SEMEADORES 2003 A 2013: ANÁLISE DO PROCESSO DE LUTAS...

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Faculdade da Universidade de Brasília em Planaltina SEMEADORES 2003 A 2013: ANÁLISE DO PROCESSO DE LUTAS E FORMAÇÃO POR MEIO DO TRABALHO COM A LINGUAGEM TEATRAL Adriana Fernandes Souza Orientador: Rafael Litvin Villas Bôas Brasília - 2013

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Faculdade da Universidade de Braslia em Planaltina

SEMEADORES 2003 A 2013:

ANLISE DO PROCESSO DE LUTAS E FORMAO

POR MEIO DO TRABALHO COM A LINGUAGEM TEATRAL

Adriana Fernandes Souza

Orientador: Rafael Litvin Villas Bas

Braslia - 2013

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Licenciatura em Educao do Campo

Turma 2: Andria Pereira dos Santos

Adriana Fernandes Souza 08/54093

SEMEADORES 2003 A 2013:

ANLISE DO PROCESSO DE LUTAS E FORMAO

POR MEIO DO TRABALHO COM A LINGUAGEM TEATRAL

Trabalho de Concluso de Curso

apresentado Licenciatura em Educao

do Campo LEdoC, da Universidade de

Braslia, como requisito parcial para a

obteno ao ttulo de Licenciada em

Educao do Campo com habilitao na

rea de Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Litvin Villas

Bas

Braslia - 2013

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Adriana Fernandes Souza

SEMEADORES 2003 A 2013:

ANLISE DO PROCESSO DE LUTAS E FORMAO

POR MEIO DO TRABALHO COM A LINGUAGEM TEATRAL

Trabalho de Concluso de Curso, apresentado Licenciatura em Educao

do Campo LEdoC, da Universidade de Braslia, como requisito parcial para a

obteno ao ttulo de Licenciada em Educao do Campo com habilitao na rea

de Linguagens.

Data de apresentao: 06/03/2013

Banca examinadora:

Prof Dr. Rafael Litvin Villas Bas Orientador

Universidade de Braslia - FUP

Prof Doutorando Marcos Antonio Baratto Ribeiro da Silva

Universidade de Braslia UnB

Prof Mestrando Felipe Canova

Universidade de Braslia - UnB

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Dedicatria: Dedico este trabalho acadmico para todas as pessoas que acreditam e se empenham em construir um mundo justo, de igualdades de direitos na prtica e que com coragem deixaram para traz o que eram para se empenharem em ser um novo homem e uma nova mulher constitudos de valores sociais e coletivos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeo pelo apoio incondicional, suporte imprescindvel e incansvel, por ter a

certeza que estou no melhor caminho e por estar em minha vida sempre presente,

minha me Joana Fernandes de Souza.

Aos meus filhos Rassa, Rau e Aim, meus irmos Flora e Rogrio, sobrinhas (o)

Sofia, Clarisse e Mateus, a mais nova chegante da famlia uma luz em nossas

vidas minha netinha Eloisa, que mesmo com minha ausncia militante e estudante

to permanente, sempre me incentivaram, me fortaleceram nos meus momentos

de dificuldades, acreditando no meu propsito ideolgico, que me levou a fazer as

escolhas que fiz.

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra, que me delegou como tarefa

nmero um estudar e com isso possibilitou meu acesso a conhecimentos

diversos, levando com que eu compreendesse minha existncia e o meu maior

conflito que a verdade histrica social.

Aos companheiros e companheiras que partiram durante a jornada e no

concretizaram seus sonhos e em respeito a eles assumi a tarefa de no desistir e

de continuar na luta permanentemente.

s irms e irmos, companheiras e companheiros de luta, que passaram os

horrores nas horas dos despejos e enfrentamentos, as dores das perdas, fome e

frio, tristezas e alegrias nas lonas, nas marchas, nas aes e ainda se fazem

presentes na luta.

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A todas as pessoas, amigas e amigos, que direta ou indiretamente se fizeram

presentes na minha trajetria formativa e acadmica. Feliz queles que

transferem o que sabe e aprendem o que ensinam. (Cora Coralina)

Brigada de Agitao e Propaganda SEMEADORES, que foi a essncia desta

pesquisa, na qual contei com a participao e colaborao de todos (as). Com a

vivncia e experincia com o grupo, me reconheci como ser, me fez ter voz e

contribuiu para que eu pudesse ser quem sou. UBUNTU para vocs. (Sou quem

sou, por que somos todos ns).

Educao do Campo e a LEdoC turma-2: Andria Pereira dos Santos, a todas

docentes e todas as pessoas envolvidas, quelas que lutaram e ainda lutam por

uma educao que esteja em sintonia com a realidade dos povos que vivem e

trabalham no campo.

Aos professores, que se disponibilizaram a serem examinadores na minha banca,

especialmente minha companheira de cenas, estudos e enxaquecas, que em

meio a tantas tarefas achou um tempo para me auxiliar a Prof. Doutoranda

Rayssa Aguiar Borges, que por foras maiores no pode participar da banca de

avaliao como previsto e aos companheiros de luta: o Prof Mestrando Felipe

Canova e o Prof Doutorando Marcos Antonio Baratto da Silva.

Por fim agradeo ao companheiro, camarada e irmo de lutas e de vida, que com

inteligncia e sabedoria estratgica, fez com que eu acreditasse em mim e

chegasse ao hoje com o sonho e a vontade de continuar e ir alm das fronteiras

impostas pela vida. Na minha militncia tem sido meu formador e mestre, na

minha vida acadmica meu orientador, o Prof Dr. Rafael Litvin Villas Boas.

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"A verdade de cada sociedade humana, ou de cada um dos seus segmentos, determinada por sua cultura, que a soma ativa de todas as coisas produzidas por qualquer grupo humano em um mesmo tempo e lugar, em relao com a natureza e com outros grupos sociais." (Augusto Boal)

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RESUMO:

Esta monografia analisa o processo formativo e o trabalho artstico da brigada de

Agitao e Propaganda Semeadores do MST- DFE, no intervalo dos dez anos de

existncia do grupo, entre 2003 e 2013. O primeiro captulo trabalha a estrutura

organizativa do MST, os ncleos, coletivos/ setores e as instncias do movimento,

com o intuito de fornecer elementos para compreenso do processo no qual est

inserida a Brigada Semeadores. O segundo captulo faz uma contextualizao do

processo de trabalho com a linguagem teatral e aborda as contradies que

permeiam a linguagem. ressaltada a importncia da reencenao de Mutiro

em Novo Sol e projetos de interveno maiores (Amrica Latina), que leva os

integrantes da Brigada a uma mudana nas prticas, com estudos permanentes.

No terceiro captulo a partir do artigo de Christiane Hamon: Formas dramatrgicas

e cnicas do teatro de agit- prop, empreendida anlise de como aparece nas

produes criadas, adaptadas e recriadas pela brigada Semeadores a herana

esttica e social do teatro poltico da dcada de 1960, e das tcnicas trabalhadas

na agitao e propaganda.

PALAVRAS-CHAVES:

Cultura; Emancipao; Teatro; Conscincia e Transformao social.

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ABSTRACT:

This monograph examines the formative process and the artwork Brigade of

Agitation and Propaganda Seeders MST-DFE, in the ten years of the group. The

first chapter works the organizational structure of the MST, the nuclei, collective /

sectors and instances of movement, to situate the reader in that process is

embedded Brigade Drill. The organization Collective Culture of the MST in cultural

fronts, with different artistic languages, focusing on the research object in front of

the theater and agitation and propaganda. The second chapter is a

contextualization of the socialization process procedures emancipatory and

contradictions that permeate the theatrical language. Also emphasized is the

redemption of Effort in New Sol and intervention projects larger (Latin America),

leading members of the brigade to a change in practices, with ongoing studies. In

the third chapter from the article by Christiane Hamon: "Forms and scenic

dramaturgical theater agit-prop" analysis is undertaken as it appears in productions

created, adapted and recreated by the brigade Semeadores historical legacy of

social-political theater of the decade 1960 and the techniques worked in agitation

and propaganda.

KEYWORDS:

Culture; Theatre; Consciousness and Social Transformation.

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LISTA DE ABREVIATURAS, OU SMBOLOS OU ILUSTRAO:

FUP: Faculdade da Universidade de Braslia em Planaltina

LEdoC: Licenciatura em Educao do Campo

MST: Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra

DFE: Distrito Federal e Entorno

NBs: Ncleos de Base

CTO: Centro de Teatro do Oprimido

CPC: Centro Popular de Cultura

MCP: Movimento de Cultura Popular

INCRA: Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

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SUMRIO

Introduo.....................................................................................................14

CAPTULO I

CULTURA E FORMAO............................................................................18

1.1- Cultura no movimento e as concepes

artsticas...............................................................................................19

1.2- Teatro no MST: processo coletivo de

produo.............................................................................................23

1.3- Semeadores: grupo de teatro de

AGITPROP..........................................................................................30

CAPTULO II-

ESTUDO E PRODUO: A PRXIS MILITANTE /ARTISTA EM AO..35

2.1- Estrutura cnica: aes da Brigada Semeadores.................................35

2.2- Anlises dos processos produtivos.......................................................41

2.2.1- 1 Mstica realizada pelo grupo de no acampamento Gabriela Monteiro -

2003..............................................................................................................42

2.2.2- 1 pea realizada pelo grupo de teatro do Gabriela Monteiro -

2004..............................................................................................................46

2.2.3- Projeto Amrica Latina 2007............................................................49

Consideraes finais.....................................................................................55

Referncias...................................................................................................57

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ANEXOS........................................................................................................60

1- Primeira mstica do grupo no acampamento Gabriela Monteiro.........61

2- Trapulha..............................................................................................66

3- Projeto Amrica Latina........................................................................86

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SEMEADORES 2003 A 2013:

ANLISE DO PROCESSO DE LUTAS E FORMAO

POR MEIO DO TRABALHO COM A LINGUAGEM TEATRAL

Projeto Amrica Latina- 2007

No tivemos carinho para sermos gerados e nem fomos preparados para nascer, podemos dizer que no somos o nascimento, somos a sobrevivncia, nascemos na raa entre os barracos dentro de uma necessidade sem fase de gestao, simplesmente a arte pura, a arte do MST de fazer renascer, nosso renascimento foi no MST. (Viviane Moreira, integrante da Brigada Semeadores)

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INTRODUO

Este trabalho acadmico tem como objetivo analisar o processo formativo

do grupo de teatro poltico a Brigada de Agitao e Propaganda Semeadores,

formado por militantes integrantes do MST- DFE, permitindo assim registrar os

limites e desafios do grupo encontrados ao longo de sua trajetria de dez anos de

trabalho, que abrange o perodo de 2003 a 2013. No decanato do grupo buscamos

compreender a contribuio do trabalho teatral no processo de formao poltica.

