Século XIX e o Movimento Ginástico Europeu

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Século XIX e o Movimento Ginástico Europeu: o processo de sistematização da ginástica El Siglo XIX y el Movimiento Gimnástico Europeo: el proceso de sistematización de la gimnasia *Especialista em Ginástica Rítmica pela Universidade Norte do Paraná Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Ceará **Professora do Instituto de Educação Física e Esportes da Universidade Federal do Ceará Mestre em Educação Física pelo programa associado UEM/UEL. Especialista em Ginástica Rítmica pela Universidade Norte do Paraná, Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá Aline Menezes Dodô* Lorena Nabanete dos Reis** [email protected] (Brasil) Resumo O Movimento Ginástico Europeu que surgiu no século XIX foi responsável por organizar e sistematizar a Ginástica, proporcionando seu desenvolvimento. Este trabalho objetivou caracterizar os Métodos Ginásticos, oriundos desse movimento, e relacioná-los entre si, por meio de uma pesquisa bibliográfica. Constatou-se que durante o Movimento Ginástico Europeu surgiram quatro principais escolas: Alemã, Sueca, Francesa e Inglesa, dessas, apenas as três primeiras influenciaram as práticas gímnicas. Encontramos nas mesmas, as raízes de manifestações gímnicas atual, o que comprova a relevância do conhecimento desse período que trouxe tantas contribuições não apenas para a Ginástica, mas também para a Educação Física. Unitermos: Ginástica. Histórico. Métodos. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/ 1 / 1 Introdução A Ginástica sempre foi proposta como prática corporal nos mais diferentes locais e períodos históricos. O termo Ginástica veio ganhando diferentes definições de acordo com épocas, culturas e interesses diversos (FIORIN, 2002). Em alguns momentos, chegou a designar toda e qualquer atividade física sistematizada, abrangendo desde exercícios militares até práticas esportivas. No século XIX, passou por um processo de sistematização, denominado de Movimento Ginástico Europeu, que objetivava romper seus

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História do movimento ginástico na Europa e sua influência no na ginástica brasileira

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Século XIX e o Movimento Ginástico Europeu:o processo de sistematização da ginásticaEl Siglo XIX y el Movimiento Gimnástico Europeo: el proceso de sistematización de la gimnasia

 

*Especialista em Ginástica Rítmica pela Universidade Norte do ParanáGraduada em Educação Física pela Universidade Federal do Ceará**Professora do Instituto de Educação Física e Esportes da Universidade Federal do CearáMestre em Educação Física pelo programa associado UEM/UEL. Especialistaem Ginástica Rítmica pela Universidade Norte do Paraná, Graduadaem Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá

Aline Menezes Dodô*Lorena Nabanete dos Reis**[email protected](Brasil)

 

 

 

 Resumo          O Movimento Ginástico Europeu que surgiu no século XIX foi responsável por organizar e sistematizar a Ginástica, proporcionando seu desenvolvimento. Este trabalho objetivou caracterizar os Métodos Ginásticos, oriundos desse movimento, e relacioná-los entre si, por meio de uma pesquisa bibliográfica. Constatou-se que durante o Movimento Ginástico Europeu surgiram quatro principais escolas: Alemã, Sueca, Francesa e Inglesa, dessas, apenas as três primeiras influenciaram as práticas gímnicas. Encontramos nas mesmas, as raízes de manifestações gímnicas atual, o que comprova a relevância do conhecimento desse período que trouxe tantas contribuições não apenas para a Ginástica, mas também para a Educação Física.          Unitermos: Ginástica. Histórico. Métodos. 

 

EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

1 / 1 

Introdução

    A Ginástica sempre foi proposta como prática corporal nos mais diferentes locais

e períodos históricos. O termo Ginástica veio ganhando diferentes definições de

acordo com épocas, culturas e interesses diversos (FIORIN, 2002). Em alguns

momentos, chegou a designar toda e qualquer atividade física sistematizada,

abrangendo desde exercícios militares até práticas esportivas.

    No século XIX, passou por um processo de sistematização, denominado de

Movimento Ginástico Europeu, que objetivava romper seus vínculos com práticas

populares, além de disciplinar a população moral e fisicamente (SOARES, 2002).

