Semiótica - Charles Sanders Peirce

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Semiótica - Charles Sanders Peirce

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  • SEMI TICA

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  • Semitica

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    Coleo Estudos Dirigida por J. Guinsburg

    Equipe de realizao -Traduo: Jos Teixeira Coelho Neto; Reviso de texto: J. Guinsburg; Reviso de provas: Jos Bonifcio Caldas; Produo: Ricardo W. Neves e Raquel Fernandes Abrancbes.

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  • Charles Sanders Peirce

    SEMITICA

    \I/ PERSPECTIVA n1,,-$"

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    Ttulo do origin_al The Col/ected Papers of Charles Sanders Peirce

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Peirce, Charles Sanders, 1839-1914. Semitica I Charles Sanders Peirce ; [traduo

    Jos Teixeira Coelho Neto]. -So Paulo : Perspectiva, 2005. -- (Estudos ; 46 I dirigida por J. Guinsburg)

    Ttulo original: The collected papers. 2 reimpr. da 3. ed. de 2000. ISBN 85-273-0194-6

    1. Cincia - Filosofia 2. Lgica 3. Pragmatismo 4. Semntica (Filosofia) S. Semitica I. Guinsburg, J. 11. Ttulo. III. Srie.

    05-4904 CDD-149.94

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Semitica : FHosofia 149.94

    J edio - 2 reimpresso

    Direitos reservados em lngua portuguesa EDITORA PERSPECITVA S.A. Av. Brigadeiro Lus Antnio, 3025 01401-000 -So Paulo-SP -Brasil Telefax: (Q-11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.br 2005

  • Sumrio

    NOTADOTRADUTOR . . . ............ .. . . . ...................... . . . ................ ... XI PARTE I A. DEPRINCfPIOS DE FILOSOFIA

    l.ESPCIESDERAC!OCNIO . . . . . . ..................... . . . ................. 5 2.TRADES ............................................................... ........ 9

    1. A trfade no raciocnio. . . . . . .... . . . . . .... . . . . . ....... . . . . . . . . . . . . ........ 9 2. A trfade na metafsica .................................. ........ .. ....... 12 3. A trfade na psicologia .............................. , ............... 13

    B.DEELEMENTOSDE LGICA

    1. SINOP SE PARCIAL DE UMA P ROPOSTA PARA UM TRABALHOSOBRELGICA ............................................... 21

    1. Originalidade, obsistncia e transuaso ..................... 21 2. Tennos, proposies e argumentos . . ............................. 29 3. Clareza de idias ......... .......... ................ . . . . . .................. 32 4. Abduo, Deduo e Induo ..................... ......... .... ..... 32 5. Retrica especulativo ....... .... . . . . ... .. ...... .............. ........... 35

    2.ATICADA TERMINOLOGIA ......................................... 39

    3. DMSO DOS SIGNOS ...................................................... 45 1. Fundamento, objeto e interpretante . . . . . .. .. . . ............... ... 45 2. Os signos e seus objetos . . . . . . ...... . . . . . . . ............ ................. 46

  • VIII

    L

    SEM! TICA

    3. Diviso das relaes tridicas .... . . . . . . ..... . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . 48 4. Uma tricotomia dos signos ........................................... 51 5. Uma segunda tricotomia dos signos.......... . . . . . . . . ........... 52 6. Uma terceira tricotomia dos signos.. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. 53 7. Dez classes de signos .. . . . ...... . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . ...... . . . . . . . . ..... 55 8. Signos degenerados... . . . ................... . . . . . . . . ....... . . . . . . . . . .. . . . 58 9. A tricotomia dos argumentos... . . . . . . . . . . ....... . . . . . . . ........ . . . . . 59 1 O. Tipos de proposio........ . . . . . . . . . . ...... . . . . . . . . . . ....... . . . . . . . . . . . 60 11. Representar............................. . . . . . . . ....... ........ .............. 61

    4.CONE,NDICEESMBOLO ................................... 63 1. cones e Hipocones ........ . . . . . . . . . . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... . . 63 2. ndices genuzos e degenerados........ . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . 66 3. A natureza dos sfmbo/os ... .... . . ... . . :................................ 71 4. Signo ............................................................................. 74 5. ndice ......................................... .................... 74 6. Snbolo ............................................................. 76

    5.PROPOSIES ........................... . . . ...................... 77 1. As caractersticas dos dicissignos .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .......... 77 2. Sujeitos e predicados .. . . . . . ......................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 3. Dicotomias das proposies... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . . 86 4. Uma interpretao pragmtica do sujeito lgico........ 87 5. A natureza da assero .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ...... 89 6. Proposies e argumentos rudimentares ..................... 94 7. Sujeito ............. ....................................................... 101 8. Predicado ................................................................... 103 9. Predicao .......................................................... 1(M. 1 O. Quamidade ...................... . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 11. Universal . . . . ................................... 109 12. Particular .................................................................. 113 13. Qualidade ............................................ 114 14. Negao ........... ........................... ........................ 116 15. Limitativo .................................... 118 16. Modalidade ............................... 119

    6.1ERMOS ............................................................................ 127 1. Que estas concepes no so to modernas quanto tm sido representadas..... ..................... .............. ... . . . . .... .. 127 2. Dos diferentes temws aplicados s quantidades da extenso e co1npreenso ................................. .................. 129 3. Dos diferentes sentidos nos quais os tennos extenso e compreeiiSo tm sido aceitos ....... .................... 131 4. Negaes da proporcionalidade. inversa das duas quantidades e sugestes de um. terceira quantidade ...... 134

  • SUMRIO IX

    5. Trs principais sentidos em que compreenso e extenso sero consideradas neste ensaio ....................... 136 6. As concepes de qualidade, relao e representao, aplicadas a este assunto... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 7. Suplemento de I893 ............................................ 143

    7.1. Significao e aplicao ................................ 146

    7. A TEOR IA GRAMATICAL DO JUZO EDA INFERNCIA ................................................................... 149

    I. Jufzos ..................................................................... 149

    8.A BASELGICADAINFERNCIA SJNTTICA ............ 153

    e 9.0QUEOSIGNIFICADO?,DBLADYWELBY ......... 157

    C . DE CORRESPONDNCIA

    1. SIG NOS .................................................................. 167

    PAIUEll

    A. DE APOLOGIA DO PRAGMATISMO

    1.GRAFOSE SIGNOS ......................................... 175

    2. UNIVERSOSEPREDI CAMENfOS .................................... 179

    B. DE PRAGMATISMO EPRAGMATICISMO

    " l.ACONST RUOARQUITETNICADO P RAGMK!1SMO ............................................................... 193

    2.0STRSTIPOS DOBE!v! ............................................... 197 I. As divises da filosofia ............................................ 197

    2. O bem tico e o bem esttico .................................. 201 3. O bem da lgica ................................................. 2(

    3.TRS TIPOS DE RACIOCNIO ................................. 211 I. Juzos perceptivos e generalidade .............................. . 211

    2. O plano e os estgios do raciocnio .................. 214 3. Raciocnio indutivo ...................................................... 218 4. Instinto e abduo ........................................................ 220 5. Significado de um argumento ....................................... 222

    4.PRAGMATISMOEABDUO ......................................... 225

  • X SEM!TICA

    1. As trs proposies cotn'as ............................... .......... 225 2. Abduo e ju(zos perceptivos ....................................... 226 3. Pragmatismo- A lgica da abduo ........................... 232 .J. As duas funes do pragmatismo .................................. 237

    5.QUESTESREFERENTESA CEIITASFACULDADES REIVINDICADAS PELOHOMEM ......................................... 241

    6.ALGUMAS CONSEQNCIASDEQUMRO INCAPACIDADES ................................................................. 259

    1. O esprito do carte.sianismo .......................................... 259 2. Ao Mental ............ ...................................................... 261 J.Signospensa1nento ........................................................ 2fJ}

    7.0QUEOP RAGMATISMO ............................................. 283 I. A concepo de assero dos experimentalistas ......... 283

    2. Nomenclatura filosfica ................................................ 285 3. Pragnzaticismo .............................................................. 286 4. Pragmaticismo e o idealismo absoluto hegeliano ....... 2fJ7

    C . DEFIWSOFIAD O ESPRITO

    l.CONSCINCIAELINGUAGEM ......................................... 303

    D.DERESENHAS

    !.THEIVORKSOF GEOI,I.GEBERKELEY:AEDIO DEFRASER ........................................................................... 315

    I. Introduo ..................................................................... 315 2. A formulao do realismo ............................................. 319 3. Scqtus, Ocam e.Hobbes ............................. : ................... 323 4. A filosofia de Berkeley .................................................. 328 5. Cincia, e realisnzo .............................. .......................... 335

  • Nota do Tradutor

    No se pretende aqui, como costume nestes casos, tentar uma espcie de introduo explicativa da obra do autor traduzido, uma vez que o leitor tem fcil acesso a vrios trabalhos, tanto em outras lnguas quanto em portugus, Q,.Ue se dedicam a essa tarefa com maior propriedade e capacidade. E apenas para orientar o leitor que se dir que na primeira parte deste volume encontram-se textos onde Peirce expe e discute as bases de sua doutrina dos signos, ou semitica. Como se pode ver da leitura do ndice. a maior parte dos ensaios que compem esta primeira seo pertence a um tpico mais amplo das obras de Peirce denominado .. Elementos de lgica" (devendo lembrar-se o leitor que, para Pierce, Lgica apenas um outro nome para Semitica, e vice-versa), onde so analisa dos os signos, sua diviso tridica bsica, suas classes, as noes de significado, de interpretante, etc., bem como as normas e a natureza das combinaes dos signos em proposies e juizos.

    Na segunda parte, os textos selecionados formulam as ques tes filosficas fundamentais em Peirce - se bem que talvez seja insensato dizer que na obra de Peirce existe uma parte que diz respeito Semitica ou Lgica e outra que se refere Filosofia, uma vez que a primeira pervade totalmente a segunda, formando com esta um bloco unitrio de pensamento. De qualquer forma, nesta parte, alm de expor as bases de seu Pragmatismo (e de explicar as razes do posterior Pragmaticismo), Peirce faz uma resenha crtica daquilo que ele considerava as principais tendncias filosficas de seu tempo, tendo sido escolhido para encerrar esta seo um breve ensaio, "Conscincia e linguagem", .onde Peirce exercita uma se mitica do homem, demonstrando com isso as possibilidades filo sficas da disciplina de que se tornou um dos mais completos e exaustivos formuladores, e um outro texto, uma anlise de uma edio das obras de Berkeley, que Peirce termina por uma aprecia o da filosofia em comparao com disciplinas que, como a mate mtica, supostamente atendem melhor s necessidades tecnolgicas

  • XII SEMIilCA

    de sua poca e da atual, e por uma colocao da filosofia em relao queslo indivduosociedade.

    A diviso entre estas duas partes, como j se observou, no 'estanque, e pode-se ver que. a todo instante, Peirce procede a uma retomada, para aprofundamento, de noes anteriormente abordadas; no se trata portanto de repeties mas, sim, de complementaes de uma anlise inicial.

