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SEMANA TEOLO GICA 2016
XXIª SEMANA TEOLÓGICA DA BEIRA: 13-17 de Junho, 2016
LAUDATO SI: UMA ENCÍCLICA QUE CONVOCA E PROVOCA
AO CUIDADO DA NOSSA CASA COMUM A TERRA NÃO AGUENTA MAIS
REFLEXÃO DO PRIMEIRO CAPÍTULO DA LAUDATO SI’: O QUE ESTÁ A ACONTECER
À NOSSA CASA?
Pe. Elton João C. Laissone
Nazaré – Beira, 14 de Junho de 2016
INTRODUÇÃO
No presente ensaio, queremos fazer uma reflexão em torno do primeiro capítulo da Laudato Si’,
intitulado o que está a acontecer à nossa casa? Trata-se duma pergunta indignante, inquietante,
instigadora de reflexão, alentadora de meditação, de interiorização e também de oração e de
contemplação. É uma pergunta que tem sentido se e só se fizermos o exercício de nos sentirmos
terra, de nos sentirmos pertencentes à terra, de nos sentirmos produto dessa terra que nos vê a
nascer, que nos sustenta, e nos acolhe no seu leito para o descanso dito eternidade, e não com
aquela mentalidade de quem tem a terra como um recurso, uma fonte inesgotável de recursos.
Não nos esqueçamos que é apenas na segunda metade do séc.XX que nós tivemos a oportunidade
de contemplar a terra desde fora da terra: aí pudemos ver aquele redondo azul branco tão frágil,
tão solto tão pequeno que até pode ser tapado pela ponta do meu dedo polegar… o pequeno
planeta terra. Faz-me recordar a música earth song de Michael Jackson, uma música composta
por várias perguntas, que começam com “o que dizer de…”, em inglês “what about…”: que dizer
do nascer do sol? Que dizer da chuva? Que dizer de todas as coisas…? Que dizer dos campos?
Que dizer dos nossos sonhos? Que dizer da paz que nós prometemos aos nossos filhos e ao
mesmo tempo paz comprometida? Que dizer do sangue derramado? Que dizer da terra que
chora, dos litorais que bradam…? Aonde havemos de chegar? Haverá algum tempo? Eu
costumava sonhar, e costumava a olhar para além das estrelas. E agora não sei onde estamos,
apesar de saber que estamos a nos deixar arrastar para o lado nenhum… Que dizer de nós? Tantas
perguntas que Michael Jackson levanta, que, acho eu, fazem eco nesta pergunta do Papa
Francisco: o que está a acontecer à mãe terra? O que está a acontecer à nossa casa?
Duma forma mais particularizada para o nosso contexto moçambicano, queremos também
levantar questões como as seguintes: o que está a acontecer com as terras de Moçambique? Que
dizer do gaz de Pande e Temane? Que dizer do gaz natural de Pemba? Que dizer do ProSavana?
Que dizer do carvão de Moatize? Que dizer das areias pesadas de Moma? Que dizer do Leaf
Tabaco de Tete? Que dizer do ouro de Manica? O tráfico de madeira algum tempo irá parar? A
fábrica de Alumínio na Mozal ajudar-nos-á a sonhar? Onde iremos com a expropriação de terras
das comunidades locais de Chirodzi, de Sena, de Moatize, de…? Onde estão as campas dos
antepassados dos nossos irmãos que foram reassentados em Mwaladzi, em Kateme? Quem
poderá contar as histórias das crianças cujos sonhos foram interrompidos pela pobreza causada
pela devastação das terras dos pais?
De facto, a Laudato Si’ é um convite dirigido a todos nós, pois a terra é a casa de todos. Daí a razão
de o texto não ter destinatário específico ou identificado. O papa convida a todos, crentes e não
crentes, pessoas individuais e colectivas, culturas e estruturas, etc. Tanto pessoas, como culturas,
religiões, estruturas, etc. são chamadas a reavaliar as suas relações com a nossa mãe, a terra. A
forma simples de escrever do papa, a provocação ao diálogo e à discussão, o seu tom pastoral e
a relevância do assunto abordado marcam a universalidade desta Encíclica. De facto, o impacto
deste texto está a se tornar relevante até mesmo fora da Igreja Católica: é um texto apreciado
por ambientalistas e cientistas, por líderes religiosos católicos e não católicos, cristãos e não
cristãos, crentes e não crentes, e isto torna a encíclica um assunto de diálogo ecuménico, inter-
religioso e um diálogo com a ciência, as culturas e com o mundo em geral.
