Segundo livro do Tratado sobre os animais e sobre a ...

26
MORUS – Utopia e Renascimento, v.11, n. 2, 2016 Segundo livro do Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem (1579), de Ambroise Paré. Apresentação e tradução dos capítulos XXI a XXVI Versão bilíngue Maria Célia Veiga França Faculdade Cidade de João Pinheiro (FCJP) Resumo Ao apresentar a simpatia e a antipatia existentes na relação entre os animais, Ambroise Paré mostra primeiramente quão obscura a natureza pode ser, para concluir que o entendimento humano incapaz de compreendê-la deve admirar a grandeza de Deus, o único que a conhece. O homem deve admirá- lo ainda pela excelência que ele lhe atribui e pela sabedoria que lhe fornece o que a condição natural lhe negou. O ser humano veio ao mundo nu, desprovido de armas e de artes, mas armado de um entendimento, de uma virtude e de uma razão que fazem sua superioridade e perfeição e, mais ainda, que o fazem conhecer Deus. Palavras-chave Ambroise Paré, natureza humana, natureza animal, perfeição humana Maria Célia Veiga França fez o mestrado em filosofia na UFMG sob a orientação de Telma de Souza Birchal, sobre o tema Razão e coração na antropologia de Rousseau (2002). No doutorado em História da Filosofia, na Université de Caen França, sob a orientação de Vincent Carraud, pesquisou o Conceito de natureza nos Ensaios de Montaigne (2008). Traduziu para o português o Pequeno tratado de sabedoria e o primeiro livro da Sabedoria de Pierre Charon. Fez o pós- doutorado também na UFMG, sob a direção de Telma de Souza Birchal, sobre o tema O selvagem como figura da natureza humana: o discurso da conquista americana (2012). Atualmente é professora na FCJP João Pinheiro/MG.

Transcript of Segundo livro do Tratado sobre os animais e sobre a ...

MORUS – Utopia e Renascimento, v.11, n. 2, 2016

Segundo livro do Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem (1579),

de Ambroise Paré. Apresentação e tradução dos capítulos XXI a XXVI

Versão bilíngue

Maria Célia Veiga França

Faculdade Cidade de João Pinheiro (FCJP)

Resumo Ao apresentar a simpatia e a antipatia existentes na relação entre os animais, Ambroise Paré mostra

primeiramente quão obscura a natureza pode ser, para concluir que o entendimento humano incapaz

de compreendê-la deve admirar a grandeza de Deus, o único que a conhece. O homem deve admirá-

lo ainda pela excelência que ele lhe atribui e pela sabedoria que lhe fornece o que a condição

natural lhe negou. O ser humano veio ao mundo nu, desprovido de armas e de artes, mas armado de

um entendimento, de uma virtude e de uma razão que fazem sua superioridade e perfeição e, mais

ainda, que o fazem conhecer Deus.

Palavras-chave

Ambroise Paré, natureza humana, natureza animal, perfeição humana

Maria Célia Veiga França fez o mestrado em filosofia na UFMG sob a orientação de Telma de

Souza Birchal, sobre o tema Razão e coração na antropologia de Rousseau (2002). No doutorado

em História da Filosofia, na Université de Caen – França, sob a orientação de Vincent Carraud,

pesquisou o Conceito de natureza nos Ensaios de Montaigne (2008). Traduziu para o português o

Pequeno tratado de sabedoria e o primeiro livro da Sabedoria de Pierre Charon. Fez o pós-

doutorado também na UFMG, sob a direção de Telma de Souza Birchal, sobre o tema O selvagem

como figura da natureza humana: o discurso da conquista americana (2012). Atualmente é

professora na FCJP – João Pinheiro/MG.

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

Le second livre, des animaux et de l’excellence de l’homme, de Ambroise Paré

(1579). Présentation et traduction des chapitres XXI à XXVI

Version bilingue

Maria Célia Veiga França

Faculdade Cidade de João Pinheiro (FCJP)

Résumé Lorsqu’il présente la sympathie et l’antipathie existante dans la relation entre les animaux,

Ambroise Paré nous montre combien obscure la nature peut être et en conclut que l’entendement

humain incapable de l’appréhender doit admirer la grandeur divine qui seule peut la connaître.

L’homme doit l’admirer aussi pour l’excellence qui lui est octroyée, et pour la sagesse qui supplée

ce que la condition naturelle lui a nié. L’être humain arrive nu et dépourvu d’armes et d’arts au

monde, mais muni d’entendement, de vertu et de raison. Cela fait sa supériorité et perfection et, qui

plus est, lui fait connaître Dieu.

Mots-clés

Ambroise Paré, nature humaine, nature animale, perfection humaine.

Maria Célia Veiga França a conclut son master en philosophie à l’UFMG sous la direction de

Telma de Souza Maria Célia Veiga França a fait son master en philosophie à l’Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG), sous la direction de Telma de Souza Birchal, sur le thème

Raison et cœur dans l’anthropologie de Rousseau (2002). Dans son doctorat en Histoire de la

philosophie, à l’Université de Caen, sous la direction de Vincent Carraud, elle a travaillé Le concept

de nature dans les Essais de Montaigne (2008). Elle a traduit le Petit traité sur la sagesse et le

premier livre de la Sagesse, de Pierre Charron, en portugais brésilien. Ses recherches de post-

doctorat ont développé le thème Le sauvage comme figure de la nature humaine : le discours de la

conquête américaine. Elle enseigne actuellement à FCJP – João Pinheiro/MG.

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

203 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

biografia Ambroise Paré é repleta de incertezas, notadamente

sobre a data de seu nascimento, que os autores estabelecem

entre 1509 e 1517. Ele é natural de Bourg-Hersent, vilarejo

próximo à cidade de Laval, no vale do rio Loire, filho de uma

família modesta cujo pai teria sido agricultor (apesar de alguns

historiadores sugerirem que seu pai era cirurgião barbeiro).

Enviado para a cidade de Laval para ser educado com um vigário que, ao que parece, o

teria tomado mais como doméstico do que como aprendiz, conseguiu, apesar de seu

desconhecimento do latim, tornar-se aprendiz do cirurgião-barbeiro do conde de Laval.

Alguns anos depois, deixou Laval e, com a intenção de seguir estudos mais sérios, se

mudou para Paris onde conseguiu integrar o Hotel Dieu (considerado o mais antigo

hospital de Paris) como barbeiro-enfermeiro. Em 1537, ele entra para o exército, na

qualidade de cirurgião, integrando o serviço do Marechal de Montejan. Faz várias

campanhas e passa a ser um reconhecido cirurgião do exército, onde ajustou suas

primeiras técnicas inovadoras. A técnica cirúrgica que lhe valeu maior reconhecimento

foi a substituição da cauterização com o ferro quente pela ligadura das veias e artérias,

depois da amputação de algum membro. Teve também a ideia, para determinar o lugar

em que as balas se localizavam no corpo de um ferido, de colocar a vítima na posição

em que se encontrava no momento do ferimento, além de ter desenvolvido inúmeros

instrumentos para o tratamento de fraturas. Seus métodos amenos seduziram os

soldados, fazendo sua reputação crescer até chamar a atenção dos reis. É assim que

depois de uma carreira como cirurgião militar, Paré se tornou cirurgião dos reis Henri II,

François II, Charles IX e Henri III. Humanista, ele buscava o cuidado com o paciente,

qualquer que fosse sua posição. Daì sua famosa frase: “Eu não pergunto se és católico

ou protestante, rico ou pobre, mas pergunto: qual é o seu mal?”. Considerado como o

pai da cirurgia moderna, antes de morrer, em 1590, ele começa a colocar por escrito a

maioria das experiências que teve em cirurgia, assim como suas principais descobertas.

Elucidou inúmeras questões de anatomia, de fisiologia e de terapêutica.

Autor extremamente culto e meticuloso, Ambroise Paré escreveu uma obra

gigantesca que abarcava grande parte do conhecimento médico então disponível. Talvez

por seu desconhecimento do latim, talvez de forma consciente como o fizeram outros

autores de seu tempo, integrou o movimento renascentista de abandono do latim para

divulgar a escrita em língua vulgar, no seu caso o francês. Dentre as inúmeras obras que

escreveu, as mais significativas para a área da medicina foram: O método para tratar

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 204

dos ferimentos causados por arcabuz e por outras armas à fogo (1545), O método

curativo das lesões e fraturas da cabeça humana com o retrato dos instrumentos

(1561), Cinco - e mais tarde - Dez livros de cirurgia com apresentação dos

instrumentos necessários (1564), Tratado sobre a peste, a varíola e a rubéola (1568) e

Sobre a geração do homem e a maneira de extrair os bebês do ventre de suas mães

(1573). Suas obras visaram sobretudo a medicina: escreveu muito sobre anatomia,

fisiologia, cirurgias, fraturas, ferimentos de guerra, mordidas e picadas venenosas;

descreveu as doenças que mais perturbaram sua época, relatou o parto, os instrumentos

médicos, os remédios e as curas conhecidas. Expôs também o processo de mumificação,

no tratado Discurso sobre a múmia, sobre o unicórnio, sobre os venenos e sobre a peste

(1584).

