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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI Programa de Pós-Graduação em Geografia SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS- TEMPOS DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS FILIPE CÉSAR PEREIRA SÃO JOÃO DEL-REI 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

Programa de Pós-Graduação em Geografia

SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-

TEMPOS DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES

CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS

FILIPE CÉSAR PEREIRA

SÃO JOÃO DEL-REI

2017

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Filipe César Pereira

SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-TEMPOS

DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-

CRÍTICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Geografia, da Universidade Federal de São João del-

Rei, como requisito final para a obtenção do grau de

Mestre em Geografia. Área de Concentração: Análise

Ambiental e Territorial.

Orientadora: Prof.ª Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar

São João del-Rei (MG)

2017

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Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de Biblioteca (DIBID)

e Núcleo de Tecnologia da Informação (NTINF) da UFSJ,

com os dados fornecidos pelo (a) autor (a)

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-TEMPOS

DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS

Autor: Filipe César Pereira

Orientadora: Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar

A Banca Examinadora composta pelos membros abaixo aprovou esta dissertação:

SÃO JOÃO DEL-REI

Fevereiro de 2017

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho exclusivamente a minha noiva Doriane, pelo incondicional apoio,

motivação, paciência e carinho durante toda esta jornada.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar а Deus, que me iluminou durante esta caminhada.

Agradeço a Universidade Federal de São João del-Rei e, em especial, ao Programa de

Pós-Graduação em Geografia, pela oportunidade do curso de Mestrado.

À professora, Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar, pela confiança, incentivo e

paciência na orientação desta pesquisa.

Às professoras Dra. Tatiane Marina Pinto de Godoy e Dra. Amanda Regina Gonçalves,

membros da banca examinadora, pela prontidão diante do convite, pelas considerações e

sugestões oferecidas à pesquisa.

Aos meus pais Geraldo e Marlene, meus irmãos, ao Prof. Ivair Gomes e aos meus

companheiros de travessia Gabriel, Krishna, Iamê, Talita, Jean, Dalvana, Letícia e

Bruno, pela força, incentivo e companheirismo para a conclusão desta etapa.

À Secretaria Municipal de Educação de São João del-Rei e a Escola Municipal “Carlos

Damiano Fuzatto”, que nos concederam o espaço para a realização da pesquisa.

Aos demais professores, funcionários, e amigos, que de alguma forma me motivaram a

seguir e JAMAIS desistir desta jornada.

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RESUMO

Dissertação de Mestrado

Programa de Pós-Graduação em Geografia

Universidade Federal de São João del-Rei

SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-TEMPOS

DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS

AUTOR: FILIPE CÉSAR PEREIRA

ORIENTADORA: DRA. LÍGIA MARIA BROCHADO DE AGUIAR

Data e Local da Defesa: São João del-Rei, 21 de fevereiro de 2017

Esta pesquisa tem como tema as novas relações entre campo-cidade e a criação de novas

espacialidades/temporalidades. A investigação do tema se dá através de um estudo de

caso (empírico) e de um problema, voltado para o processo de inclusão (ou exclusão)

dos alunos do meio rural nas escolas urbanas, considerando os desafios que esses

sujeitos enfrentam ao longo da jornada de estudos e, a influência do currículo e seu

discurso, diante das diferenças presentes nas escolas. Para a realização da pesquisa

escolhemos uma das unidades de ensino pertencentes à Secretaria Municipal de

Educação, de São João del-Rei/MG (SME/SJDR), urbana e denominada central, cujo

perfil se caracterizou pela presença marcante de alunos da zona rural e que nos permitiu

conhecer de perto as suas práticas cotidianas. O objetivo central se consistiu em

investigar o processo de organização do conhecimento geográfico nas escolas básicas,

através das teorias curriculares (críticas e pós-críticas), partindo do pressuposto de que o

currículo e a educação são processos de “regulação” e “emancipação”. Os elementos

fundamentais que compõem a nossa metodologia estão centrados nas descrições densas,

onde damos “voz” aos sujeitos de nossa investigação, através das suas narrativas; nas

teorias curriculares críticas e pós-críticas e nas categorias de análise geográfica lugar e

território. Os objetivos e métodos aplicados no decorrer da pesquisa nos permitiram

constatar que os saberes e as práticas escolares, que se materializam através dos

mecanismos e processos, orientados pelo currículo formal são levados a se enquadrarem

a um regime de saber, supostamente neutro, porque na prática se mostra pretencioso e

excludente, tendo em vista a imposição objetiva de metas, e regras específicas, para

formar alguém para alguma coisa, fazendo da escola uma empresa de aprendizagem.

Por isso, apontamos o currículo como uma “ferramenta de construção social”, ao invés

de um documento ingênuo, como querem alguns. Pretendemos mostrar no decorrer

deste trabalho a influência do currículo tradicional sobre a multiculturalidade presente

na comunidade escolar, responsável por ocultar diferentes grupos, eventos e contextos,

diante do uso de temas e abordagens específicas, que são aplicadas a partir de um único

ponto de vista, privilegiando o modo de se viver o urbano. Por isso, consideramos que a

escola tem realizando um sequestro da experiência de “si”, dos alunos rurais, pois, além

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de condená-los ao esquecimento e ao atraso também tem contrariado o seu próprio

perfil, contribuindo para o desinteresse ou conformismo dos alunos rurais, que não se

reconhecem nesse sistema de ensino.

Palavras-Chave: Teorias curriculares críticas e pós-críticas; Descrições Densas;

Relações campo-cidade.

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ABSTRACT

Masters dissertation

Graduate Program in Geography

Federal University of São João del-Rei

BEING OF ROÇA AND STUDYING IN THE CITY: THE DIFFERENT SPACE-

TIMES AND THE CRITICAL AND POST-CRITICAL CURRICULAR

THEORIES

AUTHOR: FILIPE CÉSAR PEREIRA

ORIENTER: DRA. LÍGIA MARIA BROCHADO DE AGUIAR

Date and Place of Defense: São João del-Rei, February 21, 2017

This research has as its theme the new relations between field-city and the creation of

new spatiality / temporalities. The investigation of the theme is done through a case

study (empirical) and a problem: to understand how the process of inclusion (or

exclusion) of rural students in urban schools occurs, the challenges that these subjects

face during the journey of studies and the influence of the curriculum and its discourse,

given the differences present in the schools. In order to carry out the research, we chose

one of the educational units belonging to the urban and central denomination of São

João del-Rei / MG (SME / SJDR), whose profile was characterized by the presence of

students from the rural area and, that allowed to know closely their daily practices. The

central objective was to investigate the process of organizing geographic knowledge in

basic schools through curricular theories (critical and post-critical), assuming that

curriculum and education are processes of "regulation" and "emancipation". The

fundamental elements that make up our methodology are centered in the dense

descriptions, where we give "voice" to the subjects of our investigation, through their

narratives; In critical and post-critical curriculum theories, and in the categories of

geographical location and territory. The objectives and methods applied during the

course of the research allowed us to verify that the knowledge and the school practices,

which are materialized through the mechanisms and processes, guided by the formal

curriculum, are led to fit a supposedly neutral knowledge regime, because in the

Practice is shown to be pretentious and exclusive, in view of the objective imposition of

goals, and specific rules, to form someone for something, making the school a learning

enterprise. Therefore, we point to the curriculum as a "tool of social construction",

rather than a naive document, as some want. We intend to show in the course of this

work the influence of the traditional curriculum on the multiculturality present in the

school community, responsible for hiding different groups, events and contexts,

considering the use of specific themes and approaches, which are applied from a single

point of view, Privileging the way of living the urban. Therefore, we consider that the

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school has carried out a kidnapping of the "yes" experience of the rural students, since,

in addition to condemning them to oblivion and backwardness, it has also contradicted

their own profile, contributing to students' disinterest or conformism Which are not

recognized in this system of education.

Keywords: Critical and post-critical curricular theories; Dense Descriptions; Field-city

relations.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01: COMUNIDADES RURAIS DE ORIGEM DOS ALUNOS DA E.M.

CARLOS DAMIANO FUZATTO – 2015....................................................................107

QUADRO 02: DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG –

2010...............................................................................................................................108

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LISTA DE MAPAS

MAPA 01: LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO NO ESTADO DE MINAS

GERAIS – BRASIL.........................................................................................................24

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01: Situação do transporte oferecido para os alunos da Zona Rural-

2015.............................................................................................................................. 119

GRÁFICO 02: Qualidade do transporte oferecido para os alunos da Zona Rural-

2015...............................................................................................................................120

GRÁFICO 03: Perda de aula decorrente do transporte oferecido para os alunos da Zona

Rural-2015.....................................................................................................................121

GRÁFICO 04: Alunos da Zona Rural que relataram ter sofrido Bullying na

Escola.............................................................................................................................123

GRÁFICO 05: Local das atividades desempenhadas pelos pais dos alunos

rurais..............................................................................................................................124

GRÁFICO 06: Você gosta de morar na Zona Rural?..................................................125

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA ESCOLHIDA PARA O ESTUDO DE

CASO...............................................................................................................................25

FIGURA 02: DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG –

2010.................................................................................................................................26

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17

Apresentação do Recorte de Estudo ....................................................................................... 23

A Trajetória de uma escola RURAL situada na área URBANA ....................................... 27

PARTE I ................................................................................................................................... 29

CAPÍTULO 1 – CAMINHOS PERCORRIDOS ............................................................ 29

1.1. Pelos caminhos que andei ................................................................................................ 29

1.2. Como andei pelo caminho ............................................................................................... 34

CAPÍTULO 02 – POLÍTICAS DE ORIENTAÇÃO OU DE APRISIONAMENTO?

DA TEORIA À PRÁTICA ................................................................................................... 38

2.1. Alguns apontamentos sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB) .... 39

2.2. A Geografia e a Escola a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais .................. 41

2.3. O Assujeitamento ao conhecimento oficial? Currículo Básico Comum ................... 47

2.4. Projeto Político Pedagógico - Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” ........... 52

CAPÍTULO 03 – AS TEORIAS CURRICULARES: QUANDO A CONSTRUÇÃO

SOCIAL DO CONHECIMENTO SE TRANSFORMA EM POLÍTICAS DE

REGULAÇÃO ........................................................................................................................ 56

3.1. Zapeando as Teorias Curriculares ................................................................................... 56

3.2. Multiculturalidade, Identidade e Diferença, no contexto das Teorias Curriculares . 58

3.3. A centralidade da cultura na Sociedade Atual .............................................................. 62

3.4. O currículo como híbrido cultural e as práticas escolares cotidianas ........................ 64

PARTE II ................................................................................................................................. 68

CAPÍTULO 04 – AS DIMENSÕES GEOGRÁFICAS E A SUA APROXIMAÇÃO

DO DISCURSO PEDAGÓGICO ....................................................................................... 68

4.1. Pensando o Lugar, o território e as territorialidades no contexto das transformações

sociais ......................................................................................................................................... 68

4.2. A Desterritorialização do “outro” do Campo ................................................................ 75

4.3. As festividades juninas e os “Mitos Fundadores” ........................................................ 80

4.4. Retomando a discussão sobre o Lugar e o Território na Geografia Cotidiana ......... 83

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4.4.1 O Lugar na Geografia do Espaço Vivido .................................................................... 85

4.4.2. O Lugar Como o Espaço Banal da Geografia ............................................................ 86

CAPÍTULO 05 – O BICHO DO MATO, DE PÉ VERMELHO NA ESCOLA DA

CIDADE.................................................................................................................................... 88

5.1. Da Roça à Cidade: As Relações entre o Rural e o Urbano ......................................... 88

5.2. O Rural como “Território e Territorialidade” ............................................................... 94

PARTE III .............................................................................................................................. 102

CAPÍTULO 06 – MUNDOS DISTINTOS: ENTRE O RURAL E O URBANO ... 102

6.1. Uma Breve Contextualização Teórica.......................................................................... 102

1ª Etapa do Trabalho de Campo: Tempo-espaço Escolar ....................................... 105

6.2. Trabalho de Campo: primeiros passos ......................................................................... 105

6.2.1. Sistematização das Atividades de Campo – Descrições Densas ........................... 107

6.2.2. O acontecer do espaço praticado na escola através das narrativas ........................ 110

6.2.3. ENTREVISTA: Justificativa para a aplicação dos questionários ......................... 116

6.2.4. Sistematização dos Questionários – 1ª Etapa de Campo ........................................ 117

2ª Etapa do Trabalho de Campo: O rural desconhecido pelo currículo escolar ... 128

6.3. “A História não contada de quem também Existe: O Acontecer Cotidiano do

Espaço Rural” ......................................................................................................................... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 143

ANEXO ................................................................................................................................... 151

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INTRODUÇÃO

O descaso com as escolas rurais no Brasil tem sido evidenciado, nos últimos

anos, por meio do fechamento considerável dessas unidades por todo país. Conforme

consta nos Indicadores Demográficos e Educacionais apontados pelo MEC (2011) e,

tendo como referência a região Sudeste é possível observar que o estado de Minas

Gerais foi o que apresentou o maior número de fechamento das escolas rurais, entre os

anos de 2007 e 2010, contabilizando uma queda de 5956 para 5305 escolas, ou seja, 651

unidades a menos. Contudo, esse quadro mantém a mesma defasagem ao apontar os

demais estados dessa região e não se inverte ao mencionar o restante do país.

No contexto dessa discussão, o tema proposto pelo presente estudo é a inclusão

dos alunos do meio rural nas escolas municipais de São João del-Rei/MG, no contexto

das novas relações campo-cidade e das novas espacialidades/temporalidades. Nosso

problema é compreender através das teorias críticas e pós-críticas do currículo como a

inclusão se transforma em exclusão. Os alunos, o lugar, o currículo e as práticas

cotidianas da escola são os elementos chave para o desenvolvimento de nosso estudo de

caso.

As contribuições do filósofo francês Michael Foucault (1926-1984) para as

teorias curriculares têm se mostrado fundamentais para a análise e compreensão do

nosso estudo, que será de natureza qualitativa. O foco pedagógico está centrado de um

lado, no currículo e, de outro na lenta decantação do processo de reconhecimento da

multiculturalidade presente nas escolas.

Deixamos claro que não é pretensão deste estudo focalizar quais conteúdos

fazem parte da composição do currículo escolar, mas sim questionar, e problematizar o

porquê desta formulação e estruturação, bem como entender quais são os interesses que

estão por trás desse documento. Ou seja, nosso estudo está centrado nas teorias

curriculares e não somente no currículo escolar, seus conteúdos e diretrizes.

Nosso interesse pelas teorias curriculares, pela escola e suas práticas

pedagógicas se mostram relevantes por ser este o lugar ocupado por diversos grupos, de

diferentes realidades e culturas. Nossa convivência na escola, em todos os espaços

cotidianos praticados nos permitiu observar que, o currículo produz um tipo de discurso,

que favorece um grupo, ou grupos, em detrimento de outros e, é a partir desse fato que,

nos referimos aos alunos do meio rural, que são submetidos na prática cotidiana escolar

a um currículo, transformado em “regime” provido de “verdades universais”, que

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supervaloriza a vida nas cidades e, não a vida no campo, que é vista apenas na

perspectiva do lazer, do meio ambiente, do agronegócio, das músicas românticas

“sertanejas”, dos rodeios ou, então, como lugar do atraso e da miséria.

Ao não reconhecer a geografia do lugar como espaço praticado cotidianamente,

onde nos cabe viver a vida de todos os dias, não conseguimos construir símbolos,

sentidos, valores, nem identidade com o lugar e com as pessoas que nele habitam e, que

também produzem cultura.

Para Skliar (2003, p. 23) há uma “improvável indiferença” em relação aos

sujeitos do campo, que permanecem distantes de sua própria história e cultura em razão

de um pretenso conhecimento hegemônico, legitimado pela sociedade urbana. As

singularidades dos sujeitos do campo e o próprio campo são omitidos no currículo

oficial. As políticas públicas para a educação continuam a representar as verdades do

projeto iluminista, que acreditava na razão como meio para libertar os homens do poder

do outro.

Nesse sentido, entendemos que a escola é um espaço regido por relações de

poder. Os dispositivos e métodos disciplinares considerados universais para alunos de

diferentes lugares e culturas buscam promover um processo de homogeneização dos

alunos na sala de aula. Logo, a etapa final do processo de ensino-aprendizagem, baseado

nas premissas curriculares oficiais dar-se-á mediante a criação do sujeito

“autogovernável” das sociedades modernas, tratado por Silva (1995) em suas

discussões.

Ao tratarmos a questão do discurso, que se materializa através do currículo,

estamos atentos ao recado de Foucault (2011), que chama nossa atenção para a

importância de se aprender a desconfiar das suas diferentes tendências, pois o discurso

surge com o poder. Para Foucault é através da Genealogia “ [...] isto é, uma forma de

história que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto,

etc., sem ter que referir a um sujeito [...]”; que podemos analisar as relações de poder,

que são estabelecidas no espaço geográfico (FOUCAULT 2011, p.07).

Bordin (2014, p. 228), buscando compreender o sentido do discurso para

Foucault (2011) entende que: “[...] um discurso é produto da sua época, do poder e

saber de seu tempo”. Assim, o processo histórico se encarrega de fazer com que as

verdades e valores se mantenham, modifiquem ou se sobreponham diante de outros

discursos que possam surgir em um dado recorte de espaço-tempo.

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No âmbito da ciência geográfica, Santos (1999) nos ajuda a entender o território

como um “campo de forças” que se forma a partir do lugar, espaço banal da geografia e,

portanto, não isento de relações de poder. Para Michel Foucault (2011) essas relações

nos levam a considerar que o poder se vincula a verdade, que é transposta por meio de

um discurso e, que o mesmo, não se trata de uma ação centralizadora e hegemônica

sobre a sociedade, o poder se encontra em todos os tipos de relação, inclusive como

forma de resistência.

Contextualizamos a discussão sobre a “diferença” ao tratarmos da inclusão dos

alunos vindos de diferentes comunidades rurais, para as escolas urbanas do município

de São João del-Rei/MG, como consequência do fechamento e/ou nucleação1 de

algumas escolas que apresentaram baixa demanda de alunos, segundo a Secretaria

Municipal de Educação (SME/SJDR). Inicialmente, podemos inferir que se trata de uma

questão política, que visa minimizar custos. Por outro lado, é possível compreender que

a secretaria de ensino e as autoridades competentes não estão preocupadas com os

desafios que essa medida pode acarretar para o discente. Tomamos como exemplo, o

problema da mobilidade rural-urbano que ocorre de forma precária.

Apesar da multiculturalidade presente na comunidade escolar, as premissas

curriculares oficiais, tradicionais e conteudistas insistem na criação de um ambiente

comum, de modo a seguir metas comuns, para se atingir objetivos comuns. Observa-se

nesse sentido que a obediência do aluno a determinado “regime” através de métodos

disciplinares como, por exemplo, as avaliações periódicas, a necessidade de se manter

informado e informatizado, o dever de “se preparar para a vida” nega (obstáculo-

discurso que se cristaliza) a possibilidade de reconhecer o mundo, a partir das suas

próprias representações. Para Foucault (2011) esta é uma questão de “poder” e, no caso

do aluno indisposto (indisciplinado) diante desse regime essa situação passa a ser

entendida como uma forma de “resistência”.

Foucault (2011) em seu livro “Microfísica do Poder” descreve momentos em

que a sociedade – orientada por regimes de seu tempo – excluiu indivíduos, por não

saber lidar com a diferença de determinados grupos sociais, pertencentes a outros

segmentos culturais ou, simplesmente, por não saber lidar com determinada doença

1 “Este processo corresponde, na prática, ao fechamento ou desativação de escolas unidocentes

(multisseriadas), seguido pelo transporte dos alunos para escolas maiores, melhor estruturadas e

abrangendo ciclo ou ciclos completos, funcionando como núcleo administrativo e pedagógico (MEC,

2007. p.04, grifo nosso.) ”.

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como a lepra, por exemplo. No entanto, ainda é possível dizer que nos dias atuais a

exclusão, o esquecimento e a negligência diante do outro ainda persiste.

Mostramos no decorrer da pesquisa que as espacialidades/temporalidades

construídas no espaço geográfico são o resultado da relação entre sujeito e seu espaço

vivido-praticado, de seus contextos e das táticas de sobrevivência. Assim, defendemos a

existência do rural, de tal forma que, a sua relação com o urbano não poderia ocorrer

através de disputas que qualifiquem ou desqualifiquem ambos os territórios. Da mesma

forma que Marques (2002, p. 95) buscamos compreender o espaço rural e urbano como

indissociáveis, “[...] cuja unidade se forma na diversidade”.

O objetivo central deste estudo consiste em investigar o processo de organização

do conhecimento geográfico através das teorias curriculares, na escola básica, e seu

discurso, a partir do entendimento de que o currículo e a educação estão envolvidos em

processos de “regulação” e “emancipação”, o que evidencia até que ponto a retórica da

promoção da disciplina se faz sentir na prática educativa. Assim como Silva (2010)

nossa contextualização teórica se fundamenta a partir das teorias curriculares críticas e

pós-críticas, que têm como objetivo conhecer quais “efeitos de poder” são produzidos

pelo currículo, de modo que se torne possível reconhecer as relações de poder existentes

nesse “documento de identidade”.

Os objetivos específicos são:

Conhecer os saberes e as práticas docentes com relação à temática: novas

relações cidade-campo e a criação de novas espacialidades/temporalidades;

Analisar as propostas curriculares oficiais, com vistas a compreender o processo

de inclusão/exclusão do “diferente”, ou seja, analisar se o cotidiano do aluno do

meio rural é contemplado (ou não) no contexto escolar;

Compreender a relação entre às teorias curriculares críticas e pós-críticas no

processo de (re) construção identitária, a partir do tempo-espaço escolar, para

entender até que ponto o multiculturalismo e o “diferente” possuem “voz”;

Justificamos a importância deste estudo por consideramos que o currículo não é

apenas a transposição do discurso científico, cultural, artístico para o campo da

educação. O currículo produz identidades sociais. Por isso, a desconstrução da Teoria

Tradicional do Currículo através das teorias críticas e pós-críticas se apresenta como

necessária, pois, nos ajudam não somente a evidenciar as relações de poder existentes

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neste documento, mas também a colocar em um campo de visibilidade o discurso de

outros grupos que, historicamente foram marginalizados, silenciados, omitidos,

discriminados e excluídos, por serem julgados inferiores aos padrões desejados pela

“Sociedade Moderna”. Daí a importância de analisar as espacialidades/temporalidades

rurais, temática central das novas relações entre o campo e a cidade. Dar “voz” ao outro

significa reconhecer a sua própria existência.

Nosso problema, frisamos, é desvendar os processos, mecanismos que levam os

saberes e práticas escolares a se enquadrarem ao currículo formal e, são subordinados a

um “regime de saber” que o tomam como único e verdadeiro. Conforme Foucault apud

Gore (2002, p: 10): “[...] cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral

de verdade: isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros. ”

Saber e poder não são a mesma coisa, também dizia Foucault. Portanto, uma teoria

curricular pós-crítica seria mais adequada para identificar os regimes de verdade, que

tornam invisíveis os que vivem da terra, ocultando as suas diferenças.

As noções de poder, saber, discurso e, regimes de verdade, problematizadas por

Michel Foucault (1988, 2011) e por autores foucaultianos serão abordadas em nosso

estudo, relacionando-os ao lugar e as espacialidades/temporalidades produzidas entre o

rural e o urbano, no contexto das teorias curriculares críticas e pós-críticas. O diálogo,

além de Foucault se ampliará a outros estudiosos do tema aqui desenvolvido.

Esta dissertação foi organizada em seis capítulos, que estão subdivididos em três

partes: I): apresenta a metodologia, os procedimentos metodológicos utilizados para a

realização da pesquisa, seguida das discussões sobre o currículo e as teorias

curriculares; II): trata-se de uma sistematização teórico-prática, em que nos propomos a

pensar sobre as categorias de território e lugar, bem como, os conceitos criados de

forma articulada com os eventos ocorridos nos trabalhos de campo; III): apresentamos

as descrições densas, através das narrativas dos sujeitos de nossa investigação,

diferencial deste estudo.

Para atender os objetivos deste trabalho, o desenvolvemos da seguinte forma:

Introdução, onde apresentamos o tema e problema de pesquisa, além dos objetivos,

justificativa (relevância), acrescidos de uma teorização prévia. No primeiro capítulo,

falamos sobre os caminhos percorridos durante a realização da pesquisa. Os elementos

fundamentais que compõem a nossa metodologia estão centrados nas descrições densas

(narrativas). Além das teorias curriculares críticas e pós-críticas, a teoria de fundo

também aborda as categorias geográficas “Lugar e Território”, sob a perspectiva de

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autores como Santos (1997, 1999, 2000, 2003), Haesbaert (2006) Holzer (1999),

Damiani (2005), entre outros estudiosos que se debruçaram sobre esta questão.

O segundo capítulo, intitulado “Políticas de Orientação ou de Aprisionamento? Da

Teoria à Prática” é uma breve discussão no âmbito normativo com destaque para a Lei

de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN) e o Currículo Básico Comum (CBC) 2, como uma das propostas oficiais criadas

para o ensino. O Projeto Político e Pedagógico (PPP) da Escola Municipal “Carlos

Damiano Fuzatto” – escola escolhida para o nosso estudo de caso – também foi

analisado, com o intuito de compreender os efeitos das leis federais e estaduais na sua

constituição, e consequentemente no cotidiano desta instituição.

O terceiro capítulo, apresenta um estudo sobre as teorias curriculares, os efeitos e as

relações de poder que se estabelecem através do currículo. De início versamos sobre as

teorias curriculares, guiados por Tomaz Tadeu da Silva. Os subitens que seguem falam

sobre: “Multiculturalidade, Identidade e Diferença no contexto das Teorias

Curriculares”, “A centralidade da cultura na Sociedade Atual ” e, “O currículo como

híbrido cultural e as práticas escolares cotidianas”. Esses tópicos oferecem elementos

importantes para pensarmos sobre o papel do currículo no contexto escolar, não apenas

como um documento de identidade, mas também como uma ferramenta de regulação e

emancipação do sujeito e, portanto, envolvido em relações de poder.

No quarto capítulo, realizamos um esforço de teorização acerca das categorias

geográficas território e lugar, levando em consideração o período popular da história e o

avanço da geografia ocorrido nas últimas décadas, com a retomada dessas categorias,

seus conceitos e contextos. Através desta discussão propomos pensar o território e o

lugar a partir da dimensão do vivido, ou seja, da territorialidade, devido à densidade de

eventos que ambos carregam, possibilitando sua contextualização no cotidiano escolar e

as teorias curriculares.

No quinto capítulo, discorremos sobre a questão: das fronteiras entre rural e

urbano e os debates teóricos acerca da temática, cujas discussões sinalizaram uma

indefinição conceitual. Os demais itens ao longo do capítulo são sobre “As Relações

entre o Rural e o Urbano” e “O Rural como Território e Territorialidade”. Nesse último

tópico discutimos sobre como o rural tem se tornado um espaço vazio e esquecido,

2 O Currículo Básico Comum (CBC) é um documento regulador para sistema de ensino, oferecido pela

Secretaria Estadual de Educação do estado de Minas Gerais (SEE/MG). Porém, segundo a Secretaria

Municipal de Educação do de São João del-Rei (SME/SJDR) este também é uma ferramenta de

orientação curricular utilizada nas escolas municipais.

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diante do avanço da modernidade sobre o urbano e, que na escola essa relação não é

diferente. Porém, defendemos a existência do rural: se, ficou evidente que existe entre

os alunos da zona rural e os da zona urbana uma diferença, isso significa que ela

também existe na escola.

No sexto capítulo, apresentamos o diferencial de nossa pesquisa: as descrições

densas, através das narrativas dos sujeitos de nossa investigação. A orientação

etnográfica/fenomenológica nos permitiu descrever profundamente o cotidiano escolar,

e os eventos ocorridos nas comunidades rurais, sem estabelecer o dualismo entre sujeito

e objeto. O contato direto entre o pesquisador e os diferentes espaços-tempos, os modos

de viver e as histórias contadas (narrativas) pelos moradores, por meio de conversas

informais permitiram descrever e interpretar densamente os acontecimentos que cercam

o cotidiano desses indivíduos.

Por último, nas considerações finais, fazemos uma breve retomada ao tema e aos

objetivos, enfatizando a importância da metodologia e dos procedimentos

metodológicos utilizados para a execução da pesquisa, somadas às reflexões teóricas,

justificando sobretudo a relevância de outras discussões acerca da temática: novas

relações entre campo-cidade e a criação de novas espacialidades/temporalidades, no

contexto das teorias curriculares críticas e pós-críticas.

Apresentação do Recorte de Estudo

Localizado na mesorregião do Campo das Vertentes, o município de São João

del-Rei (MG) exerce a função de cidade-polo em uma das três microrregiões, conforme

consta no MAPA 01. Segundo o censo do IBGE (2010), a sua total população é de

84.469 habitantes, sendo que 79.857 são residentes na área urbana e 4.612 na rural.

Com a sua economia diversificada, o município em questão possui representação

nos três setores da economia, com ênfase na mineração (e indústria), comércio e

pecuária, respectivamente. Quanto às atividades rurais, este se destaca na produção de

hortaliças, leguminosas, leite, grãos e afins (PEREIRA e AGUIAR, 2014); (GOMES e

AGUIAR, 2014).

Apesar da agricultura não ser a principal especificidade econômica do município

de São João del-Rei deve-se considerar a sua importância e diversidade, seja no

abastecimento interno do município, da micro e mesorregião, na geração de emprego,

renda e demais formas de subsistência. Conforme Gomes e Aguiar (2014, p.39):

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Por trás da paisagem rural de São João del-Rei há um sistema de

produção, portanto, um conteúdo técnico que impõe novas lógicas às

históricas relações entre o campo e a cidade, redefinindo as

contradições que acompanharam a reorganização do processo

produtivo através da modernização agrícola, produzindo novos

territórios.

Abaixo, apresentamos o mapa, onde está localizado o município de São João

del-Rei, seguido da escola escolhida para o nosso estudo de caso e dos distritos

pertencentes ao município em questão:

MAPA 01:

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO NO ESTADO DE MINAS GERAIS -

BRASIL

Fonte: Mapa elaborado a partir da Base Cartográfica do IBGE (2010). Adaptado por

Filipe César Pereira (2016).

Conforme já mencionado anteriormente, esta pesquisa foi dividida em três

etapas, em que nos propomos apresentar as análises e discussões referentes às teorias

curriculares; a geografia, como área do conhecimento no âmbito acadêmico e escolar,

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para enfim promover uma articulação teórico-prática, costurando as abordagens,

conceitos e sistematizações teóricas às atividades de campo, que foram subsidiadas por

entrevistas, registros e impressões adquiridas pelo pesquisador, para descrever

densamente os fatos e eventos ocorridos neste período.

As atividades de campo ocorreram em dois momentos: na Escola Municipal

“Carlos Damiano Fuzatto”, localizada na área urbana de São João del-Rei, e em

algumas comunidades rurais, lugar de moradia dos alunos, que se deslocavam

diariamente para a escola em questão. Esses alunos moram em alguns povoados

situados no distrito de São Gonçalo do Amarante, no distrito de Emboabas e Arcângelo

(ou Cajuru), em casos específicos.

Os trabalhos de campo ocorreram entre os anos de 2015 e 2016. Nesse período o

pesquisador contou com a autorização da Secretaria Municipal de Educação de São João

del-Rei (SME/SJDR), juntamente com a direção escolar, para a análise de documentos,

coleta de registros e observações do espaço-tempo escolar, que tiveram uma duração de

quatro meses. O passo seguinte foi conhecer algumas comunidades rurais de origem dos

alunos, de modo que nos permitisse entrar em contato com os seus familiares,

adensando nossa compreensão através de suas práticas cotidianas.

FIGURA 01

LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA ESCOLHIDA PARA O ESTUDO DE CASO

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FIGURA 02:

DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG - 2010

Fonte: IBGE (2010), Sinopse por Setores. Adaptado por Filipe César Pereira, 20163.

Através do histórico da escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”

apresentamos a trajetória de uma escola rural, que inicialmente foi criada para

alfabetizar os colonos de descendência europeia, no ano de 1926, no distrito de Caburú.

Entre as décadas de 80 e 90 esta escola passou por transformações, primeiramente sendo

transferida para a comunidade do Bengo e, posteriormente para a área urbana do

município de São João del-Rei, onde permanece até os dias atuais.

As comunidades do Fé, Morro Grande, Cunha, Colônias do Bengo, Felizardo e

Giarola foram as escolhidas para a nossa visitação, estando localizadas no distrito de

São Gonçalo do Amarante e nas demais áreas consideradas rurais pelo município,

porém próximas aos bairros. Nesse momento, optamos por conhecer alguns moradores,

preferencialmente os mais antigos, com o intuito de estabelecer uma relação de

confiança e, posteriormente uma conversa sobre o seu modo de vida.

Reforçamos que, tanto na escola quanto nas comunidades rurais o pesquisador

fez o uso de uma caderneta de campo, onde foram feitos registros de falas, “causos” e

impressões de um povo simples, moradores de lugares pacatos ainda inalcançados pela

3 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse por Setores. Disponível em:

<http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/>. Acessado em: 07 nov. 2016.

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“modernidade totalizadora”, problematizada por José de Souza Martins (2013), Carlos

Rodrigues Brandão (2007, 2009) e pelo geógrafo Milton Santos (2002, 2008) e,

abordada no decorrer deste trabalho.

A Trajetória de uma escola RURAL situada na área URBANA

Conforme consta em seu Projeto Político Pedagógico (2008) a criação da atual

Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” ocorreu na Colônia José Teodoro, no

distrito de Caburú, município de São João del-Rei, mediante a Lei 496 de 27/11/1926.

Esta unidade funcionava somente no período noturno, cumprindo o objetivo de

alfabetizar os colonos, de descendência europeia. Nesse período, a escola oferecia

apenas as modalidades de ensino que hoje correspondem aos anos iniciais do ensino

fundamental.

A Escola Rural Municipal em questão, agora nomeada como “Olívia Fuzatto

Calsavara” foi criada através da Lei 2096 de outubro de 1984, sendo inclusive

transferida para a comunidade do Bengo. No ano seguinte, com a implantação da Lei

2185 de julho de 1985, e da revogação da lei anterior, a escola rural passou a se chamar

“Carlos Damiano Fuzatto”, nome que preserva até os dias atuais.

No ano de 1993, foi implantado o projeto “Centro de Atenção Integral a

Criança” (CAIC), pelo então presidente Itamar Franco (1992-1995) em escala nacional.

No município de São João del-Rei/MG, a inauguração do prédio ocorreu no ano de

1994, que passou a ser utilizado pela antiga escola do Bengo no ano de 1996, mediante

a sua transferência para a área urbana. Naquele período, “A intenção do Estado era que

no prédio tivesse toda a infraestrutura para um atendimento integral às crianças e

adolescentes como: assistência odontológica, médica, alimentar, esporte e educacional”

(SME/SJDR, 2008, p. 07).

Os desafios para a manutenção do Projeto CAIC, no município em questão

ocorreram diante da falta de atenção da prefeitura e suas lideranças políticas, que

deveriam realizar convênios para o funcionamento da unidade, o que culminou com o

seu fracasso. Mesmo assim, no ano de 1997 a Escola Municipal Bartolomeu Cândido

Balbino, situada na Comunidade do Fé ainda foi nucleada para o referido prédio. A

partir deste período a escola passou a atender exclusivamente os alunos da zona rural,

além dos alunos da área urbana, que se situam no seu entorno.

Somente no ano de 2002, através da portaria 1054/2002, a Escola Municipal

“Carlos Damiano Fuzatto” passou a oferecer as modalidades de ensino fundamental

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anos iniciais e finais, além da educação infantil, tendo como instituição mantenedora a

Secretaria Municipal de Educação do município de São João del-Rei, em toda a sua

trajetória (SME/SJDR, 2008).

A Escola, está situada na Rua do Patronato S/Nº - Vida do Carmo, mesmo local,

desde a sua transferência para a área urbana. Atualmente, também se encontra instalado

no mesmo prédio (do antigo CAIC) o “Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais (IF-

Sudeste) ”. Assim, a divisão da unidade ocorre por turnos, sendo que na parte da manhã

é reservado para a modalidade de educação infantil e ensino fundamental anos iniciais e

finais, da rede municipal. Às tardes também são destinadas às atividades da mesma

modalidade de ensino, porém, pelo programa “Mais Educação”. O turno da noite é de

uso exclusivo do Instituto Federal, que oferece as modalidades de ensino técnico,

superior e algumas especializações.

A concessão e aperfeiçoamento do prédio “CAIC” para o IF-Sudeste resultou na

construção de uma nova unidade para a escola Municipal, cuja previsão de entrega seria

para o ano de 2015. A sua nova localização será próxima à escola antiga, porém, não

contará com a mesma infraestrutura de antes, pois serão construídas apenas 06 salas de

aula e um espaço destinado às atividades recreativas, de tamanho reduzido. Antes, a

instituição contava com 15 salas de aula (todas com data show e áudio), sala dos

professores, biblioteca, laboratório de informática, quadra poliesportiva, parque, mesas

de xadrez, elevador, cantina e amplo refeitório.

