SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS · PDF filePôster EIXO PESQUISA,...

10

Click here to load reader

Transcript of SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS · PDF filePôster EIXO PESQUISA,...

Page 1: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS RELAÇÕES: POSSIBILIDADE PARA AS CRIANÇAS AUTISTAS

Pôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS

Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa

Resumo

Esta pesquisa pretende analisar alguns aspetos da mediação feita com a criança autista, em uma escola especial e em uma escola regular, na família e na comunidade, sob a perspectiva da Teoria da Alteridade, de Buber e Lévinas. Por meio da Observação Participante e do cotejo das experiências observadas e analisadas nas duas instituições, assim como em diálogo com o referencial teórico escolhido, analisaram-se algumas dimensões do espectro do autismo, a interação da criança autista com o ambiente educativo, bem como o trabalho do professor e sua intervenção, as motivações que na criança despertam o seu crescer, seu caminho, sua trajetória educativa. Trazemos à baila, por um lado, a problemática da criança autista e sua inserção legal na escola regular pública prevista há mais de 15 anos e, nesta reflexão, a figura do pedagogo, do professor e sua prática nesta relação educacional inclusiva. O cotejamento de ambas as realidades investigadas – escola formal e não formal – resulta na ausência de procedimento educacional inclusivo agravado não raro pela inércia do educador com a criança autista. Os resultados da investigação, em andamento, ensejam o desafio da continuidade da pesquisa.

Palavras-chave: Autismo. Alteridade. Inclusão. Linguagem. Educação formal e não formal.

Page 2: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

Introdução

“De quando éramos um diálogo e podíamos ouvir uns aos outros.” (Hölderlin)

“Esta frágil vida entre o nascimento e a morte pode tornar-se uma plenitude se

for um diálogo. Toda vida real é um encontro.” (Buber)

A questão das relações entre identidade e alteridade, entre o eu e o outro, é

permanente na filosofia e na pedagogia, desde as reflexões na Grécia clássica e sua

paidéia até o mundo moderno, com novas significações a partir do pensamento de

Hegel e da lógica dialética. No pensamento contemporâneo, passa a ser uma questão

central em diversas correntes, como nos questionamentos sobre a diversidade, de

Morin, e sobre a diferença, de Guattari, assim como na filosofia de Buber e Levinas.

Ao buscarmos uma educação para a autonomia, para a emancipação, para a

formação de sujeitos que pensem por si mesmos, que falem por sua própria voz, é

imprescindível pensarmos a alteridade. Os sujeitos se formam nos diálogos com

outros sujeitos: reconhecem-se uns aos outros. A dimensão das relações

intersubjetivas é inseparável das práticas educativas, ainda mais sob a perspectiva da

educação inclusiva.

A presente pesquisa está em andamento e trata da relação da criança

portadora do espectro de Autismo com aqueles que com ela interagem, no ambiente

escolar, na família e na comunidade analisada sob a categoria interpretativa da

Alteridade.

Originou-se dos resultados obtidos em estudo feito anteriormente sobre a

criança autista na escola regular e na escola especial, em face do processo de

inclusão educacional brasileiro. Esse resultado acusa a ausência de procedimento

educacional inclusivo, agravado, não raro, pela inércia dos sujeitos educadores na

escola regular e no ambiente não formal.

Vimos um processo de inclusão educacional em ambiente formal de educação

e o trabalho educativo em ambiente não formal, ambos, muitas vezes carentes de

iniciativas e atitudes, em detrimento da dignidade humana da criança autista. Essa

relação que o pedagogo, aquele que acompanha na escola formal, especial, ou outra

pessoa que acompanha na informal, não raro está muito aquém de uma relação que

sustente um processo inclusivo, ou seja, um procedimento que os faça fazer parte de

uma sala de aula com crianças típicas ou não, mas com o fito de melhorar sua

qualidade de vida.