Apesar de conhecido como pai da cirurgia moderna, o texto escolhido para essa

tradução interessará talvez mais ao leitor da área de humanas do que o leitor da área

médica. Apesar de modesta face à discussão médica, apresentaremos uma outra face da

obra desse autor que, juntamente com o livro XIX (que retrata os monstros e os

prodígios), oferece a leitura feita por ele da natureza humana. Se no livro sobre os

monstros ele apresenta aquilo que é contra natureza, notadamente contra a natureza

humana, assim como discute a intervenção do sobrenatural benigno, mas sobretudo

maligno na natureza humana, no texto aqui traduzido veremos uma outra apresentação

da natureza humana, dessa vez em comparação com os animais. Apesar de

incontestavelmente inovador no âmbito da medicina, Paré representa uma filosofia e

uma visão de mundo altamente conservadoras, ainda predominantes em sua época.

Juntamente com Bodin, que partilha algumas de suas teses relativamente, por exemplo,

às bruxas e ao sobrenatural, ele vê o homem de forma absolutamente distante do animal

e, provavelmente, atestaria a escada dos seres (amplamente defendida por Raymond

Sebond e traduzida para o francês por Montaigne) na qual o homem está no topo por

sua superioridade e maior proximidade com a divindade. No caso da comparação com

os animais, seres irracionais criados para servir o homem, que é a única criatura

racional, Paré demonstra em poucas páginas a infinita distância entre a criatura feita à

imagem de Deus e o restante composto pelos outros seres. Tese que, apesar de

comumente aceita, começava a ser colocada em questão por alguns autores do

renascimento, como é o caso do filósofo francês Montaigne, ou do médico alemão

Agrippa. Talvez o fato de Paré advogar por uma visão de mundo tradicional que

começava claramente a ruir seja uma das razões para que hoje, tais autores sejam de

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

205 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

preferência trabalhados em comparação com autores como Montaigne, que já

vislumbravam, no mesmo período, o mundo moderno.

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem.

[75]

Capítulo XXI. Da antipatia e da simpatia

Uma vez descrita a natureza dos animais, pareceu-me pertinente mencionar algumas

coisas admiráveis no que diz respeito à simpatia e antipatia encontradas neles. Os

animais possuem amizade e inimizade não somente em vida, mas também depois da

morte, graças a uma propriedade oculta e secreta. Por esse meio, umas se atraem, outras

se repelem, outras travam uma guerra mortal desejando unicamente a ruína umas das

outras. Prova disso é o leão, príncipe dos animais, o mais forte e o que possui a maior

coragem entre todos os outros. Apesar de ser tão orgulhoso, cheio de animosidade e

furor, rugindo cruelmente contra os mais furiosos e terríveis, demonstra um medo

extraordinário do galo, como dissemos anteriormente. Não somente foge ao vê-lo, mas

também ao sentir seu cheiro de longe ou ao ouvi-lo cantar. O elefante possui um medo

semelhante do porco e um ódio dos ratos e camundongos; a tal ponto que, se percebe

que seu alimento foi tocado ou cheirado por um deles, não o comerá mais. O

rinoceronte e o elefante vivem em uma guerra mortal: [76] mas mesmo em fúria, se ver

ou perceber um carneiro, o elefante adia a guerra e se abranda. O cavalo tem tamanho

pavor, inimizade e temor do camelo que sequer suporta a presença daquele. O cachorro

odeia o lobo, a lebre o cachorro. A cobra teme o homem nu, mas o persegue quando está

vestido. A víbora vive em guerra perpétua com o porco da índia que se lambuza, cobre e

unta com lama de terra argilosa e depois seca-se ao sol. Assim armado com várias

couraças de terra, ele parte para o combate levantando seu rabo e apresentando sempre

as costas, até ver o momento adequado para jogar-se obliquamente na garganta daquela.

O que dissemos para a víbora, ele faz igualmente com o crocodilo. O lagarto verde é

inimigo jurado e capital da serpente, mas grande amigo do homem, como podemos ver

em belas histórias e discursos, ou lendo o diálogo escrito por Erasmo sobre as diversas

simpatias e antipatias entre as várias coisas. Esse diálogo encontra-se impresso graças à

harmonia do céu e da terra, trazido à luz por Antoine Mizault, homem de grande saber e

erudição. Há grande inimizade entre o homem e o lobo, declarada no fato de que, se o

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 206

lobo vê o homem antes do homem ver o lobo, aquele o faz perder a voz e o impede de

gritar. A doninha, quando deseja guerrear com sua inimiga víbora, perigosa espécie de

serpente, se premune e arma frente a qualquer evento com uma erva chamada arruda. O

macaco tem singular pavor, temor e horror da tartaruga, o que podemos facilmente

reconhecer na divertida estória tratada no diálogo de Erasmo, já mencionado. Da mesma

forma, a mortal e jurada inimizade existente entre a aranha, a serpente e o sapo. Coisa

cheia de deleite e singular diversão. Existe igualmente uma inimizade mortal entre a

coruja-do-mato e os corvos, a ponto de um não ousar mostrar-se durante o dia e só voar

e fazer suas provisões à noite para sobreviver à luz do dia. O pássaro do rio teme tanto o

falcão que quando o sente ou ouve seus chocalhos, prefere apanhar de paus e pedras do

que levantar vôo: o que vi inúmeras vezes. A cotovia, igualmente, deixa-se capturar

pelo homem com medo do esmerilhão, ou do falcão americano. O inimigo mortal da

ave de rapina é a águia. O peneireiro-vulgar [um tipo de falcão] amedronta naturalmente

os falcões americanos, de forma que evitam sua visão e seu som. O corvo e o papagaio

estão sempre em guerra, porque o corvo sempre rouba sua melhor carne. As galinhas

odeiam amargamente a raposa. O pintinho, mal sai do ovo, não teme o cavalo nem o

elefante, mas teme o falcão e, se o percebe, mesmo de longe, corre esconder-se sob as

asas da galinha. O cordeiro e o cabrito fogem na direção de suas mães quando sentem o

lobo, mesmo que nunca o tenham visto. Da mesma forma, existe tamanha antipatia

entre o cervo e a serpente que se aquele passar sobre o buraco onde a serpente se

esconde, para de uma vez, puxa-a para fora com a boca e a mata.

A amizade entre os animais não precisa ser escrita porque o vemos no dia-a-dia. Os

grous com os grous, os estorninhos com os estorninhos, os pombos com os pombos, os

pardais com os pardais. E o mesmo com todos os outros animais de uma mesma

espécie.

A inimizade implacável entre as ovelhas, os carneiros, os cordeiros e o lobo é tamanha,

mesmo depois da morte que, se fizermos dois tamborins: um com a pele da ovelha e a

outra com a pele do lobo, e os tocarmos ao mesmo tempo, o som do tamborim de ovelha

mal poderá ser ouvido; tão imortal é a inimizade e a discordância entre esses animais,

estejam eles vivos ou mortos. Alguns dizem que se um alaúde ou outro instrumento for

feito com as cordas do intestino de uma ovelha e de um lobo simultaneamente, será

impossível acordá-lo. Muitos afirmam ter tido a experiência de que a cabeça ou o rabo

de um lobo pendurado sobre o cocho ou manjedoura das ovelhas as impede de comer;

elas se mexem e espumam até que tudo seja retirado.

