crianças vivem. Possibilitou ainda entender que há uma ampla variedade de transformações

simbólicas: paus como revólveres, latas como utensílios domésticos, garrafas como bonecas,

entre outros. Esse aspecto ratifica o poder de reconstrução simbólica das crianças. (Vygotsky,

1984, Bichara, 1999 & Gosso, 2006).

Segundo Melo e Sperb (1997) e Machado (1994), a utilização de sucatas leva à

construção de significados comuns que devem ser negociados por não apresentarem um fim

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determinado. Além, é claro, de ser desvendado por quem brinca, já que é um objeto possuidor

de inúmeros sentidos que não são tão óbvios nem evidentes, possibilitando dessa forma novas

e inusitadas relações.

Além dos aspectos já citados, Verba (1993), Mello (1994) e Weiss (1989) argumentam

que os tipos de brincadeiras muitas vezes são sugeridos pelas características físicas dos

objetos utilizados para brincar. As crianças negociam o significado de brinquedos, como os de

sucata e normalmente são criadas brincadeiras como faz-de-conta. Os brinquedos construídos

de sucata são fundamentais para as crianças, pois ao serem transformados artesanalmente,

passam a ter um valor afetivo.

Brinquedos Industrializados

A respeito dos brinquedos industrializados pode-se dizer que, apesar da

preponderância dos brinquedos artesanais, há uma expressiva presença dos industrializados.

Contudo, foram registradas poucas brincadeiras que envolvessem os industrializados,

exceto os brinquedos de bola e jogos de tabuleiro. Outro registro muito rico e bastante

singular foi observado a respeito da arrumação dos brinquedos industrializados nas

residências. Em todas as casas, os brinquedos industrializados são guardados como adornos

nas paredes frontais, ficam eles dispostos junto a calendários, fotografia de artistas, imagens

de santos, como pode ser verificado no destaque da figura 48.

Com referência à ausência de mobiliário, a forma de guardar o brinquedo remete a uma

possível dependência da representação dada ao objeto, como referência a algo de valor.

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Figura 48: Foto de área da residência de uma família com destaque em vermelho para

o local em que os brinquedos industrializados são guardados, servindo como adornos na parte

frontal das casas.

Assim como os brinquedos artesanais, foram identificados tipos de brinquedos

industrializados encontrados na comunidade, os mais comuns estão demonstrados na figura

49.

0

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4

6

8

Bolas Bonecas Carros Barcos Avião Ursinho Jogo

Brinquedo industrializado

Fre

qüên

cia

Figura 49: Gráfico que demonstra a variedade dos brinquedos industrializados

encontrados na comunidade.

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Estes dados demonstram e refletem a influência urbana presente na comunidade do rio

Araraiana. Pode-se dizer quer apesar do isolamento em que a localidade se encontra, ainda

assim, existe grande influência urbana representada pelos brinquedos industrializados.

O quantitativo de brinquedo industrializado teve uma freqüência tão alta quanto os

brinquedos artesanais. Entende-se que apesar destes objetos serem caracterizado como

brinquedos industriais, as crianças re-adaptam a sua realidade e, de uma forma ou de outra,

representam uma importante marca de pertença do grupo de brincadeira da comunidade do rio

Araraiana. Bonamigo & Kuder, (1990), Elga, Fenier, Kantor & Klein, (1988) verificaram que

os tipos de objetos utilizados por crianças de 3 a 5 anos para brincar são tidos por elas como

formas de afiliação e marca de pertença aos grupos de brincadeiras. Estes estudos

demonstraram que o brinquedo e as brincadeiras não são apenas utilizados pelas crianças para

sua diversão, mas desempenham um papel importante na condução do seu desenvolvimento.

Outro ponto discutido a respeito do brinquedo industrializado é quanto a sua forma de

aquisição na comunidade, que é por doação ou pela compra. O aspecto econômico é um fator

preponderante na aquisição dos brinquedos industrializados, fato que pode ser comprovado na

figura 44, de aquisição de brinquedo, pois demonstra que somente quatro famílias

responderam que obtém tais objetos lúdicos por meio da compra. Isso denota que a situação

econômica é uma variável que impede, em parte, a entrada dos brinquedos industrializados.

Segundo Volpato (2002) e Bichara (1999), a dificuldade econômica é uma condição

definidora para a obtenção desses tipos de brinquedos pelas crianças.

Em termos gerais pode se concluir que o brinquedo, como argumenta Sutton-Smith

(1986), é um produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos e, portanto,

importantíssimos para o estudo da criança em desenvolvimento.

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Por outro lado, o brinquedo chama atenção por si mesmo, transformado em objetos

essenciais, que revelam uma cultura, já que está inserido em um sistema social e suporta

funções sociais que lhe conferem razão de ser. Porém, não somente como revelador da cultura,

o que em parte é verdadeiro, mas também como um transformador dela própria.

Possuidor de características especiais é um objeto portador de significados

rapidamente identificáveis e remete a elementos legíveis do real ou do imaginário das

crianças. Nesse sentido, o brinquedo é dotado de um forte valor cultural.

Conclui-se essa discussão, compreendendo que a apropriação do objeto, no caso,

brinquedo, está circunscrito em um contexto social e, portanto, caracterizado como um

mediador da relação com outra pessoa ou com o meio, mas sempre sobre o ponto de vista da

integração de uma cultura específica (Bomtempo, 1999).

DESCREVENDO AS BRINCADEIRAS EXERCIDAS PELAS CRIANÇA S DO RIO

ARARAIANA. 5

A maioria dos estudos realizados pela Psicologia do Desenvolvimento tem como base

teórica somente os contextos urbanos das crianças dos Estados Unidos e da Inglaterra, este é

um dos pontos que dificulta a discussão sobre a universalização de aspectos relacionados ao

desenvolvimento humano, pois têm somente como parâmetros os contextos industrializados.

Diante dessa contextualização, entendemos que pesquisas de cunho regional são de extrema

relevância, pois possibilitam entender os vários nichos culturais em que as crianças se

desenvolvem e assim nos permite a não aceitação de modelos generalizantes de

desenvolvimento muito difundido nas pesquisas dos paises industrializados.

5 Encontram-se descritas aqui as principais brincadeiras encontradas na área. Algumas não foram descritas por considerar-se que são de domínio público comum, podendo ser facilmente identificadas pelo leitor como exemplo do futebol, dominó, baralho e dama.

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Diante deste paradigma, podemos citar vários trabalhos teóricos e metodologicamente

relevantes realizados no Brasil (Bichara, 1999; Gosso, 2006; Pontes & Magalhães, 2003;

Pontes & Izar, 2005;) pelos seus papeis nos estudos do desenvolvimento de uma Psicologia

comprometida com a compreensão do conjunto da realidade brasileira, focalizando distintos

grupos culturais e valorizando as peculiaridades culturais e históricas.

A partir desta perspectiva, a brincadeira pode ser apontada como uma “porta” de

acesso à complexidade de diferentes subgrupos culturais e sua descrição possibilita desvendar

alguns caminhos importantes para o estudo de uma Psicologia do desenvolvimento humano.

Para a concretização da descrição das brincadeiras, nesta pesquisa, optou-se por uma

classificação que atendesse os objetivos etnográficos deste trabalho. A partir do levantamento

bibliográfico referente às classificações e descrições das brincadeiras, escolheu-se a de Parker

(1984), já que apresenta uma classificação bastante utilizada nos trabalhos etnográficos e

antropológicos, similar a característica proposta nessa pesquisa. Diante dessa escolha, as

brincadeiras da comunidade do rio Araraiana serão descritas como: brincadeira de exercício,

brincadeira de exercício com objetos, brincadeira com movimentos finos envolvendo objetos,

brincadeira turbulenta, brincadeira simbólica e jogos de regras.

Brincadeira de exercício.

O trabalho de Nunes (2002) com crianças A’uwe-Xavante (MT), da aldeia

Namunkurá, identificou que os indiozinhos transformam o simples caminhar de um lado a

outro em brincadeira. Tais similaridades puderam ser observadas nas brincadeiras das crianças

ribeirinhas. O correr (Ver figura 50), como exemplo, foi uma das modalidades mais presentes

entre as crianças. A brincadeira acontecia de repente, como se houvesse algum motivo para tal

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atividade. Alguém saia em disparada, podia ser na busca de algo ou alguma fruta, ou ainda, na

volta da escola para casa.

Essa brincadeira foi observada não somente nas casas onde havia terra-firme, mas nos

locais internos das casas, em que, principalmente, as crianças menores corriam.

Figura 50: Foto de crianças brincando de correr

No terreiro das casas, geralmente no período de seca, as crianças corriam para o rio ou

em volta de uma árvore, ou para subir em uma árvore, ou ainda, giravam sobre si mesmas com

os braços abertos, tentando avançar alguns passos até caírem completamente tontas.

Algumas observações possibilitaram os registros de correr no campo ao voltar da

escola. Talvez pelo simples fato de brincar ou se chegar mais rápido nas casas. Geralmente,

esse correr, sem disputa, foi identificado nos campos do Marajó, que apresenta um tipo de

vegetação rasteira e de terra firme, no período de seca. Os grupos eram mistos e independentes

da idade.

Um fato importante observado foi quanto a pouca habilidade física das crianças

menores ao correr, que normalmente ficavam para trás. De maneira imediata, a criança mais

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velha parava e o esperava, sem nenhum vestígio de reclamação ou punição, somente saiam

dando risadas.

Por outro lado, no espaço adentrado, onde a mata é mais fechada e densa não se

identificou tal brincadeira com tanto freqüência, a não ser nos espaços que havia terra firme e

poucas raízes.

As árvores também possibilitaram diferentes formas de brincadeira de exercício. As

crianças da comunidade do rio Araraiana brincavam de subir e descer de árvores (jambeiro e

açaizeiro) aparentemente sem objetivo específico, somente pelo prazer da atividade. (Ver

figura 51). Algumas vezes, as crianças avistavam um fruto e subiam para apanhá-lo, sempre

envolvidos pelo divertimento e cercado de muitas risadas. A brincadeira era conduzida da

seguinte forma, uma criança chamava a outra, o mais velho comandava os menores para

permanecerem em baixo da árvore, fosse pelo perigo da altura ou para pegar as frutas. Quando

o menor não conseguia subir, era geralmente o mais velho que jogava a fruta para ele comer.

Essa brincadeira foi presenciada várias vezes durante a pesquisa e o comando, quase sempre,

era o mesmo.

A brincadeira de subir em árvores foi observada tanto no ambiente das casas quanto na

escola, entre irmãos e em alguns casos com os vizinhos. Foi observada, geralmente, em

grupos pequenos ou individualmente, nos quais todas as crianças participavam dessa

brincadeira, independente de idade e gênero.

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Figura 51: Fotos de uma criança brincando de subir na árvore

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As árvores prediletas eram aquelas localizadas as proximidades do rio, das casas e dos

terreiros.

Algumas vezes, as crianças subiam em árvores para olhar qualquer motor (barco)

que estivesse passando no rio, pelo simples prazer de realizar tal atividade ou para observar

ou cumprimentar, com um aceno de mão, os visitantes.

Ainda dentro da brincadeira de exercício, foi observado que as crianças se penduravam

em galhos, se balançavam e pulavam para o chão, quase sempre em árvores não muito altas.

Em outros casos, os mais velhos subiam tão alto que ficava impossível de vê-los, sustentavam

o corpo segurando os galhos com as mãos ou pisando em galhos tão finos que achávamos que

iam cair, algumas vezes controlando a descida com os pés agarrados ao tronco.

Além de subir em árvore, foi identificado que as crianças se penduravam ou se

agarravam em qualquer obstáculo elevado do chão, como pode ser percebido no episódio em

que elas estavam penduradas em pequenas hastes enfincadas nas laterais do tronco de miriti.

(Ver figura 52).

Figura 52: Foto de crianças penduradas nas hastes ao lado do tronco de miritizeiro

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Nestes tipos de brincadeira de exercício não há uma regra clara a não ser a

demonstração de uma habilidade em jogo. É evidente que pelo próprio jogo relacional, na

dinâmica da brincadeira uma regra surja, como por exemplo, uma alternância entre seqüências

de papéis. Em outro sentido, por ser desempenhada em contextos essencialmente sociais,

percebe-se uma base motivacional de equiparação de habilidade.

A dança também foi encontrada como uma brincadeira de exercício, ela foi

identificada, preferencialmente, entre as meninas católicas e em momento muitos raros.

Primeiro, pela pouca presença de rádio nas casas e segundo por serem relatos de um grupo de

meninas que mantém contato intenso com outros municípios, o que leva a pensar em uma

forte influência urbana nestes relatos.

O “toco” é outra brincadeira que apresenta um caráter mais urbano, essa brincadeira

também foi identificada somente entre meninas. Ela ocorre entre duas crianças, e é guiada por

uma música “soco, soco, bate, bate...”, acompanhada por movimentos das mãos em que ambas

as crianças sincronizam os movimento específicos, seja batendo conjuntamente as palmas ou

as costas das mãos. É uma brincadeira que tem um cunho puramente urbano, devido ser uma

música difundida no programa da apresentadora Xuxa (Ver figura 53).

Figura 53: Foto de duas crianças brincando no barco de “soco-soco, bate-bate”.