Page 3: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

O projeto pretende estudar a interação com a criança autista, segundo a

categoria da Alteridade, pois as crianças autistas frequentemente carecem desta

atitude, de uma postura ou relação mais elaborada com o Outro. Vale dizer, proceder

ao conceito de Alteridade como “ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro. A

Alteridade é um conceito mais restrito que do que a diversidade e mais extenso do que

a diferença.” (Abbagnano, 2000).

Observando a realidade escolar, percebemos que há na sociedade, na nossa

realidade concreta, e demais cidades no entorno, uma possibilidade inclusiva,

estabelecida em legislação a título nacional que sustentaria, entre outros recursos, o

processo de inclusão para crianças – no caso específico – autistas, além de uma

gama de informações, teorias, relatos, científicos ou não. Existe uma legislação

nacional e com ela uma possibilidade inclusiva.O problema que se nos apresenta é a

maneira como esta abertura, como esta possibilidade está se dando hodiernamente,

porque muitas vezes não se percebe relação realmente dialógica entre o “eu”

educador e o “eu” criança autista.

A concepção que temos deste sujeito – criança autista – um dos objetos – e

sujeito - de nossa pesquisa, é a de um ser humano, singular, único na sua

especificidade, assim como os outros seres humanos. E, o sujeito educador, que em

tese, deveria agir no sentido de beneficiar essa criança, tem deixado a desejar.

Entendemos ser necessário buscar a identidade da criança autista no processo de

Alteridade vivido por ambos; tê-los, sujeito criança autista e sujeito educador, como

sujeitos de ação, de atitude, reconhecendo o seu papel, buscando a intersubjetividade

necessária ao conhecimento do Outro, esse é o fundamento do nosso olhar.

Intensificar o conhecimento e construção do discurso pedagógico sensível e

crítico, na discussão da Alteridade, é a nossa interpretação e ao mesmo tempo nossa

contribuição possível. Na reflexão do eu e do Outro como sujeitos de ações,

reconhecer seu papel, sua função, para alcançar a intersubjetividade necessária ao

conhecimento, à busca da identidade, ao diálogo entre sujeitos, valendo-nos das

concepções de Matin Buber e Emmanuel Lévinas.

Além do referencial bibliográfico, será utilizada pesquisa qualitativa, com

observação participante nos ambientes educativos investigados, a ser ainda

delimitados – escola regular, escola especial, domicílio, comunidade. Intencionamos a

aplicação de questionários abertos, com perguntas não diretivas, entrevistas com

aqueles que são os professores, profissionais e outras pessoas que compõem o

convívio das crianças autistas nestes ambientes.

Contextualização teórica, imersão e cotejo

Page 4: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

As questões relacionadas com a política de inclusão com a criança autista que

sofre diversos graus de dificuldades ligadas à comunicação, às interações sociais e

comportamentos repetitivos e restritivos, ao professor e suas intervenções, nos levou a

valer-nos do cotejo entre duas realidades práticas.

Como parte estratégica desta investigação nos deparamos com vários estudos

e pesquisas que propõem um olhar científico às questões inclusivas educacionais.

A Educação Inclusiva no Brasil, historicamente, remonta à Declaração dos Direitos

Humanos (UNESCO, 1948) quando se quer resgatar uma sociedade justa nas

obrigações, direitos e deveres de todas as pessoas, destacando-se o combate à

discriminação, qualquer que seja.

Muitos documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, foram

elaborados, no sentido de acolher alunos com deficiência ou de outra forma

excluídos, respeitadas as suas características, incluindo propostas adequadas a todos,

beneficiando, também, os autistas. Entre outros ainda destacaram-se: A Declaração

Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990); A Declaração de Salamanca

(UNESCO); A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Contra a Pessoa Portadora de Deficiência, que gerou a Declaração de

Guatemala (OEA, 1999); e outras mais recentes de igual importância e que concluem

pela prática inquestionável da Educação Inclusiva.