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

207 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

A grande contrariedade ou inimizade entre o rato e a doninha se manifesta no fato de

que, se acrescentarmos um pouco da substância do cérebro de uma doninha no coalho

para fazer queijos, nunca os ratos ou camundongos se aproximarão de tais queijos e não

poderão corromper-se. O tentilhão odeia tanto a ferreirinha que garantem que seu

sangue nunca se mistura. A pantera e a hiena vivem tamanha inimizade que, se

pendurarmos a pele de uma ao lado da pele da outra, o pêlo da pantera cai, mas o da

hiena permanece inteiro. O mesmo dizem das plumas e plumagens dos pássaros quando

misturadas às da águia, que as consome e acaba com elas, enquanto as suas [77]

permanecem inteiras. Um touro feroz e furioso, caso amarrado junto a uma figueira,

torna-se dócil e manso. Os besouros morrem com o cheiro das rosas. Se puxarmos com

as mãos a barba da cabra de um rebanho, as outras ficarão imóveis, deixarão de pastar,

ficarão surpresas e aterrorizadas até soltarem a barba daquela. A contrariedade não

existe somente entre animais, mas também entre plantas. O combate entre a couve e a

parreira, perniciosas uma à outra, é digno de consideração. A parreira, com seus brotos e

extremidades tortas, por mais acostumada que esteja a abraçar qualquer coisa, detesta a

couve a tal ponto que, quando se aproxima dela, vira para trás como se alguém a tivesse

advertido de que seu inimigo estava próximo. Já os olmeiros e os álamos, ao contrário, a

parreira os adora a tal ponto, que cresce e se torna abundante perto deles, seus brotos

sobem até o alto, abraçam os troncos se alegrando e oferecendo grande quantidade de

uvas. Existe uma combinação de macho e fêmea nas coisas vegetativas, como em todos

os tipos de plantas e árvores. Podemos vê-lo quando são plantadas umas perto das

outras porque fazem grande demonstração de sua amizade natural: os galhos do macho

se jogam fora de seu espaço natural para inclinar-se em direção à fêmea, como se

quisesse abraçá-la. Esta maravilhosa amizade das árvores é mais visível nas palmeiras

do que em qualquer outra, porque se a palmeira fêmea é plantada perto de seu macho, os

galhos e folhas de ambos se misturam e se unem de forma tão estreita que mal podemos

separá-los sem quebrar. As abóboras adoram a água e, se colocamos um vaso debaixo

do fruto que está dependurado na haste, ele se alonga tentando chegar até ela. Aliás,

vemos com frequência os curiosos colocarem vasos cheios de água sob a vinha, quando

o cacho começa a florir. E ele também parece florir quando está em um copo. O alho e a

cebola e, de modo geral, todas as plantas que possuem cabeça, mesmo se penduradas no

ar, quando as outras começam a germinar na terra também germinam e soltam um

cheiro forte, a menos que estejam rançosas, secas ou estragadas. Isso porque brota a

virtude natural, não criada, presente em cada uma delas. Se cozinharmos um javali ou

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 208

um cervo colocados na salmoura tempos antes quando esses animais estiverem no cio,

sua carne endurece e incha tanto no pote que, se ele estiver meio cheio, acaba

transbordando e soltando uma espuma mal cheirosa que torna difícil seu consumo. A

pele de bode depois de esfolada e seca, e depois do couro trabalhado pelos curtidores,

exala o cheiro de bode no período de cio e comunica com as cabras como faz o bode

vivo, demonstrando a grande simpatia e harmonia existente nas coisas naturais. A mera

disposição desses animais pode gerar a simpatia e afinidade da pele do morto para sentir

o vivo. Podemos dizer que a causa primeira e principal do mau cheiro está no hábito ou

no temperamento do corpo, mas a aumento da causa está no cio e na companhia das

fêmeas. O unguento de rosa e a água de rosa perdem, no período em que as rosas estão

em flor e vigorosas, a força e o cheiro que possuíam antes da floração e daquelas

atingirem a perfeição. Este é o protesto comum da natureza presente nas coisas que

acontecem por simpatia. Existem muitas outras antipatias e simpatias escondidas, que o

entendimento humano não consegue por conjectura nem por pensamento espreitar,

declarar as causas, ou sequer compreender. Elas jazem sepultadas na obscuridade da

natureza, em uma majestade escondida. Pelo fato do incompreensível poder da grandeza

de Deus ser o único a conhece-las, devemos antes admirá-las do que buscar resolvê-las.

O que mais dizer? Entre as plantas e animais existem os zoófitos, ou seja, plantas

animais que, como as esponjas, têm movimento, sentimento e cuja vida depende das

raízes agarradas às pedras. Entre os animais terrestres e aquáticos estão os anfíbios,

como o castor, a lontra, a tartaruga, o caranguejo, a lagosta, o camphur1 e o crocodilo.

Entre os aquáticos e os pássaros, estão os peixes voadores. Entre os outros animais e os

homens, estão os macacos. Já os corais, são plantas petrificadas que produzem raízes e

galhos.

[78]

Capítulo XXII. Como o homem é o mais excelente e perfeito dentre todos os outros

animais.

Consideremos quanta admiração devemos ao grande Deus artífice do universo pela

excelência do homem e por não ter atribuído aos homens e animais as mesmas

comodidades, sabendo que a sabedoria poderia fornecer ao homem o que a condição

natural lhe havia negado. Vindo ao mundo nu e sem armas (o que não acontece com os

animais dotados de chifres, dentes, cascos, garras, pêlos, plumas e escamas), para sua

1 N.T. Animal legendário, um unicórnio anfíbio.

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

209 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

grande vantagem e proveito, o homem foi armado de entendimento, de virtude e de

razão. Não por fora, mas por dentro. Sua defesa foi colocada não no corpo, mas no

espírito. De modo que nenhuma grandeza ou força animal, nenhuma firmeza de chifres

ou grande massa de carne e de osso que os compõe poderia impedir que fossem

capturados, domados e sujeitados ao poderio e autoridade humanos. O homem possui a

religião, a justiça, a prudência, a piedade, a modéstia, a clemência, a valentia, a

coragem, a fé e tantas outras virtudes inexistentes nos animais, como declararemos em

seguida.

O que escrevemos sobre a natureza dos animais não deve dar matéria aos naturalistas,

epicuristas e ateus que não possuem Deus, para concluir que não há diferença entre

homens e animais, mas sim mostrar que o homem só tem motivo para glorificar-se em

Deus. O que quer que digamos ou tenhamos dito sobre os animais e o homem, não há

ponto de comparação entre eles. Somente o homem possui em si mesmo tudo o que há

de excelente nos outros animais e é mais perfeito do que qualquer um deles. Criado à

imagem de Deus, por maior que seja a perda nele dessa imagem, sempre permanecerá

algum traço e raio do poder, da sabedoria e da bondade de Deus seu criador. Por mais

débil e fraca que seja a criatura humana com relação aos animais, para dizermos a

verdade, nenhum deles possui poder ou força dignos de comparação com os seus. Deus

imprimiu nele tal marca de seu poder que nenhum outro animal deixa de temê-lo, de se

sujeitar a ele ou ser obrigado a obedecer-lhe. Se parece, pelas coisas ditas aqui, que a

razão foi dada a todos os animais, ela foi dada somente para a conservação da vida

corpórea, mas ao homem ela foi dada para viver eternamente, como lembra Lactâncio.

Como a razão é perfeita no homem, ela é a sapiência e a sabedoria que o torna excelente

naquilo que somente a ele é dado: o entendimento das coisas divinas. A esse respeito

Cícero viu justo ao dizer que de todos os gêneros e espécies de animais nenhum, com

exceção do homem, tem o conhecimento de Deus. Para sua grande excelência, Deus lhe

deu a razão, a palavra e as mãos, três prerrogativas que o separam de todos os outros

animais, e o dotou da natureza mais singular dentre todas as suas criaturas. Pela razão o

homem encontrou primeiramente as coisas mais necessárias, impôs nome a tudo,

inventou as letras, erigiu as artes mecânicas e liberais. A ponto de medir a terra e os

mares, de deduzir ordenadamente a ampla massa do céu, a variedade e distinção dos

astros, a sequência dos dias, das noites, dos meses e dos anos continuamente

renascentes, assim como a observação do curso das estrelas e do poder que elas exercem

aqui em baixo. Escreveu suas leis e forjou todos os instrumentos das artes. Redigiu por

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 210

escrito memórias e especulações filosóficas que nos permitem hoje falar e discorrer com

Platão, Aristóteles e outros autores antigos.

Capítulo XXIII. O homem tem o corpo desarmado.

