Serie Ordemurbana Rio

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  • Copyright Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (Editor) 2015

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios

    empregados, sem a autorizao prvia e expressa do autor.

    Editor Joo Baptista Pinto

    Capa Flvia de Sousa Arajo

    projEto GrfiCo E Editorao Luiz Guimares

    rEviso Tereza Marques de Oliveira Lima

    CoordEnao tCniCa Pedro Paulo Machado Bastos

    LEtra CapitaL EditoraTelefax: (21) 3553-2236/2215-3781

    [email protected]

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    R452

    Rio de Janeiro [recurso eletrnico]: transformaes na ordem urbana / organizao e coordenao Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital; Observatrio das Metrpoles, 2015. recurso digital : il. (Estudos comparativos)

    Formato: ePUB Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-372-4 (recurso eletrnico)

    1. Planejamento urbano - Rio de Janeiro (RJ). 2. Rio de Janeiro, Regio Metropolitana do (RJ) - Condies sociais. 3. Rio de Janeiro, Regio Metropolitana do (RJ) - Condies econmicas. 4. Livros eletrnicos. I. Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz, 1947-. II. Observatrio das Metrpoles. III. Srie.

    15-22235 CDD: 307.760981531 CDU: 316.334.56(815.31)

    29/04/2015 06/05/2015

  • O contedo deste livro passou pela superviso e avaliao de um

    Comit Gestor e Editorial formado pelos seguintes pesquisadores:

    Comit GestorAna Lcia Rodrigues

    Luciana Corra do LagoLuciana Teixeira de Andrade

    Luiz Cesar de Queiroz RibeiroMaria do Livramento M. Clementino

    Olga FirkowskiOrlando Alves dos Santos Jnior

    Rosetta MammarellaSergio de AzevedoSuzana Pasternak

    Comit EditorialAdauto Lcio CardosoAndr Ricardo Salata

    rica Tavares Juciano Martins Rodrigues

    Marcelo Gomes RibeiroMariane Campelo Koslinski

    Marley DeschampsNelson Rojas de Carvalho

    Ricardo Antunes Dantas de OliveiraRosa Maria Ribeiro da Silva

    Rosa Moura

  • Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana 5

    Sumrio

    Apresentao ................................................................................................................... 15

    A ordem urbana na metrpole do Rio de Janeiro: caminhos e sntese Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro ...................................................................... 17

    Parte I: Formao da metrpole: poltica, populao e economia. ..... 43Captulo 1 O processo de fuso e o novo Estado do Rio de Janeiro: a questo institucional Sergio de Azevedo, Yolanda Lobo .................................................................. 45

    Captulo 2 Estrutura produtiva e diviso espacial do trabalho no Estado e na metrpole Hiplita Siqueira ........................................................................................... 79

    Captulo 3 A metrpole fluminense na transio demogrfica e urbana brasileira rica Tavares, Ricardo Antunes Dantas de Oliveira ..................................... 117

    Box 1 As categorais scio-ocupacionais e a anlise social do territrio Marcelo Gomes Ribeiro, Michael Chetry ..................................................... 148

    Parte II: A organizao social do territrio ................................................ 161Captulo 4 Segregao residencial: padres e evoluo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Marcelo Gomes Ribeiro.............................. 163

    Box 2 A segregao residencial nas metrpoles brasileiras: Rio de Janeiro em perspectiva Michael Chetry ............................................................................................ 193

    Captulo 5 Transformaes sociais: nova classe mdia ou nova classe trabalhadora? Andr Salata, Michael Chetry ...................................................................... 197

    Captulo 6 Transformaes demogrficas: os movimentos da populao no territrio Ricardo Antunes Dantas de Oliveira, rica Tavares ..................................... 221

    Captulo 7 Transformaes domiciliares: arranjos, trabalho e renda Rosa Ribeiro ............................................................................................... 255

    Captulo 8 Condies de mobilidade urbana e organizao social do territrio Juciano Martins Rodrigues .......................................................................... 287

  • 6 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    Captulo 9 Dinmica imobiliria: Estado e o capital imobilirio Adauto Lucio Cardoso, Luciana Corra do Lago .......................................... 320

    Captulo 10 Dinmica imobiliria: as classes sociais e a habitao Luciana Corra do Lago, Adauto Lucio Cardoso ........................................ 354

    Captulo 11 Segregao residencial, moradia e desigualdade escolar Mariane C. Koslinski, Ftima Alves, Paula Hernandez Heredia, Andr Regis .............................................................................................. 389

    Box 3 As desigualdades de bem-estar urbano Joo Luis Silva Nery Junior, Gustavo Henrique P. Costa ............................ 416

    Parte III: Governo, poltica e a governana metropolitana fragmentada ........................................................................................ 425Captulo 12 Poder local: clientelismo e deficit legislativo Nelson Rojas de Carvalho .......................................................................... 427

    Captulo 13 Governana empreendedorista: a modernizao neoliberal Orlando Alves dos Santos Junior ................................................................ 453

    Captulo 14 A gesto do saneamento ambiental: entre o mercado e o direito Ana Lucia Britto ........................................................................................ 484

    Captulo 15 A gesto dos transportes: a renovao do pacto rodoviarista Igor Pouchain Matela ................................................................................. 515

    Captulo 16 Cultura poltica, cidadania e representao na urbs sem civitas Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra .................................. 544

  • Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana 7

    Lista de Figuras

    Figura 4.1 Tipologia socioespacial da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro .......................................................................................................... 185

    Figura 6.1 Pirmides etrias da RMRJ segundo tipo socioespacial por cor 2000/2010 .................................................................................................... 231

    Figura 11.1 Mecanismos mediadores da segregao residencial e das desigualdades educacionais ............................................................................... 342

    Figura 11.2 Mecanismos mediadores da segregao residencial e desigualdades educacionais ...................................................................................... 396

    Figura 16.1 reas de ponderao da RMRJ segundo os nveis de renda familiar per capita .......................................................................................... 553

    Figura 16.2 reas de ponderao da RMRJ segundo os nveis do clima educativo domiciliar mdio .......................................................................... 554

    Figura 16.3 reas de ponderao da RMRJ segundo os quartis do ndice de carncia de infraestrutura ...................................................................... 555

    Figura 16.4 reas de ponderao da RMRJ segundo o grau de competitividade da disputa eleitoral para deputado estadual ............................. 567

    Figura 16.5 Distribuio espacial da votao de um deputado e dos usurios de um centro social mantido pelo mesmo ................................................... 569

    Lista de Grficos

    Grfico 2.1 Taxas de crescimento do PIB, Brasil, Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais (1990-2010) .......................................................................... 87

    Grfico 2.2 Distribuio do PIB fluminense, segundo Regies de Governo e Municpios selecionados, em % (1999 e 2011) ..................................... 97

    Grfico 2.3 Distribuio do PIB industrial fluminense, segundo Regies de Governo e Municpios selecionados, em % (1999 e 2011) ....................... 99

    Grfico 2.4 Distribuio do PIB dos servios fluminenses, segundo Regies de Governo e Municpios selecionados, em % (1999 e 2011) ..................... 100

    Grfico 2.5 Distribuio do PIB total da RMRJ, segundo municpios integrantes, em % (1999 e 2011).................................................................................. 103

    Grfico 2.6 Distribuio do PIB agrcola da RMRJ, segundo municpios integrantes, em % (1999 e 2011).................................................................................. 104

    Grfico 2.7 Distribuio do PIB industrial da RMRJ, segundo municpios integrantes, em % (1999 e 2011).................................................................................. 105

    Grfico 2.8 Distribuio do PIB de servios da RMRJ, segundo municpios integrantes, em % (1999 e 2011).................................................................................. 108

    Grfico 3.1 Taxas de Fecundidade Total Rio de Janeiro, RMRJ, So Paulo, RMSP e Brasil, 1970 ................................................................................... 133

    Grfico 3.2 Pirmides etrias da Metrpole do Rio de Janeiro de 1970 a 2010 .............................................................................................................. 135

    Lista de Figuras, Quadros e Tabelas

  • 8 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    Grfico 3.3 Taxa de Fecundidade Total na Metrpole Fluminense 1970 a 2010 ................................................................................................................... 137

    Grfico 3.4 Participao de homens e mulheres no mercado de trabalho na Metrpole Fluminense 1970 a 2010 ............................................... 139

    Grfico 4.1 Rendimento mdio total por favela e no favela segundo a organizao social do territrio da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro 2000 e 2010 R$ de 2010 ............................................................................................. 192

    Grfico 6.1 Distribuio dos imigrantes na RMRJ nos tipos socioespaciais por fluxo realizado 2010 ........................................................................................... 236

    Grfico 7.1 Composio das reas por tipo de unidade domstica RMRJ 2000 ................................................................................................................ 263

    Grfico 7.2 Composio das reas por tipo de unidade domstica RMRJ 2010 ................................................................................................................ 265

    Grfico 7.3 Nveis de ocupao no mercado de trabalho por posio na unidade domstica RMRJ 2000 ....................................................................... 269

    Grfico 7.4 Nveis de ocupao no mercado de trabalho por posio na unidade domstica RMRJ 2010 ....................................................................... 270

    Grfico 8.1 RMRJ: Percentual de pessoas por faixa de tempo de deslocamento casa-trabalho segundo os tipos socioespaciais 2010 ...................... 312

    Grfico 8.2 RMRJ: tempo mdio de deslocamento casa-trabalho segundo os tipos socioespaciais 2010 ..................................................................... 313

    Grfico 9.1 Unidades novas lanadas (at 6 salrios-mnimos) 2000-2010 ......... 336

    Grfico 9.2 Produo PAR por municpio (1999-2008). ......................................... 337

    Grfico 9.3 Unidades novas financiadas SBPE Caixa RMRJ (2000-2010)........... 343

    Grfico 9.4 Unidades novas financiadas por municpios SBPE Caixa RMRJ (2000-2010) ......................................................................................................... 344

    Grfico 9.5 Unidades lanadas Rio de Janeiro (2001-2010) ................................ 346

    Grfico 9.6 ndice FipeZap de Preos de Imveis Anunciados Rio de Janeiro (janeiro de 2008 a janeiro de 2013). ................................................... 348