Deste processo, resultaram os Métodos Ginásticos.

    Tais métodos foram os precursores da ginástica atual, assim como de diversas

práticas da Educação Física. Eles “[...] tiveram desenvolvimentos simultâneos,

favorecendo a troca de informações entre os mesmos” (FIGUEIREDO; HUNGER,

2010, p.193) e criando uma relação bastante dinâmica entre eles, na qual

encontramos semelhanças e divergências.

    Caracterizar os Métodos Ginásticos oriundos do Movimento Ginástico Europeu,

relacionando-os, nos permite compreender a gênese e estruturação da Ginástica

atual. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica que, segundo Marconi e

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Lakatos (2002), coloca o pesquisador em contato direto com o material já publicado

em relação ao tema de estudo. A bibliografia consultada foi composta de livros,

dissertações, teses e artigos científicos, publicados na área da Educação Física, sem

delimitação do período de publicação, em razão da escassez de material que

abordasse o histórico e as características da Ginástica, assim como foram

priorizados os materiais pertencentes aos idiomas português, inglês e espanhol.

    Inicialmente foi feita uma leitura exploratória, que determinou qual material tinha

relevância para a pesquisa (GIL, 2010), seguida por uma leitura analítica que foi

fundamental para a ordenação das informações obtidas, de forma que viessem a

responder os problemas da pesquisa (GIL, 2010).

    Os dados obtidos na análise do material foram utilizados para a construção de

uma narrativa que caracteriza e estabelece uma relação entre os Métodos

Ginásticos e a Ginástica atual.

O Movimento Ginástico Europeu

    Na Europa, no século XIX, era comum apresentações de ruas de funâmbulos,

acrobatas e artistas.

    Nos meios urbanos, são diferentes manifestações lúdicas de caráter popular

realizadas com base nas atividades circenses que se impõem [...]. Suas

apresentações aproveitavam dias de festas, feiras, mantendo uma tradição de

representar e de apresentar-se nos lugares onde houvesse concentração de

pessoas do povo. Artistas, estrangeiros, errantes. Situados no limite da

marginalidade fascinavam as pessoas fincadas em vidas metrificadas e fixas. Eram

ao mesmo tempo elementos de barbárie e de civilização nos lugares por onde

passavam (SOARES, 2002, p. 24, 25).

    O grande fascínio gerado por tais exibições passou a ser motivo de apreensão do

Estado, “pois seu modo de ser e viver desafiava as instituições, tão caras à

sociedade que as inventara de modo tão profundo” (SOARES, 2002, p. 25). Desse

modo, como reação a tais acontecimentos, surge o Movimento Ginástico Europeu,

um processo de sistematização da Ginástica, com o intuito de moralizar os

indivíduos e a sociedade.

    Embasado nas ciências biológicas e influenciado pela Revolução Industrial em

ascensão, difundia o higienismo e trazia como princípios a utilidade dos gestos e

economia de energia. De caráter disciplinador, ordenativo e metódico, exigia o

afastamento de seus vínculos populares, do uso do corpo como simples

entretenimento. Surgia aí a chamada Ginástica Científica que deu origem aos

Métodos Ginásticos (SOARES, 2002).

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    “Estes métodos foram sistematizações criadas por médicos, pedagogos ou

militares que tentavam organizar a prática das atividades físicas” (FIORIN, 2002, p.

25-26). Tinham em comum a valorização da saúde por meio da prática regular de

exercícios físicos associados à transmissão de preceitos sociais extremamente

patrióticos, e se diferenciavam por serem específicos às necessidades de suas

populações.

    A ascensão destes Métodos se difundiu por toda a Europa, dotada de um

sentimento nacionalista como forma de causar melhorias físicas aos jovens que

enfrentariam as guerras da época, bem como melhorias étnico-raciais à nação

(FIGUEIREDO; HUNGER, 2010, p.193).