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Por ser um povo de beira de rio, a brincadeira de exercício no rio também foi

identificada. O rio é utilizado para o banho e pesca, além de exercer uma importante via para

percorrer longas distâncias em canoas ou barco local. Apesar de ter grande representação na

vida das crianças, exerce pouco fascínio para elas. Nadar não é uma brincadeira muito

observada, essa atividade é muito restrita quando se fala de rio. Quase sempre é na hora do

banho e se restringe à beira do rio, em cima de miritizeiros, muito distinto das brincadeiras

identificadas nas tribos dos índios parakanã (Gosso, 2004).

Diferentemente dos indígenas parakanã (Gosso, 2004), os ribeirinhos da comunidade

do rio Araraiana tem baixa freqüência de brincadeira de exercício na água. Collumbine (1950)

relatou, também, baixo índice de ocorrência de brincadeiras na água em povos de clima

tropicais.

O nadar é fundamental para sobrevivência dessa população, pois é bastante comum

observar crianças de três ou quatro anos nadando, porém nenhuma criança se atreve a nadar

até o meio do rio e permanecer muito tempo na água (Ver figura 54). A explicação da baixa

freqüência dessa brincadeira se dá pelo medo que se tem do rio. Existe na verdade uma lenda

que circunda os ribeirinhos. Segundo os relatos da maioria das crianças, há, no rio, um grande

peixe capaz de comer uma pessoa inteira, chamado de pirarara, o que é identificado como o

principal influenciador no não brincar na água.

Além desse fato, há relatos de puraquê6 e do jacaré presentes no rio, aspecto que são

constantemente relatados e reforçados pelos pais, demonstrando a forte crença transmitida

pelos genitores, pois segundo as crianças elas nunca viram tais animais, somente ouviram

relatos dos mais velhos. Tal fenômeno é tão intenso que todos os pesquisadores, assim como o

orientador, foram advertidos sobre o nadar no rio, principalmente na parte funda ou no meio.

6 Peixe característico da Amazônia que quando tocado por alguma pessoa emite uma descarga elétrica que pode levar à morte.

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As brincadeiras ocorrem na beira do rio, quase sempre, na maré cheia. As crianças

utilizam árvores ou troncos de miriti como trampolim. Um tipo de brincadeira de exercício

específico foi o que os ribeirinhos identificaram como mortal (na água) desempenhado,

essencialmente, no período de maré cheia. Essa brincadeira ocorre quando a criança salta de

um lugar acima do nível do rio (tronco e/ou árvores), empurra-se, gira no ar e cai na água.

Cada criança fica esperando seu momento de dá o mortal, independente da idade e do gênero,

porém parece ter maior incidência entre os meninos.

Figura 54: Foto de crianças brincando na água, em pé, no miritizeiro, no período

noturno.

Andar de casco (canoa) é outra brincadeira de exercício, contudo está ligada a uma

atividade de trabalho (pesca) ou a ida para a escola. Mesmo na realização do trabalho de

pescaria, as crianças brincam o que é identificado pelo riso, porém sempre com respeito ou

medo do rio, o que explica a não utilização do casco pelas crianças menores, mesmo que elas

saibam nadar (Ver figura 55). A respeito da brincadeira que ocorre no casco (canoa), na ida

para a escola, será descrita no item jogo com regras.

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Figura 55: Foto de crianças brincando no casco (canoa)

Nos exemplos citados, sempre é um mais velho que está ajudando um irmão menor de

idade, não foi identificado quanto ao aspecto do gênero, parecia que tanto os meninos quanto

as meninas brincam no casco (canoa).

A liberdade é uma característica marcante na vida das crianças ribeirinha e isso

repercute na sua forma de brincar, pois elas têm liberdade para brincar desde muito pequenas,

mesmo em situações perigosas, exceto no caso do rio. É explícito que longe do olhares dos

adultos a brincadeira livre contribui para que as crianças adquiram conhecimentos e limites

impostos pela própria natureza.

Com exceção do rio, percebeu-se que poucas vezes os adultos impõem os limites,

como na maioria das sociedades urbanas, são as próprias crianças que testam suas habilidades

e aumentam os riscos gradativamente conforme o desenvolvimento de suas capacidades.

Exemplo desse fato pode ser observado no dia-dia da comunidade, é muito comum observar

crianças utilizando, em suas brincadeiras, facas, subindo em árvores muitas altas, correndo

sem qualquer cuidado com os pés, ou se “tariando” (equilibrar) em troncos pouco espessos.

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A brincadeira de roda foi um das brincadeiras registradas na comunidade, porém

observada, geralmente, entre as crianças menores de ambos os gêneros. Nessa brincadeira

as crianças ficam em círculo de mãos dadas, cantando as cantigas: sapatinho branco e

varre-varre vassourinha. (Ver figura 56).

Figura 56: Foto de crianças brincando de roda

A brincadeira bom barqueiro também foi citado pelas crianças, porém não foi descrita

de maneira precisa e nem houve registro de observação. Ela foi um relato isolado de uma

criança e que acabara de chegar da cidade de Ponta de Pedras, o que parece ter uma influência

direta na resposta da criança.

Brincadeira de exercício com animais e objetos.

No trabalho com os índios Paracanã (Gosso, 2004), foi identificado que algumas

brincadeiras de exercício com objetos podem ser incorporados às brincadeiras físicas

vigorosas que demandam habilidades e equilíbrio. Essas crianças indígenas brincavam de

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flutuar com tábuas ou troncos de árvores e nadavam com auxílio do objeto e divertiam-se

sozinhas, ou com companheiros, revezando-se para usar o mesmo objeto.

Nas crianças da comunidade do rio Araraiana, brincadeira similar foi encontrada. A

jangada, construída de troncos de miriti ou de açaí, é usada para esse fim, porém as crianças

não se dirigem para o centro do rio, pelo medo dos grandes peixes.

Outra brincadeira de exercício com objeto que ocorre na comunidade é empurrar o

barco na margem do rio. A sua observação possibilitou identificar que essa brincadeira ocorre

individualmente ou em dupla, em alguns momentos parecia que era um teste para saber se o

barquinho flutuava ou não, em outros, se brincava de olhar o barco flutuar e ver onde ele iria

parar. Não foi observado o envolvimento de meninas nessa brincadeira, em alguns casos elas

somente observavam.

A brincadeira de exercício de andar de bicicleta teve baixo registro. Talvez por serem

objetos “raros” nesta comunidade que utilizam como principal meio de locomoção o barco e a

canoa. Além disso, a maioria das casas tem um reduzido espaço de terra firme para o

desenvolvimento dessa atividade. Essa brincadeira parece ser secundária, não há registro de

observação, somente relatos, o que impossibilitou identificar o aspecto da idade e gênero. (Ver

figura 57)

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Figura 57: Foto de uma das casas que tem bicicleta

Apesar dos animais não serem considerados objetos, houve uma freqüência alta de

registros de brincadeiras com esses seres: cachorros, preguiça e aves, como o papagaio.

Algumas brincadeiras tinham como objetivo correr dos cachorros ou vice-versa. As aves eram

manipuladas para se equilibrarem nas mãos ou nas cabeças das crianças (Ver figura 58). Um

fato característico observado foi quando uma criança de 03 anos tentava pegar e segurar um

tipo de papagaio, mas, o animal tentando sair, voou, e mesmo com as assas cortadas subiu em

um esteio da casa. A criança foi atrás dele, subiu no esteio, até conseguir pegá-lo. Esse

episódio demonstra a habilidade motora e de equilíbrio em que as crianças, desde pequena,

desenvolvem.

Figura 58: Foto de crianças brincando com o animal típico da região O bole-bole é um outro tipo de brincadeira desempenhado por todas as crianças da

comunidade, independente do gênero e idade. Essa atividade é realizada com um tipo de

semente, muito comum na região, tem uma forma arredondada e achatada, de cor vermelha ou

vinho, com superfície dura, difícil de ser quebrada. Essa semente é facilmente encontrada,

boiando nas águas do rio. As crianças as utilizam em quantidade suficiente para caberem nas

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suas duas mãos fechadas, em forma de cuia. As sementes são jogadas para o alto e tenta-se

pegá-las com ambas as mãos, e depois com o lado oposto das palmas das mãos. Essa

brincadeira termina quando se consegue pegar todas as sementes sem deixar cair. Pode ser

praticada individualmente ou em grupo, tendo cada brincante seu momento para brincar.

As brincadeiras desenvolvidas no rio Araraiana, dentro do casco (canoa) e com remo

também têm natureza de exercício físico com objeto, pois as crianças desde pequenas

manuseiam com grande destreza tais objetos e desempenham tal atividade (conduzir a canoa

com o remo) com naturalidade. Apesar de ser uma atividade comum na região e cuja

finalidade não é o brincar, em alguns momentos foi possível identificar comportamentos

verbais e não verbais identificando que estava ocorrendo uma brincadeira.

Algumas modalidades dessa brincadeira podem ser explicitadas: empurrar outra canoa

com a sua, pular para o interior do casco e o balançar, pular de uma canoa para outra, com

risos que revelavam o tom de brincadeira. A idade parece ser uma variável importante na

execução dessa atividade, crianças muito pequenas não foram observadas participando dessa

brincadeira. O gênero é outro ponto relevante, pois tanto as meninas quanto os meninos

tiveram participações marcantes nesta brincadeira.

Brincadeiras com movimentos finos envolvendo objetos

Nas brincadeiras, os objetos têm relevância na atividade lúdica, principalmente aquelas

que envolvem movimentos finos. Os camaiurá e os Yawalpiti (ambos do MT) constroem os

piões com frutos regionais, arcos, flechas e estilingues (Moisé, 2003). Nos meninos Paracanã

(Gosso, 2004) foram vistos usando arco e flecha em tamanho reduzido, confeccionados pelos

pais.

Na comunidade do rio Araraiana, a baladeira conhecida nos grandes centros urbanos

como estilingue, foi identificada como uma brincadeira envolvendo movimentos finos. Este

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objeto é construído a partir de um galho de árvore em forma de forquilha, sendo que as suas

extremidades são enlaçadas com pedaços de câmara de pneu de bicicleta ou qualquer material

que estique (liga) para que ocorra o processo de impulso da munição. A munição é de caroço

de açaí ou de fruto de seringueira ou de tucumã. Funciona da seguinte forma: a semente é

arrumada na liga e em seguida é esticada, de forma que a parte frontal da forquilha seja

mirada para o alvo e assim, a semente seja liberada.

A habilidade relevante neste caso, não é a construção do brinquedo, embora tenha seu

grau de importância, mas sim a habilidade em mirar e acerta o alvo desejado.

Essa brincadeira é tipicamente masculina, já que não foi registrada entre as meninas.

Era comum o relato de que os meninos lançavam suas sementes conjuntamente, tentando

acertar uma folha, uma fruta ou um pássaro. Na maioria das vezes não havia alvo específico,

nem parecia haver competição no que diz respeito à direção da semente ou à distância

percorrida por ela, somente o treino para acertar o alvo. No entanto, houve casos em que as

crianças relataram que, propositalmente, colocavam algum alvo a ser atingido pela semente.

O desenhar com lápis da escola também foi descrita como uma brincadeira de

movimentos finos envolvendo objetos. Essa atividade é relatada, quase sempre, por crianças

entre 5 à 6 anos de idade, provavelmente por estar sendo alfabetizada. Quando perguntado à

criança se era um dever de casa, a resposta sempre foi negativa, ela simplesmente gostava de

fazer. Essa brincadeira foi identificada preferencialmente na escola, no período de intervalo e

nos ambiente das casas, desde que tivessem papel ou lápis disponível. Além disto, foi

registrada sendo desempenhada como uma atividade solitária.

Brincadeira de construção

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Uma outra modalidade de brincadeira com objetos é a de construção. Bjorkulund &

Pellegrinni (2000) relatam alguns estudos com populações urbanas que revelam diferenças

sexuais na freqüência da brincadeira de construção. Meninos constroem mais estruturas do

que meninas e também manipulam mais os objetos, separando-os e juntando-os.

Este tipo de brincadeira também foi encontrada entre as crianças Paracanã, como

exemplos, a construção de bonecos, pratos, jabutis, etc, todos construídos com argilas. (Gosso,

2004)

Na comunidade do rio Araraiana, os vestígios da brincadeira de construção foram

constantes no decorrer da pesquisa. Porém, nem sempre foi possível registra o momento exato

desta construção o que levou a uma escassez dos dados de observação, em função disto, foi

utilizada como estratégia a documentação por meio de fotografias de um conjunto de

brinquedos construídos e encontrados nas residências, todos fabricados pelas crianças. As

seguintes classes de brinquedos foram: barcos, revólveres, espingardas, bonecas, entre outros.

Nessa comunidade, foi identificada uma variedade de barcos típicos da região. As

formas das embarcações refletem principalmente as atividades locais, pode-se citar o

pesqueiro (Ver figura 59), o pô, pô, pô (Ver figura 60), barco de transporte de mercadoria e de

passageiros, e a rabeta (Ver figura 61), barco caracterizado como um transporte rápido de

pessoas e mercadorias.

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Figura 59, 60, 61: Foto de um barco pesqueiro, pô,pô,pô e rabeta de miriti construídos

pelas crianças locais.

Segundo as observações e as imagens fotográficas, o barco estava presente em todas as

casas que havia meninos, porém teve maior registro em duas casas, em que os meninos eram

primos. Todos os barcos eram construídos com materiais encontrados na natureza: miriti e

mututi. Essas crianças demonstravam grande habilidade motora na construção destes

brinquedos, utilizando instrumentos próprios para o corte das palmeiras e o conhecimento das

plantas nativas.