    O leitor que j conhea outros textos traduzidos de Peirce, ou ensaios sobre sua obra, notar uma divergncia na traduo de certos termos. Por exemplo, preferiu-se aqui utilizar as formas Primeicidade, Secundidade e Terceiridade e no, como j se faz, Primariedade, Secundariedade e Terciariedade; embora estas possam ser as construes portuguesas corretas para Firstness, Secondness e Thirdness, o tradutor acredita que as formas aqui adotadas correspendem melhor quilo que Peirce tinha em mente quando forjou tais termos. Com as formas empregadas, elimina-se qualquer aluso possvel s idias de primrio, secundrio e tercirio (que parece no ser aquilo a que Peirce se refere) restando apenas as noes de primeiro, segundo e terceiro. Tanto em relao a estes termos como a outros de traduo divergente de outras tradues, portanto, isso significa que o tradutor pretendeu uma captao que lhe pareceu mais adequada do sentido original, e no que ele desconhea as tradues existentes - o que no impede menos que ele esteja errado.

    Foi mantida a numerao dos pargrafos utilizada na edio que serviu de base para esta traduo (The Co/lected Papers of Charles Sanders Peirce, Charles Hartsforne e Paul Weiss), org. assim como se manteve todas as notas do texto original, quer remetam a trechos aqui publicados ou no; pensou-se com isto facilitar o eventual trabalho do leitor que pretenda recorrer s fontes originais. Ressalte-se que indicaes do tipo "'2.219" que o leitor encontra nas notas e na parte superior de cada pgina desta edio devem ser lidas do seguinte modo: volume 2 (da edio americana), pa rgrafo 219. .

    Pela colaborao e sugestes dadas, o tradutor expressa seus agradecimentos a J. Guinsburg, Haroldo de Campos e Dcio Pigna tari - os quais, naturalmente, s so responsveis pelos eventuais acertos da traduo e no por suas falhas.

    J. Teixeira Coelho Netto

  • Parte I

  • I_

  • A. De/'IP!inncpos de !Fosofiat

  • 6 SEMI TICA

    e o outro ponto, um nmero par de vezes (ou zero). Isso deduo .

    67. Induo o moao Qe raciocnio que adota uma concluso como aproximada por resultar ela de um mtodo de inferncia que de modo geral. deve no final conduzir verdade. Por exemplo u navio carregado com caf entra num porto. Subo a bordo e clho uma amostra do caf. Talvez eu no chegue a examinar mais do que cem'gros, mas estes foram tirados da parte superior do meio e da parte inferior de sacas colocadas nos quatro cantos

    'cto poro

    do navio. Concluo, por induo, que a carga toda tem o mesmo valor, por gro, que os cem gros de minha amostra. Tudo o que a induo pode fazer determinar o valor de uma relao.

    68. Retroduo a adoo provisria de uma hiptese em virtude de serem passveis de verificao experimental todas suas possveis conseqncias, de tal modo que se pode esperar que a persistncia na aplicao do mesmo mtodo acabe por revelar seu desacordo com os fatos, se desacordo houver. Por exemplo. todas as operaes qumicas fracassam na tentativa de decompor o hidrognio, ltio, berlio, brio, carbono, oxignio, flU.or. sdio ... ouro, mercrio, tlio, chumbo, bismuto, trio e urnio. A titulo provisrio, supomos que tais elementos so simples pois, caso contrrio, experincias similares detectariam sua natureza composta, se que ela pode ser detectada. A isso chamo retroduo.

    69. Analogia a inferncia de que num conjunto no muito extenso de objetos se estes esto em concordncia sob vrios aspectos, podem muito provavelmente estar em concordncia tambm sob um outro aspecto. Por exemplo, a Terra e Marte esto em concordncia sob tantos aspectos que no parece improvvel que possam concordar tambm quanto ao fato de serem habitados.

    70. Os mtodos de raciocnio da cincia tm sido estudados de vrios m9dos e com resultados que diferem em pontos importantes. Os seguidores de Laplace tratam o assunto do ponto de vista da teoria das probabilidades. Aps as correes feitas por Boole a e outrosb, esse mtodo produz substancialmente os resultados acima indicados. Whewell c. descreveu o raciocnio tal como este se apresentou a um homem to profundamente versado em vrios ramos da cincia como s um verdadeiro pesquisador pode ser, e que acrescenta a esse conhecimento uma. ampla compreenso da histria da cincia. Esses resultados, como se poderia esperar, tm o mais alto valor, embora existam importantes distines e mzes por ele negligenciadas .. John Stuart Mil! empenhou-se na explicao dos raciocnios cientficos atravs da metafsica nominalista de seu pai. A perspiccia superficial desse tipo de metaftsica tornou sua lgica extremamente popular junto 9-ueles que pensam, mas que no pensam profundamente; aqueles que conhecem algo da cincia, porm mais do exterior do que de seu interior, e que por uma ou outra razo se deliciam com as teorias mais simples ainda que estas fracassem na apreenso dos fatos.

    a. LaM of thought, - 1621. b. lnduindo C.S. Peirce. Cf. ensaio n' I, vol. 3 c. The Philosophy of the lnducrive Sciences, 1840.

  • ESPCIES DE RACIOC!NIO 7

    71. Mill nega que tenha havido algum tipo de raciocnio no mtodo de Kepler. Diz que se trata apenas de uma descrio dos fatos a. Parece supor que Kepler extraiu das observaes de Tycho todas as noes sobre as posies de Marte no espao, e que tudo o que Kepler fez foi generalizar estes fatos e assim obter, para estes. uma expresso geral. Ainda que tudo se resumisse nisto, sem dvida ai j haveria inferncia. Se Mill tivesse tido um conhecimento prtico de astronomia a ponto de poder discutir os movimentos das estrelas duplas, teria percebido isso. Mas, caracterizar' assim o trabalho de Kepler dar mostras de uma ignorncia total a respeito do assunto. Mill. sem dvida, nunca leu o De Mo tu (Motibus) Stellae Martis, que no fcil de se ler. A razo desta dificuldade est em que essa obra exige, do comeo ao fim da leitura, o mais vigoroso exerccio dos poderes do raciocnio.

    72. O que Kepler apresentou foi um amplo conjunto de observaes das posies aparentes de Marte no espao em momentos diferentes. Ele tambm sabia, de um modo geral, que a teoria ptolomaica concorda com as aparncias. embora fosse difcil encaixla corretamente. Alm do mais, estava convicto de que a hiptese de Coprnico tinha de ser aceita. Ora, essa hiptese, tal como o prprio Coprnico entendeu em seu primeiro esboo, simplesmente modifica a teoria de Ptolomeu quanto a atribuir a todos os corpos do sistema solar um movimento comum, apenas o necessrio para anular o hipottico movimento do sol. Pareceria assim, primeira vista, que ela no deveria afetar as _aparncias de modo algum. Se Mil! tivesse chamado o trabalho de Coprnico de mera descrio no teria estado to longe da verdade como estava. Mas Kepler no entendeu a questo da mesma forma como o fez Coprnico. Em virtude de estar o sol to perto do celltro do sistema, e em razo de seu enorme tamanho (mesmo Kepler sabia que seu dimetro devia ser pelo menos qUinze vezes o da Terra). Kepler, assumindo um ponto de vista dinmico, pensou que isso tivesse algo a ver com o fato de moveremse os pianetas em suas rbitas. Esta retroduo, vaga como era, custou um grande labor intelectual, e exerceu muitas influncias sobre todo o trabalho de Kepler. Ora, Kepler observou que as linhas das apsides das rbitas de Marte e da Terra no so parale!as, e da maneira mais engenhosa possvel serviu-se de vrias observaes para inferir que elas provavelmente se intersectam no sol. Por conseguinte, de supor que uma descrio geral do movimento seria mais simples quando se referisse ao sol como um ponto fixo de referncia do que quando se referisse a qualquer outro ponto. Da seguiu-se que as pocas apropriadas para observarse Marte a fim de determinar sua rbita eram aquelas em que Marte estava em oposio ao sol - o verdadeiro sol --e no aquelas em que estava em oposio ao sol hipottico, como se havia feito at ento. Desenvolvendo essa idia, obteve ele a teoria sobre Marte que satisfazia perfeio as longitudes em todas as oposies observadas por Tycho e por ele mesmo, em nmero de treze. Mas, infelizmente, no satisfazia de modo algum as latitudes, e era totalmente irreconcilivel com as observaes de Marte quando distante de uma posio de oposio.

    73. Em cada, etapa de sua longa investigao, Kepler tem

    a. Jbid., livro 111, Cap. 2, 3.

  • '- -

    8 SEMIOTICA

    uma teoria que aproximadamente verdadeira, uma vez que aproximadamente satisfaz as observaes (isto , com uma margem de 8 polegadas, o que nenhuma outra observao, salvo a de Tycho, poderia indicar como sendo um erro), e chega a modificar sua teoria, aps a mais cuidadosa e judiciosa reflexo, de tal maneira a torn-la mais racional ou mais prxima do fato observado. Assim. tendo descoberto que o centro da rbita bissecta a excentricidade, encontra neste fato um indicio da falsidade d a teoria do equante * e substitui, por causa deste recurso artificial1 o princpio da uniforme descrio das reas. Subseqentemente, descobrindo que o planeta move-se mais depressa a noventa graus de suas apsides do que deveria faz-lo, a questo passou a ser saber se isto se devia a u m erro n a le das reas o u s e a uma compresso da rbita. Engenhosamente, ele demonstra que se trata desta ltima hiptese.

    74. Assim. nunca modificando caprichosamente sua teoria, pelo contrrio, tendo sempre um motivo slido e racional para qualquer modificao que fizesse. tem-se que quando ele finalmente procede a uma modificao - da mais notvel simplicidade e racionalidade - que satisfaz exatamente as observaes., essa modificao firma-se sobre uma base lgica totalmente diferente da que apresentaria se tivesse sido feita ao acaso. ou de um outro modo que no se sabe qual seja e se tivesse sido encontrada para satisfazer as observaes. Kepler demonstra seu aguado senso lgico no detalhamento do processo total atravs do qual ele finalmente chega rbita verdadeira. Este o maior exemplo de raciocinio retrodutivo jamais visto.

    Do latim aequans, aequanlis (deaequare, igualar): termo da astronomia antiga que indica um circulo imagiruirio usado para determinar os movimentos dos pla netas. (N. do T.)

  • 2. Trades

    1. A TRADE NO RACIOCNIO

    369. Foi Kant, o rei d o pensamento moderno, quem primeiro observou a existncia, na lgica analtica, das distines tricotmicas ou tripartidas. E realmente assim ;, durante muito tempo tentei arduamente me convencer de que isso pertencia mais ao reino da imaginao, porm os fatos realmente no permitem este enfoque do fenmeno. Seja um silogismo ordinrio:

    Todos os homens so mortais, Eliar era um homem Portanto, Eliar era mortal.

    H, aqui, trs proposies, a saber, duas premissas e uma concluso; h tambm trs termos, homem, mortal e E/iar. Se intercambiamos uma das premissas com a concluso, negando ambas, obtemos aquilo que chamado de figuras indiretas do silogismo; por exemplo

    a. De .. One, two, three: fundamental categories of Thought and of na ture", de 1885 aprox.