O homem tem o corpo inerme, desprovido de armas e a alma destituída de artes, mas foi

recompensado por estar nu e desarmado pela posse da mão e foi recompensado pela

falta de arte em sua alma pela posse da razão e da palavra. Equipado com essas três ele

arma, cobre e fortifica seu corpo com todas as coisas e enriquece sua alma com as artes

e as ciências. Se possuísse armas naturais, ele se limitaria a elas. Da mesma forma, se

por natureza possuísse alguma arte, nunca aprenderia as outras. Por ser-lhe mais

vantajoso servir-se de todas as armas e de todas as artes, a Natureza não lhe deu nem

uma nem outra. Por isso Aristóteles diz que a mão é o instrumento que ultrapassa [79]

todos os outros instrumentos. Da mesma forma, alguém imitando Aristóteles poderia

afirmar que a razão é a arte que ultrapassa todas as artes. A mão é o instrumento mais

nobre de todos os instrumentos pelo que ela pode fazer, manejar e trabalhar, ainda que

não seja nenhum dos instrumentos em particular. Da mesma forma, a razão e a palavra

não são nenhuma arte em particular, mas compreendem naturalmente todas as artes. Por

esse motivo a razão é uma arte que sobressai com relação a todas as demais. O homem é

o único entre os animais que possui em sua alma uma arte mais excelente do que

qualquer outra, qual seja, a razão; e possui legitimamente um instrumento mais nobre do

que qualquer outro, qual seja, a mão.

O homem, único animal divino entre todos sobre a terra, possui como única arma

defensiva as mãos que lhe servem de instrumento para todas as artes, não menos

convenientes em tempo de guerra do que em tempo de paz. Ele não precisou de chifres

naturais como o touro, nem de colmilhos como os javalis, nem de cascos como o

cavalo, nem de outra armas como outros animais; porque toma com suas mãos armas

melhores e mais vantajosas como a lança, a espada, a alabarda ou o pique, que cortam e

perfuram mais facilmente do que chifres e dentes. Tampouco precisou de cascos como o

cavalo, porque uma pedra ou uma alavanca forçam e dobram melhor do que o casco.

Além disso, só podemos utilizar o chifre ou o casco de perto. O homem se serve de suas

armas mais comodamente do que se serviria de um chifre, de perto ou de longe, como

no caso do arcabuz, da catapulta, da flecha e da alavanca. Mas, poderão dizer, o leão é

mais rápido e mais ligeiro do que o homem. Ora, o que se conclui disso? Com suas

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

211 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

mãos e sua sabedoria o homem domou o cavalo que é mais rápido do que o leão:

governando o cavalo ele caça e persegue o leão, recuando e fugindo ele escapa de sua

frente. Sentado sobre as costas do cavalo, lugar alto e elevado, ele seleciona, golpeia e

mata o leão com uma lança, com um pique, com uma pistola ou qualquer arma de sua

escolha. Portanto, o homem possui todos os meios para defender-se dos outros animais.

Ele se entrincheira não somente em um corselete, mas em uma casa, em uma torre ou

em uma muralha. Faz todas as armas com suas mãos, tece sua vestimenta, lança e puxa

a malha ou rede de pesca e faz qualquer outra coisa mais comodamente do que os

animais. Pelo poder que recebeu de Deus seu criador, domina todos os animais sobre a

terra. Carrega e torna obediente o elefante e faz o mesmo com aqueles que estão no mar

como a baleia, esse horrível e grande monstro que o homem mata e carrega para a

margem. O mesmo acontece com os que estão no ar: por mais longe que a águia esteja,

seu vôo não a salva do dardo. Em uma palavra, não existe animal que o homem não

ultrapasse, por mais armado de forças corporais ou provido de sentidos, como

demonstrado pelo grande poeta divino quando disse:

O faz reinar sobre obras tão belas

Com suas duas mãos, como senhor delas:

Verdadeiramente conseguiu sem qualquer exceção,

Colocar sob os pés tudo em sujeição.

Capítulo XXIV. Como Deus mostrou-se admirável na criação do Homem.

Deus mostrou-se admirável e excelente na criação do homem e na providência divina

que o circunda, mas não a manifestou tão grande com relação aos animais selvagens,

criados com a única finalidade de servir o homem. Podemos estimar o quanto ela é

maior no homem, quanto cuidado a mais ele recebe e de quantos dons ele é mais dotado

do que os animais selvagens, já que foi criado como o mais excelente. Como sua obra

prima, quis fazer reluzir entre os animais sua imagem, como a imagem de sua divina

majestade, incompreensível ao espírito humano. Não sem razão o homem foi chamado

de Pequeno mundo porque nele, como no grande mundo, todas as coisas reluzem pela

potencia, bondade e sabedoria de Deus. Ao criar o homem com as graças que lhe foram

concedidas, Deus fez a obra prima mais excelente e mais perfeita. Alguns sábios do

Egito chamam o homem de Deus terrestre, de Animal divino e celeste, de Mensageiro

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 212

dos Deuses, de Senhor das coisas inferiores, de Familiar dos superiores ou de Milagre

da natureza.

[80]

Capítulo XXV. A causa pela qual os homens não fazem presságios como os animais

A razão para os homens não possuírem tal sentimento, nem perceberem a mutação do

tempo, é que eles têm uma prudência natural que julga as coisas pelo discernimento.

Eles não seguem a disposição do ar nem do tempo, como os animais, podendo ser

felizes em tempo perturbado ou em tempestade assim como tristes no tempo bom ou

claro, seguindo as apreensões ou afeições devidas às suas ocupações. Já os animais não

são, como os homens, movidos para a alegria ou para a tristeza pelo julgamento, mas

pela adequação ou inadequação do tempo ao seu corpo e em função do momento de

relaxamento e abertura do que anteriormente estava fechado e apertado nele. Os animais

seguem a disposição do ar e do tempo, dando sinais do que sentem. Quanto ao fato dos

homens tomarem emprestado a voz dos animais, isso não desonra os homens mas ao

contrário os honra porque, ao imitarem todas as vozes, são preferíveis aos animais.

Eles regougam como as raposas

Eles miam como os gatos

Eles grunhem como os porcos

Eles mugem como os bois

Eles cantam como as baleias

Eles relincham como os cavalos

Eles crocitam como os corvos

Eles cantam como o rouxinol

Eles uivam como os lobos

Eles bramem como os ursos

Eles rugem como os leões

Eles estrilam como os grilos

Eles cantam como as cegonhas

Eles cocoricam como os galos

Eles cacarejam como as galinhas

Eles piam como os pintos...

Para dizê-lo em uma palavra, os homens imitam os sons de todos os animais. E o fato

dos pássaros cantarem não é nada comparado aos músicos que, ecoando juntos,

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

213 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

produzem uma voz tão melodiosa e agradável de se ouvir até mesmo para o ouvido de

reis e príncipes, e incomparavelmente mais harmoniosa do que a que os pássaros

poderiam fazer juntos. Mais ainda, o homem domestica não somente os animais

domésticos, mas também os selvagens e os mais estranhos de todos como elefantes,

leões, ursos, tigres, leopardos, panteras, crocodilos entre outros. Plutarco o testemunha

com relação aos crocodilos, que são os animais mais desumanos e cruéis que possamos

encontrar.

[81] Os crocodilos, diz, não só conhecem a voz dos homens que os chamam, mas ainda

aceitam que mexam com eles, abrem grande a boca e mostram os dentes para que esses

os limpem com as mãos e lavem com um pano. Apesar da natureza ter ensinado aos

animais a ciência da medicina, é muito pouco o que sabem comparado ao que pode

saber um só homem com o mínimo estudo de medicina ou com a menor experiência que

tiver. É verdade que os animais não aprendem a medicina com os homens, ainda mais

que não possuem um entendimento como eles. O que está escrito sobre os elefantes

possuírem alguma religião não significa que adoraram o Sol e a Lua como se tivessem o

conhecimento de Deus, conhecimento colocado unicamente no coração dos homens e

não nos animais selvagens. Falando mais propriamente, os animais não possuem

nenhum conhecimento de Deus emanado da luz e razão que os capacitam para tal

conhecimento, já que ele só foi concedido ao homem. Mesmo que o elefante se vire em

direção ao sol e pareça adorá-lo, não o adora por inteligência, nem por fé, nem por

acreditar que o sol seja seu Deus e que tenha a obrigação de honrá-lo e reverenciá-lo: o

faz por instinto e movimento da natureza. Ele está naturalmente disposto a este instinto

pela conveniência do sol com sua natureza e pelo bem que sente com isso, sem todavia

pensar no que faz e sem que qualquer religião o induza, a não ser pelo fato de que a

natureza o conduz. Assim, quando lhes atribuímos religião, não a tomamos em sua

significação própria mas como maneira de dizer, por abuso de linguagem, por

comparação e em razão da semelhança e da forma de agir dos elefantes.