    Grfico 9.7 ndice FipeZap de Preos de Imveis Anunciados Rio de Janeiro (janeiro de 2008 a janeiro de 2014). ................................................... 349

    Grfico 15.1 Passageiros transportados por ano segundo meios de transporte (1930-1970) ............................................................................................ 524

    Grfico 15.2 Passageiros pagantes nos nibus na cidade do Rio de Janeiro......... 529

    Grfico 15.3 Passageiros pagantes no transporte coletivo na cidade

    do Rio de Janeiro ......................................................................................................... 540

    Lista de Mapas

    Mapa 8.1 Rio de Janeiro: Evoluo da mancha urbana Dcada de 1970/ Dcada de 2000 ............................................................................................................. 294

    Mapa 8.2 RMRJ: Tempo mdio de deslocamento casa-trabalho por municpios - 2010 ................................................................................................... 309

  • Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana 9

    Lista de Quadros

    Quadro 1.1 Demandas por plebiscito sobre a fuso por ano ................................... 63

    Quadro 3.1 Taxa de crescimento populacional: Brasil, Unidade da Federao (UF) do Rio de Janeiro e RMRJ 1970/2010 ..................................... 130

    Quadro 11.1 Variveis utilizadas .............................................................................. 399

    Quadro 16.1 Condicionantes da mobilizao poltica nas reas da RMRJ ............ 565

    Lista de Tabelas

    Tabela 1.1 Participao percentual dos dois ex-estados (DF/Guanabara e Estado do Rio) e de So Paulo na produo industrial do Brasil (1940 - 1970) ..... 65

    Tabela 1.2 Arranjos institucionais de gesto metropolitana: pontuao das RMs a partir de dois tipos de ndice: Sistema de Gesto Institucionalizada (SGI) e Articulaes para Governana (APG) (jun. 2013) ..................................................... 73

    Tabela 2.1 Participao das UFs da Regio Sudeste no PIB brasileiro, segundo grandes setores de atividade econmica, em % (1995 e 2011) .................... 89

    Tabela 2.2 PIB do ERJ, segundo grandes setores de atividade econmica, em % (1995 e 2011) ........................................................................................................ 93

    Tabela 2.3 Unidades Locais (UL), Pessoal Ocupado (PO), Salrios (SL) e Valor da Transformao Industrial (VTI) da Indstria Nacional, segundo Macrorregies e UFs selecionadas, 2007 e 2011 .......................................................... 94

    Tabela 2.4 Unidades Locais (UL), Pessoal Ocupado (PO), Salrios (SL) e Valor da Transformao Industrial (VTI) da Indstria do Estado do Rio de Janeiro, em %, 2011 ............................................................................................ 96

    Tabela 2.5 Distribuio da Populao Ocupada (PO) e Unidades Locais (UL) nas empresas no Estado do Rio de Janeiro, segundo classes de tamanho dos municpios, 2000-2011 .................................................................................................. 101

    Tabela 2.6 Distribuio das Unidades Locais (UL) nas empresas na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, segundo setores de atividade econmica, 2011, em % ................................................................................................ 110

    Tabela 2.7 Distribuio da Populao Ocupada (PO) nas empresas na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, segundo setores de atividade econmica, 2011, em % ................................................................................................ 112

    Tabela 3.1 Indicadores demogrficos e urbanos: Brasil e RMRJ 1970 e 2010 .. 127

    Tabela 3.2 Taxa de urbanizao e participao dos ocupados na indstria no Estado, Metrpole e Municpio do Rio de Janeiro: 1970-2010 ............................ 135

    Tabela 3.3 Distribuio dos imigrantes na Metrpole do Rio de Janeiro 1980 a 2010 ................................................................................................................... 140

    Tabela 3.4 Indicadores populacionais e urbanos da RMRJ por nvel de integrao 2010 .................................................................................... 142

    Tabela 4.1 - Estrutura social da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro - 1980, 1991, 2000 e 2010 ............................................................................................... 172

    Tabela 5.1 Participao das Categorias Scio-Ocupacionais na RMRJ, para os anos 2000 e 2010 ............................................................................................. 208

  • 10 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    Tabela 5.2 Participao das Categorias Scio-Ocupacionais desagregadas na RMRJ, para os anos 2000 e 201 .............................................................................. 210

    Tabela 5.3 Mdia e Faixas de Renda*, por Categorias Scio-Ocupacionais para RMRJ, 2000 e 2010 ............................................................................................... 212

    Tabela 5.4 Fragilidade Ocupacional, por Categorias Scio-Ocupacionais para RMRJ, 2000 e 2010 ............................................................................................... 214

    Tabela 5.5 Nvel de Escolaridade por Categorias Scio-Ocupacionais para RMRJ, 2000 e 2010 ............................................................................................... 215

    Tabela 5.6 Bens de Consumo por Categorias Scio-Ocupacionais para RMRJ, 2000 e 2010 ............................................................................................... 216

    Tabela 6.1 Indicadores sintticos da dinmica populacional e urbana RMRJ 2000/2010 ....................................................................................................... 226

    Tabela 6.2 Distribuio dos migrantes de at 10 anos por tipo socioespacial da RMRJ 2000/2010 .................................................................................................. 234

    Tabela 6.3 Movimentos intrametropolitanos por tipos socioespaciais na RMRJ 2000/2010 ....................................................................................................... 237

    Tabela 6.4 Distribuio dos imigrantes ocupados por tipo socioespacial de destino e CATs Periferia-Ncleo 2010 ............................................................. 238

    Tabela 6.5 Distribuio dos imigrantes ocupados por tipo socioespacial de destino e CATs Ncleo-Periferia 2010 ............................................................. 239

    Tabela 6.6 Distribuio dos imigrantes ocupados por tipo socioespacial de destino e CATs Periferia-Periferia 2010 ........................................................... 240

    Tabela 6.8 Distribuio percentual da populao que realiza movimento pendular para lugar de trabalho por fluxo e tipo socioespacial 2000/2010 ........ 243

    Tabela 6.9 Taxa de Mobilidade de imigrantes intrametropolitanos ocupados (que realizam movimento pendular) 2000/2010 ................................... 245

    Tabela 6.10 Distribuio dos imigrantes intrametropolitanos ocupados da periferia por lugar de trabalho e Categorias Scio-Ocupacionais e renda mdia (em R$ de 2010) 2010 ..................................................................................... 247

    Tabela 7.1 Populao e unidades domsticas na RMRJ por tipo de rea - 2000/2010 ..................................................................................................................... 259

    Tabela 7.2 Principais caractersticas sociodemogrficas das unidades domsticas na RMRJ - 2000/2010 ............................................................................... 261

    Tabela 7.3 Caractersticas socioeconmicas das unidades domsticas - RMRJ - 2000/2010 .................................................................................. 268

    Tabela 7.4 Participao das categorias scio-ocupacionais no total de ocupados, no total dos rendimentos do trabalho e mdia dos rendimentos do trabalho no tipo Superior - RMRJ 2000/2010 ...................................................... 274

    Tabela 7.5 Participao de diferentes tipos de rendimento na composio da renda domiciliar - RMRJ- 2000/2010 ..................................................................... 276

    Tabela 7.6 Indicadores da renda domiciliar per capita - RMRJ - 2000/2010 ......... 278

    Tabela 7.7 Unidades domsticas por categoria scio-ocupacional do responsvel, rendimento mdio domiciliar per capita e rendimentos do trabalho e mdia dos rendimentos do trabalho no tipo Superior - RMRJ 2000/2010 ........... 282

  • Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana 11

    Tabela 8.1 Caractersticas das principais regies metropolitanas e da aglomerao metropolitana de Braslia (2010) ..................................................... 307

    Tabela 8.2 Percentual de pessoas por tempo de deslocamento casa-trabalho segundo o tipo de deslocamento metropolitano - 2010 ............................................ 314

    Tabela 9.1 Unidades financiadas pela Caixa Econmica Federal RMRJ (2000-2010) ......................................................................................................... 334

    Tabela 9.2 Unidades financiadas pela Caixa Econmica Federal (at 6 salrios-mnimos) RMRJ (2000-2010) ............................................................. 335

    Tabela 9.3 Empreendimentos financiados com recursos do FNHIS (at 2007) RMRJ ......................................................................................................... 338

    Tabela 9.4 Empreendimentos CEHAB RMRJ (1999-2006) .................................... 339

    Tabela 9.5 Unidades financiadas (at 6 salrios-mnimos) RMRJ (2000-2010) Consolidao ......................................................................................... 340

    Tabela 9.6 Crescimento domiciliar por unidades HIS financiadas RMRJ (2000-2010) ......................................................................................................... 341

    Tabela 9.7 Unidades financiadas SBPE Caixa RMRJ ........................................... 343

    Tabela 9.8 Lanamentos ADEMI por Regio Administrativa (2001-2010) ........... 347

    Tabela 10.1 Perfil scio-ocupacional do conjunto dos distritos superiores do municpio do Rio de Janeiro ................................................................................. 358

    Tabela 10.3 Populao segundo condio de ocupao do domiclio RMRJ........ 362

    Tabela 10.4 Condio de ocupao do domiclio dos chefes ocupados ................ 364

    Tabela 10.5 Domiclios alugados segundo a faixa de renda domiciliar per capita (SM) RMRJ 2000/2010 (proporo em relao ao total de domiclios de cada faixa) .............................................................................................. 365

    Tabela 10.6 Tipo de domiclio da populao ocupada por categoria scio-ocupacional - RMRJ ............................................................................................. 367

    Tabela 10.7 Domiclios segundo o nmero de cmodos RMRJ ......................... 369

    Tabela 10.8 Indicadores de urbanizao: percentual da populao do distrito em domiclios cujo entorno possui os servios listados RMRJ 2010 ............................................................................................................................ 371

    Tabela 10.9 Percentual das categorias scio-ocupacionais nos distritos superiores 2000/2010 ............................................................................................... 373

    Tabela 10.10 Taxa anual de crescimento demogrfico, nmero de domiclios (2010) e lanamentos imobilirios (entre 2001 e 2010) nos distritos superiores ..... 374

    Tabela 10.11 Domiclios segundo o tipo (distritos superiores) 2010.................. 375

    Tabela 10.12 Renda mdia dos chefes ocupados segundo condio de ocupao do domiclio em R$ ............................................................. 376