O brinquedo de miriti representa uma das características mais ricas da cultura infantil

da brincadeira, não somente na comunidade do rio Araraiana, mas também em termos da

região Amazônica.

O barco de miriti, somente, foi registrado por meninos. Não se sabe a que se deve essa

característica de gênero, mas pode-se supor que seja uma derivação da atividade de corte da

tala de miriti, feito, essencialmente, pelos homens ou devido ao uso de faca na sua fabricação.

Contudo, supõe-se que essa hipótese seja pouco sustentável, pois as meninas costumam

utilizar a faca no auxílio das atividades domésticas com suas mães.

Um outro fator que pode contribuir para essa característica de gênero é o fato de que a

transmissão de cultura da construção de barcos para as crianças do sexo masculino seja feita

basicamente por homens mais velhos (pais, primos, tios, parentes em geral). Este fato é

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confirmado a partir do momento em que as crianças relataram que os parentes mais velhos

“repassavam” ou “ensinavam” o processo de fabricação dos brinquedos de miriti.

A construção do brinquedo de miriti foi, quase sempre, observada como uma atividade

em que a criança desempenhava sozinha, seguido pelas orientações paternas.

De qualquer modo, o curioso é que apesar da potencialidade de manejo do miriti para

fabricação de diversos objetos que possam representar atividades de gênero diversas, a

maioria encontrada refere-se aos aspectos do mundo masculino.

Barcos de miriti, caprichosamente feitos (Ver figura 62), são facilmente encontrados e

expostos nas residências como se fossem adereços de decoração do ambiente. A partir da alta

incidência deste registro, identifica-se que o próprio processo de fabricação seja parte da

atividade lúdica, sendo ela desenvolvida sozinha ou em paralelo.

Cada material utilizado na construção tinha uma forma de tratamento. Por exemplo, a

palma de miriti tinha que ser apanhada, secada e retirada a tala e, só então, estava pronta para

a sua utilização.

Quanto à árvore do mututi, bastava retirar um pedaço da árvore e construir o barco,

conforme a madeira vai secando, adquire a capacidade de flutuar na água. Apesar da

facilidade em construir o barco de mututi, o de miriti ainda tem maior incidência entre os

meninos.

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Figura 62: Fotos que demonstram a brincadeira de construção

Outro tipo de brinquedo construído pelas crianças é o revolver e/ou a espingarda

confeccionados também com os materiais encontrados na região. Porém, a sua construção

requer uma habilidade mais apurada, segundo os relatos das crianças. Apesar da escassez de

registro de observação na construção dos brinquedos, houve um momento em que uma

espingarda foi construída por uma criança, tal registro permitiu identificar a dinâmica dessa

brincadeira que consistiu na execução solitária da criança, porém com a presença de outras

pessoas que lhe observavam, calados ou simplesmente dando-lhe palpites, sem qualquer tom

pejorativo.

A construção desse objeto é reconhecida na comunidade pela proximidade com a

atividade de caça que é muito valorizada na região. Diferentemente do contexto urbano o qual

considera a arma como um objeto perigoso, este brinquedo é valorizado pelos meninos e

incentivado pelos pais. (Ver figura 63).

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Figura 63: Fotos de espingardas construídas por crianças com material nativo da região

Tanto na construção de barco quanto na de espingarda a habilidade do manuseio da

faca é uma necessidade de sobrevivência, primeiro porque as crianças necessitam dessa

habilidade para ajudar seus pais na coleta extrativista (apanhar açaí e/ou tirar tala) e segundo

por ser um treino motor para sua vida quando adulto. Em alguns casos, o grau de habilidade

em construir os brinquedos é tão sofisticado que determinadas crianças adaptaram o sistema

de propulsão dos braços de brinquedo, utilizando bobinas industrializadas, pilhas e baterias

para a sua locomoção.

Conforme os dados do levantamento espontâneo das brincadeiras tradicionais, algumas

bolas eram construídas do leite da árvore da seringueira pelas próprias crianças, denominada

de bola de sernanbi. Segundo os relatos, é a partir da defumação do “leite” da seringueira que

se constrói a bola. Esse dado é muito vago, pois não foi possível obter observação direta tendo

somente relatos verbais.

Ainda como brincadeira de construção, a boneca é um dos brinquedos com maior

diversidade de materiais utilizados na sua fabricação. Assim como na construção do barco de

miriti, as crianças relataram com grande refino a riqueza de detalhes na elaboração da boneca.

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A boneca de pano, segundo o relato e as observações, foi ensinada pelas mães das

próprias meninas. A elaboração da boneca de pano tem seu início no momento em que há um

pedaço de pano disponível para sua confecção. As crianças cortam o tecido e modelam

conforme o corpo humano.

Depois de concluída essa etapa, as crianças costuram os lados, deixando uma abertura

para preencher o corpo da boneca com tecidos velhos. Em um primeiro momento, esse objeto

foi identificado somente em uma casa, em que havia a presença de três irmãs, sendo que a mãe

apresentava habilidades para tarefas manuais.

Em uma viagem subseqüente, foi possível coletar com mais detalhes a construção das

bonecas de pano e a identificou-se que havia bonecas em outra casa, onde as meninas com

idades similares a realizavam. (Ver figura 64).

Figura 64: Foto da boneca de pano.

A boneca de tronco de bananeira foi uma outra variação de boneca encontrada na

comunidade. Segundo os relatos, corta-se um tronco fino da bananeira e acopla talas de jupati,

como se fossem braços e pernas, porém sua confecção tem pouca incidência entre as crianças.

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A boneca de vassoura de açaí é outra variação, a qual é muito comum nessa

comunidade. A sua construção se dá a partir da coleta de cachos secos do açaizeiro. A criança,

de posse desse cacho “vassouras”, amarra os fiapos (espécie de fios que compõe o cacho) ao

longo do tronco, no formato do corpo humano, deixando somente alguns fiapos para indicar

os braços e as pernas. Esse tipo de habilidade e material utilizado é muito característico da

região, pois os adultos utilizam, também, o cacho de açaí como vassouras que serve para a

limpeza da casa, do quintal ou do terreiro.

A boneca de miriti é outro brinquedo típico do local muito difundida entre as crianças.

Sua elaboração ocorre a partir das palmas do buritizeiro em que as mãos e os braços, do

mesmo material, são acoplados no corpo com talas finas de miriti. Neste brinquedo, a face da

boneca é construída, os olhos podem ser de sementes de açaí e a boca, quase sempre

desenhada.

Uma versão da boneca muito encontrada no rio foi à construída por garrafas pet,

material adquirido por meio da compra de refrigerantes. As meninas re-aproveitam esse tipo

de material (sucata) para a construção das bonecas. Tais garrafas são cheias de água para que

se tornem pesadas e se sustentem no chão, suas tampas servem como cabeça e ajudam a

prender um tipo de fio, equivalente ao cabelo (Ver figura 65). Esse brinquedo foi encontrado

com grande incidência nas casas onde existem meninas.

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Figura 65: Fotos de duas crianças segurando bonecas construídas com garrafa Pet

Foi identificada, ainda, uma espécie de brinquedo construído com pedaços de bambu,

com aproximadamente 30 cm de cumprimento contendo um pequeno furo próximo a uma das

extremidades. A brincadeira derivada deste brinquedo foi identificada na saída da escola e

somente entre os meninos. Essa brincadeira acontecia da seguinte forma, depois de cortado os

pedaços de bambus, os meninos sopravam em um dos lados do objeto e este emitia um ruído,

cada menino tentava emitir o som o mais forte ou alto possível, isso ocorria no momento em

que eles estavam se deslocando para o interior do casco. À medida que eles se afastavam, o

som era emitido cada vez mais forte (Ver figura 66). Quando perguntado sobre o nome do

referido brinquedo, eles não souberam responder, falaram que era de bambu, que eles tinham

inventado e começaram a rir.

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Figura 66: Fotos de uma criança brincando com objeto construído por ela própria

Construção de gaiolas é outra brincadeira caracterizada como de construção. Este tipo

de atividade foi identificado, somente, entre os meninos, independente da idade. A construção

de gaiola está diretamente ligada à atividade de capturar passarinho, pois geralmente são

construídas para esse fim. A gaiola é feita com tala de miriti ou jupati, em forma de um

quadrado ou retângulo, a parte de baixo é de palma de miriti em forma de um tablado que

impeça que a perna do passarinho fique presa, as laterais são tecidas com talas finas de miriti

de forma que as hastes impossibilitem a fuga do pássaro. (Ver figura 67).

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.

Figura 67: Foto de uma gaiola construída pelas crianças.

O Maracá foi outra brincadeira identificada nos relatos, porém não houve nenhum

registro de observação. Conforme o que foi narrado, o maracá é uma espécie de brinquedo

construído com materiais naturais, como caroço de castanha-do-pará ou outro tipo de material.

As crianças colocavam no interior do caroço, pedras ou sementes, que quando balançadas

emitem um som, cujo objetivo é somente este. Não há registro de variedade de idade ou

gênero na sua construção, sabe-se que essa é uma brincadeira que ocorre em determinados

períodos, talvez em função do material que só pode ser encontrado sazonalmente.

No geral, pode-se dizer que a brincadeira de construção revela muito da criatividade e

particularidade do contexto ribeirinho. A utilização de materiais facilmente manipuláveis,

como o miriti e o mututi, possibilita a grande diversidade de objetos produzidos e,

especialmente em termos sociais. O desenvolvimento desses brinquedos isoladamente ou em

pequenos grupos, tipicamente díades, possibilita entender a riqueza e a diversidade na

construção e re-construção, pelas crianças, da realidade desta comunidade investigada.

O fato de determinado brinquedo ser desenvolvido em pequenos grupos apresenta um

aspecto que, ao mesmo tempo, restringe a sua disseminação e por outro lado, amplia a

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diversificação. É fabuloso encontrar durante o mesmo período, culturas de díades de

brinquedos, ou seja, brinquedos que são desenvolvidos em determinados grupos não são

compartilhado por outros grupos, o que, provavelmente, caracteriza a não sazonalidade dos

brinquedos.

Se em contextos urbanos (rua) encontramos o fenômeno do contágio, do “tempo”,

“época” em que uma brincadeira é desenvolvida sazonalmente de modo disseminado em uma

rua ou bairro ou na cidade toda, nesta comunidade encontramos o inverso, há uma alta

diversidade de brincadeiras durante um mesmo período e este fato pode ser especialmente

verificado nos brinquedos de construção.

Brincadeira turbulenta

A brincadeira turbulenta é uma forma especial de brincadeira social e tem como

característica principal padrões de agressividade, porém em um contexto lúdico. Em

circunstâncias distintas, como em contextos mais sérios, tal agressividade provocaria cisão

entre os indivíduos envolvidos. Uma outra característica marcante e que distingui a

brincadeira de uma situação de combate é a presença constante de sorrisos e o risos, além da

autocontenção por parte do individuo maior e forte, indicadores principais de que se trata de

uma brincadeira turbulenta e não de uma briga real. (Ver figura 68)

Em alguns momentos, pode-se observar empurrões e agarrões característicos das

brincadeiras turbulentas, como na foto abaixo em que as crianças querem pegar um objeto

utilizando força física.

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Figura 68: Fotos de crianças brincando de empurrar o outro para pegar um objeto no alto da árvore.

Na comunidade do rio Araraiana, a brincadeira registrada como de tiroteio ou

polícia e ladrão, apesar do caráter simbólico, apresenta algumas características turbulentas,

pois há registro de contato físico e empurrões.

As brincadeiras turbulentas foram observadas sempre paralelas ou secundárias as

outras brincadeiras como a pira, polícia e ladrão, futebol, bandeirinha, entre outras. As

brincadeiras turbulentas tiveram uma freqüência muito baixa, em alguns casos, foram

observadas na saída da escola ou quando os pesquisadores saiam de suas casas para entrar no

barco. Os meninos e as meninas empurravam uns aos outros, quase sempre em cima dos

troncos de miriti, como se um quisesse jogar outro na água, envolvidos pelo riso. (Ver figura

69)

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Figura 69: Foto de duas crianças uma brincando de puxar a outra.

Brincadeira Simbólica

A brincadeira simbólica reconstitui o universo de valores, hábitos e convenções da

cultura em que a criança está inserida (Bichara, 1999; Moraes & Carvalho, 1994). Isto reflete,

em larga escala, na valorização de determinados papéis em detrimento de outros, quando

crianças líderes assumem papéis que representam maior status (Morais & Carvalho, 1994) e,

também, nos diferentes papéis assumidos em função do gênero da criança.

As crianças da comunidade do rio Araraiana brincam de faz-de-conta de variados

temas, como caçada, meios de transporte (caminhão, carrinho e barco), temas domésticos

(casinha, comidinha e redinha), temas escolares (escola, estudar, lição, professor), entre

outros.

A caçada é um tema que as crianças, preferencialmente os meninos, brincam. Nessa

brincadeira os meninos saem pela mata à procura de caça, fingem que atiram, e tudo que se

move é motivo para emitirem um ruído parecido com o som de um tiro, podendo ser uma

folha, ou até um passarinho. Em alguns momentos, as crianças simulam uma caçada, emitem

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comportamentos como: espreitar por trás de uma árvore, ficar parado em sentido de alerta para

qualquer barulho e mirar um objeto, imaginário, em direção ao alvo.