    Encontramos aqui quatro principais escolas: A Escola Alemã, A Escola Sueca, A

Escola Francesa e a Escola Inglesa. As três primeiras serviram de suporte para o

surgimento dos principais métodos ginásticos, o que resultou nos três grandes

movimentos ginásticos da Europa: o Movimento do Oeste na França, o Movimento

do Centro na Alemanha, Áustria e Suíça e o Movimento do Norte englobando os

países da Escandinávia; enquanto que a Escola Inglesa voltou-se para as atividades

desportivas (SOUZA, 1997).

    Como o foco de estudo desse trabalho é a Ginástica, nos aprofundaremos apenas

nas três primeiras escolas e seus respectivos métodos.

A Escola Alemã

    De caráter extremamente nacionalista, a ginástica surge na Alemanha com o

objetivo de preparar os corpos para a defesa da pátria, uma vez que esse país ainda

não havia conquistado sua unidade territorial e vivia sob a constante ameaça de

guerras. “Era preciso, portanto, criar um forte espírito nacionalista para atingir a

unidade, a qual seria conseguida com homens e mulheres fortes, robustos e

saudáveis” (SOARES, 2002, p.53). Para tanto, seus idealizadores apoiaram-se nas

ciências biológicas, para desenvolver seus métodos.

    Em 1760, inspirado nas doutrinas pedagógicas de Jean Jacques Rousseau (1712-

1778) e John Locke (1632-1704), Johann Bernard Basedow (1723-1790) iniciou um

processo de estruturação, denominado Método Alemão, que posteriormente atingiu

o ápice com os trabalhos de Johann Christoph Friedrich Guts-Muths (1759-1839),

Adolph Spiess (1810-18540 e Friedrich Ludwig Jahn (1778-1852). Guts-Muths foi

considerado o Pai da Ginástica Pedagógica. Para ele, deveria ser organizada pelo

Estado e ministrada todos os dias e para todos. Spiess preocupou-se com a inserção

da ginástica nas escolas e procurou colocá-la no mesmo plano das demais

disciplinas escolares. Jahn, principal responsável pela disseminação do método

entre a população, trouxe ao seu sistema o caráter militarista e extremamente

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patriótico, chegando a criar termos próprios, como por exemplo a palavra “Turnen”

que significa ginástica (RAMOS, 1982).

    Os exercícios tinham objetivos que transcendiam a forma física.

“O turnen também tinha um exercício moral: alcançar autoconfiança, autodisciplina,

independência, lealdade, e obediência. Essas eram as metas a serem atingidas por

meio de atividades completas e informais” (PUBLIO, 2005, p. 17).

    Os exercícios ginásticos, coordenados paulatinamente, foram grupados em

dezessete famílias: marchar, correr, saltar, tomar impulso (no cavalete e no cavalo),

equilibrar, exercícios de barra, exercícios de paralela, trepar, arremessar, puxar,

empurrar, levantar, transportar, esticar, lutar braço a braço, saltar arco e pular

corda. [...] Além dos exercícios citados, quando as atividades podiam ser realizadas

ao ar livre, a natação, a marcha, a equitação, a esgrima, a luta e os exercícios

bélicos eram previstos nos programas. A corrida, o arremesso e o salto realizados

sob variadas formas constituíam, com suas práticas, verdadeira escola de atletismo

(RAMOS, 1982, p. 188).

    Também derivado da Escola Alemã temos o Método Natural Austríaco. Em 1926,

após o desmembramento do império provocado pela Primeira Grande Guerra (1914-

1918), iniciou-se uma grande reforma com o intuito de regenerar física e

moralmente a juventude por meio dos exercícios físicos (MARINHO, S/D).

Desenvolvido em um país formado por vários povos, com diversas línguas,

costumes e hábitos, tal método de ginástica sofreu bastante influência dos métodos

já existentes, gerando correntes de pensamentos que se diferenciavam em

movimentos ginásticos independentes.

