SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS · PDF filePôster EIXO PESQUISA,...
Click here to load reader
Transcript of SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS · PDF filePôster EIXO PESQUISA,...
SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS RELAÇÕES: POSSIBILIDADE PARA AS CRIANÇAS AUTISTAS
Pôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS
Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa
Resumo
Esta pesquisa pretende analisar alguns aspetos da mediação feita com a criança autista, em uma escola especial e em uma escola regular, na família e na comunidade, sob a perspectiva da Teoria da Alteridade, de Buber e Lévinas. Por meio da Observação Participante e do cotejo das experiências observadas e analisadas nas duas instituições, assim como em diálogo com o referencial teórico escolhido, analisaram-se algumas dimensões do espectro do autismo, a interação da criança autista com o ambiente educativo, bem como o trabalho do professor e sua intervenção, as motivações que na criança despertam o seu crescer, seu caminho, sua trajetória educativa. Trazemos à baila, por um lado, a problemática da criança autista e sua inserção legal na escola regular pública prevista há mais de 15 anos e, nesta reflexão, a figura do pedagogo, do professor e sua prática nesta relação educacional inclusiva. O cotejamento de ambas as realidades investigadas – escola formal e não formal – resulta na ausência de procedimento educacional inclusivo agravado não raro pela inércia do educador com a criança autista. Os resultados da investigação, em andamento, ensejam o desafio da continuidade da pesquisa.
Palavras-chave: Autismo. Alteridade. Inclusão. Linguagem. Educação formal e não formal.
Introdução
“De quando éramos um diálogo e podíamos ouvir uns aos outros.” (Hölderlin)
“Esta frágil vida entre o nascimento e a morte pode tornar-se uma plenitude se
for um diálogo. Toda vida real é um encontro.” (Buber)
A questão das relações entre identidade e alteridade, entre o eu e o outro, é
permanente na filosofia e na pedagogia, desde as reflexões na Grécia clássica e sua
paidéia até o mundo moderno, com novas significações a partir do pensamento de
Hegel e da lógica dialética. No pensamento contemporâneo, passa a ser uma questão
central em diversas correntes, como nos questionamentos sobre a diversidade, de
Morin, e sobre a diferença, de Guattari, assim como na filosofia de Buber e Levinas.
Ao buscarmos uma educação para a autonomia, para a emancipação, para a
formação de sujeitos que pensem por si mesmos, que falem por sua própria voz, é
imprescindível pensarmos a alteridade. Os sujeitos se formam nos diálogos com
outros sujeitos: reconhecem-se uns aos outros. A dimensão das relações
intersubjetivas é inseparável das práticas educativas, ainda mais sob a perspectiva da
educação inclusiva.
A presente pesquisa está em andamento e trata da relação da criança
portadora do espectro de Autismo com aqueles que com ela interagem, no ambiente
escolar, na família e na comunidade analisada sob a categoria interpretativa da
Alteridade.
Originou-se dos resultados obtidos em estudo feito anteriormente sobre a
criança autista na escola regular e na escola especial, em face do processo de
inclusão educacional brasileiro. Esse resultado acusa a ausência de procedimento
educacional inclusivo, agravado, não raro, pela inércia dos sujeitos educadores na
escola regular e no ambiente não formal.
Vimos um processo de inclusão educacional em ambiente formal de educação
e o trabalho educativo em ambiente não formal, ambos, muitas vezes carentes de
iniciativas e atitudes, em detrimento da dignidade humana da criança autista. Essa
relação que o pedagogo, aquele que acompanha na escola formal, especial, ou outra
pessoa que acompanha na informal, não raro está muito aquém de uma relação que
sustente um processo inclusivo, ou seja, um procedimento que os faça fazer parte de
uma sala de aula com crianças típicas ou não, mas com o fito de melhorar sua
qualidade de vida.