Esse tipo de brincadeira faz sentido quando se observa o contexto em que as crianças

estão inseridas, além de observar a capacidade criativa de recriarem a sua realidade. São peças

fundamentais na construção de uma realidade vivenciada, não como meras reprodutoras do

social, mas como produtoras de sua cultura.

A brincadeira relacionada ao meio de transporte está presente no universo das crianças

da comunidade do rio Araraiana e envolve objetos como: caminhão, carros e barcos. O

caminhão e o carro, apesar de não serem objetos característicos do contexto ribeirinho estão

relacionados ao universo masculino.

A partir da observação das brincadeiras simbólicas com objetos, caminhão e carro,

identificou-se que as crianças simbolizam obstáculos físicos a partir de troncos de árvores,

raízes, folhas, sementes entre outra, simulando o contexto do universo adulto. De maneira

geral, observou-se que as crianças brincam sozinhas ou acompanhada de mais um membro

(díade), caracterizando-se como uma brincadeira solitária. Além deste aspecto, a brincadeira

simbólica, entre as crianças da comunidade, apresentou uma freqüência baixa quando compara

com outras brincadeiras, uma das explicações é quanto ao tipo de brinquedo, caracterizado por

ser industrializado.

Por outro lado, a brincadeira de faz-de-conta que envolve o barco é quase que unânime

entre os meninos e está presente em todas as casas onde vivem as crianças. Nessa brincadeira,

há ocorrência de histórias que envolvem barqueiros, viagens na baia do Marajó e lendas da

região que envolve o rio. Segundo os relatos das crianças, essas brincadeiras são realizadas

sozinhas ou em companhia de díades, quase sempre á beira do rio. Os brincantes criam

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narrativas ou re-elaboram aspectos de suas experiências cotidianas que podem ser observadas

nas falas das crianças.

A brincadeira que envolve os temas relacionados à atividade doméstica, em sua

maioria, ocorre entre crianças do gênero feminino, porém houve relatos de que um dos

meninos brinca de casinha com as irmãs ou primas, contudo parece ser um fenômeno isolado,

característico de uma família. Nessa família, o irmão é o homem da casa, é ele que caça e traz

o “sustento”, mesmo brincando de uma atividade considerada feminina, o homem é

representado como o provedor da casa, papel desempenhado pelos homens da comunidade.

A brincadeira doméstica tem como sub-temas: brincadeira de casinha, de comidinha e

de redinha, nomes relatados pelas crianças. Nas observações dessas brincadeiras, identificou-

se que ela ocorre, essencialmente, no terreiro e/ou no interior das residências.

No terreiro, foi possível registrar redes de pano penduradas em pequenos troncos de

madeiras, com bonecas de sucata dentro delas, simulando crianças dormindo. Foram

observadas pequenas tampas imitando utensílios domésticos, como panelas (Ver figura 70).

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Figura 70: Fotos das brincadeiras simbólicas: boneca, boneca na rede e panelinhas

Quando perguntado às crianças sobre os assuntos que ocorriam em volta da

determinada brincadeira, houve relatos que estavam imitando a mãe cozinhando, arrumando

casa e cuidando da criança chorando, refletindo o universo feminino e a rotina diária das

mães.

Os temas escolares também foram outras brincadeiras simbólicas identificadas na vida

dessas crianças. Tanto os meninos quanto as meninas relataram que brincavam com esses

temas, fato que ocorria na escola ou nas casas de algumas delas. Apesar de aparecerem como

nomes diferentes (dar aula, professor, lição), os relatos eram muito similares. Na maioria das

vezes, o mais velho era o professor e os demais eram os alunos, realizando tudo o que o

professor mandava: estudar, copiar do quadro, escrever o nome, ler o livro, apagar o quadro,

respeitar o professor.

Alguns relatos identificaram que a brincadeira ocorria quando a professora consentia

que os alunos brincassem no quadro, quase sempre após as aulas. Outros relatos informaram

que a brincadeira ocorria na casa, as crianças imaginavam ler livros, brincando de “lição”.

Este aspecto denota o poder que as crianças têm em representar o seu cotidiano e o poder que

a escola exerce na comunidade.

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Outro tema encontrado foi sobre a taberna, essa brincadeira envolve vários produtos

como: farinha, café, açúcar, óleo, arroz, todos substituídos simbolicamente por materiais

encontrados in natura como: folhas, sementes, pedras. A brincadeira ocorria na presença de

alguma criança que assumia o papel de comerciante, vendendo os mantimentos para as outras

crianças, essas compravam e conversavam na hora da “venda” sobre variados assuntos, a

pesca, a caça, a casa e a escola das crianças. Um ponto curioso e relevante é o fato de que o

material que servia de troca eram folhas simbolizando dinheiro. Após os relatos, tentou-se

descobrir qual a relação representacional da taberna o com o universo ribeirinho e descobriu-

se que anos atrás tinha havido uma espécie de taberna na comunidade, além deste ponto, sabe-

se que a compra de mantimentos nos municípios vizinhos é constante na vida destes

ribeirinhos.

8. Jogos de regras

Variados tipos de jogos foram identificados na comunidade do rio Araraiana, alguns

com especificidades típicas do local como bandeirinha, cemitério, porfia (competição),

elástico, pira, macaca, entre outras.

Segundo a proposta deste estudo, todas as brincadeiras classificadas como jogos serão

descritas segundo o modelo de Avedon e Sutton-Smith, (1971). A partir das observações e dos

levantamentos das brincadeiras foram realizadas descrições estruturais das seguintes

brincadeiras.

Bandeirinha

Na brincadeira de Bandeirinha foi averiguado que os participantes, em geral, têm entre

6 e 16 anos, de ambos os sexos o que levou a caracterizá-la como um jogo de interação entre

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meninos e meninas.

Para a formação dos times, há geralmente muita disputa para decidir quem irá compor

as equipes. De maneira geral, as crianças com maiores habilidades para a brincadeira

escolhem os brincantes. O último escolhido é habitualmente o mais fraco, ou aquele que ainda

não tem habilidade suficiente para a execução da brincadeira (a criança menor de idade).

Este jogo tem como propósito conseguir a bandeirinha do adversário que no caso da

comunidade referida é um pedaço de galho de árvore ou uma folha de açaizeiro. As

bandeirinhas ficam encostadas em um tronco de uma árvore, cada uma em um campo, na

maioria das vezes foi confundida como uma árvore, pelos pesquisadores, enquanto brincavam.

A brincadeira inicia quando duas crianças escolhem os integrantes que irão compor a

sua equipe. Não há par ou impar, como na brincadeira urbana (Silva-Bahia, 2006). A escolha

ocorre a partir de um consenso, quando é realizada pelo mais velho ou por uma menina, caso

ela seja, a mais velhas. O que se percebeu é que não há uma sistemática de escolhas, pois

assim que se verbalizada o convite para a brincadeira, os mais velhos escolhem os

participantes de seu time e assim há a formação dos dois grupos.

O território de brincadeira é composto por uma linha construída de tronco de açaí que

serve para demarcar o centro de campo e dividi-lo em dois lados. No fundo de cada campo

estão posicionadas as bandeirinhas as quais devem apresentar distâncias similares, tendo como

referencial a linha do centro do território da brincadeira.

Após as escolhas dos brincantes e a demarcação do campo, é necessário que se tente

alcançar o propósito da brincadeira. No decorrer de se alcançar o propósito da brincadeira os

brincantes tentam puxar o adversário para seu campo, caso este participante seja levado para o

campo do oponente ele fica “colado”, ou seja, só poderá sair do lugar se um dos membros do

seu time tocá-lo.

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As tentativas de pegar a bandeirinha ocorrem durante toda a brincadeira, o time que

conseguir primeiro pegar a bandeirinha e levá-la para o seu campo é o vencedor.

As regras que envolvem a brincadeira variam de uma partida para a outra. Todas as

vezes as crianças combinam, antes ou durante o jogo quais as regras deverão valer para aquela

partida e desta forma, negociam a validade das regras. Assim, é negociada a área em que o

jogo se daria, se poderia ou não dar uma volta muito distante do campo da bandeirinha e se

poderia ou não puxar o oponente de seu campo, caso este não estivesse próximo à linha

divisória.

No caso das crianças da Comunidade do rio Araraiana, não há uma área restrita à

brincadeira, foi observado que alguns dos brincantes davam voltas ou percorriam distancias

tão grandes que não se conseguia vê-lo. Algumas vezes, as crianças alcançavam distâncias

extensas que o perseguidor e o perseguido chegavam aos campos do Marajó7.

No decorrer da brincadeira, a bandeirinha poderia ser arremessada, em alguns casos foi

observado que essa era uma regra não aceita, isso dependia dos participantes envolvidos.

Assim, a bandeirinha em vez de ser arremessada tinha que ser conduzida por um dos

participantes até o seu campo.

Não foi identificado um número determinado de participantes, isto dependia da

quantidade de crianças no local que variava de 5 a 10 crianças para cada time.

Além dos participantes, os papéis desempenhados pelas crianças eram distribuídos de

maneira implícita: uns marcavam os adversários, outros prestavam atenção ou vigiavam a

bandeirinha ou invadiam o campo adversário. É digno de nota que entre os participantes havia

um revezamento destas funções, porém, os brincantes com maiores habilidades de locomoção

eram os que desempenhavam a função de pegar a bandeirinha.

7 Locais que, em alguns casos, chegam a ser 500 m distante da beira do rio Araraiana.

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O resultado ocorria quando o time adversário conseguia pegar a bandeirinha e o outro

time reconhecia o time como vencedor.

Um aspecto importante é quanto ao espaço físico, essa brincadeira se desenvolvia

em uma área onde o terreno é alagadiço, no período de chuva, e seco no período de

estiagem. Essa característica física denota que as crianças da comunidade brincam de

bandeirinha independente da época deixando descartada a possibilidade de sazonalidade

dessa brincadeira.

No local onde a brincadeira é mais intensa não há vegetação rasteira, mesmo no

período de chuva. Nem sempre o terreno é de terra firme, mas é rodeado de vegetação

rasteira e árvores da região, o que mantém o local de brincadeira sombreado (Ver figura

71).

.

Figura 71: Fotos de crianças brincando de bandeirinha.

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Macaca

A brincadeira Macaca é uma variação da Amarelinha, brincadeira muito comum nos

centros urbanos. Na comunidade do rio Araraiana, ela é desenvolvida por meninos e meninas

de 05 a 17 anos de idade.

Essa brincadeira tem como propósito uma seqüência de pulos, obtendo o maior

número de “capotes” 8.

O procedimento para a realização da brincadeira se dá a partir da utilização de um

material para riscar o chão, um pedaço de pau ou pedra que serve para desenhar um esquema

da macaca. A escolha de quem é o primeiro a jogar se dá a partir de quem grita primeiro-“Eu

sou o primeiro”.

O jogo inicia quando o primeiro participante realiza sua jogada. O jogador coloca sua

pedra ou semente da região no local indicado, na primeira “casa” (quadrado). Ele pula com

um e dois pés alternadamente, seguindo todo o desenho da macaca, até completar o percurso,

retorna e realiza os mesmo passos. Finalizado essa etapa, o jogador se abaixa equilibrando-se

com um pé, pega sua pedra e sai da macaca. Em seguida, o jogador já localizado fora da

macaca, joga a pedra em direção a primeira “casa” e novamente pula sem pisar na “casa” que

está a pedra.

Caso finalize o percurso, sem pisar na linha ou se desequilibrar, retorna, pega sua

pedra e sai da macaca. A jogada se repete, e em uma nova casa a pedra deverá ser lançada.

Quando o jogador tiver percorrido todas as casas da macaca, os demais participantes

devem-lhe pergunta “lua ou estrela”, figuras desenhadas na “cabeça” (parte superior) da

macaca. É necessário dizer que há um acordo antes do início da partida, os participantes que

8 Nome dado a conquista de uma das casas da macaca como prêmio para por completar a seqüência sem erros, essa casa passa a ser privativa do jogador na qual os outros não podem mais pular (Silva, 2006)-essa nomenclatura é um termo urbano, não foi registrado nenhum nome similar na macaca dos ribeirinhos.

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estão assistindo escolhem com quantos pés o jogador deverá pular as casas “lua ou estrela”.

Caso o jogador pule sem pisar na linha ou sair da macaca ele é o vencedor.

As regras da macaca são: não pode pisar na linha, não pode sair da macaca quando o

jogador lançar a pedra, a pedra não pode ultrapassar e nem esbarrar na linha, não deve ser

arremessada fora da macaca, o jogador que errar passa a vez e as casas que estiverem com

pedra não devem ser pisadas. Caso uma dessas regras seja violada, o jogador perde a vez e dá

lugar ao próximo competidor.

Quando o jogador completar todas as casas e acertar a lua ou a estrela, deve

arremessar, de fora da macaca, sua pedra, tanto de frente quanto de costa, em uma das casas.

Se acertar ele faz um capote e coloca suas iniciais naquela casa e nenhum outro jogador pode

tocar nesta casa. O jogo termina quando há desistências e nessa situação o vencedor é que tem

mais “capote” ou chegou mais perto de consegui-lo.

Existem dois papéis bem definidos nesta brincadeira, o primeiro é o jogador e o

segundo os observadores que também participam da brincadeira comentando cada jogada e

atuando com “árbitros”.