Por isso, as reflexões que serão aqui apresentadas, baseadas directamente do primeiro capítulo
da Laudato Si’, têm um objectivo duplo: por um lado, provocar em nós perguntas que poderão
ajudar-nos a tomar uma postura mais responsável nas nossas relações com o ambiente, connosco
mesmos e com Deus; e, por outro lado, posicionarmo-nos diante dos problemas ligados ao
ambiente que o nosso país enfrenta para que possamos ter uma postura mais consciente, mais
ética, mais sustentável e mais holística destes problemas no nosso país.
Esta apresentação está dividida em duas partes: a primeira parte será uma breve reflexão em
torno dos sete pontos que compõem o capítulo seguida de perguntas e comentários; e a segunda
parte será constituída por duas subpartes (um trabalho em grupos em torno de três questões e o
plenário) com o puro objectivo de, em grupos, discutir o que está a acontecer com a nossa mãe-
terra e com o nosso país, e o que se pode fazer para inverter a situação. Na conclusão,
apresentaremos uma pequena reflexão sobre a urgência de termos que mudar de caminho. O
texto do “anti-génesis” ajudar-nos-á a sentir essa urgência.
1- REFLEXÃO EM TORNO DOS SETE PONTOS DO CAPÍTULO
Quando falamos das causas das mudanças climáticas, devemos distinguir duas realidades: causas
naturais e causas antropogénicas. As causas naturais não constituem nenhum problema, pois
fazem parte da dinâmica normal do processo histórico a que o universo está submetido. Mas as
causas antropogénicas levantam um problema ético, pois estamos a falar das intervenções do ser
humano no ambiente. Aí o papa constata que a velocidade das mudanças provocadas pela
actividade do ser humano é muito grande, e, por um lado, contrasta com a lentidão natural do
processo evolutivo e, por outro lado, é contrária ao bem comum e ao desenvolvimento
sustentável e integral, traduzindo-se assim na deterioração da qualidade de vida do universo e da
humanidade (cf. N.18)
De facto, no n.2 da Encíclica, diz o Papa Francisco:
Esta irmã (a terra) clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais
abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada (…). O nosso corpo é constituído pelos elementos do Planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.
De facto, o ser humano já não consegue dar à terra e à vida o seu devido valor porque ele mesmo
também já está ferido por dentro. O pecado desestruturou a própria estrutura interna do ser
humano. Este perdeu valor por dentro. Por isso, resgatar o planeta terra significa primeiro
resgatar o próprio ser humano desde a sua estrutura interna. Significa mudança de paradigma,
mudança de modelo de vida, mudança de horizonte. Significa atender ao apelo de Jesus:
arrependei-vos e acreditai no Evangelho. Em grego, a palavra “arrependei-vos” é metanoeite (de
metanóia, mudança da noesis, mudança da mente).
Nós crescemos com uma mentalidade predadora, saqueadora, uma mentalidade que rouba de
nós a nossa verdadeira identidade e rouba de nós a ligação natural com a terra. Na verdade, é o
pecado que nos separou das nossas origens, nos dividiu (sentido etimológico da palavra diabo) e
nos colocou contra as nossas origens, contra a terra. E o papa nos recorda: nós somos terra, e o
nosso corpo é constituído por elementos da terra.
O resultado da divisão interna e estrutural do ser humano são os problemas ambientais que o
papa sintetiza em sete: a poluição e as mudanças climáticas, a questão da água, a perda da
biodiversidade, a deterioração da qualidade da vida humana e a degradação social, a
desigualdade planetária, a fraqueza das reacções e a diversidade de opiniões. Vejamos cada um
destes problemas.