Ressaltamos que, todas as infraestruturas mencionadas passaram por

adequações, implementações e reformas como requisito obrigatório para a implantação

do IF-Sudeste, que ocorreu no ano de 2010. Nesse contexto, alguns servidores do

município consideram que a remoção da escola para um novo prédio é lamentável, visto

que, a nova unidade não terá infraestrutura suficiente para atendê-los. Outros, acham

que a saída é a melhor opção, diante dos conflitos ocorridos, com a divisão do mesmo

espaço.

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PARTE I

CAPÍTULO 1 – CAMINHOS PERCORRIDOS

1.1. Pelos caminhos que andei

O nosso estudo se fundamenta nas teorias curriculares críticas e pós-críticas, para

compreender quais “efeitos de poder” que o currículo produz (SILVA, 2010).

Consideramos a escola como um “território de luta” (GIROUX e SIMON, 2002),

espaço cotidiano praticado (CERTEAU, 1994, 1995), (FERRAÇO, 2003, 2013), na

ampla esfera da cultura compreendida como um híbrido (BOAVENTURA DE SOUZA

SANTOS, 2005) e, o currículo em sua aproximação com a teoria crítica, como

construção social (GOODSON, 1990), como algo praticado no cotidiano escolar a partir

da trama de conhecimentos em redes (ALVES e GARCIA, 2004; OLIVEIRA, 2003).

Decidimos percorrer um caminho teórico-metodológico que nos proporcionasse

o conhecimento sobre as relações de poder que, como consequência, pudesse evidenciar

as tentativas de desnaturalizações desse conhecimento sobre o currículo e a geografia,

compreendendo como foram hierarquizados e fragmentados, especialmente os

vinculados às categorias geográficas lugar, espacialidade/temporalidade.

As estratégias qualitativas de coleta e análise de dados nos permitiram cruzar os

fios e nós da trama que nos propomos a desatar nas entrevistas com professores, alunos,

direção, funcionários, pais de alunos; caderneta de campo, onde registramos aquilo que

nos tocou e nos possibilitou viver uma experiência de pesquisa durante nossa vivência

na escola e, posteriormente, na segunda etapa do estudo, nos lugares de moradia destes

alunos; na observação dos registros dos professores nos diários de classe e nas

narrativas por eles escritas. Durante a pesquisa procuramos registrar o seu “saber-fazer”,

as representações sobre o “poder da verdade e a verdade do poder” na rede colaborativa

de trabalho.

Reforçamos que os alunos, professores e demais sujeitos de nossa investigação

foram denominados por nomes fictícios, a fim de preservar a sua identidade e

integridade física e moral, antes, durante e depois da realização da pesquisa.

As ferramentas do trabalho de campo permitiram a análise de situações

(episódios, acontecimentos) em que indícios, sinais, pistas (GEERTZ, 2008) sobre a

exclusão do mundo rural e todo seu “chão de sentidos” no ensino de geografia que

pudessem ser identificados, aprendendo a nos ouvirmos e a ouvir durante os diálogos

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realizados entre pesquisador, professores, alunos e pais, do 6º ao 9º ano do Ensino

Fundamental, anos finais, da Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”, da rede

pública municipal de São João del- Rei/MG.

Para Milton Santos (1999), a humanização da natureza e a naturalização do

espaço ocorrem através da nossa ação sobre os objetos. Esse processo é comandado por

uma lógica voltada para o desenvolvimento prático da cultura, com a qual criamos

mundos: a apropriação da natureza pelos homens a transforma em lugar ocupado pela

convivência social, que é movida por representações, símbolos e imaginários. Quando

se cria um lugar, se cria também uma espacialidade/temporalidade, ou um jeito de ser e

estar em um lugar: habitamos, então, esse lugar e, a partir deste lugar onde nos cabe

viver a nossa vida instauramos o espaço político da cidade, da sua economia para que a

nossa convivência social possa acontecer. Aos poucos, vamos preenchendo esse lugar

com nossas experiências vividas.

Portanto, os “espaços-tempos” não são coisas, porque como conjuntos

indissociáveis de objetos e ações, segundo a definição de Milton Santos (1999), são

coisas naturais transformadas em objetos da cultura pela ação humana. Cada povo

habita o seu lugar, apropria-se dele, transformando-o em territórios com significados

diferentes, assim criamos mundos, tempos e dimensões do espaço que escapam, ou

permanecem para além das nossas ações, portanto, não habitamos “[...] espaços em si

mesmos”, mas espaços tempos que se dão a nós: espaços que percebemos e que

tornamos realidade vivida e pensada que, transformamos, transformando-nos a nós

próprios” (BRANDÃO, 2009, p. 27).

Condição da nossa existência e coexistência, o espaço de um lugar é que torna

possível a cultura que criamos. É o espaço culturalmente vivido e pensado, que permite

a Milton Santos (1999) propor:

[...] que o espaço seja definido como um conjunto indissociável de

objetos e sistemas de ações. Através desta ambição de sistematizar,

imaginamos poder construir um quadro analítico que permita

ultrapassar ambiguidades e tautologias [...] Nossa secreta ambição, a

exemplo de Bruno Latour, no seu livro Aramis l`amour des techinique

(1992) é que esses conceitos, noções e instrumentos de análise

apareçam como verdadeiros atores de um romance, vistos em sua

própria história conjunta. Não será a ciência, tal como propôs Neil

Postman (1992, p. 154) uma forma de contar histórias? (SANTOS,

1999 p.18).

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O conhecimento no mundo contemporâneo tornou-se uma política importante

em razão do seu caráter público ou privado da informação e de sua natureza mercantil

ou social. O historiador Peter Burke (2003, p. 11), chama a nossa atenção para o fato de

que “ao mesmo tempo, em que o conhecimento invade a cena dessa maneira, sua

confiabilidade é questionada” propondo que esta situação seja encarada a partir do

“elemento social presente no conhecimento”, com o objetivo de “tornarmos (tanto

escritores quanto leitores) mais conscientes do sistema de conhecimento em que

vivemos”.

No ensaio de Larrosa, Agamenon e seu Porqueiro, (1999), os personagens

Agamenon e seu servo porqueiro travam uma luta pelo poder da verdade, nesta luta é

necessário saber quem está de antemão vencido pela “verdade do poder”; mas é preciso

conservar, ao menos, a secreta dignidade de não deixar de se convencer pelo “poder da

verdade”. (LARROSA BONDÍA, 1999, p. 151).

Larrosa questiona: Quem fala em nome da realidade? Quem diz conhecê-la?

Quem garante a força simbólica de Agamenon? Quem assegura o poder de sua verdade?

São perguntas pertinentes para o nosso tema e problema de investigação: quais as

contribuições da teoria curricular crítica e pós-crítica para o ensino de geografia no

ensino fundamental em escolas que formam ou educam alunos da zona rural e urbana

através de um currículo comum?

Estas questões são importantes quando reconhecemos que não há muito

consenso entre os estudiosos da prática de ensino em geografia, do ponto de vista

teórico, que consideram as práticas e os saberes escolares como criações originais da

escola e para a escola, possibilitando a abertura de um amplo campo de conhecimento, e

reconhecimento de que a ciência geográfica é apenas uma referência.

Por isso, a proposta metodológica deste estudo tem como eixo as narrativas

produzidas pela comunidade escolar e, se constrói na medida em que as situações

acontecem possibilitando ações interpretativas a partir da narrativa dos próprios

sujeitos. Metodologicamente, esse recurso propõe realizar uma descrição dos fatos e

acontecimentos minuciosamente (densamente), podendo o pesquisador fazer uma

releitura, estruturação, interpretação e explicação dos mesmos. Para tanto as

observações, análises e o “saber ouvir” são componentes indispensáveis para um

trabalho de campo bem executado.

Nas considerações do antropólogo Clifford Geertz (2008, p. 19-20) as descrições

densas têm por objetivo “tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas

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densamente entrelaçados; apoiar amplas afirmativas sobre o papel da cultura na

construção da vida coletiva empenhando-as exatamente em especificações complexas”.

Ou seja, as descrições densas nos permitem entrar em contato com as emoções,

expressões sociais, fatos, projetos e demais elementos que compõe o campo subjetivo

de cada indivíduo.

A “Investigação Narrativa” proposta por Connelly e Clandinin (1995) está

relacionada às histórias ou relatos orais e escritos. Segundo os autores, tanto pode ser

“fenômeno que se investiga, quanto método de investigação”, assim consideram que “a

educação é a construção e, a reconstrução de histórias pessoais e sociais” (CONNELLY

e CLANDININ, 1995, p. 11-12). Para estes autores, a narrativa como metodologia de

pesquisa pressupõe que vivemos nossas vidas a partir da constante (res) significação.

Segundo Bordin (2013), a descrição densa é utilizada em pesquisas etnográficas

e compõe o método aplicado pelos antropólogos, que fazem o uso do caráter

interpretativo de todos os “pequenos fatos” que compõe a sua vida social. “Não bem os

fatos em si, mas a ação social destes fatos” (BORDIN, 2013). Assim a aplicabilidade da

teoria de fundo utilizada pelo pesquisador pode ser validada ou não, diante do seu

recorte de estudo.

O cotidiano escolar, organizado normativamente, além de propor objetivos,

metas e expectativas durante o extenso processo de ensino-aprendizagem também é

responsável pelo disciplinamento do indivíduo, com o intuito de prepará-lo para as

sociedades modernas que, assim como na escola exige o bom desempenho das funções

que atendam os interesses do sistema capitalista.

No âmbito das teorias curriculares, a análise bibliográfica se constrói a partir dos

estudos de Michel Foucault, Tomaz Tadeu da Silva, Michel de Certeau e Nilda Alves,

que fazem dos conceitos de identidade, diferença, alteridade, verdade (regime), poder-

saber, discurso, linguagem, elementos centrais de suas interpretações.

Na geografia trabalhamos com Milton Santos, Ana Fani Carlos e Amélia Luísa

Damiani que, através das teorias do espaço-tempo do lugar nos ajudam a (re) pensar as

espacialidades/temporalidades, não apenas como um campo de forças, mas um espaço

de luta e de convivência social. Além disso, serão adotadas outras referências no campo

da antropologia, sociologia, e fenomenologia, pois julgamos que suas contribuições

teóricas nos oferecem importantes vias de interpretação da realidade.

A lógica da competitividade atribuída por nós como elemento constituinte da

base social produz dicotomias no mundo escolar como: a existência do bom e do mau,

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do ágil e do devagar, do ativo e do passivo, do lento e do rápido, do moderno e do

atrasado, etc.; pois resulta de mecanismos da racionalidade instrumental presente na

sociedade, através de índices e modelos matemáticos que ilustram e justificam a

inclusão/exclusão de pessoas como um processo natural.

Entendemos que o sistema capitalista propõe “pensar” a existência de um mundo

complexo, onde só os mais fortes sobrevivem. Nessa perspectiva, os desafios e

obstáculos que dão sabor a vida despertam em nós o sentimento de realização ou de

frustração, diante das metas que temos de alcançar, visão semelhante ao darwinismo, ou

ainda, podem produzir contra racionalidades e sensibilidades, que nos permitam uma

emancipação.

O pensamento crítico e pós-crítico são contextualizados em nosso o estudo de

caso, através das teorias curriculares, pois estas demarcam importantes momentos de

transição no contexto escolar. Desde o seu processo construtivo até a atualidade as

diferentes teorias se enquadram como tradicionais, críticas e pós-críticas. No entanto,

optamos por trabalhar as duas últimas visto que, diferente da primeira, estas mencionam

a questão do poder no processo de ensino aprendizagem, denunciando um conjunto de

interesses existentes por trás do currículo. No caso das teorias tradicionais fatores como

a neutralidade e o currículo desinteressado propõem habilidades pautadas na

memorização e na reflexão.

Na escola, o processo de moldagem do indivíduo contribui para a criação de

novas identidades, sobrepondo culturas, costumes e crenças, por julgá-las atrasadas ou

inferiores. Consideramos também que o fato de agrupar em uma única classe alunos de

diferentes realidades, e conduzir o ensino a partir de uma única perspectiva implica em

atos de “incluir ou excluir” indivíduos, conforme nos lembra Silva (2010). É a partir

dessa consideração que abordamos os desafios dos alunos do meio rural, no processo de

inclusão nas escolas urbanas como o problema central deste estudo.

No campo teórico e normativo os chamados temas transversais reconhecem o

multiculturalismo nas escolas e propõem uma valorização de temas ‘urgentes’ que

historicamente foram marginalizados ou negligenciados pelo currículo, como é o caso

de questões sobre gênero, raça, cor e, demais elementos culturais antes considerados

inúteis para a construção do sujeito. No entanto, o processo de reconhecimento do outro

ainda se encontra em lenta decantação, visto que, na prática escolar a aplicação dos

temas transversais ainda não foi incorporada na prática efetiva dos professores.

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Portanto, analisar o nosso recorte de estudo através das teorias curriculares

críticas e pós-críticas e das descrições densas/narrativas, bem como aprofundar nossa

base de interpretação dos fatos a partir do cotidiano escolar implica em dizer que as

relações de poder exercidas sobre a escola através do currículo contribuem para a

dicotomia entre rural e urbano, exclusão dos alunos oriundos do espaço rural e,

sobretudo a desvalorização do seu mundo. Nossas considerações partem do pressuposto

de que as práticas educativas se voltam para a vida nas cidades, omitindo e excluindo

outras espacialidades/temporalidades existentes na escola.

1.2. Como andei pelo caminho

Entendemos que a utilização de uma metodologia permite a estruturação do

trabalho de investigação científica, a partir de um tema e de um problema. Esta

perspectiva metodológica pode de um modo mais geral, ser definida como o processo

de traçar um caminho que devemos percorrer durante a investigação e, que orienta o

estudo.

No presente trabalho investigou-se a educação rural a partir da Teoria Curricular

Crítica e Pós-Crítica e da lógica de funcionamento da Agricultura Familiar. Partimos da

identificação das diferentes estratégias políticas adotadas pelo Estado para a Educação

Rural, tendo como foco a análise do currículo pela teoria Crítica e Pós-crítica e, a luta

dos agricultores para permanecer no espaço rural e manter a sua unidade produtiva de

caráter familiar.

Os procedimentos metodológicos foram selecionados para alcançar os objetivos

estabelecidos no trabalho. A pesquisa qualitativa explica fenômenos sociais a partir da

análise de experiências empíricas, que em nosso caso está relacionada à análise das

práticas curriculares e as estratégias do Estado para a Educação Rural de famílias de

agricultores familiares. A abordagem qualitativa na pesquisa educacional possibilita o

“contato direto e prolongado do pesquisador com ambiente e a situação que está sendo

investigada, através de trabalho intenso de campo” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 11)

A pesquisa qualitativa se preocupa, “[...] com um nível de realidade que não

pode ser quantificado”. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo

das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p.21-22).

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Com relação à abordagem do problema, na pesquisa qualitativa há uma relação

dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo

objetivo e a subjetividade, que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos

fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa

qualitativa. Para tanto, não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. Os

pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente.

Entre os tipos de pesquisa que aparecem associados a essa abordagem, a

“pesquisa etnográfica”, a “pesquisa-ação” e, o “trabalho de campo” destacam-se como

bastante adequadas para estudar os eventos, as pessoas e as situações, em sua

manifestação natural.

De acordo com o que aponta André (2003, p.27-28), a pesquisa do tipo

etnográfica foi originalmente desenvolvida pelos antropólogos, para estudar a cultura e

a sociedade, tendo o sentido tanto de “um conjunto de técnicas para coletar dados sobre

os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social”,

como “um relato escrito resultante do emprego dessas técnicas”.

Uma adaptação da etnografia à educação tem ocorrido quando se faz o uso de

técnicas características destes estudos como a observação participante, a entrevista

intensiva e a análise de documentos, de uma maneira que a ênfase esteja antes “[...] no

processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou nos resultados finais”, bem

como também sejam pautados por processos investigatórios de descrição e indução

(ANDRÉ, 2003, p. 29).

Das características da pesquisa do tipo etnográfica, uma das mais relevantes,

também ressaltada por Marli André, diz respeito ao fato dela buscar “a formulação de

hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não suas testagens” (ANDRÉ, 2003, p. 28-

30), o que nos permite um movimento próprio de elaboração dos conhecimentos com os

quais representamos o mundo e mediamos nossas ações, de maneira que as lógicas

precedentes à pesquisa não sejam determinantes e os resultados ou produtos não sejam

finalísticos.

Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, foi adotado o estudo de caso, o

qual envolve a investigação profunda e exaustiva de um ou poucos objetos de maneira

que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento, nesse caso especificamente em

uma escola municipal e comunidades rurais localizadas no município de São João del-

Rei, Minas Gerais.

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Assim, a partir de procedimentos etnográficos nos aproximamos da dimensão

profissional dos professores da escola municipal “Carlos Damiano Fuzatto”,

de como abordam novos saberes e práticas, qual a sua visão sobre a educação rural e

dos alunos provenientes deste espaço, procurando perceber como cada professor lida

com o “miúdo da aula”, como cada um tem seu “modo próprio de organizar as aulas, de

se movimentar na sala, de se dirigir aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos”

(NÓVOA e HUBERMAN, 1992, p. 16).

Entre os métodos de investigação empregados no cotidiano das ciências sociais e

humanas, o estudo de caso é um dos instrumentos mais utilizados para conhecer

diferentes fenômenos sociais. Apesar de ser abrangente, o estudo de caso exige uma

delimitação precisa dos aspectos a serem analisados, de modo que as informações

possibilitem a compreensão da pesquisa (CHIZZOTTI, 1991).

O recorte espacial do estudo de caso foi uma escola municipal de ensino

fundamental e as comunidades rurais em que moram os alunos dessa escola, em São

João del-Rei. A escolha da escola se definiu pelo fato desta apresentar classes com

grande número de alunos da área rural nas turmas do Ensino Fundamental Anos Finais

(6º ao 9º ano), em que os pais eram pequenos proprietários rurais, que faziam o uso de

diferentes estratégias para compor a renda familiar dos componentes do grupo

doméstico e, que mantinham a sua característica principal: a de serem agricultores.

Conforme apresentado no projeto de pesquisa, a execução do estudo iria

requerer um estudo de caso de uma escola da rede municipal de ensino de São João del-

Rei/MG denominada central, por concentrar o maior contingente de alunos vindos do

meio rural, diante das demais unidades urbanas, que nos permitiria conhecer de perto o

seu cotidiano. A natureza qualitativa do estudo se constitui, na medida em que o

pesquisador se propõe a observar, conviver, descrever e narrar a rotina dos “alunos-

alvo”, bem como a sua relação com os demais discentes que moram na área urbana e, o

corpo pedagógico que compõe a escola.

Os procedimentos metodológicos se concentram em duas etapas de campo. A

primeira fase foi realizada na escola no ano de 2015 e, teve duração de 04 meses. Esse

período objetivou a confirmação do perfil da instituição para o recorte de estudo e,

posteriormente, para nos dedicarmos às atividades de observação das aulas, dos

momentos de recreação, participando dos eventos letivos como a festa junina, desfile no

dia da independência e, visitas ao parque de exposições, além de acompanhar a

aplicação de atividades avaliativas, reuniões destinadas à organização e funcionamento

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escolar, análise dos planos de ensino das aulas de geografia e o Projeto Político

Pedagógico (PPP), fazendo registros através de uma caderneta de campo. A conclusão

da primeira etapa se deu com a aplicação de um questionário, com perguntas

semiabertas, que todos os alunos da zona rural concordaram em responder.

Na segunda fase de campo, foram realizadas visitas em algumas comunidades

rurais, nas quais residem os alunos observados durante a primeira etapa. Nesse ponto foi

possível conhecer de perto o espaço-tempo cotidiano dos alunos, no lugar onde moram

de modo a compreender o mundo por eles vivido, o seu espaço de representação. A

utilização de uma caderneta de campo, para a realização de registros das conversas

informais e impressões do pesquisador foi de suma importância para descrevermos um

lugar conhecido somente por aquele que ali reside.

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CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS DE ORIENTAÇÃO OU DE APRISIONAMENTO?

DA TEORIA À PRÁTICA

Através deste capítulo iniciamos a nossa discussão, apresentado algumas das

normas, diretrizes e currículos direcionados para a educação brasileira, que são tomados

de base para a criação do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola escolhida para o

nosso estudo de caso. Através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), das Leis

de Diretrizes e Bases para a Educação (LDBs) e do Currículo Básico Comum (CBCs)

buscamos compreender os interesses e efeitos das ações normativas criadas para o

sistema de ensino institucionalizado, no âmbito nacional, estadual e municipal que se

integram para a construção de um currículo comum.

O debate teórico-prático se fundamenta a partir das análises documentais,

aliadas as experiências de campo vivenciadas pelo pesquisador, que se prestou a

compreender os impactos destas diretrizes sobre o cotidiano escolar. Pensar como as

políticas de orientação se transformam em políticas de aprisionamento são prioridades

desta dissertação, já que as normas e prescrições técnicas destinadas para o sistema de

ensino institucionalizado estão envolvidas em relações de poder.

A influência foucaultiana abordada nesta pesquisa nos permite compreender que

as instituições possuem objetivos diversos e se sustentam através das suas práticas

discursivas, direcionadas aos sujeitos, promovendo uma captura das experiências, da

cultura, valores e sobretudo das subjetividades individuais e coletivas. Nesse contexto,

as teorias curriculares críticas e pós críticas se mostram importantes, pois nos ajudam a

perceber e denunciar as relações de poder que se exercem sobre os territórios.

Ao refletirmos sobre a importância da escola, do aluno, da diferença, dos

projetos e emoções concernentes a cada sujeito é que passamos a questionar o sentido

das leis, decretos e normas, seja diante da necessidade de organizar determinado espaço

ou grupo social, ou nas formas de assujeitamento que decorrem das práticas

excludentes, responsáveis por silenciar grupos considerados desinteressantes ou

inferiores.

A articulação entre saber e poder, sobre as práticas sociais contribuem para a

criação do sujeito dócil, apto para a vida nas sociedades modernas, diante dos processos

de manipulação que são exercidos através das instituições, a qual destacamos a escola.

O micropoder, também surge nesse processo e opera em defesa de um campo subjetivo,

que age e resiste diante do estranhamento de uma ação centralizadora. Todavia, as

práticas predatórias historicamente exercidas sobre os lugares culminaram na

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construção de diferentes contextos sociais, através da concepção de sujeito, classes e

valores ideais diante dos olhares hegemônicos (FOUCAULT, 1988).

Portanto, mais do que apresentar currículos, decretos e leis direcionados para o

sistema de ensino propomos uma reflexão sobre o poder que se exerce sobre este

documento de identidade (SILVA, 2010). O currículo, compreendido por Goodson

(1990) como uma ferramenta de construção social revela os conflitos, deformações e

transformações indentitárias. Partindo desta linha, nos deparamos com a necessidade de

um constante repensar das práticas cotidianas escolares, com vistas nas possibilidades

de inclusão, e não exclusão da diferença.

2.1. Alguns apontamentos sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB)

A partir de uma breve análise das Leis de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) apresentamos este ensaio, que propõe compreender algumas das

propostas oficiais criadas para o sistema de ensino institucionalizado, orientados através

de instruções normativas e organizativas para a educação brasileira. No campo

discursivo, o objetivo central é promover uma educação de qualidade, transformando a

sociedade por meio de conteúdos e valores considerados universais, além de oferecer

subsídios para a futura inserção do aluno no mercado de trabalho.

As premissas oficiais instituídas pelas LDBs, se fundamentam a partir dos

princípios presentes na Constituição de 1988, e seus parâmetros previstos para a

regulamentação da educação brasileira.

Em linhas gerais, a responsabilidade pela formação e sistematização

do conhecimento, dá-se no âmbito educacional, sendo subordinado às

delimitações do poder público, conforme prevê a constituição

nacional. (CERQUEIRA, et. al. 2009. p. 01).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída sob o

número 9.394/96, foi sancionada no dia 20 de dezembro de 1996, pelo então presidente

Fernando Henrique Cardoso. A principal meta era a implantação de um ensino de

qualidade, em todos os seus âmbitos formativos, tendo a garantia de acesso como a

marca de uma política nas sociedades democráticas (LDB, 9.394/96). Esse dispositivo

oficial regulador deu o primeiro passo rumo à adequação da educação aos novos

parâmetros, com o objetivo de se criar um modelo educacional, enquadrado na realidade

do país.

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) disciplina a

estrutura e o funcionamento do sistema escolar brasileiro, dando-lhe a

necessária unidade em meio à diversidade que caracteriza o país.

(LDB, 9.394/96 p. 07).

Ao longo do percurso histórico, a LDB programou através de emendas, aspectos

relevantes para a adequação ao modelo ensino, na medida em que a necessidade de

acompanhar a realidade vivenciada pelo país se fazia importante. Entre alguns dos

princípios e fins delineados para a educação nacional proposto pela LDB está o direito

de acesso à educação de qualidade, entre outros, como o da igualdade, respeito, acesso

ao transporte público e a obtenção de determinados materiais didáticos gratuitos, com

vistas à constituição de uma sociedade democrática. Também são prioridades para o

processo de desenvolvimento:

[...] Artigo 3, II: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a

cultura, o pensamento, a arte e o saber; X - valorização da experiência

extraescolar; XII - consideração com a diversidade étnico-

racial, (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013). (LDB, 9.394/96, acesso

em 09/03/2016, grifo nosso).

Entendemos que, através da LDB existe o propósito, pelo menos através da lei,

de se criar uma escola integrada com a sociedade, que valorize os múltiplos saberes e as

especificidades de cada aluno. No entanto, através da nossa própria experiência, como

professor e pesquisador, temos observado que existe na prática escolar cotidiana um

abismo entre a LEI e a efetiva PRÁTICA.

Para Foucault (apud VEIGA-NETO, 2003a, p.53-54) o sujeito moderno não está

na origem do conhecimento, mas ao contrário, ele é um produto dos saberes. A prática,

também na perspectiva foucaultiana adquire outro caráter: ela não se refere à “atividade

de um sujeito”, mas ao discurso que contém um conjunto de regras que submetem o

sujeito, o que reforça nossa observação feita no parágrafo anterior.

Toda a rede de discursos oficiais segundo Bujes (apud VEIGA-NETO, 2003a, p.

63), tem o objetivo de “[...] capturar o aluno produtivamente para o Estado e, de firmar

determinados tipos de saberes pedagógicos que não apenas instituem certo tipo de

criança contemporânea, quando nos ensinam a lidar com elas”.

O mesmo podemos dizer quanto aos grupos minoritários existentes na escola

estudada. Através das nossas atividades de campo e conversas informais percebemos

como a diferença no desempenho escolar entre os alunos tinha relação direta com o seu

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lugar de moradia. Ainda como professores, sabemos que apesar da lei instituir um

ensino de qualidade, alicerçado no compromisso entre pais, alunos, escola, e Estado,

muitas vezes presenciamos práticas excludentes e grupos marginalizados no interior da

própria escola, sendo a inclusão social apenas um discurso muito distante da prática,

não interiorizado pela escola.

As tendências conteudistas aplicadas ao currículo para a universalização do

ensino é uma denúncia de que o tradicionalismo que permeia o ambiente escolar, além

de cristalizar as relações sociais, inibe a capacidade de autocrítica do aluno. Portanto,

consideramos que a criação de um sujeito autogovernável é o resultado da ação de leis

que priorizam a importância da transformação social em obediência às verdades, em

detrimento das problematizações e questionamentos acerca da realidade.

Portanto, não é com as grandes narrativas oficiais, mas com as histórias

fragmentadas e não totalizantes dos “de baixo” que nos preocupamos; também não

buscamos um discurso oculto, nem dizer através dele aquilo que realmente se quer

dizer, nem explicá-lo ou interpretá-lo, mas, sobretudo, buscamos a “repetição”, ou seja,

buscamos o que se constitui:

[...] um campo mais ou menos raro de sentidos que devem, em

seguida, ser aceitos ou sancionados numa rede discursiva, segundo

uma ordem – seja em função do seu conteúdo de verdade, seja em

função daquele que praticou a enunciação, seja em função de uma

instituição que o acolhe. (VEIGA-NETO, 2003a p. 114).

2.2. A Geografia e a Escola a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais

A criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ocorreu no ano de

1998, tendo como objetivo interligar a escola, os pais, o governo e a sociedade, com

vistas à transformação do sistema educativo do país. Além disto, explorar e entender a

diversidade cultural brasileira para alcançar a cidadania entre os povos, sem perder de

vista as diferentes ênfases disciplinares aplicadas na escola, estão entre as suas

prioridades. Nessa perspectiva, o sucesso escolar é compreendido como o resultado de

um bom desempenho das práticas pedagógicas, somadas ao estudo de temas

previamente selecionados e estruturados, por serem considerados importantes para a

formação do aluno, agente central no processo educativo.

Nesta seção, o nosso objetivo é entender o papel dos PCNs, de modo que nos

permita levantar e contextualizar questões concernentes ao cotidiano da escola escolhida

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para o estudo de caso, nos permitindo pensar e, indagar (se possível), como ocorre a

articulação entre a teoria e a prática, nesse caso amparada pelos aparatos normativos,

reservados para a educação brasileira.

No caso da geografia, a parte introdutória dos PCNs releva a sua importância

enquanto disciplina escolar, destacando os nomes marcantes da história do pensamento

geográfico, que se dedicaram a encontrar o seu objeto de estudo, os avanços e

perspectivas, vislumbrando conhecer as dinâmicas sociais e territoriais.

Reforçamos que, a nossa pesquisa está centrada no ensino fundamental – Anos

Finais, (6º ao 9º ano) – e, que a nossa problemática não se reduz aos conteúdos que

estão sendo lançados no sistema de ensino institucionalizado, mas nos objetivos que os

cercam. Daí a necessidade de compreendermos, o papel da geografia na escola básica, e

a sua aplicação diante da multiculturalidade, partindo do pressuposto de que esta área do

conhecimento é imprescindível para a compreensão da realidade, em seus múltiplos

contextos.

Os PCNs apontam as incoerências nos currículos de geografia, a começar pelo

distanciamento entre a teoria e a prática e a falta de contextualização das temáticas às

questões locais. A didática, os métodos e abordagens docentes, resquícios de um

modelo tradicional de ensino, aquele do decorar para aprender, tem sido contestado por

este documento, que não só propõe a reformulação das práticas dos professores como

também um avanço nas discussões sobre o cotidiano, permitindo a construção de um

senso crítico e, a capacidade de intervenção e transformação social. Ainda

acrescentaríamos como fundamental a possibilidade de a escola criar subjetividades

diferentes, capazes de resistir à sua captura pelo modelo dominante homogeneizador.

Na geografia, os PCNs abordam o percurso histórico da geografia, através de

uma cronologia, que vai da geografia tradicional à crítica. As discussões elementares

que orientam este documento propõem a análise do território sob diferentes correntes de

pensamento, perpassando pela análise da paisagem, aos aspectos sócio espaciais,

econômicos e culturais, tão presentes no mundo atual.

O território e o lugar são apresentados de forma exaustiva, destacando os

conflitos e as relações de poder historicamente exercidas. Nesse ponto a questão do

simbolismo, do trabalho e a construção de identidades ganham destaque no cotidiano

escolar fazendo do aluno o sujeito central desse processo de reconhecimento do mundo

e seu pertencimento nele.

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[...] É muito importante que o aluno compreenda as diferentes formas

de as sociedades se organizarem para produzir bens e serviços, ou

seja, como são estruturados seus modos de produção. A terra, as

matérias-primas, a qualificação e o trabalho humano, as ferramentas e

os maquinários que caracterizam as forças produtivas, os meios de

produção e mais as relações de propriedade constituem os alicerces de

um modo de produção. Portanto, para que o aluno possa compreender

a estrutura da sociedade e a prática do seu cotidiano, o professor não

deve negligenciar o modo de produção como uma categoria analítica

para essa compreensão. (BRASIL, 1998. p. 22-23)

A contextualização dos fatos torna-se fundamental para que o processo de ensino

e aprendizagem ocorra, não somente através das aulas expositivas e das prescrições

normativas, mas também diante da articulação entre o mundo real (objetivo) e o

imaginário (subjetivo), ambos coincidentes do convívio discente. “[...] assim, falar do

imaginário em geografia é procurar compreender os espaços subjetivos, os mapas

mentais que se constroem para orientar as pessoas no mundo [...] (BRASIL, 1998.

p.23). ”

Diante da importância de se pensar sobre os lugares e a construção dos seus

cotidianos, ou mundos distintos – nas palavras de Brandão (2009) – torna-se

imprescindível reconhecer as diferentes territorialidades. O mundo das representações

dá aos sujeitos a autonomia para pensar e participar da sua construção e, é partindo

desta concepção que os PCNs propõe analisar o território e o lugar nas escolas, a partir

dos significados (BRASIL, 1998. p. 23).

As diferentes perspectivas geográficas somadas às propostas oficiais diversas

podem ser consideradas um predicativo para os problemas que acompanham a educação

brasileira, sobretudo, diante da materialização de conteúdos e metas escolares muitas

vezes distantes do contexto em que esta instituição está inserida. Ou seja, nem todo o

modelo de ensino corresponde à realidade da escola, e tampouco dos alunos que a

frequentam.

Mesmo diante de um discurso motivador, apresentado através das leis ainda nos

deparamos com uma geografia escolar incompleta, tradicional e desmotivadora. Sobre

esta questão os PCNs consideram que a preocupação com os conteúdos ao invés das

ações atitudinais; o isolamento de temáticas específicas; a ênfase na memorização dos

fatos em detrimento da interação e da problematização dos fatos são alguns dos desafios

da educação brasileira (BRASIL, 1998. p. 24-25).

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De acordo com os PCNs, a importância social atribuída à geografia escolar está

em levar ao aluno a compreensão do mundo em que se encontra, a partir dos processos

históricos, de modo que se torne possível compreender o território, o lugar e as suas

dinâmicas. Por isso, pensar sobre os fenômenos naturais, sociais, culturais, políticos e

econômicos são tão importantes nesse processo.

O discurso normativo e suas abordagens para o campo da geografia tem se

mostrado necessário para o avanço do sistema de ensino básico. Todavia, a

aplicabilidade de suas ações muitas vezes tem se tornado inviável, devido à falta de

investimentos neste setor. Citamos neste caso, o exemplo da nucleação escolar e a

transferência de alunos para instituições maiores, porém, distantes da realidade do

aluno.

A categoria de análise geográfica “território”, juntamente com o conceito de

“territorialidade”, ambos indispensáveis para a compreensão dos lugares, são

apresentados e exaustivamente explorados pelos PCNs, que valorizam o sentimento de

pertencimento do aluno, e consequentemente a construção da cidadania. Partindo deste

princípio a relevância de compreender os elementos que compõem a paisagem e o

espaço geográfico de forma crítica, somadas a importância de estabelecer uma

articulação a partir do local se elegem como prioridades desta disciplina no âmbito

escolar. Ademais, deve-se levar em consideração a influência dos veículos de

comunicação, seu discurso e a consequente distorção da realidade, visto que tanto:

[...] o espaço, a paisagem, o território e o lugar estão associados à

força da imagem, tão explorada pela mídia. Pela imagem, muitas

vezes a mídia utiliza-se da paisagem para inculcar um modelo de

mundo. Sendo a Geografia uma ciência que procura explicar e

compreender o mundo por meio de uma leitura crítica a partir da

paisagem, ela poderá oferecer grande contribuição para decodificar as

imagens manipuladoras que a mídia constrói na consciência das

pessoas, seja em relação aos valores socioculturais ou a padrões de

comportamentos políticos nacionais. (BRASIL, 1998. p. 29).

Os discursos oficiais, que conduzem as propostas do sistema de ensino

institucionalizado, se mostram atentos quanto a diferença, que se expressa a partir dos

lugares. Na escola, as palavras discurso, livro didático, decorar, avaliar e (in) eficiência

são recorrentes em seu cotidiano, apesar de serem consideradas insuficientes para se

alcançar o sujeito da educação. Daí a necessidade de pensar na interação,

problematização e contextualização dos fatos, a fim de despertar a curiosidade e a

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criatividade do aluno, que se sentirá parte da escola, a partir de situações e eventos

próximos do seu cotidiano.

A articulação entre o “local e o global” também são imprescindíveis no caso da

geografia, pois permitirá ao aluno se envolver com os diferentes cenários e contextos,

sem perder de vista o seu cotidiano. Assim é possível estabelecer comparações entre as

diferentes culturas, territórios, saberes-fazeres e sua dinamicidade (BRASIL, 1998.

p.31). Entendemos que os lugares são criados e conduzidos a partir de uma lógica, que

os submetem a uma posição de centralidade ou periférica, tal condição ocorre mediante

à sua apropriação pelo mercado. Esta é uma das lógicas responsáveis pela diferenciação

dos lugares.