Capítulo XXVI. O homem tem a destreza para aprender todas as línguas

O homem possui tamanha destreza que não só aprende as diferentes linguagens

existentes entre os de sua espécie, mas aprende a linguagem dos pássaros. Vemos

sujeitos imitarem o canto dos pássaros, a voz de qualquer um dos animais, como

dissemos acima, e até compreenderem o vocabulário de outros animais. Vejamos o

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 214

exemplo do filósofo Apolônio, excelente nessa ciência. Um dia, acompanhado de vários

amigos, observava com eles os pardais pousados sobre o galho de uma árvore, aos quais

veio juntar-se um outro pardal, vindo de alhures. Ele [82] gorjeou em meio aos outros,

partiu, e todos o seguiram. Vendo isso ao lado dos outros, Apolônio disse aos que

estavam com ele: esse pardal anunciou a seus companheiros que um burro carregado de

trigo caiu perto da porta da cidade e que o trigo estava derramado no chão. Ouvindo

aquilo os amigos de Apolônio quiseram confirmar se dizia a verdade e foram ao lugar

indicado. Ali encontraram a coisa como o filósofo tinha dito, ao mesmo tempo que

encontraram os pardais que vieram comer o trigo.

Quanto aos corvos, gralhas e outros pássaros que falam e reproduzem o som da voz

humana para mascarar seu canto, pio ou sopro, eles logo dizem tudo o que sabem e que

aprenderam durante muito tempo. Por mais que saibam gorjear, permanecem animais

brutos sem razão. Ao homem - que deseja sempre saber e nunca se contenta do

conhecimento das coisas pertencentes à vida presente, mas pergunta pelas coisas mais

elevadas, celestes e divinas - foi naturalmente dada a razão para elevar-se acima dos

animais. Prova de que a natureza do homem e a alma que lhe foi dada é bem diferente

da dos outros animais, que não pode ser conhecida. O homem tem na alma três

potências principais que colaboram necessariamente para toda e qualquer ação louvável

ou virtuosa: o entendimento, a vontade e a memória. Uma para compreender o que se

deve fazer, outra para executá-lo e a memória como fiel tutora que guarda no

entendimento o que foi concluído e fixado. Alguns filósofos chamaram a memória de

tesouro da ciência, porque é como um gabinete que guarda o que aprendemos e vemos.

Essa capacidade e perfeição são graças singulares e dons especiais provindos da

sabedoria divina do espírito santo, não concedidos aos animais. E serão amplamente

desenvolvidos no livro sobre a geração, que traz as faculdades da alma. Concluindo, o

homem é engenhoso, sábio, sutil, memorável, cheio de conselho e excelente por sua

condição. Criado pelo Deus soberano, ele é o único animal ornado com razão e

inteligência, das quais os outros animais foram privados. No homem reluz a imagem da

essência divina não encontrada em nenhuma outra criatura.

Sentença de Eurípides:

O homem possui pouca força no corpo,

Mas prudência e razão natural

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

215 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

Vai cativando até o fundo do mar

Sobre a terra também se eleva sobre as espécies

Onde mais existe astúcia e sutiliza.

Le second livre, des animaux et de l’excellence de l’homme

Ambroise Paré

[75]

Chap. XXI. De l’Antipathie & Sympathie

Apres avoir descrit la nature des bestes, il m’a semblé n’estre hors de propos, mettre icy

certaines choses remarquables, qui se trouvent entre icelles, touchant leur sympathie &

antipathie: c’est à dire, qu’elles ont une certaine amitié & inimitié, non seulement estans

en vie, mais aussi apres leur mort, par une oculte & secrette proprieté: au moyen dequoy

les unes se cherchent, les autres se fuyent, autres se font guerre mortelle, ne demandans

que la ruine les unes des autres. Et pour preuve de ce, le Lyon prince des bestes, qui est

le plus fort, & de plus grand coeur que toutes les autres: & combien qu’il soit aussi fier,

& plein de grande animosité & fureur, rugissant & cruel contre les furieuses & terribles,

neantmoins il a une peur merveilleuse du Coq, comme nous l’avons dit cy dessus. Car

non seulement il le fuit en le voyant, mais aussi en le sentant de loing, ou l’oyant

chanter. L’Elephant a une semblable peur du Pourceau aussi, ayant une telle haine aux

rats & souris, que s’il apperçoit sa pasture estre touchee ou sentie d’iceux, il ne la

voudra toucher. Le Rhinoceros & l’Elephant ont une guerre mortelle, lequel Elephant

[76] estant en furie, la remet, & s’addoucit ayant veu & apperceu un Mouton. Le Cheval

a telle horreur & inimitié, & crainte du Chameau, qu’il ne peut soustenir sa presence. Le

Chien hait le Loup, le Lievre le Chien: la Couleuvre craint l’homme nud, & le poursuit

estant vestu. L’Aspic a une perpetuelle guerre contre le Rat d’Inde, lequel se barbouille,

couvre & enduit de limonde terre grasse, puis se seiche au Soleil: & estant ainsi armé de

plusieurs cuirasses de terre, il marche au combat, eslevant sa queue, presentant tousjours

le dos, jusques à ce qu’il aye espié la commodité de se jetter de travers à sa gorge: ce

qu’il faict pareillement au Crocodile, comme nous avons dit de l’Aspic. Le Lezard verd

est ennemi juré & capital du Serpent, & grand amy de l’homme, ainsi que par plusieurs

belles histoires & discours on le pourra voir & cognoistre en lisant un Dialogue escrit

par Erasme, des diverses sympathies & antipathies de plusieurs choses: lequel Dialogue

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 216

se trouve imprimé, avecques l’Harmonie du ciel & de la terre, n’agueres mise en

lumiere par Antoine Mizault, homme de grande recherche, & erudition. Il y a une

grande inimitié & contrarieté entre l’Homme & le Loup, laquelle se declare en ce que, si

le Loup voit l'Homme, premier que l'Homme le Loup, il luy fait perdre la voix, &

l’empesche de crier. La Belette voulant faire guerre à son ennemy l’Aspic, qui est une

dangereuse espece de serpent, se premunit & arme devant toutes choses de l’herbe

appellee Rue. Le Singe a une singuliere frayeur, crainte & horreur de la Tortue, ainsi

qu’on le pourra facilement cognoistre d’une plaisante histoire traictee au Dialogue

d’Erasme, cy devant allegué: Comme aussi la mortelle, & juree inimitié qui est entre

l’Araignee, le Serpent & Crapault: chose pleine de plaisir, & singuliere recreation. Il y a

pareillement une mortelle inimitié entre le Chahuan & les Corneilles, de façon qu’il

n’ose se monstrer le jour, & ne vole que de nuict, faisant ses provisions la nuict pour

vivre le jour. L’Oiseau de riviere craint si fort le Faucon, que s’il le sent, & oit ses

sonnettes, se laisse souvent assommer à coups de baston, & de pierre, plustost que

s’eslever: ce que j’ay veu plusieurs fois. L’Alouette semblablement se laisse prendre à

la main de l’homme, de peur qu’elle a de l’Emerillon, ou Espervier. L’Aigle a pour

ennemy mortel l’Oiseau de proye. La Crescerelle de son naturel espouvente les

Espreviers, de sorte qu’ils fuyent sa veue, & sa voix. Le Corbeau & le Millan ont

toujours guerre: car le Corbeau luy ravit toujours sa meilleure viande. Les poullailles

haïssent amerement le Renard. Le petit Poullet, n’estant à grand peine esclos, ne craint

ny le Cheval, ny l’Elephant, mais il craint le Millan: de sorte que l’ayant apperceu, voire

de bien loing, soudain court & se cache sous les ailes de la Poulle. L’Aigneau & le

Chévreau s’enfuyent vers leurs meres, s’ils sentent le Loup, combien que jamais ne

l’ayent veu. Pareillement il y a une telle antipathie entre le Cerf & le Serpent, que le

Cerf passant par dessus le trou où se retire le Serpent, s’arreste tout court, & par son

haleine l’attire hors & le tue.

Or quant à l’amitié qu’ont les bestes ensemble, cela ne merite estre escrit, parce qu’on le

voit ordinairement: les grues avec les grues, les estourneaux avec les estourneaux, les

pigeons avec les pigeons, les moineaux avec les moineaux: & ainsi de toutes les autres

bestes de mesme espece.