O espaço ambiental onde a brincadeira ocorre é, geralmente, no terreno seco plano,

pois permite que as pedras ou as sementes possam ser deslocadas com facilidade. A macaca

deve ter um comprimento que permita com que os jogadores consigam pular até sua cabeça,

parte superior.

Elástico

O elástico pode ser caracterizado como uma brincadeira urbana que foi registrada na

comunidade do rio Araraiana desenvolvida essencialmente por meninas, contudo houve

alguns relatos de meninos como participante.

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Este jogo tem como finalidade (propósito) realizar todas as seqüências de saltos de

acordo com o nível de exigência. Para a sua realização é necessário que aja no mínimo três

brincantes. Dois dos participantes ficam em pé um na frente do outro, segurando o elástico em

volta dos tornozelos, enquanto o terceiro jogador realiza os movimentos (saltos) seqüenciais.

O objetivo do terceiro brincante é finalizar a primeira seqüência e, automaticamente,

seguir para a fase consecutiva até completar toda a série de exigências. Cada jogador deverá

pular, primeiramente, para dentro do elástico e executar os movimentos com as pernas, sem

tocar com as mãos. Cada seqüência tem um grau de dificuldade que é representado pelos

níveis de altura, referente às partes do corpo humano: tornolezo, joelho, nádegas, cintura,

sovaco, pescoço e orelha.

O jogo é composto por sete níveis: pré-elástico envolvendo o tornozelo, joelho-elástico

envolvendo os joelhos, bumbum-elástico envolvendo a região glútea, cintura-elástico

envolvendo a cintura, sovaco-elástico envolvendo as axilas, pescoço-elástico envolvendo os

pescoço e orelha-elástico envolvendo as orelhas.

Há algumas regras como: não pode pular para fora do elástico na hora de pular para

dentro, não pode deixar o pé escapar do elástico quando for para pisar em cima dele e não

pode trançar o elástico no jogador que está pulando. Em determinado momento, houve uma

regra caracterizada como “do mal” que significa que o brincante que está pulando não pode

dizer nenhuma palavra, caso isto ocorra ele perderá a sua vez na brincadeira.

Geralmente, a brincadeira se dá entre três crianças, mas não há limite do número de

participante, sendo que os demais serão observadores até que chegue a sua vez e poderão,

ainda, reclamar sobre as regras burladas.

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Essa brincadeira ocorre em área livre preferencialmente no terreiro, pois tem uma

extensa área. O material utilizado é um elástico ou qualquer outro material que distenda. (Ver

figura 72).

Figura 72: Fotos de crianças brincando de elástico

Pira9

A Pira foi a brincadeira com maior variação registrada entre as brincadeiras da

comunidade do rio Araraiana com nomenclatura similares as urbanas, contudo com conteúdos

e regras distintos, pode-se citar: pira garrafa, pira alta, pira esconde, pira-mãe, pira na árvore,

entre outras. O maior número de registro ocorreu no momento da saída de escola, no período

da manhã e da tarde. Não houve registro no período noturno, fato que pode está relacionado à

ausência de energia elétrica na comunidade.

Uma ampla variação de idade também foi encontrada nesta brincadeira que vai desde o

menino de 2 anos até adolescentes de 19 e 20 anos, de ambos os sexos, aspecto que a

caracteriza com sendo um jogo de interação entre meninos e meninas.

9 Brincadeira conhecida no Brasil como Pega-pega.

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A existência da “mãe” e seu desempenho funcional foram aspectos encontrados em

todas as modalidades de pira. Todas as modalidades desta brincadeira tinham na “mãe” a

finalidade em alcançar um objetivo, ou seja, alcançar um alvo. O jogo inicia com a escolha da

“mãe” que pode ser por espontaneidade ou ainda, pela criança que se oferece para brincar,

depois do grupo formado.

A forma de escolha mais freqüente identificada no local foi à garrafa. As crianças

fazem um circulo ao redor do objeto (garrafa) e giram-no com força até parar o bico do

utensílio em direção a alguém que automaticamente será a “mãe” naquela partida.

A seguir serão apresentadas todas as modalidades de pira cada qual com sua

especificidade.

Pira Garrafa ou pira garrafão

Essa brincadeira tem como propósito bater no objeto (garrafa) que a “mãe” está

protegendo. A “mãe” não deve deixar ninguém tocar na garrafa, caso isso ocorra, a pessoa que

é a “mãe” exercera novamente esta função.

A brincadeira inicia com a escolha da “mãe” e essa tem como objetivo defender a

garrafa que é, constantemente, atacada. Qualquer brincante tenta chutar a garrafa o mais longe

que puder, a “mãe” trata de correr atrás do objeto, ao passo que as outras crianças procuram se

esconder. A "mãe" deve pegar a garrafa e voltar ao lugar em que colocou o objeto

anteriormente, de costa a "mãe" inicia uma contagem crescente (a numeração é acordada antes

do início da partida pelas crianças). Quando a contagem terminar, o brincante “mãe” sai em

busca das crianças que estão escondidas.

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No decorrer da busca, caso a "mãe" encontre alguém, volta correndo para a garrafa

bate três vezes no chão e verbaliza, simultaneamente, o nome da criança que encontrou. A

criança descoberta está, automaticamente, fora da brincadeira até que recomece outro ciclo.

Caso uma das crianças, durante a partida, arremesse a garrafa, a “mãe” deverá repetir

todo o procedimento inicial e, ao mesmo tempo, possibilita que os membros que estavam fora

da partida voltem para a brincadeira. A brincadeira tem seu fim quando os participantes

desistem ou quando todos forem revelados.

Algumas regras foram identificadas como: as crianças não podem delatar a outra

escondida; caso uma criança queira entrar na brincadeira depois de iniciada a partida, ela terá

quer aceitar o papel de mãe.

O grupo de brincadeira envolve de 4 a 10 crianças. A quantidade variava em função da

presença de crianças no local. Caso existissem 12 crianças, todas participariam da brincadeira.

A “mãe” desempenhava o principal papel da brincadeira, enquanto os demais buscavam

esquivar-se ou escondesse-se.

O resultado dessa brincadeira é deixar de ser a “mãe” o que implica em deixar de ser o

perseguidor.

Todos os registros dessa brincadeira foram encontrados no terreiro da escola ou nas

casas que tinham terreno seco. A área da brincadeira envolve todo o térreo em volta, sem

registro de uma área restrita.

O equipamento exigido para a realização dessa brincadeira foi somente a garrafa de

plástico, adquirida a partir dos utensílios utilizados na manutenção da casa, como garrafa pet

(Ver figura 73).

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Figura 73: Fotos de crianças brincando de pira garrafa

Pira Alta

Essa brincadeira tem como propósito esquivar-se da ”mãe”, já que o objetivo é pegar o

maior número de brincantes que não estiver em um lugar elevado.

O início da brincadeira se dá pela escolha da “mãe” que automaticamente sai correndo

em direção aos brincantes para pegá-los. As crianças procuram um local alto para subir e não

saírem da partida.

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Caso uma criança esteja no alto de um tronco, por exemplo, a "mãe" não pode pegá-la.

Enquanto a “mãe” estiver perseguindo um outro brincante, há constantes trocas de lugares

entre eles, é neste momento que a "mãe" tem a oportunidade de pegar algum brincante, o

simples toque faz com que o brincante seja a "mãe". A brincadeira finaliza quando a criança

perde o interesse.

As crianças não podem ser pegas enquanto estiverem em um lugar alto, ou seja, em um

nível superior ao chão. Elas não podem, também, permanecer por muito tempo no mesmo

lugar, caso isso ocorra, a criança será, automaticamente, a "mãe". Além dessas regras, a "mãe"

não pode, em hipótese alguma, puxar o brincante de seu lugar.

A quantidade de participantes varia em função do número de crianças presentes e o

resultado é alcançado quando a “mãe” deixa de ser o perseguidor e outra criança assume o

papel, e assim começa uma nova partida.

Os registros indicaram que essa brincadeira ocorre nos terreiros, na escola, nos

arredores das casas, em uma extensão territorial pouco delimitada. Os brincantes utilizam,

ainda, todos os suportes que lhes ajudam a permanecerem no alto e que são encontrados na

natureza: como troncos, árvores, pedras, canoa, jirau, entre outros (Ver figura 74).

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Figura 74: Foto das crianças brincando de pira alta

Pira cola

O propósito dessa brincadeira é esquivar-se da "mãe", já que a finalidade é “colar”

(brincante que foi pego pela "mãe" e não pode sair do lugar) todos os brincantes, para então

iniciar nova partida e ser escolhida uma nova "mãe".

A brincadeira inicia quando se decide quem é a "mãe", em seguida o brincante tem que

se esquivar para não ser pego, ou seja, “colado”. Quando a "mãe" toca em uma das crianças, é

pronunciada a palavra “colado” e este deve permanecer no lugar em que sofreu a ação. Fica no

mesmo local até que outro brincante volte a tocá-lo e esteja livre, ou seja, pode se locomover

novamente pelo local.

As regras que regem essa brincadeira envolvem: a permanência do brincante no local

que foi “colado”; deve-se tocar em qualquer parte do corpo do participante, exceto puxar o

cabelo.

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O número de participantes varia em função da presença das crianças no local onde a

brincadeira se desenvolve. É relevante citar que durante as observações todas as crianças

participavam ativamente dessa brincadeira.

O terreiro das casas, da escola e, eventualmente, o campo de futebol foram os

principais locais onde a brincadeira foi registrada.

Nessa brincadeira, não houve necessidade de nenhum material para a sua realização

(Ver figura 75)

Figura 75: Foto de crianças brincando de pira cola.

Pira esconde

Essa brincadeira foi identificada ainda como brincadeira de esconde-esconde. O

propósito dela é esconder-se da "mãe". A "mãe" terá que descobrir onde estão escondidos

todos os brincantes envolvidos na brincadeira.

A brincadeira inicia quando a "mãe" é escolhida, então um local é determinado para

ser a “base” da “mãe”, podendo ser uma árvore ou um esteio da casa. Essa base tem duas

funções, a primeira serve para a “mãe” ficar de costas para os brincantes e contar até dez, para

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então sair à procura dos participantes. A segunda está relacionada ao local em que os

brincantes têm que “bater” (encostar) para não serem a "mãe".

Assim que os brincantes estejam escondidos, a "mãe" olha e tenta desvendar o

esconderijo das crianças. Quando esta descobre um dos participantes, ela diz onde ele está e o

chama pelo nome. Se neste momento ela deixar a base desprotegida e um dos brincantes tocar

na árvore escolhida e dizer “bati”, a "mãe" recomeça a rodada. Assim, a “mãe” além de

descobrir as crianças que estão escondidas ela tem que vigiar a base.

As regras dessa brincadeira são as seguintes: enquanto a “mãe” está contando até 10,

ela não pode olhar o local que as crianças estão se escondendo; nenhuma criança pode delatar

outra criança e a "mãe" deverá permanecer com esta função até que consiga descobrir todos.

O número de brincante varia de 5 a 10 crianças, dependendo do número de crianças no

local, independente do gênero. A "mãe" tem o principal papel e os demais são os brincantes.

Os espaços onde ocorrem à brincadeira são o terreiro das casas das crianças e o terreiro

da escola, incluindo os espaços adentrados. Este último é onde estão localizados os principais

lugares que servem como esconderijos: árvores, raízes, moitas, jirau, canoa, rio, igarapés entre

outros.

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Figura 76: Uma criança (mãe) na brincadeira pira esconde indo procurar outras crianças que estão escondidas na mata.

Pega-pega10

Nessa brincadeira foram encontradas várias nomenclaturas, pira pega, pira pega no

açaizeiro, pira mãe e pira rebate, porém com descrições semelhantes. Identificou-se que os

nomes das brincadeiras mudam de acordo com a família pesquisada, ou seja, as famílias com

maior vínculo de parentesco apresentam nomenclaturas similares, em contrapartida aquelas

que moram distantes uma das outras apresentam nomenclaturas diferentes.

A finalidade dessa brincadeira é esquivar-se da "mãe", caso esta toque em qualquer

brincante, ele, automaticamente, será a "mãe".

Inicia a brincadeira quando a "mãe" é escolhida e em seguida corre atrás das crianças

para pegá-las. Quem ela pegar, imediatamente, se torna a "mãe". É uma brincadeira que exige

muito preparo físico, pois as crianças estão constantemente correndo. Um fato característico

dessa brincadeira na comunidade do rio Araraiana, é que como não há área descampada, sem

obstáculo, árvores, tronco, mato, rio, as crianças utilizam estes objetos naturais como formas

de esquivar-se.

Foi identificado um tipo de pira mãe na árvore, em que a “mãe” sobe na árvore para

pegar os brincantes, emitindo uma perseguição nos galhos das árvores, as crianças pulam de

uma árvore para outra com o objetivo de não serem pegas pela “mãe” (Ver figura 77).

Quando a pira pega na árvore foi pela primeira registrada, sentimos (pesquisadores)

uma mistura de euforia, pois nunca tínhamos ouvido falar em uma brincadeira que se

desenvolvia nas árvores. A pira pega pode, então, iniciar no chão, mas em determinado

momento ela pode se dar nas árvores. Como subir em árvore é uma habilidade que as crianças

10 Apesar de ter uma nomenclatura geral que caracterize como pira, nesta comunidade existe uma especificidade e as crianças nomeiam esta brincadeira, como um tipo da pira.