A articulação das abordagens geográficas sob diferentes escalas geográficas se

mostra necessária para o processo de ensino aprendizagem, pois permite ao aluno a

compreensão dos fenômenos, sob diferentes dimensões e perspectivas. Esta seria uma

possível abordagem indicada para o ensino fundamental (anos finais), sobretudo,

quando se sabe que na escola existem alunos de diferentes localidades, sejam elas rurais

ou urbanas, intermunicipais ou interestaduais, que apresentam uma diversidade de

culturas e valores, permitindo o reconhecimento de outros territórios.

A seleção e aplicação dos diferentes conteúdos para a geografia escolar se

materializam nas instituições de ensino a partir de uma intencionalidade, portanto

requerem critérios e finalidades distintas, para se formar alguém para alguma coisa. As

ações discursivas estão construídas a partir do modelo de cada escola. Neste caso,

apontamos alguns elementos que possam servir de predicativo para a construção de cada

currículo, como a localização da escola e o perfil do município, que pode se caracterizar

como um tecnopólo, uma área de extração de recursos primários como (minério,

madeira, carvão, agricultura, pecuária, etc.), essencialmente industrializada, ou como

polo de prestação de serviços terciários (comércio, saúde, jurídico, etc).

É nesse momento que os PCNs propõem a implementação de eixos-temáticos,

que podem se expressar através dos interesses e objetivos gerais dos conteúdos, sem

perder de vista a possibilidade de flexibilizar os temas como a realidade de cada lugar,

indicando discussões de âmbito multidisciplinar e transdisciplinar. Os elementos

considerados urgentes para a compreensão do mundo contemporâneo estão pautados

nos temas transversais.

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Os eixos expressam algumas intenções a serem assinaladas. A

primeira é trabalhar com os alunos, por meio do estudo de Geografia,

uma melhor compreensão da realidade. A segunda é trabalhar o

mundo atual em sua diversidade, construindo explicações de como as

paisagens, os lugares e os territórios são produzidos. Os alunos devem

reconhecer as paisagens com sua identidade e temporalidade. Em

Geografia, significa propor temáticas em que o tempo social e o tempo

natural possam ser compreendidos em suas especificidades e

interações. Uma terceira intenção é que os alunos se apropriem do

conhecimento geográfico, como forma de compreender e explicar a

sua própria vida. Uma quarta intenção é a de que o conjunto dos temas

que compõem os eixos expressem conteúdos conceituais,

procedimentais e atitudinais (BRASIL, 1998. p. 37).

A segunda parte deste documento, que trata dos terceiros e quartos ciclos

apresenta os conteúdos, metas e métodos indicados para o terceiro e quarto ciclos,

perpassando pelas turmas do ensino fundamental - anos finais. Os eixos estão

distribuídos da seguinte forma:

Terceiro ciclo

Eixo 1: a geografia como uma possibilidade de leitura e compreensão do mundo;

Eixo 2: o estudo da natureza e sua importância para o homem;

Eixo 3: o campo e a cidade como formações sócio espaciais;

Eixo 4: a cartografia como instrumento na aproximação dos lugares e do mundo;

Quarto ciclo

Eixo 1: a evolução das tecnologias e as novas territorialidades em redes;

Eixo 2: um só mundo e muitos cenários geográficos;

Eixo 3: modernização, modo de vida e a problemática ambiental;

Os eixos temáticos listados acima são considerados centrais e servem de base para

desdobrar outras questões e conteúdos didáticos, que serão determinados através da

matriz curricular da escola. É nesse momento que se torna possível aproximar a escola

do aluno, através da articulação entre o local e o global.

O tópico destinado às “orientações metodológicas e didáticas” para o professor tem

como objetivo apresentar para o docente as diferentes abordagens e estratégias de

ensino, propiciando a interação entre professor-aluno a partir de situações diversas,

decorrentes do cotidiano escolar. A organização, atenção e a preparação docente, quanto

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a multiculturalidade presente na sala de aula, são elementos indispensáveis para que esta

se torne um lugar prazeroso e eficiente em suas tarefas diárias.

Como é possível observar, os PCNs de geografia, apesar de terem entrado em vigor

acerca de duas décadas, apresentam estratégias importantes para o avanço do sistema de

ensino. A contrapartida é que o mal funcionamento de tais políticas implica na

defasagem deste setor, haja vista que nem todas as instituições possuem infraestrutura,

recursos, e políticas de organização internas compatíveis com as suas demandas.

Criar leis, currículos, propor e organizar conteúdos, bem como teorizar sobre a sua

importância se torna uma tarefa fácil, pois o campo discursivo consegue “camuflar” a

realidade, as culturas, pessoas e valores, independentemente do lugar de onde estes

venham. Ao apresentar os PCNs nessa seção, nossa maior preocupação foi a de sermos

convencidos de que as reformas para a educação são desnecessárias, porém, basta uma

leitura crítica e atenta deste documento para se ter consciência do que está prescrito e o

que de fato NÃO é praticado.

O modelo tradicional de escola, tão criticado pelos PCNs ainda é o que existe na

atualidade. No âmbito normativo, as práticas docentes também tem sido alvo de críticas,

porém, o que fica ausente nesses apontamentos é a condição referente à carga horária, o

regime de trabalho, os recursos didáticos e pedagógicos. Além disto, conforme

analisado na escola pesquisada, a maioria dos professores (inclusive gestores) trabalham

em mais de uma instituição de ensino, o que é desgastante.

Quanto aos alunos, sujeito central deste documento e da nossa pesquisa, observamos

que o lugar de origem continua escondido, ocultado, desinteressante, pois durante a

aplicação dos conteúdos nem sempre sobra tempo para essa discussão. É nesse

momento que o livro didático entra em cena, deixando de ser uma ferramenta de apoio

para se tornar o principal meio de “transmissão” do conhecimento.

2.3. O Assujeitamento ao conhecimento oficial? Currículo Básico Comum

O currículo Básico Comum (CBC) foi criado no ano de 2006, e a versão

analisada para a elaboração desta seção se refere ao ano de 2007. Trata-se do

documento oficial e orientador para as escolas pertencentes à rede estadual de educação

do estado de Minas Gerais, cuja diretrizes se voltam para o desenvolvimento e

padronização do sistema de ensino, adotando objetivos, metas e metodologias aplicadas

através das disciplinas escolares, a fim de alcançar um índice de aproveitamento

satisfatório para a educação mineira.

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Reforçamos que, da mesma forma que nos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs) os CBCs também são fragmentados por disciplinas e ciclos de ensino

específicos, além de permitir a flexibilização dos temas, o que de certa forma contribui

para a autonomia da escola.

As nossas análises se sustentam a partir dos mesmos objetivos da seção anterior,

que são entender os propósitos existentes nos CBCs de Geografia, levantando questões

acerca do nosso objeto de estudo, de modo que nos permita considerar até que ponto a

criação de um documento unificado para a rede estadual de ensino público garante às

escolas possibilidades de compreender o seu cotidiano, respeitando sobretudo o perfil

dos seus alunos. Apesar desta pesquisa concentrar a sua análise na rede municipal de

educação de São João del-Rei, frisamos que o CBC é a principal referência curricular

utilizada pela Secretaria de Educação em questão, por isso, justificamos a elaboração

deste tópico.

A importância de ensinar geografia, nos anos finais do ensino fundamental está

na “[...] possibilidade de ampliação da capacidade dos alunos para apreenderem a

realidade, sob o ponto de vista da espacialidade complexa (MINAS GERAIS, 2007. p.

12)”. Ou seja, as noções básicas de espacialidade, territorialidade, identidade, senso

crítico são construídas e desenvolvidas a partir destes ciclos do ensino e, na medida em

que os anos escolares avançam novas questões, mais complexas, passam a ser discutidas

entre os alunos.

A meta central dos currículos – neste caso os CBCs de geografia – é criar um

esboço da realidade a partir da compreensão das dinâmicas sociais, instigando as

possibilidades de mudanças, reflexões, críticas, autonomia e questionamentos, sob

diferentes escalas. No entanto, o que se constata é que assim como nos PCNs o

professor também é o principal agente responsável por todas essas especificidades.

Estamos falando de um currículo formal que prescreve e propõe metas e soluções

diversas para o avanço do sistema educativo, que ainda se encontra engessado aos

moldes tradicionais e ultrapassados, devido à falta de incentivo e investimentos, que

ainda pouco saíram do papel.

Nossa maior indagação está na organização dos conteúdos, pois enquanto

professores (e pesquisadores) devemos considerar o porquê da seleção de alguns em

detrimento de outros (SILVA, 2010), já que a geografia possui uma variedade de

temáticas. A prescrição de conteúdos comuns, para uma rede de ensino tão vasta como a

do estado de Minas Gerais tem demostrado uma iniciativa insuficiente, tendo em vista

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as múltiplas territorialidades existentes e presentes na escola. Por isso, que nem sempre

podemos falar de políticas de inclusão no sistema de ensino institucionalizado, quando é

a exclusão que muitas vezes predomina.

As políticas adotadas para o sistema de ensino têm deixado claro o interesse em

alcançar índices de aprendizado compatíveis aos dos países desenvolvidos, expressando

estes através de gráficos, que nem sempre conseguem mostrar de forma fidedigna a

realidade do ensino. Outra preocupação observada em campo está na necessidade de

preparar o aluno para vestibulares, concursos ou motivá-los a refletirem sobre o que

querem fazer no futuro, enquanto que no presente vemos as suas experiências próprias

capturadas e reconstruídas, diante da necessidade de uma preparação eficiente para a

vida adulta.

A importância e o desafio da interdisciplinaridade, apresentados pelo CBC de

geografia, decorre da necessidade de contextualizar os fatos e a realidade do educando,

de modo que se torne possível desenvolver discussões complexas, de um mundo

complexo, o que nem sempre tem sido tratado na escola. Por outro lado, também se

observa a necessidade de problematizar questões sobre a diferença, identidade,

alteridade, hibridismo e diversidade, de modo que a obrigação da tolerância seja

sobreposta pelo respeito, diante do que o outro é.

No CBC, as quatro diretrizes orientadoras para o ensino de geografia se

apresentam a partir das seguintes finalidades:

A primeira diretriz propõe a valorização e o resgate das práticas

socioespaciais, espaço-culturais e ambientais do educando, buscando

nelas os referenciais explicativos para a ampliação, aprofundamento e

a compreensão do espaço geográfico em mutação. [...] A segunda

diretriz diz respeito à construção de um pensamento que passa,

progressivamente, do simples ao complexo, substituindo um

pensamento, que isola e separa, por um pensamento que distingue e

une, como afiança Morin (1999)4. [...] A terceira diretriz propõe uma

nova abordagem dos conteúdos geográficos através de sua

organização em um Eixo Integrador, do qual serão desdobrados os

eixos temáticos e os temas. [...] A quarta diretriz norteadora se

sustenta no campo das competências gerais de investigação e

compreensão. [...] A quinta diretriz refere-se à avaliação formativa e

aos indicadores de competências construídas5. (MINAS GERAIS,

2007. p. 14-15).

4 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 1999.

5 MINAS GERAIS. Projeto Escolas-Referência – A reconstrução da excelência na escola pública. Belo

Horizonte, 2004.

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Embora não esteja entre as prioridades desse tópico, atentamos para os critérios

de seleção dos conteúdos, que valorizam a necessidade de promover uma flexibilização

entre as temáticas e o contexto escolar. Nesse sentido, é reforçada a necessidade do

comprometimento docente de “[...] fomentar a construção de novos conhecimentos,

mentalidades e comportamentos [...]” (MINAS GERAIS, 2007. p. 15). Todavia, não

conseguimos encontrar neste documento quais recursos o professor estaria provido, para

as aulas de geografia, visto que nesta área a necessidade de se manter atento e

atualizado quanto às questões cotidianas em suas múltiplas abordagens são

indispensáveis.

Quando falamos de recursos, não estamos nos referindo ao livro didático, ao giz

e a lousa, mas das possibilidades de o professor trabalhar a geografia do lugar que

habitamos, pois, a geografia do concreto possibilita viver horizontes de sentido. Em

vários momentos, nos deparamos com temáticas que seriam melhores aproveitadas se

fossem dispostos meios de transporte para a execução de trabalhos de campo,

laboratórios de informática (que de fato funcionem), bibliotecas equipadas, de modo

que o aluno entrasse em contato com o mundo exterior, aquele que é vivido e que

permite a criação de territorialidades, que não se restringem às quatro paredes de uma

sala de aula.

No contexto atual, a função do professor tem sido cada vez mais a de apresentar

aos alunos novas possibilidades de ver o mundo, construindo conhecimentos a partir da

interação e movimento, visto que a informação se tornou popular, através da internet e a

sua facilidade de acesso.

Abaixo, seguem os eixos norteadores do CBC de geografia para o ensino

fundamental anos finais:

Eixo Temático I - Geografias do Cotidiano;

Eixo Temático II - A Sociodiversidade das Paisagens e suas Manifestações

Espaço culturais;

Eixo Temático III - Globalização e Regionalização no Mundo Contemporâneo;

Eixo Temático IV - Meio Ambiente e Cidadania Planetária.

A organização dos conteúdos a partir dos eixos temáticos dispostos acima,

compõem a base para o desdobramento de outros temas, que serão definidos pela

escola. Conforme consta no CBC, as vantagens deste método estão associadas às

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possibilidades de autonomia do docente, em escolher qual a série mais adequada para a

sua abordagem. Ademais, observa-se que a ideia central de trabalhar conceitos e

categorias, obedecendo à estruturação proposta pelos documentos oficiais,

paralelamente a diminuição da carga horária obrigatória das aulas geografia tem se

tornado um desafio, e uma consequente limitação nos temas específicos que de fato

deveriam ser trabalhados de forma aprofundada, a partir da escala local.

Os eixos temáticos I e II são os que oferecem as maiores possibilidades para se

trabalhar o cotidiano de uma escola urbana, que recebe majoritariamente alunos da zona

rural, permitindo ao aluno compreender as dinâmicas desde espaço, as suas

transformações a partir de diferentes escalas e perspectivas. É nesse ponto que a

compreensão dos fenômenos rurais se mostram importantes para o desvendamento deste

espaço, que tem sido reduzido a generalizações e estereótipos, como é o caso da relação

campo-agronegócio, campo-economia-mercado, cidade-moderno/campo-arcaico.

Desenvolver habilidades e competências nos alunos e professores a partir de um

currículo comum, de maneira hierarquizada é um obstáculo para a manutenção das

identidades, já que a estruturação dos temas e conteúdos propostos priorizam a

formação do aluno, sob a ótica de mercado.

O desafio que se coloca em questão se faz ao perguntarmos: até que ponto os

currículos e a escola estão preocupados em manter as múltiplas identidades

(territorialidades) existentes na escola? Qual a função social do sistema de ensino ao

criar uma matriz curricular (conteudista) hierarquizada, que, apesar de oferecerem uma

diversidade de temas não oferecem recursos para que tais ações de fato ocorram? E o

professor, o sucesso escolar depende única e exclusivamente dele? Como pensar a

cidadania nesse processo?

A necessidade de aproximar a escola do contexto que ela está inserida, requer

uma interação entre o poder público e a comunidade. Porém, falar que os documentos

oficiais adotados para o sistema de ensino se mostram despreocupados diante a

realidade do aluno seria uma observação precipitada. O que colocamos em questão são

os impactos dessas diretrizes para a educação a nível estadual, que discursa em nome

dos valores, culturas e pessoas específicas, pois na escola pesquisada é nítido o

estranhamento dos alunos rurais, diante de uma geografia que não contempla o seu

cotidiano.

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2.4. Projeto Político Pedagógico - Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”

Na Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” a criação do Projeto Político

Pedagógico (PPP) obedece a Lei de autorização 752/87 de 05/06/87, tendo por

finalidade traçar um perfil baseado nos princípios e demandas institucionais, a partir do

cotidiano desta instituição. As leis federais e estaduais dirigidas para o sistema de

ensino estão contextualizadas neste documento, sob uma escala local, que cria e orienta

os próprios objetivos e prioridades para o funcionamento escolar.

Traçar o histórico de uma escola, se torna importante para entender os avanços e

os desafios desta instituição, desde a sua criação. Suas demandas decorrem de fatores

diversos, que vão desde a sua localização até o perfil de alunos de sua influência.

Portanto, será através destas questões que propomos discutir sobre o PPP, de modo que

nos permita entender as diferentes estratégias de inclusão que a escola escolhida para o

nosso estudo de caso tem utilizado, a partir do discurso teórico, normativo e das suas

práticas cotidianas.

Esclarecemos que, não é de interesse desta pesquisa propor objetivos e metas

para sistema de ensino e tampouco criar um modelo curricular para a instituição

pesquisada. O que pretendemos discutir é que a criação de leis gerais impostas para este

setor tem cumprido mais a função de ditar e regular as práticas cotidianas através de

padrões estipulados por órgãos, secretarias e diretorias superiores sustentadas

teoricamente, ao invés de oferecer subsídios e autonomia para que as escolas alcancem

seus ideais, a partir das próprias questões.

A necessidade de uma articulação entre a escala local e global é notável em

todos os documentos que foram utilizados neste estudo. No entanto, ao analisarmos tais

prescrições adotadas para o sistema de ensino, através das atividades de campo

entendemos que a ênfase no aluno, como conhecedor de seu contexto, das problemáticas

e suas táticas de sobrevivência não ultrapassam o campo normativo.

Entre os objetivos gerais, estabelecidos no PPP da escola pesquisada o que mais

nos chamou a atenção foi a iniciativa de construir este documento de forma

participativa, envolvendo pais, alunos, gestores diante de um só propósito: oferecer um

ensino de qualidade integrado às demandas da comunidade escolar. Sendo assim, este

documento vislumbra sobretudo o [...] pleno desenvolvimento do educando,

considerando os seus interesses e da comunidade na qual estão inseridas, suas

necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura (SME/SJDR, 2008. 06.

grifo nosso).

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Os objetivos definidos a partir da “filosofia da escola” apresentam uma

concepção esvaziada de aluno, já que esta escola se propõe a: “[...] orientá-los (alunos) a

encontrar o seu projeto de vida e seu lugar na sociedade. (SME/SJDR, 2008 p. 05)”. As

inferências que apontamos diante desta expressão, sugerem que o aluno

independentemente do seu lugar de moradia precisa se enquadrar ao regime escolar, e a

visão de mundo que esta propõe. É nesse momento que o discurso apresentado através

do PPP, inicia a formação do sujeito.

A última atualização do PPP ocorreu no ano de 2008, por isso justificamos a

análise do CBC de geografia correspondente ao ano de 2007, realizada na sessão

anterior, que serviu de base para a elaboração desta. Nesta questão, um ponto que

merece destaque é o extenso período de tempo para se utilizar um mesmo documento,

para uma escola que talvez não tenha o mesmo perfil de alunos que antigamente.

As propostas de ensino direcionadas para os ciclos iniciais e finais desta escola

apresentam finalidades distintas, que se complementam com o avanço das séries. As

habilidades técnicas da leitura e escrita, seguidas das operações matemáticas simples

estão entre as prioridades dos ciclos iniciais. Na transição para os ciclos avançados (4º e

5º ano) são incluídos “[...] os conteúdos de Ciências, História e Geografia, que devem

ser ministrados articulados ao processo de alfabetização e letramento e, de iniciação à

Matemática, crescendo em complexidade ao longo dos anos” (SME/SJDR, 2008, p. 11).

Ressaltamos que, a implementação das disciplinas de Educação Religiosa (mediante a

autorização dos pais) e Artes também ocorrem nesta transição.

Os terceiro e quarto ciclos – interesse desta pesquisa – mantêm as mesmas

disciplinas que foram previamente apresentadas no parágrafo acima, porém de forma

mais complexa, já que dentro do plano de formação escolar o aluno já se encontra em

plenas condições de leitura e escrita. Conforme já apresentado neste trabalho a matriz

curricular obedece aos mesmos eixos temáticos apresentados pelos PCNs (1998) e

CBCs (2007) de geografia, que foram analisados nas seções anteriores.

A criação de um currículo próprio, requer um constante repensar. No caso da

Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” destacamos a sua diversidade de alunos,

sobretudo os da zona rural que são maior número, embora esta escola esteja situada na

área urbana de São João del-Rei. Segundo o PPP da escola: “[...] O currículo é o

território onde se estabelece um diálogo pedagógico entre os diversos tempos de vida

dos educandos e os tempos de conhecimento e da cultura do ensinar e do aprender, da

socialização e a formação de sujeitos, (SME/SJDR, 2008. p. 12) ”.

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As atividades de campo nos permitiram sinalizar o distanciamento entre os

alunos da zona rural e o cotidiano escolar, seja por meio das temáticas propostas para os

ciclos de ensino ou pelas atividades extraclasses. Um evento marcante ocorreu na

ocasião em que o transporte não pôde buscar os alunos para participar de uma visita na

“Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) ”, pelo fato desta data

não ter ocorrido em um dia útil da semana. A ausência do transporte em algumas

comunidades longínquas também aconteceu na festa junina e no dia da independência,

diante de imprevistos ou motivos diversos.

O Projeto Político Pedagógico, analisado nessa seção, apresenta os fundamentos

para que a cidadania de fato se torne parte do cotidiano escolar. Nesse contexto

destacamos a passagem: “ um povo que conhece a sua história e mantém-se consciente

dos valores culturais é um povo mais preparado para viver o seu presente e encarar o

futuro” (SME/SJDR, 2008, p. 12). Sobre esta questão, indagamos: como manter a

consciência dos valores culturais próprios de cada sujeito, diante da inexistência de

abordagens e alternativas voltadas para a sua inclusão?

Citamos alguns dos desafios dos alunos rurais, a começar pelo seu local de

moradia e a dificuldade de acesso para a escola urbana. De modo geral, entrar na sala de

aula e ser “da roça” além de ser um motivo de “chacota” para os alunos da cidade é

também um fator que contribui para a desmotivação nos estudos. Portanto, dizer que o

mau desempenho desses indivíduos é consequência do seu desinteresse seria uma

conclusão superficial e equivocada, ainda mais quando os documentos oficiais internos

não demostram preocupação com a diferença.

Nos últimos meses do ano letivo, onde a ocorrência de chuvas se torna rotineira,

presenciamos casos em que o transporte da zona rural não chegou na escola, ou

situações em que alunos chegaram à sala sujos de barro, molhados e atrasados. De

modo geral, é possível sinalizar que esses alunos comprometem o rendimento das aulas,

pelo fato de terem que trabalhar nos horários que não estão na escola, deixando para

segundo plano as atividades escolares solicitadas para casa. Esta situação-problema está

disposta no PPP da seguinte forma:

[...] o que dificulta um trabalho mais positivo é a faixa etária (dos

alunos) ser um tanto quanto eclética nas séries. A maioria de nossa

clientela é de zona rural e muitos repetentes, formando assim séries

com grandes defasagens de idade – o que, com certeza, reflete no

interesse e rendimento pedagógico (SME/SJDR, 2008, p. 16).

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A citação apresentada linha acima apresenta uma contradição, estabelecida entre

o discurso e a prática escolar. Estamos diante de um projeto, que propõe a construção do

conhecimento, a partir de ações, métodos e abordagens que valorizam as trocas de

experiência, a emoção, a diversidade sociocultural e que deveria promover a inclusão

dos alunos e não a segregação, por meio de índices de rendimento. Ou seja, nos

deparamos com um documento que não condiz com a realidade da escola e tampouco

com o perfil de alunos que nela frequentam.

Da mesma forma que nos PCNs, CBCs, LDBs, este PPP considera a escola

como um espaço povoado por múltiplas culturas, saberes e valores. A matriz curricular

proveniente deste documento, também enfatiza a necessidade de uma diversificação,

apresentação de motivação dos conteúdos, de modo a promover maior interação entre a

escola, aluno e sociedade. Todavia, o que colocamos em questão é a insistência de

enquadrar o aluno a um modelo de ensino, um modo de pensar a sociedade e o mundo,

que muitas vezes desconsidera o seu cotidiano.

Consideramos que, a inclusão dos alunos rurais em uma escola urbana tem se

tornado um problema, ao invés de um desafio. Portanto, entender como ocorre à

construção das novas territorialidades, a partir do cotidiano escolar, das teorias

curriculares e do currículo oficial ganham centralidade neste estudo, a partir do

momento que propomos analisar e compreender até que ponto que o outro (diferente)

possui voz na escola e na sociedade, como um todo.

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CAPÍTULO 03 – AS TEORIAS CURRICULARES: QUANDO A CONSTRUÇÃO

SOCIAL DO CONHECIMENTO SE TRANSFORMA EM POLÍTICAS DE

REGULAÇÃO

3.1. Zapeando as Teorias Curriculares

O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder.

O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia,

nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade.

O currículo é texto discurso, documento.

O currículo é documento de identidade.

(SILVA, 2010. p. 150).

As teorias curriculares têm sido tratadas ao longo do tempo como essenciais para

a formação de alguém, para alguma coisa. Em sua obra intitulada “Documentos de

Identidade: uma introdução às teorias do currículo” Tomaz Tadeu da Silva (2010)

realizou uma importante análise distintiva e resumida6 das teorias curriculares, que

perpassam o modelo tradicional, crítico e pós-crítico, destacando os autores envolvidos

e o momento histórico em que tais teorias repercutiram.

Segundo Silva (2010, p. 16): “é precisamente a questão do poder que vai separar

as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas”. Podemos dizer que, diferentes

modelos e organizações do currículo se mostravam importantes para a capacitação dos

sujeitos, ora visando atender os interesses de determinados setores da economia ou da

política vigente, enfim, das exigências impostas pelo capital.

As diferentes críticas ao currículo foram realizadas tanto para o seu modelo

tradicional, quanto ao pós-crítico por diversos autores, entre eles os foucaultianos. A

problematização das teorias tradicionais se fez, a partir de suas características lineares,

conteudistas e isentas de questionamentos, baseadas na neutralidade científica.

As teorias críticas e pós-críticas, surgem diante da necessidade de contestar e

argumentar contra estas proposições. Segundo Silva (2010), por traz de uma teoria

existem relações de poder e, portanto, não há neutralidade e, sim um conjunto de

interesses. No entanto, mesmo com todos os esforços teóricos realizados sobre o

currículo e sua crítica, observa-se na prática que o currículo tradicional ainda exerce

grande influência em nossas escolas.

6 A apresentação do termo resumido sintetiza às dezenas de teorizações realizadas sobre o currículo, por

Tomaz Tadeu da Silva, que se enquadram em diversas perspectivas, no qual destacamos o Modelo

Tradicional, Crítico e Pós-Crítico.

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A passagem do modelo tradicional do currículo para o crítico representou um

importante marco para a compreensão das dinâmicas da sociedade, sobre outros

aspectos. Mas, fronteiras ainda deveriam ser ultrapassadas, haja vista que reflexões

sobre a divisão de classes, da política, do poder centralizador e da opressão foram

fortemente tratadas nas teorias que antecedem às pós-críticas. Tomaz Tadeu da Silva

(2010) aponta a influência de Paulo Freire (1988) no processo de construção da teoria

curricular crítica.

Silva (2010), ao mencionar as teorias tradicionais do currículo diz tratar-se de

uma forma de aceitação do status quo, com vistas à moldagem técnica do sujeito apto a

desempenhar funções administrativas, aos moldes do taylorismo. A desconfiança e o

questionamento estimulados a partir das teorias críticas propõem uma transformação

radical dessa visão. Uma distinção importante mostrada entre as teorias curriculares

tradicionais e as críticas está na preocupação em compreender quais são os efeitos que o

currículo traz, ao invés de apenas como fazê-lo.

A noção de “Currículo Oculto” e o seu impacto no ambiente escolar tem se

mostrado não somente um componente de análise, mas também um motivo de

preocupação para Silva (2010), diante dos seus efeitos. Para esse autor, mesmo que o

currículo oculto não seja um documento oficial de ensino tem se mostrado um

importante instrumento influenciador na organização e funcionamento da escola, através

de padrões de comportamento que se (re) ajustam e delimitam:

As características estruturais da sala de aula e da situação de ensino,

mais do que seu conteúdo explicito, que "ensinavam" certas coisas: as

relações de autoridade, a organização espacial, a distribuição do

tempo, os padrões de recompensa e castigo. [...] O currículo oculto

ensina, ainda, através de rituais, regras, regulamentos, normas.

(SILVA, 2010, p. 78-79).

Essas considerações nos permitem sinalizar que os padrões de comportamento

criados pelo currículo oculto contribuem para a divisão de grupos com diferentes níveis

de rendimento, qualificando ou desqualificando o aluno diante das metas escolares.

Portanto, “[...] tornar-se consciente do currículo oculto significa, de alguma forma,

desarmá-lo”, (SILVA, 2010, p. 80). É a partir dessa postura que as teorias críticas e pós-

críticas irão se fundamentar, questionando e problematizando esse documento

pedagógico.

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No campo da educação, a teoria curricular pós-crítica nos propõe não somente a

conhecer quais conteúdos e metas estão sendo propostas para o ensino, mas também a

problematizar, questionar e, a desconfiar do porquê de alguns conteúdos estarem postos

nesse documento e outros não, além de quais relações de poder estão ali envolvidas.

Essa perspectiva rejeita a verdade como absoluta, o poder centralizado e o

conhecimento como algo pronto e acabado. Existe também uma valorização do

hibridismo, das questões relacionadas ao gênero e a grupos étnicos raciais minoritários,

que são considerados fundamentais no processo de construção social, diante dos olhares

hegemônicos.

Sob uma perspectiva geográfica, as teorias curriculares críticas e pós-críticas nos

possibilitam compreender o território e as múltiplas territorialidades expressas por

grupos culturais diferentes, que não são mencionados e reconhecidos pelas teorias

tradicionais. A compreensão das formas e seus diferentes conteúdos no espaço-tempo

requerem sensibilidade e atenção do pesquisador, quanto às múltiplas subjetividades

que surgem a partir espaço do vivido-praticado e, que nem sempre são valorizadas no

ambiente escolar. Os dispositivos disciplinares “comuns” têm contribuído para a perda

do sentido, da cultura e, consequentemente da identidade.

Portanto, as análises de Silva (2010) diante das teorias críticas e pós-críticas para

o currículo nos levam a entender que este documento não pode ser concebido como

desinteressado, insuspeito ou inofensivo. As relações de poder que se exercem sobre

esse currículo ocorrem da mesma forma com o lugar, no entanto, a resistência também

se faz presente em ambos, como afirma Foucault (2011), “em pontos da rede”,

[...] a resistência é gerada dentro da própria rede, às vezes amplamente

abrangente, mas em geral, minúsculos, transitórios e móveis. [...] Nas

suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em

posição de exercer este poder e de sofrer a sua ação; nunca são o alvo

inerte e consentido do poder; são sempre centros de transmissão. Em

outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.

(FOUCAULT, 2011, p.179-191).

3.2. Multiculturalidade, Identidade e Diferença, no contexto das Teorias

Curriculares

O multiculturalismo é um fenômeno contemporâneo, que se resume na

expressão de diversas culturas, das quais o poder se incumbiu de silenciar no decorrer

do tempo. Segundo Silva (2004, p. 86), trata-se de um importante “instrumento de luta

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política, dada a sua legitimidade”. No âmbito das teorias curriculares o

multiculturalismo evidencia o grau das desigualdades sociais, no que diz respeito ao

gênero, raça e sexualidade, por exemplo. Ou seja, questões “[...] que não podem ser

reduzidas à dinâmica de classe” (p. 90), que propõem uma falsa noção de igualdade,

baseada na tolerância e no respeito.

As ações discursivas desencadeadas nos diferentes espaços-tempos, redefinidas

através da linguagem, em conexão com o saber dominante, impulsionaram

transformações na sociedade, a partir de um único ângulo, reforçando a ideia de

soberania sobre o território. O multiculturalismo, por sua vez, adquiriu maior

visibilidade a partir da pós-modernidade, e suas bases reflexivas contrapõem a ideia de

“tolerar o diferente”. Nesta abordagem buscamos analisar o cotidiano escolar, a fim de

compreender a identidade e a diferença, desde a sua gênese, tendo como ponto de

partida o espaço convivência e de construção social.

Na escola, a utilização de determinado currículo implica no exercício de

diferentes atividades, dentro ou fora da sala de aula, conduzidas através de métodos e

posturas educativas, cujo objetivo é desenvolver habilidades e competências nos alunos

fazendo da escola uma “empresa de aprendizagem”. No entanto, existem currículos que

enfatizam questões sobre a identidade, diferença, alteridade e demais elementos que,

nos permitem compreender a subjetividade de cada indivíduo. Nesse sentido,

enfatizamos o currículo pós-crítico, por valorizar a questão da multiculturalidade, por

“dar voz” aos grupos considerados minoritários diante do poder, além de reconhecer a

legitimidade dos movimentos sociais e suas bandeiras, que historicamente foram

marginalizados, estereotipados e hostilizados por grupos dominantes.

Para Silva (2004) é especificamente a questão do poder que vai determinar

maior visibilidade a um grupo, em detrimento de outros. Esse autor considera que cada

indivíduo possui um tempo vivido, como expressão da própria cultura, que se diferencia

de um território para outro. O fato da identidade e da diferença serem produzidas dentro

de um processo simbólico e discursivo é uma demonstração de que ambas estão

submetidas às relações de poder. “[...] A afirmação da identidade e a marcação da

diferença implica, sempre, as operações de incluir e excluir”, (SILVA, 2004, p. 82). É

dessa forma que as diferentes vozes, histórias, perspectivas, modos de ser e desejos são

silenciados, por serem consideradas desinteressantes, insignificantes, inferiores ou

exóticos.

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60

As normatizações auxiliam na fixação das (novas) identidades, a partir das

instituições de ensino. O fechamento de várias escolas rurais no município de São João

del-Rei/MG e a concentração de grande parte do ensino nas escolas urbanas

contextualiza nossa discussão, uma vez que os alunos do meio rural são sujeitados a um

currículo comum, que supervaloriza a vida nas cidades, condenando o campo ao

esquecimento e ao atraso. É nesse ponto que a identidade e diferença ganham

visibilidade nesse estudo.

Segundo Silva (2004), a construção da identidade e da diferença associa-se aos

processos discursivos, que são responsáveis por regular normativamente as ações entre

os sujeitos. Para esse autor, mesmo que as questões referentes ao multiculturalismo

tenham visibilidade no campo da teoria educacional, inclusive nas pedagogias oficiais

com a inclusão dos chamados “temas transversais”, ainda se nota a “ausência de uma

teoria da identidade e da diferença”, (SILVA, 2004. p. 73, grifo nosso).

Silva (2004, p.75) também diz que, a construção da identidade está intimamente

relacionada ao “EU SOU” e, diante dessa afirmação estamos negando outras, que

representam formas de ser que não condizem com a nossa e que, portanto, não nos

representam. Assim, constrói-se a diferença, que está relacionada ao que o “OUTRO É”.

Entretanto, “[...] as afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas em

sua relação com as afirmações sobre a identidade”.

As afirmações sobre diferença também dependem de uma cadeia, em

geral oculta, de declarações negativas sobre (outras) identidades.

Assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende

da identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis. Em geral,

consideramos a diferença como um produto derivado da identidade.

Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto original

relativamente ao qual se define a diferença. ” (SILVA, 2004, p. 75-

76).

Silva (2004) considera que tanto a identidade quanto a diferença não devem ser

entendidas como naturalizadas, mas sim como o resultado de criações sociais e

culturais, “produzidas por meio de atos de linguagem”.

Além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham

uma importante característica: elas são o resultado de atos de criação

linguística. [...] A identidade e a diferença têm que ser ativamente

produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo

transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as

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61

fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e

a diferença são criações sociais e culturais. (SILVA, 2004, p. 76).

É nesse contexto que surgem os primeiros questionamentos acerca da construção

do sujeito. Segundo HALL (2006, p.07), por muito tempo perpetuou em nossa

sociedade uma concepção de sujeito estável e unificado. No entanto, as velhas

identidades foram sobrepostas pelas novas, responsáveis por fragmentar esse indivíduo,

até então construído e acabado. Para esse autor, a chamada “crise da identidade”

representou um período de mudança nas sociedades modernas, abalando os quadros de

referência de uma sociedade considerada fixa. Tratava-se de um período de

“incertezas”.

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as

sociedades modernas no final do século XX, isso está fragmentando as

paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e

nacionalidade, que, no passado nos tinham fornecido sólidas

localizações como indivíduos sociais. (HALL, 2006, p.8).

As teorias sociais propuseram diferentes concepções de identidade no decorrer

do processo histórico, das quais três foram destacadas por HALL (2006, p. 10-13, grifo

nosso): a) o sujeito do Iluminismo, considerado como único, atribuído de um núcleo

interior, concebido desde o seu nascimento, dotado de razão, consciência e ação, que se

desenvolve junto a ele, mantendo a integridade de suas características no decorrer da

vida, isento de influências do mundo exterior; b) o sujeito Sociológico, também

composto por um núcleo interior (‘eu real’), que no entanto não lhe garante plena

autonomia. O sujeito passa a se constituir a partir do “mundo exterior” e da relação com

“outras pessoas importantes para ele”; c) o sujeito Pós-Moderno, que a exemplo do

sujeito sociológico, não possui uma identidade fixa, essencial ou permanente, mas que

se transforma continuamente, diante dos sistemas culturais. Os diferentes momentos

serão responsáveis por diferentes identidades, que não são unificadas a partir de um

“eu” coerente.