  • lO SEMI TICA

    Todos os homens so mortais, Mas Eliar no era mortal; Portanto, Eliar no era um homem.

    Eliar no era mortal, Mas Eliar era um homem; Portanto, alguns homens no so mortais.

    Assim, h trs figuras do silogismo ordinrio. verdade que h outros modos de inferncia que no se colocam sob nenhum destes trs tpicos; porm isso no anula o fato de que se tem, aqui, uma tricotomia. Com efeito, se examinarmos em si mesmo aquilo que alguns lgicos chamam de quarta figura, descobriremos que ela tambm tem trs variedades relacionadas umas com as outras tal como as trs figuras do silogismo ordinrio. Existe um modo inteiramente diferente de conceber as relaes das figuras do silogismo, a saber, atravs da converso das proposies. Mas, tambm a partir desse ponto de vista preservam-se as mesmas classes. DeMorgan a acrescentou um bom nUmero de novos modos silogsticos que no encontram lugar nesta classificao. O ra ciocnio nestes modos tem um carter peculiar e introduz o princpio do dilema. Mesmo assim, considerandose estes ra ciocnios dilemticos em si mesmos, entram eles em trs classes de um modo exatamente idntico. J mostrei b que as inferncias provvel e aproximada da cincia precisam ser classificadas a partir dos mesmos princpios, devendo ser Dedues, Indues ou Hipteses. Outros exemplos de triplicidade na lgica so os enun ciados daquilo que real, daquilo que possvel e daquilo que ne cessrio; os trs tipos de formas, Nomesc, Proposies e In fernciasd; as respostas afirmativa, negativa e incerta a uma per gunta. Uma trade particularmente importante a seguinte: descobriu-se que h trs tipos de signos indispensveis ao raciocnio; o primeiro o signo diagramtico ou (cone, que ostenta uma semelhana ou analogia com o sujeito do discurso; o segundo o (ndice que, tal como um pronome demonstrativo ou relativo, atrai a ateno para o objeto particular que estamos visando sem des crevlo; o terceiro (ou smbolo) o nome geral ou descrio que significa seu objeto por meio de uma associao de idias ou conexo habitual entre o nome e o carter significado.

    3 70. Contudo, h uma triade em particular que lana uma poderosa luz sobre a natureza de todas as outras trades. Isto , achamos ser necessrio reconhecer, em lgica, trs tipos de caracteres, trs tipos de fatos. Em primeiro lugar, h caracteres singulares que so predicveis d objetos singulares, tal como quando dizemos que algo branco, grande, etc. Em segundo lugar, h caracteres duplos que se referem a pares de objetos: estes so implicados por todos os termos relativos como "amante", "similar", outro", etc. Em terceiro lugar, h caracteres plurais, que podem ser reduzidos a caracteres triplos mas no a caracteres

    a. Formal Logic. Cap. 8. Ver tambm 2.568. b. Ver vol. 2. livro 111. Cap. 2 e 5 dos Collecled Papers. c. Ou Termos, mas ver 372. d. Ou ArgUmentos.

  • TRIADES 11

    duplos. Assim, no podemos exprimir o fato de que A um benfeitor de B atravs de uma descrio de A c B scpamdamcntc; devemos introduzir um termo relativo. Isto necessrio no apenas em ingls como igualmente em toda lngua que e pdesse inventar. Isto verdadeiro mesmo de um fato como A e maiS alto que B. Se dizemos "A alto, mas B baixo'', a conjugao "mas .. tem uma fora relativa, e se omitimos esta palavra a simples coloc

  • 12 SEMITICA

    no fato de a mente associar o signo com seu objeto; neste caso o signo um nome a (ou sfmbolo). Considere-se, agora, a diferea entre um termo lgico, uma proposio e uma. inferncia Um termo uma simples descrio geral, e como nem o cone, nem o indice tm generalidade, deve ser um nome; e no nada mais do que isso. Uma proposio tambm uma descrio geral, mas difere de um termo pelo fato de ter a inteno de estar numa relao real com o fato, de ser por ele realmente determinado; destarte, uma proposio s pode ser formada pela conjuno de um nome com. um ndice. Tambm uma inferncia. contm uma. descrio geral ...

    2. A TRfADE NA METAFfSICA

    373. Passarei rapidamente pelas concepes que representaram um papel importante na filosofia pr-socrtica e tentarei ver at que ponto podem ser expressas em termos de um, dois, trs.

    I. A primeira de todas as concepes da filosofia a de uma matria pnmeira a partir da qual feito o mundo. Tales e os primeiros filsofos jnicos ocuparam-se principalmente com esta noo. Chamaram-na de 'apxil , o princpio, de tal modo que a concepo de primeiro a qumtessncia dessa noo. A natureza era um enigma para eles, e procuraram explic-la: de onde surgiu ela? Essa era uma boa pergunta mas era tolice supor que iam aprender muita coisa mesmo qu pudessem descobrir de que tipo de matria ela era feita. Mas indagar sobre como ela se havia formado, como eles sem dvida fiZeram, no constitua uma questo exaustiva; s os levaria um pouco mais para trs. Eles pretendiam chegar de imediato ao principio mesmo, e no princpio deve ter havido algo homogneo, pois supunham que, onde h variedade, deve sempre haver uma explicao a ser buscada. O primeiro deve ser indeterminado, e o primeiro indeterminado de alguma coisa o material de que ele formado. Alm do mais, a idia deles era que no podiam dizer como era formado o mundo a menos que soubessem onde comear sua explicao. O mtodo indutivo de explicao dos fenmenos que consiste em segui-los passo a passo at suas causas no era conhecido no apenas por eles como por toda a filosofia antiga e medieval; essa uma idia baconiana. A indeterminao realmente o carter do primeiro. Mas no a indeterminao da homogeneidade. O primeiro est cheio de vida e variedade. Todavia, essa variedade apenas potencial, no est ali presente definidamente. Mesmo assim, a noo de explicar a variedade do mundo, que era aquilo com que eles piincipalmente se preocupavam, pela no-variedade era completamente absurda. Como que a variedade pode surgir do tero da homogeneidade? Somente por um princpio da espontaneidade, que exatamente aquela variedade virtual que o primeirob.

    a. Cf. 369 b. A continuao desta seo no parece ter sido escrita;. mas ver. vol. 6 dos

    Collected Papers.

  • TR(ADES 1 3

    3. A TRIADE NA PSICOLOGIA'

    374. A linha de raciocnio que me proponho desenvolver peculiar e requerer algum estudo cuidadoso para avaliar sua fora. Deverei submet-la a uma reviso na ltima seo, mas, enquanto isso, desejo observar que o passo que vou dar, que anlogo a outros que se seguiro, no pertence, de modo puro, natureza da suposio, tal como algumas pessoas peritas na avaliao da evidncia cientfica poderiam supor. Vimos que as idias de um, dois e trs so-nos impostas pela lgica, e realmente no podem ser postas de lado. Deparamo-nos com elas no de vez em quando mas, sim, a todo momento. E encontramos algumas razes para pensar que elas so igualmente importantes na metaflsica. Como se explica a extraordinria importncia destas concepes? No seria pelo fato de terem elas sua origem na natureza da mente? Esta a forma kantiana da inferncia, que foi considerada to irrefutvel por esse heri da filosofia; e tanto quanto sei, nenhum estudo moderno fez algo que tenha jogado essa colocao no descrdito. verdade que no mais consideramos uma tal explicao psicolgica de uma concepo como sendo a verso final do pensamento de Kant. Em relao a essa explicao, h muitas questes a serem colocadas mas, com o alcance a que se prope, parece ser satisfatria. Descobrimos que as idias de primeiro, segundo e terceiro so ingredientes constantes de nosso conhecimento. Portanto, isto se deve ou ao fato de nos serem elas dadas continuamente pelas colocaes do sentido ou ao fato de que faz parte da natureza peculiar da mente combinlas com nossos pensamentos. Ora, certamente no podemos pensar que estas idias nos so dadas pelos sentidos. Primeiro, segundo e terceiro no so sensaes. S podem apresentar-se nos sentidos atravs de coisas que surgem rotuladas de primeiras, segundas e terceiras, e as coisas geralmente no trazem esses rtulos. Portanto, devem ter uma origem psicolgica. Uma pessoa deve ser um adepto muito teimoso da teoria da tabula rasa para negar que as idias de primeiro, segundo e terceiro devem-se s tendncias congnitas da mente. At aqui, nada existe em minha argumentao que a distinga da de muitos kantianos. O fato notvel que no me detenho aqui mas, sim, procuro pr a concluso a prova, atravs de um exame independente dos fatos da psicologia a fim de determinar se possvel encontrar vestgios da existncia de trs partes ou faculdades da alma ou modos da conscincia que poderiam confirmar os resultados obtidos.

    375. Ora, trs departamentos da mente so geralmente reconhecidos desde Kant Sentimento (de prazer ou dor), Conhecimento e Vontade. A unanimidade com que tem sido recebido este trisseccionmento da mente , de fato, bastante surpreenden!C. Esta diviso no teve sua origem nas idias peculiares de Kant. Pelo contrrio, foi por ele tomada aos filsofos dogmticos, e sua aceitao deste fato foi, como j se observou, uma concesso ao dogmatismo. Tem sido admitida mesmo por

    a'. Cf. Collected fapers, vol. 8

  • 14 SEMIOTICA

    psiclogos, a cujas doutrinas geraCi essa diviso parece positivamente hostil a.

    376. A doutrina ordinria est aberta a uma variedade de objees a comear do prprio ponto de vista sobre o qual. ela foi inicialmente delineada. Em primeiro lugar, o desejo certamente inclui um elemento de prazer bem como um elemento da vontade: Desejar no querer; uma variao especulativa do querer misturado com uma sensao especulatiya e antecipatria de prazer. A noo de desejo deveria, portanto, ser extrada da definio da terceira faculdade, o que dele faria uma mera volio. Mas volio sem desejo no voluntria; mera atividade. Por conseguinte, toda atividade, voluntria ou no, deveria ser colocada sob a capa da terceira faculdade. Assim, a ateno um tipo de atividade que s vezes voluntria e s vezes no. Em segundo lugar, o prazer e a dor s podem ser reconhecidos como tais num juizo; so predicados gerais atribudos mais a sentimentos do que a sentimentos verdadeiros. Mas um sentir meramente passivo, que no atua e no julga, que tem todas as espcies de qualidades mas que, ele mesmo, no reconhece essas qualidades porque no procede nem a uma anlise nem a uma comparao - eis um elemento de toda conscincia qual se devesse atribuir um ttulo distinto. Em terceiro lugar, todo fenmeno de nossa vida mental. mais ou menos como a cogruo. Toda emoo, toda exploso de paixo, todo exerccio da vontade como a cognio. Mas modificaes da conscincia que so semelhantes possuem algum elemento em comum. A cognio, portanto, nada tem, em si, de distinto, e no pode ser. considerada uma faculdade fundamental. Entretanto, se nos perguntssemos se no existiria um elemento na cognio que no nem sentimento, sensao ou atividade, descobriremos que algo existe, a faculdade de aprendizado de aquisio, memria e inferncia, sntese. Em quarto lugar, debruandoanos mais uma vez sobre a atividade, observamos que a nica conscincia que dela temos o sentido de resistncia. Temos conscincia de atingir ou de sermos atingidos, de nos depararmos com um fato. Mas s ficamos sabendo se a atividade interna ou externa atravs de signos secundrios e no atravs de nossa faculdade original de reconhecer os fatos.