O MST-DFE se organiza e se consolida no Distrito Federal, oficialmente em

1994, e a sua regio administrativa operativa abrange trs estados: Minas Gerais

(Noroeste Mineiro), Gois (Nordeste Goiano) e Distrito Federal.

O processo de formao inicial da Brigada Semeadores aconteceu na fase

de acampamento, momento em que tem incio a organizao do coletivo de

Cultura do MST- DFE, no ano de 2003.

Nos estados em que o MST est organizado, os parmetros da luta so os

mesmos, que tm como um dos principais eixos direcionadores: a luta por

Reforma Agrria e pela Transformao Social.

O MST um Movimento de massas, popular, social e poltico, que tem

como uns dos seus principais objetivos: construir uma sociedade sem

exploradores e explorados; buscar permanentemente a justia social e a igualdade

de direitos econmicos, polticos, sociais e culturais; difundir os valores

humanistas e socialistas nas relaes sociais e pessoais; tambm combater todas

as formas de discriminaes sociais e buscar a participao igualitria da mulher,

homem, jovem, idoso e das crianas.

As famlias do Movimento so organizadas em ncleos de base (NBs)

constitudos em mdia por dez famlias e cada pessoa est vinculada a algum

setor ou coletivo de trabalho como: Produo, Educao, Cultura, Formao,

Sade e outros. A Cultura existia como uma frente do Setor de Educao e se

torna um Coletivo Nacional em 2001, mesmo ano em que se constitui a Brigada

Nacional de Teatro do MST Patativa do Assar.

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No MST a agitao e propaganda (agitprop) comea a ser discutida nas

instncias nacionais, enquanto necessidade de retomada, a partir de 2003. Cabe

destacar, entretanto, que a as prticas polticas do Movimento sempre foram de

agitprop: marchas, bandeiras, ocupaes, pichaes, debates em escolas, etc. A

propaganda era realizada pelo setor de Formao e agitao pelo setor de Frente

de Massas.

Os objetivos especficos da pesquisa ao so focados nos processos

produtivos e de formao dos integrantes da Brigada Semeadores, um grupo de

teatro poltico e com anlise da contribuio na formao poltica por meio do

teatro, tanto para quem atua em cena quanto para quem assiste, de forma que

possa contribuir com aqueles que se desafiam a organizar grupos de teatro

poltico nas comunidades ou nas organizaes populares.

Para a construo deste material foi necessrio recorrer s pesquisas

realizadas por outros militantes, buscar referncias em materiais bibliogrficos

produzidos pelo Movimento, pelos setores de Formao e Educao, e os textos

sobre arte e cultura, escritos por integrantes do Coletivo de Cultura e da Brigada

Nacional de Teatro do MST Patativa do Assar.

A metodologia empregada neste trabalho, alm da reviso bibliogrfica que

fundamenta a reflexo sobre a Brigada de Agitao e Propaganda Semeadores e

nos registros sobre a sua trajetria de pesquisas, estudos, trabalhos e produes,

foram realizadas entrevistas com parte dos integrantes da Brigada Semeadores,

tambm utilizado o processo de produo do documentrio sobre os dez anos da

Brigada Semeadores, como mais um material direcionador da sistematizao

desta produo acadmica.

De modo geral, este trabalho tem como objetivo a compreenso do

processo de formao da conscincia por meio do trabalho com a linguagem

teatral.

A proposta de pesquisar sobre a Brigada Semeadores demandou,

compreenso sobre a potencialidade da linguagem teatral, para formao poltica

nos processos de lutas, anlises de quais foram os desafios e os limites para

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consolidar e manter um grupo teatro poltico, uma brigada de agitprop em um

movimento social como MST.

Na construo deste trabalho acadmico, foi necessrio pesquisar os

materiais de estudos produzidos pelo coletivo de cultura, setor de formao do

MST, caderno das artes Teatro e Transformao Social (Rede Cultural da Terra),

utilizados para formao poltica/terica da militncia e dos grupos teatrais do

movimento e da Brigada Semeadores: obras e artigos de In Camargo, Augusto

Boal e Bertolt Brecht, caderno de formao MST e a Cultura, os trabalhos

acadmicos de alguns militantes do MST vinculados Cultura, pesquisas das

peas e intervenes produzidas pela Semeadores e entrevistas com integrantes

da Brigada Semeadores.

Os resultados da pesquisa so apresentados neste trabalho em trs

captulos, alm da introduo, das consideraes finais e dos anexos que trazem

em sua estrutura as peas aqui citadas e algumas fotos dos processos dos

trabalhos da Brigada Semeadores.

O primeiro captulo tem por ttulo Cultura e formao, e traz uma

contextualizao da estrutura organizativa do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra, no qual est inserida a Brigada de Agitao e Propaganda

Semeadores. No coletivo de Cultura a arte trabalhada no movimento como

instrumento de conscientizao e formao com vrias frentes culturais.

O segundo captulo tem por ttulo: Formao e produo: militantes artistas

e a dimenso da prxis social, a linguagem teatral expressa s relaes sociais, o

teatro no movimento e suas contradies que esto presentes neste captulo.

O terceiro captulo, a partir das leituras e pesquisas realizadas, registra de forma

abrangente o processo produtivo da Brigada Semeadores.

Com seu contedo podemos afirmar, que as manifestaes artsticas esto

intrinsecamente interligadas com as aes polticas e as intencionalidades

dependendo de quem as maneja, assim podem ser definidas como

emancipatrias ou no e as outras mediaes estruturadoras dos contextos scio-

17

culturais, esto diretamente vinculadas ao processo de formao histrica e

dialtica da humanidade.

18

CAPTULO I

CULTURA E FORMAO

Na perspectiva de romper com os limites polticos e ideolgicos impostos

pela classe dominante, se faz necessria uma ruptura com a forma de produo

artstica da lgica burguesa, que ergue uma barreira de acesso entre a cultura, a

produo das artes e a classe trabalhadora.

Ao protagonizar os processos de lutas sociais, as organizaes populares

e movimentos sociais, buscam atravs das produes artsticas entre elas as

teatrais, potencializar nas intervenes as estratgias para conscientizao das

massas (o povo que a base, as famlias dos acampamentos e assentamentos do

movimento) e da sociedade para que as pessoas inseridas no processo alcancem

um nvel de conscincia crtica que os encaminhe para a transformao social.

A estrutura orgnica do MST funciona de forma a trabalhar o sujeito dentro

de uma perspectiva coletiva. Nos acampamentos e assentamentos com os

ncleos de base (NBs), que so constitudos por dez a quinze famlias, h um

casal de coordenadores, que juntos com as famlias levantam as demandas

estruturais e condicionantes da luta, como exemplo: infraestrutura, sade,

educao, produo, juventude e na sua estrutura organizativa o movimento

constitudo por setores e ou coletivos correspondentes nos quais os outros

integrantes dos NBs se inserem, com a contribuio voluntria de trabalho.

O MST em uma perspectiva anti- sistmica, com suas aes organizadas,

nos processos de lutas pela Reforma Agrria, traz presente o porqu que as lutas

esto muito alm de serem s pela terra e das vrias lutas so travadas e

necessrias para uma vida embasada na justia social e nos direitos universais e

fundamentais da vida, que so garantidos constitucionalmente, porm sonegados

classe trabalhadora.

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O MST compreende que a luta pela Reforma Agrria no se resume conquista da terra para que nela os camponeses possam plantar. Atualmente a Reforma Agrria se tornou mais complexa com a forte presena dos capitais estrangeiros, das transnacionais e grandes grupos econmicos que controlam a agricultura brasileira. A concepo clssica da Reforma Agrria com um meio de desenvolvimento do mercado interno atravs da democratizao do acesso terra no corresponde s formas atuais de acumulao capitalista. (Teatro e Transformao Social, 2007, p.08)

Com as aes contra o controle das elites e contra o monoplio dos meios

de representao da realidade, um embate poltico e ideolgico travado contra

o sistema capitalista pelo Movimento, na perspectiva emancipatria, para que os

direitos sejam prevalecidos na prtica, alcanando todo cidado, seja ele do

campo ou da cidade.

1.1- Cultura no movimento e as concepes artsticas

Cultura sempre esteve vinculada a Educao. Surge ento uma pergunta, s de conceitos a Cultura tem mais de mil, ser que o movimento precisaria de um conceito de Cultura ou de linhas, de bases ou diretrizes? (Juliana Bonassa)

O debate sobre a Cultura no MST comeou ter mais nfase em 1996 a

partir de uma oficina de msica realizada em Braslia. Naquele perodo, os

debates referentes Cultura eram realizados, sobretudo, pelo Setor de Educao.

Aps essa oficina foram realizadas vrias atividades e seminrios em que o

debate central era sobre o papel da Cultura dentro do MST. Em 1998 e 1999,

foram realizados dois seminrios sobre cultura, e o Coletivo de Cultura comeou a

organizar-se efetivamente, com os militantes dos estados que desenvolviam

habilidades artsticas, em suas diferentes linguagens.

A partir de 2001 o Coletivo de Cultura adquire autonomia orgnica do setor de

Educao no qual estava inserido, como frente, e passa a ser considerado como

mais um espao estratgico de acumulao de conhecimento, mtodos e tticas,

com intuito de potencializar diversas frentes concomitantes: a relao com a

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sociedade e a ampliao do debate sobre a reforma agrria em diversos espaos

da sociedade civil; a formao da base acampada e assentada; a qualificao dos

professores das escolas do campo e o fortalecimento da formao da conscincia

da militncia do MST.