As diferentes concepções de sujeito e identidade são importantes para entender o

processo de escolarização, que ainda faz o uso de conceitos como o de vocação7, para se

7 Vocação é um termo derivado do verbo no latim “vocare” que significa “chamar”. É uma

inclinação, uma tendência ou habilidade que leva o indivíduo a exercer uma determinada carreira ou

profissão. Disponível em: < http://www.significados.com.br/vocacao/ >, acessado em 14 abr. 16.

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referir a alunos dotados de especificidades e domínio de determinado conteúdo.

Entretanto, da mesma forma que alguns alunos são distinguidos por aspectos positivos

outros são marcados pelos negativos, sendo taxados como fracos, incapazes e

desinteressados. Esse contraste foi observado no decorrer da pesquisa, nas observações

das aulas de geografia, diante de temas como industrialização, urbanização e

globalização.

Consideramos que a dificuldade de interação dos alunos rurais poderia ser

atribuída primeiro à falta de coragem, para elaborar alguma pergunta e ser alvo de

críticas ou chacotas e, segundo, para aqueles que se quer sabiam sobre o que iam

perguntar, pois, tudo era novidade. Constatamos inclusive que, nenhum dos alunos do

campo tinha acesso à internet em casa.

Lá em casa só tem televisão e um rádio velho. De vez em quando, o

meu tio aparecia com um jornal “da Gazeta” pro meu pai ler, mas ele

servia mesmo era para colocar entre a ripa da cama e o colchão, pra

amaciar na hora de dormir (risos). Mas se tem uma coisa que o meu

pai gosta é de assistir o jornal na televisão, porque é mais fácil de

entender as notícias (Fala do aluno Pedro, residente na zona rural,

2015).

Até o momento, a análise do nosso recorte nos tem permitido notar que, a

identidade dominante na escola é representada pelos alunos da área urbana, mesmo que,

em termos quantitativos os alunos do campo fossem a maioria. Portanto, consideramos

que os dispositivos oficiais de ensino contribuem para o processo de reconstrução

identitária, que se faz através da linguagem. Retomando Silva (1995, 2004) a

identidade, sujeitada ao discurso e as ideologias dominantes, transmitidas através da

linguagem resultam de iniciativas que tentam fixa-las, tornando-a norma. As diversas

estratificações sociais presentes na escola são expressões do multiculturalismo, por

outro lado, o silenciamento de certos grupos é consequência das relações de poder.

3.3. A centralidade da cultura na Sociedade Atual

Consideramos que a tradição moderna racionalista compreendeu a cultura e a

educação, segundo Veiga-Neto (2003, p. 07) “como caminho para se atingir as formas

mais elevadas de Cultura, tendo por modelo as já conquistadas e realizadas pelos grupos

sociais mais educados, mais cultos”.

O resultado dessa compreensão elitista contribuiu para que o sistema escolar

fosse responsável pela elevação do “nível cultural da população”, tendo que ser

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63

conquistada pelos grupos sociais que não a possuíssem, acentuando a perspectiva de

uma cultura universal eurocêntrica e judaico-cristã, que atravessa um currículo livre das

impurezas.

No início do século XX, o modelo universal de cultura é questionado: não

haveria “a cultura”, mas diversas culturas. Esta discussão acabou se polarizando entre

cultura erudita e cultura popular. No Brasil e, em toda a América Latina, podemos

acrescentar a essa polarização o processo de “aculturamento” marcado pela violência e

o aniquilamento de diversas culturas nativas.

Forquin (1993), apresenta uma chave interessante para o nosso entendimento da

cultura e seus significados polissêmicos, identificando três tipos de cultura na escola. A

primeira seria a cultura escolar: resultante dos conteúdos escolhidos nos documentos

oficiais; a segunda, a cultura da escola, que tem como referência as práticas cotidianas e

a rotina escolar; e, a terceira, relacionada à cultura dos professores e alunos que

corresponde à diversidade cultural presente na escola, mas que não é considerada por

ela.

Esta chave interpretativa de Forquin nos permite pensar que a cultura, não é

resultante apenas das “estruturas sociais” (CANDAU, 2005) mas, de uma “prática

produtiva” (MOREIRA, 2001). Formas de resistência, consequência de práticas

produtivas, como as lutas pela afirmação de identidades e diferenças, a contestação das

relações desiguais ganha expressão no mundo culturalmente globalizado, também,

novas formas de globalização como, por exemplo, o cosmopolitismo, como resposta

transnacional ao ataque hegemônico ou a preocupação com a defesa do patrimônio

comum da humanidade.

É na ação cotidiana do professor, no seu relacionamento com os alunos e com a

comunidade que aparecem os “não ditos”, que podem ser apreendidos nas práticas

escolares cotidianas e, constituem o currículo oculto. Para nós, a questão do poder está

implícita na prática dos professores e permeia o seu discurso, por isso concordamos

com Moreira (2002) quando ressalta a necessidade de “aprender através do outro” e, a

necessidade de reconhecer o diferente.

Segundo Milton Santos (2008), estamos vivendo o que ele chama de “período

popular da história”. Este período se caracteriza pela presença de mecanismos de

homogeneização cultural e, ao mesmo tempo pela diversidade de formas culturais

produzidas pela periferia do sistema. Para Santos, a cultura popular da periferia, ao

manifestar e expressar a sua vida cotidiana poderia levar a uma “revanche” porque são

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as camadas populares, a força dos que vem de baixo, com sua visão própria da vida, que

podem nem sempre de maneira ordenada e uniforme, transformar o mundo.

As relações entre currículo e as diferentes visões de multiculturalismo existentes

ampliam e enriquecem nossa visão e reflexão sobre a educação para o campo, bem

como as de gênero, raça, etnia presentes no currículo da educação fundamental e os

processos de exclusão que as acompanham.

Para (HALL, 1997, p. 22) “centralidade da cultura” está presente em todo este

período popular da história, não no sentido de delimitar territórios e territorialidades,

mas de desfazer fronteiras e hierarquias, ou seja, não há como não reconhecer a

centralidade da cultura na vida humana embora, ela não seja mais pensada a partir de

um único eixo produtor da verdade. Silva (2004, p. 139) afirma que “ao mesmo tempo,

a cultura geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma forma

cultural: o cultural torna-se pedagógico e a pedagogia torna-se cultural”.

O argumento de Hall (1997, 2006), para esta nova centralidade descentrada é

que a formação das identidades se realiza através da cultura, portanto é mediada pela

objetividade das normas, nas instituições, nas ações e estruturas sociais de um

determinado tempo e lugar, que nos permite estabelecer relações entre cultura e poder

através da sua regulação.

Os Estudos Culturais, no âmbito dos conteúdos curriculares, voltam seu

interesse para as diversas formas de conhecimento que configuram “campos culturais”,

ou seja, que produzem significados levando à formação de identidades e a disputa entre

si e o poder.

Estas teorizações nos permitem pensar o currículo não como um “objeto

natural”, mas como um “campo de luta, em torno da significação e da identidade”,

portanto, como híbrido cultural num processo, “que ativamente se cria e produz cultura”

(MOREIRA e SILVA, 2002, p. 28).

Se, o currículo no plano político e ideológico é importante, também é na esfera

da cultura popular, onde potencialmente se localizam as relações transformadoras e as

possibilidades de apreender o contra discurso, capaz de romper as amarras subjetivas do

poder do outro.

3.4. O currículo como híbrido cultural e as práticas escolares cotidianas

O panorama da constituição social da categoria analítica geográfica “lugar”, em

algumas perspectivas aqui levantadas, nos permitiu constatar que na linguagem da

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investigação social aparecem variadas metáforas espaciais, resultando, tanto em

importantes incursões políticas às ideias e ações dos sujeitos como, às vezes, numa

fetichização acerca do conceito de lugar, em formas de pensamento que, enquanto

atuantes, contribuem para a reprodução de uma exclusão social, promovida pelo saber.

Imbuídos desta preocupação, as discussões aqui realizadas visam um

desenvolvimento teórico e epistemológico da Geografia escolar, perpassando pelo

desnaturalizar e pelo repensar dos conceitos e teorias, visto que todos são invenções

sociais, com importantes implicações nas elaborações de textos oficiais da educação,

das práticas escolares e cotidianas.

Ao nos assumirmos como nosso próprio objeto de estudo, coloca-se

para nós a impossibilidade de pesquisar ou falar ’sobre’ os cotidianos

das escolas. Se, estamos incluídos, mergulhados, em nosso objeto,

chegando, às vezes, a nos confundir com ele, no lugar dos estudos

‘sobre’, de fato, acontecem os estudos ‘com’ os cotidianos. Somos, no

final de tudo, pesquisadores de nós mesmos, somos nosso próprio

tema de investigação [...]. Assim, em nossos estudos ‘com’ os

cotidianos, há sempre uma busca por nós mesmos. Apesar de

pretendermos, nesses estudos, explicar os ‘outros’, no fundo estamos

nos explicando. Buscamos nos entender fazendo de conta que estamos

entendendo os outros, mas nós somos também esses outros e outros

‘outros’ (FERRAÇO, 2003, p. 160).

Este tópico apresentará um breve diálogo, com Ivor Goodson, historiador

contemporâneo do currículo e, Thomas Popkewitz, teórico da temática curricular. O

objetivo é aproximar as abordagens críticas e as pós-modernas, destacando as diferenças

que consideramos importantes, no modo como abordam a História do Currículo, e das

disciplinas que se constituem “com e entre outras áreas de conhecimento produzindo

híbridos culturais”. (FERREIRA e JAHEN, 2011 p. 01)

O foco de interesse pelo currículo em Goodson e Popkewits está nas relações

entre “conhecimento e poder” que acontecem na prática escolar cotidiana. No entanto,

em nosso estudo, Popkewitz (1994, 2001), ao se colocar na perspectiva da pós-

modernidade permite abordar as formas produtivas de poder presente nos currículos,

regulando e normatizando os conhecimentos científicos, acadêmicos e escolares.

Desde o final do século XVIII, com a modernidade e, seu projeto de iluminar o

mundo através do poder emancipador da razão e da ciência, desenvolveu-se a crença na

fabricação de um “modo de vida universal” e, também de um “sujeito universal”. Esta

possiblidade baseada no conceito de verdade, como representação, pode ser interpretada

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66

sob outra perspectiva, aquela formulada por Foucault (2011), ao dizer que o conceito de

verdade está impregnado de poder e que toda a realidade se constitui deste poder.

A leitura foucaultiana da “pedagogização do conhecimento” levou Popkewitz

(1994, 1997, 2001) a se interessar pelo modo como o poder emancipatório da razão e da

ciência se transformam em políticas do conhecimento, que se realizam nas práticas

escolares, no currículo, nas reformas educacionais, na formação docente e nas políticas

de inclusão. Ao produzir princípios de aprendizagem e de desenvolvimento, a

pedagogia por meio de estratégias curriculares acaba por nos prescrever como pensar,

sentir e, agir.

O entendimento do currículo como híbrido cultural é importante para pensar a

diferença como um discurso, em que não é a diversidade cultural que está em jogo, mas

o próprio sistema de representação da modernidade iluminista. Segundo Santos (1999),

a modernidade buscou o equilíbrio entre a regulação e a emancipação, no entanto,

acabou por submeter à subjetividade e a diferença a um processo cultural

homogeneizador, que tem como eixos a racionalidade instrumental e o mercado.

Segundo Macedo (2006), o currículo como híbrido cultural supõe um espaço-

tempo de fronteira, um “entre lugares” onde culturas diferentes negociam e se articulam.

Nos “entre lugares” emergem as estratégias de subjetivação que produzem novas

identidades configurando um território onde se dá a hibridação, ou ainda, acontece à

luta entre as culturas.

A partir do entendimento do currículo como híbrido cultural consideramos que

para apreender a produção da subjetividade nos entre lugares é preciso considerar a

teoria das práticas cotidianas de Michel Certeau (1994). Segundo esta teoria, é na

prática cotidiana que se cria um espaço em que podemos nos movimentar em busca de

outras saídas, entradas ou alternativas e assim, inventar nossa liberdade, pois a prática

cotidiana é uma prática política.

Para Certeau (1995, p. 234):

Aquilo que uma prática faz com os signos pré-fabricados, aquilo que

estes se tornam para os usuários ou os receptores, eis algo essencial

que, no entanto, permanece em grande parte ignorado [...]. O

mensurável encontra por toda a parte, nas bordas, esse elemento

móvel. O cálculo aí entra (fixando preço para a morte de um homem,

de uma tradição ou de uma paisagem), mas se perde. A gestão da

sociedade deixa um enorme 'resto'. Em nossos mapas, isso se chama

cultura, fluxo, refluxo de murmúrios nas regiões avançadas da

planificação.

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As práticas políticas que os professores inventam no seu cotidiano de trabalho

escapam dos modelos estruturantes. Os “entre lugares” produzem sentidos para as

escolas, portanto, como afirma Ferraço (2013, p. 466) os professores são “tecelões dos

currículos e dos processos de formações, [como] potência para ampliação e expansão da

vida/conhecimento; e nos praticantes como protagonistas e legítimos autores dessas

produções.”

As “conversas-imagens-narrativas” (FERRAÇO, 2013 p.466) como um

procedimento metodológico, nos permitem acompanhar e registar os processos de

constituição das práticas políticas de professores, alunos, funcionários, direção e pais,

seus lances táticos que podem nos ensinar, muito, sobre o currículo.

Ferraço (2013, p. 471) se refere a estas conversas como:

[...] “falas encarnadas” essas “artes de dizer” (CERTEAU, 1994) dos

professores que se enredam e emergem nesses grupos carregadas de

emoção, sentimentos e de sentidos do trabalho dos professores, de

suas expectativas e experiências, de suas esperanças, descrenças,

decepções, das necessidades das escolas e, também das saídas que

encontram para os seus problemas e afazeres cotidianos, seus estilos

de ação, acabam ocultadas pelas políticas para os alunos e para a

comunidade em geral e se perdem, são negligenciadas, desvalorizadas,

desqualificadas por essas racionalidades políticas de formação que

"acreditam saber" a priori o que é melhor para os professores.

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68

PARTE II

CAPÍTULO 04 – AS DIMENSÕES GEOGRÁFICAS E A SUA APROXIMAÇÃO

DO DISCURSO PEDAGÓGICO

4.1. Pensando o Lugar, o território e as territorialidades no contexto das

transformações sociais

Nesta seção apresentamos um esforço de teorização, acerca das categorias

geográficas território e lugar. O “período popular da história” e a retomada das

discussões concernentes a essas categorias nos têm permitido acompanhar o avanço da

geografia nas últimas décadas, em seus múltiplos contextos. A perspectiva miltoniana,

somadas às contribuições de alguns clássicos e contemporâneos se mostram importantes

por apresentarem os caminhos que a geografia percorreu até os dias atuais, a partir das

diferentes abordagens, ênfases, análises e métodos empregados para a compreensão do

território e do lugar.

Partimos das considerações do geógrafo Milton Santos (2008c), ao dizer que a

articulação entre a geografia e a cultura ocorreu de forma mais lenta, pois, em princípio

o domínio desta ciência “[...] não era o das dinâmicas sociais que criam e transformam

as formas, mas o das coisas já cristalizadas, imagem invertida que impede a apreensão

da realidade se não se faz intervir a história (p. 21-22) ”. Para este geógrafo, a produção

do espaço decorre do trabalho humano, que por meio de leis distintas e próprias de seu

tempo se confrontam. É a produção social do espaço, ou a sua transformação, visto que

o espaço é social.

Desta forma, surge o território, que se define como resultado das ações humanas

sobre a natureza e, sobretudo como dimensão política e mercadológica. Os lugares se

criam a partir das suas particularidades, e por elas se destacam. Para Santos (2008c) o

lugar, assim como a região são pontos distintos no território e são demarcados por

fronteiras materiais e imateriais, que se diferenciam entre si, através de uma base

comum e, que juntas somam para a construção de um cotidiano. “[...] o lugar, aliás, se

define como funcionalização do mundo e é por ele (lugar) que o mundo é percebido

empiricamente” (SANTOS, 2008c, p. 158). Assim, o lugar se torna ao mesmo tempo

diverso, comum, distinto, plural e particular.

É na dimensão do lugar (ou da região) que se tem o acontecer solidário, que

ocorre mediante a realização de tarefas comuns, exercidas por pessoas comuns, mesmo

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que os projetos não sejam os mesmos, fortificando assim as relações de horizontalidades

(SANTOS, 2008c).

O lugar é a oportunidade do evento. E este, ao se tornar espaço, ainda

que não perca suas margens de origem, ganha características locais. É

como se a flecha do tempo se entortasse no contato com o lugar. O

evento é, ao mesmo tempo, deformante e deformado. Por isso fala-se

na imprevisibilidade do evento, a que Ricoeur chama de autonomia, a

possibilidade, no lugar, de construir uma história das ações que seja

diferente do projeto dos atores hegemônicos. É esse o grande papel do

lugar na produção da história, e apontá-lo é a grande tarefa dos

geógrafos neste fim de século (SANTOS, 2008c, p. 163).

Ao inserirmos nesta seção o debate sobre a dimensão do lugar e a densidade que

esta categoria de análise geográfica carrega, nos propomos, a pensá-lo de forma

articulada, a partir de um sistema de referências e perspectivas que nos permitem

teorizar, e costurar os eventos que se associam ao espaço geográfico e a realidade. Uma

relevância central nesta reflexão está no fato de como pensar o lugar, no atual processo

de globalização, bem como a sua importância diante do sistema de ensino

institucionalizado, visto que analisar a conjuntura dos lugares e a sua relação com o

mundo tem sido determinante no período de transição em que a geografia se encontra.

Maria Laura Silveira (2003, p. 410), salienta a necessidade de compreender a

diferença entre categorias e conceitos. Para esta autora “[...] as categorias são

generalizações capazes de atravessar os períodos”, enquanto que os conceitos são a

somatória da “categoria e a história do presente”, envelhecendo, portanto, mais

rapidamente que aquelas. Para acompanhar as transformações do mundo, da ciência e

das renovações é preciso um constante repensar, uma reelaboração dos aparatos

teóricos; resultado da trajetória do pensamento que vai do concreto ao abstrato, o

pensamento teórico para tornar-se possível precisa percorrer um largo e dificultoso

caminho de assimilação prática do mundo.

Na geografia moderna, a perspectiva crítica, se mostra necessária para a

compreensão do território e do lugar, para pensá-los como um campo de luta, resistência

e de poder, envolvendo agentes distintos, para capturar as suas especificidades. Sob esse

olhar, pensar o lugar de forma articulada com os saberes-fazeres das populações que

historicamente têm sido deterioradas pelo sistema é indispensável, para compreender

como as diferentes realidades têm se tornado parte de um cenário fictício, através das

objetividades (marketing), em detrimento das subjetividades.

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O lugar e o território, categorias centrais para o avanço desta discussão, ganham

visibilidade com os estudos do geógrafo Milton Santos (1998). Sua crítica à

globalização perversa, responsável por aumentar as desigualdades socioespaciais traz

para o centro das discussões a retomada desses conceitos. A operacionalização destes

conceitos, ligada as incursões do poder é de grande valia para explicarmos o contexto

das transformações sociais, ocorridas nos diferentes espaços-tempos.

Para Santos (2008), a necessidade de retomar os conceitos de território e lugar é

necessária para a compreensão da atualidade, da relação entre sociedade e mundo, sob

diferentes escalas e usos, já que para este autor “espaço geográfico” e território usado”

são sinônimos. As racionalidades são operacionalizadas no mundo (mercado) através

das redes e, estas perpassam pelos lugares, que também são os espaços da vida

(CARLOS, 1996), garantindo fluxos, de diferentes variações, evidenciando assim uma

hierarquização dos lugares.

Sob a perspectiva do poder, o território se torna uma plataforma, que comporta

as redes e as suas incursões, tendendo a uma hierarquização dos lugares. As

horizontalidades, aquelas sustentadas pelo vínculo entre sujeito-lugar, pela relação de

vizinhança, que antes contribuía para um acontecer solidário, são enfraquecidas através

do distanciamento dos atores sociais e o seu chão de sentidos (SANTOS 2008). Mas o

território e o lugar não são passivos, pois, a capacidade de resistência em ambos, diante

da globalização perversa tem se tornado uma ameaça para a reprodução do próprio

sistema.

Com certo otimismo, Santos (2008) reforça que as relações de horizontalidade

exercidas sobre o território e o lugar têm contribuído para a sua permanência. Partindo

deste pressuposto, defendemos a existência dos lugares, da diferença, da

multiculturalidade, do mundo rural, a partir das atividades empíricas desenvolvidas

neste trabalho. Apesar de termos adotado uma escala reduzida para a execução da

pesquisa, a nossa experiência de campo somada ao aporte teórico estudado, nos permitiu

inferir que, mesmo diante da insistência do sistema de reconhecer o outro somente pelo

seu potencial produtivo, competência e habilidades, observa-se que diferentes táticas de

sobrevivência são criadas e reforçadas, caminhando na contramão do sistema

hegemônico.

Apesar das categorias lugar e território serem amplamente discutidas neste

trabalho, juntamente como o nosso tema e problema de pesquisa, também se deve

considerar que, não estamos falando da mesma coisa, pois, mesmo que ambas nos

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forneçam subsídios para a compreensão do nosso recorte de estudo deve-se ressaltar que

cada uma possui uma dimensão. Lugar e Território estão interligados, e por esta razão a

ocorrência de confusões se torna comum em várias abordagens. Aqui, estamos falando

de categorias fundamentais para o entendimento das dinâmicas sociais e a sua interação

com os processos históricos, seja pela dominação do outro ou pelo sentimento de

pertencimento, pelos quais ambos podem se associar.

A categoria geográfica território tem sido trabalhada sob várias perspectivas, as

quais se destacam os aspectos econômicos, políticos e culturais. Um aspecto em comum

está no consenso entre os diferentes estudiosos de que a prevalência do poder é um fator

determinante para entendermos o território, desde a sua gênese até o seu funcionamento.

A partir dessa questão desenvolvemos este breve ensaio, mediante às

contribuições teóricas de nomes clássicos da geografia, como Friedrich Ratzel e Claude

Raffestin, somadas às discussões mais recentes, porém não menos importantes, trazidas

por geógrafos brasileiros, como Milton Santos, Rogério Haesbaert e Manuel Correia de

Andrade, Marcos Aurélio Saquet e Eliseu Savério Spósito, que se dedicaram a entender

o território, objeto de estudo da geografia.

Na geografia clássica, o conceito de território se fez diante da necessidade de se

demarcar fronteiras, por intermédio do poder do Estado, sendo este o principal

responsável pelos seus avanços e delimitações, como garantia de controle político.

Sinteticamente, o território era visto como “um espaço de poder demarcado, controlado

e governado e, assim, fixo” (SILVA, 2009, p. 100). Sendo assim, a noção de território,

do final do século XIX, era concebida como espaço dominado pelo poder político,

econômico e social.

O destaque conferido ao geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904) está na

sua contribuição para o surgimento da geografia humana e da disciplina de geografia

política. Na tentativa de superar a visão geográfica puramente descritiva a sua análise

sobre o território abarcou elementos complexos, a partir de um viés político, tendo

como centralidade o poder do Estado. No período da unificação alemã, o resgate

histórico (identidade comum), a raça humana e o sentido da geografia foram

amplamente discutidos nos estudos de Ratzel, que enfatizou a necessidade de formular

construções explicativas para a sua concepção de território fazendo da localização

espacial um elemento indispensável de análise (MARTINS, 2001).

Para Ratzel, a noção de território, está associada aos aspectos físico-naturais e a

construção do Estado-Nação, tendo o homem como o produto do seu meio, determinado

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a partir das leis naturais (espaço vital). Em suas palavras “[...] é fácil convencer-se de

que do mesmo modo como não se pode considerar mesmo o Estado mais simples sem o

seu território, assim também a sociedade mais simples só pode ser concebida junto com

o território que lhe pertence. ” (RATZEL, 1990. p. 73, grifo nosso).

O francês Claude Raffestin (1993, p. 143-144), a fim de romper com o

determinismo geográfico, proposto por Friedrich Ratzel pensou o território como um

produto do espaço, ou seja, o território como resultado da ocupação do espaço, das

ações humanas, com vistas a sua apropriação e transformação. A abordagem de

Raffestin coloca em foco a questão do “poder relacional” contrariando a proposição de

Ratzel que considerava o exercício do poder somente pelo Estado, tendo a localização e

as condições geográficas como elementos indispensáveis para a sua prosperidade.

As considerações referentes à questão do poder apresentadas por Raffestin

(1993) convergem à concepção foucaultiana de que o poder se exerce em todas as

relações, sendo ele próprio exercido e não adquirido (FOUCALT, 2011). Sendo assim,

as relações de poder estão interligadas em todos os segmentos de uma sociedade, seja

pela perspectiva econômica, cultural ou social. Tais relações partem de um campo

objetivo, não se mostrando inocente ou desinteressada, podendo ser exercida, sobretudo

por grupos subalternos.

A globalização é responsável por ocultar a face do poder, na maioria das

situações. A circulação de bens, informações em redes e infraestruturas diversas

alcançaram todos os cantos do planeta. A fonte maior deste processo está centrada na

capacidade comunicação, cuja finalidade é mobilizar os territórios, através da

linguagem, para se alcançar algum fim (RAFFESTIN, 1993). A indissociabilidade entre

informação-comunicação-circulação torna-se o tripé para a articulação do poder, que

cria tendências e formas de dominação dos territórios e, consequentemente dos povos.

No mesmo sentido, o geógrafo Milton Santos (2001, 2002) considera que a

influência do poder, somadas ao período da globalização, caracteriza o atual meio

técnico científico e informacional, tendo em vista toda a sorte de mecanismos e técnicas

que foram implantadas sobre o território. Os diferentes espaços-tempos tornaram-se

dimensões analíticas, para se compreender como as relações de poder são exercidas

sobre os territórios, e os transformam. Assim, a utilização de elementos-chave como

forma, função, estrutura (de poder) e processo tornaram-se indispensáveis para o

método de análise miltoniana, a começar pelo Brasil.

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“A periodização do território brasileiro” realizada por Milton Santos se prestou

para a análise da organização e transformação do território, no decorrer do processo

histórico, destacando a implantação das formas, os processos que levaram à sua

implantação, e as configurações políticas, econômicas e sociais de cada época

(SANTOS, 1996; 2002). Para este autor, o território é sinônimo de espaço apropriado, o

espaço do acontecer, formado por lugares e constituído através das relações de

horizontalidade e verticalidade, é o espaço de luta, de resistência e de convivência

social, cuja distinção está na intensidade das técnicas trabalhadas, nos sistemas de

engenharia e suas próteses.

Da mesma forma que Santos (1996), Andrade (2004) nos atenta para não

confundirmos território, espaço, ou lugar, pois, mesmo que ambos comportem aspectos

em comum, quanto ao seu domínio, controle e formas de apropriação deve-se considerar

que cada um possui uma dimensão própria. Nesse sentido, o destaque dado ao território

ocorre principalmente através das relações capitalistas, a lógica de mercado,

conjuntamente a produção e ao adensamento das técnicas e suas formas de ocupação do

espaço.

As colocações apontadas por Andrade (2004), acerca do conceito de território,

também convergem às proposições de Raffestin (1993), principalmente no que diz

respeito à questão do poder.

[...] quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das

grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas

territoriais, ignorando as fronteiras políticas. [...] A formação de um

território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua

participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma

subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas

(ANDRADE, 2004, p. 19-20).

A análise do território, realizada por Rogério Haesbaert apud Spósito (2004a,

p.18) se caracteriza a partir de diferentes facetas, que foram definidas por três vertentes

básicas: A jurídico-política, que condiz com as estratégias de dominação e controle

sobre o território, exercidas pelo poder do Estado. A Cultural(ista), que está voltada

paras as questões simbólicas e subjetivas, criadas através da captura do imaginário,

possibilitando o surgimento das múltiplas identidades (territorialidades). A Econômica,

que se faz através da relação entre capital-trabalho, e o embate sobre as classes sociais,

diante do valor atribuindo ao território por sua fonte de recursos.

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A dimensão política, econômica e cultural atribuída ao território confere a

complexidade do entendimento desta categoria de análise geográfica, a partir das suas

diferentes lógicas, sobretudo diante do avanço da globalização e suas práticas

excludentes. Na perspectiva de Haesbaert (2007), discutir sobre a formação territorial,

coloca em questão a importância de pensá-lo sob uma ótica pluralista

(multiterritorialidades), considerando os processos decorrentes da desterritorialização e

da (re) territorialização das práticas sociais, que abrangem todos os eventos

concernentes ao (s) território (s).

Como se pode observar, o debate sobre o território tem adquirido novos

contornos, intervenções e métodos de análises, desde a sua gênese. As estratégias de

poder e dominação tornam-se fundamentais para a compreensão das suas dinâmicas,

porém sob a perspectiva da política neoliberal, que aos poucos tem se sobreposto ao

poder do Estado. A análise do conceito de território renasce a partir de novas

abordagens, mais complexas, abarcando a noção de dinamismo, relação de poder,

identidades, contradições e conflitos, redes de circulação (ciberespaço), característicos

da atualidade (HAESBAERT, 2004a); (SAQUET, 2010).

A noção de territorialidade, já contemplada em algumas passagens desta

pesquisa e o seu papel na atualidade, pensadas por meio das teorizações de autores

como Santos (2002, 2008) e Haesbaert (2004, 2004a, 2007) permitem uma aproximação

do nosso tema e problema de pesquisa. A relação entre campo-cidade e o sentimento de

pertencimento decorrem da relação entre o sujeito, o território e o lugar, por isso, a

relevância de se pensar as horizontalidades, verticalidades, os conflitos e as relações de

poder que se estabelecem nesses espaços, pois reforçam a existência de pessoas,

culturas, tradições e costumes diferentes, os quais não precisam de fronteiras materiais,

ou delimitações político-administrativas para se destacarem.

Apesar do adensamento da técnica, e o surgimento de outra racionalidade, a

técnico-instrumental, demandada sobre os territórios no período atual, não se pode

afirmar que todos os lugares acompanharam a mesma lógica, tendo em vista a sua

capacidade de resistência (SANTOS, 2008). A existência dos múltiplos territórios

justifica o “mito da desterritorialização”, proposto por Haesbaert (2004a), na medida em

que a capacidade de transformação, resiliência e manutenção das pessoas, lugares e

territórios contribuem para o surgimento de novas territorialidades.

A prevalência dos diferentes modos de ser, pensar e viver nos lugares é uma

demonstração de que a globalização apesar de suas múltiplas facetas se mostrou

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incompleta, por ter atendido mais a uma necessidade política do mercado, ao invés dos

interesses locais, pois, a nova lógica produtiva além de não reconhecer o outro como ele

é, tampouco, ofereceu a possibilidade de escolhas. Em contrapartida, a implantação de

discursos e leis aplicadas, com vistas a uma organização pretenciosa, contribuíram para

fazer das diferenças um mal, que precisava ser “excluído” em tempos antigos e

“reparado”, no período atual. É nesse momento que o processo de escolarização em

massa entra em cena.

4.2. A Desterritorialização do “outro” do Campo

A noção de territorialidade, entendida pelo geógrafo Milton Santos (2001, 2008),

remete a ideia de “pertencer àquilo que nos pertence”. Essa concepção nos propõe

compreender o território não apenas como um “campo de forças” (como afirmado

anteriormente), mas também como um espaço cultural, de convivência e de manutenção

das singularidades dos diferentes povos, bem como seus costumes e crenças.

Considerando o poder como conjunto de regimes, discursos e saberes impostos

sobre uma sociedade, em um determinado recorte espacial e histórico, colocamos que o

seu impacto sobre o território traz profundas mudanças, quanto a organização territorial

dos sujeitos. É a partir dos acontecimentos que as mudanças ocorrem, submetendo os

indivíduos a adaptações ou reinvenções, por meio das suas táticas de sobrevivência,

produzindo novas territorialidades.

O processo produtivo comandado pela técnica e pela ciência, transformadas em

forças produtivas, estratégicas no atual período técnico científico e informacional

configura um modo de vida; portanto, um modo de ser, nos diferentes espaços-tempos.

Ou seja, enquanto a técnica representava uma limitação para extração da renda da terra,

o trabalho vivo ainda permitia uma apropriação do território, possibilitando a produção

de territorialidades.

O avanço tecnológico agrícola, iniciado no Brasil na década de 70, com a

chamada “Revolução Verde” incorporou no meio rural novas formas de se relacionar

com a terra, que já era considerada mercadoria, mediante a Lei de Terras do ano de

1850. A diferença é que a agora terra se tornou um meio de produção em massa, para a

anteder as demandas dos grandes empreendedores do agronegócio. Assim, os pequenos

produtores foram perdendo espaço para as grandes empresas do setor.

Segundo Navarro (2001, p. 84), a “Revolução Verde” ocorreu durante o período

militar, movida segundo ele pelo “espírito da época”, e pela importância econômica que

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este setor tinha a oferecer para a economia interna do país. Entretanto, isso não significa

que todas as propriedades rurais foram beneficiadas pela modernização, reforçando a

ideia de que as iniciativas políticas adotadas no campo priorizaram o lucro e não as

relações sociais.

Concordamos com Santos (2000, p. 23) ao dizer que: “[...] há um uso

privilegiado do território por forças hegemônicas”. As relações de poder, estabelecidas

através de um discurso dominante desempenham um papel determinante na produção e

no funcionamento do território, atendendo os interesses políticos e econômicos

vigentes. Nessa perspectiva, compreendemos que a implantação de um novo modelo

produtivo agrícola, pautado na modernização, se tornou condição para a produção de

novas contradições, contornos e conteúdos no campo.

A prioridade do Estado em favorecer os grandes empresários do setor agrário,

por meio de políticas favoráveis a esse grupo é vista por nós como contraditória, pois o

pequeno agricultor rural é o principal produtor de alimentos para o consumo interno do

país, além desta atividade gerar emprego e renda. Segundo o Portal Brasil (2015) cerca

de 70% dos alimentos que chegam diariamente à mesa do brasileiro é proveniente da

agricultura familiar.

O pequeno agricultor ocupa hoje papel decisivo na cadeia produtiva

que abastece o mercado brasileiro: mandioca (87%), feijão (70%),

carne suína (59%), leite (58%), carne de aves (50%) e milho (46%)

são alguns grupos de alimentos com forte presença da agricultura

familiar na produção. (PORTAL BRASIL, 2010, acesso em 08/03/16).

Apesar da importância desse grupo para o setor alimentício no Brasil nota-se que

a precarização do trabalho ainda é uma realidade na vida desses pequenos produtores,

seja na produção ou na comercialização. A exemplo disso, abordamos a situação dos

pequenos produtores rurais do município de São João del-Rei/MG, situados nas

comunidades rurais do Felizardo e Recondengo, que além terem dificuldades de acesso

ao crédito e a extensão rural, muitas vezes precisam vender a sua mercadoria para um

atravessador, a preços irrisórios, conforme constatado por PEREIRA e AGUIAR

(2014).

É dessa maneira que se enriquece o papel da vizinhança e, a despeito

das diferenças existentes entre os diversos agentes, eles vivem em

comum certas experiências, como, por exemplo, a subordinação ao

mercado distante[...] (SANTOS, 2008, p. 90).

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Concordamos com Fernandes (et. al., 2008, p. 30) ao dizer que: “A agricultura

familiar foi marginalizada pelo governo na medida em que este priorizou a agricultura

capitalista (patronal) baseada na monocultura exportadora”[...]. O autor em questão

reforça que, a luta pela terra, diante da necessidade de acesso ao crédito, investimentos e

custeios para o avanço produtivo e melhores condições de trabalho, passaram a ser

vistos como uma forma de resistência às políticas agrícolas das últimas décadas.

Conjuntamente, devemos lembrar que ainda existem movimentos sociais ativos, que

lutam pela terra e por uma reforma agrária que ainda não aconteceu no Brasil, pelo

menos de forma completa.

Com a mecanização do campo a territorialidade da vida na roça tornou-se o

espaço-tempo da territorialidade do agronegócio, da territorialização do capital, lugar da

sua reprodução ampliada. Ao se tornar um instrumento de produção em escala, a terra

perde o seu valor simbólico, para aquele que dela tirava o seu sustento. Ou seja, a terra

deixa de ser vista como uma “terra de trabalho” para se tornar uma terra de “negócio”,

segundo Prado Jr. (1981) e Martins (1981).

