Seneca

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117 PROMETEUS - Ano 4 - Número 8 – Julho-Dezembro/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 TRADUÇÃO LÚCIO ANEU SÊNECA. CARTA A LUCÍLIO IX (SOBRE FILOSOFIA E AMIZADE) L. Annaeus Seneca Iunior. Epistulae Morales ad Lucilium IX Tradução do original em latim: Aldo Dinucci Doutor em filosofia Clássica pela PUC-RJ Professor Associado do DFL - UFS Sêneca saúda seu amigo Lucílio, (1) Desejas saber se Epicuro repreende com razão os que dizem o sábio bastar a si mesmo e, por causa disso, não ter necessidade de amigo. Isso é objetado por Epicuro a Stilbo 1 e àqueles pelos quais o sumo bem é visto como espírito impassível 2 [impatiens]. (2) É necessário incidir em ambiguidade se quisermos exprimir apatheia por uma única palavra e dizer “impassibilidade”. Poder-se-ia compreender o contrário do que queremos significar. Nós 3 queremos dizer, por apatheia, o que afaste todo sentido de mal 4 . Mas compreende-se apatheia como o que não possa receber mal nenhum. Veja então se é melhor dizer ou “espírito invulnerável” (3) ou “espírito posto além de todo sofrimento”. Isto está entre nós e aqueles 5 : nosso sábio vence certamente todas as vicissitudes, mas as sente; o sábio daqueles nem sequer as sente. Isto para nós e para eles está em comum: o sábio bastar a si mesmo [sapiens se ipso esse contentus]. 1 Filósofo megárico que influenciou os cínicos e os estóicos. Floresceu no século 4 a.C. 2 Os cínicos. 3 Os estóicos. 4 I.e. O mal em todos os sentidos. 5 I.e. Nós, os estóicos, e eles, os cínicos.

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Tratado sobre o estoicismo

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    TRADUO

    LCIO ANEU SNECA. CARTA A LUCLIO IX (SOBREFILOSOFIA E AMIZADE)

    L. Annaeus Seneca Iunior. Epistulae Morales ad Lucilium IX

    Traduo do original em latim: Aldo DinucciDoutor em filosofia Clssica pela PUC-RJ

    Professor Associado do DFL - UFS

    Sneca sada seu amigo Luclio,(1) Desejas saber se Epicuro repreende com razo os que dizem o sbio bastar a

    si mesmo e, por causa disso, no ter necessidade de amigo. Isso objetado por Epicuroa Stilbo1 e queles pelos quais o sumo bem visto como esprito impassvel2[impatiens]. (2) necessrio incidir em ambiguidade se quisermos exprimir apatheiapor uma nica palavra e dizer impassibilidade. Poder-se-ia compreender o contrriodo que queremos significar. Ns3 queremos dizer, por apatheia, o que afaste todosentido de mal4. Mas compreende-se apatheia como o que no possa receber malnenhum. Veja ento se melhor dizer ou esprito invulnervel (3) ou esprito postoalm de todo sofrimento. Isto est entre ns e aqueles5: nosso sbio vence certamentetodas as vicissitudes, mas as sente; o sbio daqueles nem sequer as sente. Isto para ns epara eles est em comum: o sbio bastar a si mesmo [sapiens se ipso esse contentus].1 Filsofo megrico que influenciou os cnicos e os esticos. Floresceu no sculo 4 a.C.2 Os cnicos.3 Os esticos.4 I.e. O mal em todos os sentidos.5 I.e. Ns, os esticos, e eles, os cnicos.

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    Todavia, tambm deseja ter amigo e vizinho e companheiro, ainda que baste a simesmo.

    (4) V o quanto baste a si mesmo: algumas vezes est satisfeito comparte de si. Se ou doena ou inimigo tenha-lhe privado da mo, se o acaso tenha-lhearrancado algum olho ou os olhos, suas partes que restam lhe bastaro, e ser tocontente num corpo diminuto e amputado quanto foi num ntegro. Mas, mesmo se nosente falta das partes perdidas (5), no deseja perd-las. Desse modo, o sbio se basta,no para que deseje estar sem amigos, mas para que possa estar sem amigos.

    E este possa que digo tal: com esprito equnime suporta a perda do amigo.Sem amigo, na verdade, nunca estar. Sabe como rapidamente reparar . Domesmo modo que, se Fdias6 perdeu uma esttua, logo faz outra, assim aquele artfice defazer amizades dispe outro (6) no lugar do perdido. Indagas de que modo faarapidamente um amigo? Dir-te-ei, se estivermos quites quanto a esta carta sobre o quefoi acordado entre ns que eu te pague constantemente. Disse Hecato7: Eu te mostrareium filtro amoroso sem droga, sem ervas, sem encantamento de feiticeira alguma: sedesejas ser amado, ama.