No ano de 2001 foi criada a Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assar,

primeira experincia de transferncia de meios de produo de uma linguagem

artstica de forma continuada, com cinco etapas ao longo de cinco anos, por meio

de uma parceria com Augusto Boal e a equipe do Centro do Teatro do Oprimido.

Tambm foi nesse ano que ocorreu a primeira Semana Nacional de Cultura

Brasileira e Reforma Agrria, grande atividade cultural, que visou ao mesmo

tempo a formao da militncia por meio de oficinas e a ampliao do contato com

a sociedade por meio de espetculos musicais abertos ao publico, com cantores

do MST e profissionais da msica j conhecidos do grande pblico.

De acordo com o material produzido pelo Coletivo Nacional de Cultura, em

junho de 2006, Fases de desenvolvimento do Coletivo Nacional de Cultura, a

partir de 1996 uma srie de oficinas, seminrios e festivais iniciaram o processo

de amadurecimento dos debates sobre o papel da Cultura. Aps o seminrio de

1998, o militante Ademar Bogo publica o livro O MST e a Cultura que incorpora

e sintetiza as discusses do seminrio.

Com o avano dos debates e estudos no Coletivo de Cultura, a partir de um

processo de formao mais sistemtico, desde 2001, por meio da parceria com o

Centro de Teatro do Oprimido (CTO), fica claro para a militncia envolvida

diretamente com a Cultura, os desafios e os limites da trajetria a ser percorrida,

para a implementao de um trabalho Cultural que alm do resgate dos valores e

das razes camponesas, implementassem as tcnicas de agitprop, o que deixava

grandes desafios a serem superados, para que o coletivo rumasse para alm de

organizao das aes culturais e se desafiasse a construir uma organicidade que

respondesse aos anseios do movimento.

Segundo o militante do Coletivo Nacional Miguel Stdile, no artigo que escreveu sobre Dez anos de Agitao e Propaganda do MST de 2003 - 2013:

21

O ano de 2003 marca o incio formal em que o Movimento Sem Terra deliberou a retomada prtica dos conceitos de agitao e propaganda. Mais do que uma data, registra uma deciso poltica em recuperar um conceito que sempre esteve presente na tradio e no histrico da esquerda internacional e que se encontrava abandonada. Mais do que uma formalidade terica, significou a efetivao de uma prtica poltica (2013: mimeo).

Decorrente definio que fora assumida pelo Coletivo de Cultura e ao

processo formativo com Augusto Boal, em que vrios militantes do Coletivo

Nacional de Cultura, ficaram com o tarefa de Tempo Comunidade (tempo no qual

os estudantes voltam para suas casas e se inserem novamente nas suas tarefas

nos estados e comunidades de origem) de organizarem grupos de teatro.

O ano de 2004 foi de intensa massificao dos grupos de teatro, uma

preparao para a primeira ao conjunta dos grupos de teatro de agitprop do

MST, que seria em 2005 com a Marcha Nacional por Justia Social e Soberania

Alimentar, de Goinia a Braslia.

Em 2005, o Coletivo Nacional de Cultura realizou o seminrio Arte, Cultura

e Comunicao na Formao, que aglutinou militantes da Cultura de todos os

estados em que o movimento est organizado. Foram convidados professores

universitrios e pesquisadores especialistas em diversas linguagens artsticas e

conhecedores do papel da arte em diversos processos revolucionrios, e

trabalharam com cem militantes durante quinze dias. Um dos resultados do

seminrio foi a elaborao das Linhas Polticas do Coletivo Nacional de Cultura,

a saber:

1) Formar poltica e esteticamente os militantes possibilitando continuidade

no processo de organicidade das brigadas de cultura;

2) Garantir que o processo de formao dos militantes esteja voltado para

linhas polticas do MST, e que contribua para fortalecimento da

organizao;

3) Desenvolver as linguagens artsticas para contribuir no processo

formativo dos ncleos de base;

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4) Refuncionalizar os processos de trabalho das linguagens estticas

dominantes;

5) Organizar as brigadas culturais nos estados trabalhando de forma

integrada as linguagens artsticas;

6) Contribuir e intercambiar as experincias das aes culturais a fim de

fortalecer o processo de formao e vinculo com diversos movimentos

sociais do campo e cidade;

7) Valorizar as manifestaes da cultura popular presente nos estados;

8) Apropriar- se de repertrio artstico e desenvolver aes que visem a

sensibilizao esttica em todas as linguagens artsticas;

9) Construir o processo de organicidade interna em nvel regional, estadual

e nacional;

10) Desenvolver aes formativas conjuntas com os demais setores do MST

e

11) Participao nas instncias de discusso e deciso poltica.

Para uma melhor compreenso da forma de organizar o Coletivo de

Cultura do MST, necessrio trazer presente a organizao que foi pensada no

incio a partir das frentes culturais e das organizaes regionais.

O Coletivo de Cultura constitudo por frentes culturais para denominar a

especificidade da linguagem artstica que so:

Frentes Culturais (linguagens artsticas):

Msica:

Objetivo: fazer da msica instrumento de formao e transformao. Buscar por

meio da msica o contexto histrico, a identidade cultural, contribuindo com a

elevao do nvel de conscincia da base social.

Teatro:

23

Objetivo: contribuir para a elevao do nvel de conscincia e contribuir na

inovao de metodologias para formao e anlise por meio desta linguagem.

Cinema e Vdeo:

Objetivo: dar acesso base social a filmes e vdeos e a produo dos mesmos

que contribuam com a elevao do nvel de conscincia.

Artes Plsticas (pintura, ilustraes, escultura e artesanato):

Objetivo: criao de painis, ilustraes que reflitam e contribuam para a elevao

da conscincia da base e retratem a histria.

Literatura e Poesia, Causos e Cordel:

Objetivo: por meio das letras, ampliar o nvel de conscincia da base e valorizar a

cultura popular.

Preservao da Identidade Cultural:

Objetivo: mapear, valorizar e resgatar as manifestaes culturais camponesas

como forma de resistncia cultural.

O Coletivo de Cultura trabalha com trs eixos programticos: qualificao

esttica e poltica de militantes nas linguagens culturais com o objetivo de

formao de multiplicadores; produo de um referencial de cultura que se

contraponha lgica da produo cultural do capitalismo; e fortalecimento do

contato entre populao rural e urbana. O Coletivo de Cultura um instrumento

organizador, no se pretende sob nenhuma hiptese ser a totalidade da arte e

nem da cultura.

1.2-Teatro no MST: processo coletivo de produo

O sistema poltico vigente impe e naturaliza permanentemente uma

condio excludente e invisibilizada classe trabalhadora. Para Brecht no existe

24

natureza humana, ningum o que por que sim! necessrio buscar as causas

que fazem com que cada um seja o que . (BOAL, 1991, p.116)

Para efetivar a Reforma Agrria o movimento utiliza a Cultura como um

instrumento formativo transformador, com o entendimento que na luta de classes

ela uma arma estratgica e de amplo alcance, o que precisa a classe

trabalhadora, no caso do movimento, os trabalhadores rurais, se apropriarem e

aprenderem a manej-la, e esse desafio a Cultura no MST assumiu enquanto

tarefa, com as frentes culturais. Portanto, fez com o teatro, na lgica de

construo e formao de grupos teatrais revolucionrios para a Transformao

Social, como assim reafirmava Augusto Boal:

Penso que todos os grupos teatrais verdadeiramente revolucionrios devem transferir ao povo os meios de produo teatral, para que o prprio povo os utilize, sua maneira e para os seus fins. O teatro uma arma e o povo quem deve manej-la. (BOAL: 1991, p. 139).

De acordo com a professora In Camargo, com o entendimento da fora de

interveno do teatro, o MST se empenha para que o povo se aproprie tambm do

conhecimento da linguagem teatral e assuma o comando da sua prpria histria,

com conscincia crtica, e que fortalea as lutas mais sistematizadas contra a

Indstria Cultural, que se pauta de forma hegemnica pela: propriedade privada

dos meios de produo; explorao do trabalho fundamentado na livre iniciativa;

consumismo (necessidade de despertar a necessidade de consumir as mentiras

na corrida pelo sucesso); e em desqualificar e desmotivar a produo e ao

coletiva.

As tradies crticas da produo cultural e artstica, principalmente as de orientaes materialista e dialtica que configuram o marxismo, estabelecem as relaes entre forma e contedo como histricas. Contraditoriamente em cada perodo histrico, os projetos de classe em disputa constituram um modo especfico de representaes artsticas e da forma de ver o mundo. Os jeitos de contar uma histria de imaginar o novo, de representar e selecionar os valores, os assuntos, todos os aspectos da produo esttica, influenciam na forma final da interveno que ser socializada. A concepo mais radical destas interpretaes formula que o contedo social de uma obra, encontra se na sua forma. (Teatro e Transformao Social, vol-1, 2007, p.17)

25

Com as brigadas de teatro o movimento ataca veementemente as

discriminaes socioculturais, os bens culturais produzidos pela indstria cultural e

a violncia do latifndio. Um dos objetivos do Coletivo de Cultura do MST com as

brigadas de teatro : continuar fortalecendo a formao de grupos e brigadas

teatrais, massificando as conexes scio-culturais com outros coletivos de

organizaes populares do campo e da cidade, com a estratgia de

refuncionalizar os clichs do caipira apropriando se das experincias dos grupos

teatrais em ativa, dos grupos precurssores da esttica poltica na dramaturgia,

com uma produo coletiva e interativa entre os grupos.

Em combate hegemonia, o MST foi e vai para o embate poltico,

produzindo coletivamente suas prprias formas de aes culturais. Mnica

Luciana Frozzi (2011) militante do Coletivo Nacional de Cultura afirma em seu

trabalho monogrfico, que a importncia da linguagem teatral no movimento no

surgiu com a organizao do Coletivo de Cultura, pois j era trabalhado e debatido

nas escolas do MST, quando foi percebido que sua dimenso formativa est alm

do entretenimento.