    Tabela 10.13 Percentual das categorias scio-ocupacionais nos distritos mdios ............................................................................................................. 377

    Tabela 10.14 Taxa anual de crescimento demogrfico, nmero de domiclios (2010) e de lanamentos imobilirios (entre 2001 e 2010) nos distritos mdios ..... 378

    Tabela 10.15 Domiclios segundo o tipo (distritos mdios) 2010 ....................... 379

    Tabela 10.16 Renda mdia dos chefes ocupados segundo condio de ocupao do domiclio (distritos mdios) - em R$ ................................................ 380

  • 12 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    Tabela 10.17 Percentual das categorias scio-ocupacionais nos distritos centrais ..................................................................................................... 381

    Tabela 10.18 Taxa anual de crescimento, nmero de domiclios (2010) e de lanamentos imobilirios (entre 2001 e 2010) nos distritos centrais ................... 382

    Tabela 10.19 Domiclios segundo o tipo (distritos centrais) 2010 ...................... 382

    Tabela 10.20 Renda mdia dos chefes ocupados segundo condio de ocupao do domiclio (distritos centrais) - em R$ ............................................... 383

    Tabela 10.21 Categorias scio-ocupacionais nas favelas e distritos populares-perifricos .................................................................................................... 384

    Tabela 10.22 Taxa anual de crescimento demogrfico e nmero de domiclios (2010) nas favelas e distritos populares perifricos ............................ 385

    Tabela 10.23 Domiclios segundo condio de ocupao RMRJ ........................... 386

    Tabela 10.24 Renda mdia dos chefes ocupados segundo condio de ocupao do domiclio - em R$ ................................................................................... 387

    Tabela 11.1 Estatsticas descritivas (2000 e 2010) .................................................. 400

    Tabela 11.2 Modelo Multinvel estimando risco de distoro idade-srie de um ano ou mais para alunos que cursavam o 5 ano do Ensino Fundamental (2000) ...................................................................................................... 402

    Tabela 11.3 Modelo Multinvel estimando risco de distoro idade-srie de um ano ou mais para alunos que cursavam o 5 ano do Ensino Fundamental (2010) ...................................................................................................... 403

    Tabela 11.4 Modelo Multinvel para o risco de distoro idade-srie de dois anos ou mais para alunos que cursavam o 5 ano do Ensino Fundamental (2000) ........................................................................................ 406

    Tabela 11.5 Modelo Multinvel para o risco de distoro idade-srie de dois anos ou mais para alunos que cursavam o 5 ano do Ensino Fundamental (2010) ......................................................................................... 407

    Tabela 11.6 Modelo Multinvel estimando risco de distoro idade-srie de um ano ou mais para alunos que cursavam a 8 srie/9 ano do Ensino Fundamental (2000) ................................................................................... 410

    Tabela 11.7 Modelo Multinvel estimando risco de distoro idade-srie de um ano ou mais para alunos que cursavam a 8 srie/9 ano do Ensino Fundamental (2010) ......................................................................................... 409

    Tabela 11.8 Modelo Multinvel estimando risco de distoro idade-srie de dois anos ou mais para alunos que cursavam o 9 ano do Ensino Fundamental (2000) ......................................................................................... 411

    Tabela 11.9 Modelo Multinvel estimando risco de distoro idade-srie de dois anos ou mais para alunos que cursavam o 9 ano do Ensino Fundamental ..................................................................................................... 412

    Tabela 12.1 Distribuio dos municpios, eleitores e vereadores na RMRJ ........... 434

    Tabela 12.2 Nvel de escolaridade dos vereadores eleitos em 2008 RMRJ (percentagem) .................................................................................................... 436

    Tabela 12.3 Representao por gnero nos legislativos municipais RMRJ (percentagem) .................................................................................................... 437

  • Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana 13

    Tabela 12.4 Origem partidria dos vereadores das Cmaras Municipais da RMRJ ..................................................................................................... 439

    Tabela 12.5 - Atividades legislativas e no legislativas desenvolvidas no curso do mandato vereadores da RMRJ (percentagem) .................................... 441

    Tabela 12.6 - Grau de conhecimento dos vereadores por rea de poltica (percentagem) ............................................................................................................... 442

    Tabela 12.7 - Vereadores com centros sociais na RMRJ ............................................. 443

    Tabela 12.8 - Atividades priorizadas pelos vereadores no contato com as bases eleitorais (percentagem) ..................................................................................... 444

    Tabela 12.9 - Contedo da correspondncia enviada pelos eleitores (percentagem) ............................................................................................................... 445

    Tabela 12.10 - Grau de Personalizao do mandato - % do peso dos esforos pessoais .................................................................................................... 446

    Tabela 12.11 Proposies apresentadas na Cmara Municipal de Japeri (2009-2011) .................................................................................................... 448

    Tabela 12.12 Indicaes dos vereadores da CMJ ao Poder Executivo 2009-11 .......................................................................................................................... 449

    Tabela 14.1 ndices de atendimento por prestador de servio na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro .................................................................... 487

    Tabela 14.2 Investimentos CEDAE ........................................................................... 499

    Tabela 15.1 Diviso modal dos transportes coletivos na RMRJ ............................. 517

    Tabela 15.2 Municpio de origem das viagens e limites territoriais dos destinos ................................................................................................................... 518

    Tabela 15.3 Movimento de passageiros segundo os transportes rodovirio, ferrovirio, hidrovirio e aerovirio - Municpio do Rio de Janeiro (2012) ............. 519

    Tabela 15.4 Caractersticas gerais dos BRT Planejados .......................................... 539

    Tabela 16.1 A confiana interpessoal nas reas da RMRJ ...................................... 558

    Tabela 16.2 A confiana poltica nas reas da RMRJ .............................................. 559

    Tabela 16.5 A mobilizao poltica nas reas da RMRJ .......................................... 563

  • Apresentao 15

    Apresentao

    Este livro resulta de cinco anos de pesquisa realizada pelo Ncleo do Rio de Janeiro do Observatrio das Metrpoles. Nesse perodo foram realizados vrios projetos integrantes do programa nacional Metrpole: territrio, coeso social e governana democrtica, coor-denado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional IPPUR, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e consti-tudo por uma rede nacional com ncleos presentes em 15 metrpoles do pas, articulados em torno do objetivo de compreenso sistemtica e comparativa da realidade metropolitana brasileira. Este programa de pesquisa contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvol-vimento Cientfico e Tecnolgico CNPq, da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ e da Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal do Ensino Superior como integrantes do Programa Institutos Nacionais de Cincia e Tecnologia INCT. Este apoio permitiu que consolidssemos uma experincia de pesquisa em rede, pouco comum no campo das cincias sociais aplicadas, iniciada na segunda metade dos anos 1990, quando os efeitos da crise eco-nmica e especialmente os da crise do trabalho ficaram expostos na espacialidade das metrpoles, evidenciando a deteriorao das condi-es urbanas de vida e a segregao territorial de grande parcela dos trabalhadores urbanos e suas famlias. Tal experincia de pesquisa em rede foi se constituindo mediante a construo de uma metodologia de pesquisa comum, o compartilhamento de bases de dados comuns e a adoo de prticas acadmicas de cooperao e intercmbio que as-seguraram a produo de anlises sistemticas e comparveis sobre o processo de metropolizao, a relao entre a organizao interna das metrpoles e os mecanismos de produo das desigualdades sociais, e sobre os padres de gesto urbana prevalecentes em cada um dos 15 aglomerados metropolitanos. A unidade do Observatrio tambm re-sulta da adeso de seus integrantes ao ethos da pesquisa comprometida com o pensamento crtico e com os objetivos de produo e difuso de conhecimentos passveis de influenciarem a construo de polticas pblicas nas metrpoles democrticas, justas e sustentveis para gover-nos e para a sociedade.

  • 16 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    A realizao de um programa de pesquisa com essas caracters-ticas e esses objetivos somente vivel com a colaborao abnegada de um vasto coletivo de pessoas interagindo para alm das obrigaes formais decorrentes dos papis sociais e dos contratos. Temos, por-tanto, a agradecer. Em primeiro lugar, aos que assinam os captulos deste livro e s instituies do sistema acadmico do Estado do Rio Janeiro nas quais esto inseridos pelo empenho na realizao colabo-rativa da pesquisa. O leitor poder encontrar informaes no final do livro que evidenciam o Ncleo Rio de Janeiro do Observatrio como um ncleo de uma pesquisa em rede, reunindo trs grandes centros universitrios, a saber, Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ e Universida-de Estadual do Norte Fluminense UENF, e distintos programas de ps-graduao. Tambm devemos agradecer aos inmeros estudantes de graduao, mestrado e doutorado que de diversas formas colabo-raram com seus diferentes trabalhos discentes na realizao das pes-quisas que fundamentam este livro. Merecem tambm o nosso reco-nhecimento e agradecimento as pessoas que prestaram fundamental suporte tcnico-gerencial equipe de pesquisadores. Embora tambm a lista seja grande, no podemos deixar de agradecer em especial a colaborao inestimvel de Elizabeth Alves, gerente acadmica do N-cleo do Rio de Janeiro, por sua capacidade e empenho em proporcio-nar equipe as melhores condies de trabalho, sempre disposta a superar os inmeros obstculos ao bom funcionamento. Nessa direo tambm devido o agradecimento a Karoline de Souza. Embora ten-do ingressado mais recentemente no Observatrio, tambm merece nosso reconhecimento e agradecimento o fundamental empenho de Pedro Paulo Bastos na viabilizao da publicao do conjunto dos 15 livros que apresentam os resultados nacionais do nosso programa de pesquisa.

  • Introduo 17

    A ordem urbana na metrpole do Rio de Janeiro: caminhos e sntese

    Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

    Quais os impactos na metrpole fluminense das mudanas ocor-ridas no Brasil nos ltimos 30 anos? Podemos identificar sinais de transformaes na ordem urbana? Por que tomar como referncia em nossa anlise o perodo compreendido entre 1980 e 2010?

    Para responder a essas indagaes, antes da apresentao dos re-sultados dos trabalhos realizados, materializados nos vrios captulos, parece-nos fundamental preliminarmente oferecer ao leitor os elemen-tos histricos, terico-metodolgicos e analticos que funcionaram como referncias contextuais e pontos de partida.

