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1 Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.113-132, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368 semeiosis SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS resumo O presente artigo tem como objeto de pesquisa as superfícies das residências modernas da cidade de Campina Grande – PB, sendo usada como estudo de caso a cor dos revestimentos cerâmicos contidos nas fachadas, partindo do pressuposto da cor como elemento de expressão plástica. O objetivo foi identificar e definir as cores mais recorrentes e traçar um paralelo com a produção de nível nacional e internacional. A delimitação temporal foi estabelecida entre os anos 1960 – 1969 por se tratar de um período de grandes mudanças no cenário arquitetônico local. Métodos qualitativos foram utilizados com estratégias de observação de campo, registro fotográfico e análise documental. No resultado das análises sobre as cores da arquitetura moderna na Europa, no Brasil e em Campina Grande, notou-se semelhanças em determinados matizes e o uso de tons de marrom nos revestimentos utilizados nos projetos de Geraldino Duda. Assim, as constatações indagadas neste artigo atuarão como provocador para demais discussões sobre o design de superfície em obras arquitetônicas modernas. PALAVRAS-CHAVE: Cor. Design de superfície. Arquitetura moderna. abstract The present article has the objective of researching the surfaces of the modern houses of the city of Campina Grande - PB, being used as a case of study the color of the ceramic coverings contained in the façades, starting from the assumption of color as an element of plastic expression. The goal was to identify and define the most recurring colors and draw a parallel with the production of national and international level. The temporal delimitation was established between the years of 1960 - 1969 because it was a period of great changes in the local architectural scene. Qualitative methods were used with strategies of field observation, photographic record and documentary analysis. In the result of the analyzes of the colors of the modern architecture in Europe, in Brazil and in Campina Grande, it was noticed similarities in certain nuance and the use of shades of brown in the coatings used in the projects of Geraldino Duda. Thus, the findings investigated in this paper will act as a provocateur for further discussions about surface design in modern architectural works. KEYWORDS: Color. Surface design. Modern architecture. A cor no design de superfície: um estudo dos revestimentos cerâmicos nas residências modernas de Campina Grande- PB Arthur Thiago Thamay Medeiros, UFCG | [email protected]; Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo, UFCG | [email protected]. Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.113-132, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

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semeiosisSEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA

TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS

resumoO presente artigo tem como objeto de pesquisa as superfícies das residências modernas da cidade de Campina Grande – PB, sendo usada como estudo de caso a cor dos revestimentos cerâmicos contidos nas fachadas, partindo do pressuposto da cor como elemento de expressão plástica. O objetivo foi identificar e definir as cores mais recorrentes e traçar um paralelo com a produção de nível nacional e internacional. A delimitação temporal foi estabelecida entre os anos 1960 – 1969 por se tratar de um período de grandes mudanças no cenário arquitetônico local. Métodos qualitativos foram utilizados com estratégias de observação de campo, registro fotográfico e análise documental. No resultado das análises sobre as cores da arquitetura moderna na Europa, no Brasil e em Campina Grande, notou-se semelhanças em determinados matizes e o uso de tons de marrom nos revestimentos utilizados nos projetos de Geraldino Duda. Assim, as constatações indagadas neste artigo atuarão como provocador para demais discussões sobre o design de superfície em obras arquitetônicas modernas.

PALAVRAS-CHAVE: Cor. Design de superfície. Arquitetura moderna.

abstractThe present article has the objective of researching the surfaces of the modern houses of the city of Campina Grande - PB, being used as a case of study the color of the ceramic coverings contained in the façades, starting from the assumption of color as an element of plastic expression. The goal was to identify and define the most recurring colors and draw a parallel with the production of national and international level. The temporal delimitation was established between the years of 1960 - 1969 because it was a period of great changes in the local architectural scene. Qualitative methods were used with strategies of field observation, photographic record and documentary analysis. In the result of the analyzes of the colors of the modern architecture in Europe, in Brazil and in Campina Grande, it was noticed similarities in certain nuance and the use of shades of brown in the coatings used in the projects of Geraldino Duda. Thus, the findings investigated in this paper will act as a provocateur for further discussions about surface design in modern architectural works.

KEYWORDS: Color. Surface design. Modern architecture.

A cor no design de superfície: um estudo dos revestimentos cerâmicos nas residências modernas de

Campina Grande- PB

Arthur Thiago Thamay Medeiros, UFCG | [email protected];Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo, UFCG | [email protected].

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1 IntroduçãoA cor na arquitetura não se trata apenas de um elemento decorativo, ela

atua, sobretudo, com funções de destaque das formas e volumes, enriquecendo as experiências sensoriais. Indiscutivelmente, as cores são fenômenos ópticos e dependem da luz para existirem, por isso, a luz é o elemento primordial nesta relação.