    Por outro lado, certamente h grande prazer no somente na posse da antigaamizade, (7) mas tambm no incio e na aquisio da nova. A diferena que h entre oagricultor fazendo a colheita e semeando, h entre aquele que obteve um amigo e aqueleque o obtm. O filsofo Attalus costumava dizer ser mais agradvel fazer um amigo queconserv-lo, do mesmo modo que mais agradvel para o artista pintar que ter pintado.Aquele cuidado dispensado em sua obra traz em si grande distrao na prpriaocupao. No igualmente se deleita quem remove a mo da obra acabada. J usufrui ofruto da prpria arte; a mesma arte usufruiu quando tenha pintado. Mais frutuosa a adolescncia dos filhos, mas a infncia mais doce.

    (8) Voltemos agora ao nosso tema. O sbio, mesmo que se baste a si mesmo,todavia deseja ter amigos, se por nenhuma outra razo, para que cultivea amizade e no esteja ociosa to grande virtude, no para isto que dizia Epicuronaquela mesma carta: Para que tenha quem esteja ao seu lado quando doente, para queo socorra quando lanado priso ou quando sem recursos, mas para que tenha alguma quem ele esteja ao lado quando enfermo, para que tenha algum a quem liberte

    6 Famoso escultor da antigidade.7 Filsofo estico de Rhodes, aluno de Pancio. Circa 100 a.C.

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    quando prisioneiro, quando oprimido pelo inimigo. Quem s v a si mesmo e, em razodisso, caminha para a amizade, nutre ms intenes. Do mesmo modo que comea , assim deixa . Algum obteve um amigo tendo em vista umauxlio para escapar priso; quando primeiramente a corrente crepitar, (9)afastar-se-. Essas so as amizades que o povo chama de temporrias; quem foitomado como amigo por causa da utilidade, agradar por quanto tempo seja til. Porisso, uma turba de amigos senta-se volta dos prsperos; ao redor do arruinado hsolido, e fogem os amigos da onde so testados.

    Quanto a isso, tantos crimes abominveis so exemplos, de uns que se afastampor medo, de outros que abandonam por medo. necessrio que incio e fim seharmonizem entre si. Quem comea a ser amigo porque vantajoso, tambm deixa des-lo porque vantajoso. Agradar alguma recompensa contra a amizade se algo nelaagrada seno ela mesma.

    (10) Para que me esforo para obter um amigo? Para que eu tenha por quem eupossa morrer, para que eu tenha a quem seguir no exlio, morte de quem eu me oponhae impea. Isso que tu descreves, do que se aproxima em vista do que vantajoso, do quese espera que haja algo a ganhar, comrcio, no amizade. (11) No duvides que oamor possui algo similar amizade: que se possa dizer aquele afeto uma amizadeenlouquecida. Acaso algum ama por causa do lucro? Acaso algum ama por causa daambio ou da glria? O prprio amor, por si mesmo indiferente a todas as outrascoisas, inflama os espritos para o desejo da Beleza8, no sem esperana de ternuramtua. E ento? A causa do que digno forma aliana com (12) um afeto torpe?

    No se trata, dizes tu, agora isto, se a amizade deve ser buscadaem razo de si mesma. Pelo contrrio, nada mais necessrio. Com efeito, se deve serprocurada em razo dela mesma, s pode atingi-la quem se basta. De que modo ento aatinge? Do mesmo modo que atinge a coisa mais bela, no atrado pelo lucronem atemorizado pela inconstncia da fortuna. Trai a majestade da amizade quem aprocura em vista da circunstncia favorvel.

    (13) O sbio se basta. Isso, meu Luclio, quase todos interpretam do modoindevido; afastam o sbio de todos os cantos e o empurram para dentro de sua prpriapele. preciso distinguir o que e at que ponto prometa essa palavra; o sbio se basta

    8 c.f. discurso de Diotima no Banquete de Plato.

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    para viver de modo feliz, no para viver. Para viver ele precisa de muitas coisas, parabem viver, somente esprito so e nobre e que despreza a fortuna.