Neste desfecho, aqueles povos que não conseguiram atender as exigências e

demandas do mercado agrícola de commodities, se encontraram diante de dilemas

como: se tornar uma força produtiva, vendendo sua mão de obra; fazer da vida na roça

uma forma de atração turística, mantendo a relação com a natureza, suas formas e

tradições; ou mudar-se para as cidades, em busca de alternativas de subsistência.

Essa nova concepção de rural, referindo a terra como mercadoria, é resultado de

uma transformação do espaço vivido, responsável por colocar grupos sociais em um

campo de dificuldades, levando-os a se recriarem. Segundo Brandão (2009 p: 50): “[...]

a vida na roça em toda sua diversidade foi sendo destruída pelo negócio agrícola,

também, o tradicional foi artificialmente substituído pelo moderno e o que era próprio

transformado folcloricamente em típico”.

Sobre esta questão, destacamos a importância do geógrafo, para analisar e

compreender o funcionamento do território, pois este é o leitor dos espaços-tempos, dos

contextos da interação humana com o espaço natural e da sua transformação em

território apropriado. As territorialidades concretas, simbólicas e, indentitárias são

partes constituintes de um território dominado, regido por relações de poder. Assim, o

território funciona como recurso, obstáculo e potencialidade para a produção e

reprodução capitalista (SANTOS, 2008).

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O território, objeto de estudo da geografia, deve ser pensado como um espaço

em movimento, a partir dos diferentes processos e objetos articulados que contribuem

para a sua construção e reconstrução. Ao tratarmos a questão das territorialidades,

diante da relação entre sujeito e espaço vivido, também devemos pensar que a quebra

dessas relações implica no processo de desterritorialização, conforme Haesbaert (2006).

Conforme já mencionado na seção anterior, para Haesbaert (2006, p.156) o

processo de desterritorialização não pode ser visto apenas como linear. Para esse autor

trata-se de uma via de mão dupla, ou seja, onde ocorre a desterritorialização surge a

reterritorialização, o território não desaparece, apenas muda o seu sentido relacional.

Entendemos, portanto, que desterritorializar não significa impor o fim de determinado

grupo social e sim em sua transformação, em um dado espaço.

O desafio vivenciado pela população rural do município de São João del-Rei,

que nos motivou para a realização desta pesquisa inclui o debate sobre a temática da

relação campo-cidade, a inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas, os

desafios encarados ao longo da jornada de estudos e a influência do currículo e seu

discurso, diante das diferenças presentes nas escolas. Esses indivíduos são filhos de

pequenos produtores, criadores de animais, zeladores de sítios e fazendas, aposentados

ou trabalhadores urbanos, que muitas vezes sentiram na sua própria carne o peso da

desvalorização do seu trabalho e de sua cultura, além do desamparo das políticas

públicas voltadas para o seu bem-estar.

Ao contextualizar a questão da desterritorialização do outro a partir do currículo

e do seu discurso, defendemos a ideia de que o processo de ensino-aprendizagem, visto

como uma “transmissão” de conhecimento, objetiva a criação de um ambiente

homogêneo, negligenciando as territorialidades dos alunos que moram em diferentes

lugares. Ou seja, o espaço vivido pelo aluno do campo perde significado no momento

em que este adentra os portões da escola.

Durante a nossa atividade de campo, realizada na Escola Municipal “Carlos

Damiano Fuzatto” nos deparamos com alunos da zona rural, cuja pretensão era apenas

concluir o ensino Fundamental e Médio, para continuar trabalhando na roça. Eles não

viam sentido na escola e, tampouco nos conteúdos que eram estudados. No entanto,

através de expressões como: “ [ – ] a vida já não é fácil para quem estuda, se não estudar

então [...] (Fala da professora de Geografia, 2015) ”, foram criadas expectativas em

muitos alunos que continuam se esforçando para alcançar no futuro um status

improvável.

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Apoiamo-nos na compreensão do processo de

desterritorialização/reterritorialização de Haesbaert (2006), que o entende como

resultado de uma transformação social. Na escola, essa relação não é diferente. O aluno,

independente da comunidade de origem estará submetido a saberes, verdades e valores

considerados universais, que passarão a fazer parte da construção de um novo

significado.

Acompanhando algumas reuniões entre professores/gestores, professores/pais de

alunos e professores/Secretaria Municipal de Ensino (SME) foi possível presenciar

diversas preocupações entre os membros, diante do conceito de “diversidade cultural”.

A situação observada que mais nos chamou a atenção ocorreu através da discussão entre

professores e SME diante do planejamento de atualização do Projeto Político

Pedagógico (PPP) da escola, em que a meta principal seria “ajudar o aluno a encontrar o

seu lugar na sociedade”, o que nos leva a entender que o aluno precisa desconstruir sua

territorialidade ao entrar na escola, e se reterritorializar a partir de outros princípios.

Geograficamente, analisamos o currículo e seu discurso como os responsáveis

pelo processo de desterritorialização/reterritorialização na escola, pois este negligencia

ou silencia a multiculturalidade presente nesse espaço. No momento em que

perguntamos a alguns professores como eles tratavam a questão da multiculturalidade e

da diferença na sala de aula, não obtivemos respostas. Interpretamos que, muitos desses

docentes se preocupavam apenas em cumprir as metas propostas pela SME. Esses

profissionais veem nos conteúdos e avaliações a oportunidade de preparação para o

vestibular e demais concursos, alegando inclusive que não sobra tempo para tratar de

assuntos paralelos às propostas oficiais de ensino.

Ao recorrermos às teorias da territorialização (SANTOS, 2001, 2008);

desterritorialização/reterritorialização (HAESBAERT, 2006) reforçamos a ideia de que

a escola também é um território, um campo de forças e de convivência social. O

currículo, seus discursos e efeitos analisados por Silva (2010), é parte fundamental de

nossa pesquisa, pois nos desafiam a questionar os modelos de organização espacial

como resultado das relações de poder.

Apesar das multiculturalidades presentes na escola, delimitamos nossa análise

aos alunos do meio rural do município de São João del-Rei, devido ao fato desses

indivíduos apresentarem maior número (mais de 50% do total de alunos). Também nos

preocupamos com a política de fechamento das escolas rurais nos últimos 10 anos,

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ocorridas no município em questão, o que nos leva a inferir que é inviável preparar o

aluno através das escolas rurais, confinando-o ao “atraso”.

Nesse momento, entra em cena o discurso curricular, cujo objetivo é apresentar

para o aluno do campo o modo de viver nas cidades e as inúmeras possibilidades de

realização pessoal (novas territorialidades), cumprindo assim a primeira meta proposta

pela escola, que é “apontar o seu lugar no mundo”.

4.3. As festividades juninas e os “Mitos Fundadores”

A compreensão dos mitos fundadores no contexto da multiculturalidade se

mostra importante, pois a narração dos fatos históricos implica no ato de “realçar” ou

“acobertar” elementos culturais, dados a sua importância. Segundo Silva (2004, p. 85)

os mitos fundadores são entendidos como “fixadores de identidade” e, se constituem

diante da criação de laços coletivos (verdadeiros ou falsos), cuja finalidade é unir os

indivíduos através de um “sentimento” de pertencimento. Nesse ponto, o autor destaca o

caso das identidades nacionais, como um exemplo de “essencialismo cultural”.

Fundamentalmente, um mito fundador remete a um momento crucial

do passado em que algum gesto, algum acontecimento, em geral

heroico, épico, monumental, em geral iniciado ou executado por

alguma figura "providencial", inaugurou as bases de uma suposta

identidade nacional. Pouco importa se os fatos assim narrados são

"verdadeiros" ou não; o que importa é que a narrativa fundadora

funciona para dar à identidade nacional a liga sentimental e afetiva

que lhe garante certa estabilidade e fixação, sem as quais ela não teria

a mesma e necessária eficácia (SILVA, 2004, p. 85).

No cotidiano escolar, pensar em “mitos fundadores” implica na elaboração de

atividades diferenciadas, que inclui apresentações e homenagens, conforme as datas e o

seu grau de importância para a instituição. Entre as datas mais importantes destacam-se

o dia da independência do Brasil, da Consciência Negra, do Índio, da Mulher, do

Trabalhador, Aluno, do Professor, etc., que são demarcadas no calendário e

transformadas em folclore.

Santomé (1995, p. 168) diz que na escola existe um “Currículo Turístico”, que

reconhece a diversidade cultural somente em datas específicas, porém, de forma

superficial e banal. O autor em questão destaca alguns elementos como: rituais festivos,

costumes alimentares, formas de vestir, seu folclore e, demais expressões culturais de

grupos diferentes dos majoritários. Logo, percebe-se que através do currículo certas

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atitudes são criadas no cotidiano escolar, baseadas em valores que se alimentam da

estereotipagem, tergiversação8, discriminação e exclusão de outras culturas.

Na escola, os mitos fundadores contribuem para a aplicação dos “temas

transversais”, que servem de estímulo para as discussões consideradas “urgentes pela

sociedade”. Tais temas compõem o currículo do ensino básico e demandam atividades,

que podem ser interdisciplinares ou extraclasses, de caráter social ou cultural, porém,

não são obrigatórios, mas demandam o compromisso de todos para a sua efetivação, por

tratar de questões correspondentes a vida cotidiana. Embora haja uma aplicação

defasada dessa abordagem, a justificativa dos professores e gestão escolar para a falta de

atenção, diante dos temas transversais, deve-se a extensa carga de conteúdos

obrigatórios, que precisam ser aplicados em sala, dentro de um cronograma, estipulado

pela instituição.

Durante o período de observações no espaço escolar o acontecimento que nos

chamou à atenção foram as festividades juninas. Trata-se de um momento em que o

campo e suas tradições culturais expressas através das decorações, vestimentas,

músicas, danças, culinárias típicas e jogos são lembrados na escola. Os ensaios

anteriores a data da quadrilha ocorreu nos dois últimos horários, do turno matutino.

Conforme os organizadores do evento, os alunos participantes teriam uma gratificação,

através de “pontos extras” no fim do bimestre letivo.

Assim, como nas demais escolas do Município de São João del-Rei, a Escola

Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” dedicou-se as festividades juninas com números

de danças tradicionais, entre outras apresentações de alunos, de diferentes faixas etárias.

Segundo a diretora, o objetivo era aproximar os pais de alunos e a comunidade

sanjoanense das atividades extraclasses, além da possibilidade de arrecadar fundos para

o caixa escolar, que serão aplicados em futuras melhorias de infraestrutura. De modo

geral, todas as turmas participaram das peças e demais atrações. Os professores por sua

vez, ficaram responsáveis pelas barraquinhas de comidas, caldos e bebidas típicas, nos

jogos de víspora (jogo semelhante ao bingo), na pescaria, sonorização e locução do

evento.

Outra atividade típica ocorrida na escola foi a nomeação do “Rei do Milho” e da

“Rainha da Pipoca”. É uma tradição entre as crianças do ensino fundamental, anos

iniciais (1º ao 5º ano) de arrecadar dinheiro entre os familiares, amigos e vizinhos, para

8 “[...] quando se recorre à estratégia de deformar e/ou ocultar a história e as origens dessas comunidades

objetos de marginalização e/ou xenofobia (SANTOMÉ, 1995, p. 169). ”

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que a sua “coroação” como rei ou rainha aconteça, durante as festividades do mês de

julho. O ganhador é aquele que apurar maior quantidade de dinheiro.

O fato que mais nos chamou a atenção ocorreu no momento em que um grupo de

alunos do 9º ano apresentou uma quadrilha com o estilo diferente das tradicionais,

intitulada de “quadrilha maluca”. Tratava-se de uma dança organizada em pares, e assim

como no modelo tradicional também era organizada em formato de círculo, conduzida

inicialmente com uma trilha sonora típica para a ocasião. Os passos seguintes

caracterizaram estilos de “dança de rua”, em que as músicas mudavam e se remixaram

constantemente, refletindo no movimento dos alunos.

Agente resolveu fazer uma dança diferente, para chamar a atenção das

pessoas de que a quadrinha também pode ser composta por outros

ritmos e danças. Dessa vez priorizamos as danças urbanas, pois para

nós é o ritmo que está no momento, além de ser também uma

expressão da nossa cultura, (Fala da aluna Carol, residente na área

urbana, 2015).

Essa apresentação foi realizada somente pelos alunos da área urbana, embora os

mesmos alunos também participassem da quadrilha tradicional. A forma diferente de

dançar foi tarjada por alguns professores como estranha e conflitante, pois segundo eles

aquela não era a ocasião para o estilo de dança em questão.

O que os pais vão pensar diante dessa dança? Por mim isso não teria

acontecido, mas como a maioria dos professores concordaram não

teve jeito de cancelar. Para mim isso não tem nada a ver com festa

junina... o ritmo, não tem nada a ver, a música também não. E as

roupas? Na minha opinião festa junina é festa caipira! (Fala da

professora, Helena, 2015).

Associamos a questão dos “mitos fundadores” às festividades juninas devido a

sua ocorrência anual, que homenageia três santos católicos: Santo Antônio (no dia 13 de

junho), São João Batista (dia 24) e São Pedro (dia 29) e, se manifesta de diferentes

formas nas diversas regiões brasileiras, das quais o Nordeste possui maior visibilidade

nacional. Ressaltamos que, o destaque às identidades culturais são elementos

fundamentais deste contexto de análise.

Como citado anteriormente por Silva (2004), os “mitos fundadores” são

responsáveis por criar, unir e reforçar laços entre grupos coletivos, a partir de figuras

heroicas e acontecimentos históricos, que marcaram datas. Em nosso caso, não estamos

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fazendo referência aos grandes festivais juninos, que atraem o turismo regional,

nacional ou internacional, como ocorrem na cidade de Campina Grande-PB, ou demais

eventos, como o Carnaval do Rio de Janeiro-RJ, o Círio de Nazaré, em Belém-PA, ou

até mesmo o do “Boi Bumbá, em Manaus-AM. Nosso contexto de pesquisa se reduziu a

uma atividade extraescolar, da qual apenas a comunidade local participou. Ressaltamos

que existem outros mitos fundadores, que também são lembrados na escola, como é o

caso do Dia do Agricultor, da Consciência Negra, do Aluno, do Professor, do Diretor,

entre tantos outros, que também são considerados dignos de comemorações anuais.

Mesmo diante do fato, dos alunos do campo representarem mais da metade do

total de alunos da escola pesquisada (como dito anteriormente) a importância de sua

cultura é lembrada apenas em datas específicas. Nota-se inclusive que em alguns casos

o rural também sofre distorções, as quais remetem a figura do jeca-tatu, personagem

criada por Monteiro Lobato, da roça, pé vermelho, ignorante, atrasado, bicho do mato,

caipira, entre tantas outras caracterizações que, além de serem discriminatórias e

descontextualizadas são responsáveis por colocar os alunos em situação

constrangimento. Ou seja, criam-se formas de olhar o outro, baseada em valores

comuns, muitas vezes distantes do cotidiano do sujeito. Assim, o espaço rural é

reforçado como um mito na escola.

4.4. Retomando a discussão sobre o Lugar e o Território na Geografia Cotidiana

Para entender a reorganização do espaço geográfico promovida pela

globalização do capital, neste período popular da história, é preciso considerar,

conforme propõe Milton Santos (2001a) a “materialidade dinâmica do território”. São

os sistemas técnicos em sua materialidade e, também, os seus modos de organização e

regulação que em cada período histórico definem a divisão territorial do trabalho.

A materialização destas transformações no espaço geográfico nos permite

compreender o mundo porque expressam os diferentes usos do território no tempo. Na

periodização proposta por Milton Santos (2001a) este pedaço de tempo da globalização

que estamos vivendo é denominado de período de técnico científico e informacional e,

atinge os sistemas de produção e de valores da sociedade, sobretudo, o espaço formativo

da escola. Pensar as mudanças do mundo a partir da produção do espaço exige a sua

leitura teórica para fundamentar a análise. Entre as categorias analíticas utilizadas pela

geografia para entender o seu objeto de estudo, encontramos além do território, da

paisagem, região, o lugar.

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Qual o papel do lugar na realidade histórica da globalização? A resposta passa

pela questão da escala, da tensão existente entre local, localidade e lugar.

Werther Holzer (1999) argumenta que o “lugar” não tem escala definida, mas

sua estrutura “interna e identidade”. O local (insiderness) se distingue do estrangeiro

(outsiderness).” (POCOCK, 1981 apud HOLZER, 1999, p.74).

A partir de Milton Santos (1999a) vimos que a “região e o lugar são a mesma

coisa”. Sendo assim, a escala se define como “uma área onde se realiza o acontecer

solidário”, temos nesta definição a quantidade (área) e a qualidade (acontecer solidário)

do extenso, ou seja, do espaço que é extensão. No acontecer solidário está implícito o

tempo, o que permite ao professor Milton Santos segundo nosso entendimento, definir a

escala como categoria geográfica e não uma categoria geométrica. (SANTOS, 2003 p.

61-62).

Ana Clara Torres Ribeiro (2004, p. 44) faz uma distinção sobre a tensão entre

local e lugar. Tanto o lugar como o local só existem quando apreendidos no contexto da

dinâmica social e de suas representações. Se, é a partir de um sistema euclidiano de

coordenadas que o local adquire existência, com a finalidade de descrever padrões

modelos socioeconômicos, por meio de índices estatísticos, o lugar perde a sua

autonomia porque sua identidade não está apenas na objetividade, mediada pela

racionalidade técnica. Esta identidade caracteriza o local com suas áreas luminosas e

espaços de exatidão e, permite conquistar apenas a sua heteronomia, porque depende da

interação mediada pelos símbolos e a comunicação entre os sujeitos.

Através desta breve exposição, que até aqui fizemos sobre o local e o lugar se

torna possível avançar no desenvolvimento do estudo do “lugar”, no pensamento

Geográfico inaugurado com a Modernidade e, no contexto do seu esforço para tornar-se

científica e, assim poder sair da minoridade, ou seja, da tutela do poder da fé e,

subordinar-se às promessas emancipatórias da razão, sobretudo da ciência positiva

reduzida à racionalidade instrumental.

Assim, reforçamos o interesse desta pesquisa em compreender o lugar, porque

através desta categoria se torna possível compreender a escola como “espaço praticado”

e o “currículo em rede” (OLIVEIRA, 2003), (ALVES, 2002). Também porque, nossa

“sensibilidade analítica” sugere que o lugar é a categoria mais adequada, juntamente

com o território para abordar o nosso problema de pesquisa: como a cultura dos alunos

da “área rural” através da teoria curricular crítica e pós-critica e, como a geografia,

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através da abordagem do lugar e do território, podem desnaturalizar as práticas dos

professores que aparecem no currículo oculto.

4.4.1 O Lugar na Geografia do Espaço Vivido

A geografia humanística propõe uma explicação cultural dos fatos e fenômenos.

Opondo-se ao reducionismo das análises possibilitadas pela instrumentação técnica da

geografia, constata-se que o horizonte humanista não segue a direção dominante da

ciência contemporânea, na busca do diálogo com várias escolas de pensamento.

Portanto, há muitos humanismos na geografia.

Gomes (2005, p. 310-311) apresenta três características do humanismo. A

primeira é a afirmação da subjetividade do saber, a partir de uma visão antropocêntrica.

Como consequência, na geografia o espaço passa a ser considerado como irredutível às

medidas numéricas e às formas geométricas: espaço, áreas “são sempre lugares”. Outra

característica do humanismo é a sua visão holística da ciência o que leva a afirmação

que não existem ações descontextualizadas nem do meio físico e, nem do espaço social.

O terceiro aspecto está relacionado à afirmação de que o “homem é produtor de

cultura”. A quarta característica parte da negação do método lógico e analítico, o

método tem que levar em consideração os contextos, de modo que os procedimentos são

específicos para cada situação investigada.

É com Carl Sauer (1889-1975) que a geografia se distancia do positivismo,

vinculando-se ao estudo da “paisagem cultural”, aproximando-se do conceito de lugar e,

assim, da subjetividade que está contida neste conceito. Segundo Holzer (1999, p. 69), o

conceito de “mundo” se aproxima do que os geógrafos humanistas denominam de

“lugar”, como Tuan (1983), para quem todos os lugares são “pequenos mundos”. Relph,

seguindo estas construções teóricas sobre o lugar busca as relações entre o espaço e o

lugar, considerando que é nele onde acontece experimentar os “eventos mais

significativos de nossa existência” (RELPH, 1976 apud HOLZER, 1999, 71).

Outra perspectiva de análise do lugar surgiu sob a influência de Henri Lefebvre.

A produção do espaço pela dinâmica da espacialidade é uma dimensão explicativa da

construção social da realidade, além da explicação histórica ou econômica.

Segundo Damiani (2005, p. 161) a proposta desta perspectiva teórica é

“incorporar ao espaço a crítica da vida cotidiana, que põe o acento na reprodução das

relações sociais”. O lugar seria o espaço onde se realiza a vida cotidiana, bem como,

onde os processos de globalização adquirem materialidade.

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Entendendo que a globalização se materializa concretamente no lugar, essa

perspectiva pensa o lugar como o espaço que se vive e, se realiza o cotidiano, bem como

espaço em que o mundial se concretiza. Segundo Carlos, a análise do lugar: [...] abre

perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de

apropriação do espaço. Ao mesmo tempo [...] expõe as pressões que se exercem em

todos os níveis (CARLOS, 1996, p. 15). Para Damiani (2005, p. 161), “o cotidiano é um

nível de análise do real”. Segundo a autora, é neste nível que aparece a alienação, “nem

tudo é programado, capturado, a cotidianidade, como resíduo, dá lugar ao informal, ao

espontâneo”.

A fragmentação do espaço, face visível dos processos de produção e reprodução

da vida social sob as regras do capitalismo globalizado, segundo Lefebvre (apud

CARLOS, 2007, p. 54) representa a “vitória do valor de troca sobre o valor de uso”,

processo que invade o mundo da vida cotidiana.

4.4.2. O Lugar Como o Espaço Banal da Geografia

Para Milton Santos (1977), a categoria formação socioespacial é uma categoria

fundamental para explicar teórica e metodologicamente o espaço e, as especificidades

dos lugares. Seus trabalhos posteriores também propõem compreender o espaço como

“conjunto indissociável de objetos e de ações”. (SANTOS, 1999).

O mundo é o “conjunto de possibilidades”, enquanto o lugar é o “conjunto de

oportunidades”: “[...] é o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de

sua realização mais eficaz. Para se tornar espaço, o Mundo depende das virtualidades do

Lugar” (SANTOS, 1999, p. 5).

Segundo Habermas, as nossas ações são mediadas pelas técnicas (racionalidade

instrumental) e pela racionalidade comunicativa e, portanto, a hermenêutica como

método interpretativo para compreender o jogo dos significados e sentidos presentes nas

representações, valores, identidades presentes no espaço praticado do cotidiano.

Com base na leitura de Habermas, Milton Santos (1999), entende o lugar a partir

da convivência de racionalidades diferentes, tanto no espaço controlado pelos agentes

hegemônicos quanto, no espaço banal: a racionalidade instrumental (técnica)

corresponderia às “verticalidades” e a racionalidade comunicativa mediada por

símbolos, às horizontalidades.

A “solidariedade orgânica” é produzida através de uma “lógica interna própria,

um sentido que é seu próprio, localmente construído” (SANTOS, 1999, p. 269),

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portanto, tanto pode ser favorável à racionalidade instrumental, quanto pode constituir

outra racionalidade.

As múltiplas identidades, relações de conflito e cooperação dos lugares

produzem a diferenciação do espaço e homogeneização dos lugares e, nos permite

contrapor à ideia de sua homogeneização. Segundo Santos (1999, p. 258) o lugar é “o

teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa,

pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade”, a partir das

quais as mudanças podem se concretizar neste período popular da história.

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CAPÍTULO 05 – O BICHO DO MATO, DE PÉ VERMELHO NA ESCOLA DA

CIDADE

5.1. Da Roça à Cidade: As Relações entre o Rural e o Urbano

As definições de campo, cidade, rural e urbano, são abordadas em diversos

estudos, a partir de diversas perspectivas, seja no âmbito político, econômico, social e,

sobretudo territorial. A delimitação dessas fronteiras tem se tornado alvo de debates que

se perduram por décadas, o que nos levam a considerar a complexidade para uma

definição conceitual concreta, que dê conta de abranger todos os contextos, espaços e

tempos.

Alguns autores falam de uma urbanização completa da sociedade

como um processo que inclui o campo, outros vêm no “novo rural” a

saída para um mundo que não existe mais e que precisa se modernizar,

há também aqueles que apostam na recriação do campo e do

campesinato, como forma de resistência ao sistema capitalista, ainda

outros anunciam a morte do rural, considerando o campo e o

camponês como elementos de uma vida pretérita (NUNES, 2009, p.

02).

Nesse contexto, entre alguns dos estudiosos que se debruçaram sobre a questão

das categorias campo, cidade, rural e urbano destacamos Lefebvre (2001, 2008, 2008a);

Marques (2002); Navarro (2001); Abramovay (2000); Santos (2001, 2008); Oliveira

(1986); Suzuki (2007), entre outros, que orientam suas discussões para uma abordagem

territorial, com base nas transformações ocorridas no campo, impulsionando uma nova

organização do território e do trabalho, para atender as demandas do sistema capitalista.

No campo e na cidade vão se construindo territórios do capital, mas

sem destruir todas as formas pré-existentes que, ao se

metamorfosearem, encontram maneiras de resistirem e persistirem,

enquanto outras são criadas. Vale, aqui, lembrar, no campo, a

existência dos caiçaras, dos quilombolas, das populações ribeirinhas,

dos faxinalenses, dos ocupantes de fundos de pastos, das populações

indígenas, dentre múltiplas possibilidades de resistência e de criação

de formas sociais que se conformam em territórios que negam o

território do capital, marcado pela lógica da modernização no sentido

da constituição de uma nova relação entre o campo e a cidade, no

mundo da modernidade e do moderno, (SUZUKI 2007, p. 07).

A definição de campo, cidade e as relações estabelecidas entre ambos são vistos

por nós como categorias de representações. A influência das normas e decretos oficiais

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para a organização espacial ocorre mediante as influências e intermediações do capital

que, de acordo com seus interesses provoca diferentes tendências e transformações no

território. Apesar de o processo histórico ter apresentado o campo como sinônimo de

atraso e carência, devido à importância atribuída à cidade, há de se considerar que, além

de cada espaço apresentar uma especificidade própria, existe ainda uma relação de

interdependência.

Nesta pesquisa, optamos por enfatizar a questão do rural e do urbano ao invés de

aprofundar a discussão de campo e cidade, para não perdermos de vista o foco central

de nosso estudo que trata da inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas do

município de São João del-Rei/MG, o currículo e as multiculturalidades, no contexto

das teorias curriculares críticas e pós críticas. Nossa opção se justifica por entendermos

que a relação entre o espaço rural e urbano vão além dos limites territoriais estipulados

pelas leis. Sua construção se dá a partir dos conteúdos, do simbolismo, do contato entre

os sujeitos, das representações individuais ou coletivas, ou seja, rural e urbano se

definem como “modos de viver”, conforme Lefebvre (2008, 2001).

No bojo dessa discussão, Milton Santos (2008, 2008a) se refere ao campo e a

cidade como formas apresentadas no espaço, e não diferente de Lefebvre (2001), analisa

o rural e o urbano a partir da construção dos conteúdos, ou territorialidades. Apesar dos

debates pertinentes a temática relação campo cidade ainda se mostrarem indefinidos

devido à sua complexidade, diante dos múltiplos contextos e recortes espaciais, são os

critérios políticos, econômicos e sociais adotados em cada país que, deliberam sobre o

uso de tais distinções, muitas vezes de forma generalizada.

Embora reconheçamos a importância de refletir sobre a temática relação campo-

cidade delimitamos nossa discussão para a compreensão do rural e do urbano, visto que

é de nosso interesse identificar os conteúdos, símbolos, significados, representações e

expressões culturais que são construídas socialmente entre os indivíduos, a partir do

cotidiano escolar. Por se tratar de diferentes espaços-tempos inferimos que existe um

ritmo de vida, apresentado em cada comunidade de forma diversificada, que muitas

vezes não é reconhecido na comunidade escolar. Porém, defendemos a existência do

rural: se, ficou evidente que existe entre os alunos de diferentes lugares, diferentes

modos de ser e fazer, isso significa que o rural também existe na escola.

A “diferença” constatada entre os alunos, durante o período em que o

pesquisador se dedicou a acompanhar o cotidiano da escola foi descrita e analisada. Em

vários momentos, durante as aulas, no momento do recreio, no laboratório de

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informática, na quadra poliesportiva, nos momentos cívicos, enfim, na convivência com

o pesquisador vários alunos passaram a se sentir à vontade para conversar e contar um

pouco de sua história, bem como os desafios, anseios, etc.

A “indefinição das fronteiras entre rural e urbano” se fazem a partir das

representações, que se constrói em de cada indivíduo. Em vista disto, consideramos que

não se pode generalizar conceitos, através de decretos e leis, pois as relações sociais não

se definem simplesmente por limites normativos. A condenação do campo ao “atraso” e

o modo de vida como “arcaico” é uma demonstração de que as análises realizadas sobre

esses espaços têm sido feitas muitas vezes de forma equivocada e incompleta.

Nesse sentido, destacamos alguns estudos realizados por autores que através de

bibliografias nacionais e internacionais buscaram analisar diferentes concepções de

rural e urbano, bem como suas funções e limites. O economista brasileiro Ricardo

Abramovay (2000) foi um deles. A sua investigação baseou-se em países como

Espanha, Portugal, Itália, Chile e teve como finalidade, analisar quais parâmetros foram

adotados para a definição de rural e urbano. Para o autor em questão, tais modelos

priorizaram aspectos como densidade demográfica e patamar populacional, conforme as

especificidades locais, além do peso da mão de obra na agricultura. Entretanto, não

foram encontrados “critérios” socioespaciais que contemplassem as particularidades

culturais, levando-o a considerar a ineficiência desses modelos normativos,

responsáveis por criar “fronteiras insatisfatórias entre rural e urbano” (ABRAMOVAY,

2000, p. 04).

No Brasil a definição de rural e urbano foi definida oficialmente no período

Vargas (1930-1945), na constituição do Estado Novo. A divisão político-administrativa,

promulgada pela Lei Federal nº 311 de 1938, foi o critério utilizado no período vigente

e previa que todas as sedes municipais fossem consideradas urbanas, cabendo a elas

caracterizar e definir os limites entre o espaço urbano e o rural. A definição realizada

nesse período teve por finalidade “[...] resolver definitivamente sobre os limites do

território nacional e fazer o recenseamento geral da população [...]” (BRASIL, 1938, art.

15), caracterizando cidades, vilas e distritos.

As definições de urbano e rural no Brasil no âmbito normativo se efetivaram

com a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como

mencionado, as insatisfatórias fronteiras estipuladas por esse órgão levaram a

interpretação de um país predominantemente urbano. A crítica ao Decreto Lei de 1938,

se fez diante da elaboração de uma divisão territorial generalizada, responsável por

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delimitar de maneira imprópria os limites urbanos, sob o encargo da sede do município.

Terminado o limite urbano tem-se início o espaço rural.

Segundo Marques (2002, p. 97) considerar que “[...] o espaço rural corresponde

àquilo que não é urbano” significa condenar o primeiro ao esquecimento. Entende-se

também que as possiblidades de reconhecimento desse espaço serão resultado de uma

ação que retrate o momento em que os interesses políticos e econômicos se mostrarem

necessários. Ainda ressaltamos que, a condenação do campo ao atraso, em especifico do

campo brasileiro é uma discussão de longa data.

Diante das várias críticas referentes à divisão oficial do território brasileiro,

destacam-se as discussões realizadas por sociólogos, economistas e geógrafos. As

conclusões teóricas realizadas pelo economista José Eli da Veiga (2004) contrapõem as

definições oficiais que caracterizaram o Brasil como um país predominantemente

urbano ao dizer que:

[...] é absurdo supor que se trate de algumas poucas aberrações,

incapazes de atrapalhar a análise da configuração territorial brasileira.

De um total de 5.507 sedes de município existentes em 2000, havia

1.176 com menos de 2 mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil, e

4.642 com menos de 20 mil, todas com estatuto legal de cidade

idêntico ao que é atribuído aos inconfundíveis núcleos que formam as

regiões metropolitanas, ou que constituem evidentes centros urbanos

regionais. E todas as pessoas que residem em sedes, inclusive em

ínfimas sedes distritais, são oficialmente contadas como urbanas,

alimentando esse desatino segundo o qual o grau de urbanização do

Brasil teria atingido 81,2% em 2000 (VEIGA, 2004, p. 06).

O autor em questão propõe uma guinada para a configuração territorial brasileira

ao dizer que o “Brasil é um país mais rural do que se calcula” (VEIGA, 2004, p. 15).

Para Veiga (2004), seria necessário incluir um novo método que determinasse de forma

clara as distinções entre rural e urbano, sugerindo a introdução de dois elementos: a

localização e a densidade demográfica. Assim, seria possível analisar o grau de pressão

antrópica e, consequentemente o reconhecimento do espaço urbano.

Graziano da Silva (2002, p. 01) por sua vez considerou o rural como um

“continuum do urbano”, em decorrência do processo de industrialização agrícola,

segundo ele responsável pela urbanização do campo. Nesse contexto, o fim da

dicotomia entre rural-urbano, seria sobreposto pelo surgimento de um novo conceito: o

“rurbano”. Essa concepção parte do princípio de que a urbanização completa está em

curso, e que o fim do rural é uma questão de tempo.

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[...] pode-se dizer que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas

últimas décadas, como resultado do processo de industrialização da

agricultura, de um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo

urbano naquele espaço que tradicionalmente era definido como rural.

Como resultado desse duplo processo de transformação, a agricultura -

que antes podia ser caracterizada como um setor produtivo

relativamente autárquico, com seu próprio mercado de trabalho e

equilíbrio interno - se integrou no restante da economia a ponto de não

mais poder ser separada dos setores que lhe fornecem insumos e/ou

compram seus produtos [...]. (GRAZIANO DA SILVA, 2002, p. 01).

Através do critério da empregabilidade, também criado por Graziano da Silva

(2002), a explicação para existência de chácaras, sítios e demais edificações em áreas

denominadas rurais passaram a fazer sentido, visto que os residentes dessas localidades

desempenhavam atividades vinculadas ao setor terciário, do mesmo modo que nas

imediações urbanas as práticas agrícolas também podiam ser encontradas. Isso reforça a

ideia de que uma nova organização do espaço está em curso, dificultando ainda mais a

definição de tais fronteiras.

Tanto as colocações de Veiga (2004), quanto às de Graziano da Silva (2002)

partem de uma perspectiva economicista, como se pode notar. As definições de rural e

urbano pretendida pelos autores citados nos leva a considerar uma diferenciação do

espaço através de uma óptica setorial, pautada na densidade demográfica, no grau de

tecnologia, empregabilidade, modernização, e demais índices de caráter quantitativo,

dando enfoque aos aspectos políticos e econômicos. Partindo dessas considerações

pressupomos que a terra e as relações sociais são analisadas apenas pelo seu potencial

produtivo, a serviço do capital e de sua reprodução ampliada.

A modernização da produção agrícola marca um novo momento para o campo

brasileiro, levando-o a uma nova lógica produtiva, desta vez pautada na mecanização do

trabalho e da integração com o mercado externo. Para Santos (2008b, p. 88) a

humanização e mecanização do espaço geográfico é resultado do atual meio técnico

científico e informacional. O mesmo também pode ser percebido na cidade, devido ao

fenômeno da globalização, que independe de fronteiras para fluir. No entanto, isso não

significa que todos os territórios foram igualmente beneficiados, uma vez que vivemos

em uma sociedade capitalista e desigual.

Se entendermos o território como um conjunto de equipamentos, de

instituições práticas e normas, que conjuntamente movem e é movida

pela sociedade, a agricultura científica, moderna e globalizada acaba

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por atribuir aos agricultores modernos à velha condição de servos da

gleba. É atender a tais imperativos ou sair. (SANTOS 2008b, p. 89).

As considerações de Oliveira (1986), no que diz respeito aos desafios do campo

e do rural demonstram certo otimismo, pois segundo ele o sistema capitalista ainda não

eliminou o campo e tampouco o rural. Para esse autor da mesma forma que o capital

“cria” e se “recria” no território, em decorrência dos processos econômicos, políticos e

tecnológicos em um dado período, grupos sociais também seguem a mesma tendência, o

que não é diferente no campo.

Essa consideração nos leva a entender que não são poucos os conflitos e desafios

que permeiam no campo, dificultando a sobrevivência dos agricultores familiares e do

campesinato. No entanto, acreditamos que, mesmo com o advento da modernização do

modelo produtivo agrícola, da nova divisão do trabalho e do território deve-se ressaltar

o surgimento de movimentos de resistência, como forma de reivindicar e garantir

direitos.

[...] registra-se uma tendência a um duplo desemprego: o dos

agricultores e outros empregados e o dos proprietários; por isso,

forma-se no mundo rural em processo de modernização uma nova

massa de imigrantes, que tanto se podem dirigir às cidades quanto

participar de novas frentes pioneiras [...]. (SANTOS, 2009, p. 90).