O projeto pretende estudar a interação com a criança autista, segundo a
categoria da Alteridade, pois as crianças autistas frequentemente carecem desta
atitude, de uma postura ou relação mais elaborada com o Outro. Vale dizer, proceder
ao conceito de Alteridade como “ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro. A
Alteridade é um conceito mais restrito que do que a diversidade e mais extenso do que
a diferença.” (Abbagnano, 2000).
Observando a realidade escolar, percebemos que há na sociedade, na nossa
realidade concreta, e demais cidades no entorno, uma possibilidade inclusiva,
estabelecida em legislação a título nacional que sustentaria, entre outros recursos, o
processo de inclusão para crianças – no caso específico – autistas, além de uma
gama de informações, teorias, relatos, científicos ou não. Existe uma legislação
nacional e com ela uma possibilidade inclusiva.O problema que se nos apresenta é a
maneira como esta abertura, como esta possibilidade está se dando hodiernamente,
porque muitas vezes não se percebe relação realmente dialógica entre o “eu”
educador e o “eu” criança autista.
A concepção que temos deste sujeito – criança autista – um dos objetos – e
sujeito - de nossa pesquisa, é a de um ser humano, singular, único na sua
especificidade, assim como os outros seres humanos. E, o sujeito educador, que em
tese, deveria agir no sentido de beneficiar essa criança, tem deixado a desejar.
Entendemos ser necessário buscar a identidade da criança autista no processo de
Alteridade vivido por ambos; tê-los, sujeito criança autista e sujeito educador, como
sujeitos de ação, de atitude, reconhecendo o seu papel, buscando a intersubjetividade
necessária ao conhecimento do Outro, esse é o fundamento do nosso olhar.
Intensificar o conhecimento e construção do discurso pedagógico sensível e
crítico, na discussão da Alteridade, é a nossa interpretação e ao mesmo tempo nossa
contribuição possível. Na reflexão do eu e do Outro como sujeitos de ações,
reconhecer seu papel, sua função, para alcançar a intersubjetividade necessária ao
conhecimento, à busca da identidade, ao diálogo entre sujeitos, valendo-nos das
concepções de Matin Buber e Emmanuel Lévinas.
Além do referencial bibliográfico, será utilizada pesquisa qualitativa, com
observação participante nos ambientes educativos investigados, a ser ainda
delimitados – escola regular, escola especial, domicílio, comunidade. Intencionamos a
aplicação de questionários abertos, com perguntas não diretivas, entrevistas com
aqueles que são os professores, profissionais e outras pessoas que compõem o
convívio das crianças autistas nestes ambientes.
Contextualização teórica, imersão e cotejo
As questões relacionadas com a política de inclusão com a criança autista que
sofre diversos graus de dificuldades ligadas à comunicação, às interações sociais e
comportamentos repetitivos e restritivos, ao professor e suas intervenções, nos levou a
valer-nos do cotejo entre duas realidades práticas.
Como parte estratégica desta investigação nos deparamos com vários estudos
e pesquisas que propõem um olhar científico às questões inclusivas educacionais.
A Educação Inclusiva no Brasil, historicamente, remonta à Declaração dos Direitos
Humanos (UNESCO, 1948) quando se quer resgatar uma sociedade justa nas
obrigações, direitos e deveres de todas as pessoas, destacando-se o combate à
discriminação, qualquer que seja.
Muitos documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, foram
elaborados, no sentido de acolher alunos com deficiência ou de outra forma
excluídos, respeitadas as suas características, incluindo propostas adequadas a todos,
beneficiando, também, os autistas. Entre outros ainda destacaram-se: A Declaração
Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990); A Declaração de Salamanca
(UNESCO); A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Pessoa Portadora de Deficiência, que gerou a Declaração de
Guatemala (OEA, 1999); e outras mais recentes de igual importância e que concluem
pela prática inquestionável da Educação Inclusiva.
