SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas...
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCACÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA
PROCESSO DE PRODUÇÃO DO OAC
IDENTIFICAÇÃO
Autor: Célia Regina Tokarski
Estabelecimento: Escola Estadual Guaraituba
Ensino: Fundamental
Disciplina: História
Conteúdo Estruturante: Dimensão cultural
Conteúdo Específico: Abolicionismo
1. Problematização do Conteúdo.
Título: O Abolicionismo e a intensificação do racismo no século XIX
Pensar o processo abolicionista buscando novas possibilidades de
análise é a intenção do presente trabalho, levando em consideração que a
escravidão foi estruturada em bases legais, socialmente aceita e, portanto,
naturalizada no interior da sociedade brasileira. A condição de cativo imposta
ao negro foi influenciada pelo racismo dominante no período escravista e era
visto como um processo natural decorrente da suposta inferioridade deste,
aceita pela população sem questionamentos mais aprofundados.
Partindo desta premissa não podemos pensar o processo abolicionista
simplesmente como um despertar coletivo para a conscientização da
humanidade do negro. Ao tentar entender esse processo iniciado na segunda
metade do século XIX e que culminou com a abolição legal do regime
escravista em 1888 devemos pensar nas mudanças ocorridas nas estruturas
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econômicas, sociais, tecnológicas e políticas que ocorreram ao longo deste
período e também nas ações perpetradas pelos escravizados como fugas,
revoltas e negociações que culminaram no desenrolar do processo
abolicionista.
Mesmo que tenha sido dado ao escravizado a condição de cidadão, foi-
lhe negado o pleno direito à cidadania. A exclusão social, espacial e o racismo
foram os legados impostos aos ex-escravizados e a seus descendentes.
O professor de História tem a importante tarefa de demonstrar aos seus
educandos que a história de um país não é resultado de figuras de destaque,
dos grandes heróis, mas se faz pela “construção consciente/inconsciente,
paulatina e imperceptível de todos os agentes sociais, individuais ou coletivos”
(BEZERRA, in: KARNAL, 2005, p.45). E é este o nosso papel, de sujeitos
históricos, capazes de mudar e transformar o que foi culturalmente construído.
Entendendo, portanto que
as relações humanas determinam os limites e as possibilidades das ações dos sujeitos de modo a demarcar como estes podem transformar constantemente as estruturas sócio-históricas. Mesmo condicionadas, as ações dos sujeitos permitem espaços para escolhas e projetos de futuro (DCEs, 2007, p. 12).
Nesse sentido, não podemos continuar aceitando a imagem de
passividade dada ao escravizado e que contribuiu para a idéia de que a
abolição só ocorreu por obra e graça da elite dominante tomada de um
repentino entendimento da necessidade de liberdade do cativo. Mudar esta
visão contribui para o direcionamento dado com a Lei 10.639/03 que
estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana nas escolas brasileiras. Pensar esta trajetória da história brasileira,
dando voz e o devido lugar ao negro no processo histórico de nosso país,
dando visibilidade àqueles que tanto contribuíram para a construção desta
nação é uma das premissas deste trabalho.
Pretendemos assim analisar pontos importantes que, via de regra, não
são contemplados quando discutimos o processo abolicionista, ou seja, pensar
este momento da história do Brasil com questionamentos como a naturalização
da escravidão influenciada pelo racismo predominante no período; o processo
abolicionista a partir de fatores de ordem econômica, social e política; o
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incentivo à imigração como resultado da política de branqueamento da
sociedade brasileira1; a necessidade de reordenamento da importância do
trabalho na ordem capitalista e a atuação do negro no processo abolicionista,
aniquilando assim a visão de passividade que foi atribuída ao mesmo.
Referências:
BENTO, Maria Aparecida da Silva. Cidadania em preto e branco: discutindo
as relações raciais.São Paulo, Ática, 2005.
BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: Conteúdos e Conceitos
Básicos. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos,
práticas e propostas. 4. ed. – São Paulo> Contexto, 2005:17 a 36.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Brasília: 2004.
MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no
Parlamento e na Justiça. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001
SEED/PR. DIRETRIZES CURRICULARES DA REDE PÚBLICA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ. Curitiba: 2006.
SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO DO PARANÁ. Deliberação 04/06.