    Por que tomar como referncia em nossa anlise o perodo his-trico mencionado? No se trata apenas de uma razo operacional decorrente da existncia de dados sistemticos os censos demogr-ficos dos respectivos anos com os quais temos operado a anlise comparativa sobre as transformaes na dinmica socioterritorial das metrpoles. Deve-se, sobretudo, compreenso de que nessas dcadas sucederam trs marcantes perodos histricos em funo da emergn-cia de tendncias de transformao da sociedade brasileira no plano da economia, da sociedade e do Estado, ainda que todas contenham dinmicas ambguas e mesmo contraditrias. O primeiro, correspon-dente aos anos 1980, considerado como a dcada perdida, pelo baixo crescimento econmico, aumento das desigualdades sociais, do de-semprego e subemprego, da pobreza urbana, da exploso da crimi-nalidade violenta, enfim, da crise social resultante do esgotamento do modelo de industrializao. Mas, ao mesmo tempo, foi o momento de redemocratizao, com a retomada dos movimentos sindicais e sociais e os dos governos estaduais e municipais populistas, e da elaborao da constituio de 1988, marco institucional da construo de con-trato social fundado em princpios e instrumentos de um regime de bem-estar social. Em 1991 inicia-se um novo perodo marcado pelas polticas que buscavam a estabilizao monetria, pela economia na-cional voltada competio global e, sobretudo, pelo experimento

  • 18 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    neoliberal introduzido na segunda metade dos anos 1990. A estabi-lizao da moeda alcanada, gerando significativos efeitos positivos na estrutura das desigualdades da renda pessoal, ao mesmo tempo em que a reestruturao produtiva das empresas e do setor pblico via privatizao, aliada s sucessivas crises cambiais, produz impactos ne-gativos no mercado de trabalho. O terceiro perodo tem como marco a eleio de Lus Incio Lula da Silva, mas toma forma a partir de 2005 quando vrias iniciativas do governo vo constituindo um experimen-to neodesenvolvimentista, viabilizado pela retomada do crescimen-to econmico mundial alavancado pela expanso da industrializao da China. A combinao de polticas sociais com o crescimento da renda e do emprego criou um dinamismo de crescimento econmico com distribuio da renda, expanso do crdito e da incorporao ao mercado de bens de consumo durveis de amplas camadas populares historicamente dele excludas. O setor pblico se expande e o Estado retoma o seu papel de provedor de bens essenciais, como a habitao social.

    Tendo esses cenrios histricos como referncia, pareceu-nos per-tinente indagar se no perodo de 1980-2010 encontramos sinais de uma inflexo urbana nas metrpoles brasileiras1. A pertinncia dessa pergunta funda-se na compreenso de que as caractersticas da me-tropolizao brasileira decorreram das condies econmicas, sociais e polticas que presidiram a nossa industrializao acelerada a partir da segunda metade dos anos 1950, sob a hegemonia do capitalismo monopolista, vale dizer, do complexo industrial-financeiro2. Como aponta Arend (2012), a nossa industrializao ocorreu em dois mo-mentos distintos que se diferenciam em funo das condies sistmi-cas que delimitaram a nossa insero na economia-mundo capitalista. Entre 1930-1951 prevaleceu a estratgia nacional-desenvolvimentista de Getlio Vargas3, na qual as grandes empresas internacionais eram

    1 A hiptese da inflexo da ordem urbana foi analiticamente construda e apresenta-da em Ribeiro (2013).2 Como afirmou Florestan Fernandes (1976, p. 207), a nossa insero na expanso do capitalismo industrial-financeiro faz surgir a hegemonia urbana e metropolitana simultaneamente no territrio nacional, da qual decorre uma dinmica de concentra-o de recursos materiais, humanos e tcnicos em algumas cidades, dando origem a fenmenos tpicos de metropolizao e de satelizao sob o capitalismo dependente. 3 Segundo Arend (2012, p. 19): A conjuntura do perodo de caos sistmico, alm de possibilitar a ascenso de Estados desenvolvimentistas fortes, como foi o caso do Brasil, tambm mudou a geopoltica internacional com a deflagrao da II Guerra

  • Introduo 19

    convocadas para desenvolver os setores relacionados com a infraestru-tura econmica e os capitais nacionais dos setores de bens de consu-mo. Essa estratgia enfraquecida j no segundo governo de Vargas devido a mudanas das condies sistmicas globais de acumulao, entre elas a consolidao da hegemonia dos Estados Unidos (EUA) e a sua escolha geopoltica pela Europa e Japo. O governo estadunidense pressiona o governo brasileiro a abrir s grandes empresas america-nas os setores de produo de bens durveis. A eleio de Juscelino Kubitschek e o seu Plano de Metas expressam uma transformao do bloco de poder interno e a mudana da estratgia na direo de um desenvolvimentismo associado (1950-1980) s grandes empresas inter-nacionais produtoras dos bens durveis, setor que ocupava o ncleo da acumulao capitalista mundial naquele momento4.

    A metropolizao gerada pela expanso industrial sob a hege-monia monopolista tambm se expressou pela constituio de ordem urbana condizente com a forte concentrao do poder econmico, social, poltico e cultural das classes possuidoras da renda, da rique-za e das oportunidades e o vasto e heterogneo mundo do trabalho constitudo pela mobilizao da fora de trabalho realizada mediante intensiva migrao campo-cidade. Nas duas principais cidades - Rio de Janeiro e So Paulo -, at 1970 os fluxos migratrios atingiram 30 mi-lhes de pessoas, em uma populao que era de 93 milhes. Portanto, a urbanizao acelerada foi o mecanismo central da constituio do exrcito industrial de reserva do qual se originam os traos funda-

    Mundial. Neste aspecto em particular, o Estado brasileiro soube tirar proveito do am-biente geopoltico para avanar em seu processo de industrializao. Em 1940, num hbil jogo diplomtico com as rivalidades americanas e alems, o governo brasileiro conseguiu do EXIMBANK um financiamento dos EUA para a instalao de uma si-derrgica de capital integralmente nacional e prioritariamente pblico e, automatica-mente, criou tambm a Usina de Volta Redonda para a produo de ao. Dessa forma, instalou as bases imprescindveis formao de uma infraestrutura para o desenvolvi-mento do parque industrial brasileiro. 4 Conforme mostra Arend (ibidem, p. 24), uma mudana pode ser percebida: Assim sendo, o Plano de Metas, mesmo apresentando continuidade nas aes estatais em favor do desenvolvimento, marcava uma mudana significativa de concepo com o governo anterior de Getlio Vargas, cujo projeto de desenvolvimento era muito mais nacionalista do que internacionalista. No caso do governo Juscelino, havia uma clara aceitao da predominncia do capital externo, limitando-se o capital nacional ao papel de scio menor deste processo. Os grandes investimentos estatais em infraes-trutura, bem como as empresas estatais do setor produtivo, estariam a servio da acumulao privada..

  • 20 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    mentais do capitalismo industrial brasileiro5. Esse seria o fundamento histrico do crescimento urbano que se organiza semelhana da l-gica da expanso das fronteiras das relaes capitalistas. Com efeito, a dinmica de ocupao do territrio metropolitano reproduziu na cidade os mecanismos da fronteira analisados por J. Fiori (1995) e M. C. Tavares (1999) como instrumento de gesto da conflitualidade social do capitalismo industrial perifrico que se constituiu no Brasil, cuja marca principal foi a combinao de autoritarismo e laissez-faire na regulao das relaes sociais6. A intensidade e a velocidade do processo de mobilizao da fora de trabalho, via migrao das massas rurais, geraram a precoce metropolizao das duas maiores cidades do pas e constituram um urbano precrio e improvisado, como so todos os espaos de fronteira. por essa razo que podemos explicar a aparente contradio do capitalismo industrial brasileiro ao concen-trar a propriedade privada da terra no campo e difundi-la na cidade por meio de mecanismos que combinaram preos e reciprocidade/redistribuio materializados pelos laos sociais7. Em suma, a mobili-

    5 claro que a mobilizao do exrcito industrial de reserva, constitudo pelas massas rurais submergidas numa economia de subsistncia, no se deu exclusivamente mediante a urbanizao, porm esta foi sua forma predominante. (...). O desenvolvi-mento capitalista da economia brasileira foi profundamente marcado por esta ampla mobilizao do exrcito industrial de reserva, que deu lugar a um abundante supri-mento de fora de trabalho pouco qualificada, mas dcil e de aspiraes modestas. Formou-se desta maneira um importante diferencial entre custo da mo-de-obra qua-lificada e no qualificada, limitado apenas pela legislao do trabalho, principalmente pelo salrio mnimo. Isso explica o baixo grau de mecanizao das atividades agrco-las e de construo civil e o relativo obsoletismo tecnolgico dos ramos industriais mais antigos, como o txtil e o de confeces de vesturio. A persistncia de numero-sas pequenas empresas artesanais e semi-artesanais e do grande volume de fora de trabalho em servios domsticos tambm se explica pelo baixo custo da mo-de-obra. (SINGER, 1975, p. 122-3). 6 Vale a pena nessa reflexo considerar a seguinte descrio de Maria da Conceio Tavares sobre os fundamentos territoriais e demogrficos da aliana conservadora que presidiu o desenvolvimento do capitalismo brasileiro: O recurso peridico a uma ordem autoritria busca suas razes de Estado tanto na preservao do territrio nacional quanto no apoio expanso capitalista, em novas fronteiras de acumulao, onde lhe cabia impedir a luta de classes aberta, dos senhores da terra e do capital en-tre si, e garantir a submisso das populaes locais ou emigradas, que se espraiaram pelo vasto territrio brasileiro (...). Por sua vez, o processo de deslocamentos espaciais macios das migraes rural-urbanas das nossas populaes e as mudanas radicais das condies de vida e de explorao da mo-de-obra no permitiram, at hoje, a formao de classes sociais mais homogneas, capazes de um enfrentamento sistem-tico que pudesse levar a uma ordem burguesa sistemtica. (TAVARES, 1999 , p. 457).7 A literatura sobre a migrao mostrou em diversas pesquisas o papel desses laos no

  • Introduo 21

    zao da fora de trabalho via urbanizao implicou na constituio de uma dinmica de organizao social do territrio fundada na lgica da criao, destruio e recriao de sucessivas fronteiras internas de reproduo social do vasto exrcito industrial de reserva.