Neste ínterim situa-se a legislação brasileira que, no afã de construir sua
história educacional, pontua a inclusão como mote, desde a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, artigo 208, III – que estabelece o direito das pessoas
com necessidades especiais de receberem educação, preferencialmente na rede
regular de ensino (BRASIL, 2004); em 1990, ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei 8069, art. 53 que assegura a todos o direito à igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola e atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino (Cury, et al., 2001); em 1996, a LDB – Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96 que assegura aos alunos
com necessidades especiais currículos, métodos, recursos educativos e organização
específicos, para atender às suas necessidades específicas (BRASIL, 1996).
A partir daí, Pareceres, Decretos e Leis de suma importância vão-se
incorporando à legislação fazendo crescer a responsabilidade, a reafirmação dos
direitos, mudanças para os sistemas de ensino e promoção da acessibilidade,
mormente aos deficientes e com necessidades educacionais especiais.
Neste sentido torna-se de especial importância a formação específica dos
professores, pois para a evolução dos alunos são imprescindíveis práticas
pedagógicas eficazes. Entendemos que não podemos ignorar as experiências (em
crescimento, talvez) que temos tido na trajetória da inclusão educacional brasileira,
malgrado os parcos preparos de professores e cuidadores. Importa lembrar que no
fundamento da verdadeira inclusão e num sentido amplo está o direito à cidadania,
cujo caminho a nossa criança autista percorre ainda timidamente.
A imersão a que nos referimos deu-se em primeiro, na escola especial
institucional cujo objetivo principal é promover a atenção integral à pessoa com
deficiência, mormente aquela com deficiência mental. Conta com aproximadamente
120 (cento e vinte) funcionários, estagiários, voluntários. Nela estão crianças e
adolescentes autistas, aquelas que facilmente consideramos como leves, mas também
aquelas em que os casos são mais severos.
A tríade característica do autismo, a saber, não interação social, dificuldade na
comunicação interpessoal e/ou falta da linguagem e comportamento repetitivo e
estereotipado (estereotipias) é específica de cada sujeito autista. A experiência nos
mostra que as anormalidades costumam se tornar aparentes antes da idade dos três
anos. A partir das crianças portadoras de espectro do autismo com esta idade para
cima, pelo menos, até que elas atinjam a idade escolar, a observação se lança
anunciando uma esperançosa suposição de, como educadores, assumirmos respostas
para construir a sustentação desta investigação.
A Instituição prima por uma metodologia que intitula como “comportamental
acadêmica”, no sentido de que o pequeno autista desde a chegada até a saída deva
acostumar a postar-se como um pequeno aluno que tem atitudes permanentes, como
guardar sua mochila em lugar previamente estabelecido, sentar-se à mesinha,
aguardando os demais amigos. Convivem, na medida do possível e sob a
intermediação da professora, da forma mais social possível, os brinquedos, o lanche, o
almoço ou jantar, o banho, a troca, o parque...
São estimulados visual e auditivamente e a tecnologia aparece em
computadores adequados às crianças pequenas com atividades dirigidas por
profissional da área da saúde, com estímulos a partir de figuras, e muita atividade
cantada, colorida e rítmica que não se diferenciam muito daquelas que visualizamos
em atividades de estímulos nas creches e escolas infantis pré-escolares. Sentar-se à
mesa da sala de aula e evitar o colo da professora, é estímulo para autonomia e, na
medida do possível, paulatinamente, e em observação das crianças um pouco
maiores, fica ressaltado que o espectro do autismo não é doença que se concebe na
homogeneidade. Pelo contrário, há diferentes perfis e, conforme verificamos, em sua
complexidade, ali não há duas pessoas com o diagnóstico de autismo que manifestem
a síndrome da mesma maneira.