O Teatro do MST busca conhecimento nas experincias que o antecedeu,

do Centro Popular de Cultura (CPC), Teatro de Arena e Movimento de Cultura

Popular (MCP), como tambm dos grupos polticos de esquerda que trabalharam

o agitprop e investiram nas reelaboraes e adaptaes das peas de grandes

dramaturgos, como Bertolt Brecht e Augusto Boal. Segundo Costa:

Compreendendo o papel devastador da cultura hegemnica, os militantes do MST entenderam que o seu combate exigia a construo de suas prprias formas de representao esttico- poltica da experincia social e a inveno de suas prprias formas de ao cultural contra hegemnica. Mas j sabia que no seria necessrio inventar a roda: para a sua ao, levou a efeito uma bela colheita de exemplos na histria das lutas sociais locais e mundiais iniciadas oficialmente em 1848 (quando pela primeira vez em Paris, os trabalhadores enfrentaram a burguesia de armas na mo e construram barricadas para se defender dos canhes). por isso que reaproveitam as experincias do Teatro de Arena, do CPC, e do MCP e a internacional, comeando pela latino-americana culminando com a reelaborao de peas de Brecht, considerado maior dramaturgo do sculo XX justamente por sua atuao

26

radical no teatro, na poltica e na teoria (Teatro e Transformao Social, vol-1, 2007,p.06)

Com efeito, em vrios textos a Brigada Nacional de Teatro busca

demonstrar conscincia da necessidade de se apropriar do legado esttico do

teatro poltico brasileiro e internacional e para tanto busca aprender com grupos

mais experientes:

Neste sentido, alm da consolidada parceira em nvel nacional, que mantemos com o CTO, estabelecemos parceiras de trabalhos locais, estaduais e em escala de grandes regies, com os grupos paulistas: Teatro dos Narradores e Cia do Lato, i nis aqui traveiz (RS), Oficina de Criao (MS), com os mamulengueiros Carlos Machados e Chico Simes (DF) e com a bonequeira norte- americana Tmara, do Art and Revolution. Cabe ainda registrar a fundamental acessoria terica da professora e pesquisadora In Camargo Costa desde fevereiro de 2004, que muito tem nos ajudado a organizar historicamente nossas experincias, nos ensinando a aprender com os passos daqueles, que lutaram antes de ns e a tomar providncias para prolongar a existncia e fora dos nossos trabalhos.(Brigada Nacional de TeatroPatativa do Assar)

Tendo em vista que em todo o processo de consolidao desta nao, a

classe trabalhadora do campo sempre tivera prejuzos scio/culturais irreparveis,

e o Teatro Poltico uma forma de ao com potencialidade de conscientizar e

libertar, fazendo uma ruptura com o teatro consumido e produzido pela burguesia

dentro da lgica mercantilizada do espetculo.

Contra o monoplio dos meios de representao da realidade, um projeto de transformao precisa se contrapor com tcnicas e linguagens capazes de colocar em xeque as formas de dominao, gerar alternativas coletivas, gerar alternativas coletivas, apontar caminhos para outras formas de organizao social. Para a efetivao de um projeto de Reforma Agrria de cunho socialista seria preciso assumir a batalha tambm no front da cultura, qualificando militantes tcnicas e politicamente para iniciar um processo de construo coletiva

de um imaginrio descolonizado e livre de valores mercantis. (Teatro e Transformao Social, vol-1, 2007, p.17)

27

As providncias no mbito do acumulo terico, esttico e tcnico, no campo

teatral no MST tem se fortalecido desde 2001, por meio de parcerias, de oficinas,

leituras dramticas de peas selecionadas, criaes coletivas pela base militante

envolvida com a cultura, que trabalham com a linguagem artstica do teatro, de

produes de peas teatrais e intervenes de agitao e propaganda. Em um

pressuposto global e local, deixando de ser controlado pelo sistema consumista e

assumindo o papel de produtor e protagonista, para o caminhar no sentido

emancipatrio da transformao social e essas providncias tem sido

fundamentais.

A linguagem como modo de produo, a msica tinha um modo de produo barata, no incio era um violeiro com seu instrumento nas costas, ia rodando nos espaos e nas reas, compondo suas msicas, fazendo oficinas, tocando em encontros. Todavia, sendo sozinho se tornava um alvo vulnervel indstria cultural. Enquanto um grupo de teatro no tem muito assdio, mais territorializado, e ns tivemos o papel de estudar, a partir da conscincia dos limites tericos. (Rafael Villas Bas, integrante da Brigada Semeadores, em depoimento gravado para documentrio sobre os dez anos da Brigada: 2013)

A apropriao feita pelo sistema capitalista das produes artsticas,

transformando tudo em mercadoria, desqualificando o produto com fins somente

no lucro, ocorreu no apenas com a msica, mas com todas as linguagens

artsticas, dentre elas o Teatro Poltico, que era organizado na dcada de 1960

pelo CPC e MCP, e foi estrategicamente desfigurado e manipulado pela

burguesia, com as experincias brutalmente interrompidas pelas foras armadas

na ditadura militar e empresarial.

Erwin Piscator definiu o Teatro Poltico como: a misso no se pode

esgotar no fato de imitar sem crtica, a realidade e conceber o teatro to somente

como espelho de seu tempo. To pouco essa sua misso, como o a de

superar tal estado apenas com os meios teatrais, eliminar a desarmonia pelo

disfarce, apresentar o homem como fenmeno de grandeza superior numa poca

que na realidade o desfigura socialmente numa palavra: agir idealmente. A misso

do teatro revolucionrio consiste em tomar como ponto de partida a realidade, e

28

elevar a discrepncia social e elemento de acusao da subverso da nova

ordem.

Quando comeamos a trabalhar com um conceito de agitprop, teve a fuso das artes, pois a realidade cobrou que houvesse naquele momento histrico, havia necessidade, pois a agitao e propaganda no estava limitada somente ao teatro, percebemos que as linguagens trabalhando junto dava mais conotao agitprop. O trabalho com a fuso das artes, nos forou a capacitar. No somos artistas completos, ns nos completamos quanto e como coletivo. (Agostinho Reis, integrante da Brigada Semeadores, 2013)

A importncia dos espaos de oficinas das linguagens artsticas, no MST,

como: teatro, msica, udiovisual e artes plsticas, alm de trazer presente

diversidade cultural e fortalecer as trocas de experincias, permite assim realizar a

transferncia do meio de produo teatral agregada as demais linguagens

artsticas. Aps serem apropriadas, criadas e recriadas comeam a circular nas

reas, comunidades e outros estados, e so utilizadas por outros grupos artsticos

do MST, sem uma privatizao dos materiais produzidos no movimento, livres

para fazer adaptaes entre os grupos em qualquer espao, em que esteja

organizado o movimento, uma forte caracterstica do Teatro Poltico:

Diga-se de passagem que se a experincia dos Centros Populares de Cultura (CPCs) e do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Pernambuco no tivessem sido interrompida, o rumo do processo possivelmente levaria a transferncia dos meios de produo do teatro para as classes populares, pois na curta vigncia do CPC 1961 a 1964 e do MCP 1959 a 1964, aconteceram oficinas teatrais segundo consta nos relatos teatrais de alguns participantes. (Teatro e Reforma Agrria, Brigada Nacional Patativa do Assar, 2005, p. 3)

Apesar da referncia logo a seguir ser em relao Questo Agrria,

vlida tambm para o caso acima afirmado, um dos fundadores do MST Joo

Pedro Stdile, em entrevista feita pelo pesquisador Bernardo Manano,

organizada no Brava Gente cita que: ns do MST nos consideramos herdeiros e

seguidores das Ligas Camponesas, porque aprendemos com sua experincia e

ressurgimos com outras formas. De modo que podemos tambm afirmar que o

teatro do MST herdeiro direto dos processos empreendidos pelo coletivo do

29

Teatro de Arena e dos outros grupos teatrais do CPC e do MCP que eram tambm

ligados s Ligas.

O valor histrico poltico para o movimento que agregado essa

militncia, era a ligao com as Ligas Camponesas e uma das caractersticas

principais que se apresentavam para a classe trabalhadora, principalmente para

as categorias: dos operrios, os camponeses e dos trabalhadores domsticos.

Os processos artsticos sempre costumaram responder aos processos

histricos da sociedade, e a experincia brutalmente interrompida foi uma ao

contra- revolucionria encabeada pelo golpe da ditadura militar, elaborado pela

classe dominante diante da apropriao dos meios de produo pelas classes

populares.

O teatro entra no Movimento como forma de repensar a forma de fazer formao no MST, uma tarefa do teatro com a formao da Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assar repensar a metodologia de formao. (Juliana Bonassa, militante do Coletivo Nacional de Cultura, 2013)

A intencionalidade foi preparar uma militncia vinculada ao coletivo de

Cultura, com as tcnicas do Teatro do Oprimido (T.O), que possibilitou ao

Movimento fazer o teatro poltico dentro das concepes estticas e ideolgicas

que direcionam as estratgias de luta. Com o T.O foi possvel no movimento

fazer um teatro do povo para o povo, possibilitando uma abertura em relacionar

diretamente com a realidade e de poder trazer para debate situaes conflitantes

de opresso, discriminaes, violncias, outras situaes em que na maioria das

vezes as pessoas se calam por ter receio de se posicionarem.

Trazer a memria, os sonhos, os legados, as batalhas e a viso de mundo em transformao nos permitem questionar e sermos questionados sobre as diferentes fases da luta de classes e seus desdobramentos, aprimorando o debate sobre as discusses sociais e no resolvidas na sociedade, instrumentalizando e potencializando a formao da conscincia crtica com a linguagem teatral. (Luciana Frozzi, 2010, p.32)

30

No agitprop as peas so construdas coletivamente, partindo das relaes

sociais produzidas na luta e na realidade, que so os elementos fundamentais

nesta forma teatral, para trabalhar com o Teatro do Oprimido base estruturante da

Agitao e Propaganda, primeiro inicia-se com vrios exerccios, para que o

participante possa ter cada vez mais conscincia do seu corpo, das suas

possibilidades corporais, a partir da conscincia dos limites e das deformaes

sociais, sofridas em consequncia do tipo de trabalho que realiza, e fazer com que

o corpo se torne expressivo, para assim deixar de ser objeto e passe a ser sujeito,

preparando atores e espectadores para entrarem em cena, improvisando com as

possibilidades reais.