Dessa forma, a cor é aplicada em determinados suportes na arquitetura, atuando como elemento de expressão plástica nas superfícies. O conceito sobre o design de superfície tratado na pesquisa interliga os temas – cor e arquitetura moderna –, explicando como as superfícies e as linguagens visuais, por meio do repertório do observador e suas interpretações, são também significados culturais.

O objeto de estudo posto em análise na pesquisa possui grande importância para a história urbana e social de Campina Grande. As residências modernas da cidade exprimem um passado onde o sentimento de ser uma cidade avançada em termos de arquitetura e tecnologia imperava no imaginário dos moradores locais.

Princípios formais desse estilo arquitetônico tornaram-se modismo, difundindo-se por toda a cidade, às vezes de maneira esteticamente equivocada. Queiroz (2007: 3) descreve o decênio de 1950 como o período de renovação arquitetônica da Rainha da Borborema, com a “filiação de boa parte dos edifícios construídos na cidade ao Movimento de Arquitetura Moderna, ainda que muitas vezes de maneira incompleta, superficial, ou incorporando apenas elementos isolados dessa linguagem”.

Linhas funcionais, valorização da climatização natural, predominância volumétrica e revestimentos variados formavam a execução das obras: módulos vazados, cerâmicas, ladrilhos hidráulicos, azulejos e tacos compunham os pisos e paredes do conjunto arquitetônico moderno.

Como estudo de caso, o intuito é registrar as cores das fachadas das residências modernas de Campina Grande com a finalidade de identificar quais cores era mais recorrentes em tais construções, esclarecendo a predominância de determinados padrões cromáticos, específicos dos revestimentos de superfície e sua relação com a volumetria das formas de tais fachadas.

Para que se tenha um entendimento acerca de como era tratada a cor na arquitetura moderna residencial (como elemento de expressão plástica, partindo do pressuposto de um processo de criação para a etapa em questão), foi necessário fazer um comparativo com a produção de nível nacional e internacional, a fim de compreender como se dava a dinâmica do diálogo entre

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arquiteto-cor-arquitetura moderna.

A pesquisa se limitou a cor dos revestimentos cerâmicos, pois, grande parte das casas tiveram suas paredes pintadas com outras cores, o que não dá a certeza se a cor atual corresponde à definida no projeto original.

A delimitação temporal estabelecida para a pesquisa, foi entre as décadas de 1960 a 1969, período que houve uma grande geração de residências modernas na cidade. Um exemplo é a produção do arquiteto Geraldino Duda, que só na década de 1960 projetou 46 casas. As constatações indagadas nesta pesquisa atuarão como provocador para demais discussões sobre o design de superfície em obras arquitetônicas do período moderno direcionados, dentre outros temas, para a cor e preservação do patrimônio.

2 Design de superfície O design de superfície é o primeiro conceito tratado na pesquisa, que

interliga o tema “arquitetura moderna” com o objeto de estudo, explicando como as superfícies e as linguagens visuais, por meio do repertório do observador e suas interpretações, são também significados culturais.

O termo originado por Rubim (2010: 21) traduzido do Surface Design, foi introduzido no Brasil na década de 1980 após o seu retorno dos EUA. A autora afirmou que o design de superfície pode ser representado por diversas maneiras e em produtos distintos e ratifica dizendo que, além de poder ser aplicada em várias áreas do design, também se refere a design de revestimento e, para sua concepção, é necessária a utilização de técnicas específicas.

Rüthschilling (2008: 7) enxerga o Surface Design como um tema relativamente novo no Brasil e pouco tratado em nível de graduação e pós-graduação. Seu pensamento decorre do fato ocorrido em 2005, onde o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) passou a integrar o design de superfície como uma especialidade, trazendo mais visibilidade e respaldo para discussões nesse âmbito.

Acerca de como este segmento do design deve ser estudado, Schwartz e Neves (2009: 110) descreveram a estruturação de três grandes abordagens para a discussão do tema: a primeira, de cunho representacional, envolvendo a geometria e a representação gráfica; a segunda, mais constitucional, relativa aos materiais e aos procedimentos técnicos utilizados no processo de confecção de um produto; e a terceira, mais geral, de caráter relacional, significando relações de qualquer natureza estabelecidas entre o sujeito, o objeto e o meio (semântica, cultural, ergonômica, produtiva e mercadológica, entre tantas outras possíveis).