Pudemos observar, outrossim, alguns sintomas mais graves como o
isolamento, quando não gostam de toque ou de ficar em grupo; exagerada
estereotipia, com braços e às vezes todo o corpo em maior agitação; não falar ou
mesmo emitir sons; déficit intelectual mais constante nos autistas em graus diferentes;
alterações no plano afetivo; crises de cólera; intolerância às frustrações,
comportamento fixado em objetos que precisam estar sempre junto de si (garrafa
fechada com líquido colorido dentro), entre outros que sabemos existir. Seu
desenvolvimento e evolução são diferenciados.
Todos os grupos de crianças autistas, mormente aqueles em idade escolar,
possuem carteiras delimitadas com fitas escuras que formam uma moldura de modo a
facilitar o enquadramento dela e, por conseguinte, da atividade oferecida. As meninas
autistas são minoria, porém na maioria elas são acometidas de quadros mais severos.
Quanto à Escola Regular, a imersão, por sua vez, nos remete à LDBEN – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que há mais de 15 anos,
assegura aos alunos com necessidades especiais, métodos, recursos educativos e
organização específicos para atender às suas necessidades específicas na escola
inclusiva.
Ressalte-se que, por essa mesma lei, a educação especial na perspectiva da
escola inclusiva vale-se de uma esfera própria, voltada à educação e cidadania que,
no sentido de acolher as crianças autistas junto a todos os alunos da escola regular,
deve promover seu desenvolvimento e interação social concorrentemente com as
outras.
Assim, diagnosticado o espectro do autismo, matriculada a criança na escola
regular, passamos à fase da observação participante in loco. Autorizadas pela
Diretoria de Ensino, intentamos Observação Participante junto à Escola Estadual de
Ensino Fundamental, com classes de 1º a 5º anos, com aproximadamente 400 alunos,
divididos entre os turnos da manhã e tarde. A comunidade escolar aponta condição
socioeconômica de classe média e média ascendente.
Neste quadro, encontra-se o pequeno Leo (nome fictício), autista, sete anos,
matriculado no 2o ano, etapa de alfabetização. Único aluno autista do período (tarde).
Leo é criança autista que iniciou o trabalho educacional em escola regular como outro
aluno qualquer.
Conta com um tutor, que chamam de cuidador, que tem formação de técnico
em enfermagem, e que passa um período com ele, dando-lhe segurança cobrindo um
trabalho de educação especializada na escola inclusiva. Leo não tem linguagem;
apresenta algumas estereotipias. É dócil, sorri, oferece o rosto para ser beijado,
espera um abraço. Chega à escola com a mãe. As crianças gritam alegres quando o
veem: “O Léo chegou!”.
A convivência e rotina de ir à escola, ao cabo de quase um ano, sem nenhuma
orientação específica ou educacional – afora algumas feitas pelo cuidador – mostra
que está mais calmo e acostumado com a “sua” rotina escolar. Chega e seu ambiente
é o pátio da Escola. Acostumou-se ao convívio das crianças – apesar de estar ainda
sozinho em seu canto – enquanto as outras brincam no pátio. Está aprendendo a ouvir
o Não e já não sobe mais sobre as mesas. É querido por todas as crianças que,
quando passam por ele, chamam-no pelo nome e mostram as mãos espalmadas
dizendo: “Bate aqui, Léo!” E ele bate, sorrindo.
Hoje não costuma entrar nas salas de aula como no início. Às vezes entra na
sua própria sala, mas sai rapidamente, com a ajuda do cuidador. Isso se dá, pois é
certo que ele vai atrapalhar as outras crianças e o andamento dos trabalhos, conforme
a escola determina. Surpreendentemente, reconhece sua professora, seu grupo e sua
sala, visitando-a às vezes, mas sendo levado a sair dela rapidamente. Não há
estímulo psicomotor específico; não há acompanhamento com orientação de professor
especializado, ou pedagogo que oriente o cuidador.
Chegou aos seis anos, e tem sido estimulado a ouvir e compreender algumas
palavras ditas pelo cuidador e que hoje, prontamente, ainda que sem falar, ele anui:
“banheiro”, “passear”, “limpe a boca”, “sente-se”, “vamos lavar as mãos”, entre outras
necessárias. Oferece, às vezes, caderno e giz de cera (que solicitou da mãe), e Leo às
vezes pinta alguns rabiscos.
