Serguei Eisenstein Cem Anos - Caio Amado

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Sobre Eisenstein

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  • 163CRTICA MARXISTA

    1998 o ano do centenrio de nasci-mento e do cinqentenrio da morte deSerguei Eisenstein, uma das maiores per-sonalidades do cinema. Combinando,como poucos, uma obra artstica excepci-onal com penetrantes estudos tericos,Eisenstein realizou poucos filmes: A greve(1923), Encouraado Potemkin (1925),Outubro (1927), O velho e o novo (1928)Alexandre Nevski (1938), Ivan, o Terrvel,parte 1 (1945) e parte 2 (finalizada em 1945e exibida pela primeira vez em 1958). Aesta lista necessrio acrescentar os traba-lhos interrompidos, como Que viva Mxi-co! (rodado parcialmente no incio da d-cada de 30, saqueado por produtores nor-te-americanos e, finalmente, montado emduas verses aps a morte do cineasta) e Oprado de Benjim (do qual sobreviveramapenas fotogramas), e inmeros projetosque no saram do papel: adaptaes deobras literrias (A cavalaria vermelha deIsaac Babel, A guerra dos mundos de H. G.Wells, Ns de Eugen Zamitin, O ouro deBlaise Cendrars, Uma Tragdia America-na de Theodore Dreiser, A condio huma-na de Andr Malraux, Ulisses de JamesJoyce), biografias (de Giordano Bruno, dePuchkin), a terceira parte de Ivan, o Terr-vel e, o mais estranho de todos (mas comfundamentos na potica do cineasta), a fil-magem de O Capital de Karl Marx. Comoterico, autor de uma obra volumosa,grande parte ainda indita. Seus livros re-presentam, possivelmente, a mais profun-da reflexo sobre o cinema at os dias dehoje, e exercem uma grande influncia so-bre cineastas, tericos e crticos.

    *Professor do Depto. de Cincias Sociais da Univ. Federal de Sergipe e diretor de vdeo.

    Serguei Eisenstein:cem anosCaio Amado*

    Eisenstein nasceu em Riga, Letnia,ento provncia do imprio russo, depoisRepblica Sovitica da Letnia. A revo-luo de 1917 o marcou profundamente,transformando, conforme ele manifestouem vrios de seus escritos, toda a sua con-cepo do mundo e da vida. Esta marca patente em sua obra, em que a revoluoaparece no s como tema e perspectivaideolgica, mas, acima de tudo, comoelemento constitutivo fundamental desuas pesquisas estticas, centrada na bus-ca de uma linguagem revolucionria. Asociedade sovitica durante os anos 20forneceu condies favorveis para aemergncia de tais preocupaes.

    A dcada de 20, na Unio Sovitica,desmente, pelo menos em parte, a afir-mao de que s houve incompreenso,desconhecimento ou hostilidade mtu-os entre as grandes revolues polticasdo nosso sculo e o modernismo estti-co. Durante este perodo, a imaginaoartstica parecia caminhar lado a ladocom as mudanas sociais. Artistas plsti-cos como Malevich, Pevsner, Gabo,Tatlin e Rodchenko voltavam-se para osproblemas materiais e construtivos daforma. Projetos arquitetnicos e urbans-ticos buscavam criar um novo ambientefsico, adequado nova sociedade. Apoesia de Maiakovski tinha o ritmo deum mundo regido pelas mquinas, pelaeletricidade, pelo automvel. No cine-ma, Dziga Vertov pretendia corrigir aimperfeio do olho humano pelo olhoda cmera. Contra o naturalismo do tea-tro de Stanislavski, Meyerhold inventa-

    NOTAS

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    va a biomecnica, transformando os cor-pos dos atores em mquinas expressivas.Os modernistas soviticos pareciam le-var s ltimas conseqncias a frmulade Lenin: socialismo = soviets + eletrifi-cao. A modernizao industrial dava atnica na poltica e nas artes. Apesar dadesconfiana de Lenin, relativamenteconservador em matria cultural, estesmovimentos foram estimulados pelo co-missrio do povo para a EducaoAnatoli Lunacharski.