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Assim, na presente pesquisa, a abordagem representacional ocorre na medida em que são levantados os tipos de revestimento, bem como a cor das fachadas postas em análise, fazendo um comparativo com as produções nacionais e internacionais citadas anteriormente. A abordagem constitucional é tratada na medida em que foi sendo realizado o mapeamento das residências modernas projetadas por Geraldino Duda em Campina Grande na década de 1960. A abordagem relacional acontece quando é feito o percurso histórico da arquitetura moderna de Campina Grande, relacionando de que maneira as superfícies eram constituídas.

3 Arquitetura moderna Para elucidar sobre os princípios norteadores da arquitetura moderna

em geral, é importante expor os critérios que adotam como pontos básicos: a arquitetura como volume e jogo dinâmico de planos; a tendência à abstração, à simplificação; utilização de malhas geométricas estruturantes do projeto; busca de formas dinâmicas e espaços transparentes, com o predomínio da regularidade substituindo a simetria axial acadêmica e a ausência de decoração que surge de perfeição técnica. A abstração e o racionalismo aparecem como critérios desta arquitetura, partindo ambos dos mesmos métodos redutivos da ciência clássica, ou seja, a decomposição de um sistema em seus elementos básicos, a caracterização de unidades elementares simples e a construção da complexidade a partir do simples (MONTANER, 2002: 82).

Em meio a um período de inquietudes políticas, surge no Brasil o movimento moderno na arquitetura, pautada no racionalismo e funcionalismo, formas geométricas definidas e a carência de ornamentação sem a preocupação de solucionar problemas sociais. Neste período, as cores, em meio aos concretos armados e vidros refletivos, eram vistas nos revestimentos cerâmicos dos azulejos de Athos Bulcão no palácio do planalto (Fig. 1), obra de Oscar Niemeyer que é destaque a nível mundial e ícone da arquitetura moderna brasileira.

Quando este estilo moderno começou a imperar nas grandes cidades brasileiras enaltecendo as formas puras e a ausência de adornos, o branco passou a reinar absoluto. A cor imperava como uma espécie de concessão

Figura 1: Exemplares da arquitetura moderna brasileira: Palácio do planalto de Oscar Niemeyer com azulejos de Athos Bulcão.Fonte: Expedia (2018, on-line).

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determinante.

Em São Paulo também era enfatizado nos projetos arquitetônicos "o primado da visualização”, reduzindo as formas e cores a elementos da estrutura da dinâmica visual, em detrimento da expressão, da significação da forma e da preocupação temática. Está explícito, por exemplo, na recusa de usar expressivamente a cor (FAVARETTO, 1993: 57).

Sobre a arquitetura, o uso dos produtos no período moderno, persistia o pensamento do purismo e originalidade dos materiais, como relata Malard:

Os objetos deveriam durar muito tempo, de modo que eles eram feitos de materiais duráveis, como madeira e a pedra e tinham a cor natural desses materiais. Com o tempo, os objetos produzidos com propósitos funcionais tornaram-se o símbolo desses propósitos. A cadeira tornou-se um símbolo de sentar, a mesa um símbolo de comer e assim por diante. Nos tempos modernos, materiais artificiais, como o plástico e as fibras sintéticas, substituíram materiais naturais e "vivos", como a madeira e o algodão. Baudrillard diz que, sendo artificiais, esses materiais são despidos de qualquer função simbólica, já que eles podem imitar quase tudo (MALARD, 2006: 41).

Portanto, era negável a imitação de materiais ou a simulação de determinadas cores e superfícies. Os revestimentos de madeira deveriam ter sua cor original exposta, assim como o concreto armado exposto em sua cor original.

3.1 A cor na arquitetura moderna O simbolismo da cor na arquitetura moderna veio para contrapor estilos

anteriores. No entanto, uma grande quantidade de repetição é vista nas escolhas das cores adaptando-se a situações determinadas.

O desenvolvimento tecnológico transformou o mundo nas primeiras décadas do século XX. Com a evolução oriunda da revolução industrial, a

Figura 2: Exemplares da arquitetura moderna brasileira: Museu de arte Moderna do Rio de Janeiro de Affonso Reidy e Casa de vidro de Lina Bo Bardi em São Paulo.Fonte: Expedia (2018, on-line)

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arquitetura moderna foi se apropriando e incorporando novos materiais e seus respectivos significados como reais discursos da sociedade da época. A evolução da arte, o progresso do design industrial e da arquitetura criou um novo sentimento sobre a cor e a forma, e um entendimento mais profundo de suas potencialidades em relação ao homem. Após a 1ª Guerra Mundial, os modernistas se dividiram em diferentes escolas, o que agregou uma pluralidade nas características do estilo moderno no design, nas artes plásticas e na arquitetura.