Processo nº 880/2006. Curitiba: 2006
2. Investigação Disciplinar.
Título: Abolição: dádiva ou conquista?
Há trezentos anos que o africano tem sido o principal instrumento da ocupação e da manutenção do nosso território pelo europeu. (...) Onde ele não chegou ainda, o país apresenta o aspecto com que surpreendeu aos seus primeiros descobridores. Tudo o que significa luta do homem com a natureza, conquista do solo para a habitação e cultura (...) tudo foi produzido pelos escravos negros (NABUCO, 1999, p.24).
1 No século XIX, intelectuais, médicos, advogados e políticos brasileiros se
entusiasmaram com a idéia de que a raça branca era superior. Mas o Brasil, segundo o censo de 1872 demonstrava, era constituído de 55% de negros. Os deputados de então apresentaram um projeto de imigração, ou seja, trazer os brancos europeus para, aos poucos, tornar a população brasileira branca, aos moldes europeus. Dizia-se que em 100 anos o Brasil teria eliminado a população negra através da miscigenação. (BENTO, 2005, p.29)
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Iniciar esta reflexão com a citação de Nabuco tem a intenção de levantar
questionamentos acerca da idéia de que a escravização contribuiu para o
atraso econômico do Brasil e o incentivo para a imigração européia estava
intimamente ligado à necessidade de tecnologias que o africano e seus
descendentes não possuíam. Durante quase 400 anos o Brasil foi construído
com a tecnologia trazida pelos africanos escravizados e assim mesmo os
manuais didáticos indicam como uma das premissas que influenciaram o
processo abolicionista a estagnação econômica em que se encontrava o Brasil
em conseqüência do atraso tecnológico dos escravizados. Não podemos deixar
de esclarecer aos nossos educandos todas as contribuições que o trabalho
africano trouxe à construção e manutenção econômica de nosso país. A
riqueza do branco europeu só foi possível através da tecnologia e do trabalho
do africano seqüestrado em seu território e transportado para terras brasileiras
onde dominou as técnicas agrícolas, de mineração, de engenharia e de
marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a
partir do trabalho africano.
Na segunda metade do século XIX, embora o Brasil ainda apresentasse
uma economia predominantemente agrária, iniciava um processo de
industrialização, pequeno ainda, mas que já trazia nuances da necessidade de
alteração da forma de trabalho norteadora da economia do país.
Nesse sentido faz-se importante entender o processo de branqueamento
da população brasileira como um dos fatores importantes nesse momento
histórico e não a necessidade de acabar com o atraso tecnológico. Nas últimas
décadas do século XIX, o Brasil presenciou um acirrado debate sobre as
diferenças raciais e suas conseqüências para o desenvolvimento da nação.
Nação esta que segundo Schwarcz (1993) era apontada como um caso único,
onde ocorria uma grande miscigenação racial. O conde Arthur de Gobineau
deixou sua impressão da população brasileira como sendo totalmente mulata e
desprovida de beleza2. Além disso, a mestiçagem era retratada como a causa
do atraso econômico do país.
2 Arthur de Gobineau, desenvolveu a teoria das raças e de suas desigualdades, denunciou a miscigenação como um mal que trazia em si a infalível decadência dessas particularidades. (FERREIRA, EDGARD NETO, História e Etnia, p. 319, in: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. DOMÍNIOS DA HISTÓRIA, São Paulo, Ed. Campus, s/d., 508 p.)
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Mas de onde vinha esta teoria? Foi desenvolvida na Europa e EUA no
século XVIIII, mas é no século XIX que ganha força no Brasil com a entrada
das idéias evolucionistas e positivistas. Os jornais que divulgavam o
escravizado enquanto mercadoria passaram a retratar o negro como um
perigoso marginal. É interessante perceber que:
Se na época próxima à Abolição poucos intelectuais buscaram defender a imagem do negro como bom e útil e condenar o racismo, já que não existia o cidadão brasileiro de sangue branco puro, esse quadro se modifica após a emancipação como se, vencido o perigo da revolta, coubesse colocar o negro no seu devido lugar. As teorias racistas ganham novo vulto (SANTOS, 2005, p.129).