Neste ínterim situa-se a legislação brasileira que, no afã de construir sua

história educacional, pontua a inclusão como mote, desde a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, artigo 208, III – que estabelece o direito das pessoas

com necessidades especiais de receberem educação, preferencialmente na rede

regular de ensino (BRASIL, 2004); em 1990, ECA – Estatuto da Criança e do

Adolescente, Lei 8069, art. 53 que assegura a todos o direito à igualdade de condições

para o acesso e permanência na escola e atendimento educacional especializado,

preferencialmente na rede regular de ensino (Cury, et al., 2001); em 1996, a LDB – Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96 que assegura aos alunos

com necessidades especiais currículos, métodos, recursos educativos e organização

específicos, para atender às suas necessidades específicas (BRASIL, 1996).

A partir daí, Pareceres, Decretos e Leis de suma importância vão-se

incorporando à legislação fazendo crescer a responsabilidade, a reafirmação dos

direitos, mudanças para os sistemas de ensino e promoção da acessibilidade,

mormente aos deficientes e com necessidades educacionais especiais.

Neste sentido torna-se de especial importância a formação específica dos

professores, pois para a evolução dos alunos são imprescindíveis práticas

pedagógicas eficazes. Entendemos que não podemos ignorar as experiências (em

Page 5: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

crescimento, talvez) que temos tido na trajetória da inclusão educacional brasileira,

malgrado os parcos preparos de professores e cuidadores. Importa lembrar que no

fundamento da verdadeira inclusão e num sentido amplo está o direito à cidadania,

cujo caminho a nossa criança autista percorre ainda timidamente.

A imersão a que nos referimos deu-se em primeiro, na escola especial

institucional cujo objetivo principal é promover a atenção integral à pessoa com

deficiência, mormente aquela com deficiência mental. Conta com aproximadamente

120 (cento e vinte) funcionários, estagiários, voluntários. Nela estão crianças e

adolescentes autistas, aquelas que facilmente consideramos como leves, mas também

aquelas em que os casos são mais severos.

A tríade característica do autismo, a saber, não interação social, dificuldade na

comunicação interpessoal e/ou falta da linguagem e comportamento repetitivo e

estereotipado (estereotipias) é específica de cada sujeito autista. A experiência nos

mostra que as anormalidades costumam se tornar aparentes antes da idade dos três

anos. A partir das crianças portadoras de espectro do autismo com esta idade para

cima, pelo menos, até que elas atinjam a idade escolar, a observação se lança

anunciando uma esperançosa suposição de, como educadores, assumirmos respostas

para construir a sustentação desta investigação.

A Instituição prima por uma metodologia que intitula como “comportamental

acadêmica”, no sentido de que o pequeno autista desde a chegada até a saída deva

acostumar a postar-se como um pequeno aluno que tem atitudes permanentes, como

guardar sua mochila em lugar previamente estabelecido, sentar-se à mesinha,

aguardando os demais amigos. Convivem, na medida do possível e sob a

intermediação da professora, da forma mais social possível, os brinquedos, o lanche, o

almoço ou jantar, o banho, a troca, o parque...

São estimulados visual e auditivamente e a tecnologia aparece em

computadores adequados às crianças pequenas com atividades dirigidas por

profissional da área da saúde, com estímulos a partir de figuras, e muita atividade

cantada, colorida e rítmica que não se diferenciam muito daquelas que visualizamos

em atividades de estímulos nas creches e escolas infantis pré-escolares. Sentar-se à

mesa da sala de aula e evitar o colo da professora, é estímulo para autonomia e, na

medida do possível, paulatinamente, e em observação das crianças um pouco

maiores, fica ressaltado que o espectro do autismo não é doença que se concebe na

homogeneidade. Pelo contrário, há diferentes perfis e, conforme verificamos, em sua

complexidade, ali não há duas pessoas com o diagnóstico de autismo que manifestem

a síndrome da mesma maneira.