1.1- Poluição e mudanças climáticas
Não podemos negar a existência do fenómeno de poluição do ar, da água, do som provocados
pelas grandes empresas, sobretudo aquelas de mineração, existentes em Tete, Nampula,
Inhambane, Manica, etc. As populações ressentem isso. A qualidade de vida dessas comunidades
afectadas está a piorar cada vez mais. É triste notar que vários cientistas acreditam que a questão
das mudanças climáticas constitui um processo normal da evolução biológica e histórica do
planeta, feita de momentos altos e baixos.
Nesta parte, o Papa contrapõe-se a essas ideias e insiste na necessidade de diminuição dos índices
de poluição. Fala das várias formas de poluição (desde a industrial até à mais simples, diária
efémera, insignificante…), fala dos diferentes tipos de resíduos ao ponto de comparar a terra
como um grande depósito de lixo. Na verdade, diariamente nós estamos a produzir lixo…
E o papa também fala da cultura do descarte. Diz ele “estes problemas estão intimamente ligados
à cultura de descarte, que afecta tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se
convertem rapidamente em lixo” (n.22). A cultura do descarte, no fundo é a incapacidade de nós
valorizarmos a mesma coisa durante muito tempo. Facilmente as coisas perdem valor à nossa
vista. Por isso, acumulamos muito, mas a fome, a insatisfação continua. É aquela cultura de que
a coisa tem valor quando está aí. Mas quando chega às nossas mãos, já perdeu valor. Ainda em
relação à cultura do descarte, entra a estratégia que algumas fábricas têm da chamada
obsolescência programada. Hoje, as coisas são fabricadas para durarem apenas um determinado
período de tempo. Muitas coisas, quando estão quase para estarem obsoletas, são doadas aos
países pobres (sobretudo de África), aumentando assim o lixo. É pena que nós, moçambicanos
estejamos a sofrer isto. Muitos carros que vêm do Japão são assim… lixos. Apenas para citar um
exemplo.
Ao falar das mudanças climáticas, o papa apresenta o clima como um bem comum, isto é, um
bem que constitui um dever para cada um conservar. Fala do aquecimento global como problema
provocado pela alta concentração de gazes com efeito de estufa devido ao uso exagerado de
combustíveis fósseis, o desflorestamento por motivos agrícolas sobretudo para produzir
biocombustíveis, e também fala da necessidade de mudança de estilo de vida, de produção, de
consumo, apelando assim para uma mudança de mentalidade, uma metanoia.
1.2- A questão da água
As grandes empresas mineradoras fazem um uso intensivo da água, fazendo com que haja águas
residuais. Dizem que estas águas são depositadas em lagoas artificiais para depois serem
recicladas e reutilizadas. E nós perguntamos: até que ponto? Há muitos rios que estão a ser
contaminados pelas grandes empresas. Há várias pessoas que estão a beber água contaminada.
E há quem diga que há água fechada, tratada, mas com informações falsas na botija. É o problema
da qualidade da água disponível, de que o papa se refere. O outro problema é de privatização da
água potável contra o qual o papa se refere ao facto de o acesso à água potável constituir um
direito fundamental e essencial porque toca a questão de sobrevivência dos pobres. Há quem fale
do tremendo problema de escassez de água num futuro próximo. É só nos recordarmos da carta
do ano 2070.
Duma ou doutra maneira, a água está a ser um produto escasso, inacessível para muitos.
1.3- Perda da biodiversidade
Quanta floresta moçambicana está a ser devastada? Quanta madeira está a ser exportada legal e
ilegalmente para fora do país, principalmente para a China? Quantas espécies de animais quer
marinhos, quer silvestres, estão a desaparecer? E o que é que nós fazemos com isso? O papa
Francisco chama-nos à atenção da concepção imediatista da economia, a tendência de ter os
resultados e os lucros em pouco tempo. Em nome da pobreza, estamos a vender o nosso país,
rico em biodiversidade, a multinacionais que, movidos apenas pelo lucro, extraem sem piedade
os nossos recursos, comprometendo a nossa biodiversidade. Aliás, nós nem temos consciência
do quanto somos dependentes desta biodiversidade, o quanto fazemos parte deste ecossistema.