Os holandeses influenciados pelo movimento De Stijl (ou neoplasticismo) projetavam com esquemas de cores primárias (azul, vermelho e amarelo) combinados com linhas retas brancas, pretas e cinzas, com predominância de formas retangulares, renegando a estética figurativa.

Na Bauhaus, a arquitetura e o design eram concebidos a partir de um ponto de vista onde a valorização do funcionalismo era expressa na carência de cor e ornamentação, onde a simplicidade, o branco e a pureza significavam liberdade espacial. Mesmo com princípios da cor e sua psicologia inseridos no programa pedagógico da findada escola, a cor pouco se manifestava nos projetos dos docentes e discentes, onde só estava presente nos trabalhos produzidos por Paul Klee, Josef Albers e Johannes Itten (ITTEN, 1970: 11).

Le Corbusier defendia a ideia que todas as construções arquitetônicas deveriam ser brancas, lançando a noção de residências funcionalistas com serventia apenas para moradia. A cor em sua arquitetura tinha uma menor preocupação de servir como elo de integração do edifício com o ambiente natural (PEREIRA, 2010: 124).

Figura 3: Interior da Casa Schroeder em Ultrich, 1927(Gerrit Rietveld), fachada da Casa Schroeder e escritório de Walter Gropius na Staatliches Bauhaus, Weimar, 1923.Fonte: Fiell (2000)

Figura 4: Villa Savoye, Poissy, 1929/31 – LE CORBUSIER e “Fallingwater”, Vila para Edgar J. Kaufmann, em Bear Run, Pensilvania, 1935/39.Fonte: Fiell (2000)

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Suas idealizações foram amplamente criticadas em decorrência da monotonia de cores e formas, porém, seu legado se espalhou pelo mundo, a exemplo de Brasília que foi concebida segundo suas teorias. Como afirma Stungo (2000: 17), o arquiteto Frank Lloyd Wright pensava a arquitetura como uma integração ao ambiente e seu entorno, por isso, ele utilizou amplamente as cores originais dos materiais naturais das suas construções. Ele defendia que os projetos arquitetônicos deveriam ser individuais e específicos para cada necessidade, de acordo com sua localização.

4 CAMPINA GRANDE Localizada no Agreste do Planalto da Borborema da Paraíba, Campina

Grande é considerada a segunda cidade mais populosa da Paraíba, e sua região metropolitana é formada por dezenove municípios. De acordo com estimativas do IBGE (2016, on-line), sua população é de 410 332 habitantes. Campina exerce uma influência geoeconômica em limites que transpõem fronteiras estaduais, tornando-se uma das cidades interioranas mais importantes de toda Região Nordeste (Fig. 5).

Situado em posição geográfica privilegiada, entre o alto sertão e a zona litorânea, o aldeamento converteu-se rapidamente em povoado próspero, que já em 1769 era freguesia, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição. Em 1790, transformou-se em vila, nomeada a partir daí de Vila Nova da Rainha e somente em 11 de outubro de 1864, foi elevada à categoria de cidade (IBGE, 2016, on-line).

Figura 5: Mapa de localização de Campina Grande.Fonte: Medeiros (2018, p. 37)

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4.1 A modernidade na arquitetura campinenseNa década de 1950, Campina Grande estava envolvida por uma atmosfera

de otimismo e mudanças que permeavam o imaginário da população e, em meados deste decênio, a cidade experimentava o desenrolar de um novo ciclo de modernização, em compasso com os acontecimentos nacionais e alicerçados nos esforços da elite local para inseri-la no processo de industrialização do país (QUEIROZ, 2007: 1).

Campina Grande finalmente entra na modernidade cadenciada com o movimento de arquitetura moderna que vinha se desenvolvendo no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Assim, houve algumas características peculiares do conjunto arquitetônico moderno da cidade: linhas funcionais, valorização da climatização natural e predominância volumétrica. Outra especificidade da modernidade campinense era os revestimentos variados que formavam a execução das obras: módulos vazados, cerâmicas, ladrilhos hidráulicos, azulejos e tacos compunham os pisos e paredes.

Alguns desses revestimentos permanecem nas residências modernas

campinenses, a exemplo da Residência Antônio Diniz Magalhães (Fig. 6) e

da Residência Feliciano Alexandre Ferreira (Fig. 7), projetadas por Geraldino

Duda, expressando um passado não tão distante, permanecendo nas

construções e deixando um legado para o conjunto arquitetônico moderno

da cidade.