    377. Parece, portanto, que as verdadeiras categorias da conscincia so: primerra, sentimento, a conscincia que pode ser compreendida como um instante do tempo, conscincia passiva da qualidade, sem reconhecimento ou anlise; segunda, conscincia de uma interrupo no campo da conscincia, sentido de resistncia, de um fato externo ou outra. coisa; terceira, conscincia sinttica, reunindo tempo, sentido de aprendizado, pensamento .

    378. Se aceitamos estes modos como os modos elementares fundamentais da conscincia, permitemnos eles uma explicao psicolgica das trs concepes lgicas da qualidade, relao e snte .. se ou mediao. A concepo da qualidade, que absolutamente simples em si mesma e, no entanto, quando encarada em suas relaes percebese que possui uma ampla variedade de elementos, sur-

    a. Tem-se a impresso de que faltam, aqui, algumas pginas manuscritas. Subs-tituram-nas, de 376 a 378, "One, two, three: fundamental categories of Thou&ht and nature".

  • TRIADES 15

    gria toda vez que o sentimento ou a concincia singular se tn se preponderante. A concepo_

    de relaao pocede da octec dupla ou sentido de ao e reaao. A concepao de medmao ortgt na-se da conscincia plural ou sentido de aprendizado.

    3 79. . .. Lembramo-nos da sensao; isto e, temos uma outr cognio que declara reproduzi-la; mas sabemos que no existe nenhuma semelhana entre a memria e a sensao porque, em primeiro lugar, nada pode assemelhar-se a um sentimento imediato, pois a semelhana pressupe um desmembramento e recomposio

    'que so totalmente estranhos ao imediato e, em segundo lugar, a memna um complexo articulado e um produto acabado que se distingue infinitamente e incomensuravelmente do sentimento. Olhe para uma superfcie vermelha e tente sentir a sensao correspondente, e a seguir feche os olhos e recorde-a. No h dvida de que pessoas diferentes se manifestam diferentemente sobre isto; para algumas, a experincia parecer produzir um resultado oposto, mas eu me convenci de que nada h em minha memria que seja, ainda que minimamente, tal como a viso do vermelho. Quando o vermelho no est diante de meus olhos. no consigo v-lo de modo algum. Algumas pessoas me dtzem que o vem de um modo esmaecido - o que um tipo bastante inconveniente de memria. que levaria algum a lembrar-se do vermelho vivo como sendo vermelho plido ou desbotado. Recordo cores com uma preciso incomum porque fui muito treinado para observ-las; porm, minha memria no consiste numa viso de alguma espcie, mas sim num hbito por fora do qual posso reconhecer uma cor que me apresentada como sendo parecida ou no com outra cor que vi antes. Mas, mesmo que a memria de algumas pessoas tenha a natureza de uma alucinao, sobram ainda argumentos suficientes para mostrar que a conscincia imediata ou sentimento no se assemelha absolutamente a. qualquer outra coisa.

    380. H serias objees quanto a fazer apenas da vontade toda a terceira parte da mente. Um grande psiclogo disse que a vontade no mais do que o mais forte dos desejos. No posso admitj.r que assim. seja; parece-me que essa colocao deixa de lado aquele fato que, dentre todos os que observamos, o que mais exige ateno, a saber, a diferena entre sonhar e fazer. No uma questo de definir, mas de observar o -que experimentamos; e, seguramente, aquele que consegue confundrr o desejar com o fazer deve ser um sonhador de olhos abertos. N o entanto, parece ser muito acentuada. a evidncia de que a conscincia do querer no difere, pelo menos no muito, da sensao. A sensao de atingir e de ser atingido so quase a mesma, e deveriam ser classificadas num mesmo todo. O elemento comum a, sensao de um evento real, ou ao real e reao. H uma intensa realidade sobre este tipo de experincia, uma aguda separao entre sujeito e objeto. Estou sentado calmamente no escuro, e de repente acendem-se as luzes; nesse momento tenho conscincia no de um processo de muda mas, todavia, de algo mais do que pode ser contido num instante. Tenho a sensao de um salto, de existirem dois lados do mesmo instante. Conscincia de polaridade poderia ser uma frase toleravelmente boa para descrever o que ocorre. A vontade, assim, como um dos grandes tipos da conscincia, deveria ser por ns substituda pelo sentido de polaridade.

  • 16 SEMIOTICA

    38.1. Mas, aquele que de longe o mais confuso dos trs m7mb.ros da diviso, em a enunciao c?mum, a Cognio. Em pnmerro lugar, todos os tJpos de conscincia entram na cognio. Os sentimentos, no nico sentido em que podem ser admitidos como um grande ramo do fenmeno mental, formam a tessitura da cognio, e mesmo no sentido objetivei de prazer e dor, so elementos constituintes da cognio. A vontade sob a forma da ateno, constantemente entra, junto com o sentido de realidade- ou objetividade que, como vimos, aquilo que deveria tomar o lugar da vontade, na diviso da conscincia, e todavia ainda mais essencial, se isto possvel. Mas aquele elemento da cognio que no nem sentimento nem o sentido de polaridade, a conscincia de um processo, e isto, na forma do sentido de aprendizado, de aquisio de desenvolvimento mental, eminentemente ca racterstico da cognio. Este um tipo de conscincia que no pode ser imediato porque cobre um certo tempo, e isso no apenas porque continua atravs de cada instante desse tempo mas porque no pode ser contrado para caber num instante. Difere da conscincia imediata tal como uma melodia difere de uma nota prolongada. Tampouco pode a conscincia dos dois lados de um instante, de um evento sti.bito, em sua realidade individual. abarcar a' conscincia de um proco.- Esta a conscincia que une os momentos de nossa vida. E a conscincia da sntese.

    382. Aqui, portanto. temos indubitavelmente trs elementos radicalmente diferentes da conscincia, s estes e nenhum outro. E eles esto evidentemente ligados s idias de um-dois-trs. Sentimento imediato a conscincia do primeiro; o sentido da polaridade a conscincia do segundo; e conscincia sinttica a conscincia do terceiro ou meio.

    383. Observar, tambm, que assim como vimos que h duas ordens de Secundidade, da mesma forma o sentido de polaridade divide-se em dois, e isto de dois modos, pois, primeiramente, existe um tipo passivo e um tipo ativo, ou vontade e sentido e. em segundo lugar, existe uma vontade e sentido externos, em oposio vontade interna (autocontrole. vontade inibitria) e sentido interno (jntrospeco). De modo semelhante, assim como h trs ordens de Terceiridade, h tambm trs tipos de conscincia sinttica. A forma tpica e no degenerada no nos to familiar como as outras, que fomm mais completamente estudadas pelos psiclogos; mencionarei, portanto, essa ltima. A conscincia sinttica degenerada em primeiro grau, correspondente Terceiridade acidental, aquela em que existe uma compulso externa sobre ns que nos faz pensar as coisas juntas. A associao por contigidade um caso deste tipo; mas um caso ainda melhor e que em nossa primeira apreenso de nossas experincias, no podemos escolher como vamos dispor nossas idias com referncia ao tempo e ao espao, mas somos compelidos a pensar certas coisas como estando mais prximas entre si do que outras. Dizer que somos compelidos a pensar certas coisas juntas porque elas esto jup.tas no tempo e no espao seria colocar o carro na frente dos bois; o modo correto de enunci-lo dizer que existe uma compulso exterior sobre ns levando-nos a junt-las em nossa construo do tempo e do espao, em nossa perspectiva. A. conscincia sinttica. degenerada em segundo grau, correspondente

  • TR1ADES 17

    a terceiros intermedirios, aquela e m que pensamos sentimentos diferentes como sendo semelhantes ou diferentes. o que, uma vez que os sentimentos em si mesmos no podem ser comparados e portanto no podem ser semelhantes, de tal forma que dizer que so semelhantes significa apenas dizer que a conscincia sinttica encara-os dessa forma, equivale a dizer que somos internamente compelidos a sintetiz-los ou separ-los. Este tipo de sntese aparece numa forma secundria na associao por semelhana. Contudo, o tipo mais elevado de sntese aquele que a mente compelida a realizar no pelas atraes interiores dos prprios sentimentos ou representaes, nem por uma fora transcendental de necessidade, mas, sim, no interesse da inteligibilidade, ist , no interesse do prprio .. Eu penso" sintetizador; e isto a mente faz atravs da introduo de uma idia que no est contida nos dados e que produz conexes que estes dados, de outro modo, no teriam. Este tipo de snteSe no tem sido suficientemente estudado, e de modo especial o relacionamento intimo de suas diferentes variedades no tem sido devidamente considerado. O trabalho do poeta ou novelista no to profundamente diferente do trabalho do homem de cincia. O artista introduz uma fico, porm no uma fico arbitrria; essa fico demonstra certas afinidades s quais a mente atribui uma certa aprovao ao declar-las belas, o que, se no corresponde exatamente a dizer que a sntese verdadeira, algo do mesmo tipo geral. O gemetra desenha um diagrania, que no exatamente uma fico, mas que , pelo menos, uma criao, e atravs da observao desse diagrama ele capaz de sintetizar e mostrar relaes entre elementos que antes pareciam no ter nenhuma conexo necessria. As realidades compelem-nos a colocar algumas coisas num relacionamento estrito, e outras num relacionamento no to estrito, de um modo altamente complicado e ininteligvel no [para?] o prprio sentido; mas a habilidade da mente que apanha todas essas sugestes de sentido, acrescenta muita coisa a elas, torna-as precisas e as exibe numa forma inteligvel nas intuies do espao e do tempo. Intuio a considerao do abstrato numa forma concreta, atravs da hipostatizao realstica das relaes; esse o nico mtodo do pensamento vlido. Muito superficial a noo, que predomina, segundo a qual isto algo a ser evitado. Seria possvel dizer, da mesma forma, que o raciocnio deve ser evitado porque tem levado elaborao de tantos erros; isso estaria quase que na mesma linha filistina de pensamento, e to de acordo com o esprito do nominalismo que me surpreendo por algum no lev-lo adiante. O preceito verdadeiro no abster-se da hipostatizao, mas sim realiz-la inteligentemente ... a

    384. Kant oferece-nos a viso errnea de que as idias se apresentam separadamente e so, posteriormente, juntadas pela mente. Esta a doutrina segundo a qual uma sntese mental precede toda anlise. O que na verdade acontece que se apresenta algo que, em si mesmo, no tem partes mas que, no obstante, analisado pela mente, isto , o fato de ter ele partes consiste no fato de a mente, posteriormente, nele reconhecer essas partes. Aquelas idias parciais no esto, realmente, na primeira idia, em si

    a. Algumas pginas do manuscnto parecem estar, aqui, faltando.

  • L

    1 8 SEMITICA

    mesma, apesar de serem dela extradas. um caso de destilao destrutiva. Quando, tendo-as assim separado, pensamos sobre elas, somos conduzidos, a despeito de ns mesmos, de um pensamento pa outro, e nisto reside a primeira sntese real. Uma sntese anterior a isso uma fico. Toda a concepo de tempo pertence sntese genuna. e no deve ser considerada neste tpico.