Uma das tcnicas do Teatro do Oprimido a possibilidade de ligao direta

da plateia com a cena, intervindo nas cenas e representando, colocando fora de

cena a propriedade privada dos personagens, que separou espectadores e atores,

a lgica da produo teatral burguesa, para que oportunamente pudessem se

apropriar da linguagem artstica teatral.

1.3 Semeadores: grupo de teatro de Agitao e Propaganda

O que podemos definir do que a Semeadores? A Semeadores o

primeiro grupo de teatro que a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do

Assar forma com pessoas do MST/DFE e o grupo que d origem ao trabalho

de agitao e propaganda , no estado, em 2003.

A partir de 2001 o movimento faz uma parceria com o Centro de Teatro do

Oprimido (CTO), sob a coordenao de Augusto Boal, por entender que no

processo histrico dialtico das lutas, a emancipao para consolidar a Reforma

Agrria perpassa, por assumir a potencialidade estratgica da Cultura, a saber,

manej-la e no MST o teatro assumiu este desafio, ao consolidar a parceria com o

CTO, que preparou um grupo de militantes a nvel nacional, que ao retornarem

para os estados tinham a tarefa de organizar grupos e brigadas teatrais.

Em 2003, definido a implementao do Coletivo de Cultura nos Estados e

o ano do nascimento da Brigada de Agitao e Propaganda Semeadores no

31

MST-DFE, juntamente com o processo de consolidao da Cultura no DFE, nasce

como um grupo de teatro de agitprop, inserido ao processo de lutas, em meios aos

barracos de lona, e decorrente de uma demanda emergente que se impunha aos

acampados em 2003.

No tivemos carinho para sermos gerados e nem fomos preparados para nascer, podemos dizer que no somos o nascimento, somos a sobrevivncia, nascemos na raa entre os barracos dentro de uma necessidade sem fase de gestao, simplesmente a arte pura, a arte do MST de fazer renascer, nosso renascimento foi no MST. (Viviane Moreira, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

Naquele momento no acampamento Gabriela Monteiro, em Brazlandia- DF

havia um conflito orgnico interno e abuso de poder da dupla de coordenadores

do Setor de Frente de Massa (setor que trabalha com trabalho de base,

organizando as famlias para o acampamento e para o processo de lutas, e

normalmente so os primeiros coordenadores at comear a funcionar a

organicidade local) do Acampamento Gabriela Monteiro.

Por mais sabido que um militante seja, ele no detm nem a verdade absoluta nem o poder de deciso. melhor errar junto com o povo do que acertar sozinho Por isso devemos zelar para que sempre haja um processo de discusso, debates, com a base social. E a partir do debate, em grupos de famlias, em ncleos, tomar as decises pela ampla vontade da maioria. Os dirigentes devem consultar permanentemente o povo e no apenas comunicar a eles a deciso das instncias... nada mais superior do que o povo organizado na base.(Mtodo de organizao social, DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, documentos

bsicos, 2005,p.34)

A ausncia de um dilogo entre a base e a militncia foi o que levou a

organizao do grupo que percebeu a potencialidade da linguagem teatral. O

grupo de teatro poltico do MST- DFE (grupo de teatro do Gabriela Monteiro),

como ficou conhecido inicialmente, que era composto por acampados e militantes

do acampamento e do Coletivo Nacional de Cultura do Movimento.

32

O grupo se constituiu a partir da primeira mstica realizada no ato de

comemorao da terra conquistada. Processo esse fundamental para reunir um

grupo de acampados que participariam da mstica e viriam formar o grupo de

teatro. De acordo com Agostinho Reis, integrante da Brigada Semeadores, em

entrevista junto com demais integrantes, ele faz uma analogia histrica do

processo formativo do grupo:

Percebemos a fora da ao interventiva cnica, a partir do trabalho com a primeira mstica, logo o grupo que participara da mstica teve a grande sacada, que podamos usar e abusar o quanto quisssemos da arte e que a linguagem teatral era uma forma estratgica de luta, assim poderamos utilizar o teatro para expressar e dizer o que estvamos vivendo e querendo dizer, j que no havia um espao para questionar o que achvamos que estava errado. (Agostinho Reis, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

A Brigada Semeadores comprometida com os princpios do MST: da

justia social, da igualdade e do bem comum, com suas aes de intervenes

ousadas, vai extraindo do dia a dia das jornadas de lutas, elementos necessrios

para que uma linguagem artstica como o teatro seja uma expresso potente e

conscientizadora, mesmo sendo solicitada para atender demandas do MST, nos

atos de cerimoniais das aes, dos encontros, reunies, atos solenes e outras

diversas atividades em que o grupo de teatro era convocado, sempre preparava

suas aes teatrais com estudos coletivos, o que sempre potencializava as

intervenes relacionadas diretamente com a realidade.

Os que pretendem separar o teatro da poltica pretendem conduzir- nos ao erro e esta uma atitude poltica (...). O teatro uma arma muito eficiente. Por isso, necessrio lutar por ele. Por isso as classes dominantes permanentemente tentam apropriar-se do teatro e utiliz-lo como instrumento de dominao. Ao faz-lo, modificam o prprio conceito do que seja teatro. Mas o teatro pode igualmente ser uma arma de liberao. Para isso necessrio criar as formas teatrais correspondentes. necessrio transformar. (BOAL, 1974, p.13)

33

Assim os trabalhadores assumem o protagonismo como autores,

construtores e produtores no processo histrico e dialtico estruturante da nao,

e com conscincia crtica ter aes transformadoras das relaes sociais

estabelecidas pelo sistema capitalista. Segundo Bayardo Arce (comandante

Revolucionrio Sandinista), a arte no serve de nada se no for entendida pelos

operrios e pelos camponeses.

...o teatro de agitprop aparece de incio como uma nova prtica social da arte: no mais grandes autoras(es) mesmo se muitas vezes algum assume uma responsabilidade literria assinando o texto mas um coletivo de autoria na maior parte dos casos; no mais atores e atrizes conhecidos, mas um grupo annimo de intrpretes. Por isso, no mais texto a servir e respeitar, mas uma colcha de retalhos transformvel de acordo com as circunstncias polticas e necessidades locais. O texto da pea de agitprop, malevel, sucessivamente readaptado, torna-se assim um instrumento, no um fim em si mesmo. (Hamon, Formas dramatrgicas e cnicas do teatro de agitprop, p.1)

O grupo atualmente, no ano de 2013, completando uma dcada de trabalho,

atua principalmente como formadores, pouco se renem como elenco, esto

inseridos em vrios espaos polticos, nas instncias organizativas de deciso do

Movimento, nas universidades como professores e estudantes, nas escolas no

GDF, est composto por militantes artistas, atuantes do coletivo de Cultura e de

outros setores organizativos do MST- DFE.

Tendo em vista os princpios e objetivos direcionadores do movimento,

entende-se que no pode trabalhar a arte pela arte, que o povo do campo tem que

se apropriar dos modos de produo na sua totalidade.

Assim como as formas dramatrgicas, as formas cnicas do teatro de agitprop so igualmente originais. Originais pelo arranjo da cena ou pelas pesquisas que caracterizam o jogo da atuao, mas igualmente pelas condies materiais de desenvolvimento deste teatro, que pesaram bastante sobre sua esttica. (Hamon, Formas dramatrgicas e cnicas do teatro de agitprop, p.6)

Os personagens de agitprop para dialogar com o pblico dispensam a

figura do narrador, a histria no contada ela mostrada e provoca a

participao dos espectadores, transformando a interveno em ao direta, a

34

trajetria da Brigada Semeadores tem caractersticas fortes do teatro de agitprop.

Em 2005, se preparam para Marcha Nacional (Goinia Braslia),logo aps

engatam o curso bsico (DF), I Seminrio Nacional de Cultura, Comunicao e

Juventude na Formao (ENFF), inicia o curso Estadual da Cultura, Comunicao

e Juventude na Formao do MST-DFE em que a CPP do curso era toda

composta por militantes da Semeadores (2005 a 2007), V Congresso Nacional

(2007), a grande parte dos integrantes da Semeadores vo estudar, como

estratgia definida pelo movimento e pela impossibilidade material (destruio do

Centro de Formao Gabriela Monteiro, aps forte chuva e ventania) do grupo se

reunir como elenco.

Com relao a um descenso que se inicia com a destruio do galpo do Centro de Formao do Gabriela Monteiro em 2008, um momento em que a maioria dos integrantes esto quase todos estudando, um doutorado, outros fazendo nvel mdio tcnico no ITERRA, outros na Licenciatura em Educao do Campo, seguindo as diretrizes do movimento. (Goiaba, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

A gente pode colocar como exemplo, que no perodo que ficamos mais de um ano sem nos reunir, no caracterizava que no estvamos sem fazer nada, como no tnhamos condio estrutural para reunirmos como elenco, pela perda material e pelo desnimo que abateu se sobre o MST, embarcamos nos estudos, fazendo capacitaes, comeamos a trabalhar como formadores, e os que no foram estudar se destacaram na militncia, o que nos fez acumular muito. (Agostinho Reis, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

35

CAPTULO II

ESTUDO E PRODUO: A PRXIS MILITANTE/ARTISTA EM AO

... quando se inclui o conceito de cultura na ideia de prxis, se est na verdade querendo mostrar que para pensarmos a arte preciso pensar a vida social como um todo. No se trata apenas da arte enquanto um produto do artista, mas principalmente da arte enquanto expresso de um conjunto de matrias, de elementos, de tcnicas e de habilidades que so comuns espcie humana e uma determinada sociedade... Fazer arte, entender a arte, fruir arte uma atividade humana necessria. (Marildo Menegat)

A prxis na formao do ser militante configura se entre o pensar e o agir, o

agir de modo planejado, assim podemos afirmar que as prticas militantes, que

vo desde a diviso de tarefas, planejamento, ao e reflexo, estabelecem uma

prxis social entre o pensamento e a ao, pois o militante se apropria do

processo produtivo da luta, coordena e coordenado, faz anlises e debates

sobre o processo, planeja coletivamente as aes e as executa da mesma forma,

o que ocorre tambm com os militantes da Brigada Semeadores.