    Buscando ser uma oposição ao Método Alemão, dominado por exercícios

violentos em aparelhos, o sistema austríaco foi uma variação original de ideias

interessantes, mais das ciências médicas do que pedagógicas. Sua maior qualidade

consistia no fato de buscar ser interessante para as crianças e incentivar a

juventude a manter uma postura correta, despertando uma consciência higiênica e

o desejo de cuidar do corpo para alcançar a saúde. Entretanto, errou pela ausência

de condições de execução e pela falta de controle de intensidade, esquecendo a

influência educativa e formativa dos exercícios físicos. Seus principais idealizadores

foram Margarete Streicher e Karl Gaulhofer. Margarete esforçou-se para levar às

escolas uma ginástica “natural”, com aplicação de higiene (MARINHO, S/D).

    Considerando as formas de exercícios naturais, Gaulhofer aconselha o seguinte:

1) – respirar, andar, sentar, levantar, rodar, saltar; 2.º) – correr, trepar, carregar,

jogar, suspender-se; equilibrar-se, e outros atos do trabalho humano; 3º) –

movimentos executados em atitudes dos trabalhos ou nas da vida habitual, seja de

pé, ajoelhado, acocorado, ou sentado; 4º) – provas para vencer obstáculos ou

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resistências, 5º) – exteriorização dos conhecimentos adquiridos: artísticos ou

acrobáticos; 6º) – exercícios fundamentais de aplicação: balançar-se, levantar-se,

carregar, atirar, empurrar, trepar, lutar; 7º) – jogos e esportes, passeios, auto-

defesa, natação e outros exercícios em grupo (MARINHO, S/D, p. 407)

    Vemos que ambos os métodos surgiram a partir de necessidades militares.

Formar indivíduos aptos a defender a pátria era imperativo para essas sociedades,

para isso, além de fortalecer seus corpos era necessário despertar o espírito

nacionalista, atribuindo um aspecto moral aos exercícios físicos.

    Ou seja, a Escola Alemã se baseou nas ciências biológicas para transformar a

ginástica em um meio de educação em massa capaz de atender às necessidades do

Estado. Característica também encontrada nas demais escolas, mas o que as

diferencia são seus distintos anseios.

    A Escola Alemã resultou na modalidade competitiva atual Ginástica Artística

(PUBLIO, 2005) e “foi a base para a estruturação da “Ginástica Moderna”, que é a

atual Ginástica Rítmica” (FIORIN, 2002, p.27).

A Escola Sueca

    Idealizada por Pehr Henrick Ling (1776–1839), a ginástica sueca surgiu com a

finalidade de extirpar os vícios da sociedade, em especial o alcoolismo. Com a

missão de regenerar a população, possuía um caráter não acentuadamente militar,

mas sim “pedagógico” e “social”. Deveria gerar indivíduos fortes que pudessem ser

úteis à pátria, como soldados ou trabalhadores civis (SOARES, 2004).

    Ling acreditava que seu método assegurava a saúde, por ser essencialmente

respiratório, e a beleza, por seus efeitos corretivos e ortopédicos. Por isso, o

destinou a todos, independente de sexo, idade ou condições materiais e sociais,

dividindo-o em quatros partes: Ginástica Pedagógica ou Educativa – para todas as

pessoas, tinha como objetivo assegurar a saúde, evitar a instalação de doenças,

vícios e defeitos posturais e desenvolver normalmente o indivíduo; Ginástica Militar-

com as mesmas características da pedagógica, acrescentando os exercícios de

preparação para a guerra; Ginástica Médica e Ortopédica – também baseada na

pedagógica, objetivava eliminar vícios e defeitos posturais, sendo específica para

cada caso; Ginástica Estética – mais uma vez apoiada na pedagógica buscou o

desenvolvimento harmonioso do organismo, utilizando-se da dança e de

movimentos suaves para proporcionar beleza e graça ao corpo (MARINHO, S/D).

    Levando em consideração os princípios estabelecidos dentro das ciências

biológicas, Ling criou exercícios livres sem aparelhos, de execução fácil e estética,

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além de saltos no cavalo, cambalhotas, jogos ginásticos, patinação e esgrima. Tudo

associado a cantos alegres e disciplina militar (RAMOS, 1982).

    Uma sessão de exercícios livres era composta da seguinte forma:

1º- Exercícios de ordem

2º - Exercícios de pernas ou movimentos preparatórios formando uma pequena

série; [...]