    Durante a guerra civil, Eisenstein sealistou no Exrcito Vermelho.Desmobilizado, foi trabalhar, em Mos-cou, no teatro do Proletkult fundados vsperas da revoluo e animado pelofilsofo bolchevique AlexanderBogdanov. Sob os olhos desconfiados deLenin e de outras lideranas do partido,mas estimulado por Lunacharski, oProletkult pretendia levar adiante a lutade classes no campo especfico da cultu-ra, fora do controle partidrio. Mantevea sua independncia at 1920, quandose tornou rgo do governo, incorporan-do-se ao Comissariado da Educao. Foino Proletkult que Eisenstein iniciou asua carreira artstica, desenhando cenri-os e dirigindo operrios que se tornavamatores e acrobatas nas horas de folga. Foil tambm que, de retorno aps um est-gio com Meyerhold, formulou, em 1923,sua teoria da montagem das atraes, apartir da qual realizou o seu primeiro fil-me, A greve.

    A montagem das atraes deriva demltiplas fontes: da engenharia, queEisenstein estudou antes da guerra civil,vem a idia do teatro (e, depois, do fil-me) como artefato mecnico, como dis-posio de meios visando um objetivodefinido ( no caso, a conscincia do es-pectador); da cincia, a definio anal-tica da unidade mnima do objeto de es-tudo (no caso, a atrao como unidade

    da arte); da atividade industrial, a di-viso do trabalho, o entendimento daarte como processo produtivo, a idiade montagem. Deriva tambm dareflexologia de Pavlov, do mtodofisionmico de Lavater, da biomecnicade Meyerhold, dos espetculos popula-res (o teatro de variedades, a pantomima,o circo). Enfim, a montagem, central nopensamento de Eisenstein, tem a ver tan-to com a indstria quanto com o cinema.

    Inventado h menos de 30 anos, o ci-nema era, nos anos 20, uma arte madura.J em meados da dcada anterior, as tc-nicas de montagem do norte-americanoDavid Wark Griffith forneciam as basespara o que viria a ser, at os dias de hoje,a forma cinematogrfica hegemnica: ofilme narrativo. Diante deste modelo, oscineastas soviticos se dividem. DzigaVertov o rejeita. Lev Kulechov e VsevlodPudovkin, de certo modo, o incorporam.Eisenstein reconhece a importncia dasdescobertas norte-americanas, mas rejei-ta os seus limites. Os poderosos recursosda montagem vo se liberar, nos seus fil-mes, das cadeias da narrao griffithiana.Os grupos humanos, as relaes sociais,o processo histrico, apresentados eficaz-mente na montagem paralela nos gran-des filmes de Griffith, mas reduzidos condio de pano de fundo para os dra-mas pessoais e o desempenho dos stars,se autonomizam face a esta subordina-o e emergem como o tema principal. Aalternncia entre planos de conjunto eprimeiros planos relacionava, em Griffith,os indivduos e as massas, mas enfatizandoos indivduos. Em Eisenstein, os indiv-duos so apenas partes destacadas dasmassas, que ocupam todos os planos ecujos movimentos e lutas se apresentamcom uma intensidade jamais alcanadano cinema, antes ou depois. O paralelismoda montagem se limitava a justapor os am-bientes e os grupos: os ricos e os pobres,

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    o norte e o sul, o campo e a cidade. preciso coloc-los em conflito. A monta-gem no poder mais ser a soma dos pla-nos, ser o entrechoque deles. O choqueentre duas imagens produz o conceito ou,nos termos de Eisenstein, duas represen-taes produzem uma imagem, imagemmental entendida como unidade de pen-samento. O cinema como pensamento,que jamais abandonar as reflexes deEisenstein, explode a prpria naturalida-de do fio narrativo: um filme no apre-sentao direta do mundo, mas discursosobre o mundo, articulado por imagens(mais tarde, por imagens e sons).