Page 6: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

Pudemos observar, outrossim, alguns sintomas mais graves como o

isolamento, quando não gostam de toque ou de ficar em grupo; exagerada

estereotipia, com braços e às vezes todo o corpo em maior agitação; não falar ou

mesmo emitir sons; déficit intelectual mais constante nos autistas em graus diferentes;

alterações no plano afetivo; crises de cólera; intolerância às frustrações,

comportamento fixado em objetos que precisam estar sempre junto de si (garrafa

fechada com líquido colorido dentro), entre outros que sabemos existir. Seu

desenvolvimento e evolução são diferenciados.

Todos os grupos de crianças autistas, mormente aqueles em idade escolar,

possuem carteiras delimitadas com fitas escuras que formam uma moldura de modo a

facilitar o enquadramento dela e, por conseguinte, da atividade oferecida. As meninas

autistas são minoria, porém na maioria elas são acometidas de quadros mais severos.

Quanto à Escola Regular, a imersão, por sua vez, nos remete à LDBEN – Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que há mais de 15 anos,

assegura aos alunos com necessidades especiais, métodos, recursos educativos e

organização específicos para atender às suas necessidades específicas na escola

inclusiva.

Ressalte-se que, por essa mesma lei, a educação especial na perspectiva da

escola inclusiva vale-se de uma esfera própria, voltada à educação e cidadania que,

no sentido de acolher as crianças autistas junto a todos os alunos da escola regular,

deve promover seu desenvolvimento e interação social concorrentemente com as

outras.

Assim, diagnosticado o espectro do autismo, matriculada a criança na escola

regular, passamos à fase da observação participante in loco. Autorizadas pela

Diretoria de Ensino, intentamos Observação Participante junto à Escola Estadual de

Ensino Fundamental, com classes de 1º a 5º anos, com aproximadamente 400 alunos,

divididos entre os turnos da manhã e tarde. A comunidade escolar aponta condição

socioeconômica de classe média e média ascendente.

Neste quadro, encontra-se o pequeno Leo (nome fictício), autista, sete anos,

matriculado no 2o ano, etapa de alfabetização. Único aluno autista do período (tarde).

Leo é criança autista que iniciou o trabalho educacional em escola regular como outro

aluno qualquer.

Conta com um tutor, que chamam de cuidador, que tem formação de técnico

em enfermagem, e que passa um período com ele, dando-lhe segurança cobrindo um

trabalho de educação especializada na escola inclusiva. Leo não tem linguagem;

apresenta algumas estereotipias. É dócil, sorri, oferece o rosto para ser beijado,

Page 7: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

espera um abraço. Chega à escola com a mãe. As crianças gritam alegres quando o

veem: “O Léo chegou!”.

A convivência e rotina de ir à escola, ao cabo de quase um ano, sem nenhuma

orientação específica ou educacional – afora algumas feitas pelo cuidador – mostra

que está mais calmo e acostumado com a “sua” rotina escolar. Chega e seu ambiente

é o pátio da Escola. Acostumou-se ao convívio das crianças – apesar de estar ainda

sozinho em seu canto – enquanto as outras brincam no pátio. Está aprendendo a ouvir

o Não e já não sobe mais sobre as mesas. É querido por todas as crianças que,

quando passam por ele, chamam-no pelo nome e mostram as mãos espalmadas

dizendo: “Bate aqui, Léo!” E ele bate, sorrindo.

Hoje não costuma entrar nas salas de aula como no início. Às vezes entra na

sua própria sala, mas sai rapidamente, com a ajuda do cuidador. Isso se dá, pois é

certo que ele vai atrapalhar as outras crianças e o andamento dos trabalhos, conforme

a escola determina. Surpreendentemente, reconhece sua professora, seu grupo e sua

sala, visitando-a às vezes, mas sendo levado a sair dela rapidamente. Não há

estímulo psicomotor específico; não há acompanhamento com orientação de professor

especializado, ou pedagogo que oriente o cuidador.

Chegou aos seis anos, e tem sido estimulado a ouvir e compreender algumas

palavras ditas pelo cuidador e que hoje, prontamente, ainda que sem falar, ele anui:

“banheiro”, “passear”, “limpe a boca”, “sente-se”, “vamos lavar as mãos”, entre outras

necessárias. Oferece, às vezes, caderno e giz de cera (que solicitou da mãe), e Leo às

vezes pinta alguns rabiscos.