  • la. De "!Elementos de tgic'

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  • t Sinopse IParciati de uma Proposta para um Trabalho sobre Lgica

    1. ORIGINALIDADE, OBSISTNCIA E TRANSUASO

    79. A principal utilidade deste captulo dar, ao leitor, uma idia do que dever ser este livro b, Pode-se perceber que sua concepo incomum. Encontramo-nos no vestbulo do labirinto Sim, o Labirinto no V estibulo apenas, porm. j nesse tremendo e singular Labirinto. Treze portas. ainda no abertas, es!Co nossa frente. Escolhemos a mais estreita, a menos importante, a mais raramente aberta de todas ...

    80. O fato de um leitor deliberadamente procurar instruir-se num tratado de lgica a prova de que ele j fez algumas observaes e reflexes, e de que j adquiriu certas concepes. Proponho-me, de incio, a convidar o leitor a considerar mais uma vez, talvez de um modo um pouco mais cuidadoso do que ele o fez at aqui, estas Idias Pr-Lgicas, a fim de ver como tm elas suas razes solidamente implantadas, e a fim de, talvez, desenvolv-las um pouco mais e penetrar em sua significao real, tO profundamente quanto seja possvel faz-lo nesta etapa da investigao,

    81. Alguns matemticos, importautes pelos xitos que obtiveram em sua cincia, e que atentaram de modo particular para a filosofia dessa mesma cincia, consideram a Matemtica como um ramo da Lgica c . Isto merece bem a ateno porque se poderia sustentar, com muita justia,, que a matemtica quase a nica, seno a nica cincia que no necessita de auxlio algum de uma cincia da lgica. Alm do mais, segundo a posio defendida neste tratado, a verdade lgica est baseada numa espcie de observao

    a. O restante do Cap. 1 de ''Minute Logic". b. No apenas este livro nunca chegou a ser completado. como tambm muitas

    das discusses propostas aqui esboadas nunca foram iniciadas. c. Por exemplo. Dedekind e Whitebead.

  • 22 SEMIOTICA

    do mesmo tipo daquela sobre a qual se baseia a matemtica Por estas razes, desejvel, de imediato, examinar perfunctoriamente a !,latureza do procedimento dos matemticos. Tenho motivos para estar confiante quanto ao fato de que este estudo ser de ajuda para alguns daqueles que no tm uma inclinao natural para a matemtica. Ao mesmo tempo, sou forado a dizer que a matemtica re uer um certo vi sarnento, o oder e

    __poncentraao da atenao e ora a manter na mente uma imagem altamente com lexa, e mlfrtt.e..Ja a&am o bastnt a o servada; e apesar e u r mamen po er e etuar maravilhas em pouco tempo quanto a aumentar esse vigor, mesmo assim no se far um pensador vigoroso a partir de uma mente fraca, ou de uma mente que tiver sido profundamente enfraquecida pela preguia mental.

    82. H uma outra cincia normativa que tem uma conexo vital com a lgica e que, estranhamente, tem sido posta de lado por quase todos os lgicos. Refiro-me tica. No necessrio ser um pensador profundo a fim de desenvolver as concepes morais mais verdadeirasi mas eu afirmo, e provarei sem contestao, que a fim de bem raciocinar, a no ser num modo meramente matemtico, absolutamente necessrio possuir no apenas virtudes como as da honestidade intelectual, da sinceridade e um real amor pela verdade. mas sim as concepes morais mais altas.aNo vou dizer que o estudo da tica mais diretamente til para a boa moral do que, digamos, a leitura de uma boa poesia til para escrever-se uma boa prosa. Mas direi que ele permite uma ajuda de todo indispensvel para a compreenso da lgica. Alm do mais, um estudo sutil, do tipo que as pessoas que gostam de lgica no pode in deixar de apreciar ...

    83. S depois de ultrapassados estes tpicos que ser til considerar aquela propedutica prpria lgica, essa Er kenntnisslehre qual aludi. Chamo-a de Gramtica Especulativa. a partir do titulo de um trabalho de Duns Scotus que visa ao mes mo objetivo.

    84. Ao anunciar o que vou dizer nesta parte do livro, tenho de escolher entre uma total ininteligibilidade e uma exaustiva antecipao do que vai ser provado, mas que, aqui, s pode ser afirmado. Sem hesitao, tomo o ltimo caminho, uma vez que as idias esto colocadas em formas to estranhas que uma dupla exposio ajudar o leitor. Principio por tentar tocar a nota dominante do livro com tanta fora e clareza quanto sou capaz de fazlo, pois esta no apenas a nota principal mas sim a chave e toda a lgica. Tento uma anlise do que aparece no mundo. Aquilo com que estamos lidando no metafisica: lgica, apenas. Portanto, no perguntmos o que realmente existe, apenas o que aparece a cada um de ns el!l todos os momen de. nossas vid. Analiso a experincia, que e a resultante cognitiva de nossas VI das passadas, e nela encontro trs elementos. Denomino-os Categoriasb. Pudesse eu transmiti las ao leitor do modo to vvido.

    a. Ver o Cap. 4 de '"Minute Logic .. publicado no v oi. I. livro IV Csob a indi cao Cap. 2) das obras de Peirce.

    b. O v oi. 1, livro JII dos Co/lected Papers contm um estudo detalhado das ca tegorias.

  • SINOPSE PARCIAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... 23

    claro e racional como se me apresentam! Mas elas assim se tornaro para o leitor se este lhes dedicar suficiente ateno e meditao. Surgem numa. mirade de formas das quais, com o objetivo de introduzir o leitor no assunto, tomo a primeira que se apresenta. Acontece que uma definio de experincia acabou de sair de minha caneta. Uma definio muito boa, creio: suponhamos que a tomemos como ponto de partida. Falando de um modo lacnico, a experincia esse in praeterilo. Lembre-se, apenas, mais uma vez e de uma vez por todas, que no pretendemos significar qual seja a natureza secreta do fato mas, simplesmente, aquilo que pensamos que ela . Algum fato existe., Toda experincia compele o conhecimento do leitor. Qual , ento, o fato que se apresenta a voc? Pergunte a si mesmo: . o passado. Um fato um fait accomp/i; o seu esse est no praeterito . O passado compele o presente, em alguma medida, no mnimo. Se voc. se queixar ao Passado de que ele errado e no razovel, ele se rir. Ele no d a mnima importncia Razo. Sua fora a fora bruta. Desta forma, voc compelido, brutalmente compelido, a admitir que, no mundo da experincia, h um elemento que a fora. bruta. Neste caso, o que a fora bruta, o que parece ser? Deveriamos encontrar pouca dificuldade para responder a isso, uma vez que estamos plenamente cnscios (ou parecemos estar, o que tudo o que aqui nos interessa) de exerc-la ns mesmos. Pois. no importa quo boa possa ser a justificativa que temos para u m ato da vontade, quando passamos para sua execuo a razo no faz parte do trabalho: o que se tem ao bruta. No podemos fazer esforo algum onde no sentimos resistncia alguma, nenhuma reao. O sentido de esforo um sentido de dois lados, revelando ao mesmo tempo algo interior e algo exterior. H uma binariedade na idia de fora bruta; seu principal ingrediente. Pois a idia de fora bruta pouco mais do que a de reao, e esta e pura binariedade. Imaginemos dois objetos que no so apenas pensados como sendo dois, mas dos quais algo e verdadeiro de tal forma que nenhum deles poderia ser removido sem destruir o fato que se supe ser verdadeiro quanto ao outro. Seja, por exemplo. marido e mulher. Aqui nada h alm de uma dualidade; mas isso constitui uma reao, no sentido em que o marido faz a mulher uma mulher d e fato (e no apenas na forma de algum pensamento comparativo); enquanto a mulher faz do marido um marido. Uma fora bruta apenas uma complicao de binariedades. Supe no apenas dois objetos relacionados, mas sim que, alm deste estado de coisas. somando-se a este, existe um segundo estado subseqente. Supel alm do mais, duas tendncias, uma, de um dos relatos; tendendo a mudar a primeira relao em um sentido no segundo estado; a outra, do outro relato, tendendo a mudar a mesma relao num segundo sentido. Ambas essas mudanas de alguma forma se combinam, de tal modo que cada tendncia em algum grau seguida e em algum grau modificada. Isto o que queremos dizer por fora. quase binariedade pura. A brutalidade consistir na ausncia de qualquer razo, regularidade ou norma que poderia tomar parte na ao como elemento terceiro ou mediador. A binariedade e uma de minhas categorias. No a chamo de concepo, pois pode ser dada atravs da percepo direta anterior ao pensamento. Ela penetra cada parte de nosso mundo interior,

  • 24 SEMIOTICA

    assim como cada parte do universo. A sensao dela tornase semelhante da fora bruta em proporo ao desenvolvimento deste elemento de binariedade. Entre as formas mais profundas que a binariedade assume esto as das dvidas que so impostas a nossas mentes. A prpria palavra ''dvida'\ ou ''dubito'', um freqentativo de "dubibeo" - /.e., duo habeo, e com islo demonstra sua binariedade. Se no lutssemos contra a dvida, no procuraramos a verdade. A binariedade surge tambm na negao, e nos termos relativos_ comuns, mesmo na similaridade e, de um modo mais real, na identidade. Este texto a mostrar por que a existncia individual uma concepo marcadamente ctualstica. Enquanto isso, fcil ver que apenas os existentes individuais podem reagir uns contra outros.

    mais Claramente, no poderia haver

    ao alguma; e sem a possibilidade de ao, falar em binariedade seria proferir palavras sem significado. Poderia haver uma espcie de conscincia, ou ato de sentir, sem nenhum eu .. ; e este sentir poderia ter seu tom prprio. No obstante o que disse William James, no creio que poderia haver uma continuidade como o espao, a qual, embora possa talvez aparecer por um instante numa mente bem educada, no me seja poSsvel pensar que pudesse fazlo assim se no tivesse tempo aJgum; e sem continuidade, as partes desse ato de sentir no poderiam ser sintetizadas e, portanto, no haveria partes reconhecveis. No poderia nem mesmo haver um grau de nitidez desse sentir, pois tal' grau o montante comparativo de distrbio da conscincia geral por um sentimentob. oe qualquer forma, esta ser nossa hiptese, e no tem nenhuma importncia que ela seja ou no psicologicamente verdadeira. O mundo seria reduzido a uma qualidade de sentimento no analisado. Haveria, aqui, uma total ausncia de binariedade. No posso cham-la de unidade, pois mesmo a unidade supe a pluralidade. Posso denominar: sua forma de Orincia ou

    cheio deste livre. Por que a parte central do

    espectro deve parecer verde e no violeta? No h razo concebvel para isso, nem existe, a, qualquer compulso. Por que nasci eu na 'J'erra, no sculo XIX e no em Marte h mil anos atrs? Por que espirrei hoje exatamente cinco horas, quarenta e trs minutos e vinte e um segundos depois que um certo homem na China assobiou (supondo-se que isto realmente aconteceu)? Sabemos, talvez, porque um meteorito cairia na Terra, se entrasse em seu caminho; mas, qual a razo para os arranjos da natureza starem feitos de tal modo que este meteorito em particular se achasse no caminho da Terra? Todos estes so fatos que so o que so,

    a. cr. 3.93; 3.611; 6.6 b. Cf. 1 .322,

  • SINOPSE PARCIAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... 2

    simplesmente prque acontece que so assim. Na maior parte das vezes, negligenciamos tais fatos; mas h casos, como nas qualidades do sentir, autoconscincia, etc., nos quais esses lampejos isolados vm para o primeiro plano. A Originalidade, ou Primeiridade, outra de minhas categorias.