Figura 6: Residência Antônio Diniz Magalhães e sua situação atual. Fonte: Medeiros (2018, p. 53)

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No decênio de 1960, Campina Grande colhia os frutos de um plano de urbanização e do estilo arquitetônico moderno que já havia se consolidado. O progresso era notório e a arquitetura moderna imperava as novas construções da cidade: o Teatro Municipal Severino Cabral que em seu projeto original era todo na cor branca, a Escola Politécnica da Universidade da Paraíba em branco, concreto armado e tijolo aparente; e as residências suntuosas de médicos e comerciantes marcaram a história de Campina.

A arquitetura moderna campinense incorporou características provenientes da Escola do Recife, como afirma Afonso e Meneses (2015: 5) que devido Campina Grande ter sido, na época, um grande centro econômico e por sua proximidade com a capital pernambucana, os arquitetos formados em Recife se beneficiaram do fato de existirem poucos arquitetos residentes em Campina e de uma elite que estava atenta ao que era produzido em Pernambuco, assim, encontrando um interessante campo de trabalho.

Figura 8: Teatro Municipal Severino Cabral e Escola Politécnica da Universidade da Paraíba.Foto: Acervo Josemar Pontes do Ó e arquivo da UFCG.

Figura 7: Residência Feliciano Alexandre Ferreira e sua situação atual.Fonte: Medeiros (2018, p. 54).

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4.2 O arquiteto: Geraldino Pereira Duda Para compreender o legado de Geraldino Pereira Duda, buscou-se estudar

parte da vida e obra do arquiteto autodidata. Natural de Campina Grande (onde reside até os dias atuais), nasceu no dia 06 de março de 1935. Desde pequeno sempre teve gosto por trabalhos manuais e pela leitura, ponto de partida de onde surgiu o gosto pela arquitetura ao observar os trabalhos do arquiteto Oscar Niemeyer.

Seu extenso trabalho começou na década de 1950, no escritório do arquiteto Josué Barbosa Pessoa. Já nos anos de 1960, tornou-se assistente técnico de arquitetura e urbanismo do departamento de planejamento e urbanismo da PMCG. Foi então que, em 1962, começou a elaborar o projeto do Teatro Municipal Severino Cabral, obra que lhe conferiu grande destaque e prestígio.

Na década de 1960, Geraldino Duda se limitava a realizar projetos arquitetônicos, ficando a construção sob a responsabilidade do engenheiro. Somente após a conclusão do Curso de Engenharia Civil na década de 1980, passou a participar de todo o processo, desde a elaboração do projeto até a construção.

Apesar de ter iniciado seus trabalhos na década de 1950, é fascinante o grande número de projetos de residências unifamiliar nos anos 1960, contabilizando 46 casas no total, chegando a fazer 3 projetos em um mês. Através de tais dados, julgou-se importante verificar tais obras limitadas a este decênio de grande produção arquitetônica, onde famílias de médicos, cientistas políticos, comerciantes e profissões ligadas ao alto poder aquisitivo e financeiro enxergavam a necessidade de obterem residências suntuosas e diretamente ligadas ao estilo de arquitetura que imperava em todo o Brasil, o movimento moderno, mesmo que tardiamente em Campina Grande.

5 Metodologia da pesquisaA pesquisa se desenvolveu seguindo métodos qualitativos, onde foram

usados os exemplares da arquitetura moderna residencial projetados por Geraldino Duda no município, mapeando e registrando a produção em questão, verificando quais os padrões cromáticos encontrados são mais recorrentes.

Em relação ao objetivo da pesquisa, quanto à contextualização do design de superfície, classificamos como experimental com estudo de caso. Nesse sentido, a pesquisa experimental consiste essencialmente em determinar um ou mais objetos de estudo, selecionar as variáveis capazes de influenciá-lo e definir as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto. Trata-se, portanto, de uma pesquisa em que o pesquisador é um agente

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ativo, e não um observador passivo (GIL, 2008: 75).

Seguindo todas as orientações citadas, iniciou-se na primeira etapa coletando dados e listando quais residências projetadas por Geraldino Duda em Campina Grande não haviam sofrido nenhum tipo de alteração no projeto original da fachada. Para isso, a pesquisa trabalhou com ferramentas de registro fotográfico, descrições e fontes documentais existentes.

Na segunda etapa, com o intuito de registrar e estabelecer um padrão cromático, o material coletado foi inventariado em fichas cujo modelo foi elaborado pelo GRUPAL - Grupo de Pesquisa Arquitetura e Lugar, com a finalidade de pesquisar o patrimônio arquitetônico moderno de Campina Grande.