Lefebvre (2008a, p. 20) defende a hipótese de que o processo de urbanização

completa da sociedade está a caminho, porém trata-se de uma virtualidade. Através de

uma linha cronológica marcada de 0% a 100% ele ilustrou os processos de produção

social do espaço que a sociedade vivenciou, até chegar ao modelo urbano. Nessa linha

criada o 0% representa a inexistência da urbanização, período este que predominava os

elementos da natureza. Os momentos seguintes se resumem em três períodos, que

perpassam pela Cidade Política, Cidade Comercial, Cidade Industrial. A “Zona Crítica”

é a fase que marca a atualidade, não muito distante do que seria o 100%, o estágio total

de urbanização. No entanto, este autor não defende o fim do rural, o que nos leva a

associar o potencial das formas de resistência, perante o modelo capitalista, no contexto

das transformações sociais.

Com o período denominado pós-moderno e, através da perspectiva pós-crítica

para a interpretação do fenômeno urbano surgem possibilidades de questionamento da

própria crítica, que propõe uma releitura do território e dos fatos, possibilitando outras

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vias de interpretação da sociedade. O processo de urbanização do território, tendência

imposta pelo capitalismo, permeia as fronteiras e, a globalização torna-se determinante

para essa transformação. Cabe a nós um olhar sensível que extrapole as formas e

normas, valorizando os conteúdos pautados através dos ritmos de vida, reforçando a

ideia de que a homogeneização do espaço não ocorreu de maneira completa.

As contribuições teóricas e suas ênfases para a compreensão do espaço urbano e

rural somam importantes ferramentas de interpretação da sociedade, em suas múltiplas

facetas. Nesse ponto destacamos a importância de uma abordagem geográfica e

filosófica, por abarcar elementos e contextos que contribuem para a constituição e

valorização do “lugar”, das territorialidades, através dos sentidos e das representações

sociais, da qual Moreira e Hespanhol (2008, p. 01) dizem tratar-se de “[...] uma

construção social, fundamentado nas relações espaciais diretas, no cotidiano e na

articulação entre a cooperação e o conflito [...]”.

5.2. O Rural como “Território e Territorialidade”

Em seu trabalho intitulado de “Tempos e Espaços nos Mundos Rurais do Brasil”

Carlos Rodrigues Brandão (2007) defende a ideia que “[...] o mundo rural brasileiro, é

muito mais diversificado e polissêmico do que em geral se imagina” (p. 37). Como se

pode notar, diferente das perspectivas economicistas esse autor se refere o rural não

como um “espaço em si” apenas, mas como um “mundo”, no qual os sentidos são

construídos a partir das relações entre os sujeitos no decorrer dos “tempos e espaços”.

Brandão (2007) concorda com o geógrafo Milton Santos (2002, p.243) no que

diz respeito ao processo de “domesticação” do mundo rural em curso, conduzido a partir

de uma nova racionalidade (técnica) responsável por transformar os lugares por meio de

um “tempo medido”, aliado a ciência e a técnica. Por outro lado, a garantia de maior

produtividade, bem como a integração com o mercado internacional agrícola ocorreu

em detrimento das “leis naturais”, que antes regulavam o tempo no mundo rural.

Nesse mundo, a primeira natureza que conta não é mais a natureza

natural, mas, sim, a natureza já artificializada. A produção depende do

artifício, subordinando-se aos determinismos do artificio. [...] Ciência,

tecnologia e informação fazem parte dos afazeres cotidianos do campo

modernizado, através das sementes especializadas, da correção e

fertilização do solo, da proteção às plantas pelos inseticidas, da

superimposição de um calendário agrícola inteiramente novo, fundado

na informação [...] (SANTOS, 2008a, p. 20-21).

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No entanto, reforçamos nossa colocação, mencionada na seção anterior ao dizer

que o rural não é um mundo passivo, pelo contrário, a sua capacidade de resistência cria

a sua própria racionalidade que, não se fundamenta na lógica capitalista. Esses grupos

se orientam por outros princípios, aqueles que se fundamentam na cultura e nos valores

próprios, portanto, outra racionalidade. É nesse ponto que Santos (2002) se refere às

contra racionalidades. No campo, a contra racionalidade expressa à resistência em favor

do território e da territorialidade, para a manutenção dos espaços de vida e de trabalho.

[...] são inúmeras as unidades de ações sociais que se opõem à

racionalidade, ao poder e aos interesses da expansão globalizada do

capital no campo, como propõem, no bojo de suas diferentes contra

racionalidades, outras e opostas alternativas de gestão social de

tempos e de espaços, de vidas e de mundos de vida e de trabalho.

(BRANDÃO, 2007. p. 41).

Para Santos (2002):

[...] Essas contra racionalidades se localizam, de um ponto de vista

social, entre os pobres, os migrantes, os excluídos, as minorias: de um

ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional

ou recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geográfico,

nas áreas menos modernas e mais “opacas”, tornadas irracionais para

usos hegemônicos. (SANTOS, 2002, p. 246).

Milton Santos (2001, p. 264) define as áreas “opacas” como “subespaços” que se

situam nos interstícios das redes que atravessam o território, caracterizada pela baixa

densidade técnica e informacional, onde os tempos são lentos e as infraestruturas

incompletas. Entendemos que, o mundo rural se insere nesse contexto, visto que, a

escassez de políticas para o seu desenvolvimento impacta não somente nas

possibilidades de modernização, mas também no perfil da mão de obra, que é pouco

qualificada. Portanto, entende-se que, apesar dos espaços opacos também se traduzirem

como “espaços de resistência”, a descrença também existe, pois, a falta de recursos e

subsídios para competir com os grandes produtores faz com que os rurais também

busquem outros meios de sobrevivência, muitas vezes, alheios ao trabalho com a terra.

Os “espaços luminosos” são o contraponto, pois se referem às áreas de maior

fluidez, que possuem maior densidade técnica e, são amplamente atendidas pelas redes

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informacionais, de logística, e demais próteses9, estimulando a atração de “atividades

com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização” (SANTOS, 2001, p. 264).

Nesse ponto, tanto o campo como a cidade podem ser pensados a partir desse conceito.

Porém, é no mundo urbano que tais redes se difundem mais amplamente, pelo fato deste

ser considerado um “centro de tomada de decisões”.

O “novo sistema de natureza”, gerado a partir das novas técnicas produtivas,

integradas às redes informacionais, tornou-se uma importante ferramenta de trabalho

para os grandes empresários do ramo agrícola, na medida em que estes não mais

precisam residir em suas propriedades para acompanhar e gerenciar todo o processo

produtivo de suas lavouras. A prevalência de conexões que caracterizam o período

denominado de “meio técnico cientifico e informacional” (SANTOS, 2001, p.47) nos

permite explicar as transformações que ocorrem no espaço geográfico e, incorporadas,

sobretudo, na base da vida social.

Essa nova lógica produtiva resulta do processo de globalização, que atua sobre o

território impondo a universalidade de um sistema técnico, matematizado, que

pressupõe a existência de um espaço liso, fluido, livre de barreiras e apto às exigências

do capital, (SANTOS, 1993), (SANTOS, 2000a, p. 01). O referido autor interpreta o

conceito de Globalização sob duas vias. A primeira trata da Globalização como fábula

(fantasia), ou seja, o “mundo tal como nos fazem crer”, discurso produzido por

determinada ideologia. Já o segundo, é a Globalização como perversidade, que concebe

o “mundo tal como ele é”, desmascarando as relações de poder que assolam o território,

responsáveis pela divisão e exclusão de diversos segmentos sociais (SANTOS, 2008b,

p. 08-09). Para Milton Santos “[...] o meio técnico científico e informacional é a nova

cara do espaço e do tempo [...]”, (SANTOS, 2008a, p. 20-21). Ou seja, é a nova

“arquitetura do mundo”, (SANTOS, 2000, p. 01).

Nesse contexto, a nossa preocupação aqui se define a partir dos seguintes

questionamentos: Até que ponto os grupos minoritários e as pequenas comunidades do

mundo rural conseguirão resistir às tendências da globalização e de seus mecanismos

excludentes? A introdução da técnica, da ciência e da informação com a racionalidade

que as acompanham, voltadas para o lucro serão responsáveis pelo fim do mundo rural?

9 Tipo de construção que contribui para atender a conexão entre os diversos fluxos, materiais e imateriais;

Santos, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. 384

p.

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E as políticas públicas de “extensão rural”? Quais são os seus interesses? A quem se

destina?

É a partir desses (entre outros) questionamentos que as teorias críticas e pós-

críticas são pensadas no âmbito da geografia, pois nos ajudam a (re) pensar o território e

as territorialidades, em seus múltiplos contextos. No caso das teorias curriculares é

possível observar que as relações de poder que regem o território apresentam-se, em

todos os lugares, inclusive no espaço cotidiano da escola. Esta instituição que, mesmo

recebendo indivíduos de diferentes lugares, com culturas e territorialidades diferentes,

incorpora um discurso, que utiliza uma metodologia unificada para o ensino e, um

currículo comum, contribuindo para o enfraquecimento e deslegitimação de diversos

grupos sociais, sua história de vida, de luta e, de resistência.

Como previamente dito, as relações de poder marcam e demarcam os campos do

saber, através do discurso e da linguagem direcionada aos diversos grupos que povoam

a escola. No entanto, não é difícil perceber as multiculturalidades presentes nesse meio.

Elas se manifestam a partir das representações equivocadas e estereotipadas de cada

indivíduo quanto ao sexo, gênero, cor, raça, cultura que, em nosso caso, é a cultura

produzida nos lugares onde se mora e se faz acontecer à vida cotidiana do mundo rural

que é, também, o mundo da produção e reprodução capitalista. Nesta pesquisa,

enfatizamos os alunos que moram em comunidades rurais do município de São João

del-Rei/MG, que atualmente estudam nas escolas urbanas, por motivos diversos.

A iniciativa de organizar em uma única sala diferentes realidades torna-se um

desafio tanto para o professor, quanto para os alunos, seja na organização da classe, no

modo de conduzir as aulas, no momento de apresentar os conteúdos teóricos ou

práticos, que nem sempre fazem sentido para uns e outros. Consideramos os métodos de

ensino, bem como os conteúdos e, não raro as práticas docentes como atributos de um

espaço de domesticação10 do sujeito, no qual o interesse está fundamentado apenas na

preparação do aluno para o mercado de trabalho e, consequentemente, para o mundo do

consumo.

A omissão/negação das culturas rurais na escola torna-se preocupante, na

medida em que, essa ação provoca uma ruptura entre o aluno e o seu “mundo vivido”,

10 Michel Foucault (1988) considera que a escola é um dos lugares onde ocorre o processo de

domesticação do indivíduo. Para esse filósofo a rigidez das ordens e do disciplinamento são elementos

fundamentais para se alcançar a “forma” desejada de sujeito, coerente dentro de um sistema de ensino

autoritário. É nesse sentido que a escola se torna uma instituição de poder do Estado, para o controle

social.

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ou seja, seu lugar de morada. A visão de mundo reproduzida pela escola tradicional,

pautada nos instrumentos oficiais de ensino considera que, o sucesso e a realização

pessoal só poderão ser alcançados através de uma intensa jornada de estudos e leituras,

com vistas ao futuro ingresso no mundo acadêmico, no qual o discente é um sujeito

determinante para esse processo. Em contrapartida, as teorias críticas e pós-críticas,

valorizam a identidade e a subjetividade de cada indivíduo, pensada de forma conjunta

às demais, possibilitando a construção de um mundo junto com os outros, que faça valer

a pena a participação.

Assumir as teorias pós-críticas implica o questionamento das escolas de

pensamento de suas próprias críticas, em seus mais variados contextos, mesmo que tais

teorias sejam aliadas as bases de pensamento do “pós”. O período de incertezas e de

possibilidades que marcam a atualidade colocam o questionamento da noção de

verdades absolutas, a necessidade de “desconfiar” dos discursos e suas ideologias

legitimadas como as únicas possíveis. Tudo é uma questão de poder, baseado em

interesses de grupos que, impõem seus regimes de verdade, como apontou Michel

Foucault (1988) em seus estudos.

Não foram poucos os momentos históricos em que grupos minoritários foram

silenciados por um discurso dominante, muitas vezes de forma radical e coerciva. Por

isso, inferimos que o processo de desconstrução do mundo rural a partir da infância,

adolescência e juventude, no decorrer do lento processo de ensino-aprendizagem

(principalmente tradicional), pode ser considerado como um agente facilitador de

desestruturação dos movimentos rurais e culturais, além de outras formas de resistência

existentes, propiciando a penetração/invasão do capitalismo em todos os lugares,

inclusive no campo.

A escassez de políticas públicas para o desenvolvimento rural11, ou melhor, a

dificuldade de acesso aos benefícios proporcionados por tais políticas, no que tange os

pequenos produtores, ocorre mediante da estreita relação entre as Corporações

(detentoras do capital) e o Estado, visto que, o aspecto econômico é considerado o mais

importante. Ainda mais no caso brasileiro, já que, o mercado agroexportador e de

produtos correspondentes ao setor primário, somam juntos mais da metade do PIB

nacional.

11 Existem diferentes concepções para se definir o conceito de “desenvolvimento rural”. Em nosso

contexto fazemos referência a uma idealização de potencialidades almejadas por determinado grupo

social, presentes apenas no campo discursivo. A noção de desenvolvimento implica em melhoria. Tem

que ser bom para todos.

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Entendemos que as relações horizontais e as contra racionalidades, criadas no

mundo rural somam-se as formas de superação dos obstáculos impostos pela

racionalidade hegemônica, que pretende dominar todos os territórios e invadir todos os

lugares. Como reforça Milton Santos (2000, p. 03): “[...] Por mais que se procure nos

fazer acreditar no contrário, não existe uma racionalidade única, nem uma única forma

de pensar e de viver no mundo”. Brandão (2007) acrescenta:

[...] pensar racionalmente um mundo começa por criar os padrões

tempo-e-espaço, em que sujeitos sociais criam os cenários entre a

natureza e a cultura, que os recriam como múltiplos e interativos

atores culturais dos dramas de vidas que compartem. (BRANDÃO,

2007, p. 48).

A visão antropológica, geográfica e sociológica do “mundo rural” apresentada a

partir das concepções de Carlos Rodrigues Brandão (2007), Milton Santos (2001, 2002,

2008) e José de Souza Martins (1975), nos ajudam a compreender o território e as

territorialidades a partir das subjetividades, dos modos de viver, do contato com o outro,

por meio das relações estabelecidas entre os indivíduos e o lugar, não apenas na

perspectiva de mercado, a partir da extração de recursos da natureza, mas como

resultado de uma construção identitária, simbólica e solidária, enraizadas na cultura e

nos mitos de determinada comunidade, ou grupo social. Daí a polissemia atribuída ao

mundo rural. segundo (BRANDÃO, 2007).

Essa diferença de ênfase de olhares diferentes entre antropólogos,

geógrafos e outros cientistas sociais por certo acompanha o que parece

de fato “dar-se a ver” na diversidade de nossos territórios, paisagens e

unidades sociais situadas fora das cidades. Acompanha também a

própria relação existencial da experiência pessoal, interativa e social

da relação-criação de tempo-espaço. (BRANDÃO, 2007, p. 48-49).

A citação acima reforça as bases reflexivas de nossa pesquisa, pois, ao

admitirmos contribuições teóricas sob diferentes perspectivas, a começar pela

Geografia, passando pela Sociologia, Filosofia, Antropologia, História, entre outras

áreas do conhecimento, reconhecemos que todas fornecem subsídios para uma melhor

interpretação da realidade, através das suas diferentes vias compreensão. Ou seja, os

muros que separam os diferentes saberes em defesa das racionalidades (através da

ciência e da técnica), ou das subjetividades (partindo da própria experiência vivida)

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inexistem para a perspectiva pós-crítica; o que possibilita uma nova compreensão do

território, das territorialidades concretas e simbólicas.

Se traçarmos uma linha cronológica, para compreender os diferentes arranjos

espaciais no decorrer do espaço-tempo é possível notar que os diferentes discursos

contribuíram para a extinção ou criação de novas territorialidades, sinalizando

submissões e conflitos diante do poder exercido em seu percurso. Apoiados a

perspectiva pós-crítica entendemos que, no contexto das transformações sociais, a

criação de regimes e linguagens para a submissão da sociedade (re) definiu o território,

de tempos em tempos.

Esta é uma demonstração de que as verdades são temporárias e, com o decorrer

do tempo elas foram (e ainda são) sobrepostas por outras. Enfim, na medida em que o

tempo se encarregou de criar, sobrepor e contestar determinado “saber ou regime”

novas relações de poder se estabeleceram no território, e junto a elas novos discursos,

não menos carregados de interesses pela dominação do outro.

É nessa perspectiva que abordamos as teorias curriculares em nosso estudo, pois

entendemos que suas bases estimulam a reflexão sobre as representações ideológicas e

normativas, que comandam o território e o cotidiano escolar. A criação de utopias

educacionais está mesclada pelas metanarrativas,12 que discursam sobre a existência de

um mundo previsível, independente da capacidade das escolhas para a realização

pessoal. Entretanto, da mesma forma que as metanarrativas despertam o otimismo de

alguns alunos, levam outros ao pessimismo, porque pertencem a outros contextos,

camadas ou classes sociais, como é o caso dos alunos pobres, negros, homossexuais,

indígenas, e os chamados “roceiros” de “pé vermelho” – termo este utilizado por vários

alunos para se referir aos alunos do mundo rural – que, a nosso ver, são desvalorizados

por serem diferentes e, por não terem voz.

A (des) construção de identidades, a partir da escola e do processo de ensino

aprendizagem provém de uma ideologia dominante, que se oculta através do currículo

tradicional, mecânico e universal, que direciona a educação para o capital. Os interesses

explícitos (ou implícitos) no currículo, dispostos através das metanarrativas, são uma

demonstração de que este não é um documento ingênuo e, tampouco, neutro. Nesse

sentido, a desconstrução das utopias, das metanarrativas, do discurso e seus mecanismos

12 Metanarrativas são filosofias da história que narram modelos explicativos universais e estáveis, a fim

de alcançar um telos previamente determinado (LYOTARD, 2000).

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de poder, característicos do período pós-moderno13 abrem caminho para novas formas

de pensar a questão do ensino, não a partir das verdades, mas sim das possibilidades.

13 O pós-moderno é definido por Jean-François (1924-1928) como a “incredulidade em relação aos

metarrelatos” ou metarrativas, (LYOTARD, 2000, p. xvi).

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PARTE III

CAPÍTULO 06 – MUNDOS DISTINTOS: ENTRE O RURAL E O URBANO

6.1. Uma Breve Contextualização Teórica

Este capítulo contém o diferencial de nossa pesquisa: as descrições densas

apresentadas através das narrativas. Os diferentes cotidianos são teorizados sob diversas

abordagens e perspectivas, e neste caso, a costura entre os fios e retalhos são

representados através dos diferentes modos de se viver no lugar. Contudo, os valores, a

cultura e a identidade caracterizam uma comunidade sem voz, diante do currículo e seu

discurso, elementos estes que pretendemos realçar no decorrer desta discussão, a partir

das atividades práticas desenvolvidas nesta pesquisa.

Brandão (2009), em seu livro “No rancho fundo - espaços e tempos no mundo

rural” levanta questões importantes sobre o modo de vida no campo e as suas

peculiaridades, ao tratar sobre os espaços e lugares da vida e do trabalho, onde se

estabelece a relação entre o sujeito e o lugar e, portanto, o cotidiano. Estamos falando de

espaço-tempos distintos, que não se sustentam através das relações capitalistas, onde

tudo é mercadoria e lucro, mas de um lugar e um modo de ser, que preserva as

territorialidades, as quais não têm sido contempladas no sistema de ensino

institucionalizado e, quando são transformam-se em “folclore”.

Ao compartilhar o termo “domesticação” das culturas empregado pelo geógrafo

Milton Santos, Brandão (2009, p. 35) se refere à racionalidade técnica como uma

“invasora”, não somente do campo rural, mas também de todos os campos da vida,

diante da imposição e criação de saberes, valores, sentimentos e sociabilidades pautadas

na modernidade e no saber científico. Modernidade esta que, no caso brasileiro Martins

(2013) diz existir apenas nas formas presentes no espaço e, não nos conteúdos.

Na escola, os domínios da cidade sobre tempos-espaços rurais se tornam nítidos,

na medida em que o “moderno” se sobrepôs ao “arcaico”, não somente no discurso

curricular, mas no seu cotidiano como um todo. O campo agora é mecanizado, e

compõe um setor econômico, de modo que muitos filhos de agricultores familiares

locais não conseguem entender essa perspectiva de “espaço agrário brasileiro”, pautado

na produção de commodities, na biotecnologia, na produtividade, competitividade e no

lucro, do qual não fazem parte. E de certo não podem, pois, o modo de produção

familiar apesar da sua importância na produção de alimentos (em diferentes escalas)

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acaba sendo reduzido a adjetivações como: homens pobres da roça, de mão na enxada e

de pé no chão.

A transferência de símbolos e de significados interativos típicos da

fábrica moderna, para espaços-tempos rurais, com foco sobre o

binômio competência-competitividade em todos os momentos e

lugares da vida de pessoas e de comunidades, desqualifica

experiências e maneiras de ser e de produzir típicos do campesinato.

(BRANDÃO, 2009, p. 49).

As tradições culturais, antes trazidas pelas festividades religiosas, pela música

sertaneja – aquela que falava do sertão e da vida caipira – também sofrem com a

influência dessa modernidade “inautêntica”, como dizia José de Souza Martins, que foi

implantada nos países emergentes. A exemplo disso, este sociólogo cita o antigo

costume de tocar viola e o peso dos signos urbanos, que foram aderidos pelas novas

gerações que, muitas vezes negam a própria cultura, como veremos abaixo:

Eu entrevistava antigo e famoso violeiro do bairro rural, conhecido

mestre de dança de São Gonçalo, exímio tocador da chamada viola

caipira. Num certo momento chegou o seu filho, ainda jovem.

Perguntei-lhe se ele também tocava viola. Disse-me que não, que viola

era coisa de caipira, de gente da roça. Quis saber se não tocava

nenhum outro instrumento respondeu-me que tocava violão. [...] Para

que não houvesse dúvida de que seu gosto musical não se confundia

com o gosto musical “atrasado” e caipira do pai, havia colocado na

parte da frente do instrumento um decalque de Nossa Senhora

Aparecida e ao lado mandara gravar a fogo: “Ai love iú bêibi (I love

you baby) ”, (MARTINS, 2013, p.34, grifo nosso). ”

Martins (2013, p. 34) considera que a globalização atua sobre os signos da

modernidade (a exemplo do inglês), ao dizer que “[...] chega a palavra, mas não chega a

língua nem o significado”. Nesse ponto, Milton Santos (2000a, p. 01) diz se tratar de

uma imposição pretenciosa do mundo moderno, através dos grupos hegemônicos que

instituem uma língua transitória, sobre os “espaços instrumentais”, a fim de extrair deles

os recursos – da natureza ou do trabalho humano – que são indispensáveis para sua a

reprodução. Para esse geógrafo, não se trata de uma linguagem universal, mas de uma

linguagem “universalizante”, que tenta ocupar a totalidade do mundo, influindo sobre

todas as camadas sociais.

Essas são algumas das discussões, levantadas pelo antropólogo Carlos Rodrigues

Brandão (2009), pelo sociólogo José de Souza Martins (2013) e pelo Geógrafo Milton

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104

Santos (2000a), que nos instigam compreender o nosso recorte de estudo, através das

narrativas. Ao evidenciarmos as diferenças entre os alunos rurais e urbanos, percebemos

também o quanto a imagem do moderno é desejo de todos, porém, é restrita a certos

indivíduos, vindos das comunidades rurais, pois o “local de moradia” torna-se a ponte

entre o moderno e o atrasado, seja na oferta de serviços, de infraestruturas, nos

costumes, valores, enfim, nos modos como se É e se ESTÁ no lugar. Ou seja, como se

vive o lugar.

As descrições que seguem abaixo resultam de um esforço teórico-prático por

parte do pesquisador, que no decorrer das atividades de campo na escola, registrou as

narrativas dos alunos e professores em uma caderneta, a fim de fazer uma aproximação

das breves proposições teóricas levantadas acima. Consideramos que, as narrativas

constituem a maior contribuição deste trabalho, porque dão voz aos alunos da área rural,

professores e, também, aos pais14.

Assim, sustentamos o nosso objetivo que é investigar o processo de organização

do conhecimento geográfico através das teorias curriculares, na escola básica, e seu

discurso, a partir do entendimento de que o currículo e a educação estão envolvidos em

processos de “regulação” e “emancipação”. Através deste objetivo pretendemos

sinalizar que a escola tem feito um “sequestro” da experiência de si desses alunos, por

isso, que as teorias curriculares são o nosso instrumento de análise, pois nos permitem

uma aproximação entre o cotidiano escolar e o pesquisador, sem perder de vista a

categoria “lugar”, pois é nela que se constrói o espaço da vida.

As descrições densas tornam-se uma importante ferramenta metodológica para a

execução desta análise, pois nos colocam em contato direto com os aspectos subjetivos

do sujeito através das suas próprias narrativas. No entanto, este trabalho se sustenta

através de uma orientação etnográfica/fenomenológica, porque nos permite

compreender o nosso recorte de estudo sem estabelecer uma dualidade entre

sujeito/objeto, permitindo uma articulação entre a vivência do pesquisador no espaço-

tempo escolar e o seu diário de campo.

Abaixo seguem algumas das narrativas, que foram descritas pelo pesquisador,

cuja intenção foi “dar voz” as diferentes perspectivas e histórias contadas, consideradas

importantes pelos sujeitos de nossa investigação, com o intuito de estabelecer uma

14 Reforçamos que os alunos e professores foram denominados por nomes fictícios, a fim de preservar a

sua identidade e integridade física e moral, antes, durante e depois da realização da pesquisa.

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105

amarração, entre aos autores apontados nesta seção, que vez ou outra serão

mencionados.

1ª Etapa do Trabalho de Campo: Tempo-espaço Escolar

6.2. Trabalho de Campo: primeiros passos

A proposta de observação do cotidiano escolar, teve por finalidade acompanhar

a jornada de estudos dos alunos do meio rural no município de São João del-Rei/MG, de

modo a tornar possível o conhecimento das potencialidades e desafios a partir das suas

próprias considerações e leituras do mundo. Além disso, os professores envolvidos e

demais gestores da escola também participaram deste estudo. O período de contato entre

pesquisador/escola ocorreu entre os meses de junho e outubro de dois mil e quinze. A

justificativa para acompanhar o dia a dia desta escola, ocorreu diante ao fato desta

concentrar o maior contingente de alunos vindos da zona rural, segundo a Secretaria

Municipal de Educação (SME).

Inicialmente, a diretora se encarregou de nos apresentar as diferentes repartições

da escola como: quadra poliesportiva, sala dos professores, biblioteca, laboratório de

informática, refeitório, etc. Posteriormente, as atividades de acompanhamento

priorizaram a sala de aula, mais especificamente durante a disciplina de geografia, nas

turmas do ensino fundamental anos finais (6º ao 9º ano), totalizando um período de

quatro meses de investigação.

O período de observações em sala de aula – parte determinante de nossa

pesquisa – teve como finalidade presenciar a jornada de estudos dos alunos do meio

rural em classe, bem como seus costumes e a relação estabelecida entre os demais

colegas, que vivem na cidade. O período de observação também teve o objetivo de

evitar o estranhamento do pesquisador responsável, dos alunos, professores e demais

gestores durante nossa estada na escola. Na medida em que, as pessoas foram se

acostumando com a nossa presença diária, passaram a se comportar com maior

naturalidade, o que nos possibilitou analisar o cotidiano desses sujeitos mais

detalhadamente.

Através da secretaria escolar quantificamos o número de alunos da zona rural e

urbana que compunham a escola. Pelo fato de não haver documentos relacionados aos

alunos provenientes da área rural contamos com a ajuda da professora de geografia para

solucionar essa questão, através do diário escolar, perguntando aos próprios discentes,

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sobre o seu local de origem. Assim, com a colaboração dos alunos, professores e

direção chegamos a um total de 139 alunos, dos quais 77 (ou 56%) pertenciam a

diferentes comunidades rurais e os 62 (ou 44%) restantes moravam zona urbana do

município de São João del-Rei/MG.

Como esperado, o desafio presenciado durante as perguntas “quem vive na zona

rural? ” ou “quem vive na zona urbana?”, foi possível notar algumas reações dos alunos,

como a curiosidade e a indagação, com relação à pergunta, além de algumas

“piadinhas” direcionadas aos alunos da zona rural. No entanto, procuramos disfarçar

nosso interesse em confirmar o considerável percentual de alunos do campo na

instituição pesquisada. Essa medida visou resguardar a integridade desses indivíduos,

para que os mesmos não se sentissem inferiorizados diante dos demais colegas ou, até

mesmo incomodados ou constrangidos, diante da presença do pesquisador na escola.

As observações realizadas na escola permitiram uma aproximação espontânea,

entre alunos e pesquisador, pesquisador-professores e pesquisador-gestores. Vários

alunos queriam saber o motivo de nossa presença na sala de aula, nos corredores, no

pátio ou no refeitório, fazendo registros fotográficos, anotações e perguntando o que

eles achavam da escola, qual a comunidade rural de origem e se estes se contentavam

com seu modo de vida. Consideramos que eles não se sentiram invadidos, pois em

momento algum eram obrigados a responder algo, pois, se tratava apenas de uma

conversa informal.

A utilização de uma caderneta de campo foi importante para a coleta de

informações. Realizamos anotações minuciosas do aluno do campo, sobre seus projetos,

sentimentos e emoções a respeito do seu modo de viver, pensar e agir, que é diferente

do aluno da cidade. Cada comentário, com o colega ou com a professora, em que fosse

discutido o seu modo de vida eram vistos como possibilidades de compreensão do rural

a partir da percepção desses sujeitos, de sua cultura ou costumes e de sua interação com

os demais colegas.

Concluído o período de observação no cotidiano escolar e a partir de um

conhecimento prévio, adquirido através das colocações dos sujeitos de nossa

investigação elaboramos um questionário, com perguntas semiabertas, de modo que se

tornasse possível analisar a escola a partir das representações dos alunos do campo. Esse

procedimento teve como objetivo investigar o nosso problema de pesquisa: de que os

saberes e as práticas educativas são atributos de um currículo e seu discurso que

subordinam os indivíduos a um regime de saber.

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107

6.2.1. Sistematização das Atividades de Campo – Descrições Densas

Conforme apresentado na seção anterior, a escolha da Escola Municipal “Carlos

Damiano Fuzatto”, para a realização do nosso estudo de caso, ocorreu pelo fato desta

concentrar o maior contingente de alunos do meio rural, em relação aos demais

residentes na área urbana. As atividades de campo, realizadas no espaço escolar

aconteceram durante o ano de 2015, período este em que 56% dos alunos pertenciam as

14 comunidades rurais abrangidas pela escola, conforme o quadro abaixo.

QUADRO 01

COMUNIDADES RURAIS DE ORIGEM DOS ALUNOS DA

E.M. CARLOS DAMIANO FUZATTO – 2015

Caburú Emboabas (distrito)

Caxambú Fé

Colônia do Bengo Morro Grande

Colônia do Felizardo São Miguel do Cajurú (distrito)

Colônia do Giarola São Caetano

Cunha Três Praias

Elvas (Situada no município de Tiradentes) Trindade

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

Particularidades entre os alunos, que davam pistas da origem rural ou do campo

foram observadas durante as aulas de geografia, no intervalo das aulas e demais

atividades extraclasses, seja na formação de grupos de trabalho ou de bate-papo que

nem sempre se reduzem a fatores como local de moradia ou sexo, mas também resultam

de outras formas de identificação, como é o caso dos admiradores por jogos, por estilos

musicais e culturais, entre outras expressões também presentes na escola.

Através da contagem dos alunos por meio do diário escolar a primeira

constatação foi que, na medida em que os alunos avançavam nas séries de ensino maior

era grau de desentendimento entre aqueles que moravam na área urbana ou rural. Ou

seja, os alunos do 6º ano se preocupavam menos com o seu lugar de moradia quando

comparados aos do 9º ano. Ainda, ocorreram situações em que alguns alunos tiveram

dificuldades para dizer que eram da zona rural, por motivos diversos, entre eles a

vergonha e o medo de ser alvo de piadas dos demais colegas.

A partir das considerações dos alunos e professores, adquiridas no decorrer das

observações elaboramos um esboço descritivo de todo o processo. O detalhamento dos

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fatos é importante, pois nos permite conhecer os desafios, potencialidades, desejos,

projetos e emoções entre outros aspectos da subjetividade dos sujeitos envolvidos neste

estudo. Sob uma perspectiva geográfica entendemos que as territorialidades concretas e

simbólicas resultam da relação entre sujeito e espaço vivido, o que nos implica dizer

que o contato entre aluno-aluno, aluno-escola e aluno-currículo possibilita a criação de

novas territorialidades.

De acordo com as colocações de alguns professores o lugar de moradia é um

fator determinante para identificar os alunos do meio rural no cotidiano escolar. Outro

ponto interessante está associado às atividades exercidas pelos pais desses alunos, visto

que, alguns são fazendeiros, caseiros, produtores agrícolas, ou exercem outras formas de

trabalho, que envolve todo o grupo familiar, daí a justificativa para o desinteresse nos

estudos. No entanto, não podemos generalizar os fatos, pois, existem familiares que

trabalham na área urbana, desempenhando funções distintas, que nem sempre estão

ligadas as atividades rurais. O município de São João del-Rei possui cinco distritos

principais, conforme já ilustrado pela FIGURA 01, e agora pelo quadro abaixo:

QUADRO 02

DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG - 2010

Distrito População Distância da Sede (Km)

São Gonçalo do Amarante 1035 18

São Miguel do Cajuru 1106 36

Emboabas 727 35

São Sebastião da Vitória 2208 17

Rio das Mortes 2746 12

Fonte: IBGE (2010), Sinopse por Setores.

As pequenas comunidades mencionadas no quadro 01 são referenciadas a partir

dos distritos que compõe o quadro acima. Conforme a Secretaria Municipal de

Educação de São João del-Rei (SME/SJDR), no ano de 2015 haviam 11 escolas rurais

em funcionamento, porém, somente os distritos de Emboabas e São Miguel do Cajuru

possuíam escolas com ensino fundamental anos iniciais e finais, que passaram a ser

denominadas “centrais”, devido ao processo de Nucleação Escolar.

As demais unidades oferecem as modalidades de Educação Infantil, Ensino

Fundamental anos iniciais ou os dois tipos, conforme a demanda. Ressalta-se que as

sedes distritais de Rio das Mortes e de São Sebastião da Vitória oferecem todas as

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modalidades de ensino, inclusive o Ensino Médio, porém, são gerenciadas pela

Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) estando, portanto, restritas

ao nosso estudo.

A baixa demanda de alunos nas comunidades rurais torna-se um desafio para a

SME/SJDR, que faz o uso de salas multisseriadas, com o intuito de minimizar gastos

excessivos, diante dos escassos recursos financeiros disponíveis, que são repassados

diretamente pela prefeitura. Quanto à merenda das pequenas escolas rurais, não existem

cantineiras, uma vez a comida é feita na cidade e depois é transportada para essas

unidades de ensino. Destacamos que, diferente da saúde pública, o setor de educação

não possui uma secretaria consolidada e autônoma, o que tem se tornado um agravante

para a sua administração e captação de recursos, conforme relatado pelos responsáveis

do setor.

A concentração de grande parte do ensino fundamental Anos Finais nas áreas

urbanas se constitui em um desafio para os alunos do meio rural, na medida em que

precisam enfrentar jornadas de ônibus ou a pé para chegar à escola. Além disso, fatores

como precariedade e impontualidade do transporte escolar, também são alguns dos

desafios relatados pelos alunos, durante nosso período de observação. Assim,

sinalizamos que os alunos do meio rural, sujeitos de nossa investigação se sentem

distantes de sua realidade e, portanto, desinteressados ou conformados com a mesma, o

que na maioria dos casos resulta no abandono dos estudos.

Em contrapartida, existem pais de alunos rurais que acreditam que o ensino das

escolas urbanas pode contribuir de forma mais efetiva para a formação básica dos seus

filhos, dando a eles maiores chances de sucesso profissional e qualidade de vida. É o

caso de um pai, que programou de forma antecipada o agendamento de uma matrícula

para a modalidade de educação infantil. Segundo ele “[ – ] a vida no campo não garante

futuro de ninguém, e quanto mais cedo entrar na escola mais coisas as crianças terão

para aprender”, (Fala de um pai de aluno, residente na zona rural, 2015). Assim, a

cidade tem se tornado um atrativo para uma parcela da população rural, diante das

instituições de ensino básico, técnico ou superior, além das redes de comércio e demais

serviços públicos como, saúde e saneamento, que não são oferecidos no campo.