    (14) Desejo tambm te indicar uma distino de Crisipo9. Que no tenha o sbiopreciso de coisa alguma e, contudo, que precise de muitas coisas. O tolo diz Crisipo no precisa de coisa nenhuma; de fato, no sabe para que serve coisa alguma, mas detodas as coisas tem preciso. O sbio precisa tanto das mos quanto dos olhos e dasmuitas coisas indispensveis para o uso cotidiano, no tem preciso de coisanenhuma. Ter preciso, com efeito, da necessidade (15): nada necessrio para osbio. Logo, ainda que se baste a si mesmo, o sbio precisa de amigos. Deseja t-los nomaior nmero possvel, no para que viva bem; com efeito, vive tambm de modo felizsem amigos. O sumo bem no busca meios externos. cultivado em casa, totalmente a partir de si mesmo. Se alguma parte busca fora de si, comea a estar sujeito Fortuna.

    (16) Contudo, qual o porvir do sbio se abandonado sem amigos e lanadona priso ou se colocado parte em algum povo estrangeiro, ou se retido em longaviagem martima ou atirado numa praia deserta? Tal qual Jove, confiando-se aos seuspensamentos quando o mundo dissolvido e os deuses se confundem em um nicodurante o pouco tempo em que a Natureza cessante repousa. (17) O sbio faz algosemelhante: se encerra em si mesmo, consigo est. Enquanto lhe possvel ordenar suasaes com seu arbtrio, se basta e toma uma esposa, se basta e cria filhos, se basta e,todavia, no viveria se fosse para viver sem os homens. Nenhuma utilidade sua o leva amizade, mas um estmulo natural.

    De fato, assim como h um encanto inato para ns por outras coisas, assim hpela amizade. Do mesmo modo que h averso pela solido e desejo de comunidade, domesmo modo que a natureza une o homem ao homem, assim tambm h nesse assuntoum estmulo que nos faz (18) desejosos de amizades.

    Entretanto, ao mesmo tempo em que seja amantssimo dos amigos, ao mesmotempo em que os ponha no mesmo plano, ao mesmo tempo em que muitas vezes osponha frente de si mesmo, conservar todo bem em si mesmo e dir o que disse Stilbo,Stilbo que a carta de Epicuro apresenta. Esse Stilbo, tendo sido tomada a sua ptria,tendo perdido seus filhos, tendo perdido sua esposa, saindo do incndio pblico s e,contudo, feliz, sendo interrogado por Demtrio (cujo apelido em razo da destruio de9 Filsofo estico que sucedeu Cleanto na direo da Sto.

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    cidades foi Poliorcetes) se acaso tivesse perdido algo, disse: Omnia bona mecum sunt10.(19) Eis um homem forte e corajoso! Venceu a prpria vitria de seu inimigo. Nada diz Stilbo perdi; forou Demtrio a duvidar que tivesse vencido. Todos os meusbens esto comigo. Isso mesmo nada que possa ser arrancado pensar ser um bem.

    Olhamos com admirao certos animais que atravessam as chamas sem danosnos corpos; quo mais admirvel esse homem que saiu ileso e indemne atravs deespadas, runas e chamas! Vs quo mais fcil vencer toda a gente que um s? Ele temesse dito em comum com os esticos. Igualmente tambm esse Stilbo conduz os bensintactos atravs de cidades reduzidas a cinzas. O sbio se basta a si mesmo. Isso, nofim, determina sua felicidade.

    (20) E no penses que somente ns pronunciamos nobres palavras; tambmEpicuro proferiu frase similar quela mesma que ele criticou de Stilbo. Aprova-a tu,mesmo se hoje eu j tenha pago. Diz Epicuro: Se algum no vseus bens como vastssimos, pode ser senhor do mundo e, contudo, miservel. Ou, secrs ser melhor enunciado do seguinte modo (com efeito, deve-se fazer issopara que preservemos no as palavras, mas o sentido): Miservel quem no se julgafelicssimo, ainda que governe o mundo. (21) Para que saibas ser essa ideia universal,sendo obviamente ditada pela Natureza, no poeta cmico11 a encontras:

    No feliz quem no cr s-lo.Que importa qual seja a tua condio se ela mal vista por ti? (22) E ento

    indagas se algum declarasse feliz aquele que rico da maneira mais torpe e que senhor de muitos, mas escravo de muitos mais, sua sentena o faz feliz? No importa oque se diz, mas o que se sente. E no o que se sente uma vez, mas o que se sentecontinuamente. No h razo para temer que um homem indigno atinja coisa detamanha qualidade: s o sbio est contente com o que seu. Toda tolice padece derepugnncia por si mesma. Adeus.

    IX. SENECA LUCILIO SUO SALUTEM

    [1] An merito reprehendat in quadam epistula Epicurus eos qui dicunt sapientemse ipso esse contentum et propter hoc amico non indigere, desideras scire. Hoc obicitur10 Todos os meus bens esto comigo.11 Verso de poeta romano desconhecido.