    86. Consideremos agora o ser in futuro. Tal como nos outros casos, isto meramente uma avenida que leva. a uma apreenso mais pura do elemento que ela contm. Umii concepo absolutamente pura de uma Categoria est fora de questo. O ser in futuro aparece em formas mentais, intenes e expectativas. A memria fornece-nos um conhecimento do passado atravs de uma espcie de fora bruta, uma ao bem binria, sem nenhum raciocinar. Mas, todo nosso conhecimento do futuro obtido atravs de alguma. outra coisa. Dizer que o futuro no influencia o presente constitui doutrina insustentvel. Equivale a dizer que no existem causas finais, ou fins. O mundo orgnico est cheio de refutaes dessa posio. Uma tal ao (por causao final) constitui a evoluo. Mas verdade que o futuro no influencia o presente do modo direto, dualstico pelo qual o passado influencia o presente. Requer-se um instrumental, um meio. Todavia, qual pode ser esse instrumental, de que tipo? Pode o futuro afetar o passado atravs de um instrumental qualquer que, novamente, no envolve alguma ao do futuro sobre o passado? Todo nosso conhecimnto das leis da natureza anlogo ao conhecimento do futuro, na medida em que no h nenhum modo direto pelo qual as leis tornam-se por ns conhecidas. Procedemos, aqui, por experimentao. Isto , adivinhamos quais sejam as leis pedao por pedao. Perguntamos: E se varissemos um pouco nosso pro cedimento? O resultado seria o mesmo? Tentamos faz-lo. Se es

    tamos no caminho errado, uma negativa enftica logo colocada sobre a conjetura inicial, e desta forma nossas concepes tornam se, gradualmente, cada vez mais corretas. Os melhoramentos em nossas invenes so feitos do mesmo modo. A teoria da seleo natural que a natureza procede, por meio de uma experimentao similar, a adaptao precisa de um conjunto de animais e plantas ao meio e manuteno desse conjunto em adaptao a esse meio que lentamente se transforma. Mas, todo procedimento desse- tipo, quer seja o da mente humana ou o das espcies orgnicas, pressupe que os efeitos se seguiro s causas com base num princpio com o qual as conjeturas ho de ter algum grau de analogia, e num princpio que no mude depressa demais. No caso da seleo natural, Se for necessrio uma dzia de geraes para adaptar suficientemente um conjunto a uma dada mudana do meio, esta mudana no deve ocorrer mais rapidamente, caso contrrio esse conjunto ser extirpado ao invs de ser adaptado. No constitui uma questo fcil saber como que um conjunto num certo grau de desajustamento com seu meio ambiente comea, imediatamente, a sofrer uma mutao, e isto no de um modo desordenado mas sim de uma forma que guarda alguma espcie de relao com a mudana necessria. Ainda mais notvel o fato de que um homem a quem se prope um problema cientifico imediatamente se pe a levantar conjeturas que no esto to absurdamente afastadas da conjetura verdadeira. O fsico que observa um estranho fenmeno em seu laboratrio, por exemplo,

  • 26 SEMI TICA

    no principia por se perguntar se o aspecto plrticular dos planetas naquele momento teve algo a ver com o caso - tal como Ernst Machapraticamente supe serem as estrelas fixas que mantm um corpo em movimento numa linha reta a uma velocidade uniforme - ele procura alguma circunstncia prxima, mo, que possa expliclo. Como que se pode explicar este acentuado, embora excessivamente imperfeito, poder adivinhatrio de fazer suposies corretas por parte do homem e por parte das espcies orgnicas? Apresentam-se apenas duas alternativas. Por um lado, podemos dizer que existe um poder direto da Razo para saber como a Razo ini agir; e que a Natureza governada por um Poder Razovel. Por outro lado, podemos dizer que a tendncia para fazer suposies quase certas , em si mesma, o resultado de um proced)mento ex perimental similar. Isto envolve uma dificuldade profundamente interessante (que no um mero tropeo com um regre.ssus ad infinitum) que ser. abordada antes do fim deste volume. Quanto s outras hipteses, elas s me dizem respeito no sentido em que devo dizer que, assim como aqueles povos que acreditam em profetas procuram esse dom especialmente entre os insanos, da mesma forma o poder aqui suposto seria igualmente diferente da operao de raciocinar. Consideremos o raciocnio experimental, por exemplo. Temos, aqui, uma paridade entre os experimentos e os resultados dos experimentos, e que consiste no fato de os resultados se guirem os experimentos de acordo com uma hiptese prvia; e a natureza desta paridade tal que eles no poderiam ter existido se uma terceira coisa, a predio, no houvesse sido feita. Assim como uma paridade real COJ!Siste.em um fato ser verdadeiro quanto a A o qual seria absurdo se B ali no estivesse, da mesma maneira, agora nos deparamos com uma Triplicidade Racional que consiste em A e B formarem realmente um par' por fora de um terceiro objeto, C. Digo a meu co que suba e me traga meu livro. o que ele faz. Eis um fato a. respeito de trs coisas, eu mesmo, o co e o livro, que no uma simples soma de fatos relacionados com pares, nem mesmo uma comparao de tais pares. Falo ao cachorro. Menciono o livro. Fao essas coisas juntas. O co traz o livro. Ele o faz. em conseqncia do que eu fiz. Esta no e toda a histria. Eu no apenas falei simultaneamente ao co e mencionei o livro como tambm mencionei o livro ao co; isto e. fiz com que ele pensasse no livro e o trouxesse. Minha relao com o livro foi que pronunciei certos sons que foram compreendidos pelo co como tendo referncia com o livro. O que fiz com o co, alm de excitar seu nervo auditivo, foi, simplesmente, induzi-lo a trazer-me o livro. A relao do co com o livro foi mais manifestamente dualistica; todavia, a significao e a inteno total do seu ato de trazer o livro foi a de obedecer-me. Em toda a ao governada pela razo ser. encontrada uma triplicidade genuna desse tipo, enquanto que entre pares de partculas ocorrem apenas aes puramente mecnicas. Um homem d um broche a sua mulher. A parte meramente mecnica deste ato consiste em o homem entregar o broche ao mesmo tempo em que emite certos sons, e consiste tambm em ser o broche pego pela mulher. No h, aqui, uma triplicidade genuna; mas tambm no h a dao. A dao Consiste em concordar o homem em que um

    a. Ver, por exemplo, Die Mechanik, cap. Jlt vi, 6 e 9.

  • SlNOPSE PARClAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... 27

    certo princpio intelectual governar as relaes do broche com sua mulher. O mercador das Mil e Uma Noites jogou fora um caroo de tmara que feriu o olho de um demnio. Este ato foi puramente mecnico, e no houve uma triplicidade genuna. O ato de jogar e o de ferir foram independentes um do outro. Mas, se ele houvesse feito mira no olho do demnio, teria havido ago mais do que o simples jogar de caroo. Teria havido uma genuna triplicidade, com o caroo no sendo simplesmente jogado. mas sim jogado no olho. Aqui teria intervindo a inteno, a ao da mente. A triplicidade intelectual, ou Mediaco. minha terceira categori."

    87. No h uma quarta categoria, como se provar a. sta lista de categorias pode ser distinguida de outras listas como sendo as Categorias Ceno-Pitagricas, em virtude de sua. conexo com os nmeros. Concordam, substancialmente, com os trs momentos de Hegel. Pudessem elas ser atribudas a qualquer pensador da histria e isso seria quase suficiente para refutar seus reclamos de primeiros no assunto Oporreu-me que talvez Pitgoras as tivesse trazido da Mdia ou de Aria, mas um exame cuidadoso convenceume de que, entre os pitagricos, no havia a menor abordagem de nada semelhante a estas categorias.

    88. desejvel que haja termos tcnicos para as categorias. Deveriam ser expressivos e no passveis de serem usados em sentidos especiais na filosofia. A simplicidade e a universalidade das categorias tornam as designaes metafricas quase impossveis, uma vez que um termo assim, se fosse apropriado, conteria a prpria categoria. No pode haver semelhana alguma com uma categoria. Um nome metafrico provavelmente conteria a. categoria em sua primeira slaba, e o resto da palavra seria apenas estofo. Portanto, prefiro tom.r emprestado uma palavra, ou melhor compor uma. palavra, a qual, etimologicamente, se for possvel, mas por similaridade com palavras familiares, indispensavelmente, h de sugerir um certo nmero de formas nas quais a categoria proeminente. Proponho submeter prova os seguintes termos:

    89. Originalidade ser tal como aguele ser , independente-mente de gualgueftra cmsa. -

    Obsistncia (sugerindo obviar, objeto, obstinado, obstdculo, insistncia, resistncia, etc.) aquilo no que a secundidade difere da primeiridade; ou e aquele elemento que, tomado em conexo com a Originalidade, faz de uma coisa, aquilo que uma outra a obriga a ser.

    Trnusuaso (sugerindo translao, transao, transfuso, trami&!lldema/, ecJ mediao, ou a modificao da primeiridade e da secundidade pela terceiridade, tomada parte da secundidade e da primeiridade; ou, ser enquanto cria Obsistncia.

    90. Embora a. Originalidade seja. a mais primitiva, simples e original das categorias, no a mais bvia e familiar. At aqui, consideramos as categorias sob seu aspecto original. Passamos agora a um estudo mais fcil de suas formas obsistenciais.

    9 1 . No aspecto Obsistencial, a Originalidade apresentase como uma Qualidade, que algo que tal como , e que est de tal modo livre da Obsistncia que no nem mesmo auto-idntico. ou individual. Duas Qualidades semelhantes, como o so todas as

    a. Ver, por ex., 1 .298, 1.347.

  • 28 SEMITICA

    Qualidades, so, at aqui, a mesma Qualidade. A Obsistncia apresenta-se como uma relao, que u m fato referente a um conjunto de objetos, os Relatos. Uma relao Genuna ou Degenerada. Uma Reta o enerada um fato concerne um conjunto de objetos que co ramente num arciat do fato de Cda um dos Relatos ter sua Quahdade. E uma Relao e ua 1 a como A maior o que eus relatos podem ser qualidades ou objetos dotados de qualidades. Pode ser uma Similaridade, que uma forma mais Degenerada, ou uma Diferena, que uma forma menos Degenerada, ou pode ser uma mistura. Uma Relao Genuna aquela que no est necessariamente envolvida no fato de seus Relatos terem quaisquer Qualidades independentes uma das outras. Cada relato necessariamente individual. ou auto-idntico. Sero feitas vrias outras divises das relaes, e sero especialmente consideradas a natureza da identidade, da outridade, da coexistncia e da incompossibiJidade a.