Assim a elite cultural brasileira, influenciada pelo pensamento dominante
da superioridade do branco europeu sobre as demais nações, passou a negar
tudo e a todos que fossem diferentes, cultuando a idéia de miscigenação e
assimilação cultural como um meio de se aproximar do ideal de população de
um país que almejava alcançar o mundo do progresso e da ordem, inspirado
nos ideais de sociedade criada pelos europeus.
Além da divulgação da imagem estereotipada do negro, buscou-se o
embranquecimento da população através do incentivo da imigração européia e
possível aumento da miscigenação que em algumas décadas possibilitaria o
desaparecimento dos traços negróides na população brasileira. Podemos
observar na afirmação abaixo, essa idéia em relação ao negro:
A preocupação com o futuro do país, com um progresso que seria bem vindo, colocava em destaque as teses racistas de então, que, com todo vigor, tomavam as falas dos parlamentares e intelectuais brasileiros. Eles passavam a encarar o negro como signo de atraso do país e a considerar a imigração como única saída honrosa (SANTOS, 2005, p.83).
Outra questão primordial que deve ser analisada ao procurarmos
entender o processo abolicionista é a naturalização da escravidão e
conseqüente inferioridade do negro. Nesse sentido, os filósofos iluministas
contribuíram em muito para essa concepção. Como afirma Marinho (2004), os
filósofos iluministas receberam influência da literatura de viajantes, que desde o
período das grandes navegações, descobriram povos que não estavam
previstos pela teologia tradicional cristã. E estes povos não foram vistos como
semelhantes aos europeus. É a partir do seu olhar que os europeus
classificarão o “outro” numa divisão claramente preconceituosa.
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Se os filósofos iluministas receberam influência das descrições destes
viajantes, conseguiram aprimorar estes conceitos. Embora o século das Luzes
tenha sido o momento em que se declarou o direito universal dos homens:
igualdade, fraternidade, liberdade, esses direitos não eram iguais para todos,
assim como se definiu o ser universal, portador de direitos políticos iguais,
“despido de qualquer substância individual” (MARINHO, 2004, p.122) que fazia
com que se parecesse com qualquer pessoa de qualquer local do globo, se
examinado mais de perto, revelava uma especificidade: era branco, macho e
europeu. Ou seja, os filósofos iluministas pensaram um modelo de cidadão
baseado em si, os direitos eram iguais para todos desde que estes fossem
europeus.
Segundo SANTOS (2005), o negro foi constantemente comparado aos
animais, sendo relegado a um patamar inferior, quando muito tomado como
representante de outra espécie humana, enquanto que os indígenas eram
tratados com certa condolência sendo retratados como iguais aos europeus,
porém num estágio menos avançado. É a teoria do bom selvagem de
Rousseau, importante filósofo iluminista. Para Marinho (2004), os iluministas se
referiam ao indígena com certa benevolência, tratando o fruto dos contatos
sexuais entre estes e os brancos europeus apenas como mestiços, enquanto
que o filho de branco com negro recebeu a alcunha pejorativa de mulato, que
seria um ser híbrido resultante do cruzamento do burro com o cavalo.
Ainda para a mesma autora, o racismo contra os negros passou a existir
a partir do momento em que os filósofos iluministas voltaram seu olhar para a
escravidão e procuraram legitimá-la. A saída para sua legitimação estava na
diferença entre as raças, ou melhor, na aceitação da teoria das raças humanas
e de que existia uma hierarquia entre elas. O branco estava no topo da mesma
e o negro na camada inferior, por isso se justificava sua escravização, uma vez
que o branco o retiraria do seu estado de selvageria, dando-lhe a oportunidade
de apreender os princípios de civilidade com o trabalho forçado e a religião,
cristã é claro, imposta aos africanos.
Trabalho e racismo.
Outra problematização interessante, professor, é a oposição trabalho
livre versus trabalho escravizado. Os trabalhadores livres, os libertos e/ou os
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chamados negros forros se negavam de toda forma a executar os trabalhos
mais pesados ou mesmos os trabalhos manuais exercidos pelos escravizados.
Podemos verificar esta recusa na citação a seguir:
Numa sociedade em que o trabalho era servil, mal pago e identificado com a escravidão, o paria brasileiro preferia, em muitos casos, sua precária existência rural ao emprego regular nas fazendas (CONRAD, 1972, p. 53).