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desenvolvem desde muito pequenas, pode-se dizer que a referida brincadeira é mais uma

manifestação dos aspectos próprios e peculiares desta comunidade.

Em um dos episódios registrados, pôde-se observar que várias crianças lançavam mão

dessa habilidade para tentar fugir da "mãe". No entanto, as crianças menores não praticavam

essa modalidade na árvore, ficando a cargo somente dos mais velhos, talvez pela maior

habilidade e confiança em realizar a perseguição e fuga nos galhos.

Essa brincadeira foi observada também no rio, porém com menor freqüência que nas

árvores e somente no período que as crianças tomavam banho.

O número de brincantes variava de acordo com a presença de crianças existentes, entre

4 e 12 participantes. A brincadeira foi observada nos terreiros das casas e da escola,

principalmente no período vespertino.

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Figura 77: Foto de crianças brincando trepados na árvore de açaí.

Pira Ajuda

Essa brincadeira é muito semelhante à pira "mãe", inclusive com registros em cima das

árvores. O objetivo da pira ajuda é conseguir pegar os brincantes para que estes possam,

conjuntamente, com a “mãe” ajudar a pegar os demais brincantes, daí o nome da brincadeira.

A brincadeira termina quando todos os brincantes forem pegos e, então, inicia outra

partida. O primeiro que for pego será a próxima "mãe" na rodada seguinte. Não há restrições a

essa brincadeira, pois a única regra a seguir é ter que pegar todos os brincantes.

A variação de componente vai de 5 a 10 crianças, sendo desenvolvida nos espaços

adentrados, nos terreiros das casas e da escola.

Cemitério11

O jogo do Cemitério é praticado por ambos os sexos, com idade que varia de 6 a 19

anos. Os grupos são mistos e geralmente são formados por duas crianças ou adolescentes,

considerados com maiores habilidades físicas, de regra, são os mais velhos.

Pode-se dizer que o propósito do jogo é eliminar (matar) todos os integrantes do grupo

adversário. “Matar” significa que um brincante de posse da bola acertou o adversário.

A ação que envolve tal brincadeira é iniciada pela demarcação do campo, que deve,

necessariamente, ser do mesmo tamanho, pois é um tema que gera muita discussão. O campo

é divido em quatro partes, o campo maior é divido ao meio, atrás de cada campo fica uma

parte menor, identificado pelas crianças como o cemitério (para onde vão as crianças que são

“mortas”).

11Brincadeira conhecida no Brasil como Queimada, baleado.

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O jogo inicia quando um dos times ganha a posse da bola, por meio da garrafa. Este

grupo tenta arremessar a bola em um dos brincantes do outro time, caso a bola pegue em uma

das crianças e esta não consiga agarrar a bola, ela é considera morta e vai para o “cemitério”

que fica atrás do campo oposto ao seu.

Esta criança ficará jogando a bola para o alto em direção ao seu campo de origem, o

que eles chamam de “combinando”, até haver uma oportunidade para que alguém seja

“morto”, ambos tentarão matar todos os elementos do grupo adversário. O “morto” não poderá

mais sair do cemitério e conta como menos um brincante, mas continuará a jogar, podendo até

matar outro componente.

Enquanto a posse da bola é de um time, os adversários correm de um lado ao outro até

que um dos membros consiga segurar a bola ou ser morto, neste momento, a posse da bola é,

imediatamente, do time que a pegou.

As regras deste jogo são bastantes claras: nenhum dos jogadores poderá pisar na linha

quando estiverem jogando a bola, caso isso ocorra será dada o passe da bola ao grupo

adversário; e quando a bola cair em um dos campos, a posse passa a ser do time em cuja área a

bola caiu.

Há dois papéis neste jogo, o “morto” e o “vivo”. Não foi identificado o café-com-leite,

como é conhecido nas brincadeiras urbanas aquele que participa da brincadeira, mas não está

sujeito as conseqüências das regras. Apesar de não ter registro desta nomenclatura, o papel

deste foi identificado em alguns momentos e em algumas situações. No decorrer da

observação, as crianças menores eram as últimas a serem escolhidas pelos times. Quando

mortas não ficavam “combinando”, esta era uma função desempenhada pelo mais experiente,

e na hora que o time oposto estava com o passe da bola, eram as primeiras a morrerem. Pode-

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se concluir que apesar de não haver o relato verbal do café-com-leite, o comportamento

gestual emitido pelos mais experientes estava relacionado a função café-com-leite.

Nessa brincadeira, o espaço físico amplo é relevante para o desempenho da atividade,

uma vez o objetivo (“matar”) em um espaço reduzido seria facilitado e a brincadeira acabaria

rapidamente.

O material necessário para a realização da brincadeira é um pedaço de pau para riscar o

campo e uma bola, que segundo foi observada é de um tamanho da bola de futebol. (Ver

figura 78).

Figura 78: Foto das crianças brincando de cemitério no campo de futebol.

Taco

Este jogo envolve de 4 e 13 crianças, dependendo da quantidade de criança presente.

Tem como propósito conseguir o número de pontos com a batida dos tacos. As crianças

formam seus times com escolhas aleatórias ou com a garrafa. Após determinadas às equipes, o

jogo é iniciado.

Uma das equipes fica de posse dos tacos enquanto que a outra fica com a bola. Duas

garrafas ou latas são posicionadas na mesma direção, mas distantes uma da outra,

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aproximadamente 5 a 6 metros. Os jogadores que ficam com a bola, posicionam-se atrás das

latas e os que ficam com os tacos na frente delas.

Os jogadores com a bola a arremessam um para o outro, tentando derrubar as garrafas,

para que possam trocar de lugar com os brincantes que estão com os tacos, tornando-se os

rebatedores. Por outro lado, os brincantes que estão com os tacos tentam defender as garrafas

para que elas não sejam derrubadas ao chão, enquanto isso, estes jogadores tentam rebater o

mais longe possível a bola. Neste momento, os brincantes que estão com as bolas vão a sua

procura e, simultaneamente, os rebatedores batem os tacos no centro do campo, realizando

uma contagem que vai de 1 a 10, podendo acumular um total de 100 pontos.

Ganha à brincadeira a equipe que atingir a maior pontuação. Tem como principal regra

derrubar as garrafas quando a bola for rebatida com os tacos e cair no centro do campo, assim

um dos brincantes da equipe poderá pegá-la no lugar onde parou e tentar derrubar as garrafas.

Quatro é o número de jogadores por partida, sendo que os jogadores se revezam entre

as funções de rebatedores e arremessadores de bola. A equipe vencedora permanece no jogo e

outra dupla desafia os membros vencedores.

O ambiente requerido para a realização é um espaço físico de aproximadamente 9 a 15

m. Para a sua realização, é exigido uma bola mediana construída com sacolas, e 02 tacos que

são de pedaços de madeiras ou tronco de árvores finos cortado na mata e 02 garrafas pet ou

latas.

Boca de forno

Essa brincadeira tem como propósito executar as tarefas solicitadas pelo brincante

chefe. No início da brincadeira, escolhe-se uma criança que será o chefe (espécie de líder) que

solicita determinadas tarefas aos demais brincantes. As crianças alternam a liderança e

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habitualmente a escolha é aleatória, porém consensual. A partida é iniciada com o seguinte

diálogo.

-Boca de forno? -Forno -Tirando bolo? -Bolo - Onde eu mandar? -Vou -E se não for? -Apanha um bolo Após estes dizeres, a criança líder dita as tarefas que as demais terão que cumprir:

pegar uma pedra, um pedaço de madeira, folha, fruta, dizer algo ou fazer algo a alguém. Todas

as crianças saem à procura de realizar a tarefa verbalizada pelo líder e se conseguirem realizar

a tarefa retornam.

Caso um dos brincantes não consiga alcançar o objetivo, ou chegue por último em

relação às outras crianças, ganha um “bolo” (tapa na mão). As tarefas, quase sempre, vão

tendo graus de dificuldades maiores, de forma que impossibilite que determinada criança

consiga realizá-la. Nessa brincadeira, não existe um resultado preciso, acaba quando as

crianças perdem o interesse.

O ambiente natural é muito importante nessa brincadeira, pois é ele que delimita as

possibilidades de tarefas ou objetos a serem alcançados, por exemplo: pegar uma folha de

açaí. Na observação, foi identificado que todas as crianças conheciam os nomes dos objetos

requisitados. Em alguns casos, o pesquisador necessitava que alguém lhe informasse sobre

qual objeto estava sendo requisitado pelo líder.

Polícia e Ladrão

A brincadeira de tiroteio (polícia e ladrão) foi relatada como sendo uma brincadeira em

que dois grupos mistos participavam, um o “ladrão” e o outro a “polícia”.

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Quando um dos membros do grupo de “ladrão” era preso, ele ficava em um local

reservado denominado de cadeia que quase sempre era uma árvore de grande porte, um lugar

de destaque escolhido pelos brincantes. Não houve registros de divisão de gênero, nem de

idade, o que se identificou foi que as meninas exerciam o papel da “polícia” e os meninos dos

“bandidos”.

A brincadeira acabava quando todos os ladrões eram presos, mas a finalidade era a

exploração dos lugares e o contato físico que em alguns casos se caracterizava por encenação

de briga corporal.

De maneira geral, os brincantes utilizavam paus como revólver e espingarda. Tal

brincadeira apresenta em seu desenvolvimento episódios tipicamente turbulentos, que são

independentes das regras explicitas e implícitas dessa brincadeira.

Pofia12

Essa brincadeira pode ser entendida como corrida ou uma disputa em grupo. No caso

da comunidade do rio Araraiana, a brincadeira pofia ocorre na água entre dois ou mais grupos,

todos em canoas, geralmente na ida ou vinda da escola, independente do gênero e da idade.

(Ver Figura 79).

12 Segundo o dicionário Aurélio a grafia correta é Porfia que tem como significado competição, rivalidade e disputa.

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Figura 79: Fotos das crianças saindo da escola em canoas.

Geralmente, os grupos são formados por crianças que moram perto uma das outras ou

por irmãos que se dirigem para a escola. Quando as canoas se encontram no rio, surge um

convite “vamo pofiar” e, automaticamente, inicia a competição. A chegada é a escola ou as

casas, e o vencedor é quem chegar primeiro.

O ambiente necessário é o rio. Quanto aos materiais exigidos, são essenciais as canoas

e os remos. Essa brincadeira tem sua peculiaridade quando se observa que independente do

material e do espaço físico ela é executada e no poder criativo das crianças da comunidade do

rio Araraiana.

Estas observações e descrições demonstraram que as crianças ribeirinhas têm jogos e

brincadeiras semelhantes às urbanas como: casinha, pira esconde, jogo de bola, perseguições,

mas também atividades lúdicas bem peculiares e representativas de sua cultura, tais como, as

brincadeiras de caça, pesca, barco, pira pega na árvore, confecções de bonecas de sucatas ou

materiais da natureza. Todas as brincadeiras, assim como os jogos, parecem exercitar não só

habilidades físicas, mas também habilidades sociais, cognitivas e afetivas importantes para o

desenvolvimento físico, social e emocional das crianças e adolescentes da comunidade do rio

Araraiana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corre meu rio sem barreiras Onde fiz minha doce pesqueira Donde agora não te vejo mais Só em sonhos que te tenho voraz. (Miguelangelo, Poeta Paraense,Cametaense)

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Inicialmente, gostaria de ressaltar a satisfação em ter realizado esta pesquisa e sua

imensa contribuição em minha vida pessoal e profissional. A grandiosa experiência

vivenciada por quase 02 anos de pesquisa, levou-me a compreender e respeitar, ainda mais, o

modo de vida do povo ribeirinho, sobretudo as crianças.

Nossas observações permitiram entender que o modo de vida dessa gente é tão

importante quanto o dito mundo “civilizado”. Seu modo de vida tem características que

podem ser identificadas como singulares e peculiares representadas pelo ambiente físico e

as formas de interações interpessoais desenhadas no convívio com a comunidade. Portanto,

o ribeirinho da comunidade do rio Araraiana apresenta determinadas características que são

próprias e específicas e deste modo pode ser entendido como um universo singular.

Considerando as características peculiares da comunidade do rio Araraiana, podemos

dizer, então, que a perspectiva descritiva que esta pesquisa assume demonstra a relevância

desse tipo de estudo, tão quanto uma pesquisa teórica discursiva. Ao nosso entender, a

perspectiva descritiva propicia a compreensão do fenômeno de maneira abrangente e profunda

e ajuda a contextualizar o objeto de pesquisa, neste caso a cultura da brincadeira.

De qualquer modo, exploratoriamente aqui e ali, são arriscadas algumas elaborações

de caráter mais teórico que, conjuntamente com os dados descritivos, permeiam, justificam e

dá sentido lógico e racional a esta pesquisa.

Este estudo entende, portanto, que os fenômenos sociais, sobretudo nos grupos de

brincadeira, ocorrem de uma forma sistêmica, dialética e contextualizada e que todos os

aspectos que envolvem tais situações, como as interações interpessoais e os contextos,

configuram-se como reveladores do modo de vida dos sujeitos envolvidos e como indicadores

importantes para o estudo do desenvolvimento infantil.