Como o cuidador é muito dedicado e afetivo, arriscamos algumas orientações
como estimular o corpo com bola, arcos, etc., pois Leo apresenta pouca tonicidade
muscular, e pudemos constatar que fez tentativas, enfrentando suas resistências
naturais.
Sempre fica no pátio; às vezes dorme ali mesmo. Por vezes fica muito ansioso.
Porém, quando está bem fica sempre próximo das crianças. Mesmo sozinho, acaba se
acostumando e procurando ficar em meio delas, quando por algum motivo estão no
pátio. Presenciamos o caso daquelas crianças do 4º ano que estavam ensaiando um
Jogral no palco que há no pátio e Leo foi chegando devagar e deitou-se; acomodou-se
feliz no meio delas, que naturalmente o acolhem. Então, nos perguntamos: não seria
oportuno iniciar sua adaptação na sala, proporcionando, planejadamente por, cinco ou
dez minutos/dia ao menos, sua estadia na sala para ali ser ele mesmo e ficar um
pouco com as outras crianças?
Notamos e confirmamos, além da afirmação daqueles que acompanham Leo
desde o início na Escola Regular - 2º ano - que ele vem num crescendo. Sem maiores
especificações, hoje é um pouco diferente, socializando-se. Porém, fora da sala de
aula. O que Leo experimenta está muito longe de ser um processo de inclusão. Não
há professora, sala de aula, sala de arte, amigos de sala, lápis, papel, cartolina, tinta,
carteira. De maneira que, tanto na escola especial quanto na regular, acusamos
problemas, falhas que implicam na ausência de inter-ação, relação, mediação entre a
criança autista e aqueles que com ela interagem.
A Alteridade fazendo escola
A explanação dos relatos acima nos permite questionar se a criança autista, na
sua singularidade poderá ou deverá ser protagonista de sua aprendizagem e de sua
existência.
Como mediador que desenvolve a cidadania no aluno, como enfrentar esse
momento educacional? Como alcançar esse ser que anuncia uma nova significação
diversa e atual de existir que, como lembra Lévinas (1997, p.79), “os existentes não
diferem mais por suas qualidades ou por sua natureza, mas por seu modo de existir”?
Na relação ideal de todos os homens serem responsáveis pelos outros (Lévinas,
1997), estamos a acreditar na necessidade de um trabalho pautado numa perspectiva
inter-humana que vá além da “coexistência de uma multiplicidade de consciências”
(Lévinas, 1997 p. 141), ou daquela determinada socialmente. Vale ressaltar, mudar o
“comércio interpessoal”, - troca de bons comportamentos estabelecidos na nossa
realidade educacional prática - , pela perspectiva inter-humana da responsabilidade
pelo outro, pela relação de um ao outro (Lévinas, 1997). Relação dialógica conforme já
identificara Martin Buber no que concerne à Alteridade, ao EU, ao TU.
Para Buber, a dialogicidade do EU-TU implica o conceito de relação que
designa o que essencialmente acontece entre os seres humanos. É a experiência
existencial se revelando pela palavra.
A relação é o cerne desta pesquisa, e conquanto o autor apresente o mundo da
relação realizando-se em três esferas, a saber, a vida com a natureza, a vida com o
homem e a vida com os seres espirituais, vamos nos ater à segunda esfera – da vida
com o homem – cuja relação nas palavras de Buber é “manifesta e explícita: podemos
endereçar e receber o Tu” (Buber, 2001 p. 53). Vale dizer, presente diante do homem
é ele já o meu Tu. Um Tu ilimitado como se fosse a luz onde tudo o mais “vive em sua
luz” (Buber, 2001 p. 55).