Essa atitude, aliada ao racismo existente, fez com que surgisse um
preconceito que os qualificava como indolentes, preguiçosos, pouco afeitos ao
trabalho. Mas pensemos na razão dessa recusa naquele momento histórico! O
trabalho forçado e toda violência que o cercava, fez com que aqueles que
conseguiam liberdade tivessem ojeriza a tudo que lembrasse o cativeiro,
inclusive ao trabalho realizado em tais condições, portanto nada mais natural
esta recusa, e ela nada tinha de preguiça ou de inaptidão à vida em liberdade
como se propagava àquela época.
Podemos perceber esta idéia errônea também na alegação dada pelos
conservadores quando se opunham à abolição, para eles, a mesma deveria ser
paulatina, e os escravizados obrigados a prestar serviços para os antigos
proprietários, pois segundo os mesmos, estes os conduziriam a uma vida em
liberdade direcionada para o trabalho. Mesmos alguns abolicionistas defendiam
essa “necessidade” de proteção para os escravizados uma vez libertos. É o
caso de Rui Barbosa que observava que:
em presença da liberdade que instantaneamente se lhe franqueia com a imensidão do nosso território ante os olhos, o liberto, nos primeiros anos de sua aclimatação na terra prometida de suas esperanças, carece de mão amparadora, que o guie, e precate contra as atrações do desconhecido, o gosto da indolência e o instinto desconhecido de aventuras (MENDONÇA, 2001, p. 31-32).
Verificava-se também o pouco interesse dos grandes fazendeiros em
utilizar essa mão-de–obra livre e ociosa que sobrevivia à margem da
sociedade. Ao contrário, quando da abolição os investimentos foram realizados
para a vinda de imigrantes europeus, cerca de um milhão de imigrantes, que
assim, além de ocuparem-se do trabalho que antes era exercido pelos
escravizados contribuiriam para a política de embranquecimento da população
brasileira e exclusão do negro do meio urbano, como atesta SODRÉ:
Trata-se de uma decisão político-cultural, com uma lógica orientada pelo esforço das aparências brancas da população urbana. As alegadas “vantagens técnicas” dos imigrantes europeus eram um
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argumento que mal escondia o desejo manifesto de se promover a “regeneração racial” dom país (SODRÈ, 2002, p.45).
Porém não podemos esquecer que a abolição trazia em seu bojo a
necessidade de reformulação do conceito de trabalho que, como vimos
anteriormente, no Brasil estava associado ao trabalho cativo. A total integração
do país ao sistema produtivo capitalista necessitava da valorização do trabalho
e para isso tornou-se necessária a extinção do trabalho escravo. Somente com
a abolição esse intento seria atingido e com a dignidade do labor restaurada, o
trabalho livre e assalariado permitiria a composição de uma sociedade de
consumo, necessária para a vigência do sistema capitalista e para a
modernização da sociedade que se pretendia igualar aos moldes europeus.
Segundo Santos (2005) a modernização da sociedade brasileira
inspirada nos princípios do liberalismo econômico exigia a adoção de um
Estado constituído de cidadãos com plenos direitos e deveres e o escravizado,
destituído da condição de cidadão era um empecilho aos interesses da elite
brasileira.
Participação do negro no processo abolicionista.
Hoje a regência pratica às escâncaras, em solenidades públicas, o acoitamento de escravos (...). Mas isso depois que dos serros de Cubatão se despenhava para a liberdade a avalanche negra, e o não quero do escravo impôs aos fazendeiros a abolição (Rui Barbosa, in: SILVA, 2003, p. 30
A passividade do negro no processo abolicionista e a amenidade com
que transcorreu esse processo dentro da sociedade brasileira é senso comum
nos materiais didáticos Mas engana-se quem acredita que este momento
transcorreu com a anuência de todos. Pelo contrário, opunham-se os
interesses de escravocratas e escravizados e estes por sua vez continuavam
se valendo de brechas da lei e de todas as oportunidades que se
apresentavam para tornar realidade o seu direito de liberdade.