Ns somos militantes artistas, no somos s artistas, parte de ns temos que cumprir com nossas tarefas, a reflexo que comeamos a fazer de qual era de fato a funo do Teatro Poltico que no fazer mstica, mas sim ocupar os espaos polticos. (Viviane Moreira, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

A prxis no cotidiano, pode estar nos grandes movimentos de transformao, como tambm nos pequenos fazeres, conduzem a produo do meio da vida. Por isso que ela no pode ser considerada uma simples atividade da conscincia, do pensar e do refletir sobre as coisas, mas sim como atividade reflexiva e ao mesmo tempo, produtiva de objetos de uso e de trabalho e lazer do prprio ser social. (BOGO, Linguagem em prosa e verso: uma mediao da formao da conscincia, 2011)

Os trabalhadores rurais do MST buscam a apropriao dos meios de

produo da vida, dentre eles as linguagens artsticas e as utilizam nos processos

de lutas e resistncia. Um povo que passa as experincias de conflitos muitas

vezes violentos e inmeras dificuldades nos barracos de lonas nos acampamentos

36

apropriam-se e trabalham na linguagem teatral as expresses prprias das

relaes sociais, onde a construo coletiva e as prticas so concebidas como

aes de materialidade transformadora.

necessrio reforar para ns tambm, a finalidade do Teatro Poltico de que no somos s para ficar fazendo msticas e aberturas de atividades, encontros e outros, nossa tarefa formar multiplicadores, expor e contrapor o que est sendo colocado na mdia e fazer questionamentos reais. Nossa funo como Brigada de agitprop lanar e provocar pensamentos, temos uma funo poltica direta, questionar e promover debates que visem a mudana da realidade. (Viviane Moreira, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

De acordo com Marx, ... os homens, que produzem as relaes sociais em

conformidade com sua produtividade material, produzem tambm as idias (...)

Assim, as categorias so to pouco eternas quanto s relaes que exprimem

destas mesmas relaes sociais. So produtos histricos e transitrios.

Demasiadamente so referendados as culturas e os saberes camponeses, uma

pluralidade de sujeitos e grupos sociais, que acabam por revelar a negao

histrica e discriminatria do sujeito e da histria.

2.1- Estrutura cnica: aes da Brigada Semeadores

Como afirmou o educador Paulo Freire, A existncia humana, no pode ser

muda, silenciosa, nem to pouco pode nutrir se de falsas palavras, mas com

palavras verdadeiras que o homem transforma o mundo. Existir humanamente,

pronunciar o mundo, modific-lo [...] No no silncio que os homens se fazem,

mas na palavra, na ao e reflexo.

O processo emancipatrio do ser humano atravs do teatro, que com o

entendimento da estratgia de dominar o meio de produo teatral, tem se a

37

clareza que o principal instrumento do teatro o ser humano, e para emancip- lo

necessrio fazer com que ele se conhea e se liberte, desconstrua a ideia

deformada de teatro construda pela elite, desvincule e faa a ruptura com a

barreira entre atores e espectadores, essa a forma que o Teatro do Oprimido

trabalha.

O espectador no delega poderes ao personagem, para que atue e nem para que pense em seu lugar: ao contrrio, ele mesmo assume um papel protagnico, transforma a ao dramtica inicialmente proposta, ensaia solues possveis debate projetos modificadores... o espectador ensaia, preparando se para a ao real. Por isso, eu creio que o teatro no revolucionrio em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente ensaio da revoluo. O espectador liberado, um homem ntegro, se lana a uma ao! No importa que seja fictcia: importa que uma ao. (BOAL, 1991, p. 138)

A ignorncia do espectador nasce daquilo que o espetculo ensina (o

espetculo dentro da forma burguesa de produo) e na luta de classes, todos os

instrumentos formativos so imprescindveis, entre eles o teatro, que a classe

dominante se apropriou para assim afastar a classe trabalhadora do modo de

produo teatral, com intuito de manter sob seu domnio a forma de produo da

arte, mas para o movimento est alm, uma forma metodolgica de fazer

formao e o Coletivo de Cultura debateu sobre a questo no conjunto do

Movimento.

Um dos espaos mais frutferos para repensar o processo organizativo na Cultura. A Cultura no Movimento uma cultura do conjunto do MST, que sobre passa inclusive o Movimento por ter relaes com outras questes, so elaboraes que precisam ser feitas coletivamente e que tem a ver com a intencionalidade formativa nossa. (Juliana Bonassa, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

Para a compreenso das necessidades humanas e da conjuntura histrica,

necessrio debatermos e construirmos coletivamente mecanismos de reajustes

do sistema capitalista, que envolva a sociedade, na busca de melhores condies

para uma vida embasada na justia e igualdade de direitos para a classe

38

trabalhadora, pois so as necessidades humanas que levam luta em busca das

solues.

Processos de ensaios da Brigada Semeadores durante a 3etapa do Seminrio Cultura,

Comunicao e Juventude na Formao preparao para o Ato de Cuba 2006

39

Apresentao do Ato em Solidariedade Cuba na Universidade de Braslia novembro - 2006

As contradies fizeram do Teatro um instrumento de politizao e

conscientizao, essas esto implcitas nas peas dramatrgicas, na arte e na

Literatura, que outrora foram utilizadas como mecanismos de dominao.

Trazer a memria, os sonhos, os legados, as batalhas e a viso de mundo em transformao nos permitem questionar e sermos questionados sobre as diferentes fases da luta de classes e seus desdobramentos, aprimorando o debate sobre as discusses sociais e no resolvidas na sociedade, instrumentalizando e potencializando a formao da conscincia crtica com a linguagem teatral.(FROZZI, p.32)

Partindo deste pressuposto acima citado de extrema relevncia fazer

leituras crticas e reflexivas das peas criadas, recriadas e adaptadas pelas

brigadas teatrais entre elas a Brigada Semeadores. Analisar como utilizam forma

teatral a questo da desigualdade social agrria abordada, pois no Brasil o

trabalho, quais so as especificidades que formam a identidade do grupo, que

apresenta uma capacidade de diversidade de aes, a maioria do grupo j

contribuiu em vrios setores e coletivos no Movimento, uma militncia que se

prepara sem o setorismo (aquele que acha que de um setor ou pior que o setor

seu a vida inteira), desenvolvendo habilidades imprescindveis Luta de

Classes, qualquer tarefa que lhes forem delegadas em qualquer setor esto se

preparando para execut- las.

40

3 Etapa do Seminrio de Cultura, Comunicao e Juventude na formao

(Centro de Formao do Gabriela Monteiro 2006)

Na luta de classes enfrentamos uma arma poderosssima que a Indstria

Cultural, encarregada de produzir um lixo cultural capaz de alienar da realidade de

tal forma a classe trabalhadora imobilizando-a diante das questes polticas que

so necessrias serem debatidas, mas a alienao no permite ver, ouvir, se

tornam seres robticos, sem ao e reao diante das desigualdades sociais e as

barbries que se tornaram cotidianas, como massacres, extermnio da juventude

negra, a homofobia, o racismo e outras. A realidade formativa e manter o povo

desligado da realidade mant- lo longe do processo formativo. No Movimento a

arte tem o poder formativo por estar inserida totalmente na realidade.

Lembrando que sempre foi produzido arte no MST, desde o incio do movimento e por ser a cultura que mostra o modo de vida produzido e cultivado pelo MST, da forma de ser e de viver dos Sem Terra da forma de fazer e cultivar a mstica, os valores, os smbolos, as msicas a arte enfim, da forma de produzir a vida. O teatro existe no movimento como manifestao esttica desde a origem do MST enraizado na mstica, msicas, poesias... (FROZZI: 2010, p.10)

Entretanto, preciso buscar eliminar o latifndio cultural, para que o

conhecimento, a apropriao dos meios de produo cultural seja feita pelo povo,

da classe trabalhadora e assim a formao alcance a concepo integral da

concepo humana do ser, pois, a fora de um povo organizado est

paralelamente ligada ao apropriar se do conhecimento da verdade histrica, que

est implcito no processo de formao e organizao da sociedade.

Se a forma a real portadora do contedo de uma interveno esttica, uma vez socializados os meios de produo cultural, o potencial de enfrentamento poltico pode ser anulado se utilizarmos as formas equivocadas, as formas hegemnicas, e corremos o risco de solidificarmos ainda mais os valores e significados que queremos combater. (Teatro e Transformao Social, vol.2, 2006, p.18)

41

nas contradies que os sujeitos se constroem e se transformam em

novos humanos, com novos valores e com o entendimento que precisamos do

velho, para construir o novo, imprescindvel saber onde se que chegar, qual

transformao social buscamos, o que pretendemos com a emancipao social da

classe trabalhadora, qual projeto popular o povo almeja construir e consolidar?

A luta social antes de tudo para resgatar a dignidade do ser, que atravs do corpo mostra sua identidade, e por meio dele se apresenta o aspecto dos valores como contedo mstico, que faz as pessoas, na busca da igualdade ser mais humanas. (Ademar Bogo)

2.2.- Anlise dos processos produtivos

A Brigada de Agitao e Propaganda Semeadores, desde a sua

constituio enquanto grupo de teatro, tem presente caractersticas de um grupo

de teatro de agitprop. Demandados pela realidade diante da necessidade poltica,

utilizando a linguagem teatral para provocar o pblico, trabalhando com a forma

irnica utilizada nas peas e intervenes, exemplo na primeira pea do grupo

Trapulha, que mostrou com a interveno cnica as incoerncias praticadas pela

dupla de coordenadores dentro do acampamento, explicitaram no s para o

pblico que vivia no acampamento, mas tambm para a militncia que foi assistir a

apresentao e que no tinha noo que se passava internamente no

acampamento, funo essa de denncia com tcnicas de forma cmica,

totalmente vinculada arte de agitao.

O cmico exagerado uma das caractersticas da agitao, que tem

influncias na formao do grupo, para a organizao dessa ao que foi

transformadora para o conjunto do Movimento podemos afirmar que no

nasceram apenas dos processos internos, foram os fatores polticos que

determinaram a necessidade de retomar um instrumento de luta utilizado com

eficcia na Revoluo Russa, que podemos considerar o bero da agitprop.