    Mas, por outro lado, a ordem urbana que presidiu a metropoli-zao tambm resultou do papel exercido pela acumulao urbana na viabilizao da constituio de um bloco de poder fundado na aliana entre Estado, capital nacional e empresas internacionais, fato poltico conceituado como sagrada aliana8 por C. Lessa e S. Dain (1984). Para os autores, o Estado teria sido o fiel da aliana, garantindo duas clu-sulas: a primeira, reservando aos capitais nacionais certos circuitos de acumulao no industriais como reserva; a segunda, estabelecendo formas de garantir uma partio horizontal da massa de lucros entre as duas rbitas, nivelando a rentabilidade. Os circuitos de valorizao organizados pelos capitais imobilirio, empreiteiro de obras pblicas, concessionrios de servios urbanos e pela propriedade da terra inte-graram a rbita protegida e constituram o segmento urbano da acu-mulao de capital, fato que est na base da histrica hipertrofia do papel da especulao na dinmica da organizao social do territrio em nossas metrpoles.

    Podemos supor que no perodo 1980-2010 tenham emergido ten-dncias de inflexes da ordem urbana construda nas metrpoles bra-sileiras? Esta pergunta orientou o trabalho da equipe do Observatrio das Metrpoles na anlise comparativa das 15 metrpoles envolvidas no Programa de Pesquisa do INCT realizado entre 2009-2013. Esta hiptese coloca-se de maneira ainda mais pertinente no Rio de Janeiro em razo da sua trajetria na industrializao anterior, marcada pela perda precoce do seu dinamismo para So Paulo. Hoje com cerca de 12 milhes de habitantes, a metrpole fluminense acumula os efeitos de um intenso processo de uma urbanizao dissociada da constitui-

    processo migratrio. Singer (1975, p. 55) assinala sua importncia ao afirmar que: A adaptao do migrante recm-chegado ao meio social se d frequentemente mediante mecanismos de ajuda mtua e de solidariedade de migrantes mais antigos..8 C. Lessa e S. Dain assim definiram a sagrada aliana: (...) uma comunidade e uma convergncia de interesses entre capitais dominantes em rbitas de capital no-in-dustrial e um sistema de filiais no circuito industrial. As relaes so sistemticas de solidariedade na expanso conjunta dos capitais existentes naquele espao nacional de acumulao e que respeita uma especializao, uma espcie de diviso do espao, segundo rbitas, por capitais de diferentes procedncias. Esse pacto se constitui com a presena do Estado (p. 254).

  • 22 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    o de uma base industrial correspondente9, ou seja, uma base com capacidade de gerar um mercado de trabalho capaz de sustentar o grau de metropolizao alcanado. Por outro lado, a dcada perdida dos anos 1980 produziu efeitos desproporcionais no Rio de Janeiro, manifestados na forma de uma crise social desemprego, informa-lizao, pobreza, violncia, etc. - e urbano-metropolitana crise ha-bitacional, mobilidade urbana, crescimento das favelas, entre outros. Curiosamente, no entanto, nesse perodo de crises surgiu um intenso movimento de especulao imobiliria com a incorporao da grande rea da Barra da Tijuca como nova frente de expanso urbana, fato que ter duradouros impactos na dinmica de metropolizao. Essa vasta rea com mais de 105 km quadrados permaneceu margem da expanso urbana da metrpole at a dcada de 70. Ao final dos anos 1960, as terras da Barra esto nas mos de quatro grandes proprie-trios: as empresas Esta, o Grupo de Desenvolvimento, a Carvalho Hosken S.A. e a Pasquale Mauro. Em 1970, a Desenvolvimento tenta realizar uma grande operao, como o lanamento de um conjunto de torres, no conseguindo, porm, lev-lo a cabo. Aps o fracasso do empreendimento a empresa passa a vender vrias glebas para as em-presas Carvalho Hosken, Construtora Santa Izabel, ENCOL e Cons-trutora Eldorado.

    No incio da dcada de 70, no governo Negro Lima, realizado um conjunto de obras virias, cuja finalidade foi promover a ligao com a zona sul da cidade. Posteriormente, elaborado o Plano Lcio Costa que visa no apenas regular a ocupao do solo Barra, mas tam-bm criar o Rio de Janeiro do futuro. Em 1976 editado o decreto n 324 que estabelece normas de construo especficas para a Barra e institucionaliza o Plano Lcio Costa.

    Ao final da dcada de 70, a Barra est preparada para ser consti-tuda como nova frente de expanso, comandada por uma coalizao de interesses formada pelos quatro grandes proprietrios de terra, al-gumas poucas grandes incorporadoras imobilirias, grandes empre-sas de obras pblicas e o poder pblico, configurando um caso tpico de urbanizao organizada pela lgica da gerao e extrao de um

    9 Uma das razes do baixo dinamismo industrial do Rio de Janeiro decorre do forte peso em sua estrutura dos setores que se tornaram obsoletos nas sucessivas revolues tecnolgicas, como identificou Dain (1990). O clebre debate sobre o esvaziamento econmico do Rio de Janeiro foi enriquecido pelas recentes pesquisas de Silva (2012) e Sobral (2013).

  • Introduo 23

    tipo de renda da terra semelhante class-monopoly rent conceituada por Harvey (1974). Tal fato desencadeou uma fora de arrastro na dinmi-ca de organizao social do territrio metropolitano expresso no fato de a Barra da Tijuca passar a concentrar em 1989 mais da metade dos lanamentos imobilirios na cidade - medidos em metros quadrados -, quando em 1980 eram apenas de 7,9% (RIBEIRO, 1997).

    _________

    Passamos agora para alguns elementos relacionados s orienta-es e escolhas terico-metodolgicas que fundaram a nossa anlise. Na anlise morfolgica da metrpole, adotamos o trabalho como va-rivel central de descrio e interpretao dos padres de diviso e hierarquizao da organizao social do territrio, o que considera-mos como evidncias do estado de segregao residencial da metr-pole. Trata-se de uma escolha terica assumida pelo Observatrio des-de o incio da sua existncia, segundo a qual a organizao social do territrio expressa, antes de mais nada, a estrutura social conformada na sociedade pela insero dos indivduos na estrutura produtiva e no mercado de trabalho. Para tanto, construmos um conjunto de cate-gorias scio-ocupacionais como proxy da estrutura social com base na Classificao Brasileira de Ocupaes CBO, adotada pelos rgos pblicos que geram informaes sobre trabalho. Em nossa concep-o, cada grande grupo ocupacional tende a conformar uma classe social por desfrutar de uma posio especfica na distribuio desigual dos capitais econmico, social e cultural e por suas distintas compo-sies, alm de tambm tendencialmente ser portador de um estilo de vida. Adotar a estrutura social como centro da anlise implica em considerar que a dinmica da organizao social do territrio resulta das relaes de disputas e conflitos sociais em torno da apropriao do territrio como fonte de bem-estar, riqueza e poder. Demografia, famlia, mobilidade e habitao so consideradas em nosso modelo analtico como dimenses suplementares da organizao social do ter-ritrio cuja anlise nos permite interpretar de maneira mais detalhada os padres de segregao residencial, bem como as dinmicas socio-territoriais da sua constituio. Buscamos ainda, em um terceiro mo-mento, avaliar as relaes de causalidade mtua entre esses padres e as desigualdades sociais em termos de acesso real diferenciado ao bem-estar urbano, proporcionado pelo espao urbano construdo, e

  • 24 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    s oportunidades em termos de educao e mercado de trabalho. As orientaes e as escolhas aqui sumariamente apresentadas, bem como os procedimentos empricos correlatos adotados na sua operaciona-lizao, compem o modelo analtico assumido pelo Observatrio e est descrito de maneira mais sistemtica no Box 1 intitulado As ca-tegorias scio-ocupacionais e a anlise social do territrio escrito por Marcelo Gomes Ribeiro e Michael Chetry.

    Aplicamos essa anlise socioespacial para os anos de 1980, 1991, 2000 e 2010, quando foram realizados os censos demogrficos, tendo como referncia a descrio da metrpole nos anos 1970, consagra-da pelos trabalhos que se tornaram clssicos no pensamento urbano sobre o Rio de Janeiro. Com efeito, os textos de Vetter (1975), Santos e Bronstein (1978), Vetter, Pinto, Fredrich e Massena (1981), Vetter (1981) e Abreu (1987) consolidaram a descrio da organizao social do territrio metropolitano fluminense naquele momento, caracteri-zada por uma estrutura urbana dualizada ncleo-periferia10 que ex-pressava as desigualdades de classe da sociedade, apesar da signifi-cativa presena de reas populares, as favelas, no ncleo. Entendia-se que a poltica de remoo da populao residente nessas reas para a periferia representava a consolidao do padro dualizado. Nes-ses trabalhos, a estrutura do espao desigual expresso na estrutura ncleo-periferia, assim como a dinmica da sua produo, foi inter-pretada como resultante da ao do mecanismo de causao circular cumulativa teorizado por G. Myrdal (1968) para a compreenso da reproduo das desigualdades regionais e por Harvey (1973) para as desigualdades urbanas. Os autores mencionados buscaram explicar as foras que atuam na reproduo da estrutura ncleo-periferia da metrpole do Rio de Janeiro, destacando os impactos econmicos e polticos da dinmica socioterritorial uma vez iniciado o processo de segregao residencial. Por um lado, as reas com elevada concentra-o dos grupos que ocupam as posies mais elevadas da estrutura social constituem tambm um poder econmico e poltico que tende

    10 Nesses trabalhos, a morfologia do territrio metropolitano era assim descrita: n-cleo: rea central comercial e financeira - antigo core histrico e por sua expanso em direo orla ocenica (a Zona Sul) e ao interior (bairros da Tijuca, Vila Isabel, So Cristvo e Caju) e mais o Centro e a Zona Sul de Niteri; periferia prxima: su-brbios do eixo Madureira da linha Central do Brasil e do eixo Iraj da antiga Leopol-dina, mais a Zona Norte de Niteri. Classicamente se inclui a Barra da Tijuca nesse espao; periferia intermediria: Baixada Fluminense, parte de Mag e So Gonalo; periferia distante: segundo os termos da poca, seria a rea conurbada.