Martins (2013) e Brandão (2009) realizaram uma trajetória teórica acerca do

conceito de modernidade, a sua “inautenticidade” nos países emergentes, bem como o

seu impacto na vida dos moradores do campo, nos costumes, tradições, crenças e

valores rurais, que aos poucos foram sobrepostos pela cidade e pelo urbano, dada a

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importância das suas “novas” formas, quanto à construção de símbolos, signos e

linguagens de uma sociedade considerada “moderna”. Estamos falando de elementos e

eventos que estão, sobretudo, ligados ao sistema de ensino institucionalizado.

A concentração do ensino nas escolas urbanas e o processo de inclusão dos

alunos rurais se definem, a partir de duas linhas de interpretação. A primeira, em âmbito

normativo, diz respeito às possibilidades de melhor qualidade de ensino, pois, a medida

proposta pela nucleação escolar propõe não somente concentrar o ensino em unidades

“centrais”, mas também oferecer melhor infraestrutura e condições para que o processo

de ensino-aprendizagem ocorra. A segunda, está centrada nos desafios que os alunos do

meio rural encontraram, desde o trajeto para a escola até no contato com o cotidiano

escolar das cidades, que propõem um regime de saber unificado e homogêneo, que não

reconhece o seu cotidiano.

O segundo aspecto apontado linha acima, adquire relevância em nossa

discussão, pois, consideramos que o descaso com a educação rural tem colocado as

territorialidades dos alunos do campo em segundo plano, supervalorizando a vida nas

cidades. Também não concordamos que, separar os alunos por local de moradia seja a

melhor opção. O que queremos sinalizar é que agrupar em uma única classe indivíduos

com diferentes realidades e ‘transmitir’ um único saber científico, inquestionável e

universal implica no processo de domesticação do outro, bem como na negligência ou

exclusão do “diferente”. É nesse ponto que as discussões acerca das teorias curriculares

ganham espaço no cenário educacional e nesse estudo.

6.2.2. O acontecer do espaço praticado na escola através das narrativas

Como já relatado em seções anteriores, no período em que o pesquisador se

dedicou a acompanhar o cotidiano escolar alguns alunos quiseram saber o motivo de sua

presença na sala de aula, nos corredores, no pátio ou no refeitório, fazendo registros

fotográficos, anotações e perguntando a eles o que achavam da escola, qual a

comunidade rural de origem e se, estes se contentavam com seu modo de vida. No

entanto, procuramos não colocar de forma imediata os nossos objetivos, com o intuito

de evitar possíveis situações de desconforto, entre os demais colegas.

Na escola, observamos que o fato de morar na zona rural subordina o aluno a

uma inferiorização de sua cultura, não apenas diante do sistema de ensino ou do

currículo, mas também a partir dos colegas, que residem na área urbana do município

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em questão, que muitas vezes se dirigiam aos alunos como: bicho do mato, menino do

pé vermelho, da roça, jacú, entre outras colocações desqualificadoras e preconceituosas.

Durante as aulas, também observamos que alguns alunos se sentiam ofendidos,

caso a professora ou pesquisador se referissem ao meio rural como roça. Sobre essa

questão alguns resistiram fazendo comentários como: “[ – ] não moro na roça... moro

perto da cidade”; “moro na zona rural” ou “quem mora na roça é o milho e o feijão”

(Fala de alunas, residentes na zona rural, 2015); o que nos remente a passagem do

“caipira e a viola”, contada por José de Souza Martins (2013) na seção anterior.

Sinalizamos que, essas manifestações são o reflexo de uma rejeição histórica do meio

rural, direcionada pela sociedade moderna, que influencia nas identidades daqueles que

o habitam.

Embora tenhamos constatado os desafios dos alunos residentes no meio rural,

diante das críticas, alguns tinham prazer de morar na roça. Tratava-se de filhos de

agricultores que demostravam interesse de permanecer em suas comunidades, mantendo

a sua relação com a família, sobretudo com a terra, onde o tempo é diferente.

Reforçamos essa proposição a partir das considerações de certo aluno ao dizer que “[...]

morar na roça é muito bom, mas tem que ter expediente para trabalhar. Não consigo

nem pensar em morar na cidade. É tudo muito corrido e a gente quase não dorme por

causa do barulho”, (Fala do aluno Pedro, residente na zona rural, 2015).

Contrapondo o relato acima, havia na mesma classe um grupo de alunos da

cidade que remetiam a personalidade desse indivíduo a de um “roceiro”, diante do seu

jeito de falar e se vestir, fazendo deste um motivo de piadas, críticas e deboches. “ O

povo da roça devia ficar por lá mesmo. Aqui na escola eles só sabem falar de cavalo,

boi, planta [...]; sem falar que eles não têm contato com as coisas que temos na cidade,

como internet, computadores e celulares modernos, (Fala de um aluno, residente na

área urbana do município de São João del-Rei/MG, 2015). ”

Também, ocorreram comentários irônicos como:

O José (nome fictício) tá ficando moderno. Ontem mesmo ele

surpreendeu a gente ao falar sobre a saga ‘O Senhor dos Anéis’, pois

assunto com ele tem que ser sobre roça. A gente tá pensando em

convidá-lo para passar uma noite na cidade, para ver se ele sobrevive,

(Fala do aluno Maicon, residente na área urbana do município de

São João del-Rei/MG, 2015).

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Retomando o sociólogo José de Souza Martins (2013, p. 36), destacamos o

momento em que ele rememora sobre as denominações realizadas por Lefebvre e

Guterman, no que diz respeito à “força das formas” que são exercidas sobre o território.

Trata-se de certa vida própria que as diferentes formas sociais e ideológicas adquirem

com o desenvolvimento do capitalismo, na captura do real e do imaginário. É nessa

perspectiva que fazemos uma aproximação com as narrativas acima, onde o fato de

morar em uma comunidade rural remete de antemão a noção de uma sociedade arcaica e

inferior ou típica e folclórica.

Na escola, consideramos que os alunos das comunidades rurais também são

limitados a algumas das atividades extraclasses, como passeios à universidade, visitas

em museus ou participações de peças teatrais, que por motivos diversos precisavam ser

marcadas em ocasiões específicas, em que o transporte não funcionava. São, portanto,

situações que reforçam a dicotomia entre rural-urbano, através da diferenciação entre os

sujeitos, devido ao seu local de moradia, uma vez que, existem alunos que precisam

acordar até três horas antes, para chegar à escola.

A sala dos professores foi outro espaço frequentado pelo pesquisador, que

através do contato direto com os profissionais de diferentes áreas foi possível

acompanhar algumas discussões referentes aos alunos. Alguns docentes ao tomarem

conhecimento do objetivo do trabalho de campo começaram a dar nomes de alunos

rurais considerados “problemas”, fazendo comparações, a partir de elementos como a

avaliação, rendimento escolar e disciplina. A partir desses fatos sinalizamos que os

alunos da zona rural são vistos como “ os atrasados”, quando comparados aos alunos da

cidade.

O parágrafo acima resulta de comentários direcionados aos alunos do meio rural,

partindo dos professores, o que nos leva a entender que o baixo rendimento escolar é o

reflexo do desinteresse ou incapacidade do discente, diante das metas escolares. Nesse

contexto, consideramos que, na medida em que são depositadas as mesmas expectativas

em diferentes alunos às possibilidades de diferenças no desempenho ocorrem, pois, cada

aluno possui um ritmo de aprendizado próprio, independentemente da cor, sexo, local

de moradia ou status social.

A utilização do laboratório de informática torna-se um desafio para os alunos

rurais que, em sua maioria, não possuem computadores, notebooks ou tablets em suas

residências ou, até mesmo aparelhos de celular ou smartphones para o uso próprio. A

questão é que o acesso à internet ou a rede de telefonia móvel não são oferecidos em

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todas as comunidades rurais. Na escola, o uso do laboratório compõe algumas das

atividades, trabalhos, tarefas ou momentos recreativos. Entretanto, devido ao fato de

algumas turmas apresentarem mais alunos que computadores é necessário agrupar dois

ou mais indivíduos em cada aparelho.

Eu não gosto de dividir o computador com o colega da roça não,

porque além dele não saber mexer acaba atrapalhando a gente.

Quando podemos escolher o parceiro a gente prefere ficar com os da

cidade, agora quando a professora obriga a misturar com os alunos da

zona rural parece que o trabalho rende menos, por que geralmente o

aluno que sabe mexer acaba fazendo tudo sozinho. Isso é injusto!

(Fala de um aluno, residente na área urbana do município de São

João del-Rei/MG, 2015).

A aplicação de alguns conteúdos e matérias escolares também causam

estranhamento nos alunos rurais que, muitas vezes não se manifestaram durante as

aulas. Segundo a professora de geografia, existe uma diferença de desempenho entre os

alunos do campo e os da cidade, pois, “[...] sempre que chega no final do bimestre mais

da metade dos alunos da roça ficam de recuperação e, os da cidade nem tanto” (Fala de

uma professora, em ocasião de provas bimestrais, 2015). A professora acredita que,

como a maioria dos alunos do meio rural precisam trabalhar para ajudar a família, sobra

pouco tempo para os estudos.

Nas conversas realizadas com professores de outras áreas encontramos relatos de

situações semelhantes aos já apresentados, os quais muitas vezes são tratados como

normais, devido ao desinteresse do aluno. “[...] os alunos deveriam levantar as mãos

para o céu e agradecer a condição do ensino! Antigamente, a escola não oferecia

caderno, borracha, lápis, transporte público e nem merenda. Hoje em dia não estuda

quem não quer”. (Fala de uma professora no momento do intervalo, 2015).

Os eventos e falas até então apresentados nos permitem sinalizar que a maioria

dos professores concordam com o fato de que a escola precisa de uma estrutura

hierárquica, definindo funções e limites para cada indivíduo, sobretudo no ato de

ensinar e aprender, semelhante ao modelo de escola elaborado pela pedagogia

tradicional, no início do século XX, (SILVA, 2010).

Refletir sobre a existência do currículo no sistema de ensino é pensar que a

escola também é um espaço de luta e de afirmação de identidades (ou territorialidades)

que tendem a ser “modeladas” diante de um regime de saber, imposto pelo próprio

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currículo, que se materializa na prática cotidiana escolar, sob forma de poder. O poder

torna-se um agente regulador do espaço-tempo escolar, seja através de uma grade de

conteúdos somadas a prática docente, das metas escolares e dos dispositivos

disciplinares (FOULCAULT, 2011). Em contrapartida, o micro poder se exerce através

do aluno, que resiste e se estranha diante de um contexto diferente do seu, oferecido

pelo sistema de ensino institucionalizado. Inferimos que, esta seja uma das vias de

explicação para o caso do aluno indisciplinado e desinteressado.

Durante o período que convivi nas aulas de geografia apenas um tema

trabalhado mencionava a questão do campo e do espaço rural, porém, sob uma

perspectiva setorial 15. O papel do campo se definiu através de conceitos-chave como

mercadoria, ‘celeiro do mundo’, agronegócio, economia e afins. Percebemos o

estranhamento dos alunos através de falas como: “[...] até parece que lá em casa tem

máquinas desse tamanho”, “olha o tamanho das terras”, “onde está o povo que trabalha

nas plantações”?; “o meu pai trabalha na lavoura desde menino e nunca ficou rico! ”

(Fala dos alunos do 7º ano, durante as aulas de geografia, 2015).

Nossa observação dos alunos filhos de agricultores familiares nos leva a pensar

que eles não reconhecem o seu cotidiano através dos temas abordados pelo livro

didático, sinalizando que, a necessidade de uma contextualização por parte dos

professores também é importante. Enfatizamos a necessidade de uma abordagem

geográfica, como meio de reflexão dos fatos acima mencionados, para que o aluno

entenda que, apesar da grande influência tecnológica, da informação, das redes, dos

sistemas produtivos agrícolas de alcance internacional as condições para o seu acesso

ocorrem de forma desigual, pois vivemos em uma sociedade capitalista e perversa, em

que a igualdade social se faz presente apenas no discurso.

Como se pode observar a lógica capitalista e a sua racionalidade criam

tendências e novas formas de ser e pensar o/no espaço, agora sob a óptica do consumo e

da competitividade. Enquanto isso, os símbolos e signos que antes caracterizavam os

lugares foram sobrepostos por outros, que agora pretendem dominá-los. Ao

considerarmos a colocação dos docentes diante da ideia rural como sinônimo de atraso e

carência, lugar de sujeitos trabalhadores da terra, que não possuem interesse ou

conhecimento sobre a sociedade urbana lembramos da crítica realizada por Leite (1999,

15 Conteúdo estudado pelos alunos do 8º ano (A e B) do Ensino Fundamental, anos finais, 2015.

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p. 14), diante do descaso que as populações rurais têm sofrido, ao dizer que: “[...] gente

da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade”

Os lugares, as relações de solidariedade e de vizinhança, tornaram-se “coisas” ou

“partes de um “mundo imaginário” e, o que antes se sustentava a partir das tradições,

agora foram transformadas em folclore. Como dizia Brandão (2009, p. 48):

Os lugares rurais são espaços de passagem, e servem mais a um

trabalho impessoal do que a própria vida. E a natureza é um referente

ora distante demais, ora hostil o bastante para valer apenas quando

dominado, apropriado e destruído.

Ainda na escola procuramos conhecer o seu Projeto Político Pedagógico (PPP),

documento que encontramos dificuldades para o seu acesso, mesmo se tratando de um

arquivo que deveria ser de domínio público. Apesar das dificuldades, obtivemos uma

cópia do manuscrito, cuja atualização era do ano de 2008.

Nesse momento nos deparamos com a seguinte questão: será que o perfil da

escola ainda se mantém o mesmo, desde a sua última versão? O Portal Educação (2016)

considera que toda escola precisa ter o PPP, pois este é a “identidade da escola”, de

modo que a suas diretrizes também devam apresentar coerência com o seu cotidiano,

bem como propor objetivos, metas e controle dos resultados a serem alcançados.

Retomando alguns dos elementos que compõe a “forma” ou a “força das

formas”, tratados por Martins (2013), associamos que na escola os documentos,

manuscritos, currículos, normas e regimentos não são apenas arquivos que obedecem a

uma mera formalidade do campo burocrático, administrativo e político. Na escola, o

currículo se constrói como discurso, ora presente, ora distante da prática do seu

cotidiano, por isso que algumas temáticas são abordadas no lugar de outras. O currículo

não é apenas um documento ingênuo, mas uma ferramenta de construção social,

portanto, implicado em relações de poder, como nos faz lembrar Silva (2010).

As narrativas dispostas pelos alunos do campo, sujeitos de nossa investigação, e

dos demais profissionais que compõe o cotidiano escolar constituem o nosso método de

pesquisa, dado o período de observações, análises, conversas informais e aplicação do

questionário, que possibilitaram uma aproximação do seu contexto. Apesar das políticas

de inclusão propostas no âmbito normativo a nossa experiência enquanto pesquisador e

professor nos permite notar o distanciamento entre as teorias e a prática efetiva. O

discurso que conduz o cotidiano escolar se perde diante das diferenças, no espaço

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praticado da escola, quando esta negligencia as territorialidades dos alunos (em especial

os do campo) por serem diferentes.

Os desafios apresentados pelos alunos residentes em diferentes comunidades

rurais são vistos por nós como o resultado de ações políticas que valorizam grupos em

detrimento de outros, no qual o currículo se transforma em instrumento de domesticação

do sujeito, classificando-o como atrasado ou não. Portanto, esses indivíduos são vistos

por nós como minoritários, pois, mesmo que em termos quantitativos estes representem

a maioria dos alunos que compõe o cotidiano escolar também são inferiorizados diante

do seu modelo de ensino.

6.2.3. ENTREVISTA: Justificativa para a aplicação dos questionários

Em vários momentos desta pesquisa apontamos o período de observações no

espaço-tempo escolar, a convivência, as conversas informais e o acompanhamento das

aulas de geografia como fundamentais para a elaboração do roteiro de entrevista,

exequível e coerente.

As questões tratadas no questionário deram enfoque aos aspectos subjetivos do

aluno, como emoções, planos e expectativas. Também abarcamos questões que dizem

respeito às condições da mobilidade desse indivíduo até a escola, a possível existência

de alguma unidade de ensino mais próxima de sua residência, o porquê de estudar em

uma escola urbana, a sua maneira de se relacionar com os demais colegas, os conteúdos

de geografia de sua preferência, entre outras que representassem os desafios ou as

potencialidades e, que justificassem sua jornada na escola.

A importância da entrevista ou questionário como procedimento metodológico

está na flexibilidade das formas que ambos podem assumir, de acordo com a

intencionalidade do condutor, segundo Gil (2010). A importância do roteiro

previamente elaborado minimiza as chances de ocorrer alguma confusão durante a sua

execução. Por essa razão, optamos em conduzir nossa entrevista a partir de

questionários-roteiros, com perguntas semiabertas.

Quanto ao tipo de amostragem, seguiremos o modelo “não probabilístico”

também indicado por Gil (1999), pois sua execução não envolve elementos matemáticos

ou estatísticos e, tampouco, quantificações de elementos da pesquisa, ou comparações.

Os questionários foram aplicados a todos os alunos do campo, porém, esclarecemos que

esse procedimento metodológico não dará enfoque às representações numéricas

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117

precisas, mas sim ao conteúdo dos resultados analisados, visto que nossa pesquisa é de

caráter qualitativo.

6.2.4. Sistematização dos Questionários – 1ª Etapa de Campo

A aplicação dos questionários aos alunos do ensino fundamental anos finais foi

um importante procedimento metodológico, pois nos permitiu analisar diferentes

perspectivas, as quais não puderam ser observadas durante as atividades de campo, que

foram realizadas na escola. A opção pelo questionário de natureza impessoal se mostrou

importante, não somente para preservar a identidade dos alunos envolvidos no estudo,

mas também por garantir a eles maior espontaneidade e liberdade em suas respostas e

opiniões. Como mencionado na seção anterior, o questionário foi elaborado com

perguntas semiabertas, oferecendo ao entrevistado a oportunidade de nos explicar o

porquê da opção selecionada.

As perguntas elaboradas pelo pesquisador tiveram por finalidade captar eventos

ou situações, no que diz respeito aos desafios vivenciados pelos alunos da zona rural em

sua jornada de estudos, na escola urbana; às condições oferecidas pelo transporte

escolar; a possível existência de alguma escola, na comunidade rural de origem, ou, pelo

menos que tenha menor distância com relação a sua casa; o papel da geografia (e

demais disciplinas escolares) para a compreensão da realidade desses indivíduos; a sua

relação com os alunos da cidade; os projetos, emoções e perspectivas com relação ao

seu futuro; as atividades que são desempenhadas pelos familiares, etc. A versão

completa do questionário está disponível ao final do trabalho, sob a forma de anexo.

Optamos por aplicar os questionários somente aos alunos do meio rural, pois,

esses sujeitos estão no centro da nossa pesquisa e, considerando que a utilização de uma

caderneta de campo, também se mostrou suficiente para descrever as situações, tramas,

eventos e impressões, que chamaram a atenção do pesquisador, durante o período de

convivência no cotidiano escolar, das quais envolviam tanto os alunos da zona urbana

quanto os da zona rural. Em vários momentos foram registradas situações em que os

alunos entraram em atrito, por questões relacionadas ao lugar de moradia, embora

também houvessem momentos de amizade, solidariedade e companheirismo entre os

mesmos, o que nos levou a considerar que nem sempre o contato com os alunos da área

urbana significa um conflito.

No ano de 2015, a Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” contava com

139 alunos no total, distribuídos em 07 turmas do ensino fundamental – anos finais, da

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rede pública de ensino. Deste total aproximadamente 60% vinham de diferentes

comunidades rurais, por motivos diversos, o que corresponde a 77 alunos. A divisão das

salas se diferenciava entre A e B para as turmas do 6º, 7º e 8º ano, restando uma para o

9º. Todas as turmas fizeram parte do roteiro de observação, realizado pelo pesquisador

e, todos os alunos da zona rural responderam os questionários, que foram aplicados no

último mês da 1º etapa de campo (outubro de 2015).

Constatamos que, na medida em que o grau de escolaridade dos alunos do meio

rural avançava, maiores eram os desafios vivenciados por eles, no que diz respeito ao

transporte escolar, a jornada de estudos, a relação entre os colegas, professores,

disciplinas (ou matérias, como os alunos costumam se referir), e direção escolar.

Muitas vezes a gente desanima dos estudos, e não é à toa. Sempre

chego na escola atrasado e quando chove a gente nem costuma chegar,

por isso me sinto envergonhado quando vejo os meus colegas da

cidade mais adiantados nas matérias. Aí quando chega na época das

notas fico de recuperação, e os meus colegas vão para a quadra, para a

sala de computação e até para casa, adiantar as férias. Cansei de

discutir com os outros que não sou um jeca, só porque moro na roça. E

ainda tenho que gostar de estudar... (Fala do aluno Rogério,

residente na zona rural, 2015).

A fala acima resume situações de alunos que, muitas vezes foram reprovados,

ou, que estudam nesta escola desde os anos iniciais do ensino fundamental (1ª ao 5ª

ano), e de alunos recém-chegados, de escolas rurais que não ofereciam a segunda etapa

desta modalidade de ensino.

Os impactos da nucleação escolar, abordados nesta pesquisa como parte do

problema, compõe o nosso roteiro de perguntas, para conhecer alguns dos desafios

referentes à nova jornada de estudos dos alunos do meio rural, através dos relatos de

situações vivenciadas por eles. Em síntese, os alunos teriam que responder questões

sobre a presença de escolas próximas de sua residência, as condições oferecidas pelo

transporte escolar, tanto em termos de custo quanto em qualidade e ainda, situações que

impossibilitaram a chegada desses indivíduos na escola, por motivos diversos.

Abaixo, os gráficos 1, 2 e 3 compõem o bloco de perguntas referentes às

condições oferecidas pelo transporte escolar. As quantificações das respostas

contribuem para a ilustração da situação acima mencionada, da mesma forma que, os

respondentes também tiveram a oportunidade de justificar o porquê da opção escolhida,

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119

as quais envolveram eventos particulares que, apenas os alunos que fizeram parte desta

rotina puderam relatar.

Diante das respostas constatamos que, embora o transporte escolar seja gratuito

na maioria dos casos, não deixa de apresentar dificuldades de toda a sorte, para a grande

maioria dos alunos, as quais muitas vezes tornaram-se um obstáculo para sua chegada a

escola.

Gráfico 01

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

No momento em que perguntamos sobre o custo que envolvia o uso do

transporte escolar constatamos que 16% dos alunos entrevistados pagavam pelo serviço,

seja para a empresa de transportes interurbanos, interdistritais ou, para alguma

microempresa que oferece o serviço. A maioria destes indivíduos situam-se na Colônia

do Bengo, São Caetano, no distrito de São Gonçalo do Amarante, Comunidade do Fé e,

Sítio Morro do Vento (logradouro).

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Gráfico 02:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

No gráfico 02, que trata sobre a qualidade do transporte oferecido aos alunos da

zona rural é possível observar que mais da metade dos alunos entrevistados consideram

o serviço de transporte escolar, de baixa qualidade, pois:

“[...] os ônibus são sujos, velhos e estragam pelo menos uma vez por mês. As

vezes preciso viajar em pé porque o transporte fica muito cheio! ” (Fala do aluno

André, residente na zona rural, 2015). Para a Aluna Laura, também residente na zona

rural: “[...] os carros que buscam a gente na roça são desconfortáveis, não têm cinto de

segurança, e atrasa quase todo dia, ou por causa do barro (em períodos chuvosos) ou

porque estragou no caminho”.

O gráfico 03, ilustra a ocorrência de eventos que envolvem o transporte escolar,

os quais impossibilitaram a chegada dos alunos da zona rural na escola. O expressivo

percentual de alunos envolvidos nesta questão se mostra importante, pois é a partir dele

que podemos entender (ou justificar) os gráficos 1 e 2, já apresentados acima.

Reforçamos que, fatores como: período de chuvas, a ocorrência de defeitos nos veículos

ou o envolvimento de acidentes de baixa intensidade (mesmo que esporadicamente)

compõem a maior parte dos relatos apresentados pelos alunos entrevistados.

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121

Gráfico 03:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

Abaixo seguem alguns dos episódios vivenciados e relatados por alguns alunos

entrevistados, que segundo eles se tornaram comuns, com o decorrer do tempo:

“[...] teve uma vez que choveu demais, tinha muita lama e o ônibus não desceu no

morro, onde costumo esperar por ele. Por isso, tive que voltar para casa, (Fala da aluna

Maíra, residente na zona rural, 2015) ”.

“[...] deixei de ir à escola várias vezes, pelo fato da estrada ser ruim e o transporte não

conseguir passar no ponto, (Fala do aluno Maicon, residente na zona rural, 2015) ”.

“[...] O ônibus sempre atola em época de chuva, (Fala da aluna Isabela, residente na

zona rural, 2015) ”.

“[...] teve uma vez que o pneu estourou e, eu cheguei na escola atrasado (Fala do aluno

Marcos, residente na zona rural, 2015) ”.

“[...] o carro não passou no ponto, porque estragou o cabo do acelerador, (Fala da aluna

Emily, residente na zona rural, 2015) ”.

“[...] no mês passado o ônibus pegou fogo no meio do caminho, (Fala do aluno Júnior,

residente na zona rural, 2015) ”.

As colocações dos alunos aqui apresentadas e descritas são preocupantes, e,

muitas vezes ao encontro da crítica realizada por Leite (1999, p. 14), ao dizer que:

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A educação rural no Brasil, por motivos socioculturais, sempre foi

relegada a planos inferiores e teve por retaguarda ideológica o elitismo

acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a

interpretação político-ideológica da oligarquia agrária, conhecida

popularmente na expressão: “gente da roça não carece de estudos. Isso

é coisa de gente da cidade”, (grifo nosso). “

Quando perguntado aos entrevistados se eles gostavam de estudar em uma

escola urbana, foi possível observar que grande parte dos alunos reagiu de forma

positiva. Mesmo que as precárias condições oferecidas pelo transporte signifiquem

obstáculos para a jornada de estudos (ou permanência) para os alunos do meio rural,

estudar em uma escola urbana é visto como vantajoso, diante das possibilidades que

esta pode apresentar, pois, “[...] este é o primeiro passo para iniciarmos uma vida

melhor que a da roça, além de conhecer pessoas novas”, conforme justificado pelo

aluno Alex (nome fictício).

Entre os alunos que se mostraram favoráveis, diante da rotina de estudos em

uma escola urbana muitos consideram que o ensino dessas instituições é composto por

profissionais mais preparados e, melhor que nas escolas rurais. Ou seja, pouco importa

se o lugar ou existência desses indivíduos é discutida, ou sequer lembrada, no cotidiano

escolar, visto que, a preparação do aluno para o vestibular ou para o mercado de

trabalho estão entre as prioridades da escola.

[...] não adianta oferecer um método de ensino específico para os

alunos da zona rural, pois, quando eles entrarem no ensino médio, da

rede estadual de ensino, a realidade será completamente diferente,

(Fala de uma professora, da rede municipal de ensino de São João

del-Rei, 2015).

Outros alunos apresentaram opiniões contrárias às mencionadas no parágrafo

acima. Para esses indivíduos o fato de acordar cedo, enfrentar situações de risco – como

ir à aula em períodos chuvosos – ser alvos de piadas e comentários preconceituosos,

vindos dos colegas, ou até mesmo dos próprios professores, as dificuldades nas

matérias, contribuem para o desinteresse dos mesmos pelos estudos. “[...] meu pai me

obriga a estudar, me acorda cedo e até me leva no ponto! Ele sempre diz que quer que

eu me torne alguém na vida” (Fala do aluno Marcos, residente na zona rural, 2015).

Ou seja, a concepção de rural como sinônimo de atraso muitas das vezes tornam-se

parte das considerações dos seus próprios moradores.

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Além dos questionários aplicados aos alunos do meio rural, no decorrer das

atividades de campo, os eventos e impressões registradas na caderneta de anotações,

utilizada pelo pesquisador, demostraram casos de bullying, comentários preconceituosos

e momentos de conflitos entre alunos rurais e urbanos, em todas as turmas do ensino

fundamental anos finais. No entanto, reforçamos que, a socialização entre alunos rurais

e urbanos também fazem parte do cotidiano da escola, que escolhemos para a realização

da pesquisa.

Abaixo, no gráfico 04, é possível observar que cerca de 70% dos alunos

entrevistados já sofreram bullying, ou foram alvo de algum tipo de preconceito, pelo

fato de serem da roça e estudarem na cidade. Consideramos que, as situações de

inferioridade e constrangimento aos alunos rurais, diante dos demais, é algo comum na

escola pesquisada.

Apesar dos gráficos não serem o principal meio de análise dos questionários

aplicados, acabam ilustrando – mesmo que, por meio de quantificações – alguns dos

desafios enfrentados pelos alunos do campo em uma escola urbana. A fundamentação

teórica que sustenta este estudo somada à vivência do pesquisador, durante o trabalho de

campo, nos tem permitido analisar como que as políticas de inclusão se transformam em

exclusão do outro.

Gráfico 04:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

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Quando perguntamos sobre os projetos para o futuro, a maioria dos alunos

demostraram interesse em continuar vivendo no campo, seja trabalhando na agricultura,

junto dos pais, em serviços que envolvam o uso de maquinários (de pequeno porte) ou

até mesmo em atividades urbanas, desde que a morada permanente na roça ainda seja

possível. Porém, ressaltamos que, também existe uma parcela de alunos que pretendem

cursar alguma faculdade, na esperança de que o diploma de curso superior pode garantir

maior conforto e, melhores condições de vida, ou, simplesmente aquele aluno que ainda

não havia pensado sobre o assunto ou, que pretende apenas concluir o ensino

fundamental – anos finais.

Uma questão importante, que merece espaço em nossa discussão, está nas

atividades desenvolvidas pelo grupo familiar dos alunos do campo. Através do gráfico

05 é possível observar que mais da metade desses indivíduos ainda trabalham no

campo, pois, mesmo que o plantio de lavouras não esteja entre as suas prioridades

outras formas de viver no rural foram incorporadas, com vistas à geração de emprego e

renda, como é o caso dos frentistas, intermediários, tratoristas e os lavradores, conforme

relatado pelos alunos.

Gráfico: 05

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

Outra parcela desta população se divide em dois segmentos: o primeiro

representa os agricultores produtores de hortaliças, leguminosas cereais e frutas

diversas, mantendo a família como a sua fonte primária de mão de obra. A renda

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familiar é adquirida por meio das vendas para os mercados situados na área urbana de

São João del-Rei, algumas cidades mais próximas ou para as Centrais de Abastecimento

do estado de Minas Gerais (CEASAMINAS), localizadas nas cidades de Barbacena e

Belo Horizonte.

Ainda existe um grupo que se dedica às atividades urbanas, trabalhando como

pedreiro, servente, marceneiro, auxiliar de serviços gerais, cuidador (a), soldador,

faxineiro (a), industrial, funcionário público, etc. Também constatamos que, algumas

famílias rurais de situação econômica mais confortável, costumam ter outra casa na área

urbana, que é visto como uma forma de aumentar a renda familiar, através da

arrecadação de aluguel, ou até mesmo para o caso de alguma doença, ou simplesmente

para passeios.

A finalização deste questionário envolveu uma pergunta de caráter subjetivo, ou

melhor, aquela que somente o respondente poderia relatar, pois, diz respeito à condição

de sua própria vida. Partimos dessa consideração diante do foco central deste estudo,

que é dar voz aos sujeitos de nossa investigação, através das narrativas. Em síntese,

procuramos saber se o aluno gostava de morar na zona rural e, se na sua opinião, a vida

na cidade era melhor que a do campo.

Gráfico 06:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.

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Com base no gráfico acima é possível observar que, mesmo diante dos desafios

vivenciados pelos alunos do campo, durante a sua jornada de estudos, a maioria dos

entrevistados gostam do lugar de onde vivem.

As conversas informais e os registros levantados em campo nos ofereceram

pistas de que o contato com lugar, as experiências, representações, costumes são

diferentes aos olhares da cidade, embora se deva lembrar que, o modo urbano de viver

também não pode ser absorvido pelos moradores do campo em sua totalidade e,

portanto, poderá ser visto de forma diferente por esses sujeitos.

Morar na roça não é ruim da forma que as pessoas pensam. O

problema é que lá não tem recursos, como escola, hospital e

supermercados. Durante o dia tudo é muito chato, pois sempre temos

que fazer as mesmas coisas. Por outro lado, a noite é mais tranquilo e

seguro, sem falar do ar puro. (Fala do aluno Lucas, residente na

zona rural, 2015).

Lá na roça não tem que trancar o portão, com medo de bandido. Tem

dia que a gente fica na janela, olhando para a estrada de terra, as

montanhas e a lagoa que meu pai cria peixes. Todo mundo tem

expediente para trabalhar. Aos domingos, depois do almoço, a gente

se diverte pescando, e é assim o resto do dia, (Fala do aluno Pedro,

residente na zona rural, 2015).

Outros comentários positivos sobre a vida na roça também merecem destaque,

como:

“[...] amo a vida no campo e não troco nunca pela cidade. Onde eu moro, o

lugar é muito bom e a vida é bem tranquila, e o tem ar puro”; “[...] me acostumei com a

tranquilidade do campo, mas um dia quero sair de minha cidade, para estudar e depois

voltar”, por que lá não tem poluição, é agradável, (Fala de alunas, residentes na zona

rural, 2015).

Por outro lado, alguns alunos não gostam de morar no campo e, veem na escola

urbana a possibilidade de dar o primeiro passo para uma vida diferente, a partir de

outros recursos. Embora não haja uma regra geral, que justifique a resposta negativa dos

alunos entrevistados inferimos que, o grupo familiar muitas vezes desacreditado com a

vida na roça, possui um importante papel para a projeção do futuro dos filhos, com

vistas a uma melhor qualidade de vida. Essa consideração é reforçada a partir do relato

do aluno Carlos, da comunidade de Caxambu (2015):

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[...] onde eu moro é longe de tudo! Não tem mercado ou ponto de

ônibus perto. Geralmente eu estudo de manhã e trabalho na roça com

o meu pai o resto do dia e, não dá para fazer as duas coisas bem-feitas

ao mesmo tempo. Às vezes nem tem como fazer o dever de casa ou,

estudar para uma prova no dia seguinte, e o resultado é sempre o pior.

O meu pai me diz para eu me esforçar muito na escola, por que só ela

poderá garantir o meu futuro.

Uma aluna da mesma turma compartilhou a sua experiência, através do

questionário, ao dizer que:

O pior de morar na roça e estudar na cidade é o tanto que somos

comparados, inferiorizados, deixados de lado, principalmente em

algumas atividades nos finais de semana, em que o ônibus não passa.

Sempre me sinto excluída e acho isso injusto, por que não sou inferior

a ninguém! [...] tudo isso só me tem feito gostar menos de morar na

zona rural. Antes eu morava na cidade e adorava fazer piadinhas com

os meus colegas. Chamava-os de pé vermelho, atrasados e boias-frias

[...] agora sinto na pele, o quanto é difícil morar na roça. (Aluna

Carla, residente na zona rural, 2015).

A partir dos relatos acima é possível observar que, da mesma forma que alguns

alunos se sentem seguros, morando na zona rural, outros se sentem desprotegidos e

vulneráveis, muitas vezes sob justificativas contrárias as dos outros respondentes,

alegando a falta de liberdade, tédio, isolamento, o medo de animais ou crimes, devido à

falta de policiamento.

A falta de acesso a tecnologias, a rede de internet e, em casos específicos a falta

de rede de telefonia móvel, também contribuem para desgosto da vida na roça. “[...]

morar na zona rural é entediante, pois, não tem uma praça para conversar com os

poucos amigos que tenho por perto, ou, Wi-Fi aberto [...]. Na minha opinião morar na

roça é atraso de vida! ” (Fala do aluno João, residente na zona rural, 2015).

O desejo de morar na cidade tem sido visto pelos alunos rurais como um meio

adquirir melhores condições de vida, emprego e realização pessoal. Por concentrar

maior número de casas, pessoas, lazeres, serviços, tecnologias, possibilidades de estudo

e profissionalização a vida urbana supera a rural, na perspectiva da maioria dos alunos

e, torna-se uma solução para os problemas. Nas palavras de uma aluna do 9º ano: “[...]

as condições de vida na cidade são melhores, pois lá tem mais lugares para ir, empresas

e hospitais”.

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O sentimento de inferioridade relatado pelos alunos do campo nem sempre parte

dos alunos da cidade, mas também de alguns professores, gestores, serviçais e dos

próprios colegas, que moram em outras comunidades rurais. Para os alunos em questão,

estudar em uma escola urbana é uma questão de adaptação e de necessidade, pois, o

contato com melhores infraestruturas e tecnologias – como o laboratório de informática

– significa maior preocupação com a formação do aluno, por isso que os desafios

vivenciados pelos alunos do campo nem sempre são vistos como uma obrigação, mas

como uma alternativa para o sucesso profissional.