42

Nos primeiros anos da revoluo, foram de intensa mobilizao, ento os

intelectuais, artistas e trabalhadores organizados, assumem a tarefa de disseminar

a revoluo e impedir o avano das foras contrarrevolucionrias, informando a

populao das novas ideias e acontecimentos, configurando os primeiros passos

estratgicos de agitprop.

2.2.1- 1 Mstica realizada pelo grupo em 2003 no acampamento Gabriela

Monteiro:

A mstica uma forma de manifestao artstica e poltica herdada das

manifestaes religiosas, se faz presente desde o incio do Movimento, para

muitos militantes do Coletivo de Cultura, a mstica foi a porta de entrada para a

participao e base para as aes na Cultura.

Com o caminhar na trajetria de lutas, foi agregando e atribuindo outras

funes, significados e novas formas. Ela considerada o teatro pico do

movimento, por nela estar contida e ser trabalhada todas as linguagens artsticas

inclusive elementos da natureza existentes nos espaos em que ela acontece.

um conjunto de aes em uma interveo que ocorre normalmente nas aberturas

solenes de atividades, encontros ,Congresso, cursos, reunies, comemoraes e

outros.

A gente nem se via quanto classe, s vivamos como achvamos que tnhamos de viver, a forma imposta pelo sistema e esse nascimento que foi proporcionado com a luta, que foi bem retratado na mstica, aquele momento permitiu que ns nascssemos novos homens e novas mulheres.( Neudair Lima, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

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uma prtica dentro do MST o momento mstico para se iniciar um dia de

estudos e trabalhos, a maioria da militncia hoje envolvida com o coletivo de

Cultura no movimento, fez sua iniciao artstica em uma mstica, a partir dessa

vivncia a grande maioria comea a mudana das suas concepes polticas.

A primeira mstica realizada no acampamento Gabriela Monteiro em

Brazlndia- DF no ano de 2003, foi a semente plantada em terras frteis, que

germinou e nasceu no ano de 2004 o grupo de teatro que tinha por nome o

mesmo do acampamento.

Eu me encontrei no Teatro a partir daquela primeira mstica, porque ali no estava impresso uma atuao, no era s atuar, eu vi que ali era ns mesmos, tendo verdadeiramente a oportunidade de expressar o gosto de uma vitria e de uma conquista. Ento quando comeamos a apresentao ns nos soltamos, explodimos no que sentamos naquela mstica e pudemos explorar a forma de atuar no natural. No nos vamos como atores, simplesmente recebemos a tarefa de atuar, de ser ns mesmos e dialogar com a realidade. (Agostinho Reis, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

A conquista da rea definitiva para o acampamento surgiu em decorrncia

das vrias aes, desocupaes, despejos e inmeras negociaes. Ento o

acampamento Gabriela Monteiro consegue a vitria, a rea definitiva onde hoje

est localizado o Assentamento Gabriela Monteiro com 21 famlias assentadas e o

Centro de Formao Gabriela Monteiro, foi exatamente no ato de comemorao

da terra conquistada, que o coletivo de Cultura do MST ficara com a tarefa de

realizar a mstica de abertura do ato e o grupo que participou sentiu-se muito a

vontade fazendo a mstica, foi uma tarefa fcil a de ser eles mesmos, era a

realidade, a conquista, e a arte do MST tem essa caraterstica de trabalhar sempre

vinculada a realidade.

A primeira proposta de trabalho iniciou-se com uma mstica. Com o trabalho ficou meio que fechado a proposta de iniciar um grupo. Para muitos que estavam assistindo a mstica, viam como abertura solene da atividade, enquanto para ns abria-se o leque da possibilidade de denunciar tudo o que estava acontecendo. (Viviane Moreira, integrante

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da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

O processo de construo da mstica foi uma produo coletiva,

coordenado por militantes do Coletivo de Cultura juntamente com os acampados,

trouxe presente os elementos da forma organizativa do movimento, a trajetria e

os passos que foram percorridos: as ocupaes, representao da represso

policial, os despejos e a resistncia das famlias que contriburam, para que

alcanassem a vitria e, principalmente, o grupo tinha a preocupao de fazer

uma mstica que mostrasse a realidade para que os familiares que iriam assistir

compreendessem o processo de lutas e apoiassem.

Narradora Ocupamos essa rea e permanecemos quatro dias. O suficiente para chamar a ateno da mdia e mostrar as injustias cometidas contra os trabalhadores. No houve negociao, houve reintegrao de posse. Fomos despejados por 1.200 policiais militares. (Trecho da mstica, mimeo)

A mstica foi pensada para trazer presente o processo de luta como ele ,

conseqentemente, o entendimento para as pessoas que estavam assistindo e

no conheciam o movimento nem sua forma de organizar e decidiram fazer parte

do MST. Na lgica do movimento a terra no se ganha, se conquista com a luta.

A mstica iniciou saindo do FASSINCRA (clube dos funcionrios e

associados do INCRA), que fica localizado no INCRA- 7 em Brazlandia a 4km da

terra conquistada, todo o trajeto fez parte da apresentao. A inspirao da

mstica foi um tiroteio vivenciado por aqueles dias pelos acampados.

Para muitos ficou entendido como funcionava o movimento e a questo de desapropriao de terras, como a burocratizao do governo, ento sentiram a fora da conquista.. Eu pelo menos entendi isso no processo da mstica, conseguimos retratar tudo que estvamos vivendo. A gente se viu ali e questionamos pra ns mesmos porque to difcil a classe trabalhadora viver hoje, tudo muito burocrtico e dfcil para ns. Essa mstica deixou a clareza que se agente no se unir de fato, no termos

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vitria. Para mim foi totalmente real, ns choramos e nos emocionamos com nossa realidade to sofrida, na mstica ns viemos andando do FASSINCRA pra c, teve quebra de corrente todo um processo real. Quando viemos para o Sem Terra, a gente viu que podamos mudar a nossa realidade, passamos a entender o sistema e compreender como ele massacrador com a classe trabalhadora, antes ns soframos e no tnhamos conscincia de classe, vivamos por viver. A partir da fiquei querendo entender mais e saber como que poderamos mudar esse sistema. Foi uma descoberta minha para a vida. (Neudair, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista coletiva para o documentrio sobre a Brigada: 2013)

Os possveis questionamentos que poderiam vir a ser feitos, traziam

presente situaes de preconceito e discriminao que os oprimidos vivenciavam,

por terem feito a opo de se tornarem SEM TERRA e integrantes do MST. Muitas

vezes o preconceito vinha de familiares prximos, e o objetivo era permitir a eles

uma viso distanciada das opinies preconceituosas que eles tinham introjetada

sobre o movimento e a luta pela Reforma Agrria.

As atrizes e os atores que esto misturados com o pblico comeam a fazer perguntas para o militante, e ele as responde. Seguem exemplos de perguntas:

Eu quero saber se vou ter que pagar pela terra? Eu, como negro, serei discriminado dentro do movimento como eu sou discriminado na sociedade brasileira? Eu, que sou me solteira, tenho cinco filhos pra criar, e pra isso preciso me prostituir, vou ser discriminada pelo movimento se eu quiser acampar pra conquistar um pedao de terra pra mim e pros meus filhos? Mas eu s escuto falar mal desse tal de Movimento dos Sem Terra! Os jornais s falam que vocs so um bando de vagabundos, baderneiros. Como que eu vou acreditar em vocs? A inteno das perguntas explicitar os possveis preconceitos ou dvidas que as pessoas tenham em relao ao MST. O militante da Frente de Massa deve responder a todas elas, inclusive aquelas que algum do pblico possa fazer na hora. (Trecho da mstica)

Em uma apresentao do Teatro Frum, os espectadores so envolvidos

em exerccios, com a intencionalidade de quebrar os limites que h entre a platia

e os atores/palco. Como batizou Boal os espectadores passam a ser espectatores

com liberdade de intervir e substituir os personagens que sofrem opresso em

cena, porm, a mstica, por ser o primeiro momento do grupo com trabalho cnico,

interpretativo, no caracterizou as cenas para ser teatro frum, trabalharam

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apenas com algumas tcnicas. Na mstica haviam atores militantes

desempenhando papis e as provocaes foram realizadas trazendo presente as

mais variadas possibilidades de situaes:

1) O ator que fez o papel do militante da frente de massa, que apresentava na

assembleia a forma organizativa do movimento, se preparou para responder todos

os questionamentos, feitos pelos atores no teatro invisvel e os que poderiam

surgir da platia;

2) A intencionalidade estratgica com a mstica foi fazer um processo

formativo inicial com a base social do movimento, o povo, e fazer com que a

militncia das instncias organizativas, percebessem o teatro como ferramenta de

luta, nas aes reivindicatrias e de denncia;

3) No momento em que foi realizada a chamada dos mortos que tombaram na

luta, o teatro explicita a fora poltica da linguagem, uma perspectiva crtica da

memria apagada, embates polticos que precisam ser feitos com a sociedade,

para se apropriarem do conhecimento, indignarem e reagir, trabalhar a linguagem

artstica teatral vinculada a vida real.

2.2.2- 1 pea realizada pelo grupo de teatro do Gabriela Monteiro Trapulha (2004): Partindo da primeira mstica realizada pelo grupo de teatro do Gabriela

Monteiro, algumas pessoas que participaram, organizaram o grupo de teatro do

assentamento) que viria a ser a Brigada Semeadores, relatam, que foi fortalecida

a unidade do grupo, quando perceberam que atravs das artes cnicas poderiam

formar conscincia e fazer com que as outras pessoas pudessem enxergar outras

possibilidades dentro da organizao.

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O momento histrico era de uma poltica nada coletiva e de muita

arbitrariedade, o que deixava a maioria das pessoas inseguras e com medo de se

colocarem contra as vrias questes que no concordavam. O trabalho com as

oficinas de teatro despertaram o grupo para se apropriarem da linguagem teatral,

pois viram a possibilidade de trazer para debate, o que muitos queriam dizer e no

tinham coragem de se posicionarem, o teatro permitiu falar dos conflitos e de

coisas que as circunstncias no permitiam se falar.

Nas aes da Semeadores existem muitas caractersticas de agitprop

utilizadas nas experincias de outros grupos de agitprop nos processos histricos

de lutas da esquerda mundialmente. O uso de ritmos e rimas so imprescindveis

nas peas de agitprop, pois refora o impacto da mensagem implcita no texto, por

exemplo o coro da pea Trapulha de autoria da Semeadores:

Marcha Trapulha,

Trapulha trapulhada Quem no marchar direito As cabeas so cortadas!