Se é verdade que “para cada doencinha Deus fez uma plantinha”, quantas plantas nós estamos a
matar comprometendo a resolução de futuros problemas de saúde? Qualquer ser vivo, minúsculo
que seja, tem a sua história dentro deste universo, do seu jeito louva a Deus. E, por isso, tem valor
intrínseco. Quem somos nós para condenarmos à inexistência alguma espécie de seres só porque
aparentemente não nos faz falta? O que não queremos dizer é que o ser humano se torne
indiferente. Não! O ser humano é o administrador, o cura, o jardineiro. Portanto há que haver
uma mudança de lógica: ele não é o dominador, mas também não é o assistente. Ele é o
administrador, o cura. A ele cabe a responsabilidade de cuidar, de promover a biodiversidade.
O papa Francisco se detém um longo tempo a falar das ameaças da biodiversidade concentradas
sobretudo na actividade humana, fala dos países que, com sucesso, fizeram o programa de cuidar
do aspecto natural de alguns lugares, fala dos exemplos dos lugares que precisam de ser
conservados intactos, como a grande Amazónia e a bacia fluvial do Congo (n.38).
1.4- Deterioração da qualidade da vida humana e degradação social
Refere o papa Francisco (n.43) que a degradação ambiental, o modelo hegemónico de
desenvolvimento e a cultura de descarte têm implicações directas na vida das pessoas, isto é,
deterioram a qualidade da própria vida, roubam do ser humano o amor à própria vida, e
produzem nele um vazio uma náusea ou uma angústia existencial, que tem como resultado o
tornar-se híper-consumidor, precisando assim de muito consumo para pouca satisfação. (os cinco
Cs cada vez mais intensivos: casa, computador, carro, celular e conta bancária). Contra esta
mentalidade, grita Jesus: olhai os lírios do campo… não vos preocupeis com o que haveis de comer
nem com o que haveis de vestir, não vos preocupeis com o amanhã, a cada dia basta o seu
problema. É um apelo à tranquilidade interna, à revisão da qualidade de vida que pulsa em nós.
Por mais caricato que pareça, o cuidado da nossa casa comum passa pelo modo como nós
cuidamos da vida que pulsa em nós. Na nossa sociedade, é visível a perca do valor e do sentido
da vida enquanto tal. Parece que as pessoas não têm problema em morrer, pois parecem não se
preocupar em qualificar o seu viver. Há uma espécie de “necrofilismo” social. Perguntaram ao
Dalai Lama: o que mais te surpreende no universo? Ele respondeu: os homens, pois eles gastam
a sua saúde para acumular muito dinheiro, e depois gastam o seu dinheiro para recuperar a sua
saúde, vivem como se nunca fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido! Estamos
a falar da qualidade que eu dou à minha vida, à vida que pulsa em mim e, consequentemente à
qualidade da vida como fenómeno social. Estamos a falar de como eu me envolvo na realização
de tudo aquilo que fomenta a vida, não tanto a vida individual, mas a vida como um fenómeno
do qual nós todos (seres vivos) fazemos parte. Aplicar a palavra vida e o seu estatuto moral não
só ao ser humano (ética antropocêntrica), mas também a todos os seres vivos, animais e vegetais
(ética biocêntrica), não só aos seres vivos, mas também a todo o conjunto dos seres e ao sistema
terra (ética ecocêntrica). É este sentido que nos faz entender o universo como verdadeiramente
um organismo vivo, um sistema de relações inter-retro-relacionados, a pachamama, diriam os
índios. E nesta linha podemos também entender o sentido do versículo 10 do capítulo 10 de João
no contexto do Bom Pastor: para que tenham a vida e a tenham em abundância. É vida como
fenómeno e não como indivíduo.