A pesquisa delimitou-se apenas a investigar as cores dos revestimentos contidos nas fachadas das residências modernas projetadas por Geraldino Duda, que resistiram sem quaisquer intervenções posteriores após sua construção. Não houve interesse em estudar a cor da pintura das paredes, pois essa é uma variável da qual não se pode ter controle, visto que, durante as décadas, tais residências sofreram ou podem ter sofrido alterações de cor e tonalidades. Os revestimentos cerâmicos permanecem em sua cor original desde a projeção das casas, pois os mesmos recebem tratamento com esmalte que prolongam sua vida útil.

6 AnálisesPara as análises experimentais da pesquisa, foram descritos os

procedimentos utilizados no registro, através de fotografia das fachadas das residências. Assim, esta etapa relaciona-se com o tratamento dos dados coletados anteriormente, através de uma análise detalhada dos tipos de revestimentos utilizados nas residências projetadas por Geraldino Duda.

6.1 Instrumento de análiseAs fichas de análise da pesquisa, desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa

Arquitetura e Lugar - GRUPAL, cadastrado no CNPq objetiva a documentação e acervo do patrimônio moderno de Campina Grande. Para o inventário visual dos exemplares das residências modernas projetadas por Geraldino Duda, utiliza-se de algumas informações de registro. A primeira parte da ficha contém os dados sobre a classificação temática do imóvel, localização, nome do autor da obra e ano do projeto, mapa de localização da residência, assim como sua localização no mapa da cidade e foto da fachada principal da obra.

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A segunda e última parte da ficha apresenta fotos e ilustrações de detalhes importantes do imóvel, descrição arquitetônica com dados tipológicos, dados cronológicos, dados biográficos do autor da obra e dados técnicos, como os sistemas construtivos e materiais, restaurações ou intervenções realizadas, o estado de conservação e preservação, além de fontes documentais e bibliográficas sobre o autor e a obra. Ao final é importante registrar a data de preenchimento da ficha e se houver alguma entidade financiadora da pesquisa, informar previamente.

Figura 9: Primeira parte da ficha de inventário.Fonte: Medeiros (2018, p. 89).

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Esta ficha foi utilizada na análise das nove residências do corpus analítico definido previamente. A ficha contém dados precisos sobre o imóvel, que servirão para análises posteriores sobre outros elementos das residências. Na presente pesquisa, os dados extraídos das fichas que foram utilizados, se tratam eminentemente dos padrões cromáticos dos revestimentos utilizados nas fachadas das residências.

6.2 As fachadas e revestimentos de superfícieSegundo dados obtidos através de documentos em primeira e segunda

mão, existem na cidade nove casas modernas que foram projetadas e concluídas nos anos de 1960 que não sofreram nenhum tipo de alteração. O quadro a seguir, sinteticamente, expõe as fachadas das residências postas em análise com o intuito de identificar as cores dos revestimentos.

Figura 10: terceira parte da ficha de inventário.Fonte: Medeiros (2018, p. 90).

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1.3 Resultados e discussõesApós realizada as análises, foram observados os elementos do design de

superfície dos revestimentos cerâmicos das fachadas, explorando o universo dos significantes e significados a respeito dos significantes plásticos cromáticos, onde foram abordados de maneira descritiva.

Assim, o resultado das cores obtidas, contidas nos diferentes movimentos da arquitetura moderna foram registradas e capturadas das imagens por meio de softwares gráficos (ver Quadro 2). Em seguida, foram expostas figurativamente as cores da arquitetura moderna no Brasil e em Campina Grande, para que pudesse ser feita a comparação, a fim de entender como ambas dialogavam

Quadro 1: Casas projetadas em Campina Grande na década de 1960.Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

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entre si.

Através dos dados obtidos com a presente pesquisa, notou-se uma grande diferença no uso das cores dentro do próprio movimento da arquitetura moderna difundido na Europa e América do Norte. Na medida em que o movimento vai adquirindo um caráter funcionalista, a acromaticidade vai incorporando significados sobre o excesso de cor como algo supérfluo.

No Brasil, os conceitos sobre cor aplicados por Le Corbusier foram incorporados pelos mestres precursores das escolas carioca e paulista, que trataram de difundir através das revistas de arquitetura, os princípios da modernidade adotados em suas obras.

Nas obras precursoras modernas brasileiras, houve no início, nas décadas de 1930 a 1950 o emprego da cor branca no tratamento volumétrico, utilizando-se da influência da “fase branca” de Le Corbusier e das obras dos mestres da Bauhaus, tais como Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Walter Gropius, que ao adotarem os critérios modernos de abstração formal, tinham nesta cor, uma maior leveza plástica, menos informações visuais.

