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20 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 

 Artefato pré-colombiano

 Antes de Cristóvão Colombo chegar à América, em 1492, a borracha já era utiliza-da pelos povos indígenas deste novo con-tinente, há muitos anos. Eles realizavam asangria nas árvores de seringueiras e seca-

 vam o látex no calor das fogueiras. Presu-me-se que Colombo e seus auxiliares foramos primeiros europeus a conhe-cerem a borracha, quando en-contraram nativos do Haiti brin-cando com bolas de borracha elevaram amostras para a Euro-pa.

Dois séculos e meio maistarde, o cientista francês Fran-çois Fresnau fabricou um par debotas de borracha para Frederi-co o Grande, que era pegajosono calor e quebradiço no frio. Aborracha utilizada por Fresnau

foi obtida de látex de Hevea daGuiana Francesa, a primeira des-crita pelos exploradores.

 Ainda nesse período, o ci-entista Joseph Priestley, famosoquímico inglês, produziu a pri-meira borracha para apagar ris-cos de lápis no papel. Em 1772,cubos de borracha eram vendi-dos em Londres como apagado-res para estudantes. Em 1823,foi feito o primeiro tecido aprova dágua, sendo patentea-do pelo escocês Macintosh, quecolocou uma camada de borra-cha entre duas de tecido. EmGlasgow é fundada a primeirafábrica que usava borracha como matériaprima em tecidos impermeáveis. No mesmoano, foi inventada a tira elástica pelo fabri-cante de carruagens londrino Thomas Han-cock.

Entre 1839-1842, o americano CharlesGoodyear e o inglês Thomas Hancock des-cobriram que o enxofre e o calor poderiamfazer com que a borracha não alterasse seuestado com a variação da temperatura,desenvolvendo a técnica da vulcanização.Outra invenção importante foi o emprego

da borracha como isolante elétrico. Em

1846, tiras de borracha sólidas foram empre-gadas por Hancock na carruagem da Rainha

 Vitória.Em 1888, o escocês John Dunlop pro-

duziu o primeiro pneu de borracha, naInglaterra, inaugurando a era dos pneumá-ticos para bicicletas, carruagens e veículosautomotores. A invenção foi patenteada em1888, e, em 1890, em parceria com W. H. Du

Cros, começou a produção comercial. Apartir de 1920, chega a era dos automóveise o látex da seringueira se consolida nafabricação de pneus no mundo moderno.

Biopirataria 

 A expansão do extrativismo do látex daseringueira na região amazônica, no final doséculo XIX, se deu em decorrência dolucrativo ciclo econômico da borracha, etornou Manaus - capital do estado do Ama-

zonas - conhecida como a Paris dos Trópi-

cos, pois ela era o principal centro comer-cial do país na época e ocupava lugar dedestaque na economia mundial. O teatro deManaus é uma das construções-símbolodessa época do apogeu econômico e cultu-ral da Região Norte.

Mas, nesse período, quando a produçãode borracha da Amazônia atingia o seuesplendor em termos de produção e gera-

ção de renda para o país, oinglês Henry Wickhan, em 1876,contrabandeou, o que atual-mente se chamaria biopirata-ria, para os jardins reais deKew, em Londres, mais de 70mil sementes de seringueira.Passados 30 anos, o cultivo daseringueira se expandiu nospaíses do sudeste Asiático, pa-trocinado pelos ingleses, e hou-

 ve a quebra do monopólio daprodução da Amazônia.

Com a elevada produção eprodutividade da borracha cul-tivada, no Sudeste Asiático, oextrativismo da Amazônia en-tra em declínio, em razão desseato de biopirataria de materialgenético brasileiro, que se tor-nou histórico, e que ainda sub-siste até hoje com vários outrosrecursos genéticos brasileiros.

No início da década de 20,os seringais do Oriente produ-ziam mais de 1,5 milhão detoneladas, enquanto que a

 Amazônia apenas 20 mil tone-ladas. Por volta de 1962, o Bra-sil começava a importar do Su-

deste Asiático espécies de seringueira gene-ticamente melhoradas e mais produtivas, ea produção da seringueira cultivada seexpandiu por vários estados brasileiros.