Mas, contrariamente a isto, o papa Francisco fala da deterioração da qualidade desta vida, como
fenómeno, e da consequente degradação social. De facto, ele, ao falar do crescimento
descontrolado das cidades, da desordem urbana, do excessivo barrulho causado pelas máquinas
e pelos transportes, do caos urbano, do congestionamento e da desordem das favelas, da
eliminação de todo o ambiente natural nas cidade por meio de construções em excesso, da
privatização de alguns espaços residenciais “ecológicos”, da exclusão social e da produção de
periferias e do “lixo social” nas cidades, da fragmentação social, da violência e dos novos tipos de
agressividade social, do narcotráfico e do consumo cada vez maior de álcool e drogas entre os
jovens, da perda do sentido de cidadania, da falta de participação na coisa pública, da falta do
sentido de pertença e de continuidade histórica, da proliferação do mundo digital e dos mass
média que nos rouba de nós mesmos, ele quer se referir a esta situação crítica da actual
civilização, a este conjunto de sintomas duma verdadeira degradação social, duma silenciosa
ruptura dos vínculos de integração e de comunhão social, duma autêntica cultura de morte,
dando espaço de crescimento duma profunda e melancólica insatisfação nas relações
interpessoais ou de um nocivo isolamento (nn.46-47), o que se manifesta nas crises de relações,
na incapacidade de amar, no fraco desejo de fomentar a vida em todas circunstâncias, na pobreza
dos modelos educacionais, enfim, na crise do próprio modelo de ser humano: a crise civilizatória.
E que dizer da sociedade moçambicana? Apenas acompanhamos o mundo!
1.5- Desigualdade planetária
O papa acredita que nós “não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se
não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social” (n. 48),
como referimos no ponto anterior. E o Papa insiste, também referimos esta manhã quando
falávamos dos problemas ambientais e dos acordos internacionais sobre o ambiente, que os mais
pobres e frágeis são os mais prejudicados por essa situação de degradação ambiental. Os pobres
não têm como não beber a água, mesmo que esta esteja poluída, não tem como produzir
alimentos pela agricultura, mesmo que a terra esteja deserta, não têm como não respirar, mesmo
que o ar esteja poluído, não têm como não ter alguma habitação apesar de as suas terras serem
expropriadas à maneira da vinha de Nabot. Eles sofrem duma chantagem social. E o sangue de
cada pobre que morre brada nos céus, e soa em nós a voz daquele que nos pergunta: Onde está
o teu irmão? E, para a nossa infelicidade, continuamos a responder: por acaso eu sou o guarda
do meu irmão? E resposta é “sim”. Somos guardas não só do nosso irmão (questão social), mas
também da nossa terra, a nossa casa comum (questão ambiental). Por isso, o Papa insiste dizendo
que “não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se
torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente,
para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”.
Um outro aspecto muito importante que o Papa levanta está ligado à redução da natalidade. Há
uma outra chantagem social que se faz em relação aos países pobres: obriga-los a ter uma política
de “saúde reprodutiva” e da consequente “redução da natalidade”, pois há o convencimento de
que o crescimento demográfico é uma das causas da pobreza. Mas o Papa (n.50), citando o
Compêndio de Doutrina Social da Igreja, insiste: “deve-se reconhecer que o crescimento
demográfico é plenamente compatível com o desenvolvimento integral e solidário”. E ele
continua: “culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e selectivo de
alguns é uma forma de não enfrentar os problemas”.
As outras chantagens que o Papa apresenta são o agudizar das desigualdades, não só a nível
individual, mas a nível de países inteiros, uma espécie de “dívida ecológica” dos países do Norte
para com os países do Sul, a dívida externa que assola os países pobres: é interessante ver que na
questão da dívida pública moçambicana, praticamente ninguém pergunta o porque dos credores
não se terem preocupado em esclarecer tudo aquando da contracção da dívida.
1.6- A fraqueza das reacções
O Papa acha que a resposta à crise ambiental tem sido fraca. Na verdade, está em jogo a
sustentabilidade fraca, própria daqueles que acham que a solução do problema ambiental está
em investir na redução de gases poluentes, mudar técnicas, hábitos, etc. mas usando a mesma
tecnologia e as mesmas armas que produziram a degradação ambiental. Comenta o papa (n.54)
que prima-se apenas por algumas proclamações superficiais, algumas acções filantrópicas
isoladas (o conceito de ajuda externa esconde uma chantagem dos países ricos sobre os pobres)
e ainda alguns esforços por mostrar sensibilidade em relação ao ambiente, enquanto, na
realidade, qualquer tentativa das organizações sociais par alterar as coisas pela raiz será vista
como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar. Se
por um lado, cresce a sensibilidade ecológica das populações, por outro lado há ainda uma alta
incapacidade de mudar os hábitos nocivos de superconsumo, que não parecem diminuir, antes,
pelo contrário, expandem-se e se desenvolvem duma forma vertiginosa devido ao desejo de
resultados imediatos. Diz o papa(m.59) “é a forma como o ser humano se organiza para alimentar
todos os vícios autodestrutivos: tenta não os ver, luta para não os reconhecer, adia as decisões
importantes, age como se nada tivesse acontecido”.