    Posteriormente, Eisenstein ligar a su-cesso dinmica de imagens e sons aomonlogo interior, que descobriu emJoyce, e a uma forma de pensamento pr-lgico, que ele extraiu de Levy-Brhl. Ointeresse pela escrita ideogramtica doJapo e da China, leituras de Freud e, fi-nalmente, a viagem ao Mxico estimu-lam estas reflexes. A montagem passa aser concebida de uma maneira mais am-pla, no apenas como o choque entre pla-nos, mas como j presente no interior deum mesmo plano. Um certo mecanicismo,presente na sua formulao inicial damontagem de atraes, superado.Juntamente com suas pesquisas sobre osom e a cor no cinema, estas novas preo-cupaes tero eco no seu ltimo traba-lho, Ivan, o Terrvel.

    No incio da dcada de 30, Eisensteinsaiu da Unio Sovitica, foi EuropaOcidental, tentou sem sucesso trabalharnos Estados Unidos e empreendeu a ten-tativa malograda de Que viva Mxico!De volta Unio Sovitica, encontrouum ambiente distinto daquele que haviadeixado. As oposies trotskistas,zinovievista e bukarinista estavam defi-nitivamente silenciadas, prosseguia abrutal coletivizao no campo, iniciadaem 1928, e o partido bolchevique era

    agora um instrumento a servio da fac-o comandada por Stalin. Os filmes deEisenstein so alvo de ataques, critica-dos como formalistas, e sua nfase nasmassas condenado como esquerdismoincompatvel com a nova esttica ofici-al, o realismo socialista.

    Difcil determinar o papel deEisenstein face aos acontecimentos po-lticos na Unio Sovitica. Sua adeso revoluo jamais o tornou um homem departido. Ao que se sabe, esteve alheio slutas pelo poder entre os bolcheviquesdurante a doena e aps a morte de Leninem 1924; no deixou, entretanto, de so-frer os seus efeitos. Seu filme Outubro,sobre a revoluo de 1917, teve que serremontado para a retirada de todos osplanos em que aparecia um dos protago-nistas principais, Leon Trotski (com ex-ceo de um, onde Trotski defende o adi-amento da insurreio e voto vencido).Em 1928, teve que refazer e mudar o ttu-lo do filme sobre a agricultura, A linhageral, que se tornou O velho e o novo.Seu prestgio, entretanto, se mantinhagraas principalmente ao EncouraadoPotemkin, sua obra mais aclamada.

    Durante a era stalinista, sofreu ataquese boicotes, foi submetido a controle e fis-calizao pelos burocratas do cinema.Mas Kalinin, presidente da Unio Sovi-tica, e o prprio Stalin intervieram emseu favor. Depois da interrupo, por im-posio poltica, de O prado de Benjim eda autocrtica humilhante que teve quefazer, Alexandre Nevski, o mais conven-cional de seus filmes e inteiramente deacordo com as diretrizes partidrias e coma esttica vigente, foi muito bem recebi-do. Tornou-se cineasta oficial, para no-vamente cair em desgraa pela segundaparte de Ivan, o Terrvel, proibido e sexibido 10 anos depois de sua morte.