Direito este que era contestado pelos proprietários escravocratas e seus
representantes no Senado que se utilizavam da premissa de que se a lei
atribuía o direito à propriedade privada, a abolição sem a devida indenização
seria uma contravenção, uma vez que feria a constituição brasileira vigente à
época. Assim os embates foram acirrados, pois de um lado encontravam-se os
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abolicionistas que pregavam a extinção da escravidão imediatamente e de
outro, os defensores da escravidão pautados na legalidade desta. E estes
últimos até aceitavam a hipótese da libertação dos escravizados, desde que
fosse lenta e gradual para que, segundo eles, não prejudicasse os proprietários
e também garantisse a segurança da população livre, uma vez que no seu
entender:
(...) um dos sérios problemas dos libertos, do qual decorria o “perigo social, era o baixo nível de “necessidades” que não os compeliria ao trabalho.(...)Para que o trabalho dos libertos se tornasse efetivo seria preciso que eles tivessem um “nível de necessidades” que os impelisse, os estimulasse ou mesmo os forçasse a realizar tais trabalhos . E esse “nível de necessidades” os libertos não teriam porque a escravidão os privara disso (MENDONÇA, 2001, p.33).
Mas os embates não se davam somente no Senado. Os jornais e
revistas da época também traçavam suas opiniões acerca da abolição. Muitos
dos jornais combatiam as idéias abolicionistas, chegando mesmo a por em
dúvida os ideais de alguns abolicionistas, como é o caso de Joaquim Nabuco,
que após ser derrotado nas eleições de 1882, viaja para a Europa, onde
escreve sua obra O Abolicionismo. Assim, diferente do que pretendia Nabuco
que julgava que a abolição deveria correr por vias legais através do Senado,
evitando assim a perturbação da ordem, o movimento abolicionista ganha as
ruas, tendo a participação dos mais variados setores da sociedade.
Principalmente a partir da abolição do açoite, em outubro de 1886, que
os movimentos pró-abolição se intensificaram. Vamos citar apenas alguns para
demonstrar o entendimento da importância desta lei. Os fazendeiros entraram
em pânico, prevendo o fim da escravidão, pois sabiam que eram os castigos
físicos que impediam as fugas dos escravizados. E foi o que sucedeu, pois o
conflito, em algumas províncias radicalizou-se. Os abolicionistas incitavam os
cativos a fugirem das fazendas e o movimento dos caifazes3 foi bastante eficaz
nesta ação.
O historiador Robert Conrad narra episódios que se sucederam no Porto
de Santos, que graças à ação dos abolicionistas iniciaram um movimento na
cidade que teve o apoio integral da população e em menos de cinco dias todos
3 Caifazes: movimento organizado no final do século XIX por Antonio Bento de Souza. Os membros deste movimento organizavam fugas dos escravos para envia-los para o quilombo do Jabaquara, em Santos e depois para a província do ceará, onde a escravidão já fora abolida.
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os escravos da mesma foram libertados e, além disso, a cidade tornou-se um
refúgio declarado para escravos que fugiam dos proprietários escravocratas.
A atuação dos caifazes, em São Paulo, liderados por Antônio Bento foi
decisiva para acelerar a abolição na província. Os seguidores de Antônio Bento
também provinham dos vários segmentos da população: fazendeiros,
profissionais liberais, ex-escravos, membros negros da Confraria de Nossa
Senhora dos Remédios, comerciantes, padres e estudantes. Realizando as
mais variadas tarefas os chamados caifazes infiltravam-se nas fazendas para
ajudar os cativos na fuga, protegiam e davam guarida a escravos fugitivos.
Incitando os escravizadores a abolir os cativos.
Os escravizados também atuavam nesta luta de forma decisiva fugindo
das fazendas, dizendo o “não quero” aos escravocratas, utilizando-se de toda
forma de luta, fundando os quilombos, centros de resistência, que nestes anos
finais da escravidão foram chamados de quilombos abolicionistas. Diferentes
dos primeiros que eram criados longe das cidades, em locais de difícil acesso,
agora foram instalados ao redor dos centros urbanos, onde podiam atuar a
favor de sua causa. Esse é o caso do quilombo do Jabaquara, próximo à
cidade de Santos, que recebeu centenas de escravos que fugiam das fazendas
de todas as partes da província. Ali encontravam abrigo e trabalho nas docas
do porto.