3º - Extensão da coluna vertebral;

4º - Suspensões simples e fáceis;

5º- Equilíbrio;

6º - Passo ginástico ou marcha;

7º- Movimentos dos músculos dorsais;

8º - Movimentos músculos abdominais;

9º - Movimentos laterais de tronco;

10º - Movimentos de pernas;

11º - Suspensões mais intensas que as do nº 4;

12º - Marchas ou movimentos de pernas, executados mais rapidamente que os

outros para preparar saltos;

13º - Saltos;

14º - Movimentos de pernas;

15º - Movimentos respiratórios (MARINHO, S/D, p. 188).

    “A extensão do movimento não ficou na Suécia, estendeu-se com entusiasmo por

todo o mundo, principalmente aos demais países nórdicos – Dinamarca, Noruega e

Finlândia” (RAMOS, 1982, p. 211). Na Dinamarca, o Método Sueco, foi chamado de

Ginástica Racional por ser fundamentado e consciente de seu objetivo. Entretanto,

foi considerado inapto para as necessidades e interesses da juventude

dinamarquesa por ser composto por posições rígidas (MARINHO, S/D). “Não é

necessário modificar o fundamento nem o objetivo da Ginástica básica, mas é o

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emprego dos meios que deve ser levado a um terreno mais firme” (BUKH, 1939

apud MARINHO, S/D, p.198).

    Surge então a Ginástica Básica Dinamarquesa, idealizada por Niels Bukh. “O

Professor Niels Illeris, ao fazer uma diferença entre a Ginástica Sueca e a Ginástica

Dinamarquesa, diz que a primeira é uma Ginástica de posições e a segunda uma

Ginástica de Movimento” (MARINHO, S/D, p. 201).

    Assim como Ling, Bukh preocupou-se muito com a postura. Os exercícios

deveriam ser diferentes para homens e mulheres e voltados para a correção de

defeitos posturais oriundos do trabalho.

    Marinho (S/D, p. 206-08) traz alguns exercícios propostos por Bukh:

    extensão lateral das pernas em posição acocorada nas pontas dos pés, com as

mãos apoiadas no solo; separação e extensão das pernas em posição acocorada

nas pontas dos pés, apoiando as mãos no solo; flexão unilateral lenta e profunda

dos joelhos, em posição vertical com as pernas abertas e em colaboração com um

companheiro; torsão do tronco com movimento unilateral de braço para fora em

posição vertical com o tronco inclinado para a frente, as pernas abertas e os braços

flexionados horizontalmente à altura dos ombros.

    Também inspirada na Ginástica Sueca de Ling, temos a Calistenia. Para Silva

(S/D), a Calistenia não é um sistema próprio de ginástica, mas sim uma série de

exercícios ginásticos localizados, com fins corretivos, fisiológicos e pedagógicos,

que pode integrar perfeitamente qualquer sistema ginástico. Por estar em

constante evolução teria grande vantagem sobre os sistemas clássicos.

    A Calistenia trouxe características nunca antes abordadas. Examinando os dois

sistemas mais difundidos, o sueco e o alemão, educadores suecos chegaram à

conclusão de que ambos eram pobres no que se tratava de elementos psicológicos.

Por isso, inseriram a música na prática da ginástica, por considerarem que ela

incentivava o movimento, evitando a monotonia e contribuindo para a educação

dos sistemas psicomotor e neuromuscular (SILVA, S/D).

    Ainda preocupados com os aspectos psicológicos, buscavam a variação dos

exercícios. “O professor deve estar municiado de uma quantidade bastante grande

de exercícios a fim de não repeti-los com muita frequência. A variação é um

elemento importante, pois além do lado psicológico, influi, também

fisiologicamente” (SILVA, S/D, p. 27).

    Objetivando melhorar a forma física da população, foi introduzida nas escolas

americanas em 1860 por Dio Lewis (MARINHO, S/D). “[...] era dedicado ao homem

gordo, ao homem fraco ou enfermiço, aos jovens e às mulheres de todas as idades

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– as classes que mais necessitavam de treinamento físico. [...] Não havia ninguém,

nem nenhum sistema que tivesse contemplado estes [...]” (MARINHO, S/D, p. 265).