  • Introduo 25

    a influenciar a seu favor as decises pblicas em matria de alocao de investimentos, se apropriando da maior parcela dos benefcios de-correntes, em termos de bem-estar urbano e oportunidades sociais. Ao mesmo tempo, esses grupos tendem tambm a ser beneficiados em termos de riqueza patrimonial, uma vez que a alocao seletiva dos investimentos urbanos produz impactos diferenciais na valorizao da moradia e do solo urbano. Tendencialmente, na medida em que essa dimenso da desigualdade social objeto de disputa pela apropriao da renda da terra, envolve os vrios segmentos de atores presentes no mercado imobilirio em que se destacam os proprietrios da terra, os incorporadores imobilirios e os prprios grupos segregados. O resultado dessa disputa a elevao do preo da moradia e da terra nas reas segregadas e privilegiadas pelos investimentos urbanos, o que leva ao deslocamento desses espaos dos grupos sociais que ocu-pam posies inferiores da estrutura social e que, portanto, desfrutam de menor poder econmico e poltico, acentuando e reproduzindo a segregao. Portanto, o mecanismo da causao circular cumulativa reproduz o espao desigual expresso na morfologia ncleo-periferia na medida em que as desigualdades do poder econmico e poltico se traduzem na segregao territorial deste poder que, uma vez constitu-do, transforma-se em poder de segregao, isto , em capacidade de atuar seletivamente no acesso aos investimentos urbanos e aos espaos privilegiados.

    _________

    Vejamos agora alguns elementos analticos que resultaram em pontos de partida das anlises empreendidas para responder as per-guntas enunciadas no incio desta introduo. Em trabalhos anterio-res aos reunidos no presente livro (RIBEIRO, 1986; LAGO; RIBEIRO, 1995; RIBEIRO, 1997; RIBEIRO; LAGO, 2000; RIBEIRO, 2000), bus-camos interpretar as mudanas dos padres e das dinmicas da organi-zao ncleo-periferia da metrpole fluminense no perodo 1980-2010 luz deste marco analtico. Neles ampliamos, porm, a compreenso das foras socioterritoriais presentes na causao circular cumulativa da reproduo do padro ncleo-periferia. De um lado, as foras de-correntes da economia poltica da urbanizao do Rio de Janeiro, cuja marca central o poder dos interesses configurados historicamente em torno da acumulao urbana, na qual tm fundamental peso po-

  • 26 Rio de Janeiro: transformaes na ordem urbana

    ltico os interesses das fraes do capital imobilirio, empreiteiro e concessionrio de servios coletivos. A ao desse poder comandou, por meio da interveno do Estado, os sucessivos ciclos de expanso da cidade fundados na produo de novas centralidades e de novas fronteiras que foram configurando as caractersticas da dinmica de organizao do territrio da metrpole. O primeiro ciclo foi o da re-conquista do centro da cidade do Rio de Janeiro em relao s clas-ses populares, no perodo marcado pelas reformas urbanas realizadas por Pereira Passos, quando as classes dominantes pretendiam realizar a construo de uma Paris nos Trpicos. O segundo corresponde ao momento da apropriao de Copacabana e a inveno da Zona Sul - Edifcio de Apartamentos nos anos 1930-1980, nova centralidade apresentada como a construo de um Paraso Tropical por prometer a juno da natureza com a modernidade. O terceiro grande ciclo inicia-se j no final dos anos 1970 e perdura at este momento com a apropriao e inveno da Barra da Tijuca - Condomnio Fechado como nova centralidade, a qual corresponde edificao da Miami da Amrica Latina, promessa do modelo urbano ps-moderno11. Cada um desses ciclos resulta da ao de coalises polticas dos interesses presentes na acumulao urbana e sua capacidade de orquestrar a in-terveno pblica como base da constituio de sucessivas centrali-dades12. A segunda fora impulsionadora do mecanismo da causao circular cumulativa foi a decorrente da irrupo na estrutura social de uma nova classe mdia profissional com a industrializao do pas mais conhecida como a alta classe mdia13 -, em especial aps os anos

    11 Utilizamos como marcadores simblicos de cada ciclo as criativas e pertinentes metforas construdas por Lessa (2000) para simbolizar a natureza do processo de desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro no sculo XX. 12 Vivemos no presente momento a emergncia de um novo ciclo da acumulao urba-na fundado na reconquista da antiga rea central da cidade do Rio de Janeiro, objeto de anlise no captulo 14 do presente livro (A gesto do saneamento ambiental: entre o mercado e o direito, de Ana Lucia Britto). 13 a compreenso desse fato que d sentido famosa frase de Francisco de Oliveira, em texto escrito em 1982 quando o urbano comeava a despontar como questo poltica sob o impulso dos movimentos pela redemocratizao: Eu resumiria, afirmando que o urbano hoje no Brasil as classes mdias, isto , as cidades so por excelncia recuperando a questo da terceirizao sob esse ngulo a expresso urbana dessa nova classe, onde o peso das classes mdias emerge com enorme fora, com enorme gravitao, tendo em vista o tipo de organizao que o capitalismo internacional criou ao projetar suas empresas dentro da sociedade brasileira. Isso tambm tem importncia do ponto de vista poltico. A enorme gravitao das classes

  • Introduo 27

    1950, com a modernizao do Estado e a instalao no Brasil das gran-des firmas internacionais. Na sociedade brasileira no se conforma apenas o grupo social identificado por Mills como os white color, mas uma classe social que, apesar de pouco numrica, gerou uma fora gravitacional na poltica urbana da metrpole com base em sua coeso social e, simultaneamente, na fragmentao do mundo popular urba-no como consequncia da existncia de um vasto exrcito industrial de reserva na metrpole. Ou seja, a concentrao territorial desse gru-po coeso, realizada abruptamente em razo da fora da acumulao urbana desbravando fronteiras urbanas e criando novas centralida-des, intensificou e acelerou na dinmica socioterritorial da metrpole a transformao da segregao do poder em poder de segregao. Em terceiro lugar, integramos, em nossa maneira de conceber as di-nmicas de organizao social do territrio metropolitano do Rio de Janeiro, a dimenso dos conflitos sociais em torno da apropriao do territrio metropolitano como base do acesso seletivo s fontes de bem-estar, oportunidades e riqueza patrimonial. Com efeito, em nossa concepo, a vigncia do mecanismo de causao circular cumulativa desde os anos 1970 j continha contratendncias concretizao do padro desigual centro-periferia, o que nos leva a superar a concepo dualista subjacente s anlises anteriores. Nos nossos trabalhos men-cionados anteriormente e em outros - constatamos a ao de trs dinmicas: a auto-segregao das classes superiores na forma da sua forte concentrao nos espaos mais valorizados, a periferizao das classes populares e a invaso14 de reas do ncleo metropolitano e de sua periferia imediata por parte dessas camadas, processo conhecido

    mdias no Brasil, vista sob outro aspecto, uma das bases do autoritarismo da sociedade brasileira. Do ponto de vista do urbano, das relaes entre o Estado e o urbano, essas classes mdias criaram demandas dentro das cidades. E o Estado hoje, do ponto de vista de sua relao com o urbano, entre outros aspectos importantes, saliento, em grande maioria determinado pela demanda das classes mdias dentro da cidade. (OLIVEIRA, 1982, p. 25).14 No utilizamos essa expresso no sentido construdo ecolgico-funcionalista por R. D. Mckenzie ([1924], 1970), mas como resultado das lutas sociais em torno do solo ur-bano como fundamento do acesso aos recursos que incidem sobre o bem-estar, patri-mnio imobilirio, renda monetria e oportunidades, recursos distribudos desigual-mente na organizao social do territrio metropolitano. Por outro lado, a dinmica da invaso (grifo nosso) expressa na forma favela resultou, na histria social e urbana do Rio de Janeiro, de aes coletivas organizadas por um misto de reciprocidade e mercado embebido em normas e valores, na aquisio da terra e na construo da moradia, como mostram diversos e conhecidos trabalhos de pesquisa.

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    no senso comum de favelizao. Tais dinmicas resultam de formas distintas de produo do espao metropolitano marcadas por relaes sociais diferentes e por distintas prticas de produo da moradia e de apropriao da cidade. A primeira resultante da lgica do mercado capitalista comandada pela incorporao imobiliria sempre associa-da, direta ou indiretamente, a outros circuitos da acumulao urbana; a segunda, da articulao de um mix de produo por encomenda, produo e mercado; e a invaso, essencialmente, da lgica da recipro-cidade15. Do ponto de vista morfolgico, essa maneira de interpretar a dinmica socioterritorial da metrpole do Rio de Janeiro nos levou a identificar um padro de segregao residencial mais complexo do que o esperado pela hiptese da causao circular cumulativa, pois alicerado em dupla gramtica escalar: na microescala, com a proxi-midade territorial e a distncia social entre as classes sociais, eviden-ciadas pela presena das favelas nas reas de concentrao do poder econmico e poltico e, na macroescala, com a concentrao das cama-das populares nas sucessivas periferias formadas a partir do ncleo da cidade do Rio de Janeiro.

    Foram com esses elementos tericos, analticos e metodolgicos que realizamos as anlises contidas no presente livro. Buscamos exa-minar em que medida no longo perodo 1980-2010 essa organizao social do territrio metropolitano fluminense manteve-se, ou mesmo se profundou, ou se, ao contrrio, emergiram tendncias que sinali-zam a sua transformao.

    _________

    Voltemos agora a nossa ateno para o livro. Ele est estruturado em trs partes, sendo a primeira intitulada Formao da metrpole: po-ltica, populao e economia reunindo estudos sobre aspectos institucio-nais, demogrficos e econmicos da trajetria histrica da metrpole fluminense que servem aos outros captulos. O tema da Organizao social do territrio tratado na parte II, reunindo oito captulos e dois

    15 Rigorosamente, na histria do Rio de Janeiro, a dinmica da invaso expressa na forma favela resultou de aes coletivas organizadas por um misto de reciprocidade e mercado embebido em normas e valores, na aquisio da terra e na construo da moradia, como mostram diversos e conhecidos trabalhos de pesquisa. O leitor poder encontrar informaes nessa direo em Zaluar e Alvito (1996), em um livro que traa um amplo panorama da histria da formao das favelas no Rio de Janeiro.