Produção e mercado

O Brasil produz hoje pouco mais de60.000 t/ano de borracha natural e consomepor volta de 160.000 t/ano, ou seja, aprodução interna atende a aproximada-mente um terço do consumo. Em nível

mundial, a produção de borracha natural

A SERINGUEIRA

NO BRASILREPORTAGEM

A SERINGUEIRA NO BRASIL E O CONTROLE BIOLÓGICO DO Microcyclus ulei 

Lucas Tadeu Ferreira 

Fotos:Sueli Corrêa Marques de Mello e

Embrapa Rondônia

Seringueira na fase de sangria A - Colônia de M. ulei 

B - Colônia de D.

 pulvinata 

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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento  21

chega a mais de 6.000.000 t/ano. Os princi-pais produtores são os países do Sudeste

 Asiático. No início da década de 70, no Brasil,um quilo de borracha natural valia o equiva-lente a R$ 3,50, e hoje vale em torno de R$1,00. No mercado internacional o preço podechegar a mais de R$ 1,20.

Hoje, a área tradicional de cultivo daseringueira no Brasil abrange a AmazôniaTropical Úmida, Mato Grosso e Bahia. Em

áreas não-tradicionais, a seringueira é cultiva-da nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul,Pernambuco, Maranhão, Espírito Santo, Riode Janeiro, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.No Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba estãoconcentradas as maiores plantações do esta-do de Minas Gerais, alcançando produtivida-de de aproximadamente 1.500 kg de borra-cha seca/ha/ano.

Do ponto de vista social, a heveicultura émuito importante, principalmente na fixaçãodo homem no campo, tanto em seringalnativo quanto em cultivado, pois produz oano todo. Em contrapartida, o extrativismo dolátex da Região Amazônica tem pouca ex-

pressão hoje, considerando o volume total deborracha natural produzido no país e noexterior. Em seringal nativo, na Região Ama-zônica, um homem obtém, por ano, de 500 a600kg de látex; e, em seringal cultivado aprodução pode passar de 20 t/ano. Como se

 vê, a preferência dos produtores pelas áreasde escape e por seringais cultivados é óbvia.Uma árvore de seringueira, durante a sua vidaútil, que pode chegar a 30 anos, produz cercade 100kg de látex, com uma média de 3,5kg/ano.

Setenta por cento da borracha naturalconsumida no mundo hoje são empregados

na fabricação de pneus para grandes cami-nhões e aviões, os quais precisam de elastici-dade para suportar o imenso peso das cargas,e do impacto das aeronaves durante pousose decolagens, além de inúmeras outras apli-cações industriais do látex, como na produ-ção de preservativos e luvas médicas, porexemplo.

Mal-das-folhas

 A seringueira é suscetível à várias doen-ças. A mais grave, sem dúvida, é o mal-das-folhas, causada pelo fungo Microcyclus ulei ,que provoca a queima das folhas e pode levar

as plantas à morte. O M. ulei é originário da Amazônia e só ocorre no continente america-no, não havendo registro de sua presença noOriente e Sudeste Asiático. Este fungo causaprejuízos somente a espécies do gênero He-

 vea, sendo as mais resistentes a H. nitida , a H.

 pauciflora , a H. benthamiana , a H. guianen- 

sis e a H. spruceana , que devem ser preferen-cialmente utilizadas como controle preventi-

 vo.Um eficiente método de controle do mal-

das-folhas é o chamado cultivo em áreas deescape. Geralmente, uma área de escape écaracterizada por possuir condições ambien-

tais adversas das que o fungo (patógeno)

necessita para manter o seu ciclo de vida.Contudo, ela tem que ser necessariamenteapropriada ao cultivo da seringueira. Para ocaso do controle do M. ulei , o tempomínimo que o folíolo deve permanecermolhado para causar infecção é de oitohoras. Numa região em que esse período forinferior a esse tempo permitirá o convívioendêmico da planta com a doença, semdanos à cultura e sem prejudicar a produção

do látex. Mesmo cultivando a seringueiranas chamadas áreas de escape é aconselhá- vel selecionar material genético que apre-sente maior resistência e tolerância ao pató-geno. Outras doenças de menor expressãoque atacam a seringueira são a Mancha-areolada, a Podridão-do-caule na região deenxertia e a Antracnose.