Por fim, deveria ser uma ginástica simples, fundamentada na ciência e cativante

(MARINHO, S/D).

    Os exercícios calistênicos foram divididos em oito grupos: “de braços e pernas;

    para a região póstero-superior do tronco (parte superior da espádua); para a

região póstero-inferios do tronco (parte inferior da espádua); para a região lateral

do tronco (laterais); de equilíbrio;gerais de ombros e espáduas (Wood) ou gerais de

espáduas e ombros (Skartrom); Saltos e corridas (Skarstrom) ou sufocantes

(Wood)” (MARINHO, S/D, p. 268).

    Ao analisarmos o Método Sueco e a Calistenia, percebemos que tal escola voltou-

se para a saúde, física e mental, da população, possuindo muito mais o caráter

médico e pedagógico do que militar.

    Esse viés médico trouxe conceitos para as Ginásticas Fisioterápicas de SOUZA

(1997), além do fato de seu grande evento em homenagem ao seu idealizador Per

H. Ling servir de inspiração para a Gymnaestrada, principal manifestação da

Ginástica Geral (FIORIN, 2002).

A Escola Francesa

    A Ginástica na França baseou-se nas idéias dos alemães Jahn e Guts Muths e,

apresentava além do caráter moral e patriótico, uma preocupação com o

desenvolvimento social. Objetivava formar o homem “completo e universal”, sem

desvincular-se do utilitarismo, tão abordado pela ginástica científica, buscando o

desenvolvimento da força física, da destreza, agilidade e resistência (SOARES,

2004).

    Para Ramos (1982), esse movimento teve como principais representantes o

Método Francês desenvolvido por D. Francisco de Amoros e Ondeaño (1770-1848),

George Demeny (1850-1917) e o Método Natural pensado por Hébert (1875- 1957).

    Inspirado em Pestalozzi, Amoros negou veementemente toda e qualquer forma

de empiria, seus exercícios eram completamente explicados por enunciados

científicos, comprovando a relação existente entre a sua ginástica, a saúde da

população e a tão desejada utilidade dos gestos (SOARES, 2002). “Admitia no

sistema três tipos de ginástica: civil, militar e médica. Condenava o funambulismo,

que no dizer de Amorós, começa onde a utilidade do exercício cessa” (RAMOS,

1982, p.219).

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    Demeny, discordando do método sueco de Ling, propôs exercícios ginásticos

completos, arredondados e contínuos (RAMOS, 1982). Voltou-se para a saúde da

mulher, combatendo “hábitos elegantes”, tais como cintas, salto alto, porta-seios;

condenava os meios de sustentação artificiais (SOARES, 2004).

    “O método (Francês) para alcançar os seus objetivos preconiza sete formas de

trabalho: jogos, flexionamentos, exercícios educativos, exercícios mímicos,

aplicações, desportos individuais e coletivos” (RAMOS, 1982, p. 222). Marinho (S/D)

descreve a abordagem de exercícios de marcha, corrida, salto, lançamentos, lutas,

esgrima, utilização de pesos e halteres, ginástica de aparelhos, remo, ciclismo,

natação e salvamento e desportos coletivos.

    O Método Francês, oriundo da Escola Francesa, foi adotado em todos os

estabelecimentos de ensino brasileiros em 1929 (SOARES, 2002), e trouxe as

propostas pedagógicas que embasaram a Educação Física escolar brasileira no

período republicano (RESENDE, SOARES e MOURA, 2009).

    A Escola Francesa inclui ainda a obra de Georges Hébert. O chamado Método

Natural de Hébert repudia todas as formas de exercícios analíticos, artificiais ou

formais, conhecidos sob a denominação de ginástica. Pretendia “utilizar os gestos

de nossa espécie para adquirir o desenvolvimento físico completo [...], além de

atender às dificuldades inerentes à vida moderna, particularmente à falta de tempo

e à falta de espaço” (MARINHO, S/D, p. 122).