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A partir do pensamento sistêmico e dialético, foi proposta uma análise integrada dos

dados de observação e dos inventários que revelou o ambiente ribeirinho como uma

composição de sistemas ou subsistemas (escola, família e trabalho, religião) reais para as

crianças que ali se encontram. São nesses subsistemas que elas estabelecem contatos sociais,

desempenham papéis e realizam diversas atividades, como a doméstica e os trabalhos de

subsistência, como pescar, tirar tala, apanhar açaí, pilotar barco e canoa, entre outras.

Em termos sistêmicos, é evidente que o sistema familiar, do trabalho, da religião,

infantil, escolar, estão interligados e que de uma forma ou de outra se influenciam, como pôde

ser observado no resultados e principalmente na discussão da autonomia do universo infantil.

A autonomia da cultura infantil deve ser interpretada em função do contexto em que tal

cultura se situa. Nos contextos urbanos, por exemplo, as relações de pares ocorrem de modo

disseminado e, em grande parte, independente das relações familiares, como verificado nos

estudos de rua das periferias das grandes cidades. Este contexto possibilita uma maior

autonomia da disseminação de uma cultura infantil que existe quase que independente das

relações adultas.

No caso do ribeirinho do Araraiana, o isolamento e a forma de organização social

típica em torno da família parecem influenciar diretamente em uma menor autonomia do

mundo infantil e uma maior dependência aos aspectos referentes à cultura e ao universo

adulto, como a religião, o mundo do trabalho e as relações. Como a proibição, por parte da

religião, na execução de determinadas brincadeiras. Em termos sistêmicos, é evidente que em

nenhum dos casos, o mundo e a cultura infantil, mostram-se como um sistema fechado, a

discussão envolve as fronteiras relacional que estão diretamente ligadas às outras unidades do

sistema cultural mais geral.

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Um bom exemplo do pensamento sistêmico pode ser evidenciado no caso da influência

da religião. Como se sabe, há duas religiões bem definidas e contrastantes na comunidade e

que afeta a rotina diária dos moradores e consequentemente na brincadeira, já que não poderia

ser diferente, uma vez que consideramos essa atividade como contextualmente situada.

Sem a pretensão de agir em defesa de qualquer religião, a evangélica demonstrou

influenciar diretamente em determinadas brincadeiras, principalmente aquelas cujo objeto

“bola” está envolvido. Os evangélicos proíbem seus filhos de realizarem qualquer atividade

que envolva bola, porém apesar desta proibição, e em momentos específicos, as crianças

burlam estas determinações. Pode-se concluir que mesmo na presença de uma variável

cultural forte, religião, o poder do grupo e a capacidade criativa das crianças, enquanto sujeito

ativo do processo, agem como uma força intensa e contrária a esta norma cultural, o que leva a

identificar a criança como sujeito ativo do seu desenvolvimento e a criar estratégias para

brincar.

A partir das observações acerca das estratégias do brincar das crianças, foi possível

pesquisar as variáveis que interferem nessas brincadeiras. Tais variáveis são fatores que

compõem a realidade concreta de cada criança e da comunidade em questão, isto é, estão

relacionadas ao modo de vida, as possibilidades de apreensão necessárias para a sobrevivência

do grupo social, as relações com o mundo adulto, com a família, com a escola, com a natureza

e por fim às condições socioeconômicas. Podemos dizer, então, que em relação às variáveis

que interferem nos brinquedos, nas brincadeiras e nos jogos das crianças influenciam

conjuntamente e concomitantemente, sem haver um fator que prepondere ao outro.

Este estudo mostrou, ainda, uma paisagem complexa e multideterminada das situações

de brincadeira, com variáveis que envolvem desde o microssistema das crianças, até questões

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macrossitêmicas relativas aos valores, às crenças, aos planos econômicos e às formas de

governos da sociedade na qual se insere.

Em termos macrossistemico, a realidade é representada pelo isolamento geográfico e

ausência de energia elétrica na comunidade o que reflete na forma de brincar das crianças do

Araraiana. O contexto de várzea, como exemplo, cria regulações de relações de dependência

das enchentes e vazantes dos rios, envolvendo os custos para a manutenção dos contatos,

exemplificados na posse de uma canoa e o esforço físico para o deslocamento, entre outros.

O isolamento, aliado a outras condições físicas, sociais e culturais proporciona

unidades típicas de relacionamento em díades, geralmente parentes. A construção e

reconstrução da cultura têm como base essa unidade (relações diádicas) e estão mais propícias

ao desenvolvimento de determinados tipos de brincadeiras, como as de faz-de-conta

(simbólicas) e a construção de brinquedos, quase sempre observadas em díades. Diante dessas

condições, pode-se dizer que foi exatamente nessas brincadeiras que foram encontradas uma

grande tipicidade e especificidade local.

É curioso também observar que mesmo em uma comunidade muito pequena, algumas

brincadeiras são típicas de determinadas díades ou famílias, o que mostra uma extrema

dependência da cultura da brincadeira com outras dimensões como a meso e macrossitêmicas

do local.

Há ainda brincadeiras que têm certa dependência de um grupo para o processo de

dispersão, por exemplo, os jogos com regras. Tais brincadeiras têm o grupo como seu

principal fator de disseminação, e a escola e o campo de futebol o seu nicho fundamental. É

neste contexto que as brincadeiras com um caráter mais urbano são encontradas, como o

cemitério. Sua organização em termo de times ou de grupos maiores é essencial pra o

processo de disseminação entre as crianças.

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De modo geral, pode-se dizer ainda que as situações de brincadeiras, encontradas no

contexto ribeirinho do rio Araraiana, são representadas de uma maneira bastante peculiar. Os

aspectos importantes do modo de vida da comunidade, do mundo físico e simbólico como a

própria natureza, como cenário e fundo das brincadeiras; a representação do trabalho dos pais

nas brincadeiras; e a religião, a utilização de materiais próprios da região na construção e no

desenvolvimento dos brinquedos e das brincadeiras, entre outros são constantemente

retratados em todas as brincadeiras identificadas na comunidade.

A construção de brinquedos remete a discussão dos brinquedos industrializados e

artesanais. Os brinquedos artesanais são facilmente acessados e visíveis o tempo todo, por

outro lado, os industrializados são mais restritos e de difícil obtenção. Os brinquedos

industrializados gozam de um espaço privilegiado que serve de adornos, um uso também com

fins decorativos; talvez por seu difícil acesso ou pela sua atratividade (coloridos e bonitos),

pois tais brinquedos são conseguidos geralmente via doação.

Os dados mostram ainda que a construção de objetos lúdicos não identificados como

brinquedos em sociedades modernas só têm sentido quando considerado no contexto em que

estão inseridos. Além deste ponto, os objetos lúdicos ou os brinquedos artesanais nos

permitem observar a capacidade criativa e re-criativa dessas crianças, como exemplo, a

construção e re-significação da boneca feita com a garrafa pet.

Quando há brincadeiras em torno destes brinquedos é constantemente re-significados e

“adaptados” à realidade local, reafirmando a força que o contexto exerce nas brincadeiras e no

poder criativo da criança.

Os brinquedos artesanais são construídos por materiais encontrados na própria região,

como o miriti, o mututi, o jupati, paus, folhas, entre outros. Construções da realidade,

vivenciadas pelos ribeirinhos, barcos de miriti, bonecas de tronco de bananeiras, paus

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transformados em espingardas ou em baladeiras, folhas em dinheiro e assim por diante. Fato

que os torna peculiar, característico do local e eminentemente singular.

Além da construção dos brinquedos, as brincadeiras e os jogos tradicionais típicos do

local fazem parte da vida dessas crianças e dos adolescentes. Identificamos que as

brincadeiras típicas do contexto urbano estão presentes na comunidade, porém com aspectos

peculiares do local, exemplificado na pira mãe em cima das árvores.

Outro ponto discutido é a utilização, pelas crianças, dos vários contextos como espaço

de brincadeiras. Assim, o terreiro, os espaços adentrados, as casas e a escola têm suas

peculiaridades e compõe um cenário muito revelador, rico e intrigante para quem se propõem

estudar a brincadeira. Cada qual com sua especificidade, contribuindo para o desenvolvimento

das brincadeiras e do mundo infantil.

O ambiente também é um indicador essencial na escolha de parceiros para brincar. O

ambiente escolar, a área livre ou o familiar, assim como as brincadeiras escolhida,

possibilitam que novas interações sejam constituídas e tais aspectos parecem permitir que a

criança engaje-se em atividades para quais elas se dispõem à auto-expressão e criação,

aliados aos recursos naturais.

Os resultados apontam, ainda, que o gênero, a brincadeira e o tipo de brinquedos são

as principais variáveis influenciadoras nos contextos de brincadeiras, diferentemente da idade

que não parece ser uma variável significativa desse aspecto.

A investigação mostrou ainda, o quanto é diversificado o universo lúdico das crianças,

já que os brinquedos, jogos, brincadeiras tradicionais entrelaçam-se com as atividades

rotineiras, representadas e recriadas na brincadeira como boneca, casinha, barco, espingarda,

entre outros.

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Pôde-se observar, ainda, que determinadas brincadeiras ocorrem no meio das

atividades diárias consideradas não lúdicas. É comum presenciarmos crianças brincando

quando pescam, quando tiram água ou quando vão apanhar açaí.

Além das brincadeiras que ocorrem durante as tarefas rotineiras, foi observado que a

própria brincadeira é desenvolvida a partir de temas que representam simbolicamente as

atividades laborais.

As atividades realizadas pelos adultos e, em alguns momentos, pelas crianças, como

pilotar, caçar, construir braços, varrer casa, são re-elaboradas e redimensionadas nas

brincadeiras e consequentemente internalizadas e re-transmitidas nas relações interpessoais.

Além desses aspectos, pode-se dizer que a execução das brincadeiras passa por uma

construção conjunta das crianças. Segundo Valsiner (1989), essa construção depende, em

parte, dos sistemas de significados coletivamente compartilhados pelo grupo a que a criança

pertence. A criança, portanto, reelabora seus espaços de brincar, recriando novo mundo e

inventando novas funções para os objetos, de tal forma que tenha sentido para ela, mas que

sejam adequados às determinações sociais. Talvez assim, o ressignificar do que já está

estabelecido pela cultura, permita que novos significados sejam gradualmente construídos, ao

longo das décadas. Assim, as redes de interação entre crianças e suas manifestações

simbólicas são fruto e instrumento do modo de vida dessas crianças.

Diante desses resultados, parte-se das constatações e do princípio de que é por meio do

brincar que a criança se desenvolve, apreende a realidade sociocultural, apropria-se das regras

e dos aspectos do meio ambiente, além de atribuir significados ao universo adulto.

Os achados desta pesquisa são conciliáveis com os dados da literatura e ressaltam a

ligação da brincadeira com as variáveis ambientais circundantes, percebendo o caráter

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interativo do fenômeno em questão e sua perfeita sintonia com a cultura na qual ocorre

(Bichara, 2006; Pontes & Magalhães, 2003).

Nesta direção, existe a perspectiva de se fazer novas descobertas e desvendar novos

caminhos. Algumas sugestões importantes apontam para a continuidade da investigação do

fenômeno da brincadeira, entre elas podemos citar: o estudo da cultura da brincadeira em

contextos diversificados; as diferenças existentes em termos etários e de gênero; os aspectos

que norteiam a transmissão de cultura de brincadeira, em localidades distintas tais como:

condomínios fechados, aldeias indígenas, zona rural e comunidade ribeirinha.

Além das perspectivas deste trabalho, sugere-se que o conhecimento adquirido neste

estudo possa ser direcionado para o reconhecimento das brincadeiras enquanto um traço que

constitui a cultura da comunidade do Araraiana, além de ajudar a promover atividades lúdicas

na escola, como forma de gerar um aprendizado mais contextualizado. Desse modo, ao levar o

reconhecimento de suas próprias marcas grupais, os moradores podem, por meio dos filhos e

das brincadeiras, atuarem conjuntamente na educação ambiental, na preservação da mata, na

sua auto-sustentação e na “consolidação” do senso de pertencimento.

É necessário enfatizar, ainda, a importância de estudos descritivos com populações

específicas, pois as informações obtidas por meio dessas pesquisas, quando analisadas dentro

dos parâmetros da Teoria dos Sistemas Ecológicos, possibilitam uma visão mais ampla e real

do fenômeno estudado.

A brincadeira das crianças da comunidade do rio Araraiana é, portanto, uma atividade

freqüente e deve ser entendida no contexto em que ocorre. Este processo de contextualização

permitiu identificar e valorizar as habilidades e conquistas da criança nos aspectos

sociocognitivos envolvidos nessas atividades.

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Concluindo, pode-se dizer que essa investigação não representa um estudo conclusivo

sobre a variabilidade sociocultural nas brincadeiras de crianças brasileiras, principalmente

nas áreas rurais. Novos estudos são necessários, assim como os dados desta pesquisa que

precisam ser aprofundados, como os das redes de relações nos grupos de brincadeira e o de

transmissão de cultura da brincadeira.

Diante dessas considerações, percebe-se, portanto, na criança o verdadeiro ator social

de suas ações, um ser ativo, dotado de sentido e competência na sociedade em que vive,

construindo um novo sentido de valorização da experiência da infância, longe da visão

idealizada do adulto que, ao olhar para trás, contempla sua própria infância.

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QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA FAMILIAR I - IDENTIFICAÇÃO 1. Família: nº ________ Nº de pessoas que moram na casa______________ 3. Questionário respondido por: � mãe � pai � responsável 2. Aplicador: _________________ Data: ___/___/___ Início: ___hs ___min Término: ___hs.___min II – DADOS DEMOGRÁFICOS

Nome completo de todos Apelido Nasc. Idade Sexo Status familiar

Escolaridade (verificar a presença de

analfabetismo funcional)

Com que idade entrou na escola?