Contudo, o Mal-das-folhas da seringuei-ra é a mais grave patologia desta cultura,além de ser o pior fator limitante da produ-

ção do látex natural e da expansão daheveicultura no Brasil, e em outros paíseslatino-americanos também. Esta doença éainda um dos principais fatores que vemprejudicando o mercado de borracha natu-

ral no Brasil.O Microcyclus ulei ataca preferencial-

mente as folhas com até 15 dias de idade,provocando-lhes um fenômeno parecidocom a queima das folhas e a sua conseqüen-te queda, o que prejudica totalmente oprocesso de fotossíntese e provoca perdasque podem inviabilizar o cultivo. Nos vivei-ros e estufas, em condições climáticas favo-ráveis, este fungo pode ocasionar perdas deaté 100% nas mudas de seringueiras susce-tíveis, através de infecções, reinfecções edesfolhamentos sucessivos.

 Além disso, em plantas adultas, o fungo

provoca o secamento dos galhos, deixando

a planta totalmente debilitada e vulnerável à várias outras doenças secundárias, o que pre-judica sobremaneira a produção de látex. Parase ter uma idéia, no nosso País, essa doença éapontada como a principal responsável pelofracasso dos projetos de fomento da seringuei-ra executados nas décadas de 70 e 80, nosmunicípios de Belterra e Fordlândia, no estadoPará, através dos Programas de Desenvolvi-mento da Borracha, do Governo Federal (Pro-

bor I, II e III), os quais atingiram quase 100.000ha de plantio e não lograram êxito. Ainda hoje, o acervo dos conhecimentos

científicos e tecnológicos disponíveis tem sidoinsuficiente para eliminar ou mesmo controlaressa doença, devido principalmente ao porteelevado das seringueiras, alta variabilidadegenética do patógeno causador da doença e ainexistência, até o momento, de clones gene-ticamente resistentes e de alta produtividade.Felizmente, o M. ulei  não chegou ainda aoSudeste Asiático, pois se tal fato ocorrer haveráum verdadeiro colapso na produção de pneuspara aviões e caminhões, em nível mundial

Controle biológico

 Assim, no momento, entre as medidas defitossanidade que representam maior potenci-al de combate ao mal-das-folhas destaca-se ocontrole biológico, através do emprego deinimigos naturais, como é caso do fungoDicyma pulvinata  (Berk & M.A. Curtis) Arx(syn. Hansfordia pulvinata ) que é antagônicoao M. ulei . Colonizando as lesões de M. ulei ,D. pulvinata impede a esporulação, ou seja, areprodução do patógeno, por mecanismosainda desconhecidos, reduzindo assim o des-folhamento das plantas e a taxa de contamina-

ção e reinfecções.Nos últimos anos, seringalistas da regiãode São José do Rio Claro, MT, vêm utilizandoeste fungo antagônico para controle do Mal-das-folhas com relativo sucesso. Entretanto, oprocesso de produção e utilização ainda éartesanal e incipiente, o que torna necessárioa realização de estudos básicos da biologia,epidemiologia, diversidade genética e meca-nismos envolvidos na interação entre a doen-ça e o seu agente de biocontrole.

Neste sentido, pesquisas de controle bio-lógico estão sendo desenvolvidas na EmbrapaRecursos Genéticos e Biotecnologia, localiza-da em Brasília, sob a responsabilidade da

pesquisadora Sueli Corrêa Marques de Mello,através de um projeto financiado pelo FundoNacional do Meio Ambiente FNMA. A fina-lidade destas pesquisas é a de obter todos ossubsídios necessários à identificação de isola-dos de fungos antagônicos com alta virulênciae adaptados às principais regiões produtorasde borracha do país, além de estabelecer umsistema de produção em quantidade adequa-da desses micoparasitas antagônicos.

O projeto está sendo conduzido principal-mente nas instalações da Embrapa RecursosGenéticos e Biotecnologia e conta com oapoio de outros Centros da Embrapa, como a

Embrapa Cerrados - localizada em Brasília

Lesões de Microcyclus ulei 

colonizadas pelo Dicyma pulvinata