A dialogicidade do EU-TU como o conceito de relação que designa o que
essencialmente acontece entre os seres humanos é a experiência existencial se
revelando pela palavra; existe inter-ação “entre” EU e TU.
Para Buber, a palavra-princípio está fundamentada na necessidade do diálogo,
da relação e criação. Compreendida no par EU-TU, vai ser proferida para buscar uma
relação autêntica, pois “ela atua sobre mim e eu atuo sobre ela” (Buber, 2001 p. 56). É
reciprocidade, é ato essencial. É ato de escolha: o de ser escolhido e o de escolher. É
encontro: “o EU se realiza na relação com o Tu; é tornando EU que digo TU” (Buber,
2001 p. 57). A relação com o TU é imediata e só se instaura quando o TU se torna
presente (Buber, 2001), vale dizer, permanece. Este TU que para Buber ensina a
encontrar o outro e permanecer. Este Tu que deve ser dito verdadeiramente para
proclamar uma verdadeira humanidade na escola e na palavra-princípio, palco e
fundamento da relação, respectivamente.
Considerações finais
Como e para que trabalhar com as crianças autistas, sob a perspectiva da
Alteridade? Diante da fragilidade das relações observadas nos relatos, que pouco tem
de prática realmente inclusiva, é preciso pensar a questão com outras categorias
interpretativas. Buscar a mediação entre sujeitos exigirá de nós deixarmo-nos
surpreender a partir “da totalidade que lhes empresta significado” (Lévinas, 1997 p.
32). Muitas vezes nos encontramos na negação dessa criança autista como um sujeito
humano, pois negamos a sua independência na medida em que a vemos como
dependente de nós.
Frente à criança autista, perguntamo-nos se existe nela a dualidade EU-TU.
Buber, ao dizer da criança, tanto quanto dos animais na relação com o homem fora
das relações de domesticação, apregoa que ambos “sabem discernir se as
manifestações de ternura são dissimuladas ou não, são autênticas ou não” (Buber,
2001 p. 131), o que explica que neles há latência na dualidade, aquela da palavra-
princípio que é própria do homem, cujo mundo é duplo, pois sua atitude é dupla.
(Buber, 2001).
Mesmo não manifesta, oculta, não significa que não exista qualquer espécie de
reciprocidade. Para que seja manifesta, precisa de diálogo, precisa de educadores que
compreendam a necessidade de se entregar livremente à relação dialógica que
contém a presença do EU-TU como pessoa e outro, reciprocamente, lugar comum da
Alteridade que se instaura inexoravelmente nesta relação: encontro.
Daí entendermos a premente necessidade da continuidade desta investigação,
apoiada em Buber e Lévinas, contribuição possível em busca da melhor qualidade de
vida para essas crianças, mormente no que concerne à escola, ao tempo da
Educação, portal das relações, artéria que poderá transportar a Alteridade na trama
que comporta desde fios da seda mais grosseira à tessitura mais elaborada; e ao
mesmo tempo incitar atitudes e ações que certamente trarão à tona o melhor do
social: a convivência pacífica, dedicada, explícita, manifesta.
Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4a. [trad.] Alfredo Bosi. São Paulo, SP : Martins Fontes, 2000.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. promulgada em 5 de outubro de 1988. Barueri : Manole, 2004. ISBN 85-204-2170-9.
______. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília : Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], 1996. Vol. 248.
BUBER, Martin. Eu e Tu. 5a. São Paulo: Centauro, 2001.
CURY, Munir, AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do e MENDEZ, Emilio Garcia. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo : Malheiros, 2001. ISBN 85-7420-184-7.
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós - Ensaios sobre a Alteridade. São Paulo : Vozes, 1997.
OEA. Assembleia Geral. Convenção Interamericana para Eliminação de todas Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência. Guatemala : AG/doc.3826/99, 1999. 28 de maio de 1999.
UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. [Online] [Citado em: 22 de 06 de 2013.] http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf.
______. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, 1990.
______. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Brasília, 1948.