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    boxes. No captulo 4 apresentada a nossa interpretao das trans-formaes na morfologia e na dinmica de organizao social no lon-go perodo compreendido entre 1980-2010, com base na comparao do perfil scio-ocupacional dos espaos da metrpole. Nos captulos subsequentes ampliamos tal interpretao, analisando de maneira sin-crnica e articulada outras dimenses da dinmica socioterritorial mobilidade, acesso moradia, arranjo familiar. Integram ainda essa parte estudos sobre a relao entre a organizao social do territrio e as desigualdades sociais, em que centramos o nosso foco no acesso ao bem-estar urbano e s oportunidades educativas, buscando gerar evi-dncias empricas sobre a continuidade ou transformao da dinmica de organizao social do territrio segundo a lgica do mecanismo da causao circular cumulativa, mencionada anteriormente. A tercei-ra parte do livro intitulada Governo, poltica e a governana metropolita-na fragmentada rene cinco captulos sobre vrios temas relacionados com a dimenso institucional-poltica da metrpole que nos ajudam a compreender as razes do papel da ao pblica na reproduo do padro de organizao social do territrio.

    Vamos agora apresentar cada captulo, obedecendo ordem lgi-ca do argumento que articula o conjunto do livro. Comecemos, por-tanto, pela apresentao sinttica da resposta pergunta inicial formu-lada. Os resultados empricos e as interpretaes sobre os mesmos nos levam a concluir que, apesar das macrotendncias de transformao econmica, social e poltica mencionadas, no perodo 1980-2010 ob-servamos poucas mudanas na morfologia e na dinmica de organiza-o social do territrio metropolitano. Ao longo desses 30 anos, com efeito, constatamos sinais evidentes da continuidade da vigncia do mecanismo de causao circular cumulativa cujo resultado a manu-teno do processo de segregao residencial baseado na dupla gra-mtica escalar: a da distncia social e proximidade territorial expressa na dicotomia favela-bairro e a da distncia territorial e distncia social materializada, por sua vez, no par ncleo-periferia. Os resultados da anlise sistemtica apresentada no captulo Segregao residencial: padres e evoluo, escrito por Luiz Cesar Queiroz Ribeiro e Marcelo Ribeiro, nos permitem justificar essa afirmao. Observamos sinais de reproduo dessa dinmica devido acentuao da auto-segregao residencial das classes detentoras do poder econmico e poltico nas reas da metrpole em que j eram dominantes, tornando o espao metropolitano mais socialmente polarizado nas duas escalas mencio-

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    nadas em razo da continuidade da dinmica da invaso pela manu-teno e mesmo em razo do crescimento demogrfico das favelas, inclusive nos espaos auto-segregados. Simultaneamente, ao longo do perodo tambm emergiu a tendncia diversificao social da orga-nizao social do territrio, pelo surgimento de enclaves de espaos de classe mdia na periferia metropolitana e da elevao das condies de vida nos espaos populares, mas que no altera expressivamente a distncia social em relao aos espaos mais centrais, avaliada pelas diferenas do perfil social entre elas. Ao surgimento dos menciona-dos enclaves na periferia metropolitana corresponde o processo de estratificao do mundo urbano das classes mdias que vem ocorren-do como resultado do fenmeno da enorme expanso do ensino de nvel superior, criando o fenmeno conhecido como over education16 pelo qual j no h mais relao mecnica e direta entre posio social e poder econmico e poltico. Por outro lado, a melhora nos indica-dores sociais em especial os relativos renda, consumo e educao , observada nos territrios populares indica apenas mudanas nas condies sociais, no alterando a posio. o que demonstram An-dr Salata e Michael Chetry no captulo Transformaes sociais: nova classe mdia ou nova classe trabalhadora?. Os autores argumentam que no se verificou na metrpole fluminense qualquer mudana subs-tantiva em sua estrutura scio-ocupacional, demonstrando que seria mais correto interpretar as recentes transformaes como melhora no padro de vida das camadas populares do que como emergncia de uma nova classe mdia. Salientam que no se pode ignorar o aumento da renda, da formalizao do trabalho, da escolaridade e do padro de consumo das classes populares, o que vem reduzindo as distncias econmicas entre as classes sociais.

    A manuteno do mecanismo de causao circular cumulativa tambm se evidencia nos resultados da anlise sobre a relao entre organizao social do territrio e a reproduo das desigualdades so-ciais. Em trabalhos anteriores realizados pelo Observatrio (RIBEI-RO; KAZTMAN, 2008; RIBEIRO et al., 2010), analisamos os efeitos reprodutores das desigualdades de acesso efetivo de crianas e jovens

    16 A dissociao entre educao, posio social e condio social no Brasil metropo-litano contemporneo foi competentemente demonstrada na tese de doutoramento de Marcelo Ribeiro intitulada Educao, Posio de Classe e Territrio: Uma anlise das desigualdades de renda em regies metropolitanas do Brasil. Ver M. G. Ribeiro (2012).

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    ao capital escolar pelos diferentes contextos sociais gerados pela segre-gao residencial nas escalas ncleo-periferia e favela-bairro. J naque-la ocasio, interpretvamos esses resultados como evidncias empri-cas da ao do mecanismo da causao circular cumulativa, na medida em que o padro e a dinmica de organizao social do territrio manteriam as desigualdades inerentes ordem urbana conformada na metrpole fluminense. Tal evidncia confirmada pelos resultados da pesquisa sobre o mesmo tema, realizada por Mariane Koslinski, Ftima Alves, Paula Hernandez Heredia e Andr Regis, que so apresentados no captulo 11 intitulado Segregao residencial, condies de mo-radia e desigualdade escolar. Nele os autores sofisticam e ampliam experimentos anteriores ao usarem a tcnica da regresso multinvel o que assegura o controle mais rigoroso dos efeitos das diferenas individuais e dos contextos sociais -, e ao incorporarem a dimenso explicativa tambm s desigualdades de condies habitacionais, nas quais se destacam o impacto negativo, em crianas e jovens cursando a quinta e oitava srie, de viver em moradias com densidade exces-siva. Tambm testamos o papel da segregao residencial na repro-duo das desigualdades de condies coletivas de vida, utilizando como medida o ndice de Bem-Estar Urbano IBEU, elaborado pelo Observatrio das Metrpoles. Usando os mesmos procedimentos me-todolgicos e as variveis de anlise social do territrio empregados no captulo 4, Joo Lus Silva Nery Junior e Gustavo Henrique P. Costa no Box 3, intitulado As desigualdades de bem-estar urbano, deixam claro que, no obstante a relativa desconcentrao espacial dos investi-mentos urbanos - por exemplo, em saneamento ambiental, que ocorre-ram aps 1980 e foram observados por vrios analistas, na metrpole fluminense mantm-se fortes relaes entre a segregao residencial e as desigualdades das condies urbanas de vida, como descrito nos estudos seminais relativos aos anos 1970 mencionados anteriormente.

    A anlise das dinmicas socioterritoriais que reproduzem o pa-dro de organizao social do territrio apresentada nos outros captulos da parte II. Nos captulos Dinmica imobiliria: Estado e o capital imobilirio e Dinmica imobiliria: as classes sociais e a habitao, Luciana Lago e Adauto Cardoso analisaram o quadro da poltica habitacional nos ltimos 30 anos e sua efetivao nos munic-pios metropolitanos do Rio de Janeiro, entendendo o financiamento pblico como condio primeira de funcionamento desse setor. Em seguida, examinaram o comportamento do mercado imobilirio e as

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    formas de acesso moradia na ltima dcada como fatores explicati-vos da dinmica de organizao socioterritorial. Ficou evidente que a emergncia da tendncia diversificao social da periferia metro-politana est associada ao movimento de expanso da produo imo-biliria capitalista para essas reas que, at recentemente, se caracte-rizavam pela predominncia de formas no capitalistas. No entanto, os dois captulos evidenciam a continuidade do processo de auto-se-gregao das altas classes mdias pela ao do segmento concentrado da incorporao imobiliria associada concentrao dos investimen-tos pblicos no municpio do Rio de Janeiro, particularmente com a ocupao da Barra da Tijuca. No outro polo, os autores identificaram tendncias recentes de transformao da forma invaso devido a uma forte mercantilizao dos espaos populares, tanto nas favelas quanto nos bairros perifricos, mediante a intensificao da produo rentis-ta, o aumento dos preos dos imveis e a importncia do aluguel como forma de proviso de moradia.

    No captulo Transformaes domiciliares: arranjos, trabalho e renda, Rosa Ribeiro apresenta o papel das mudanas no mundo das famlias - reduo do tamanho das unidades domsticas, reduo do nmero de filhos e maior participao do cnjuge no mercado de tra-balho - na diminuio das distncias sociais entre espaos populares e espaos mais auto-segregados, sem, contudo, alterar a sua posio na organizao social do territrio. Os movimentos da populao no territrio metropolitano nos permitem ver as dinmicas da diversifi-cao e da polarizao socioterritorial. Um dos processos demonstra-dos empiricamente por Ricardo Oliveira e rica Tavares, no captu-lo Transformaes demogrficas: os movimentos da populao no territrio foi o reforo da auto-segregao pelo deslocamento das camadas populares das reas de concentrao da alta classe mdia para a periferia metropolitana, ao mesmo tempo em que passam a receber majoritariamente novos residentes tambm integrantes da alta classe mdia. Os autores tambm demonstram que a lgica do modelo ncleo-periferia ainda permanece na organizao social do espao metropolitano, com forte mobilidade pendular entre casa e trabalho. Em relao aos movimentos pendulares, ficou evidente que so as reas populares da periferia que continuam sendo sua princi-pal origem, tendo aumentado expressivamente os movimentos em busca de trabalho na prpria periferia em funo do maior dinamis-mo dessa regio. No captulo Condies de mobilidade urbana e

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    organizao social do territrio, Juciano Rodrigues tambm utili-za a mobilidade urbana para compreender a dinmica de organiza-o social do territrio, examinando as condies de deslocamento dos grupos sociais geradas pelo atual sistema de transporte urbano. A varivel utilizada foi o tempo de deslocamento casa-trabalho da populao residente na metrpole fluminense. Segundo o autor, os processos de expanso urbana e de crescimento da periferia no fo-ram ainda capazes de alterar o carter marcantemente mononuclear de sua organizao interna, sendo ainda significativa a concentrao dos empregos na antiga centralidade centro/zona sul e na nova Barra da Tijuca. Junta-se a esse quadro, a manuteno da hegemonia e do pacto rodoviarista constitudo na dcada de 1950 na forma do sistema de concesso dos servios de transportes coletivos, controla-do pelo poderoso setor de empresas de nibus e, ao mesmo tempo, pelo incentivo ao consumo do automvel.