Inimitiez implacables sont entre les Brebis, Moutons, Aigneaux, & les Loups, voire si

grandes, qu’apres la mort des uns & autres, si deux tabourins sont faicts, l’un de peau de

Brebis, & l’autre de Loup, estans sonnez & frappez tous deux ensemblément, bien

difficilement se pourra ouyr le son de celuy de Brebis, tant sont immortelles les

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

217 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

inimitiez & discordances de ces Animaux, soyent vifs ou morts. Mesmes aucuns

estiment, que si un Luth ou autre instrument, est monté de cordes faictes de boyau de

Brebis & de Loup, il sera impossible l’accorder. Plusieurs disent avoir espouvé, que la

teste ou queuë du Loup pendue sur la mangeoire ou creche des Brebis, ou bien cachee

en leur estable, pour la peur & frayeur qu’en conçoivent les dites Brebis, elles ne

pourront manger, & ne feront que se mouvoir, & petiller, jusques à ce que tout soit

dehors.

Il y a une grande contrarieté & inimitié entre les Rats & la Belette, laquelle inimitié se

manifeste en ce, que si l’on adjoute quelque peu de la substance de la cervelle d’une

Belette, avecques la preseure pour faire formages, jamais les Rats ou souris

n’approcheront de tels formages, & ne se pourront aucunement corrompre. La Linotte

hait tellement le Bruant, que l’on tient pour asseuré, que leur sang ne se mesle jamais.

La Panthere & Hyene ont une si grande inimitié, que si les peaux de toutes deux sont

pendues vis-à-vis l’une de l’autre, tout le poil de la Panthere cherra, demeurant en son

entier celuy de la Hyene: Tout ainsi que l’on dit estre des plumes & plumages des

oiseaux meslez avec celles de l’Aigle: car elle les consomme & met à neant, les siennes

[77] demeurans en leur entier. Un Toreau farouche & furieux, attaché à un figuier,

devient doux & approvoisé. Les Escarbots meurent à l’odeur des roses. Si on tire avec

les mains la barbe d’une Chévre, rangee au troupeau d’autres, tout s’arrestera, & lairra

sa pasture, & toutes deviendront estonnees, & ne cesseront de s’emarmeller, jusques à

ce qu’on l’aye laissee. Il ne se treuve seulement contrarieté entre les animaux, mais

aussi entre les plantes. Exemple du Chou & de la Vigne, Le Chou & la Vigne sont

pernicieux l’un à l’autre, & leur combat est digne d’estre consideré. Car combien que la

Vigne par ses tendrons ou capreoles tortus, soit accoustumee d’embrasser toutes les

choses, neantmoins ele hait le Chou, tant grande est l’inimitié qu’elle porte à cette

plante, que seulement pres de soy, ele se retourne en arriere, comme si quelqu’un l’avoit

admonestee, que son ennemy fust pres d’elle. Au contraire aime les Ormeaux, & les

Peupliers, voire si heureusement, qu’elle croist & se faict plantureuse aupres d’eux: car

elle estant pres d’eux, espart ses tendrons montant en haut, & embrasse comme liens les

branches, & ainsi s’esgayant apporte foison de raisins. Il y a une combination de leur

naturelle amitié: car les branches du masle se jettent hors de leur lieu naturel, pour

s’encliner vers sa femelle, comme s’il la vouloit embrasser. Ceste merveilleuse amitié

d’arbres se monstre fort aparente en la Palme plus qu’en nulle autre: car si la Palme

femelle est plantee pres son masle, les branches & fueilles d’iceux s’entremeslent &

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 218

joignent si estroitement ensemble, qu’à peine on les pourroit disjoindre sans les rompre.

Les Citrouilles aiment l’eau, en sorte que si on met un vaisseau sous leur fruict, estant

pendu à leur tige, il s’allongera cuidant aller à l’eau: ce qu’on voit journellement à ceux

qui sont curieux, mettre des vaisseaux remplis d’eau dessous le vin, quand la grappe

commence à fleurir. Il semble aussi fleurir lors qu’il est en un voirre. Les Aulx ou

Oignons, & generalement toutes plantes ayans teste, lors que les autres commencent à

germer dedans la terre, mesmes pendus en l’air, germent & sentent tresfort, pourveu

qu’elles ne soient rances, seiches & pourries. Car la vertu naturelle, & ingeneree, qui est

dedans les unes & les autres, alors survient. D’avantage, le Sanglier, & le Cerf, lors

qu’ils sont en rut, & qu’on en ait mis au falloir long temps auparavant, les faisant cuire,

s’endurcissent & enflent si fort dans le pot, qu’iceluy n’estant qu’à demy plein, s’enfuit

par dessus, jettant une escume de mauvaise odeur, de sorte qu’à peine on en peut

manger. La peau de Bouc escorchee, seichee & conroyee par les taneurs, sent le

boucquin en la saison que les Boucs sont en rut, conversans avec les Chévres, ainsi

comme faict le Bouc vivant. Ce qui demonstre une grande sympathie & harmonie aux

choses naturelles. La disposition seule de ces bestes peut faire ceste sympathie, &

similitude de sentir la peau du mort & en un autre vivant. Parquoy on peut dire, que la

première & principale cause de mal-sentir est en icelle habitude & temperament du

corps: mais l’accroissement de la cause est en la coïtion & compagnie de leurs femelles.

L’onguent rosat, & eau rose perdent leur force & odeur au temps que les roses sont en

fleur & vigueur, qu’ils avoyent au paravant qu’ils fussent fleuries, & parvenues à

perfection: ce qui se fait par une doleance mutuelle de nature, qui est entre les choses

qui se font par sympathie. Il y a plusieurs autres antipathies & sympathies cachees,

desquelles la conjecture & pensee de l’humain entendement ne peut fureter & declarer

les causes, ny les comprendre: car elles gisent ensevelies en l’obscurité de nature, & en

une majesté cachee. Au moyen de quoy plustost on les doit admirer, que rechercher sa

confusion: car elles sont seulement cogneuës de l’incomprehensible puissance de la

grandeur de Dieu.

Que diray-je de plus? Entre les plantes & les animaux sont les Zoophytes, c’est à dire,

plante-bestes, qui ont sentiment & mouvement, tirans leurs vies par leurs racines

attachés contre les pierres, comme les Esponges. Entre les animaux terrestres &

aquatiques sont les Amphibies: comme sont les Biévres, Loustres, Tortues, Cancres,

Escrevisses, Camphur, & Crocodile. Entre les aquatiques & les oiseaux, sont les

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

219 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

Poissons volans: & entre les autres bestes & les hommes, sont les Singes. Les Corails

sont plantes lapidifiees, qui produisent racines & branches.

[78]

Chap. XXII. Comme l’Homme est plus excelent & parfaict que toutes les bestes

ensemble.

Maintenant nous viendrons a deduire la grande excellence de l’Homme, & que ce grand

Dieu, facteur de l’Univers, est grandement à admirer: qui n’a point attribué à l’Homme

certaines commoditez, comme il faict aux Animaux, sçachant que la sapience luy

pouvoit rendre ce que la condition de Nature luy avoit denié. Car encore qu’il vienne

nud sur terre, & sans aucunes armes (ce qui n’advient aux bestes, qui ont cornes, dents,

ongles, grifes, poil, plume, & escailles) il est pour son grand profit & avantage armé

d’entendement, & vestu de raison, non par dehors, mais par dedans: a mis sa defense,

non au corps, mais en l’esprit: de sorte qu’il n’y a grandeur, ny force des bestes, ny la

fermeté de leurs cornes, ny la grande masse de chair & d’os, dequoy ils sont composez,

qui puisse empescher qu’ils ne soyent domtez, ou prins, & assubjetis sous la puissance

& authorité de l’Homme. En luy se trouve religion, justice, prudence, pieté, modestie,

clemence, vaillance, hardiesse, foy, & telles vertus, bien autres & differentes, qui ne

sont trouvees aux Animaux, ce qui sera declare presentement.