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    Stilboni ab Epicuro et iis quibus summum bonum visum est animus in patiens. [2] Inambiguitatem incidendum est, si exprimere 'aptheian uno verbo cito voluerimus etimpatientiam dicere; poterit enim contrarium ei quod significare volumus intellegi. Noseum volumus dicere qui respuat omnis mali sensum: accipietur is qui nullum ferrepossit malum. Vide ergo num satius sit aut invulnerabilem animum dicere aut animumextra omnem patientiam positum. [3] Hoc inter nos et illos interest: noster sapiens vincitquidem incommodum omne sed sentit, illorum ne sentit quidem. Illud nobis et illiscommune est, sapientem se ipso esse contentum. Sed tamen et amicum habere vult etvicinum et contubernalem, quamvis sibi ipse sufficiat. [4] Vide quam sit se contentus:aliquando sui parte contentus est. Si illi manum aut morbus aut hostis exciderit, si quisoculum vel oculos casus excusserit, reliquiae illi suae satisfacient et erit imminutocorpore et amputato tam laetus quam [in] integro fuit; sed quae sibi desunt nondesiderat, non deesse mavult. [5] Ita sapiens se contentus est, non ut velit esse sineamico sed ut possit; et hoc quod dico 'possit' tale est: amissum aequo animo fert. Sineamico quidem numquam erit: in sua potestate habet quam cito reparet. Quomodo siperdiderit Phidias statuam protinus alteram faciet, sic hic faciendarum amicitiarumartifex substituet alium in locum amissi. [6] Quaeris quomodo amicum cito facturus sit?Dicam, si illud mihi tecum convenerit, ut statim tibi solvam quod debeo et quantum adhanc epistulam paria faciamus. Hecaton ait, 'ego tibi monstrabo amatorium sinemedicamento, sine herba, sine ullius veneficae carmine: si vis amari, ama'. Habet autemnon tantum usus amicitiae veteris et certae magnam voluptatem sed etiam initium etcomparatio novae. [7] Quod interest inter metentem agricolam et serentem, hoc intereum qui amicum paravit et qui parat. Attalus philosophus dicere solebat iucundius esseamicum facere quam habere, 'quomodo artifici iucundius pingere est quam pinxisse'. Illain opere suo occupata sollicitudo ingens oblectamentum habet in ipsa occupatione: nonaeque delectatur qui ab opere perfecto removit manum. Iam fructu artis suae fruitur:ipsa fruebatur arte cum pingeret. Fructuosior est adulescentia liberorum, sed infantiadulcior.

    [8] Nunc ad propositum revertamur. Sapiens etiam si contentus est se, tamenhabere amicum vult, si nihil aliud, ut exerceat amicitiam, ne tam magna virtus iaceat,non ad hoc quod dicebat Epicurus in hac ipsa epistula, 'ut habeat qui sibi aegro assideat,succurrat in vincula coniecto vel inopi', sed ut habeat aliquem cui ipse aegro assideat,quem ipse circumventum hostili custodia liberet. Qui se spectat et propter hoc ad

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    amicitiam venit male cogitat. Quemadmodum coepit, sic desinet: paravit amicumadversum vincla laturum opem; cum primum crepuerit catena, discedet. [9] Hae suntamicitiae quas temporarias populus appellat; qui utilitatis causa assumptus est tamdiuplacebit quamdiu utilis fuerit. Hac re florentes amicorum turba circumsedet, circaeversos solitudo est, et inde amici fugiunt ubi probantur; hac re ista tot nefaria exemplasunt aliorum metu relinquentium, aliorum metu prodentium. Necesse est initia inter seet exitus congruant: qui amicus esse coepit quia expedit ;placebit aliquod pretium contra amicitiam, si ullum in illa placet praeter ipsam. [10] 'Inquid amicum paras?' Ut habeam pro quo mori possim, ut habeam quem in exsiliumsequar, cuius me morti et opponam et impendam: ista quam tu describis negotiatio est,non amicitia, quae ad commodum accedit, quae quid consecutura sit spectat. [11] Nondubie habet aliquid simile amicitiae affectus amantium; possis dicere illam esse insanamamicitiam. Numquid ergo quisquam amat lucri causa? numquid ambitionis aut gloriae?Ipse per se amor, omnium aliarum rerum neglegens, animos in cupiditatem formae nonsine spe mutuae caritatis accendit. Quid ergo? ex honestiore causa coit turpis affectus?[12] 'Non agitur' inquis 'nunc de hoc, an amicitia propter se ipsam appetenda sit.' Immovero nihil magis probandum est; nam si propter se ipsam expetenda est, potest ad illamaccedere qui se ipso contentus est. 'Quomodo ergo ad illam accedit?' Quomodo ad rempulcherrimam, non lucro captus nec varietate fortunae perterritus; detrahit amicitiaemaiestatem suam qui illam parat ad bonos casus.