Ao se analisar o cenário nacional, é prudente se debruçar um olhar mais atento para as linhas adotadas pelas principais escolas modernas brasileiras, pois elas diferem entre si, e consequentemente, foram as responsáveis por certos “modismos” que circularam no país.

A Escola Carioca, como descrita por Segawa (1997; 101), foi formada pelos arquitetos Lúcio Costa, Jorge Moreira, Affonso Reidy, Carlos Leão, Sérgio Bernardes, Oscar Niemeyer, entre outros, adotou uma linguagem mais influenciada diretamente por Le Corbusier, e tendo Lúcio Costa à frente, opta

Quadro 2: As cores obtidas nas análises.Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

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pelo diálogo entre modernidade e lugar, entre tradição e modernidade, pela adaptação dos princípios modernos aos trópicos, procurando utilizar materiais nativos, soluções construtivas influenciadas pela cultura brasileira, que também buscassem soluções climáticas acertadas para a realidade local (AFONSO e MENESES, 2015).

Tal atitude leva ao uso de uma materialidade construtiva pautada no uso da cor branca, usada nas construções coloniais brasileiras, e em revestimentos cerâmicos em tons de azul, como os encontrados em painéis artísticos realizados por Anísio Medeiros, Cândido Portinari, Athos Bulcão, presentes em obras simbólicas como o edifício do Ministério e Saúde do Rio de Janeiro, do conjunto arquitetônico de Pampulha, em Belo Horizonte e das obras pioneiras de Brasília.

Segundo Bruand (2010), a escola paulista, por sua vez, composta em um primeiro momento da modernidade por arquitetos como Gregori Warchavchik, Rino Levi, Oswaldo Bratke, Vilanova Artigas, além de sofrer influência de Le Corbusier, terá também, um ligação forte com a produção do estilo internacional norte-americano produzido no pós-guerra, que introduz de maneira mais eficaz o uso de produtos industrializados e com tecnologia mais avançada, tais como técnicas construtivas do concreto armado, principalmente, que fará com que haja um predomínio de uma linguagem brutalista, anos depois, com a presença da cor cinza, contrastando com o uso das peles em madeira, presentes nas esquadrias e detalhes.

Dessa forma, pode-se afirmar que a abstração formal da linguagem arquitetônica moderna sempre privilegiou cores neutras, como o branco, nas grandes superfícies; o cinza na marcação de elementos estruturais, como pilares e vigas; e o preto no arremate de grades de esquadrias. O uso das cores primárias, como o azul, vermelho e amarelo foi evitado, e quando usado, era de forma muito pontual em paredes internas, tal como fez Vilanova Artigas, ao adotar o chamado “azul artigas” em paredes de fundo de espaços mais generosos.

Há de se reforçar aqui, que nestes anos de modernidade arquitetônica a dimensão espacial e funcional eram as maiores preocupações da produção realizada pelos profissionais. A dimensão construtiva, ou tectônica - que preza os elementos que compõem um núcleo estruturante, os invólucros, os detalhes construtivos, só veio ser mais valorizada, décadas depois, com a crise da modernidade, e o advento da linguagem pós-moderna, que valorizava a arquitetura como imagem e comunicação, e consequentemente o maior uso da cor, que foi bem marcante neste período.

Em Campina Grande, a modernidade chegou tardiamente, e somente nos anos de 1960, arquitetos oriundos principalmente de Recife, influenciados pela Escola Carioca, encontraram na cidade, oportunidade de desenvolver uma arquitetura residencial moderna devido ao crescimento industrial que a cidade passou a ter reforçado, devido à presença de investimentos da Sudene (AFONSO, 2017).

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As obras de arquitetos como Augusto Reynaldo, Tertuliano Dionísio, Hugo Marques e do engenheiro civil e arquiteto autodidata Geraldino Duda, adotaram na cidade o vocabulário plástico formal onde predominava os volumes puros geométricos, com planos revestidos por elementos vazados, naturais ou vitrificados, em cores que eram tendência do mercado na época, tais como o amarelo, o rosa.

Quando o movimento eclodiu em Campina Grande na década de 1960, identifica-se a presença de um grande número de revestimentos na cor marrom, com tons que seguem até o amarelo ocre. Encontram-se também vários revestimentos na cor azul. Em entrevista com o arquiteto Geraldino Duda, ele descreve o uso de tais cores na arquitetura campinense por fazer referência “ao solo paraibano e ao céu da rainha da Borborema, sempre azul, sereno e sublime”, características que o mesmo descreve como intrínseca às suas obras (MEDEIROS, 2016).

Analisando o matiz azul e marrom a partir da teoria das cores, percebeu-se que os tons de tais cores são complementares, o que reforça o uso de contraste em diversos aspectos das obras: de materiais, cores, formas e texturas.