Tout ce que nous aurons escrit de la nature des bestes, n’est pour donner matiere aux

Naturalistes, Epicuriens & Atheistes, qui sont sans Dieu, de conclurre par ces raisons,

qu’il n’y a point de difference entre les hommes & les bestes: mais pour monstrer à

l’homme, qu’il n’y a matiere de se glorifier qu’en Dieu. Car quelque chose que nous

ayons dite des bestes & de l’homme, il n’y a point de comparaison de luy à elles. Car

l’homme tout seul a en soy tout ce qui peut estre excellent entre tous les autres animaux,

& est plus parfaict que nul d’eux. Car puis qu’il a esté creé à l’image de Dieu, il n’est

possible, quelque abolition qu’il ayt en luy de ceste image, qu’il n’y en soit demeuré

quelque traict & rayon de la puissance, sagesse, & bonté de Dieu son createur. Et jaçoit

qu’il soit une creature fort debile & foible, au pris de certains animaux, toutesfois ils

n’ont puissance ne force digne de comparer à la sienne, si nous en voulons parler à la

verité. Car Dieu a imprimé en luy un tel charactere de sa puissance, qu’il n’y a nul de

tous les autres animaux, qui ne le craignent, & qui ne luy soyent subjects, & contrains

de luy obeyr. E nonobstant qu’il semble par les choses devant dites, que la raison ayt

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 220

esté donnee à tous animaux, toutesfois, comme dit Lactance, elle a esté donnee

seulement pour la conservation de leur vie corporelle, mais à l’homme pour vivre

eternellement. Et pource que celle raison est parfaicte en l’Homme, elle est comme

sapience & sagesse, qui le fait excellent en ce, qu’à luy seul est donné à entendre les

choses divines : de laquelle chose Ciceron a eu vraye opinion, disant, qu’en tous les

genres & especes d’animaux il n’y en a aucun, excepté l’Homme, qui ait cognoissance

de Dieu. Et luy a donné par grande excellence Raison, la Parolle, & les Mains : & par

ces trois prerogatives, l’a separé des autres animaux, & doüé d’une nature plus

singuliere, que pas une des autres creatures. Il a trouvé premierement par raison les

choses plus necessaires. Il a imposé nom à toutes choses, inventé les lettres, dressé les

arts mechaniques & liberaux, jusques à mesurer la terre, & la mer, reduire par

instruction la tres-ample masse du ciel, & la varieté & distinction des astres, &

l’entresuite des jours & nuits, mois & ans, continuellement renaissans, & l’observation

du cours des Estoilles, & leur pouvoir qu’elles ont icy bas. Il a escrit les memoires, &

speculations des Philosophes, tellement que par ce moyen nous pouvons maintenant

parler & discourir avec Platon, Aristote & autres anciens autheurs.

Chap. XXIII. L’Homme a le corps desarmé.

Or comme l’homme a le corps desarmé, & despourveu d’armes, aussi a-il l’ame

destituee d’arts : Et en recompense de ce qu’il est nud & desarmé, il a la main, & en lieu

que son ame n’a aucun art, il a la raison & parolle : & de ces trois estant garny, il arme

son corps, le couvrant & remparant en toutes choses, & enrichist son ame de tous arts &

sciences. Or s’il avoit quelques armes naturelles, il auroit tousjours celles-là seules :

semblablement si de nature il sçavoit quelque art, il n’apprendroit jamais les autres.

Pource donc qu’il luy estoit trop meilleur s’aider de toutes armes, de tous arts, Nature ne

luy a donne ne l’un ne l’autre : parquoy Aristote dict de bonne grâce, la main estre

l’instrument qui surpasse [79] tous autres instrumens. Et semblablement quelqu’un à

l’imitation d’Aristote, pourroit dire : La raison estre un art, qui surmonte tous les arts.

Car ainsi que la main est instrument plus noble que tous instrumens, pour ce qu’elle les

peut faire, manier, & mettre en besogne, combien qu’elle ne soit aucun des instrumens

particuliers : aussi la raison & la parolle n’estant aucun art particulier, les comprend

naturellement tous. A ceste cause, la raison est un art qui avance tous les autres.

L’Homme donc seul entre tous les animaux, ayant en son ame un art plus excellent que

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

221 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

tous autres, à sçavoir, la raison, à bon droit possede un instrument plus noble que tous

autres, sçavoir, la main.

Et ainsi l’Homme animal seul divin entre tous ceux qui sont en terre, pour toutes armes

defensives, a les mains, qui luy sont instrumens à tous arts, & non moins convenables

en guerre qu’en paix. Il n’a eu besoin de cornes naturelles, comme le Toreau, ny de

defenses, comme le Sanglier, ny d’ongles comme le Cheval, ny autres armes, ainsi

qu’ont les bestes : car il peut prendre avec ses mains des armes, qui sont meilleures,

comme une picque, une espee, une hallebarde, une pertuisane, qui sont armes plus

avantageuses, qui coupent & percent plus aisément que les cornes, & les dents. Il n’a eu

aussi besoin des ongles comme le Cheval : car un caillou ou un levier assenent &

froissent mieux qu’un ongle. En outre, on ne se peut ayder de la corne ou de l’ongle,

que de pres : mais les hommes se servent de leurs armes de pres, & de loing, comme

d’une harquebute & d’une fronde & flesche, & d’un levier plus commodément que

d’une corne. Voire mais, dira quelqu’un, le Lyon est plus viste & leger que l’Homme.

Et bien, que s’ensuit-il pour cela ? L’homme avec sa main & sa sagesse, qui aura domté

le Cheval, animal plus viste que le Lyon, maniant le Cheval, il chasse & poursuit le

Lyon : en reculant & fuyant il se sauve de devant luy : estant assis sur le dos du Cheval,

comme en lieu haut & relevé, il choisist & frappe, & tue le Lyon d’un espieu, ou d’une

pertuisane, ou d’une pistole, ou autre arme qu’il voudra choisir. Et partant l’Homme a

tous moyens de se defendre des autres animaux : il ne se rempare point seulement d’un

corcelet, mais d’une maison, d’une tour ou rempart. Il faict toutes armes avec ses

mains : il ourdist un habillement, il lance & tire un rets, & un filet à pescher, & fait

toutes autres choses plus commodément que les animaux, & par la puissance qu’il a euë

de Dieu son createur, il domine sus les Animaux qui sont en terre. Il charge l’Elephant,

& le rend en son obeïssance, mais aussi ceux qui sont en la mer, comme cest horrible

monstre & grand, la Balaine la tue & l’ameine au rivage. Pareillement ceux qui sont en

l’air : car le vol ne sauve l’Aigle du traict de l’Homme, combien que de loing il jette sa

veuë. Et pour le dire en un mot, il ne se trouve beste, tant soit elle armee de forces de

corps, ou pourveuë de sens, que l’Homme ne vienne au dessus. Ce qui est prouvé par le

grand Poëte divin quand il dit :

Regner le fais sur les œuvres tant belles

De tes deux mains comme Seigneur d’icelles :

Tu as de vray sans quelque exception,

Mis sous ses pieds tout en subjection.

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 222

Chap. XXIIII. Comme Dieu s’est monstré admirable en la creation de l’Homme.

Dieu s’est monstré admirable & excellent en la creation de l’homme, & en sa

providence autour d’iceluy. Car il ne l’a manifesté si grande aux bestes brutes,

lesquelles il n’a creées sinon que pour servir l’homme. Nous pouvons bien estimer

combien elle est plus grande autour des hommes, & quel soing il en a d’avantage, & de

quels dons il les a doües plus que les bestes brutes, veu qu’il les a creez les plus

excellens de tous les animaux : Et comme son chef-d’œuvre entre iceux, il a voulu faire

reluire son image, comme une image de sa majesté divine, incomprehensible à l’esprit

humain. Parquoy il n’a pas esté sans bonne cause appellé d’aucuns anciens Petit monde,

à raison qu’en iceluy, comme au grand monde, toutes choses reluisent, par la puissance,

bonté, & sagesse de Dieu. Dieu creant l’homme, a faict un chef-d’œuvre d’une plus

excellente perfection que tout le reste, à cause des graces qu’il luy a donnees. Quelques

sages d’Egypte appellerent l’homme Dieu terrestre, Animal divin & céleste, Messager

des Dieux, seigneur des choses inferieures, familier des superieures, & finalement

Miracle de nature.

[80]

Chap. XXV. La cause pourquoy les Hommes ne presagent comme les animaux.

La cause pourquoy les Hommes n’ont tel sentiment, pour appercevoir la mutation du

temps, c’est parce qu’ils ont prudence naturelle, par laquelle ils jugent des choses par

certain jugement. Ils ne suivent pas la disposition de l’air, & du temps, comme les

bestes : & pource ils pourront estre joyeux en temps trouble & tempestueux, tristes en

beau temps & clair, selon leurs apprehensions, & affections, qu’ils auront selon leurs

affaires. Mais les bestes sont esmeuës à joye ou à tristesse, non pas par jugement

qu’elles ayent, comme les hommes, mais selon que le temps est propre ou mal-

convenable à leurs corps, & selon que maintenant il se relasche & ouvre en elles, ce qui

estoit au paravant clos, & serré en leurs corps : & par ainsi elles suivent la disposition

de l’air & du temps, & donnent signe de ce qu’elles sentent. Et quand à ce que les

hommes empruntent la voix des bestes, cela n’est pas au deshonneur des hommes, mais

à leur grand honneur : car ils sont à preferer aux bestes, en ce qu’ils peuvent contrefaire

toutes voix.