    No se sabe at que ponto Eisensteinfoi consciente da incompatibilidade pro-

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    funda entre sua obra e o novo despotis-mo em que havia se transformado o Esta-do sovitico. Aparentemente, jamais en-trou em choque contra as autoridades. como se tivesse encontrado uma estrat-gia de sobrevivncia pessoal e intelectu-al combinando um certo isolamento, anegociao e os atos rituais de submis-so. No deixou de polemizar, quandopossvel, e de fazer autocrticas, quandonecessrio. Talvez isso o tenha poupadoda sorte de Meyerhold, Babel e tantosoutros, presos e assassinados. Mais com-plexa a questo da existncia de con-cesses em sua obra. Seus ltimos filmesdiferem bastante dos primeiros. O heriindividual vem para o primeiro plano, asmassas para o fundo, conforme as diretri-zes do realismo socialista. Em conformi-dade com o socialismo num s pas, onacionalismo toma o lugar da luta de clas-ses. O ritmo da montagem torna-se con-sideravelmente mais lento. Mas um exa-me atento revela as diferenas entre Ale-xandre Nevski e Ivan, o Terrvel.

    O ltimo trabalho de Eisenstein nopossui a nitidez ideolgica to caracte-rstica de filmes como A greve eEncouraado Potemkin. Dominandocomo nunca os meios expressivos queutiliza, o cineasta no consegue, ou nodeseja, produzir aquele efeito claro namente do espectador, objetivo expressonos tempos das Montagens das atra-es. Em Ivan, o Terrvel, as significa-es parecem mltiplas e em oposio. Aexpresso mais aparente a glorificaodo czar unificador de todas as Rssias,tornado heri nacional. Mas o persona-gem positivo parece desmontar-se no spelos seus atos sanguinrios mas, princi-palmente, pelos mecanismos internos dofilme. Ivan, o Terrvel trata da fundaodo Estado e enfoca o monoplio da vio-

    lncia e a construo da imagem do mo-narca. As massas esto presentes, mas noso mostradas no processo de expansoe autoliberao dos seus primeiros filmes.Encontram-se, pelo contrrio, aprisiona-das numa coreografia rgida, em estadode submisso. Ou, ao inverso, numa co-reografia frentica, mas no menos opres-siva, so apresentadas como instrumen-tos do terror: a dana dos oprichniki, aguarda pessoal do czar. No primeiro caso,temos a procisso carregando cones pin-tados, mostrada em plano de conjunto,em contraste com o close de Ivan, o conevivo. A montagem num s plano apre-senta a os elementos religiosos do po-der, ou seja, a constituio do dspotacomo divindade. Ao mostrar o processode montagem do mito, Eisenstein, de cer-to modo, o desmonta, desmontando tam-bm o prprio cinema como dispositivoideolgico: a luz de uma vela projeta,numa parede branca, a sombra gigantes-ca de Ivan e o torna senhor do globo ter-restre. Independente de sua posio faceao stalinismo, o retrato que Eisensteinapresentou do regime em Ivan, o Terrveltornou este filme um instrumento inade-quado para propsitos apologticos.

    Ainda que muitos aspectos secund-rios de seu estilo tenham sido assimila-dos, incorporados e diludos na produ-o corriqueira, e ate mesmo em filmespublicitrios, a obra de Eisenstein signi-fica, acima de tudo, uma ruptura com omodo industrial hollywoodiano. Artistascomo Jean-Luc Godard e Glauber Rocha,tambm comprometidos, muitas dcadasdepois, com um cinema de ruptura, reco-nheceram suas dvidas para com cineas-ta sovitico, que permanece ainda hojeum ponto de referncia fundamental paraa prtica e a teoria cinematogrficas.

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    Normas para colaboraes

    I. Crtica Marxista aceita artigos e resenhas bibliogrficas. Todas as colabora-es recebidas, no solicitadas, sero analisadas pelo conselho editorial, a quemcabe a deciso sobre sua publicao;

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    Florestan Fernandes, Em busca do socialismo ltimos escritos & outrostextos. So Paulo, Xam Editora. 1995.

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    Jacob Gorender, Gnese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasi-leiro. In: Joo Pedro Stdile (org.), A questo agrria hoje. 2 ed. Porto Alegre,Editora da Universidade/UFRGS. 1994.

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    Frederic Jameson, Reificao e utopia na cultura de massa. Crtica Marxis-ta, So Paulo, Editora Brasiliense, n 1. 1994.

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