Como este trabalho está focado no uso da cor nos revestimentos cerâmicos das fachadas modernas campinenses, pode-se observar que foram adotadas na maioria das casas analisadas, volumetrias nas quais o uso das platibandas eram uma constante, com a marcação dos elementos estruturais em sua forma construtiva aparente, com jogos de planos de superfícies de fachadas que adotaram revestimentos como o casquilho natural ou vitrificado na cor marrom, ou bege, que contrastavam com os panos de cobogós na cor amarela, ou mesmo, com planos de peles em pastilhas ou pedras cerâmicas na cor azul.

6 Considerações finaisO resultado da pesquisa, através de uma análise comparativa, serviu para

observar as soluções projetuais e construtivas dessa produção, analisando-se no caso específico deste artigo, o tratamento dado às superfícies das fachadas quanto ao uso da cor, servindo para afirmar que houve uma adaptação ao contexto local do movimento de arquitetura moderna em Campina Grande. Neste sentido, foi possível compreender como a cor – mesmo que acromática, como nas obras de Le Corbusier e Frank Lloyd Wright – é um elemento utilizado com o mesmo rigor de outros implementos da arquitetura moderna. Os revestimentos pétreos não foram inseridos como objeto da pesquisa, pois eles possuem variação de cor natural e características próprias do material, inerentes a este tipo de superfície.

Concluiu-se que houve uma forte influência da Escola Carioca na cidade, devido ao trabalho de arquitetos oriundos de Recife, que também receberam no curso de arquitetura e urbanismo da Escola de Belas Artes de Pernambuco tal influência e replicavam na produção de seus escritórios, trazendo para a cidade de Campina Grande, o vocabulário plástico formal, e os elementos que materializavam

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os seus projetos arquitetônicos (AFONSO, 2006).

Há de se frisar também, que a indústria de materiais de revestimentos possuía suas sedes fabris no sudeste, sendo distribuídos através de portos, como o do Recife, que transportavam para as cidades circunvizinhas as novas tendências, adotando uma materialidade uniforme e padronizada, devido à inexistência de fábricas cerâmicas locais, que produzissem pastilhas ou azulejos.

Fato que comprova tal afirmativa foi o caso do uso de ladrilhos hidráulicos durante a modernidade em Campina Grande, com a manutenção de uma técnica artesanal, em busca de um design diferenciado e autoral, criado pela Fábrica Metro. Nesta produção observou-se o uso de cores mais profusas e diversificadas, fugindo dos tons em azul dos painéis cariocas (AFONSO e MEDEIROS, 2018).

Ressalta-se que a cor é um dos aspectos abordados nas investigações do GRUPAL - CNPq a respeito do patrimônio arquitetônico moderno campinense, sendo de suma importância para o presente estudo os dados coletados, pois as informações obtidas do número de residências modernas que não sofreram alterações foram concluídas através do inventário do legado moderno de Campina Grande.

Portanto, assim como a estrutura arquitetônica, a cor original das residências também deve ser preservada e mantida com total diligência, pois se trata de um elemento com alto valor agregado a história, visto que, a arquitetura moderna da cidade possuía a característica de ser mais “colorida” que as demais produzidas nacionalmente e internacionalmente.

Registrar a especificidade da cor e dos materiais cerâmicos das superfícies é resistir à destruição de algo que a cada dia vem se tornando recorrente na cidade - demolir o passado para construir o presente -, o que tem mobilizado pesquisadores e grupos de proteção ao patrimônio como o DOCOMOMO, organização não governamental que está presente em mais de 40 países, empenhando-se na documentação e a preservação das criações do movimento moderno na arquitetura, urbanismo e áreas afins.

Assim, a peculiaridade das cores nos revestimentos analisados, age como um provocador para discussões sobre o design de superfície e sobre como a cor se comporta nas superfícies em patrimônios edificados. Há muito ainda por ser pesquisado, analisado e valorizado. O trabalho segue procurando dar continuidade aos estudos e ampliar a rede de pesquisadores que dialogue o design de superfície com a arquitetura.

Referências AFONSO, Alcília. La consolidación de la arquitectura moderna en Recife en

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autores

Arthur Thiago Thamay Medeiros.Doutorando em Design – PGDesign, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS Mestre em Design – PPGDesign, Universidade Federal de

Campina Grande, UFCG | [email protected].

Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo.Doutora em Projetos Arquitetônicos - Universitat Politècnica de Catalunya, UPC, Espanha. Mestre em História - Universidade Federal de Pernambuco,

UFPE. Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo - UFCG | [email protected]

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