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

223 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

Ils glapissent comme Regnards,

Ils miaullent comme les Chats,

Ils grognent comme les Pourceaux,

Ils mugissent comme Toreaux,

Ils muglent comme Balaines,

Ils hanissent comme Chevaux,

Ils croüaillent comme Corbeaux,

Ils gringottent comme Rossignols,

Ils hurlent comme les Loups,

Ils gemissent comme les Ours,

Ils rugissent comme le cry des Lyons,

Ils gresillonnent comme Grillons,

Ils caquettent comme Cigognes,

Ils coqueliquent comme les Coqs,

Ils coloussent comme les Poulles,

Ils piolent comme Poullets...

Et pour le dire en un mot, les hommes contrefont toutes voix des animaux. Et quant à ce

que les oiseaux chantent, cela n’est rien au prix des Musiciens : lesquels resonnans

ensemble, font une voix fort melodieuse & plaisante à ouyr, voire aux oreilles des Roys

& Princes, & plus harmonieuse sans comparaison, que tous les oiseaux ne sçauroyent

faire ensemble. D’avantage, l’homme apprivoise, non seulement les bestes domestiques,

mais aussi les sauvages, & les plus estranges de toutes, comme les Elephans, Lyons,

Ours, Tigres, Leopards, Pantheres, Crocodiles, & autres. Plutarque le tesmoigne des

Crocodiles, qui toutesfois sont les bestes plus inhumaines & cruelles qu’on puisse

trouver.

[81] Les Crocodiles, dit-il, ne cognoissent pas tant seulement la voix des hommes qui

les appellent, mais aussi souffrent qu’ils les manient, & qui plus est, ouvrent fort la

gueulle, & leur baillent leurs dents à curer de leurs mains, & les essuyer d’une serviette.

Et combien que Nature ait appris aux bestes la science de Medecine, toutesfois c’est

bien peu de chose de tout ce qu’elles en sçavent, au prix de ce qu’un homme seul en

peut sçavoir, pour peu qu’il ait estudié en Medecine, & pour peu qu’il en puisse avoir

d’experience. Il est vray qu’elles n’apprennent pas des hommes leurs medecines,

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 224

d’autant qu’elles n’ont l’entendement comme les hommes. Or ce qui est escrit des

Elephans, qui ont quelque religion, c’est qu’ils n’ont pas adoré le Soleil & la Lune,

comme ayans la cognoissance de Dieu, laquelle il a mise au cœur des hommes,

autrement qu’elle n’est pas és bestes brutes. Car, à parler proprement, les bestes n’ont

aucune cognoissance de Dieu, qui procede de quelque lumiere & raison, qui leur soit

donnee pour estre capables de telle cognoissance, laquelle a esté baillee au seul homme.

Car combien que l’Elephant se tourne vers le Soleil, & qu’il semble qu’il l’adore, si ne

l’adore-il point par intelligence, ny foy, ny par raison qu’il aye que le Soleil soit leur

Dieu, & qu’ils soyent tenus de luy porter honneur & reverence : mais le font par un

instinct & mouvement de nature, selon qu’ils se trouvent disposez naturellement par la

convenance que le Soleil a avec leur nature, & par le bien qu’ils en sentent, sans penser

neantmoins à ce qu’ils font, sinon ainsi que nature les pousse, sans religion qui soit en

eux. Et pourtant lors que nous leur attribuons religion, nous ne la prenons pas en sa

propre signification, mais par une maniere de dire, & par abusion de langage, & par

comparaison, à cause de la similitude & façon de faire qu’ont les Elephans.

Chap. XXVI. L’Homme a la dexterité d’apprendre toutes langues.

Nous voyons l’Homme avoir telle dexterité, qu’il ne sçait seulement pas apprendre les

divers langages qui sont entre ceux de son espece, mais aussi apprend ceux des

oiseaux : ce qu’on voit par experience d’aucuns bons compagnons, qui contrefont tous

chants des oiseaux, & la voix de toutes bestes, comme nous avons dict cy dessus, &

entendent le jargon de plusieurs autres animaux. Et pour verifier cecy : Apollonius

Philosophe, qui estoit excellent en ceste science, un jour estant en une grande

compagnie de ses amis où il regardoit des Passereaux, qui estoyent branchez sur un

arbre, ausquels il vint un autre d’ailleurs, qui commença à [82] gazouiller au milieu

d’eux, puis s’en va, & tous les autres le suyvirent : Apollonius ayant veu cela (& tous

ceux qui estoyent avec luy) dist, Ce passereau a annoncé à ses compagnons, qu’un asne

chargé de forment, estoit tombé pres la porte de la ville, & que le bled estoit versé en

terre : & ceux qui ouyrent cela, voulurent experimenter s’il disoit vray, & allerent sur

les lieux, où trouverent la chose comme il avoit dit, & quant-&-quant les passereaux,

qui estoyent venus pour manger le bled. Or quant aux Corbeaux, Pies, & autres oiseaux,

qui parlent pour desguiser leur ramage, & leur gazouillement, & siflement, & son de

voix humaine, ils ont bien tost dit tout ce qu’ils sçavent, & qu’ils ont appris de long

Tratado sobre os animais e sobre a excelência do homem, de Ambroise Paré

225 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016

temps. Et quoy qu’ils sçachent gazouiller, ils demeurent tousjours bestes brutes sans

raison. Mais à l’Homme, la raison luy a esté donnee naturellement de monter plus haut

que celle des bestes, desirant tousjours sçavoir, & ne se contentant point seulement

d’avoir la cognoissance des choses que appartiennent à la vie presente : mais s’enquiert

des choses plus hautes, & des celestes & divines : qui est un certain argument que la

nature de l’homme, & l’ame qui luy est donnee, est bien differente à celle des autres

animaux, laquelle ne peut nullement estre cogneuë. L’Homme a en son ame trois

principales puissances necessairement concurrentes à toute louable & vertueuse action :

A sçavoir l’entendement, la volonté, & la memoire : une pour comprendre ce qu’il faut

faire, l’autre pour l’executer : & la Memoire, comme fidele tutrice, qui garde ce qui a

esté conclud & arresté en l’entendement. Aucuns Philosophes l’ont appellee le thresor

de science, d’autant qu’elle est comme un cabinet, auquel est gardé ce que nous

apprenons, & voyons. Ces puissances & perfections, sont graces singulieres, & dons

speciaux, provenans de la sagesse divine du sainct Esprit, qui ne sont donnees aux

bestes : lesquelles puissances seront cy apres plus amplement declarees au livre de la

Generation, parlant des facultez de l’ame. Et pour conclusion, l’Homme est ingenieux,

sage, subtil, memoratif, plein de conseil, excellent en condition, qui a esté fait du

souverain Dieu, & lui seul entre tous les animaux a esté orné de raison & d’intelligence,

de laquelle tous animaux ont esté privez, & en luy revist une image de l’essence divine,

qui ne se trouve en nulle autre creature.

Sentence d’Euripide.

L’Homme a bien peu de force corporelle

Mais sa prudence & raison naturelle

Va jusqu’au fond de la mer captivant :

Sur terre aussi s’estend jusqu’aux especes,

Où plus y a de ruses & finesses.

Maria Célia Veiga França

MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016 226

Referências

CEARD, Jean. Des Monstres et prodiges. Genebra: Droz, 1971.

FRANCA, Maria Célia. Le concept de nature dans les Essais de Montaigne. [Tese]

Defendida em 2008 na Université de Caen. Disponível em: <

http://www.filosofiarenascentista.trd.br/ >.

PARE, Ambroise. Obras completas. Reprodução em fac-simile da edição de J.B.

Baillière, Paris, 1840-1841. Genebra : Slatkine, 1970. Disponível em: <

http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb35390690w >.

VINCELET, Louis. Ambroise Paré et la religion. Comunicação apresentada na seção

de 22 de fevereiro de 1968 da Sociedade francesa de história da medicina

Disponível em: <

http://www.biusante.parisdescartes.fr/sfhm/hsm/HSMx1968x002x002/HSMx1968x

002x002x0079.pdf > .