    Encontram- se nesse programa características naturistas: resistência corporal ao

frio, endurecimento, utilização do meio natural como terreno de exercício,

exercícios utilitários, nudez controlada. Todo o trabalho toma por base a utilidade

das ações e representa um retorno à natureza adaptado à vida urbana moderna e

concernente às atividades práticas da vida em sociedade (Hébert, 1941a apud

SOARES, 2003, p. 26).

    Privilegiava a natureza e a qualidade do trabalho em detrimento da qualidade de

execução. Classificou os exercícios em 10 grupos fundamentais de acordo com as

funções úteis da vida cotidiana. Sendo eles: a marcha, a corrida, o salto, o

movimento quadrúpede, a escalada, o equilíbrio, o arremesso, o levantar, a defesa

e a natação. Os treinos deveriam ser ao ar livre para submeter o corpo às diferentes

temperaturas, tinha a corrida como elemento base e cada um deveria trabalhar no

seu ritmo e capacidade (MARINHO, S/D).

    O que Hébert deseja é aumentar as resistências orgânicas, realçar as aptidões

para a execução de exercícios naturais e utilitários (os seus 10 grupos) e,

sobretudo, desenvolver a energia, a qualidade de ação, a virilidade, para então

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subordinar esse conjunto de qualidades físicas bem treinadas a uma moral altruísta,

física, inclusive (SOARES, 2003, p. 28).

    Notamos que os métodos, apesar de específicos ao seu público, se relacionam e

se influenciam.

    Desse ponto de vista, os “métodos de ginástica” até agora por nós discutidos

assemelham-se. Diferenciam-se apenas na forma, umas mais analíticas, outras

mais sintéticas. Todavia, o conteúdo anatomofisiológico ditado pela “ciência”,

constitui o núcleo central das distintas propostas, além do que, é claro, a moral da

classe, o culto ao esforço (individual), a disciplina, obediência... ordem, adaptação,

formação de hábitos [...] (SOARES, 2004, p 67).

    E além de atender aos objetivos do Estado no século XIX, serviram de suporte

para a estruturação da Ginástica atual.

Conclusão

    Surgindo de uma necessidade do Estado, o Movimento Ginástico Europeu

reformulou a sociedade europeia, difundindo preceitos higienistas, nacionalistas,

pedagógicos e morais por meio da prática da Ginástica. Os métodos resultantes

desse processo compartilhavam características básicas, mas buscavam ser

específicos aos interesses de cada nação, chegando a discordarem em alguns

aspectos.

    Essa relação ocorreu de forma bastante dinâmica e trouxe uma rica diversidade

de práticas e conceitos, o que resultou não apenas na estruturação e

sistematização da Ginástica no século XIX, mas também nas origens da Ginástica

Atual. Dessa forma, buscou-se caracterizar e relacionar tais métodos, a fim de

compreender a gênese da Ginástica como a conhecemos hoje.

    Das quatro Escolas criadas no Movimento Ginástico Europeu: Alemã, Sueca,

Francesa e Inglesa; apenas as três primeiras influenciaram as práticas gímnicas. A

Escola Alemã, de caráter essencialmente militarista, abrangeu os métodos Alemão

e Natural Austríaco; a Sueca possuía um viés médico, de onde surgiram os métodos

Sueco, Dinamarquês e a Calistenia; e a Escola Francesa trazia aspectos mais

acentuadamente pedagógicos e foi composta pelos métodos Francês e Natural de

Hébert.

    A escola Alemã influenciou diretamente a modalidade competitiva Ginástica

Artística e indiretamente a Ginástica Rítmica. A Escola Sueca já abordava os

conceitos das Ginásticas Fisioterápicas de Souza (1997) e serviu de inspiração para

a Ginástica Geral. E a Escola Francesa auxiliou o desenvolvimento da Educação

Física escolar.

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    Apesar da escassez de material que abordasse o histórico da Ginástica e do

Movimento Ginástico Europeu, conseguimos identificar suas características

principais e relacionar suas diversas metodologias, encontrando, nas mesmas, as

raízes de manifestações gímnicas atuais. O que comprova a relevância do

conhecimento desse período que trouxe tantas contribuições não apenas para a

Ginástica, mas também para a Educação Física.

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