    92. A transuaso em seu aspecto obsistente, ou Mediao, como se mostrar, est sujeita a dois graus de degenerescncia. A mediao genuna o carter de um Signo. Um SigilO tudo a uilo que est relacionado com uma Segunda co1sa, seu Ob com res eito a uma ua azer uma Terceira coisa, seu lnterpretante, ma r m esnfiT"OI:SJefo, e de mo o ta a trazer uma Quarta para uma relao com aquele Objeto na mesma forma, ad infinilum. Se a srie interrompida, o Signo, por enquanto, no corresponde ao carter significante perfeito. No necessrio que o lnterpretante realmente exista. suficiente um ser in futuro. Os Signos tm dois graus de Degenerescncia. Um Signo degenerado no menor grau um Signo Obsistente, ou IJdice. que um Signo cuja significao de seu Objeto se deve ao fato de ter ele uma Relao genuna com aquele Objeto. sem se levar em considerao o lnterpretante. o caso, por exemplo. da exclamao "Eh!" como indicati1a de perigo iminente. ou uma batida na porta como indicativa de- uma visita. Um Signo degenerado no maior grau um Signo Originaliano, ou !Cone, que um Sjgn_o cuja virtude significante se deve apenas a sua dade. E o caso, por exemplo. das suposies de como agi na eu sob determinadas circunstncias, enquanto me mostram como um outro homem provavelmente agiria. Dizemos que um retrato de uma pessoa que no vimos convincente. Na medida em que. apenas com base no que vejo nele, sou levado .a formar uma idia da pessoa que ele representa, o retrato um Jcone. Mas. de fato, no um cone puro. porque eu sou grandemente influenciado pelo fato de saber que ele um efeito, atravs do artista, causado pelo aspecto do original, e est, assim, numa genuna relao Obsistente com aquele original. Alm do mais. sei que os retratos tm apenas a mais leve das semelhanas com o original, a no ser sob certbs aspectos convencionais e segundo uma escala convencional de valores, etc. Um Signo Genuno um Signo Transuasional, ou Simbo/o, que um signo cuja virtude significante se deve a um

    a. Ver. por ex .. NamenclalliiT! and Diri.\iml> of D.wdic Rcdalioll\, em.aio XVIII. \'OI. J dru; CfJJieclt!d Papers quanto a um tratamento mai.' exten-.o da-. Dia do..

  • SINOPSE PARCIAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... 29

    carter que s pode ser compreendido com a ajuda de seu Interpretante. Toda emissao de um discurso e exemplo disto. Se os sons foram, originalmente, em parte icnicos, em parte indiciais,, esses caracteres h muito tempo perderam sua importncia. As palavras apenas representam os objetos que representam, e significam as qualidades que significam, porque vo determinar, na mente do ouvinte, signos correspondentes. A importncia das divises acima. embora sejam novas, tem sido reconhecida por todos os lgicos que as avaliaram seriamente ...

    9 3. A lgica a cincia das leis necessrias gerais dos Signos e, especialmente, dos Smbolos. Como tal. tem trs departamentos. Lgica obsistente. lgica em sentido estrito, ou Lgica Crftica, a teoria das condies gerais da referncia dos Smbolos e outros Signos aos seus Objetos manifestos, ou seja, e a teoria das condies da verdade. Lgica Originaliana, ou Gramtica Especulaliva, a doutrina das condies grais dos smbolos e outros signos que tm o carter significante. E deste departamento da lgica geral que nos estamos agora ocupando. Lgica Transuasional, que denomino de Retrica Especulaliva , substancialmente, aquilo que conhecido pelo nome de metodologia ou, melhor, metodutlca. a doutrina das condies gerais da referncia dos Smbolos e. outros Signos aos lnterpretantes que pretendem determinar ...

    94. Em conseqncia do fato de todo signo determinar um Interpretalte, que tambm um signo, temos signos justapondo-se a signos. A conseqncia deste fato, por sua vez, que um signo pode, em seu exterior imediato, pertencer a uma das trs classes, mas pode tilmbm determinar um signo de outra classe. Contudo, isto. por sua vez, determina. um signo cujo carter precisa ser considerado. Este assunto precisa ser cuidadosamente considerado, e deve-se estabelecer uma ordem nas relaes dos estratos de signos, se me - lcito assim cham-los, antes que se possa tornar claro o que se segue.

    2.TERMOS, PROPOSIES E ARGUMENTOS

    95. Os smbolos, e de alguma maneira outros Signos, podem ser Termos. Proposies ou Argumentos. U m Termo um signo

    ue deixa seu Ob'eto e a orliori seu lnte retante, ser aquilo que ele pode ser. ma Proposio e um signo que m 1ca 1stmtamente o ObjetoCi'e denota, denominado de seu Sujeito. mas que deixa seu lnterpretante ser aquilo que pode ser. U m Argumento um signo que representa distintamente o interpretante. denominado de sua Concluso, que ele deve determinar. Aqtiilo que resta de uma Proposio depois de seu Sujeito ter sido removido um Termo (um rema), denominado de seu Predicado.bAquilo que resta d e um Argumento quando sua Concluso removida uma. Proposio

    que se denomina sua Premissa ou (dado que ela . normalmente. copulativa}, mais freqentemente, suas Premissas ...

    por ''X e e

  • 30 SEMITJCA

    96. O argumento e de trs tipos: Deduo, Induo e Abduo (geralmente denominado de adoo de uma hiptese). Um Argumento Obsistente, ou Deduo, um argumento que representa fatos nas Premissas, de tal modo que, se vamos representlos num Diagrama, .somos compelidos a representar o fato declarado na Concluso; destarte, a Concluso e levada a reconhecer que. independentemente de ser ela reconhecida ou no, os fatos enunciados nas premissas so tais como no poderiam ser se o fato enunciado na concluso ali no estivesse; quer dizer, a Concluso sacada com reconhecimento de que os fatos enunciados nas Premissas constituem um ndice do fato cujo reconhecimento assim compelido ' Todas as demonstraes de Euclides so deste tipo. A Deduo Obsistente quanto ao fato de ser o nico tipo de argumento que compulsrio. Um Argumento originrio, ou Abduo, um argumento que apresenta fatos em suas Premissas que apresentam uma similaridade com o fato enunciado na Concluso, mas que poderiam perfeitamente ser verdadeiras sem que esta ltima tambm o fosse, mais ainda sem ser reconhecida; de tal forma. que no somos levados a afirmar positivamente a Concluso, mas apenas inclinados a admiti-la como representando um fato do qual os fatos da Premissa constituem um icone. Por exemplo, num certo estgio que constitui o eterno exemplo de raciocnio cientfico de Kepler, este descobriu que as. longitudes observadas de Marte, que durante muito tempo ele tentara inultimente ajustar a uma. rbita, eram tais (dentro dos limites possveis de erro nas observaes) como seriam se Marte se movesse numa elipse. Os fatos apresentavam assim. nesta medida, uma semelhana com os fatos do movimento numa rbita elptica. Daqui Kepler no partiu para a concluso de que a rbita era realmente uma elipse, mas isto o lev.ou a inclinar-se para a idia, de modo a decidi-lo tentativa de determinar se as predies virtuais sobre as latitudes e paralaxes baseadas nesta hiptese se verificariam ou no. Esta adoo probatria da hiptese era uma Abduo. Uma Abduo Originria quanto ao fato de ser o nico tipo de argumento que comea uma nova idia. Um Argumento Transuasivo, ou Induo, um Argumento que emerge de uma hiptese, resultante de uma Abduo anterior. e de predies virtuais. sacadas por Deduo, dos resultados de possveis experimentos, e tendo realizado os experimentos, conclui que a hiptese verdadeira na medida em que aquelas predies se verificam, mantendo-se esta concluso, no entanto, sujeita a provveis modificaes que se seguiriam a futuros experimentos. Visto que a importncia dos fatos enunciados nas premissas depende do carter de predicibilidatle dos referidos fatos, que eles no poderiam ter se a concluso no houvesse sido hipoteticamente sustentada, eles satisfazem a detinio de um Smbolo do fato enunciado na concluso. Este Argumento Transuasivo. tambm, quanto ao fato de s por si nos propiciar uma razovel certeza de uma ampliao de nosso conhecimento positivo. Pelo termo predio virtual"' entendo uma conseqncia experimental deduzida da hiptese, e escolhida entre possJveis conseqncias, independentemente do fato de ser conhecida.; ou acreditada, de ser

    I. O leitor deve remeter-se s defmies de ndice. cone e Smbolo em 92.

  • SINOPSE PARCIAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... J I

    verdadeira ou no; de tal forma que no momento em que escolhida como verificao da hiptese, encontramonos em estado de ignorncia quanto a se ir comprovar ou refutar a hiptese ou. pelo menos. no escolhemos uma verificao que no deveramos ter escolhido se fssemos assim ignorantes.

    97. Quando Kepler descobriu que a rbita elptica colocou o planeta Marte em suas longitudes corretas, passou verificao da hiptese de duas formas. Em primeiro lugar, sempre, fora comparativamente fcil encontrar hipteses que representassem aproximadamente as longitudes. embora no com a preciso das observaes de Tycho Brahe. Mas. quando estas hipteses eram aplicadas s latitudes. sempre se percebeu que as h!pteses adicionais. das libraes ou oscilaes da rbita de um tipo complicado. que tinham pouca verossimilhana. faziam-se necessrias para que se chegasse prximo de uma representao das latitudes. Kepler empreendeu o clculo das latitudes a partir de sua teoria elptica sem saber se o clculo iria ou no concordar com a observao: mas verificou-se que havia essa concordncia. e de um modo notvet Ele se voltou. ento. para as longitudes. e aplicou outro teste. a respeito de cujo xito nada podia saber de antemo. O que ele havia constatado at ento era que o planeta sempre estava, no momento da observao, r..a direo em que deveria estar. Mas estaria na distncia cer!a'! Isto no era_ possvel afirmar positivamente. Mas Kepler podia tomar dois momentos em que Marte fora observado e em que. de acordo com a teoria eliptica (que. neste particular. difici!mente estaria errada). o planeta estava no mesmo ponto de sua rbita. mas nos quais era certo que a Terra se achava em pontos completamente diferentes em sua rbita. A rbita quase to perfeitamente circu:ar que no podia haver dvidas quanto posio em que ela se achava nessas ocasies. Estas duas posies e a posio de Marte (que supostamente era a mesma nas duas ocasies) deram um tringulo do qual dois ngulos e o lado intermedirio (a distncia entre as duas posies da Terra) eram conhecidos .(sendo tomada como un!dade de distncia e distncia mdia entre o Sol e a Terra). A partir da. poderia calcular a d istncia e!1tre Marte e o Sol. sem nenhuma o:..:.tra h!ptese exceto a de que Marte realmente estava !!O mesmo ponto de sua rbita. fato a cujo respeito (por uma razo demasiado longa para ser aqui exposta) dificilmente poderia existir a menor dvida. quer a rbita elptica estivesse correta ou no. Tentando isto nas ocao;ies em que Marte se encontrava nos dois extremos de sua rbita e quando se encontrava em posies inter!lledir!as. Kepler poderia obter uma verificao das mais' rigidas quanto ao fato de a teoria elptica realmente achatar a rbita no ndice certo ou no. No caso dos poucos. porm bem situados. pares de ob5ervaes que era passvel encontrar como sendo adequados para este teste. a concordncia entre a observao e a teoria era- tudo o que. se podia desejar. e fixava o argumento na mente de toda pessoa raciociname. Cumpre observar que o argumento era bem d!ferente do que teria sido se Kepler houvesse apenas tomado todas as observaes de longitude. latitude e paralaxe e se houvesse elaborado. a parir delas. uma teoria que se adaptasse a todas. Isso poderia no mostrar nada alm do que o fez a extraordinria engenhosidade de Kepler. Tampouco esta ltima verificao foi a que teria sido se Kepler. studando as

  • 32 SEMIOTICA

    observaes e procurando traos destas que .se adequassem a teoria, os tivesse encontrado. Isso somente poderia demonstrar que dentre os muitos traos das. observaes, alguns se adequavam teoria, Mas o caminho que ele tomou foi muito diferente. No escolheu esta verificao pelo fato de ela proporcionar um resultado favorvel. Kepler no sabia que o resultado seria favorvel. Escolheu-a porque era a verificao que a Razo exigia que fosse aplicada. Se este caminho for seguido, s permanecero de p aquelas teoria'i que so verdadeiras. Mas a discusso quanto fora do argumento pertence Lgica Crtica, e no Gramtica Especulativa.