Como o cuidador é muito dedicado e afetivo, arriscamos algumas orientações

como estimular o corpo com bola, arcos, etc., pois Leo apresenta pouca tonicidade

muscular, e pudemos constatar que fez tentativas, enfrentando suas resistências

naturais.

Sempre fica no pátio; às vezes dorme ali mesmo. Por vezes fica muito ansioso.

Porém, quando está bem fica sempre próximo das crianças. Mesmo sozinho, acaba se

acostumando e procurando ficar em meio delas, quando por algum motivo estão no

pátio. Presenciamos o caso daquelas crianças do 4º ano que estavam ensaiando um

Jogral no palco que há no pátio e Leo foi chegando devagar e deitou-se; acomodou-se

feliz no meio delas, que naturalmente o acolhem. Então, nos perguntamos: não seria

oportuno iniciar sua adaptação na sala, proporcionando, planejadamente por, cinco ou

dez minutos/dia ao menos, sua estadia na sala para ali ser ele mesmo e ficar um

pouco com as outras crianças?

Notamos e confirmamos, além da afirmação daqueles que acompanham Leo

desde o início na Escola Regular - 2º ano - que ele vem num crescendo. Sem maiores

Page 8: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

especificações, hoje é um pouco diferente, socializando-se. Porém, fora da sala de

aula. O que Leo experimenta está muito longe de ser um processo de inclusão. Não

há professora, sala de aula, sala de arte, amigos de sala, lápis, papel, cartolina, tinta,

carteira. De maneira que, tanto na escola especial quanto na regular, acusamos

problemas, falhas que implicam na ausência de inter-ação, relação, mediação entre a

criança autista e aqueles que com ela interagem.

A Alteridade fazendo escola

A explanação dos relatos acima nos permite questionar se a criança autista, na

sua singularidade poderá ou deverá ser protagonista de sua aprendizagem e de sua

existência.

Como mediador que desenvolve a cidadania no aluno, como enfrentar esse

momento educacional? Como alcançar esse ser que anuncia uma nova significação

diversa e atual de existir que, como lembra Lévinas (1997, p.79), “os existentes não

diferem mais por suas qualidades ou por sua natureza, mas por seu modo de existir”?

Na relação ideal de todos os homens serem responsáveis pelos outros (Lévinas,

1997), estamos a acreditar na necessidade de um trabalho pautado numa perspectiva

inter-humana que vá além da “coexistência de uma multiplicidade de consciências”

(Lévinas, 1997 p. 141), ou daquela determinada socialmente. Vale ressaltar, mudar o

“comércio interpessoal”, - troca de bons comportamentos estabelecidos na nossa

realidade educacional prática - , pela perspectiva inter-humana da responsabilidade

pelo outro, pela relação de um ao outro (Lévinas, 1997). Relação dialógica conforme já

identificara Martin Buber no que concerne à Alteridade, ao EU, ao TU.

Para Buber, a dialogicidade do EU-TU implica o conceito de relação que

designa o que essencialmente acontece entre os seres humanos. É a experiência

existencial se revelando pela palavra.

A relação é o cerne desta pesquisa, e conquanto o autor apresente o mundo da

relação realizando-se em três esferas, a saber, a vida com a natureza, a vida com o

homem e a vida com os seres espirituais, vamos nos ater à segunda esfera – da vida

com o homem – cuja relação nas palavras de Buber é “manifesta e explícita: podemos

endereçar e receber o Tu” (Buber, 2001 p. 53). Vale dizer, presente diante do homem

é ele já o meu Tu. Um Tu ilimitado como se fosse a luz onde tudo o mais “vive em sua

luz” (Buber, 2001 p. 55).

A dialogicidade do EU-TU como o conceito de relação que designa o que

essencialmente acontece entre os seres humanos é a experiência existencial se

revelando pela palavra; existe inter-ação “entre” EU e TU.