    [13] 'Se contentus est sapiens.' Hoc, mi Lucili, plerique perperam interpretantur:sapientem undique submovent et intra cutem suam cogunt. Distinguendum autem estquid et quatenus vox ista promittat: se contentus est sapiens ad beate vivendum, non advivendum; ad hoc enim multis illi rebus opus est, ad illud tantum animo sano et erectoet despiciente fortunam. [14] Volo tibi Chrysippi quoque distinctionem indicare. Aitsapientem nulla re egere, et tamen multis illi rebus opus esse: 'contra stulto nulla re opusest - nulla enim re uti scit - sed omnibus eget'. Sapienti et manibus et oculis et multis adcotidianum usum necessariis opus est, eget nulla re; egere enim necessitatis est, nihilnecesse sapienti est. [15] Ergo quamvis se ipso contentus sit, amicis illi opus est; hoscupit habere quam plurimos, non ut beate vivat; vivet enim etiam sine amicis beate.Summum bonum extrinsecus instrumenta non quaerit; domi colitur, ex se totum est;incipit fortunae esse subiectum si quam partem sui foris quaerit. [16] 'Qualis tamenfutura est vita sapientis, si sine amicis relinquatur in custodiam coniectus vel in aliqua

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    gente aliena destitutus vel in navigatione longa retentus aut in desertum litus eiectus?'Qualis est Iovis, cum resoluto mundo et dis in unum confusis paulisper cessante naturaacquiescit sibi cogitationibus suis traditus. Tale quiddam sapiens facit: in se reconditur,secum est. [17] Quamdiu quidem illi licet suo arbitrio res suas ordinare, se contentus estet ducit uxorem; se contentus et liberos tollit; se contentus est et tamen nonviveret si foret sine homine victurus. Ad amicitiam fert illum nulla utilitas sua, sednaturalis irritatio; nam ut aliarum nobis rerum innata dulcedo est, sic amicitiae.Quomodo solitudinis odium est et appetitio societatis, quomodo hominem homini naturaconciliat, sic inest huic quoque rei stimulus qui nos amicitiarum appetentes faciat. [18]Nihilominus cum sit amicorum amantissimus, cum illos sibi comparet, saepe praeferat,omne intra se bonum terminabit et dicet quod Stilbon ille dixit, Stilbon quem Epicuriepistula insequitur. Hic enim capta patria, amissis liberis, amissa uxore, cum exincendio publico solus et tamen beatus exiret, interroganti Demetrio, cui cognomen abexitio urbium Poliorcetes fuit, num quid perdidisset, 'omnia' inquit 'bona mea mecumsunt'. [19] Ecce vir fortis ac strenuus! ipsam hostis sui victoriam vicit. 'Nihil' inquit'perdidi': dubitare illum coegit an vicisset. 'Omnia mea mecum sunt': iustitia, virtus,prudentia, hoc ipsum, nihil bonum putare quod eripi possit. Miramur animalia quaedamquae per medios ignes sine noxa corporum transeunt: quanto hic mirabilior vir qui perferrum et ruinas et ignes inlaesus et indemnis evasit! Vides quanto facilius sit totamgentem quam unum virum vincere? Haec vox illi communis est cum Stoico: aeque ethic intacta bona per concrematas urbes fert; se enim ipse contentus est; hoc felicitatemsuam fine designat. [20] Ne existimes nos solos generosa verba iactare, et ipse Stilbonisobiurgator Epicurus similem illi vocem emisit, quam tu boni consule, etiam si huncdiem iam expunxi. 'Si cui' inquit 'sua non videntur amplissima, licet totius mundidominus sit, tamen miser est.' Vel si hoc modo tibi melius enuntiari videtur - id enimagendum est ut non verbis serviamus sed sensibus -, 'miser est qui se non beatissimumiudicat, licet imperet mundo'. [21] Ut scias autem hos sensus esse communes, naturascilicet dictante, apud poetam comicum invenies:

    Non est beatus, esse se qui non putat.Quid enim refert qualis status tuus sit, si tibi videtur malus ' [22] 'Quid ergo?'

    inquis 'si beatum se dixerit ille turpiter dives et ille multorum dominus sed pluriumservus, beatus sua sententia fiet?' Non quid dicat sed quid sentiat refert, nec quid uno die

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    sentiat, sed quid assidue. Non est autem quod verearis ne ad indignum res tantaperveniat: nisi sapienti sua non placent; omnis stultitia laborat fastidio sui. Vale.