    3. CLAREZA DE IDIAS

    98. A diviso de toda inferncia em Abduo, Deduo e Induo, quase pode ser apresentada como sendo a Chave da Lgica.

    99. Aps a discusso completa e cuidadosa dos assuntos acima, envolvendo muitas boas questes, inclusive aquela a respeito da qual, dentre todas as outras, os lgicos mais esto em discordncia, tendo-lhe sido j dedicados vrios volumes (refiro-me questo sobre a natureza da proposio), e depois de devidamente ouvidils todas as opinies, chegamos, por fim, ao problema da Clareza que, mais do que qualquer outro na lgica, mais praticamente vital. Tratei deste assunto em 1 877a, e formulei uma mxima. cuja aceitao constitui a posio denominada Pragmatismo, uma questo da qual os filsofos se ocuparam amplamente, nos ltimos anos. Minha opinio atual continua a ser, substancialmente, a mesma de entob, mas todos esses anos no se passaram sem que eu aprendesse algo de novo. Posso, agora, definir a proposio de uma forma mais precisa, de modo a fechar a porta queles que pudessem pretender levar esta doutrina mais adiante do que tu jamais pretendi; e posso enunciar as razes do mtodo de um modo que, deve-se conceder, mais cientfico, mais convincente e mais definidor do que antes.

    4. ABDUO, DEDUO E INDUO

    I 00. preciso. ento, considerar a Lgica Critica c. Principio pela Deduo necessria, abordando-a da forma mais completa que for possvel. Todavia, evitarei desperdiar pginas com meros formalismos, exceto na medida em que o fato de serem muito familiares lhes d direito meno. Tentarei incluir toda forma de raciocnio necessrio que conheo. Constituir algo de novo a utilidade das Abstraes no raciocnio, que eu aqui trarei luz. Quase no preciso dizer que a silogstica ordinria no constituir mais do que uma pequena frao de minha doutrina. Sua substncia bsica mal precisa de uma pgina para ser exposta.

    a. 'The Fixation of Belif' (1 977) e ''How'to make our ideas clear" (1 878}, Cap. 4 e S do livro Il, vl. S dos Collecled Papers. A mxima referida est enunciada no segundo desses ensaios.

    b. /.e . em 1902-J. c. No livro JII.

  • SINOPSE PARCIAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... JJ

    LO I. A seguir, tomo em considerao a o mais importante ramo da lgica dedutiva. a doutrina das probabilidades, que tem sido chamada, com um pouco de exagero, de lgica das cincias exatas. Isto envolve inmeras questes dificeis, das quais as duas principais so, de um lado, a base da doutrina, junto com a natureza da probabilidade e, de outro, a admissibilidade das probabilidades inversas. Ambas constituem assunto de importncia prtica para todos ns, po'is embora poucos tenham o ensejo de .. realizar computaes numricas das probabilidades, o uso das idias e proposies do clculo est. amplamente difundido, e com uma grande vantagem, enquanto, ao mesmo tempo, inclusive os maiores matemticosb incorreram em erros prticos fatais na teoria e em sua aplicao. A primeira das duas questes mencionadas no , de modo algum, uma questo solucionvel de uma s vez. Todo um ninho de falcias est nela oculto. Da por que no posso aqui, em poucas palavras, definir aproximadamente minha posio de modo a que uma pessoa familiarizada com o estado da discusso tenha uma idia geral da posio em que me coloco. Entretanto, posso dizer que sou um daqueles que sustentam que uma probabilidade deve ser um assunto de conhecimento positivo, ou ento confessarse uma nulidade. Todavia, no chego posio extremada do empirismo assumida pelo Sr. Venn c. Por outro lado, algumas posies muito perspicazes, porm, em minha opinio, insustentveis, do Sr. F. Y: Edgeworthd, sero examinadas. da maior importncia distinguir, de modo absoluto, qualidades diferentes normalmente confundidas sob o nome de probabilidade. Uma destas. que denomino "plausibilidade", a coisa mais decepcionante do mundo, no sendo nada alm do grau de conformidade de uma proposio com nossas idias preconcebidas. Quando isto se v dignificado com o nome de probabilidade, como se fosse algo em cima do que enormes companhias de seguros pudessem arriscar suas centenas de milhes, causa mais dano do que j o fez a febre amarela. A prpria probabilidade uma idia essencialmente imprecisa, exigindo, no seu uso toda a precauo do pragmatismo, no qual sua origem indutiva deve ser firmemente mantida em vista como se fosse a bssola pela qual devemos guiar com segurana nosso barco neste oceano de probabilidades. A induo poderia ser definida, em termos precisos, como sendo a inferncia virtual de uma probabilidade, se que a probabilidade pode ser definida sem a Idia de induo. Uma vez colocada a filosofia da probabilidade sobre uma base slida, a questo das probabilidades inversas no apresenta dificuldade mais sria. Ningum, mais do que eu, condena este modo de utilizar a probabilidade, que vicia completamente a teoria e a prtica do raciocnio Indutivo e Abdutivo, que fez recuar a civilizao e corrompeu ideais, numa medida to mais ampla do que algum poderia acreditar possvel sem um exame mais acurado dos fatos, que eu sei que devo ser objeto de riso por emitir aquilo que parece um juizo dos mais ridculos. O leitor talvez pudesse concordar

    a. l.i\'ro 1 1 1 . B. b. Por ex.. Laplace e QueteleL c. Ver sua Logic of Chance (1866) e Emplrical Logic ( 1889) d. Ver o Trealise on Probabillly de Keynes quanto a uma bibliografia dos escri

    tos de Edgewortb.

  • 34 SEMI TICA

    comigo neste ponto se. neste trabalho me fosse dado entrar na histria das crenas atuais.

    I 02. A discusso da probabilidade leva-nos, naturalmente. interessante questo da validade da Induo. Proponho-me a demonstrar matematicamente que a validade da Induo, no sentido prprio do termo, isto , raciocnio experimental, decorre, atravs dos lemas das probabilidades, dos rudimentos da doutrina das conseqncias necessrias, sem que se faa uma suposio qualquer. seja de que tipo for, sobre o fato de ser o futuro semelhante ao passado, ou sobre o fato de resultados similares decorrerem de condies similares, ou da uniformidade da natureza. ou qualquer outro principio igualmente vago a. Exporei o raciocnio na mais perfe_ita preciso formal, e desafio algum a nele encontrar algum erro. E enorme a importncia dessa questo para todos ns. Tendo assim exposto totalmente minha doutrina da induo. com todas as regras estritas necessrias para ancor-la firmemente. regras estas que so exigidas pela demonstrao mencionada, deixo de lado, no momento. a considerao de todas as outras teorias, e passo de imediato ao estudo da Abduo. A. respeito deste assunto, minha doutrina foi imensamente aperfeioada desde que meu ensaio .. A Theory o f Probable Inference" b foi publicado em 1 883. Em relao ao que ali disse sobre"Inferncia Hiptetica demonstrei ser um explorador em campo ainda no desbravado. Cometi, embora o tenha corrigido pela metade, um ligeiro erro positivo, que facilmente pode ser eliminado sem alterar essencialmente minha posio. Porm meu principal erro foi um erro negativo, que cometi ao no perceber que, de acordo com meus prprios princpios, o raciocnio com o qual eu ali estava lidando no podia ser o raciocnio pelo qual somos levados a adotar uma hiptese, embora eu quase tenha afirmado isso. Mas eu estava demasiado empenhado na abordagem das formas silogsticas e da doutrina da extenso e compreenso lgicas, de ambas as quais eu fiz u m ponto mais fundamental do que elas rc:almente o so. Enquanto mantive aquela opinio. minhas concepes da Abduo conlilmliram necessariamente dois diferentes tipos de raciocnio. Quando, aps sucessivas tentativas. finalmente consegui esclarecer o assunto . os fatos demonstraram que a probabilidade propriamente nada tinha a ver com a validade da Abduo, a no ser de uma maneira duplamente indireta. Contudo, agora, uma srie de consideraes apresentou-se como possivelmente ligada soluo do problema. e devido extrema debilidade desta forma de inferncia, foi difcil ter certeza quanto ao fato de serem irrelevantes. Eu parecia estar perdido num mato cerrado at que, pela aplicao minuciosa dos primeiros princpios, descobri que as categorias, que eu fora conduzido a pr de lado por no ver como deviam ser aplicadas, precisariam (ornecer, e real mente forneciam. o fio que me guiou nesse labirinto. Prefiro no traar nenhum esboo a ttulo de prefcio dessa doutrina, ma.s pedirei ao leitor que a julgue. se o fizer, a partir de sua exposio com-

    a. Ver, por ex., livro lU. cap. 9 dos Co/lec1ed Papers b. Livro 111. Cap, 8, CP.

  • SINOPS PARCIAL DE UMA PROPOSTA PARA UM TRABALHO... 35

    plcta. Creio qu:..,a a pane mais imponantc do livro

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    pesquisa deve ser realizada. Ao mesmo tempo. esta mesma teoria. em si mesma, que constituir. aqui, nosso principal objeto.

    I 07. Chegando-se Retrica Especulativa. depois de te1ern sido devidamente assentadas as principais concepes da lgica, no se pode objetar seriamente contra o fato de relaxarmos a severidade de nossa regra de excluir. do estudo, assuntos psicolgico.,, observaes sobre como pensamos, e coisas do gnero. Esta regra j cumpriu seus objetivos; por que lhe permitir agora que impea nossos esforos de tornar ti!, na prtica. a metodutica'! Contudo. embora a propriedade desta observao deva ser admitida. preciso tambm ter em mente que existe uma doutrina puramente lgica a respeito de como deve ocorrer uma descoberta. doutrina esta que, por maior ou menor que possa ser sua importncia, considero ser de minha obrigao aqui examinar.