Num mundo como o nosso, parece que o único ponto em que nós todos estamos de acordo é que
não há acordo entre nós. Parece estarmos convencidos de que qualquer saída para o problema
que vivemos é irrelevante. Parece estarmos convencidos de que não vale a pena fazer perguntas
porque não haverá respostas. No fundo, é uma questão de sentido. A crise ambiental que vivemos
é uma crise não só ambiental, mas é uma crise da própria civilização. A resposta a essa crise não
está nalgum sector ou com alguma classe social, mas, por ser crise civilizatória, todos nós temos
que nos envolver na resposta. Enquanto não cairmos na conta disso, todas as reacções isoladas
continuarão fracas. É todo o mundo que precisa de mudar de rumo: eis que faço novas todas as
coisas, uma nova Jerusalém, porque a anterior desapareceu, acabou.
Refere o papa (n. 53) que somos chamados a ser instrumentos nas mãos de Deus Pai para que o
nosso planeta possa ser aquilo para o qual Ele o criou. Aí está o sentido da fé: acreditar que Deus
está no comando, e engajar-se naquilo que vai contribuir para que nos tornemos naquilo que
Deus programou para nós! E nunca abandonar, nem desesperar. Acreditar que é preciso esperar
o tempo das coisas, o tempo de Deus, e viver o já-ainda-não do reino de Deus, como a semente
da mostarda que, mesmo morrendo, espera o devido tempo para dar fruto, como o trigo no meio
do joio, que sabe que no fim estará no celeiro e não no fogo… Transformar esta fé em sonhos e
utopias, transformar esses sonhos e utopias em projectos, transformar estes projectos em
programas ou planos de acção pastoral, e viver estes planos cada dia, cada instante, aqui e agora
em que estamos a tentar deixarmo-nos transformar nesta grande semana teológica em torno da
Laudato Si’.
1.7- Diversidade de opiniões
A diversidade de opiniões é tanta ao ponto de não termos um critério de preferência. O
relativismo ético e religioso faz com que qualquer ideia seja simplesmente uma ideia. A
diversidade de opiniões traz a não relevância das próprias opiniões. Quando é assim, não é o
discurso que vence, mas a força e a imposição. O papa confirma isto ao referir que, na tentativa
de busca de soluções, desenvolveram-se diferentes perspectivas e linhas de pensamento. Na
questão ambiental, há optimistas (que vêem no progresso e na tecnologia a saída para o
problema ambiental sem implicações éticas) e pessimistas (que dizem que qualquer acção
humana só irá piorar a situação). Mas a pergunta do Rio +20 deve nos inquietar: qual é o futuro
que nós queremos? Já no Rio-92 soava este convencimento de que um novo e outro mundo é
possível. Diz o papa que “a esperança convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída,
sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os
problemas”. A nossa fé não nos propõe uma saída concreta, porque o futuro é aberto. Movidos
pelo convencimento de que a humanidade frustrou expectativa divina transformando o
Pentecostes em Babilónia, e movidos pela fé de que Babilónia virará Pentecostes pela efusão do
Espírito Santo que renovará a face da terra, somos chamados a uma reflexão profunda a fim de
identificarmos possíveis cenários futuros apesar de haver vários caminhos para se chegar até lá.
Não cabe à Igreja dar a palavra definitiva, mas cabe a ela promover um debate honesto, sincero,
verdadeiro procurando sempre ler os sinais dos tempos e reconhecendo sempre as sementes do
reino que já existem neste mundo tão desfigurado, mas tão amado por Deus.
2- Questões de reflexão, trabalhos em grupo e plenária
Conforme pudemos ver, neste capítulo, o papa acredita que, para se compreender o problema
em toda a sua magnitude, é preciso reunir os vários factos a partir de diferentes vertentes. Neste
primeiro capítulo, ele apresenta o consenso científico sobre as mudanças climáticas, descreve
também outras ameaças ao meio ambiente, como as ameaças ao abastecimento de água e à
biodiversidade. Ele também analisa a forma como a degradação ambiental afecta a vida humana
e a sociedade. Finalmente, ele escreve sobre a desigualdade global da crise ambiental.
A seguir, estão algumas questões para a reflexão em grupos. O seu objectivo não está tanto nas
respostas que serão dadas, mas nas discussões que serão feitas. Cada questão vem acompanhada
do resumo das reflexões feitas pelos grupos. Eis as questões:
a) O que está a acontecer à nossa casa? Em três ou quatro alíneas, descrever os grandes
problemas ambientais que estão a estragar a nossa terra.
b) O que está a acontecer com o nosso país? Em três ou quatro alíneas, apontar as
multinacionais que estão a poluir o espaço moçambicano.
c) O que podemos fazer para recuperar a beleza da nossa terra e conseguir o futuro que
queremos? Em três ou quatro alíneas, dar algumas propostas de educação ambiental para
uma possível solução do problema ambiental.
2.1- Reflexão em grupo em torno do que está a acontecer à nossa casa
Na primeira questão, procura-se saber, na linha do título do primeiro capítulo da Encíclica, o que
está a acontecer à nossa casa. Pede-se que se apresente em três ou quatro alíneas, uma descrição
dos grandes problemas ambientais que estão a estragar a nossa terra. Praticamente pede-se uma
síntese criativa dos sete problemas que o Papa apresenta no capítulo, desde que estes problemas
sejam fruto das reflexões e constatações do grupo. Portanto, há uma dose de criatividade por
parte de cada grupo.
2.2- Reflexão em grupo em torno do que está a acontecer ao nosso país
Na segunda questão, procura-se saber, partindo da experiência que temos em Moçambique, o
que está a acontecer com o nosso país. Pede-se que se apresente em três ou quatro alíneas, uma
descrição das grandes multinacionais que estão a poluir o espaço moçambicano. Praticamente
pede-se também uma análise criativa de todas as multinacionais vocacionadas para a actividade
de extracção dos recursos naturais. Por isso, há também uma dose de criatividade por parte de
cada grupo.
2.3- Reflexão em grupo em torno do que se pode fazer
Nesta última questão, procura-se saber, a partir do olhar “para além do sol” (título da última parte
do último capítulo da Encíclica), o que é que nós podemos fazer para recuperar a beleza da nossa
terra e conseguir o futuro que queremos. Pede-se também que o grupo apresente em três ou
quatro alíneas, algumas propostas de educação ambiental, de orientações práticas, dum caminho
novo para uma possível solução do problema ambiental. Portanto, baseando-se em questões
teóricas apresentadas nas conferências, e a partir das experiências do que já se vive, espera-se
maior criatividade por parte de cada grupo.
3- Conclusão (O anti-génesis: da criação à descriação)
A preocupação pela nossa casa tornou-se hoje um assunto de extrema importância devido ao
estado “em perigo” do planeta. Hoje, a definição segundo a qual a ecologia é o estudo do inter-
retro-relacionamento de todos os sistemas vivos e não-vivos entre si e com o meio ambiente,
este connosco e nós com ele, o grito dos pobres e o grito da terra manifestados no subtítulo da
XXIª Semana Teológica da Beira (a terra não aguenta mais) tem que ser tomada como uma
máxima que nos leve à conversão e à acção. Trata-se da nossa própria sobrevivência como espécie
e como sistema. É que hoje, a preocupação pela nossa casa tornou-se um discurso universal que
toca todos os sectores da vida humana e do mundo e do desenvolvimento de modo que se fala
de ecologia integral (ou do profundo), que integra, na linha do Papa Francisco, a ecologia
ambiental, social, mental, etc. A harmonia ecológica hoje se acha desfeita devido à nossa própria
falta de responsabilidade em tratar o planeta como se fosse um simples campo de exploração de
recursos e como se nós não fizéssemos parte dela. Hoje a crise ambiental e o grito da terra são
um apelo ao facto de que o estilo da vida que levamos não é o certo. Estamos levando uma vida
de mentira para connosco mesmos e para com Aquele a quem nós devemos a nossa vida: o
Criador. Nós temos que humanizar a nossa vida de modo que a nossa influência sobre o mundo
seja repleta daquele amor que levou o Criador a criar e daquele amor que O leva a estar sempre
presente no mundo com seu poder providente. Mas se continuarmos exercendo um poder como
que absoluto sobre o nosso planeta, desligados do Criador, tanto o planeta assim como nós todos
iremos ao colapso.
A situação actual caracteriza-se como uma autêntica obra oposta àquela do Deus Criador na
criação do mundo em seis dias. Nisto se encontra a grande diferença entre Deus Criador e o
homem des-criador (destruidor): Deus precisou de seis dias para criar. Mas quando o homem
tomou tudo sobre as suas mãos, começaram os seis dias da des-criação, como nos ilustra o texto
apresentado por CALVO eRUIZ (1992, pp.70s), a seguir:
"No fim, o homem acabou com o céu e com a terra.
A terra era bela e fértil,
a luz brilhava nas montanhas e nos mares,
e o espírito de Deus enchia o universo.
O homem desse:
- «Que eu possua todo o poder
no céu e na terra».
E viu que o poder era bom,
E pôs o nome de grandes chefes aos quais tinham o poder e
chamou desgraçados aos que procuravam a reconciliação.
Assim foi o sexto dia antes do fim.
O homem disse:
-«Que haja grande divisão entre os povos:
que se ponham de um lado as nações a meu favor,
e do outro as estão contra mim».
E houve Bons e Maus.
Assim foi o quinto dia antes do fim.
E o homem disse:
- «Reunamos todas as nossas fortunas num lugar
e criemos instrumentos para nos defendermos:
a rádio para controlar o espírito dos homens,
o alistamento para controlar os passos dos homens,
os uniformes para dominar as almas dos homens».
E assim foi.
O mundo ficou dividido em dois blocos, em guerra.
O homem viu que tinha de ser assim.
Assim foi o quarto dia antes do fim.
O homem disse:
- «haja uma censura
para distinguir a nossa verdade da dos outros»
E assim foi.
O homem criou duas grandes instituições de censura:
uma, para ocultar a verdade no estrangeiro,
e outra, para se defender da verdade dentro da casa.
o homem viu isso e achou-o normal.
Assim foi o terceiro dia antes do fim.
O homem disse:
- «Fabriquemos armas que possam destruir á distância
grandes multidões, milhões e centenas de milhões».
O homem criou os submarinos nucleares que sulcam os
mares e os mísseis que cruzam o firmamento.
O homem viu-o e orgulhou-se.
Então abençoou-os dizendo-lhes:
«Sede numerosos e grandes sobre a terra,
enchei as águas do mar
e os espaços celestes;
multiplicai-vos».
Assim foi o segundo dia antes do fim.
O homem disse:
- «Façamos Deus à nossa imagem e semelhança:
que actue como nós actuamos,
que pense como nós pensamos,
que queira como nós queremos,
que mate como nós matamos».
E o homem criou um Deus à sua medida.
E abençoou-o dizendo:
«Mostra-te a nós e põe a terra a nossos pés.
Não te faltará nada, se fizeres a nossa vontade».
E assim foi.
O homem viu tudo o que tinha feito
e estava muito satisfeito com tudo isso.
Assim foi o dia antes do fim.
De repente, produziu-se um grande terramoto em toda a
Superfície da terra, e o homem e tudo o que tinha feito
Deixaram de existir.
Assim acabou o homem com o céu e terra.
A terra voltou a ser um mundo vazio e sem ordem;
toda a superfície do oceano se cobriu de escuridão
e o espírito de Deus adejava sobre as águas".
É preciso ter em conta que este primeiro capítulo constitui o momento do VER. É isto que está a
acontecer. Por isso, o Papa, depois de nos ajudar a JULGAR por meio do segundo e terceiro
capítulo, lança-nos o desafio de mudar de rumo. Não podemos continuar assim! Acreditar que
um outro mundo melhor e mais humano é possível, e sentir a urgência de busca-lo constituem
hoje matéria da nossa fé: é buscar o reino de Deus!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALVO, A. & RUIZ, A. (1992). Para conhecer a cristologia. Porto: Perpétuo Socorro.
PAPA FRANCISCO (2015). Carta Encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da casa comum. Maputo: Paulinas.