Para Buber, a palavra-princípio está fundamentada na necessidade do diálogo,

da relação e criação. Compreendida no par EU-TU, vai ser proferida para buscar uma

Page 9: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

relação autêntica, pois “ela atua sobre mim e eu atuo sobre ela” (Buber, 2001 p. 56). É

reciprocidade, é ato essencial. É ato de escolha: o de ser escolhido e o de escolher. É

encontro: “o EU se realiza na relação com o Tu; é tornando EU que digo TU” (Buber,

2001 p. 57). A relação com o TU é imediata e só se instaura quando o TU se torna

presente (Buber, 2001), vale dizer, permanece. Este TU que para Buber ensina a

encontrar o outro e permanecer. Este Tu que deve ser dito verdadeiramente para

proclamar uma verdadeira humanidade na escola e na palavra-princípio, palco e

fundamento da relação, respectivamente.

Considerações finais

Como e para que trabalhar com as crianças autistas, sob a perspectiva da

Alteridade? Diante da fragilidade das relações observadas nos relatos, que pouco tem

de prática realmente inclusiva, é preciso pensar a questão com outras categorias

interpretativas. Buscar a mediação entre sujeitos exigirá de nós deixarmo-nos

surpreender a partir “da totalidade que lhes empresta significado” (Lévinas, 1997 p.

32). Muitas vezes nos encontramos na negação dessa criança autista como um sujeito

humano, pois negamos a sua independência na medida em que a vemos como

dependente de nós.

Frente à criança autista, perguntamo-nos se existe nela a dualidade EU-TU.

Buber, ao dizer da criança, tanto quanto dos animais na relação com o homem fora

das relações de domesticação, apregoa que ambos “sabem discernir se as

manifestações de ternura são dissimuladas ou não, são autênticas ou não” (Buber,

2001 p. 131), o que explica que neles há latência na dualidade, aquela da palavra-

princípio que é própria do homem, cujo mundo é duplo, pois sua atitude é dupla.

(Buber, 2001).

Mesmo não manifesta, oculta, não significa que não exista qualquer espécie de

reciprocidade. Para que seja manifesta, precisa de diálogo, precisa de educadores que

compreendam a necessidade de se entregar livremente à relação dialógica que

contém a presença do EU-TU como pessoa e outro, reciprocamente, lugar comum da

Alteridade que se instaura inexoravelmente nesta relação: encontro.

Daí entendermos a premente necessidade da continuidade desta investigação,

apoiada em Buber e Lévinas, contribuição possível em busca da melhor qualidade de

vida para essas crianças, mormente no que concerne à escola, ao tempo da

Educação, portal das relações, artéria que poderá transportar a Alteridade na trama

que comporta desde fios da seda mais grosseira à tessitura mais elaborada; e ao

mesmo tempo incitar atitudes e ações que certamente trarão à tona o melhor do

social: a convivência pacífica, dedicada, explícita, manifesta.

Page 10: SEMEANDO A ALTERIDADE NA TRAMA DAS  · PDF filePôster EIXO PESQUISA, EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E CULTURAS Maria Moura Severino Antonio Moreira Barbosa Resumo

Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4a. [trad.] Alfredo Bosi. São Paulo, SP : Martins Fontes, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. promulgada em 5 de outubro de 1988. Barueri : Manole, 2004. ISBN 85-204-2170-9.

______. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília : Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], 1996. Vol. 248.

BUBER, Martin. Eu e Tu. 5a. São Paulo: Centauro, 2001.

CURY, Munir, AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do e MENDEZ, Emilio Garcia. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo : Malheiros, 2001. ISBN 85-7420-184-7.

LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós - Ensaios sobre a Alteridade. São Paulo : Vozes, 1997.

OEA. Assembleia Geral. Convenção Interamericana para Eliminação de todas Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência. Guatemala : AG/doc.3826/99, 1999. 28 de maio de 1999.

UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. [Online] [Citado em: 22 de 06 de 2013.] http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf.

______. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, 1990.

______. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Brasília, 1948.