O grupo comeou a construo da pea, a princpio entre o casal Agostinho

e Neudair e a partir da socializao e dos ensaios os outros integrantes

complementaram a pea que utilizou a comdia e trouxe para o debate a situao

crtica que todos estavam vivendo, permitindo a leitura da realidade a ser feita pela

militncia que no morava no local e estabeleceram conexes entre a perspectiva

local e global, tpico procedimento do Teatro pico.

Naquele momento no acampamento havia muita arbitrariedade, por parte da dupla que coordenava o acampamento, o que amedrontava as pessoas. Chegamos a pensar que era incerto se com o tempo conseguiramos ou no realizar as oficinas de teatro, pela falta de posicionamento das pessoas e uma cultura poltica nada coletiva. Mas depois da primeira mstica da conquista da terra, foi o teatro que permitiu que falssemos de coisas que com as circunstncias no podamos falar, ao publicizar e colocar em forma de comdia outras pessoas puderam falar do que estava acontecendo, isso foi uma atitude de muita coragem do grupo, sobretudo, daqueles que moravam no acampamento. (Rafael Villas Bas, integrante da Brigada Semeadores e militante do Coletivo Nacional de Cultura do MST, entrevista com os integrantes em janeiro de 2013)

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Naquele momento os integrantes do grupo diante da ideia do renascimento, renascem no MST. Como grupo que corria vrias formas de riscos, com o trabalho permanente da pea Trapulha, ensaiavam todos os dias, como forma de se protegerem uns aos outros, se uniram pela necessidade e passaram s prticas coletivas, vivendo desde a produo, estudos e debates no processo de consolidao do grupo em formao, que o Movimento busca trabalhar na sua forma organizativa, que a construo do sujeito coletivo.

Na histria tem os nossos pontos de vista, tem o momento histrico que estava no incio da formao da brigada, o momento que proporcionou a criao do grupo. Esse processo a gente passou todo mundo junto, desde a construo execuo, quando concordava discordava, sempre juntos, esse momento hoje muito importante para ns e que bom ainda estamos fazendo juntos. (Agostinho Reis, integrante da Brigada Semeadores, entrevista com os integrantes em janeiro de 2013)

ironia e comdia servem para desmascarar o inimigo, que no caso

grotescamente vestido pelo personagem Rei Traquinos Trapos, todo processo

uma realidade vivenciada pelos moradores da comunidade, no a produo dos

figurinos e cenrios que faz a fora da interveno ..... a ligao direta e poltica

com os conflitos reais que ironicamente so apresentados em cena que a torna

em primeira pea de agitprop realizada coletivamente pelo grupo de teatro do

Gabriela Monteiro.

Todos os processos que esto caracterizados na pea Trapulha culminam

na elaborao de uma comdia que utiliza a ironia fortemente acentuada pelo jogo

cnico, para desmascarar e publicitar a situao da arbitrariedade que existia no

reino acampamento, vejam desde o prlogo como est caracterizada a forma

cmica:

Bbado Uma comunidade, um reino, uma estria. Trapulha era o nome dessa pequena e tranquila comunidade. Traquinos Trapos era o seu Rei e Fala Trapos era sua rainha. Uma comunidade perfeita. Havia um conselho que orientava o reino, um alfaiate que gostava de fazer poesias e cantar, um bbado que gostava de beber e de falar, a melhor amiga da rainha, uma mulher beata que era casada com um conselheiro, o padeiro, que tambm era o padre da cidade e tambm o 2 conselheiro, soldado suspeito que sempre vagava noite dentro em direo ao palcio. Tudo perfeito, at que um dia apareceu na comunidade uma linda mulher solteira, vinda de muito longe. Ela pediu para se instalar na comunidade, pois havia comprado uma pequena casa no centro. Logo todos ficaram sabendo da nova moradora, que tambm havia comprado algumas aes do moinho. Desse moinho tambm eram scios a rainha,

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o padre e todo o conselho. Sendo ela a nica forasteira da cidade logo vieram os boatos. Linda e de vestes muito provocantes ela provocava olhares de todos os homens e a inveja de todas as mulheres. Da comea a nossa divertida histria. (Trecho do prlogo da pea Trapulha)

A forma irnica que exercida serve como escudo protetor dos agitadores,

uma mscara de sobrevivncia, quem assistiu muitos comentaram que era apenas

teatro, mas a fora da interveno teatral do agitprop j se fazia presente na

mstica. A forma foi simples os atores se sentiram muito a vontade na interveno,

pois apenas precisavam ser eles mesmos, expressar a fora do sentimento da

conquista que era totalmente real. Essa relao direta com a realidade uma

caracterstica do Teatro Poltico e do agitprop.

Em detrimento dos inimigos de classe que acabou por contribuir para fazer

deles no mais personagens no sentido tradicional, e sim mscaras sociais. Esta

arte do grotesco, fundada no exagero e com muito sarcasmo, no implica

subestimar as capacidades de luta do inimigo. Muitas vezes, pelo contrrio, o

grotesco e o cmico aparece como uma vitria momentnea sobre o medo, a

superao da insegurana no processo cede a segurana gerada pelo sentimento

fortalecido pela conquista.

2.2.3- Projeto Amrica Latina (1) (2007)

A memria dos antepassados vencidos e assassinados uma das mais profundas fontes de inspirao da ao revolucionria dos oprimidos. (Coro da interveno)

Um projeto desenvolvido para ser trabalhado em duas fases, apenas foi

executado a primeira fase que aqui apresentada. Em 2007 o projeto Amrica

Latina foi construdo e trabalhado para ser uma atividade nas homenagens

memria aos 40 anos da morte do Che Guevara e contribuir com a campanha pela

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libertao dos cinco heris cubanos, foi uma jornada internacional de

solidariedade que aconteceu de 12 de setembro a 12 de outubro de 2007.

O grupo trabalhou vrios aspectos para estruturar a interveno, entre eles

o que feito com a imagem do Che mercantilizando-a, neutralizando as aes

revolucionrias e transformando a imagem em mercadoria, o grupo construiu a

cano para reflexo sobre como a classe dominante muda a conotao e anula

aes simplesmente mercantilizando o processo:

:

Che e a mercadoria Dupla No se constri um mito do nada em tudo h um objetivo a histria de Che no bem contada Coro se no for situada no empenho de um coletivo. Dupla Do indivduo ao heri vai um passo comprido Solo "Ei, me embrulha um Che pra presente!" Dupla A luta de todos no se pode empacotar. H quem queira a tudo embalar: Solo "Che Guevara...? Ah, uma grife famosa! No ? Solo "Che? Foi um cone da revoluo sexual dos anos 60!" Solo "Che Guevara? O guerrilheiro cruel?" Coro Mdico, guerrilheiro, pai, jornalista ministro da indstria, economista diplomata, escritor - Che foi um artista? Coro O perigo reside no exemplo: um ser humano total no interessa ao capital. Dupla, melodiosa Nas ondas da mercadoria sua imagem aqui chegou mas seu consumo entorna o balde a revoluo no se acabou.

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Coro, em desordem No se aliene nada natural a histria transformvel a inrcia fatal.

Camel Pode uma luta social ser transformada em mercadoria? A que

interesses isso serviria? Como opera a lgica da mercadoria?

Militante As idias revolucionrias de Che no so irrecuperveis, e no podem

ser transformadas em inofensivos artigos de consumo.

possvel identificar a potencialidade da interveno que trabalha no

conjunto do texto com as vrias linguagens artsticas, coro, cano, poema e

interveno cnica, o conjunto se fortalece e se potencializa na interveno

criticamente e formativamente, como Hamon afirma em seu texto: Assim como as

formas dramatrgicas, as formas cnicas do teatro de agitprop so igualmente

originais. Originais pelo arranjo da cena ou pelas pesquisas que caracterizam o

jogo da atuao, mas igualmente pelas condies materiais de desenvolvimento

deste teatro, que pesaram bastante sobre sua esttica.

A Brigada Semeadores quando tinha uma demanda especfica se reunia

para estudar, produzir e trabalhar juntos, aps Contraponto, que foi uma pea

produzida em 2006 decorrente de um projeto de trabalho de concluso de curso

(TCC) da Faculdade de Comunicao da UnB, que produziu o documentrio

Semeadores da Imagem, o qual deu origem ao nome da Brigada, foi pensado

um projeto mais longo que demandaria mais tempo juntos estudando.

A Brigada Semeadores sempre trabalhou com dois ritmos, um que o ritmo pontual da interveno e a seriedade que sempre foi encarada pelo grupo, de fazer o mximo bem feito com o pouco tempo que tinha para se preparar (atores e atrizes bem preparados) e o outro ritmo na dinmica que acontecia na poca do CPC, teatro com peas longas, com pesquisas e aprofundamento com intervenes que so teis para a formao dos atores nas formas dramatrgicas (Rafael Villas Bas, integrante da Brigada Semeadores, em entrevista para documentrio sobre os dez anos da Brigada).

O projeto Amrica Latina se deu por uma deciso coletiva, de dar

continuidade Contraponto, com outra pea maior que demandou pesquisas e

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estudos permanente, sobre os 40 anos da morte de Che Guevara, que coincidia

com os 40 anos do golpe da ditadura militar e o momento histrico que a esquerda

vivia na Amrica Latina. O que levou o grupo a estudar as ditaduras na Amrica

Latina, realizando seminrios de estudos, nos quais duplas apresentavam temas

da pesquisa de estudos e debatiam com o grupo.

O projeto resultou em uma interveno de Agitao e Propaganda, que

utiliza tticas de denncias com intuito de fomentar a indignao aos presentes,

com os atores espalhados em meio ao pblico, o elemento surpresa caracterstico

do teatro invisvel, a plateia no percebe os atores at que desenvolva a cena de

interveno e os atores comeam a encenar: os integrantes da brigada se

misturam com o pblico, do lado de fora do espao em que a interveno

ocorrer. Em conjunto comeam a entoar, de boca fechada, a melodia da

Internacional, em seguid