Ocupação atual

Desde quando?

Ocupação anterior

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2) Vocês usam alguma forma de controlar o nascimento das crianças? ______________________________ 3) Com que idade foi sua primeira gravidez? __________________________________________________ 3) Quem faz parte da sua família? ___________________________________________________________ 4) Tem algum filho morando fora? Qual é o motivo? ____________________________________________ Há quanto tempo?________________________________________________________________________ 5) Há alguma criança que não está freqüentando creche ou instituição escolar? _______________________

(especificar motivo(s), caso a resposta seja positiva). 6) Por que você quer que seu filho vá para a escola? _____________________________________________ 7) Como vocês acham que será a vida de seus filhos daqui a 20 anos? _______________________________ 9) Escolaridade e ocupação dos avós NOME APELIDO IDADE ESCOLARIDADE OCUPAÇÃO Avó materna

Avô materno

Avó paterna

Avô paterno

10) Há ou já houve cultivo da terra? __________________________________________________________ De quê? ________________________________________________________________________________ Há quanto tempo? ________________________________________________________________________ 11) Há ou já houve criação de algum animal?___________________________________________________ Qual? __________________________________________________________________________________ Há quanto tempo? ________________________________________________________________________ III. RENDA FAMILIAR

Mãe ou madrasta = R$ ____________________

Pai ou padrasto = R$ ____________________

Outros (que contribuam): Quem? _____________________________Valor = R$______________________ TOTAL= R$________________________________________ Em salários mínimos: __________________ OBS: No caso de responsável, identificar a renda de cada componente da família, de acordo com o roteiro acima. IV. MORADIA a) Situação da moradia: � Própria � Alugada � Invasão � Cedida � Outros b) Tipo de terreno: ( ) Seco ( ) Alagado ( ) Semi-alagado c) Número de cômodos: _____________Número de paredes na casa ____________________________ material das paredes e______________________material do telhado _______________________________ material do chão__________________________________________________________________________ d) Descrição geral da casa __________________________________________________________________ e) Locais para brincar: � Interno � Externo (ESPECIFICAR DETALHADAMENTE) _________________ f) Do que elas brincam? ___________________________________________________________________ g) Com quem elas brincam? ________________________________________________________________ h) Quais são os brinquedos que elas usam? ____________________________________________________ i) Como elas conseguem estes brinquedos? ____________________________________________________ j) Há quanto tempo vocês residem nesta localidade? (anos e meses)_________________________________

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k) Onde moravam anteriormente ____________________________________________________________ l) Por que mudaram? ______________________________________________________________________ m) Onde os seus pais moravam anteriormente?__________________________________________________ n) e os pais de seu companheiro, onde moravam? ______________________________________________ o) Vocês pretendem continuar morando aqui? Porque? __________________________________________ p) Lixo: ( ) Enterrado ( ) Queimado ( ) Ar livre ( ) Rio q) Qual é a água que você utiliza para bebe? ___________________________________________________ r) Aparelhos domésticos: ( ) TV ( ) Rádio ( ) Aparelhos de som ( ) Geladeira ( ) fogão s) Disposição dos móveis: ( ) centralizado ( ) Descentralizado t) Disposição dos enfeites: ( ) Ordenado ( ) Desordenado ( ) Não tem u) Plantas: ( ) Ordenado ( ) Desordenado ( ) Não tem w) Atividade alimentar: Quem faz as compras? _________________________________________ Onde faz as compras da casa? ____________________________________________________________________ _ x) As compras são feitas? ( ) mensalmente ( ) quinzenalmente ( ) semanalmente y) Quais são os itens comprados? ____________________________________________________________ z) Quanto gasta, por mês, nas compras com toda a família? _______________________________________ V. ESTADO CIVIL ATUAL a) � solteiro � casado � vive junto � separado/divorciado � viúvo b) � 1o companheiro � 2o companheiro � 3o companheiro � 4ocompanheiro ou + OBS: Caso tenha se separado dos pais das crianças, há quanto tempo isto aconteceu? (anos e meses) __________ Quanto filho teve com cada com cada companheiro? 1o companheiro ____________________ 2o companheiro ____________________ 3o companheiro ___________________ 4ocompanheiro ou + ________________

c) Há quanto tempo você vive com o seu marido/companheiro atual? (anos e meses) ___________________ d) Data do casamento/união ________________________________________________________________ e) Houve cerimônia no seu casamento?____________________ Como foi? __________________________ f) Quem pediu a mão de quem? _____________________________________________________________ g) Você casou virgem? ______________________ O que você acha da virgindade? ____________________ VI. CRENÇAS E VALORES a) Você deseja que sua filha case virgem? _____________________________________________________ b) Você acha que isto vai acontecer? Porque ? __________________________________________________ c) Em sua opinião, é mais difícil cuidar de meninos ou de meninas? _____________________________________ e Porque__________________________________________ d) Quais são os trabalhos das meninas? ______________________________________________________e dos meninos? ____________________________________________________________________________ e) E na hora de castigar, quem é mais castigado, os meninos ou as meninas? __________________________ Porque? ________________________________________________________________________________ f) Como são os castigos? ___________________________________________________________________ VII. RELIGIÃO a) Possui religião? � Sim � Não b) Qual? � Católica � Protestante � Espírita � Outras ____________________ c) Freqüência: � mensalmente � esporadicamente (pelo menos uma vez por ano) � quinzenalmente � não freqüento � semanalmente

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d) Quem freqüenta mais a igreja, o homem ou a mulher? ____________________________ Porque você acha que isto acontece? ____________________________________________________________________ d) Sobre o que é falado nos encontros religiosos? Quais são os assuntos falados pelo pastor na igreja?______ e) e o batismo, como ocorre? _______________________________________________________________ Quais são as roupas usadas? É diferente para meninos e meninas? Como? ___________________________ f) e quando morre alguém, como é o funeral? __________________________________________________ g) Já Morreu alguém de sua família? Quem? ___________________________________________________ h) Como foi esta perda para a família? ________________________________________________________ i) Do que vocês têm mais medo? (após eles responderem, sugerir o rio, a mata, o estrangeiro, por último Deus)__________________________________________________________________________________ VIII. CARACTERÍSTICAS DA REDE SOCIAL DE APOIO DA FAMÍLIA. 1. Com quem na sua familia, vocês podem realmente contar quando estão com alguma necessidade? Obs.: Colocar a ordem de importância nos quadradinhos correspondentes, conforme objetivo do projeto, isto

é, considerando todas as categorias ou por subcategorias (familiares e não familiares).

� MEMBROS FAMILIARES � esposa � marido � primeiro filho � segundo filho � terceiro filho � + 4________ Por parte da mãe: � avô �avó � tio � tia � outros___ Por parte do pai: � avô � avó � tio � tia � outros___ 2. Além da sua família, com quem vocês podem realmente contar quando estão com alguma necessidade?

� REDE SOCIAL - NÃO FAMILIAR � amigos � vizinhos � empregada � babá � professora � outros_______ IX. USO DE SUBSTÂNCIAS NA FAMÍLIA:

TIPO

DE

SUBSTÂNCI

A

MEMBROS DA FAMÍLIA

Mãe

Pai Avô / Avó

Tios/ tias

Sob

rinhos(s)

Padrasto

Madrasta

Irmãos (ãs)

Outros (especificar

)

Cigarro Álcool

Drogas 1. Quais foram e são as doenças mais freqüentes na família? ______________________________________ 2. Quais são os remédios usados? (Explorar o uso dos remédios caseiros)_____________________________

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Inventário Espontâneo das brincadeiras tradicionais infantis VAMOS CHECAR QUAIS BRINCADEIRAS EXISTEM NO RIO ARARAIANA?

OBS: NUNCA Trocar o nome da brincadeira ribeirinha pelo nome que “eu” (pesquisador) conheço, devendo ser enfatizado o nome das brincadeiras como as crianças do local as conhecem. No local de “outras” deve-se escrever o nome e resumir como é tal brincadeira.

Nome: Data:

Companhia

Brincadeira

Especificar

Nom

e

Pare

ntesco

LOCAL Especificar (rio, local da casa, terreiro, casa do

vizinho, de quem é a casa, escola).

QUANDO (Na hora da escola, na saída da escola, da tarefa doméstica, na hora que ajuda os pais, quando

visita um parente ou um vizinho).

COMO (Descrever como ocorre a brincadeira)

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VAMOS CHECAR QUAIS BRINCADEIRAS EXISTEM NO RIO ARARAIANA? OBS: NUNCA Trocar o nome da brincadeira ribeirinha pelo nome que “eu” (pesquisador) conheço, devendo ser enfatizado o nome das brincadeiras como as crianças do local as conhecem. No local de “outras” deve-se escrever o nome e resumir como é tal brincadeira.

Nome: Data:

Brincadeira

Especificar

Companhia

Nome e grau de parentesco

LOCAL Especificar (rio, local da casa, terreiro, casa do vizinho, de quem é a casa, escola).

QUANDO (Na hora da escola, na saída da escola, da tarefa doméstica, na hora que ajuda os pais, quando visita um parente ou um vizinho).

COMO (Descrever como ocorre a brincadeira)

adedonha

(desconfio)

baladeira

bandeirinha

baralho

barco

bicicleta

Boca de

forno

Bode (linha

encerada

com uma

pedra pressa)

bole-bole

boliche

bombarqueiro

boneca

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brincar com

animais

Cabo de

guerra

cabra cega

cai no poço

carrinho

casinha

cemitério

correr com

pneu ou aro

de bicicleta

pelo campo.

desenhar

detetive

detetive,

polícia,

ladrão

dominó

elástico

escravo de jó

espeta

estátua

fresco boll

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futebol

ioiô

jogo de

botão

jogos de

tabuleiros

(dama,

gamão,

xadrez)

jogos

eletrônicos

macaca.

mata no

meio

paredão (joga

uma ficha na

parede e quem

ficar um palmo

na ficha do

outra)

patins

perna-de-pau

peteca

peteca de

mão

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pião

ping-pong

pipa

(papagaio)

pira

(cola,pega,

esconde,

alta, coca,

cola, mãe)

pira garrafão

pira

maromba

(mãe fica com

uma bola em

quem pegar é a

mãe)

polícia e

ladrão

pula corda

Roda

skate

soco-

soco,bate-

bate

stop (declaro

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guerra ao

Brasil, e fala

stop, todos

param)

taco-boll

outras

Outras

Outras

Outras

Outras

Outras

Outras

Outras

Outras

Outras

Quando tiver mais de uma resposta no local e na companhia é necessário registrá-los. Realizar com todas as crianças

que participaram do teste sociométrico.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA DO COMPORTAMENTO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisadora responsável: Daniela Castro do Reis. Endereço: Conjunto: Cidade Nova V, we-29, nº 622, Ananindeua-PA, Fone: 3273-7797 Orientador: Fernando Augusto Ramos Pontes. Endereço: Farias Rodrigues, Nº 16, CEP: 66.610530.

PROJETO: Cultura das brincadeiras em uma comunidade ribeirinha na ilha do Marajó/Pará.

NOME DA FAMÍLIA:

Ilustríssimos Senhores Pais (ou Responsáveis), Estamos convidando os senhores e seus filhos (as) para participarem de uma pesquisa sobre

brincadeiras de Pares. Esta pesquisa envolve as crianças, adolescentes e a família, e está sendo desenvolvida na

Universidade Federal do Pará, sob coordenação e supervisão da Prof. Dr. Fernando Augusto Ramos Pontes, visando fornecer aos educadores e pais maneiras eficazes de conhecer o “mundo” das crianças, dos adolescentes e seus familiares da Comunidade do rio Araraiana.

A pesquisa será feita através de um conjunto de entrevistas: Questionário demográfico, teste sociométrico, entrevista semi-estruturada e observações sistemáticas, que serão respondidos pelas crianças, adolescentes e seus familiares. A duração média da entrevista e aplicação dos questionários será de 1 hora e

30 minutos. Durante a sessão, seu filho (a) desenvolverá normalmente as atividades programadas pela escola, sem qualquer interferência do pesquisador, somente no momento em que for responder as perguntas, a fim de não apresentar nenhuma interferência. Desse modo a entrevista não irá intervir no andamento das

suas atividades diárias. Neste sentido, solicitamos sua colaboração autorizando a participação de seu filho (a). Você tem

todo o direito de não autorizar e, em qualquer momento da pesquisa, seu filho (a) poderá interromper sua participação sem qualquer problema ou retaliação ou represália, devendo somente avisar o pesquisador da sua desistência.

Esclarecemos, ainda, que os dados e resultados da pesquisa serão confidenciais e as identidades não serão reveladas na divulgação do trabalho. Será utilizado um código para a identificação de cada participante da pesquisa.

_________________________________________________ Pesquisador Responsável:

Nome: Daniela Castro do Reis.

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Declaro que li as informações acima sobre a pesquisa, e que me sinto perfeitamente esclarecido (a)

sobre o conteúdo da mesma, assim como os seus riscos e benefícios. Declaro ainda que, por minha livre vontade, autorizo a participação de meu filho (a) na presente pesquisa.

Belém, __ de ________________ de 2007.

Assinatura

Responsável (Nome legível)