    Os outros captulos do livro trataram de demais dimenses das foras que atuam indiretamente na causao circular cumulativa repro-dutora do padro segregado de organizao social do territrio. No captulo Estrutura produtiva e diviso espacial do trabalho no Estado e na metrpole, Hiplita Siqueira se debruou sobre as estratgias dos diferentes setores empresariais no Estado e na metrpole do Rio de Janeiro, privilegiando as transformaes no dinamismo econmi-co da regio a partir dos anos 90. Para a autora, a retomada de um relativo dinamismo nos ltimos 20 anos, aps a grave crise nos anos 80, foi impulsionada pela expanso da economia extrativa do petrleo e, posteriormente, pela retomada dos investimentos pblicos e priva-dos proporcionados pela organizao dos grandes eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpadas) e pelos efeitos das polticas macroeco-nmicas dos anos 2000. No entanto, a autonomia econmica da regio fluminense, e particularmente da sua metrpole, colocada em ques-to. O captulo buscou examinar em que medida essas transformaes tiveram impactos positivos na estrutura produtiva local, no sentido de gerar um dinamismo econmico sustentvel ao longo do tempo, alterando de maneira decisiva a trajetria de estrutural dependncia do Rio de Janeiro aos ciclos econmicos nacionais. Para tanto, foram analisados a natureza e os determinantes das transformaes econmi-cas, considerando as principais tendncias quantitativas e qualitativas na estrutura produtiva (setorial e regional) e na diviso espacial do trabalho fluminense e da regio metropolitana, inserindo-os no con-

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    texto das transformaes mais gerais do pas. Nas concluses, Hiplita Siqueira indica que a economia metropolitana ainda se encontra for-temente dependente das conjunturas econmicas nacionais e at glo-bais, o que mantm a centralidade do circuito da acumulao urbana obras pblicas, imobilirio e concesso de servios pblicos. O di-namismo econmico contribuiu para a manuteno do padro funda-do estruturalmente no modelo ncleo-periferia tanto pelos impactos no plano da economia poltica, por manter a hegemonia das foras e dos interesses da acumulao urbana no governo da metrpole, quan-to por alterar a segmentao econmica do territrio metropolitano como demonstrado em trabalho anterior do Observatrio das Metr-poles (RUIZ; PEREIRA, 2009).

    rica Tavares e Ricardo Oliveira examinaram no captulo A me-trpole fluminense na transio demogrfica e urbana brasileira as particularidades da relao entre populao e territrio na metropoli-zao do Rio de Janeiro. Os autores constatam que nela ocorreu com mais vigor do que nas outras metrpoles a acelerao da queda de fecundidade, do envelhecimento da populao e da afirmao dos va-lores individualistas, dando continuidade s mudanas nos arranjos familiares e nas estratgias de reproduo das famlias. Essas transfor-maes demogrficas, associadas reduo expressiva da migrao de longa distncia, evidenciam que a presso demogrfica h algum tempo no mais explica a permanncia da importncia da periferiza-o e da invaso na constituio dos espaos populares que integram a organizao social do territrio metropolitano.

    O restante do livro rene resultados de anlises sobre os funda-mentos da permanncia do padro fragmentado de governana urba-na na metrpole fluminense que sustenta e legitima a ao pblica na manuteno do mecanismo de causao circular cumulativa, o que se concretiza no apenas por meio da alocao seletiva dos investimentos urbanos, mas tambm pela manuteno de lgicas polticas diferen-ciadas mas, combinadas - no que concerne prestao de servios pblicos e regulao da dinmica de organizao do territrio.

    O captulo O processo de fuso e o novo Estado do Rio de Janei-ro: a questo institucional, escrito por Sergio de Azevedo e Yolanda Lobo, evidencia as bases histricas da desarticulao poltica entre a cidade do Rio de Janeiro, ex-capital da Repblica, e os demais muni-cpios do seu entorno. O processo de fuso dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e de criao da Regio Metropolitana do Rio de

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    Janeiro na dcada de 70 nos faz entender importantes aspectos do desafio metropolitano nos dias atuais. A postura de no cooperao histrica da Prefeitura da capital, aliada inexistncia de uma agncia metropolitana, explica a razo do baixo desempenho dos rgos pbli-cos que atuam de forma no articulada na RMRJ, quando comparado com todas as demais grandes regies metropolitanas do pas. Nesse sentido, a totalidade metropolitana se realiza na experincia cotidiana dos habitantes da metrpole e nas estratgias dos agentes econmicos, mas no nas polticas pblicas cuja funo justamente regular as aes do capital e garantir o bem-estar de todos os cidados. O fato de essa mudana institucional ocorrer por uma deciso autoritria por razes puramente geoestratgicas da ditadura militar, e coincidindo com a criao da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro como reali-dade institucional, deixou um legado histrico cuja caracterstica prin-cipal a atrofia poltica da metrpole com seus territrios fragmenta-dos por duas mquinas polticas eleitorais alimentadas por dinmicas absolutamente segmentadas. A primeira, comandada pelo grupo dos Amarelistas, fundada no controle do que passou ser o interior do novo Estado do Rio de Janeiro, com toda sua pobreza e ausncia de dinamismo econmico e social, e a segunda, a mquina Chaguista, fundada no controle da ex-cidade-estado da Guanabara, territrio de concentrao da riqueza e da economia dinmica. O controle polti-co-eleitoral dos municpios metropolitanos torna-se objeto de disputa dessas duas mquinas, por meio das prticas tradicionais da poltica brasileira. Os efeitos de path dependence se expressaram na criao de um organismo de governana metropolitana forte tecnicamente, mas sem legitimidade para produzir polticas pblicas efetivas. Sem legi-timidade poltica e social, pois, como destacam os autores, nem as classes mdias moradoras das reas abastadas e nem as classes popula-res dos subrbios da ex-cidade-estado se veem representadas no novo organismo poltico.

    O livro apresenta outros resultados de pesquisa que nos permitem levar mais adiante a reflexo sobre os efeitos de path dependence sobre os padres de governo e a cultura poltica que explicam a inexistncia de uma instituio de governana da metrpole. Assim, Nelson Rojas, no captulo O poder local: clientelismo e o deficit legislativo, mapeou os legislativos municipais, observando o padro de representao e a produo legislativa no mbito das cmaras municipais da periferia metropolitana. O autor evidencia a persistncia de um padro poltico

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    clientelista que se traduz em polticas distributivas privatistas e loca-listas que sustentam relaes assimtricas entre representantes e re-presentado. Por outro lado, Ana Lucia Britto no captulo A gesto do saneamento ambiental: entre o mercado e o direito analisa os obst-culos efetivao de um modelo de gesto de servios de saneamento orientado pelos valores de justia social e universalizao decorrentes da resilincia da cultura coagulada na Companhia Estadual de guas e Esgotos do Rio de Janeiro CEDAE, criada em 1975 a partir da fuso da Empresa de guas do Estado da Guanabara - CEDAG, da Empresa de Saneamento da Guanabara ESAG e da Companhia de Saneamen-to do Estado do Rio de Janeiro SANERJ. A Cedae o principal ator da gesto do saneamento metropolitano e manifestamente apresenta indicadores negativos de desempenho - destacando-se o baixo ndice de hidrometrao, o alto ndice de perdas, a poltica tarifria inade-quada, a ausncia de capacidade de investimento, o alto ndice de eva-so de receitas e inadimplncia, o crescimento exponencial de causas judiciais e a falta de integrao entre os sistemas com importantes impactos negativos na prestao de servio de saneamento ambiental na periferia metropolitana. Tal ineficcia decorre fundamentalmen-te do uso da Cedae como instrumento importante na construo da rede de subordinao da maior parte dos municpios metropolitanos ao governo estadual. Em 2007 surge um projeto de modernizao via a adoo de um modelo empresarial, mas que tampouco avana na direo da implantao de um modelo de gesto que garanta a justia social e a universalizao do acesso. A anlise proposta por Ana Lucia Britto nos permite compreender que os impasses que atravessam a poltica de saneamento ambiental decorrem das foras institucionais e polticas que mantm o mecanismo de causao circular e a sua per-manncia contribui para a sua manuteno.

    Enquanto mantm-se o padro tradicional da poltica urbana na metrpole, a cidade do Rio de Janeiro vem sendo objeto, desde o incio dos anos 1990, de um processo de modernizao da forma de governo e de interveno pblica que recicla as condies polticas da acumu-lao urbana, alm de manter o quadro de fragmentao institucional na governana metropolitana. Em Governana empreendedorista: a modernizao neoliberal, Orlando Santos Junior buscou compreen-der a interveno pblica na preparao da cidade do Rio de Janeiro para sediar os megaeventos Copa do Mundo - 2014 e Jogos Olmpicos - 2016 como novos ciclos de mercantilizao da cidade que atualizam e

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    recompem as foras da acumulao urbana que, no nosso argumen-to, esto na base da reproduo do mecanismo de causao circular cumulativa. So abandonados os compromissos universalistas e redis-tributivos expressos no plano diretor aprovado em 1991, passando o governo da cidade a se orientar por aes consideradas estratgicas para torn-la competitiva no mercado global de consumo de servios, particularmente aqueles relacionados com o turismo de divertimen-to. O autor demonstra que a poltica urbana passa a concentrar suas aes habilitadoras do mercado em termos de investimento e de re-gulao urbana - na Barra da Tijuca, na rea Porturia e na Zona Sul, alimentando, assim, o mecanismo da causao circular e cumulativa das desigualdades urbanas. Por sua vez, o captulo A gesto dos trans-portes: