Segurado Especial 10 Mitos

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1 Segurado especial: 10 mitos Introdução A complexidade do conceito de segurado especial nos remete mais uma vez a falarmos do tema. Se ainda temos o que falar, é porque o tema ainda se mostra polêmico, tanto na via administrativa como na Jurisprudência. Passados quase vinte anos desde a existência dessa figura no ordenamento jurídico, ainda nos defrontamos com inúmeras controvérsias, a ponto de constatarmos entendimentos completamente contraditórios entre servidores do INSS e magistrados sobre o enquadramento e a comprovação da atividade rural do segurado especial. Dentre os temas controversos selecionamos alguns, que, salvo melhor juízo, são os mais corriqueiros na lide previdenciária. Outros, sem dúvida, fazem parte do dia a dia. O certo é que estamos distantes, pelo menos aparentemente, de formar um consenso, em que pese a farta legislação e normatização. Arriscamo-nos a afirmar que nenhum outro segurado mereceu tanta especificação na tentativa de reduzir a sua complexidade, o que paradoxalmente tem provocado ainda mais divergências. Com a Lei 11.718, de 20 de junho de 2008, novos elementos foram acrescidos na análise da condição do segurado especial. Mas, podemos afirmar, na condição de alguém que contribui na elaboração dessa norma 1 , que sua interpretação se distanciou da mens legislator, e nem por isso podemos dizer que se aproximou da mens legis, uma vez que a norma previdenciária é, eminentemente, de proteção. Por certo nem sempre é fácil compreender que um segurado possa acessar um benefício ainda que, individualmente, não tenha contribuído, conforme artigo 39 da Lei 8.213/91. Daí por que se torna imprescindível resgatar o sentido teleológico para se chegar a um bom termo do que se entende e de como se deve tratar o segurado especial. Certo é que essa figura difere da lógica dos demais segurados (contribuinte-beneficiário), o que por si já faz necessário superar uma visão tradicional e buscar novos horizontes na leitura do segurado especial. Passaremos a analisar cada um dos que chamamos de dez mitos sobre o segurado especial. E o faremos, em grande parte, a partir da realidade que vimos quer seja na análise administrativa de recursos, quer seja nos relatos ouvidos cotidianamente. Ou seja, este texto mais se fundamenta na experiência pragmática administrativa. Mito 1 – Benefício rural é assistencial O segurado especial consta no rol dos segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social. É o texto da lei (art. 12 da Lei 8.212/91 e 1 O Projeto de Lei que resultou na Lei 11.718/08 teve origem na Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e ingressou na Câmara dos Deputados, através da Comissão de Legislação Participativa. Na ocasião, participamos da construção desse projeto, integrante o coletivo jurídico da CONTAG.

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Segurado especial: 10 mitos

Introdução

A complexidade do conceito de segurado especial nos remete mais uma vez a falarmos do tema. Se ainda temos o que falar, é porque o tema ainda se mostra polêmico, tanto na via administrativa como na Jurisprudência. Passados quase vinte anos desde a existência dessa figura no ordenamento jurídico, ainda nos defrontamos com inúmeras controvérsias, a ponto de constatarmos entendimentos completamente contraditórios entre servidores do INSS e magistrados sobre o enquadramento e a comprovação da atividade rural do segurado especial.

Dentre os temas controversos selecionamos alguns, que, salvo melhor juízo, são os mais corriqueiros na lide previdenciária. Outros, sem dúvida, fazem parte do dia a dia. O certo é que estamos distantes, pelo menos aparentemente, de formar um consenso, em que pese a farta legislação e normatização. Arriscamo-nos a afirmar que nenhum outro segurado mereceu tanta especificação na tentativa de reduzir a sua complexidade, o que paradoxalmente tem provocado ainda mais divergências.

Com a Lei 11.718, de 20 de junho de 2008, novos elementos foram acrescidos na análise da condição do segurado especial. Mas, podemos afirmar, na condição de alguém que contribui na elaboração dessa norma1, que sua interpretação se distanciou da mens legislator, e nem por isso podemos dizer que se aproximou da mens legis, uma vez que a norma previdenciária é, eminentemente, de proteção.

Por certo nem sempre é fácil compreender que um segurado possa acessar um benefício ainda que, individualmente, não tenha contribuído, conforme artigo 39 da Lei 8.213/91. Daí por que se torna imprescindível resgatar o sentido teleológico para se chegar a um bom termo do que se entende e de como se deve tratar o segurado especial. Certo é que essa figura difere da lógica dos demais segurados (contribuinte-beneficiário), o que por si já faz necessário superar uma visão tradicional e buscar novos horizontes na leitura do segurado especial.

Passaremos a analisar cada um dos que chamamos de dez mitos sobre o segurado especial. E o faremos, em grande parte, a partir da realidade que vimos quer seja na análise administrativa de recursos, quer seja nos relatos ouvidos cotidianamente. Ou seja, este texto mais se fundamenta na experiência pragmática administrativa.

Mito 1 – Benefício rural é assistencial

O segurado especial consta no rol dos segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social. É o texto da lei (art. 12 da Lei 8.212/91 e

1 O Projeto de Lei que  resultou na Lei 11.718/08  teve origem na Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)  e  ingressou  na  Câmara  dos Deputados,  através  da  Comissão  de  Legislação  Participativa. Na  ocasião, participamos da construção desse projeto, integrante o coletivo jurídico da CONTAG.  

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art. 11 da Lei 8.213/91). O tratamento do benefício a este trabalhador rural como assistencial não encontra amparo no ordenamento jurídico.

Falamos, aqui, das normas que regem a previdência social (Leis 8.212/91 e 8.213/91) e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93). Todas essas leis integram o Sistema de Seguridade Social, conforme esclarece o professor Wagner Balera, em obra sobre o tema:

Arrumadas em sistema, as três partes que compõem o arcabouço – saúde, previdência social e assistência social – devem proporcionar, a todos, seguridade social. A integração das áreas que, dentro e fora do aparelho governamental, recebem a incumbência de satisfazer certos direitos sociais implica a racionalização da atividade administrativa, permitindo, destarte, melhor aproveitamento das particulares formas de proteção pelos usuários2.

Mas, o fato de a legislação previdenciária e a de assistência social integrar o mesmo sistema, visarem à proteção social, não significa que se possa confundi-las e chamar de assistencial o que está na lei como previdenciário e vice-versa. Ou seja, se o legislador quis tratar o trabalhador rural em regime de economia familiar como segurado do Regime Geral de Previdência Social, não se pode dar-lhe outro nome, outra configuração, ou ainda, mudar, autoritariamente, sua caracterização.

Talvez a confusão ainda persista porque até a publicação das Leis de Custeio e de Benefícios, os trabalhadores rurais tinham um regime próprio, chamado Programa de Assistência do Trabalhador Rural (PRORURAL), financiado pelo Fundo de Amparo e Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL). Esse sistema foi extinto pela Lei 8.213/91, conforme art. 138:

Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei.

O consequente deste mito (caráter beneficiário x assistencial) é que se analisa restritivamente o segurado especial. Esse mito acaba por interferir, tanto na via administrativa como na judicial, na concessão do benefício. Não raro servidores adotam essa interpretação restritiva e apreciam com rigor excessivo (no sentido do que a lei e a normatização prevêem) a condição de segurado. Também não raras vezes encontramos em decisões judiciais3 manifestações nesse sentido, de que o benefício rural deve ser restritivo, referindo-se como de caráter assistencial. Todavia, como segurado obrigatório que é, tal qual os demais, sua condição que decorre do trabalho, portanto, qualquer benefício sempre está relacionado ao trabalho. Aliás, somente é segurado obrigatório quem trabalha, e não é diferente com o segurado 2 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5. Ed. São Paulo: LTr, 2009. P.11  3 Citamos como exemplos: TRF 04ª R.; AC 2009.71.99.004172‐0; TRF 01ª R.; AC 2006.38.10.001866‐1; TRF 01ª R.; AC 2008.01.99.003206‐8; TRF 01ª R.; AC 2008.01.99.003206‐8;

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especial, em que a lei expressamente dispõe que só pode ostentar tal condição quem “efetivamente” trabalha na atividade rural, conforme já citados art. 12 da Lei 8.212/91 e art. 11 da Lei 8.213/91.

Como já abordamos em outra ocasião4, a contribuição diferenciada (em termos de base de cálculo, alíquota,...) bem como a exigência de prova de atividade, como questões que diferem dos demais segurados, decorrem de uma política pública de inclusão desses trabalhadores, à margem do sistema previdenciário até 1991. Compreender que essa é apenas mais uma, dentre outras como a regra do microempreendedor individual, como a contribuição do segurado de baixa renda, sem falar dos incentivos tributários como o conferido às empresas regidas pelo SIMPLES, é fundamental para não fazer, na aplicação da lei, discriminação que o legislador não previu, não quis fazer.

Passaremos a analisar o mito de que o segurado especial não contribui para o regime previdenciário.

Mito 2 – O segurado especial não contribui

A Lei Complementar 11, de 1971, já dispunha sobre uma forma de contribuição, que, aliás, foi quase que integralmente mantida pela Lei 8.212/91. Vejamos o quadro comparativo entre as duas normas:

LEI COMPLEMENTAR 11/71 LEI 8.212/91 Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes: I - da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor, sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida: a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor; b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos ou vendê-los, no varejo, diretamente ao consumidor.pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos, vendê-los ao consumidor, no varejo, ou a adquirente domiciliado no exterior; II - da contribuição de que trata o artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL. § 1º Entende-se como produto rural todo aquele que, não tendo sofrido qualquer processo de industrialização, provenha de origem vegetal ou animal inclusive as

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho. Art. 30. Inc. III - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa são obrigadas a recolher a contribuição de que trata o art. 25 até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da operação de venda ou consignação da produção, independentemente de essas operações terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, na forma estabelecida em regulamento; IV - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 e

4 BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Segurado Especial: uma Dívida Social. IN: FERRARO, Suzani Andrade; FOLMANN, Melissa (coord.). Previdência: Entre o Direito Social e a Repercussão Econômica no Século XXI. Curitiba: Juruá, 2009. P. 141‐160. 

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espécies aquáticas, ainda que haja sido submetido a beneficiamento, assim compreendidos os processos primários de preparação do produto para consumo imediato ou posterior industrialização, tais como descaroçamento, pilagem, descascamento, limpeza, abate e seccionamento de árvores, pasteurização, resfriamento; secagem, aferventação e outros do mesmo teor, estendendo-se aos subprodutos e resíduos obtidos através dessas operações a qualificação de produtos rurais.

do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento; X - a pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 e o segurado especial são obrigados a recolher a contribuição de que trata o art. 25 desta Lei no prazo estabelecido no inciso III deste artigo, caso comercializem a sua produção: a) no exterior; b) diretamente, no varejo, ao consumidor pessoa física; c) à pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12; d) ao segurado especial;

Notemos, portanto, que os trabalhadores rurais vertem contribuições para o sistema desde 1971, embora os benefícios previstos na Lei Complementar 11/71 eram muito mais restritos que os da lei atual, prevendo apenas aposentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão e auxílio-funeral.

Assim, sempre que o segurado especial comercializa sua produção, contribui para a Seguridade Social, muito embora não seja ele o responsável tributário, pois a lei estabelece que a obrigação pelo recolhimento seja da empresa ou cooperativa adquirente, salvo se o segurado vende a produção para pessoas físicas, conforme Lei 8.212/91, transcrita acima.

Não confere nem com a lei, nem com a realidade a afirmação de que os trabalhadores rurais não contribuem para a Previdência Social. Ocorre, apenas, que o mecanismo desta contribuição é diferente daquele previsto em lei para os demais segurados do Regime Geral.

Outro mito que veremos a seguir, da insuficiência de recursos na relação contribuição arrecadada x benefícios concedidos.

Mito 3 – A contribuição é insuficiente para pagar os benefícios

Até se poderia dizer que esse mito é irmão-gêmeo do anterior, porque se alguns dizem que o segurado especial não contribui, outros, para restringir os benefícios, alegam que ele contribui pouco, que a contribuição é insuficiente5.

5 Para exemplificar:  FARAH,Tatiana  (O Globo).  INSS  tem 1º  superávit na área urbana  em 24 anos Disponível  em <http://aposentadobeminformado.wordpress.com/category/deficit‐da‐previdencia/>  Acesso  em  7  set.  2010;  FORÇA SINDICAL. Brasília  (DF): Déficit da Previdência cresce 1,2% no ano. Fonte: Valor Econômico. Disponível em <http://www.fsindical.org.br/fs/index.php?option=com_content&view=article&id=10207:brasilia‐df‐deficit‐da‐previdencia‐cresce‐12‐no‐ano&catid=18:notas‐do‐dia&Itemid=221>  Acesso  em  7  set.  2010;  FOLHA ONLINE.  Área rural  responde  por  93%  do  déficit  da  previdência  em  2009.  Disponível  em  <www1.folha.uol.com.br/folha/ dinheiro/ult91u681522.shtml>.  Acesso em 7. Set. 2010. 

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Realmente, se observarmos os valores arrecadados e os valores despendidos com o pagamento de benefícios, poderíamos concluir que a relação é deficitária do ponto de vista financeiro, conforme divulgado pelo Ministério da Previdência Social6. Contudo, não podemos prescindir de uma análise mais ampla. Se o sistema hoje é de repartição simples e se admite, em nome do princípio da solidariedade, que a geração atual pague os benefícios das gerações passadas7, não se pode concluir que as contribuições são insuficientes. Isso demandaria cálculo atuarial, ou seja, verificar se ao longo do tempo, com critérios técnicos, seria possível afirmar que o sistema é deficitário, sem adentrar na discussão sobre o déficit da seguridade social (se existe ou não), mas permanecendo apenas na área previdenciária.

Nesse sentido, alertamos que houve grande concessão de benefícios no período imediatamente posterior à regulamentação da lei 8.213/91, pois até então mulheres e jovens trabalhadores rurais não tinham direito a benefícios. Com base em levantamento feito por Delgado8, destaca-se que, no período de 1991 a 1994, em que houve uma “explosão” de concessão de benefícios à população rural, a relação entre benefícios por idade e pessoas com idade de aposentadoria cresceu de 19,6%, em 1991, para 32,3%, em 1994.

A Lei Complementar 11/71 previa benefícios somente ao chefe (em geral o homem) ou arrimo de família9. Qual foi o destino da contribuição do período 1971-1991, já que à época os benefícios eram menores e a contribuição maior? Na verdade, a relação é muito semelhante no que toca aos trabalhadores urbanos. Se hoje o sistema é deficitário (do ponto de vista financeiro) é porque, quando era superavitário, não houve composição de reservas.

Discussão interessante, ainda, é a trazida pela Federação Nacional

dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social, que chama a atenção para o equívoco na análise do déficit. Este não poderia ser caracterizado pela diferença no caixa, mas sim no longo da história. Vejamos:

Incessantemente lemos e ouvimos sobre o déficit da Previdência Social, números polêmicos, ora escalando como vilões a contribuição insuficiente para o financiamento, ora os subterfúgios da Desvinculação de Receitas da União (DRU), até o salário mínimo e os trabalhadores rurais já foram considerados os

6 Consultar site www.previdenciasocial.gov.br  7 Conforme define Sette: “No sistema de repartição (SR), a atual geração de segurados (trabalhadores) financia os benefícios os benefícios previdenciários pagos. [...] é justamente nesse fato que reside a solidariedade do sistema de repartição (SR), porquanto os atuais segurados sustentam os atuais beneficiários (solidariedade entre gerações). SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito Previdenciário Avançado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 98. 8  DELGADO, Guilherme da Costa. Política de Previdência Social Rural: Análise e Perspectiva. In: Raízes, n. 18, p. 46‐78, set. 1998. 9 Art. 4º A aposentadoria por velhice corresponderá a uma prestação mensal equivalente a 50% (cinquenta por cento) do salário‐mínimo de maior valor no País, e será devida ao trabalhador rural que tiver completado 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Parágrafo único.  Não será devida a aposentadoria a mais de um componente da unidade familiar, cabendo apenas o benefício ao respectivo chefe ou arrimo. 

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responsáveis pela conta. Estudos de especialistas do ramo dizem que não se leva em conta as contribuições que o Estado deveria fazer, e não fez, para os fundos de aposentadoria pública, além da utilização que se fez do fundo inicialmente criado com os proventos dos servidores para fins diversos dos originais, tais como a construção da Ponte Rio-Niterói, da Usina de Foz do Iguaçú, da Transamazônica, o pagamento da Dívida Externa, etc.10

A entidade defende inclusive a instauração da uma Comissão

Parlamentar de Inquérito para investigar as contas da Previdência para que se saiba o montante arrecadado nos últimos 50 anos e seu destino.

Realmente, da forma como se coloca o déficit, é como se a

Previdência começasse do zero todo mês, ou seja, desconsidera o fato de que aquele que está hoje aposentado contribuiu por longo período. Onde estão essas contribuições? Bem se sabe que destinos diversos foram dados aos valores arrecadados para o financiamento dos benefícios previdenciários. Trata-se, pois, de problema histórico que hoje é jogado sobre a classe trabalhadora e, em especial, dos segurados especiais.

Para concluir esse tema, não se pode deixar de registrar a

contribuição de Wagner Balera: Presentemente, a Emenda Constitucional n. 56, de 2007, dando continuidade a essa absurda e irresponsável prática, segue permitindo que vinte por cento (!) de toda a arrecadação das contribuições sociais seja desviada de suas finalidades. Portanto, desde 1994 até o ano de 2011, vultosos recursos arrecadados para o atendimento da saúde, da previdência social e assistência social não são aplicados nos programas e atividades dessa área. [...] está comprovada a inexistência de déficit no sistema de Seguridade Social, tese que venho defendendo desde a primeira reforma previdenciária... em plena conformidade com as conclusões da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que concluíra, contrariamente ao que sustentava o Poder Executivo, que: a Previdência financia o Tesouro.11

Resta claro, portanto, que é preciso, no mínimo, questionar o suposto déficit previdenciário.

Outro elemento importante é o alto índice de sonegação ou apropriação indébita da contribuição previdenciária rural. Até hoje não há informações no sistema sobre as contribuições recolhidas dos segurados especiais. Estes sequer aparecem no sistema. Apenas são inseridos quando requerem benefícios. Isso facilita o desvio dos valores descontados. Em 10  Disponível  em  <  http://previdenciariosnaluta.wordpress.com/category/%E2%86%94‐cpi‐da‐previdencia‐ja/  > Acesso em 2 set. 2009.  11 BALERA, Wagner. O financiamento da Seguridade Social e os vinte Anos da Constituição de 1988. In: VAZ, Flávio Tonelli; MUSSE,  Juliano  Sander;  SANTOS,  Rodolfo  Fonseca.  (org.)  20  Anos  da  Constituição  Cidadã:  Avaliação  e Desafios da Seguridade Social. Brasilia: ANFIP, 2008. p. 200. 

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pesquisa realizada pelo professor Guilherme Delgado, conforme dados que já referimos, apenas 22% do valor potencial de contribuição é arrecadado12.

É possível que, com o cadastramento dos segurados especiais, previsto no art. 38-A da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 11.718/0813, a fiscalização possa ser mais efetiva.

Aqui, também, merece ser lembrado que, ainda que efetivamente seja deficitário o sistema, no que se refere aos trabalhadores rurais, em momento algum admite a legislação que isso possa motivar indeferimento ou análise restritiva dos benefícios rurais, conforme melhor veremos no mito 5.

Nesse sentido, Morello invoca a importância da solidariedade social para sustentar esse sistema:

Trata-se de uma fórmula encontrada pelo constitucionalismo democrático para que o País possa atingir estágios superiores de proteção social, com adequado padrão de desenvolvimento, não podendo ser considerada simples expressão da caridade, mas sim exigência de justiça social14.

Assim como não há distinção nem na lei, nem na normatização, com relação aos benefícios concedidos a trabalhadores de empresas enquadradas pelo SIMPLES, que possuem alíquotas de contribuição reduzida, também não pode, sem amparo em lei, restringir benefícios que a lei não limitou. Notemos que, quanto aos segurados especiais, a lei já faz algumas restrições: o valor do benefício é limitado ao salário mínimo; não é concedido benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, salvo se contribuir facultativamente..., tudo conforme artigo 39 da Lei 8.213/91. E só. Outras restrições são ilegais.

Queremos dizer, pois, que ainda que a contribuição seja insuficiente –afirmação que mereceria análise de cálculo atuarial, até hoje desconhecida – não há amparo na lei para usar esse fundamento para restringir a concessão de benefícios.

Outro aspecto que, transversalmente, motiva indeferimentos e improcedências é a existência de outra renda por qualquer pessoa do grupo familiar, como veremos.

12 BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência Rural – Inclusão Social.  2 ed. Curitiba: Juruá, 2008. P. 143.  13 Art. 38‐A. O Ministério da Previdência Social desenvolverá programa de cadastramento dos segurados especiais, observado o disposto nos §§ 4o e 5o do art. 17 desta Lei, podendo para tanto firmar convênio com órgãos federais, estaduais ou do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com entidades de classe, em especial as respectivas confederações ou federações.            §  1o  O programa de que  trata o  caput deste  artigo deverá prever  a manutenção  e  a  atualização  anual do cadastro,  e  as  informações  nele  contidas  não  dispensam  a  apresentação  dos documentos  previstos  no  art.  106 desta Lei.           § 2o  Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar nenhum ônus para os segurados, sejam eles filiados ou não às entidades conveniadas. 14 MORELLO, Evandro José. Os Trabalhadores Rurais na Previdência Social: Tipificação e Desafios à Maior Efetividade do Direito.  IN: VAZ, Paulo Afonso Brum; SAVARIS,  José Antonio  (org.). Direito da Previdência e Assistência Social: Elementos para uma Compreensão Multidisciplinar. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. P. 201‐232.  

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Mito 4 – Quando há outra fonte de renda, a agrícola é menos importante

Embora a lei preveja o regime de economia familiar, que se verifica quando os membros da família trabalham em conjunto, na atividade rural, nem sempre todos escolhem a profissão de agricultor. E essa possibilidade, por vezes, não é bem compreendida.

Do ponto de vista da lei e da normatização, não se encontra nenhum dispositivo que estabeleça que todos devam permanecer na agricultura, para que se reconheça a condição de segurado especial aos que trabalham na atividade rural.

O Decreto 3.048/99 exclui quem tem outra fonte de renda, mas somente este, in verbis:

Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas: § 8º Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:

[...]

O dispositivo cita algumas exceções15, mas coloca como regra geral que o segurado não pode ter outra fonte de rendimento, que não seja da atividade rural. Porém, essa restrição não alcança todo grupo familiar. Nesse sentido, a Instrução Normativa nº 45/10 dispõe de forma semelhante:

Art. 7º. § 5º Não é segurado especial o membro de grupo familiar (somente ele) que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:

[...]

Notamos, aqui, claramente que a interpretação do INSS, externada na Instrução Normativa, é de que somente aquele que tem outra fonte de renda

15  Lei 8.213/91. Art. 11. § 9o  Não é  segurado especial o membro de  grupo  familiar que possuir outra  fonte de rendimento, exceto se decorrente de:  I – benefício de pensão por morte, auxílio‐acidente ou auxílio‐reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;  II  – benefício previdenciário pela participação  em plano de previdência  complementar  instituído nos  termos do inciso IV do § 8o deste artigo;  III – exercício de atividade remunerada em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 julho de 1991;  IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;         V – exercício de mandato de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída, exclusivamente, por segurados especiais, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991; VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 8o deste artigo; VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria‐prima produzida pelo  respectivo grupo  familiar, podendo  ser utilizada matéria‐prima  de  outra  origem,  desde  que  a  renda mensal  obtida  na  atividade  não  exceda  ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e VIII  –  atividade  artística,  desde  que  em  valor mensal  inferior  ao menor  benefício  de  prestação  continuada  da Previdência Social. 

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deixa de ser segurado especial, ou seja, a condição urbana de um não prejudica a condição de segurado de outro membro do grupo familiar.

Importante avanço foi obtido, nessa matéria, com a Súmula 41 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, proposta pelo juiz federal José Antonio Savaris:

A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.

Mas, na prática, observamos que ainda há muita discriminação com o trabalho rural, pois quando há atividade urbana, trata-se como se a atividade agrícola fosse menos importante, fosse até mesmo irrelevante. Isso fica ainda mais evidente quando se trata de benefício a ser concedido à mulher rurícola, que tem seu trabalho desvalorizado quando o marido exerce atividade urbana. Ainda se mantém um conceito antigo de que a mulher é ajudante, que sua atividade é secundária, que se traduz na não caracterização dela como segurada especial.

Essa discriminação para com a atividade rural e, em especial, com a mulher afronta a Constituição Federal, que trata com igualdade trabalhadores urbanos e rurais, no artigo 6º16 e no inciso II do parágrafo único do artigo 19417.

Outro aspecto importante que será abordado a seguir refere-se à prova exigida para fins de concessão de benefício aos trabalhadores rurais.

Mito 5 – O segurado especial deve provar contribuição

Desde a caracterização de segurado especial, a lei exige o efetivo exercício da atividade rural, e não prova de contribuição. Assim, o inciso VII do artigo 11 da Lei 8.213/91:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

16 Art. 7º São direitos dos  trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIV ‐ aposentadoria; 17 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo  único.  Compete  ao  Poder  Público,  nos  termos  da  lei,  organizar  a  seguridade  social,  com  base  nos seguintes objetivos: II ‐ uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; 

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1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; 2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (grifos nossos)

Na mesma linha, dispõem os artigos 39 e 48 da mesma lei, ao tratar

dos benefícios dos segurados especiais:

Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou

.... Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. § 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. § 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (grifos nossos)

De todos os dispositivos transcritos, podemos constatar que a lei

exige comprovação de efetivo exercício da atividade rural. Não se exige prova de contribuição, tampouco de venda de produção. Não se quer dizer que não há previsão legal para a contribuição, podendo, inclusive, o segurado ser autuado pela Receita Federal caso não recolha as contribuições, quando essa obrigação for dele. A contribuição é devida, conforme já abordamos, mas não é condição para o benefício.

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O rol de provas de atividade rural também é, por vezes, restrito à prova de venda de produção, como veremos adiante.

Mito 6 – O único meio de prova é o bloco de produtor (ou documento que comprove venda da produção)

Em alguns estados brasileiros, entre os quais o Rio Grande do Sul, a prova por excelência é o bloco de produtor ou, melhor explicando, a nota fiscal de venda de produção, no mesmo sentido que antes referíamos que teria que se comprovar comercialização da produção. Todavia, essa restrição comprobatória não encontra amparo na lei, que estabelece um rol de documentos que podem ser aceitos. A Lei 11.718/08 ampliou as hipóteses já previstas no artigo 106 da Lei 8.213/91:

Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; V – bloco de notas do produtor rural; VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.

É defensável que o INSS exija um documento ou pelo menos uma declaração que demonstre a vinculação do segurado com a terra, pois se ele exerce a atividade o faz em algum lugar (em alguma propriedade) e essa vinculação é importante para evitar a concessão de benefício a quem não desempenha o labor agrícola.

Mas exigir documentos além do que a lei prevê é burocracia. Nesse aspecto, os Tribunais têm facilitado o acesso ao benefício, admitindo como prova outros documentos, além do bloco de produtor e diversos dos

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relacionados no supratranscrito artigo 106. Vejamos algumas decisões no sentido de admitir-se certidões de registro civil:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. LEI Nº 8.213/91. ART. 143 C/C ART. 11, VII. PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR TESTEMUNHAS. REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DEVIDA. [...] III. O entendimento jurisprudencial se consolidou no sentido de que a qualidade de segurado especial do marido, consignada na correspondente certidão de casamento se estende para fins de reconhecimento da condição de rurícola da mulher. lV. Se os depoimentos testemunhais colhidos no juízo de origem corroboram a prova documental no sentido de que efetivamente houve o exercício de atividade rural, na condição de segurada especial, por período igual ao número de meses correspondentes à respectiva carência, a manutenção da sentença que concedeu a pleiteada aposentadoria é medida que se impõe. Precedentes desta corte e do Superior Tribunal de Justiça. [...] (TRF 01ª R.; APL-RN 61549-45.2010.4.01.9199; MG; Primeira Turma; Rel. Juiz Fed. Conv. Rodrigo Navarro de Oliveira; Julg. 19/01/2011; DJF1 01/02/2011; Pág. 41)

PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. JUROS DE MORA. CORREÇAO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Comprovado o exercício de atividade rural, na qualidade de segurado especial, e a idade mínima exigida (60 ou 55 anos, se homem ou mulher, respectivamente). 2. São válidos como início de prova, dentre os documentos apresentados: CTPS da autora com sua contratação como trabalhadora rural (fls. 13/15); ficha de matrícula da filha e do neto (como responsável), com a qualificação de lavradora da autora, emitida pela secretaria de estado de educação de Minas Gerais, nos anos de 1985 e 1997 (fls. 17 e 16); ficha do departamento de saúde, emitida pela prefeitura municipal de bocaiúva, com atendimentos desde 1995, com a qualificação de lavradora da autora (fls. 18). Precedentes. [...](TRF 01ª R.; Ap-RN 2009.01.99.025529-3; MG; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Carlos Olavo; Julg. 30/11/2009; DJF1 21/01/2010; Pág. 126) LEI 8213, art. 39 Súm. nº 43 do STJ

PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DE MULTA AO INSS. PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. REMESSA OFICIAL. [...] 3. A qualificação de lavrador constante de certidão de registro civil é valida como início de prova documental, e estende-se ao cônjuge. Precedentes. [...] (TRF 01ª R.; Ap-RN 2009.01.99.012701-0; MT; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Carlos Olavo; Julg. 30/11/2009; DJF1 21/01/2010; Pág. 123) CPC, art. 475

Outra exigência comum, que será abordada em seguida, é a de que o segurado tem que apresentar prova anual.

Mito 7 – Segurado especial tem que apresentar uma prova por ano

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Nem sempre o segurado tem comprovação anual de atividade rural, especialmente em regiões atingidas por secas ou enchentes, o que não pode ser motivo para indeferir o benefício, pois não há embasamento normativo-legal para exigir-se uma prova por ano.

A Lei 8.213/91 exige, para qualquer tempo de serviço a ser reconhecido, início de prova material, salvo caso fortuito ou força maior18. Essa exigência não pode ser ampliada arbitrariamente pelo servidor autárquico, especialmente porque sequer há previsão em normatização interna. Ressalvemos, todavia, que, quando se trata de cômputo de período de atividade rural para fins de concessão de benefício urbano, a situação é diversa, pois a Instrução Normativa 45, de 6 de agosto de 2010, prevê expressamente:

Art. 140. Na hipótese de serem apresentados o Bloco de Notas ou a Nota Fiscal de Venda, o Contrato de Arrendamento, Parceria ou Comodato Rural e INCRA, a caderneta de inscrição pessoal expedida pela Capitania dos Portos ou visada pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE, ou outros documentos considerados como prova plena do exercício da atividade rural, em período intercalado, será computado como tempo de serviço o período relativo ao ano de emissão, edição ou assentamento do documento.

Isso não significa que esse dispositivo encontra amparo em lei. Pelo contrário, entendemos que fere o princípio constitucional da isonomia, pois trata de forma diferenciada quem utiliza períodos de atividade rural para fins de benefício urbano e quem obtém o benefício como segurado especial, sendo que ambos integram o Regime Geral de Previdência Social.

O Parecer 3136, de 23 de setembro de 2003, da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, da lavra do procurador Daniel Pulino, esclarece que basta início de prova material para corroborar com a declaração do sindicato dos trabalhadores rurais:

EMENTA: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORES RURAIS. COMPROVAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL PELO NÚMERO DE MESES EQUIVALENTE AO DA CARÊNCIA DO BENEFÍCIO. ARTIGOS 39, I, E 143 DA LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EFICÁCIA DAS DECLARAÇÕES FORNECIDAS POR SINDICATOS DE TRABALHADORES RURAIS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CONTEMPORANEIDADE. 1. Imprescindibilidade de início de prova material. Impossibilidade de se considerar a declaração dos sindicatos de trabalhadores rurais, em si mesma, início de prova material para fins de homologação pelo INSS.

18  Art.  55.  § 3º A  comprovação  do  tempo  de  serviço  para  os  efeitos  desta  Lei,  inclusive mediante  justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. 

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2. Desnecessidade de que o início de prova material seja contemporâneo ao período de atividade rural equivalente ao número de meses idêntico à carência do benefício, podendo servir de começo de prova documento anterior a este período. [...] 62. Diante de todo o exposto, concluímos que: 1º) mesmo no caso de declaração de sindicatos a serem homologadas pelo INSS, é imprescindível a existência de início de prova material, pois esta é a determinação clara da lei; 2º) podem ser aceitos, como início de prova material, a qualificação profissional de rurícola em atos de registro civil ou militar, os quais, uma vez corroborados por outros elementos de instrução, num conjunto probatório harmônico, robusto e convincente, serão aptos a comprovar os períodos de trabalho referidos nas declarações sindicais e; 3º) a lei previdenciária não exige que o início de prova material seja contemporâneo, necessariamente, ao período de atividade rural que o segurado tem que comprovar, em número de meses equivalente ao da carência do benefício, para concessão de aposentadoria por idade no valor mensal de um salário mínimo, podendo servir de começo de prova documento anterior a este período.

Notemos, por fim, que nem mesmo a normatização da Autarquia conduz à interpretação restritiva quanto à prova da atividade rural. Isso porque o objeto da prova não é a contribuição, mas o trabalho agrícola. Nesse sentido:

Art. 115. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial, observado o disposto nos arts. 63 a 66, será feita mediante a apresentação de um dos seguintes documentos:

[...]

§ 2º Para aposentadoria por idade de que trata o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991, a ausência da documentação prevista no § 1º deste artigo, em intervalos não superiores a três anos não prejudicará o reconhecimento do direito, independente de apresentação de declaração do sindicato dos trabalhadores rurais, de sindicato dos pescadores ou colônia de pescadores.

Comungamos do entendimento de Kerbauy no que se refere à comprovação da atividade rural:

Não há, pois, necessidade de apresentar-se prova material ano a ano, bastando que indiquem a regularidade da atividade, tendo em vista que a condição de lavrador traz ínsita a ideia de continuidade da atividade rural, bem como pelo fato de que a escassez documental é inerente à informalidade do trabalho campesino19.

19 KERBAUY, Luis. A Previdência na Área Rural – Benefício e Custeio. São Paulo: LTr, 2009. P. 107.  

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Assim, notamos que se mostra exagerada a exigência de prova anual ou até mesmo a limitação da prova específica.

Adiante, analisaremos a restrição ao proprietário rural, como segurado especial, aplicada em algumas situações.

Mito 8 – Somente proprietário é segurado especial

Por vezes, o INSS exige prova de propriedade rural para comprovação da atividade, ou facilita o reconhecimento da condição de segurado especial para o proprietário e dificulta para os arrendatários, parceiros, meeiros...

A Instrução Normativa 45/10, ao tratar do cadastramento dos segurados especiais, dispõe que no caso do segurado já cadastro no sistema do INCRA, dispensa outras provas, o que significa que a exigência de prova do arrendatário e parceiro é maior.

Assim determina a Instrução Normativa:

Art. 63. As informações obtidas pelo INSS dos bancos de dados disponibilizados por órgãos do poder público poderão ser utilizadas para a construção do cadastro do segurado especial, para fins de reconhecimento desta atividade. Art. 65. Os períodos de atividades validados de acordo com o disposto nesta seção serão considerados para fins de reconhecimento de direito aos benefícios previstos no inciso I e parágrafo único do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991, e migrarão para os sistemas de benefícios com observância dos seguintes critérios: I - períodos positivos: caracterizam a condição de segurado especial, dispensando a apresentação de documento comprobatório e realização de entrevista; II - períodos pendentes: dependerão de comprovação da condição de segurado especial pelo segurado ou dependente e de realização de entrevista; e III - períodos negativos: descaracterizam a condição de segurado especial.

A Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 11.718/08, elencou expressamente as condições nas quais o produtor rural possa se vincular à terra:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

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[...]

Verificamos, pela lei, que várias são as condições de vinculação com a terra. E não poderia ser diferente, pois devemos levar em conta a realidade rural, que contempla diferentes formas de trabalho. Sabemos que devido às relações mais informais no campo, nos contratos de arrendamento e parceria agrícola, é comum que os documentos fiscais de venda estejam em nome do proprietário, ficando o parceiro outorgado ou arrendatário com parca comprovação da atividade. Todavia, isso não deve dificultar o acesso desses trabalhadores aos benefícios na condição de segurados especiais.

Outro motivo de grande controvérsia, mais na via judicial que na administrativa, é a possibilidade (ou não, para alguns) de somar-se períodos intercalados de atividade rural, mito que será analisado em seguida.

Mito 9 - Não é possível somar períodos de atividade rural intercalados

Conforme já transcrito nos artigos 39 e 48, a exigência da lei é a comprovação da atividade rural pelo período imediatamente anterior ao requerimento, ainda que de forma descontínua. Logo, ainda que haja interrupção no labor agrícola, deve-se reconhecer o direito ao benefício.

Nesse sentido, a Instrução Normativa 45/10 traz interessante solução:

Art. 148. Para fins de concessão dos benefícios devidos ao trabalhador rural previstos no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, considera-se como período de carência o tempo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, correspondente ao número de meses necessários à concessão do benefício requerido, computados os períodos a que se referem os incisos III a VIII do § 5º do art. 7º, observando-se que: I - para a aposentadoria por idade prevista no art. 215 do trabalhador rural empregado, contribuinte individual e especial será apurada mediante a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou, conforme o caso, no mês em que cumprir o requisito etário, computando-se exclusivamente, o período de natureza rural; e II - para o segurado especial e seus dependentes para os benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte, auxílio-reclusão e salário-maternidade, a apuração da atividade rural será em relação aos últimos doze meses ou ao evento, conforme o caso, comprovado na forma do § 3º do art. 115. Parágrafo único. Entende-se como forma descontínua os períodos intercalados de exercício de atividades rurais, ou urbana e rural, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, observado o disposto no art. 145.

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Vejamos que, no entendimento da Autarquia, nem mesmo há perda da qualidade de segurado quando a atividade rural é intercalada com atividade urbana. Porém, a IN 45/10 exige que o segurado especial esteja na atividade rural ou na manutenção da qualidade de segurado (período de graça) quando preenche as condições para o benefício. Ainda que o segurado esteja na condição de segurado urbano, mas na manutenção da qualidade de segurado especial, nos termos do artigo 15 da Lei 8.213/91, terá direito ao benefício20. Essa interpretação – que exige condição de segurado rural – decorre da expressão “imediatamente anterior”, referindo-se à data em que o segurado requer o benefício ou completa as condições para requerê-lo. Ou seja, por isso o INSS entende inaplicável o artigo 3º da Lei 10.666/0321.

Em outro texto, já abordávamos essa matéria: Conclui-se que o INSS reconhece os períodos de atividade rural descontínua, ou seja, interrompidos por atividade urbana ou não, mas em que há o afastamento da atividade rural. Aqui, não se trata de usar provas de anos intercalados, mas de efetivamente interromper a atividade. E não há limite de período. Teríamos, por exemplo, uma pessoa que exerceu atividade rural dos 12 aos 27 anos, se afastou e somente retornou um ano antes de completar a idade para a aposentadoria. Não há óbice para que este benefício seja concedido, se o segurado apresentar provas (pelo menos uma de cada um dos dois períodos – o antigo e o recente) e for confirmada a atividade rural, após entrevista e oitiva de testemunhas22. Mas, encontramos na Jurisprudência certa resistência, por vezes,

colocando condições e prazos para computar períodos intercalados, não previstos em lei, como, por exemplo:

PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. TRABALHO URBANO. BENEFÍCIO INDEVIDO. VALOR INCERTO DA CONDENAÇÃO. REMESSA TIDA POR INTERPOSTA. 1. Porquanto de valor incerto a condenação contida no comando sentencial, resta inaplicável à espécie a regra inserta no

20Art. 149. Observado o disposto no  inciso  II do art. 148, para fins de benefícios de aposentadoria por  invalidez, auxílio‐doença,  auxílio‐acidente, pensão por morte, auxílio‐reclusão e  salário‐maternidade, o  segurado especial deverá estar em atividade ou em prazo de manutenção desta qualidade na data da entrada do requerimento – DER ou na data em que implementar todas as condições exigidas para o benefício requerido.  §  1º  Será  devido  o  benefício,  ainda  que  a  atividade  exercida  na  DER  seja  de  natureza  urbana,  desde  que preenchidos  todos  os  requisitos  para  a  concessão  do  benefício  requerido  até  a  expiração  do  prazo  para manutenção  da  qualidade  de  segurado  na  categoria  de  segurado  especial  e  não  tenha  adquirido  a  carência necessária na atividade urbana. 21   Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.  § 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício. 22 BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm; A Prova da Atividade rural. IN: BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm; FORTES, Simone Barbisan. Previdência do Trabalhador Rural em Debate. Curitiba: Juruá, 2009. P. 111‐133. 

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§ 2º do art. 475 do CPC. 2. Para a concessão do benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural é necessário o implemento do requisito etário bem como comprovação do efetivo exercício de atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 39, I e art. 48, ambos da Lei nº 8.213/91). 3. No caso, tendo o autor exercido atividade remunerada urbana por grande parte do período de carência do benefício pleiteado, ficou descaracterizada a condição de segurado especial que o legislador buscou amparar. 4. Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, providas. (TRF 01ª R.; AC 2008.01.99.052041-1; MT; Segunda Turma; Relª Desª Fed. Neuza Maria Alves da Silva; Julg. 24/08/2009; DJF1 04/12/2009; Pág. 135) CPC, art. 475 Em geral, períodos curtos não afastam a condição de segurado

especial: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. APOSENTADORIA POR IDADE DE TRABALHADOR RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR PEQUENO PERÍODO DE TEMPO DURANTE A CARÊNCIA DO BENEFÍCIO. IRRELEVÂNCIA ANTE O CONTEXTO PROBATÓRIO E A POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE DESCONTÍNUA. LEI N.º 11.960/2009. APLICAÇÃO APENAS AOS PROCESSOS AJUIZADOS APÓS SUA VIGÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS, EM PARTE, SEM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS MODIFICATIVOS. 1. Os embargos de declaração só terão lugar quando houver na sentença ou no acórdão obscuridade, contradição ou quando se tiver omitido algum ponto sobre que deveria levar em consideração, conforme prevê o art. 535 do Código de Processo Civil, ou ainda para corrigir eventuais erros materiais ou de fato, como tem se posicionado a jurisprudência do STJ. 2. Hipótese em que esta Primeira Turma entendeu, com base nos documentos acostados aos autos e nos depoimentos das testemunhas, que a autora/apelada comprovou o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, durante a carência exigida, preenchendo, assim, todos os requisitos necessários à obtenção de aposentadoria por idade de trabalhador rural. 3. Alegação de que houve omissões no julgado, em razão da falta de pronunciamento sobre (I) a existência de vínculo urbano mantido pela parte autora/apelada, nos idos de 1987, junto à Prefeitura Municipal de Reriutaba-PE; (II) a aplicação do art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com a redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, à hipótese dos autos. 4. Reconhecimento pela sentença recorrida (fl. 50) de que a parte autora trabalhou como gari no Município de Reriutaba por cerca de quatro meses, sendo este seu único vínculo de trabalho urbano. 5. Admitindo a Lei n.º 8.213/91, art. 40, parágrafo único, que

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a "comprovação de efetivo exercício de atividade rural será feita com relação aos meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua, durante período igual ao da carência do benefício", o exercício de atividade urbana pelo período de poucos meses não tem o condão de afastar o direito à aposentadoria rural pleiteada. 6. Inexistência de omissão quanto ao percentual dos juros de mora por entender esta Primeira Turma, com apoio na jurisprudência atual e consolidada do Superior Tribunal de Justiça, que a Lei n.º 11.960/2009 aplica-se tão-somente às ações ajuizadas depois de sua vigência 7. Embargos de declaração conhecidos e providos, em parte, para sanar a primeira omissão apontada, sem atribuição de efeitos modificativos. (TRF 05ª R.; APELREEX 7987; Proc. 2009.05.99.003563-8/01; CE; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira; DJETRF5 19/03/2010) CPC, art. 535 PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE DE TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DO PERÍODO DE CARÊNCIA E DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. 1. O art. 143 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.063, de 14.06.95, assegura ao trabalhador rural enquadrado como segurado obrigatório, na forma da alínea 'a' do inciso I, ou do inciso IV, ou VII do art. 11 desta Lei, a aposentadoria por idade, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. 2... 3. Quanto à atividade urbana exercida pelo suplicante, observo que, embora existam provas da atividade desenvolvida, tal fato não descaracteriza sua condição de rurícola, haja vista que tal atividade foi exercida de forma descontínua, e em tempo mínimo, provavelmente no período da estiagem, sendo assim, não poderia afastar a atividade rural de toda uma vida ou mesmo elidir o período legal equivalente ao de carência, já que, pelas provas acostadas aos autos, restou devidamente comprovado o labor rural durante aquele período. 4. Deve ser reconhecido o direito do suplicante à aposentadoria rural desde o requerimento administrativo, na forma do requerimento inicial. [...] (TRF 05ª R.; AC 490181; Proc. 2009.05.99.004175-4; PE; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira; DJETRF5 05/03/2010) PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. EXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Os embargos de declaração possuem abrangência limitada aos casos em que haja obscuridade ou contradição na sentença ou acórdão, ou quando for omitido ponto sobre o qual se devia pronunciar o Juiz ou Tribunal (art. 535, do CPC). 2. No caso, embora existam provas da atividade urbana desenvolvida pela autora (fls. 80), tal fato não descaracteriza

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sua condição de rurícola, haja vista que o referido labor foi exercido de forma descontínua, em período mínimo e anterior à carência do benefício. Sendo assim, não poderia afastar a atividade rural de toda uma vida ou mesmo elidir o período legal equivalente ao de carência, já que, pelas provas acostadas aos autos (fls. 08, 09, 18, 19, 20 e 67/68), restou devidamente comprovado o labor rural durante este período. 3. Precedentes desta egrégia Corte. 4. Embargos de declaração acolhidos, para sanar a omissão existente, negando-lhes, entretanto, os efeitos infringentes. (TRF 05ª R.; AC 462665; Proc. 2008.05.99.003734-5; CE; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas; Julg. 05/05/2009; DJU 01/07/2009; Pág. 270) CPC, art. 535 Subentende-se, porém, dessas decisões, que o período de

afastamento deve ser curto (conceito este indefinido) para que não prejudique o direito ao benefício como segurado especial.