A ênfase desta pesquisa em “dar voz dos alunos do meio rural”, por meio das

narrativas, está na riqueza de detalhes que são oferecidos ao leitor através da descrição,

que adquire importância a partir de quem a descreve. A costura entre o espaço vivido,

os sentidos, as recordações (boas e ruins), as práticas espaciais e o cotidiano revelam um

mundo de identidades múltiplas, a partir do modo como se percebe e se vive no próprio

mundo. Assim, a Geografia Humanista Cultural se encontra na concepção de espaço e

de lugar, pois, leva em consideração os aspectos objetivos e subjetivos na experiência

vivida e, é nesse ponto que as descrições densas ganham visibilidade nesta pesquisa.

No entanto, o cotidiano escolar interfere nessa realidade, através do currículo e

suas prioridades, por isso que retomamos a ideia de que a escola tem realizado um

sequestro da experiência de “si” dos alunos (rurais e urbanos), a partir do momento em

que esta propõe um cotidiano próprio, pautado em modelos e metas, a fim de alcançar o

padrão de qualidade desejado.

2ª Etapa do Trabalho de Campo: O rural desconhecido pelo currículo escolar

6.3. “A História não contada de quem também Existe: O Acontecer Cotidiano do

Espaço Rural”

“Viver um tempo, pensar um espaço, estar num lugar”

(BRANDÃO, 2009, p.15)

Esta, é uma reflexão introdutória, memorada por Carlos Rodrigues Brandão

(2009), que nos instiga a pensar, refletir e conhecer sobre alguns dos elementos que

compõe o cotidiano dos alunos rurais, que estudam na escola urbana, escolhida para a

nossa pesquisa. Não estamos falando do aluno enquanto mero espectador dos fatos e da

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realidade como um todo, mas como um sujeito único, na condição de agente

transformador da sociedade, dotado de vivências e experiências próprias, apresentando

espaços e tempos distintos, porém distantes da escola, que os considera como sujeitos

desconhecidos.

Nossa busca por histórias, pistas, sinais, fatos, tramas, eventos e demais

elementos referentes ao cotidiano dos alunos do campo caracterizam o nosso trabalho

dando “voz” as suas narrativas. Mas, onde esses indivíduos vivem? Quais condições de

vida envolvem o cotidiano desses sujeitos? E a escola, o que tem feito para dar

“sentido” a presença desses alunos em seu cotidiano? Essas são algumas das perguntas

que pretendemos pensar nesta seção, por meio das impressões adquiridas pelo

pesquisador, no decorrer das atividades de campo, na análise dos questionários, que

foram aplicados aos alunos da Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”, e através

das visitas realizadas em comunidades rurais, do município se São João del-Rei, as

quais os alunos saem para a escola urbana e retornam diariamente.

As comunidades rurais estão distribuídas nos distritos de São Gonçalo do

Amarante, Emboabas e Arcângelo (ou Cajuru), e guardam características particulares,

seja nas tradições religiosas ou nas táticas de sobrevivência desses moradores. A

diferença entre as comunidades se mostra através das casas, dos santos padroeiros, das

festividades, no modo como cada pessoa cria os meios para extração de renda, como

bares, mercadinhos, pesque-pague ou, simplesmente pela troca simples, de produtos

cultivados nas pequenas hortas de fundo de quintal, pelos compadres e comadres. São

nesses espaços que se torna possível observar como a relação com a vizinhança

fortalecem a vida de cada pessoa.

Os desafios começam, a partir do momento em que os filhos desses moradores

crescem, e as comunidades rurais deixam de oferecer as modalidades de ensino

adequadas para a sua faixa etária. Este é o momento de buscar novos caminhos, e de se

relacionar com outras pessoas e lugares que somarão novas experiências. Na escola

urbana, o sistema de ensino institucionalizado promove um ritmo diferente, em que

todos os alunos, independente do lugar de moradia devem se enquadrar. Os sujeitos de

nossa pesquisa, filhos de sitiantes, vaqueiros, agricultores, boias-frias e candeeiros se

deparam com um novo modo de ser e fazer, em nome de uma nova racionalidade, que

cria formas diferentes de pensar o cotidiano.

O estranhamento a determinada cultura, tradição e crença são comuns, sob a

condição de que o cotidiano se constrói através das relações, dos encontros,

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desencontros e, sobretudo a partir da interação, entre homem, lugar e vizinhança

(MARTINS, 2013), (CARLOS, 1996). Por outro lado, no sistema de ensino, o discurso

curricular que se diz emancipador, impõe uma visão diferente da sociedade, através da

domesticação e homogeneização das massas, que acabam distorcendo ou deformando

realidades, muitas vezes retirando-lhe o sentido.

Nossa tentativa de amarrar os eventos às narrativas densas se fundamenta

através das discussões teóricas de autores como Santos (2002), Brandão (2007, 2009),

Martins (2013), Carlos (1996), entre tantos outros estudiosos que através de métodos,

análises teóricas e empíricas, se dedicaram a compreender os diferentes cotidianos.

Falar de cotidiano, significa promover uma articulação e, se necessário uma

releitura dos diferentes espaços tempos, organizações sócio espaciais, levando-se em

conta a vivência e a história de cada sujeito. Apesar dos aparelhos normativos como

currículos, decretos e leis se mostrarem desatentos quanto à multiculturalidade presente

nas escolas, sabe-se que por trás dos fatos o exercício do poder torna-se evidente neste

processo, de tal forma que o silenciamento de certos grupos é consequência de seus

efeitos (FOUCAULT, 2011).

Em visitas ao rural, à beira da estrada, vimos diversas casas, ora se agrupando

em pequenos números, ora se distanciando, alcançando espaçamentos quilométricos. As

janelas de frente para a estrada (ou ruas), o costume de sentar-se no passeio, de se

encontrar com o vizinho, nos dias de domingo, a fim de um bate papo descontraído, a

pescaria do fim de tarde no ribeirão que corta o vilarejo, ou simplesmente o fato de

observar a chuva se aproximando da casinha simples, a começar pela serra bem à frente,

resultam da manifestação dos sentidos, das experiências e vivências desfrutadas por

homens, mulheres e crianças simples, que guardam um mundo, na porta de casa e, que

brevemente nos foi apresentado.

Todavia, a ação do tempo sobre os espaços distintos impulsiona o surgimento de

outras formas, que testemunham novas condições para se viver nos lugares. A chegada

da internet e da telefonia, por exemplo, ainda que em pontos isolados, contribuíram para

distanciar os vizinhos fazendo da cidade um novo atrativo. Assim, as novas gerações

encontram no urbano a possibilidade de uma vida melhor. Em contrapartida, o olhar

desencantado para o campo tem tomado conta dessa mocidade, que muitas vezes ao

chegar à escola urbana demonstram o sentimento de vergonha, no momento de falar:

“eu moro na roça”.

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[...] eu deixaria tudo aqui na roça, sem ter que pensar, só para morar

na cidade [...] deixaria de ajudar os meus pais com as hortaliças e com

os animais, para correr atrás de uma casa de família para trabalhar, no

que for preciso. Só de morar na cidade já está bom! (Fala da Aluna

Maíra, residente na zona rural, 2015).

A aluna da fala acima, nos permite inferir que a noção de conforto não está na

posse de uma casa, com uma horta no fundo do terreno e um mato para buscar lenha ou

ervas curandeiras. Falar de qualidade de vida tem se tornado cada vez mais sinônimo de

acessibilidade, a tecnologia e rapidez, ao movimento urbano, com a sua iluminação

densa, no cair da noite. Trocar a pequena praça, o passeio, o campo, a estrada de pedra

ou de chão batido por um shopping center é o que há de moderno, sob o conceito de

lazer. É assim que se constroem novas perspectivas e visões de mundo, solidificando a

afirmação de que “morar na roça não dá mais”. Daí, surge a necessidade de buscar

novos lugares.

Brandão (2009) e Santos (2002) lembram que, nós diferentes dos animais temos

uma capacidade de projeção. O homem se apropria do espaço, pensa e o modifica

através das ações, transformando-o em lugar. A diferença entre o habitar e o residir se

estabelece a partir do momento em que o primeiro diz respeito ao vínculo, afeição,

prazer, afinidade. “[...] habitar. Criar um lugar onde pessoas, famílias grupos e

comunidades reúnem-se para conviver (BRANDÃO, 2009, p. 20) ”. O residir, por outro

lado, se define pela necessidade de estar, independente do querer, pensar e sentir.

Criar o espaço-do-habitar equivale a erguer do chão um lugar que

conquistamos, de que nos apropriamos e que transformamos, como

querem alguns. [...] criar tal espaço significa “trazer a ele os deuses

dos homens”; dar aos deuses uma habitação terrena, “ aqui entre nós”,

para que também nós possamos habitar e conviver com eles e entre

nós, em um múltiplo e polissêmico lugar onde nós habitamos por uma

porção de Terra transformada em um “lar”, “em minha terra”, em

nossa pátria. (BRANDÃO, 2009, p. 21).

Em muitos casos, através das discussões entre os alunos, vimos que não existe a

noção de “roça” apesar se auto referirem desse modo, mas sim de “zona rural”. Estamos

diante de algumas das convenções, criadas pelos moradores rurais, com o intuito de

minimizar situações de constrangimento, e vergonha. A troca de expressões para se

referir a um local de moradia foram algumas das estratégias de linguagem observadas

na escola, consideradas pelos alunos como importantes para que a socialização ocorra.

Dizer que zona rural e roça são a mesma coisa pode se tornar um conflito, pois, como

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nos lembrou certa aluna da escola pesquisada “[...] quem mora na roça é o milho e o

feijão” (Fala de alunas do 9º ano, 2015). Através deste evento nos foi dado à

possibilidade conhecer diferentes perspectivas, através do outro e do modo como ele se

relaciona com o lugar.

O chão de sentidos é composto pelas relações de vizinhança, que se reforçam e

edificam os lugares, através da relação entre as formas (conteúdos), sua representação e

a linguagem. Assim o lugar se torna [...] o espaço passível de ser sentido, pensado,

apropriado e vivido através do corpo (CARLOS, 1996, p. 17). A poesia do campo, da

floresta do pequeno vilarejo ganham vida, nas conversas informais, através dos

chamados anciões do rural, cujas raízes se aprofundaram naquele lugar e, possibilitaram

a criação das próprias territorialidades.

Quando eu era criança, essa terra era pequena para as nossas artes. No

mato, pegávamos passarinho, pescávamos e depois pulávamos no

córrego, antes de ir embora. O dia começava cedo, custava, mas

acabava. A gente dormia e acordava com as galinhas. Alívio para os

meus pais, era quando eu chegava em casa com o joelho ralado,

porque brincar de pique esconde no mato era um perigo. Mas, nada

cercava a gente. Tinha dó dos meus irmãos mais velhos, porque já

tinham idade para trabalhar, junto com os meus pais na roça, com

marmita e tudo, mas eles falavam sorrindo (em tom de ironia):

aproveita porque daqui uns anos é a sua vez! Foram bons tempos, que

não voltam, mas, que dão saudades. (Narrativa de um antigo

morador da comunidade de Caburú, 2016).

O sentimento de pertencimento e a saudade que despertam entre os moradores

rurais mais antigos se misturam com a angústia e o pessimismo dos mesmos, quando se

deparam com as águas do ribeirão abaixo do nível, com a plantação de eucalipto

tomando a paisagem, juntamente com as carvoeiras e madeireiras próximas, a

pavimentação e a melhoria das estradas, com vistas ao escoamento de matéria prima. As

atividades que se adentraram no campo, agora exigem maior capacitação técnica dos

moradores, que não usam mais a enxada, a foice e o machado, quando se tem tratores,

motosserras, roçadeiras e plantadeiras de todos os tipos. É nesse momento que o ditado

“estudar para ser alguém na vida”, ganha força.

Para Milton Santos (2002) as ações humanas se incorporam a natureza, e a

transforma em espaço apropriado (ou mercadoria), é o território, como um sistema de

objetos e ações, indissociáveis. O domínio da técnica, e a transformação da primeira

natureza em segunda decorre das necessidades humanas, para a criação dos lugares e

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dos territórios. Este, por sua vez se incorpora através da vivência, pelo dia a dia, pelo

afeto e, sobretudo pelo conflito. A partir do momento em que o lugar perde sentido e os

sujeitos se desencontram com os seus significados se tem início a uma nova busca.

A reflexão apresentada no parágrafo acima, se contextualiza neste estudo a partir

das indagações dos alunos rurais, sujeitos de nossa pesquisa, no que diz respeito a:

Quem sou? Onde estou? Para onde vou? A angústia se instaura ao nos direcionarmos

novamente para a escola tradicional, que entra como peça chave para o direcionamento

(domesticação) do sujeito ao ditar uma única forma de ver o mundo, alegando ser a

ponte para o futuro, garantindo um lugar na história, na condição de que somos livres,

embora nossas escolhas demandem consequências.

Na modernidade, o princípio da racionalidade instrumental surge como uma

forma de compreensão da sociedade, dando-lhe o sentido de “utilitário”. As questões

utilitárias se sobrepõem aos conceitos de rural, de educação, de educação rural,

convergindo para uma educação urbana, constituindo assim uma padronização dos

valores, dos costumes e da vida.

O domínio da técnica, a hierarquização dos lugares e das pessoas, a partir do

poder, aumenta ou reduz a importância de cada sujeito. A compreensão do mundo, a

partir da ciência atribui valores a sociedade e, é na escola que o sujeito da educação

ganha importância e, portanto, precisa ser lapidado, para se enquadrar a um regime, que

o distancia da sua realidade e do seu cotidiano.

A constituição dos lugares ocorre através da relação homem-natureza e homem-

cultura, ou seja, entre sujeito e espaço vivido-praticado. Conforme Santos (2002, p 15),

as ações humanas criam os lugares que são dotados de particularidades, de modo que o

local pode se inserir ao global e, o contrário nem sempre pode ocorrer. Partindo desse

pressuposto, este geógrafo reitera que nos lugares a cooperação e conflito compõem a

base da vida em comum. Todavia, os mecanismos de poder que agem sobre os lugares

aumentam ou diminuem o seu potencial, seguindo uma tendência excludente diante do

interesse de se globalizar os lugares ao invés de integrá-los.

É o lugar então o real agente sedimentador do processo da inclusão e

da exclusão. Tudo dependendo de como se estabelecem as correlações

de forças de seus componentes sociais dentro da conexão em rede. Isto

porque natureza e poder da força vêm dessa característica de ser a um

só tempo horizontalidade e verticalidade. (MOREIRA, 2007, p.60).

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Na escola, as histórias da roça são apagadas e, junto a elas o cotidiano rural. Os

alunos do campo se sentem estranhos, pelo fato de serem diferentes, enquanto, a

diferença está entre todos. A densidade que o conceito de lugar carrega, conjuntamente

com seus códigos, saberes, linguagens se perde na escola, é nesse momento que a

omissão/exclusão do outro ocorre em seu dia a dia. Constatamos que identidade,

alteridade, subjetividade, hibridismo, entre tantos outros termos encontrados para

compreender os fenômenos da atualidade raramente são discutidos no cotidiano escolar.

Em seu lugar se mantêm palavras-chave como objetividade, metas, ideologia,

planejamento, definindo padrões de comportamento que ajustam e delimitam os

sujeitos, como já mencionado por Silva (2010) neste estudo.

A manutenção das culturas, ou pelo menos do que restou delas, estão nas

narrativas dos moradores rurais antigos, pois:

[...] sinto saudades do tempo, que debulhar uma espiga de milho, para

fazer fubá, ou moldar a taquara para montar balaios era uma diversão.

[...] na época de criança, nas férias de julho, a gente corria pro pasto,

para soltar pipa, feita com sacola de pão, pois ainda era novo para

trabalhar na roça (Fala do Aluísio, um antigo morador da zona

rural, 2015).

Entretanto, em vários momentos observamos que, quando as pessoas mais

antigas contavam as suas peripécias de criança os filhos e os parentes mais novos se

afastavam, sinalizando o sentimento de vergonha.

Santos (2008, p.66) faz um alerta, para nos atentarmos a transformação da

paisagem, pelas necessidades do mercado, culminando na sobreposição dos espaços e

das atividades humanas (cultura, infraestruturas) que compõem a herança de muitos

momentos. O período da modernidade é propício para entendermos como que a

mercantilização das coisas (inclusive da vida) deram (e dão) origem a diferentes

organizações sócio espaciais e, junto a elas novas formas de ser, pensar e agir no

espaço, o que dizemos se tratar de um processo de domesticação das culturas, para a

criação do sujeito dócil, da sociedade de seu tempo.

Os lugares rurais estão cada vez mais vazios. O êxodo rural, acentuado na

década de 60, impulsionou um expressivo fluxo migratório, no sentido campo-cidade e,

a partir daí se criou um novo modo de viver e de pensar. Àqueles, que modernizaram as

ideias e não os lugares colocaram as massas (pessoas) a margem do lucro, pois estes

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apenas compram e consomem, alimentando o sistema. Morar no rural hoje tem sido

sinônimo de desamparo, seja diante das políticas públicas em seus diversos segmentos,

ou do desencantamento dos próprios moradores, que querem que seus filhos alcancem o

sucesso, a partir dos estudos e da vida urbana.

Nas palavras dos moradores rurais mais antigos, o notório esvaziamento dos

povoados, vilas e comunidades se mostra nos dias de domingo, pois “[...] antigamente, a

capela costumava ficar cheia, para as missas, cortejos e festas” (Fala de um Morador

da Comunidade do Fé, 2016). Outro caso está na lavoura, quando os agricultores

trocavam dias de trabalho com o vizinho, para adiantar o plantio e a sua colheita, coisa

que são se vê mais. Naquela época, o pagamento se dava mediante a força de trabalho

do outro, ou de uma banda de porco, uma saca de milho, ou o empréstimo de uma junta

de bois, para transportar a colheita, por alguns dias. Para os rurais, o esvaziamento está

na falta de pessoas, que queiram lutar pela vida simples da roça, por saber que lá a luta

pela sobrevivência começa ao nascer do sol.

Quanto aos filhos, sobrinhos e netos desses anciões do rural, a diferença presente

nas escolas, muitas vezes tem se tornado um predicativo, para se destituir o sujeito pelo

seu modo de ser, sentir e viver, causando o seu silenciamento (SILVA, 2010). A

tolerância, ao invés do respeito, e a ausência de discussões pertinentes ao mundo

contemporâneo têm apagado lugares, pessoas e culturas. O distanciamento entre a

escola e o aluno, nem sempre se reduz ao local de moradia, como abordado neste

estudo, mas a questões de maior amplitude, no que diz respeito ao gênero, cor, etnia,

etc.; e sobretudo aos alunos da área urbana, que vivem sob condições desumanas.

Em visita às comunidades rurais, lugar de morada dos alunos de nossa

investigação, a nossa proposta foi aproximar espontaneamente do seu cotidiano,

permitindo que o modo rural de viver nos fosse apresentado pelos próprios alunos e

familiares. Em vista disto, defendemos que o fato da escola não reconhecer outros

modos de viver, que não sejam associados ao urbano e, negligenciar a

multiculturalidade torna-se contraditório, haja vista que a escola é de todos. A

homogeneização da escola e a padronização dos conteúdos é mais uma pista, de que

existe um longo caminho para que a escola alcance o aluno e não o contrário.

A geografia entra nesse contexto, através de suas categorias de análise, e do

conceito de lugar, que nos permite desvendar os processos e as transformações sobre o

território. A perspectiva crítica, acerca dos espaços-tempos distintos e a interação com

os atores da vida simples nos permitem (re) conhecer o espaço vivido e praticado

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daqueles que não têm voz, na sociedade moderna. Por isso, justificamos as narrativas

densas até aqui apresentadas, pois estas nos aproximam de uma “história não contada,

mas de quem também existe”, nos possibilitando entender o significado do lugar, diante

dos acontecimentos que cercam os seus guardiões.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos objetivos propostos nesta pesquisa, buscamos compreender como

ocorre o processo de organização do conhecimento geográfico a partir da escola básica,

no âmbito das teorias curriculares críticas e pós críticas, considerando o papel dos

discursos como criadores de um regime de saber, que cria modos de ser e estar, a partir

da escola. A metodologia e os procedimentos metodológicos empregados neste estudo

nos permitiram entrar em contato com um mundo, distante de um currículo que o

descreve e orienta.

Nesse percurso, os estudos teóricos, somados às atividades de campo, nos

permitiram sinalizar que o modelo tradicional de ensino tem se mostrado insuficiente,

quanto ao processo de inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas.

Reforçamos esta colocação tendo em vista o material didático (público) e as abordagens

destinadas ao rural, que tem sido apresentado aos alunos, apenas sob a perspectiva de

mercado, na ênfase patronal e empresarial.

A abordagem qualitativa, em sua variante participativa, atendeu os nossos

objetivos e nos colocaram em contato com um mundo descrito densamente, a partir dos

sujeitos de nossa investigação, que narraram seus próprios desafios, projetos e emoções.

As quantificações apareceram no estudo, através de percentuais e gráficos, que foram

expostos de forma simplificada, atendendo somente a necessidade de realçar os

contrastes entre as respostas e opiniões dos entrevistados, não descaracterizando,

portanto, o caráter qualitativo desta pesquisa.

Os desafios encontrados pelo pesquisador se iniciaram diante da necessidade de

compreender o cotidiano de uma escola rural, que foi transferida para a área urbana do

município de São João del-Rei, daí a necessidade de um intenso trabalho de campo. A

aproximação entre pesquisador e escola ocorreu de forma gradual, na medida em que os

alunos rurais, professores e gestores se acostumaram com a nossa presença, se sentido à

vontade para nos contar um pouco do seu cotidiano. Nesse momento, realçamos a

importância de uma caderneta de campo, utilizada para a coleta dos registros que mais

nos tocaram.

Ao nos propormos a discutir sobre o processo de inclusão dos alunos do campo

nas escolas urbanas de São João del-Rei, trouxemos à tona alguns dos desafios

enfrentados por esses sujeitos em sua jornada de estudos, seja para chegar na escola ou

na sua relação com a comunidade escolar, de modo geral.

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É nesse ponto que indagamos se as políticas adotadas para o sistema de ensino

institucionalizado promovem a INCLUSÃO ou EXCLUSÃO desses sujeitos, já que as

nossas atividades práticas nos permitiram sinalizar um provável estranhamento, entre os

alunos rurais e a escola urbana.

No decorrer da pesquisa nos deparamos com uma contradição, que vai do campo

discursivo ao prático e, que se desdobra a partir do seguinte questionamento: para que

serve o currículo? O que eles querem de nós? O que de fato ocorre na prática? Para

pensarmos sobre estas questões levamos em consideração a influência do discurso, que

se exerce a partir dos currículos, compreendidos neste estudo como um “documento de

identidade” que, somados aos decretos e leis, são responsáveis por criar um cotidiano,

baseado em um modo de ser e fazer, a partir da escola, criando, moldando e

transformando as múltiplas identidades presentes nesse meio.

Em Larrosa (1999), o “Seu Porqueiro”, servo de Agamenon, ao relutar contra a

VERDADE do PODER, nos motiva a pensar sobre os interesses ocultos que se exercem

por trás dos currículos (verdades) destinados para o sistema de ensino. A partir desta

questão, nos colocamos diante da necessidade de combater a verdade do poder, através

do questionamento e da crítica, de modo que nos permita desvendar o poder que se

exerce através da verdade. Por isso, essa pesquisa se construiu através da “voz do

outro”, visto por nós como uma oportunidade de conhecer diferentes mundos, discursos

e verdades, muitas delas desconhecidas pela própria escola.

Imbuídos na busca de explicações e da compreensão desta questão,

apresentamos um esboço teórico, no que tange as teorias curriculares, as teorias da

territorialização, desterritorialização e reterritorialização, de modo que nos permitisse

compreender os processos e fenômenos que envolvem as categorias geográficas

território e o lugar, as diferentes leis e as prescrições normativas previstas para a

educação, sob diferentes âmbitos. Também trouxemos um elemento de destaque, que

são as descrições densas através das narrativas, nos possibilitando entrar em contato

com o mundo subjetivo do aluno e seus horizontes de sentido, expresso em seu

cotidiano, muitas vezes desconhecido pela comunidade escolar e, sobretudo pelo

currículo oficial.

As teorias curriculares críticas e pós-críticas nos permitem desvendar um

mundo, que se cria a partir dos interesses hegemônicos, que historicamente dominaram

os lugares, as pessoas e os seus costumes através de um saber-poder, responsável pelas

diferentes transformações e organizações territoriais. É nesse ponto que demonstramos

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o nosso interesse pela escola, por que assim como Foucault consideramos que o

processo de domesticação das massas começa nas instituições, não se restringindo a

esta.

Ainda influenciados por Foucault (2011), lembramos que o poder não é algo

adquirido, e sim exercido. Ele se exerce em todos os lugares não estando, portanto,

centralizado nas mãos de poucos. As relações de poder, demonstradas através dos

currículos, podem sofrer resistência por grupos que se sintam marginalizados ou até

mesmo excluídos, o que nos permite considerar que o poder também está presente em

outros segmentos da sociedade. É nesse momento que nos dirigimos aos alunos rurais,

que constantemente foram denominados “os problemas” no processo de ensino

aprendizagem, tendo em vista os casos de indisciplina e baixo desempenho escolar.

A teorização apresentada neste estudo perpassa por diversas abordagens,

perspectivas e conceitos, e foi contextualizada, por meio das narrativas densas, sem

perder de vista a importância do território e do lugar, dimensão do espaço vivido e

praticado, que por si só carregam uma densidade de eventos. A perspectiva pós-crítica

entra como peça chave nesse processo, sem abrir mão da crítica, por se tratar de uma

teoria de questionamento, demonstrado o quão incerto e improvável é a realidade e o

mundo que nos cerca. É nesse momento que a verdade e o discurso caem por terra,

abrindo caminho para outras possibilidades.

Os conceitos geográficos, território e lugar, apontados como centrais para o

desenvolvimento desta pesquisa nos levou a refletir sobre a sua importância para

aproximar dos fatos e dos diferentes contextos, através dos encontros e desencontros.

Diante disto, observamos que, criticar o plano da verdade e do discurso não nos impede

de apontar sugestões para melhorias no sistema de ensino, pois as possibilidades de

mudança são inúmeras. Resta-nos pensar que a escola transforma os sujeitos, e os

sujeitos transformam a sociedade.

Apesar de não ser este o papel desta pesquisa, reconhecemos que os diferentes

campos do saber, trazem consigo um discurso próprio e dão ênfase a um determinado

método, para se entender a realidade, a partir do que lhe é significativo. Portanto, seria

equivocado dizer que alguma destas perspectivas estão erradas, já que cada uma tem o

seu tempo e contexto.

O processo de escolarização (ou de doutrinação) das massas traz consigo

elementos ocultos, muitas vezes apresentando somente uma face da história,

responsável por valorizar grupos e culturas dominantes. Foi assim, no descobrimento do

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Brasil, quando os portugueses trouxeram uma língua, uma religião e um modo de ser,

pautados em uma cultura eurocêntrica.

As análises realizadas a partir das Leis de Diretrizes e Bases para a Educação

(LDBs), dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), do Currículo Básico Comum

(CBC) e do Projeto Político Pedagógico (PPP), da escola escolhida para o nosso estudo

de caso, nos colocam diante de um conjunto de interesses paralelos aos benefícios que,

de fato foram propostos no campo discursivo, e que deveriam ser prioridades para o

sistema de ensino. Criar leis de inclusão para o sistema de ensino institucionalizado,

mescladas a uma sensibilidade e preocupação quanto à multiculturalidade de nada vale,

quando se sabe que na prática o que ocorre é a omissão, o silenciamento e a

consequente exclusão dos alunos de lugares e contextos distintos.

Os discursos oficiais reservados para o sistema de ensino nem sempre são

passíveis de crítica, pois, é nítida a atenção quanto às temáticas voltadas para os

desafios da atualidade. Nossa crítica está na sua aplicação, e na desarticulação

estabelecida entre as instâncias federais, estaduais e municipais. Além disso,

consideramos que atribuir ao professor à missão de “milagreiro” da sala de aula não é o

suficiente, quando se sabe que nem todos os profissionais da educação possuem os

mesmos recursos para exercer o seu trabalho dignamente.

Nesse sentido, consideramos que, a formação continuada dos professores,

poderia contribuir de forma mais incisiva para o entendimento dos espaços-tempos

distintos da cultura, identidade, diferença e, sobretudo as relações cidade-campo. Além

disso, sinalizamos que na universidade, a práticas de ensino e os estágios de iniciação à

docência se integrados aos diferentes contextos escolares também poderiam influenciar

nas práticas docentes cotidianas, na condição em que o professor é o agente da

construção social.

De modo geral, percebemos que os professores não possuem formação para

trabalhar com alunos da zona rural e com as realidades do campo. Todavia, não

podemos dizer que o professor é o responsável pelos sucessos e insucessos escolares, já

que estamos envolvidos em uma lógica sistêmica, regida através das relações de poder.

Sabemos inclusive que, a maioria dos professores não possuem as mesmas condições

para uma formação continuada, pois, muitas vezes a longa jornada de trabalho pode se

tornar um obstáculo para o seu acesso.

Através das teorias curriculares foi possível compreender como as relações de

poder se exercem no âmbito econômico, político e social, no território, influenciando,

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sobretudo, as propostas oficiais para o ensino e, consequentemente o cotidiano escolar.

Por isso, reforçamos a consideração deste documento como uma ferramenta de

construção social, a partir do momento em que este oculta valores e grupos. Nesse

sentido, vemos a (re) criação de uma identidade, cada vez mais destoante do seu real

contexto e a diferença, que deveria ser a materialidade da pluralidade cultural ocupando

o lugar do exótico, folclórico, etc.

Na escola, o currículo é a ponte que interliga os fenômenos cotidianos, às várias

possibilidades de mudança e intervenção social, fazendo do discente o sujeito central

deste processo. Porém, a existência dos discursos nos faz compreender que [...] tanto a

educação quanto a cultura em geral estão envolvidas em processos de transformação da

identidade e da subjetividade (SILVA, 2004 p. 139). Influenciados, a partir das

considerações deste autor nos deparamos com a urgência de repensar sobre a

necessidade de um sistema de ensino, que leve em conta a existência do discente, como

agente central, na condição de que este possui uma identidade, que se expressa a partir

do seu cotidiano.

Silva (2004), também nos lembra que os discursos estão difundidos em todos os

lugares, instituições e contextos, no entanto, este autor nos alerta para desconfiarmos

dos seus diferentes tipos, pois ambos ocultam interesses diversos estando, portanto,

implicados em relações de poder. É quando tomamos consciência de que a escola se

propõe a atender mais os interesses e demandas do Estado ou das Corporações, ao invés

das comunidades de sua abrangência.

Ao centralizarmos a nossa discussão para o processo de inclusão dos alunos do

meio rural nas escolas urbanas, da rede municipal de ensino de São João del-Rei,

buscamos, sobretudo, entender como os fios da multiculturalidade são costurados aos

documentos e premissas oficiais para o sistema de ensino em questão. Também, nos

propusemos a entender o cotidiano de uma escola inicialmente criada em uma

comunidade rural, que foi nucleada para a área urbana e que apesar de receber a maioria

dos alunos da zona rural pouco tem feito para reconhecer o cotidiano desses sujeitos.

Deixamos claro que a problemática analisada neste estudo não está no fato de

misturar alunos de diferentes localidades. O que queremos colocar em questão são as

atitudes e os interesses, que são transmitidos através dos discursos e transpostos nos

documentos oficiais de ensino, que ao invés de promover uma interação entre os

diferentes contextos e identidades tem se prestado a criar um cotidiano pautado

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simplesmente em padrões, objetivos e metas. A desterritorialização do outro ocorre a

partir do momento em que os saberes promovem esta homogeneização das identidades.

A contradição estabelecida entre teoria e prática muitas vezes ocorre porque, um

nem sempre consegue explicar o outro em sua totalidade. Nas comunidades rurais, que

fizeram parte do nosso roteiro de visitação, conhecemos pessoas de diferentes faixas

etárias, que tiveram o mínimo de escolaridade e que ainda não conseguiram entender

porque nem todo mundo alcançou o mesmo sucesso prometido pela escola, apesar de

terem se dedicado da mesma forma que os demais colegas.

Parafraseando Martins (2012) e Brandão (2009) vemos no mundo rural um

saber-fazer, agora explicado cientificamente, que silencia ou coloca os seus moradores

mais antigos como pessoas atrasadas, xucras ou desinformadas. Neste caso, estamos

falando de pessoas que em seu tempo deram conta de criar famílias numerosas e, que

hoje se sentem envergonhados de apresentar o seu antigo modo de plantar uma lavoura,

por exemplo. Presenciamos este fato na casa de um morador do distrito de São Gonçalo

do Amarante, que ao perguntarmos como ele costumava dividir os períodos da colheita

nos respondeu de forma acanhada: “[...] pergunte para o meu neto, que ele vai te

explicar melhor do que eu. Ele tem mais estudo! ”.

A partir daí, justificamos a relevância deste estudo, e a necessidade de estimular

novas discussões acerca da temática novas relações entre campo-cidade a partir da

inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas, sem perder de vista o papel do

currículo, como uma ferramenta de construção identitária. Assim, como Larrosa (1999),

Freire (1988) e Silva (2010), vislumbramos uma escola que nos ensine a pensar

(criticamente) e não a obedecer, por isso nos vemos diante da necessidade de entender o

sistema de ensino institucionalizado, através das teorias curriculares críticas e pós

críticas.

Portanto, este trabalho iniciado em âmbito acadêmico propõe a criação de um

espaço-tempo de reflexões sobre o currículo, não apenas como um documento pré-

moldado, através de uma matriz curricular, ou de um projeto político e pedagógico. As

teorias curriculares vão além, pois nos permitem refletir sobre a prática educativa e as

políticas de forma ativa e interligada com os grupos sociais diversos aos quais se

destinam. Assim, é possível dar visibilidade aos diferentes cotidianos, desatando os nós

e redes, costurando as tramas e eventos dos alunos à própria escola, possibilitando uma

costura entre escola-aluno-lugar, e a construção de uma geografia, que de fato seja para

todos.

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Programa de Pós-Graduação em Geografia PPGeog - UFSJ

151

ANEXO

1º ETAPA – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS

Mestrando: Filipe César Pereira Orientadora: Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar

Público alvo: Alunos do Ensino Fundamental – Anos Finais (6º ao 9º ano)

Escola Municipal Carlos Damiano Fuzatto - SME/SJDR

Endereço: Rua Patronato, s/n – Vila do Carmo - São João del-Rei/MG

Nome do aluno: Impessoal Série: _______Ano____

Nome da Comunidade Rural: ______________________________________________

1. Existe alguma escola perto de sua casa?

( ) Sim ( ) Não

2. Porque sua família optou por esta escola?

( ) Por ser a única escola com vaga disponível.

( ) Pelo fato desta se localizar mais perto de minha comunidade.

( ) Não foi a minha família que escolheu.

( ) Não sei.

3. O transporte que vai da sua casa para a escola é gratuito?

( ) Sim ( ) Não

4. Na sua opinião o transporte que te leva até a escola é confortável?

( ) Sim ( ) Não

Porquê?

________________________________________________________________

________________________________________________________________

5. Houve algum momento que não foi possível chegar a escola, por que o

transporte quebrou, atolou no barro ou simplesmente não passou no ponto?

( ) Sim ( ) Não

Conte-nos como isso ocorreu

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Programa de Pós-Graduação em Geografia PPGeog - UFSJ

152

________________________________________________________________

________________________________________________________________

6. Você gosta de estudar na escola da cidade?

( ) Sim ( ) Não ( ) Às vezes

Porque?

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7. Existe alguma matéria estudada em sala de aula que fala sobre a realidade do

campo?

( ) Sim ( ) Não

Explique.

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8. Como você se sente em relação aos alunos da cidade?

( ) Vergonha e inferioridade.

( ) Não tenho problemas com meus colegas.

( ) Alguns colegas me tratam de forma diferente pelo fato de eu ser do campo

9. Você já sofreu bullying ou algum tipo de preconceito por morar na zona rural?

( ) Sim ( ) Não

10. Você pretende continuar com os estudos até o fim do Ensino Médio?

( ) Sim

( ) Não

( ) Ainda não pensei sobre isso.

11. O que você pretende fazer após concluir o Ensino Médio?

( ) Estudar em uma faculdade

( ) Não estudar mais

( ) Trabalhar junto com meus pais no campo

( ) Não sei

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Programa de Pós-Graduação em Geografia PPGeog - UFSJ

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( ) Não pretendo concluir o Ensino Médio

12. Você gosta de morar na zona rural (ou campo)?

( ) Sim ( ) Não

Porque?

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13. Você acha que a vida na Cidade é melhor que a do Campo?

( ) Sim ( ) Não

Porquê?

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14. Seus pais trabalham no campo?

( ) Sim ( ) Não

No que eles trabalham?

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