Mito 10 – Não é possível somar tempo rural para benefício

urbano após 1991

O primeiro e mais importante argumento em defesa da possibilidade de somar-se tempo rural laborado após a Lei 8.213/91 ao período urbano (desde que o segurado tenha carência para o benefício) decorre da própria lei. O § 2° do artigo 55 admite computar como tempo de serviço o tempo de atividade rural anterior a novembro de 1991:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. O parágrafo transcrito reporta que o período anterior a novembro de

1991 (vigência da nova lei23), embora fosse de outro regime, passou a ser computado para o Regime Geral de Previdência Social. Não se pode ignorar que até a legislação que regulamentou a Constituição Federal (Leis 8.212/91 e 8.213/91) havia dois regimes distintos, sendo um específico para os trabalhadores rurais (Lei Complementar 11/71) e outro para os urbanos (Lei 3.807/60 e regulamentações).

A primeira grande transformação decorrente do mandamento constitucional que determina a unificação dos trabalhadores no Regime Geral de Previdência Social, conforme previa na sua redação original a CF:

23 Embora a lei 8.212 seja de julho de 1991, por força da própria Constituição Federal, a contribuição somente passa a ser exigida noventa dias depois (art. 195, §6°). 

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Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] § 1º - Qualquer pessoa poderá participar dos benefícios da previdência social, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários. A redação atual é ainda mais completa: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...] (grifo nosso) A unificação dos sistemas atende a um dos objetivos da Seguridade

Social: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - [...] II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; Embora a unificação tenha sido vontade do constituinte, somente

veio a se concretizar com a Lei 8.212, de 25 de julho de 1991, que instituiu o Sistema de Seguridade Social e o Plano de Custeio, complementada pela Lei 8.213, publicada na mesma data, que instituiu o Plano de Benefícios da Previdência Social. Assim, tínhamos, até novembro de 1991, dois regimes previdenciários: a Previdência Social Rural e a Previdência Social Urbana.

Ora, para que se pudesse computar, no Regime Geral, período laborado em outro regime previdenciário, fazia-se necessária a previsão legal. Assim como o é para a contagem recíproca. Ou seja, não decorre de simples lógica admitir, incluir, no Regime Geral períodos laborados sob outros regimes contributivos. Precisou a lei dispor expressamente.

Mas, se a lei recepcionou o tempo trabalhado sob outro regime, com regras contributivas bem diversas das atuais, não significa que não possa computar o período em que já estava no regime. Melhor dizendo: se possível é computar período em que o segurado não contribuiu para o sistema, não era sequer filiado à Previdência Social, mais ainda devemos admitir o cômputo do período a partir de 1991, quando o trabalhador rural contribui para o sistema e é filiado, segurado obrigatório. Basta observar o caput do art. 55, que nos permitimos reprisar:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que

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trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: (grifo nosso) Da análise do caput, verificamos que o tempo de serviço

compreende as atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta lei, o que nos parece bastante óbvio na medida em que o período no qual o segurado exerceu a atividade remunerada deva ser computado. Admite-se, até mesmo, por força de lei a inclusão dos períodos de contribuição para outros regimes (além do rural, o militar também se enquadra nessa situação) ou mesmo sem contribuição, como o tempo de serviço referente ao exercício de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não tenha sido contado para efeito de aposentadoria por outro regime de previdência social. Ora, se é possível computar o período de outros regimes, mais ainda o deve ser do próprio Regime Geral. Pensar diferente seria tratar de forma desigual os iguais (quem trabalhou antes e depois da lei).

Considerações finais De todo o exposto, podemos concluir que não é fácil

compreender as especificidades que cercam o segurado especial, como dito, figura ainda muito controvertida.

Vemos que há dificuldades no sentido de compreender os benefícios do segurado especial como previdenciários, ou seja, não assistenciais, quer seja explícita ou implicitamente.

Essa dificuldade decorre, grande parte, de uma inverdade muito repetida, que é de que o segurado especial não contribui. Basta observar a lei para concluir que, sim, ele contribui, sempre que há comercialização da produção.

Outros, como já exemplificamos, afirmam que a contribuição é insuficiente para pagar os benefícios, mas não se tem conhecimento de alguma análise atuarial para chegar a essa conclusão. Essa afirmação baseia-se na ausência do equilíbrio financeiro (mensal) que não pode servir de parâmetro, sem contar o alto índice de sonegação da contribuição. Mas ainda que se admita que a contribuição é insuficiente, isso não pode motivar a não concessão de benefícios.

A discriminação para com a atividade rural aparece com mais força quando um dos membros do grupo familiar tem outra fonte de renda, embora, administrativamente, a lei preveja que somente deve ser excluído da condição de segurado especial aquele que tem outra fonte de renda, e não todo grupo familiar. Aqui, precisamos respeitar o segurado especial como um trabalhador, segurado obrigatório e contribuinte, independentemente da condição dos demais membros da família.

É bem verdade que a lei prevê que o segurado especial deve contribuir, mas não se exige dele a prova de contribuição – assim como se exige do empregado apenas a prova do vínculo. Mas, muitas vezes, restringe-se a prova admitida à nota fiscal de venda da produção, sem levar em conta a ampla possibilidade de prova prevista no artigo 106 da Lei 8.213/91.

Da mesma forma, não há que se exigir uma prova por ano. Nesse sentindo, bastaria respeito à normatização, pois é manifesta quanto à exigência do início de prova material e não à documentação anual.

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Nem sempre a condição de vinculação com a terra, do segurado especial, é como proprietário. Contudo, para este a lei facilita. Já para os demais segurados as exigências são maiores. Chama a atenção o cadastramento dos segurados especiais, previsto no art. 38-A da Lei 8.212/91, que na sua regulamentação pela Instrução Normativa nº 45/10, presume segurado especial o proprietário de área inferior a quatro módulos fiscais, mas exige comprovação dos parceiros, meeiros, arrendatários.

A Autarquia admite, em Instrução Normativa, que se possa somar períodos de atividade rural para atingir o tempo necessário (igual ao da carência), porém, nem sempre isso é admitido na Jurisprudência. A interrupção da atividade não é vista com bons olhos pela Justiça. Já o INSS exige apenas que o segurado esteja na condição de trabalhador rural quando requer o benefício ou quando completou os requisitos e o total de meses de atividade rural.

Por fim, nem o INSS nem a Jurisprudência têm admitido computar período de atividade rural após novembro de 1991 para fins de benefício urbano, em que pese disposição expressa nesse sentido no texto da Lei 8.213/91.

Esses, como dito no início, são alguns dos mitos mais frequentes que interferem na concessão dos benefícios, quer seja através do reconhecimento administrativo, quer seja na discussão judicial.

Superar mitos não é fácil!

Referências

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