Outro quilombo abolicionista famoso foi o do Leblon, que atuava bem no
coração do Império, inclusive as camélias produzidas pelo quilombo enfeitavam
as casas da cidade e o palácio da princesa Isabel e segundo o historiador
Eduardo Silva, teve grande influência nas decisões referentes aos últimos
momentos da campanha abolicionista, através da figura do seu fundador, o
comerciante português José de Seixas Magalhães.
Estes quilombos tiveram sua importância pelo fato de que além de
abrigarem os escravos que fugiam do cativeiro, lutaram próximo aos centros
urbanos combatendo a instituição escravista e seus defensores. Estiveram bem
mais expostos aos ataques da polícia a serviço dos escravocratas e sua
resistência foi fundamental para o desfecho que ocorreu em 1888.
A abolição aconteceu, portanto após longos embates no Senado,
principiados em 1850, através da atuação de abolicionistas dos mais diferentes
segmentos e influenciados pelos mais diversos interesses, mas, sobretudo
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através da ação de negros libertos, dos quilombos abolicionistas e de
escravizados que lutaram contra todas as formas de opressão que lhes foram
impostas, acelerando o desmantelamento de um sistema que estava em vias
de desintegração.
Como exemplificou CONRAD a respeito da abolição na província de São
Paulo:
(...) foi a fuga dos escravos, mais do que a chegada dos italianos que convenceu, finalmente, os senhores de São Paulo de que o momento da libertação já chegara.(...) Só quando compreenderam – e chega- ram a esta conclusão muito relutantemente – que nada, a não ser a libertação total, solucionaria seu problema que se converteram ao
abolicionismo (CONRAD, 1972, p.313).
Conclusão
Assim, buscamos trabalhar o movimento abolicionista como parte de um
processo que transformou o escravizado em negro ou mulato, construção esta
permeada pela intensificação do racismo que imperou na segunda metade do
século XIX e que contribuiu para o preconceito de cor no imaginário social
brasileiro4, presente ainda no senso comum. Na sociedade brasileira dos
últimos anos do Império e início da República não havia lugar para o negro. Era
uma sociedade pensada para o branco, com ideais de civilidade européia e
todos os que não se enquadravam a este modelo eram excluídos através da
legislação ou do impedimento de acesso a trabalhos mais qualificados e de
moradia nos locais de difícil acesso.
Espera-se assim que essas reflexões possam contribuir para o
entendimento de que a imagem estereotipada do negro ainda permanece no
imaginário social refletido no senso comum das pessoas sem que estas
percebam que estão sendo preconceituosas ao utilizar certas expressões do
nosso vocabulário ou mesmo nas brincadeiras ou piadas. É esta permanência
no imaginário social que devemos combater, procurando entender como as
4 Segundo José D’Assunção Barros, p. 91, imaginário são imagens visuais, verbais e mentais produzidas por uma sociedade.
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teorias iluministas e positivistas exerceram influência nessa construção do
imaginário5 levando a uma desnaturalização do indivíduo negro, atribuindo-lhe
uma essência maléfica ou então invisibilizando-o no cenário nacional. Será que
as permanências deste imaginário no senso comum (modo de pensar da
maioria das pessoas) trazem implicações para a vivência dos atores do espaço
escolar? Em que medida o mesmo está presente no discurso de docentes e
discentes e quais implicações para o ensino de História do Brasil e em que
proporção impede que o professor trabalhe realmente de forma positiva a
presença negra na história do nosso país e suas contribuições no plano
cultural, econômico e social do Brasil.
Referências:
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro,
Editora Civilização Brasileira, 1975.
MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no
Parlamento e na Justiça. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001.
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.
PENA, Eduardo Spiller. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores
e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999, 362p.
PINSKY, Jaime e Carla Bassanezi Pinsky. Por uma História Prazerosa e
Conseqüente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula:
conceitos, práticas e propostas. 4. ed. – São Paulo> Contexto, 2005,p.17 a 36.
ROCHA, Lauro Cornélio da. A exclusão do negro – 1850 – 1888: uma
interpretação histórica das leis abolicionistas. São Paulo, USP, dissertação
de Mestrado.
SODRÉ, Muniz. O terreiro e a Cidade: a forma social negro-brasileira. Rio de
Janeiro, Imago Ed.; Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma
investigação de história cultural. São Paulo, Editora Scharcz, 2003.
5 Segundo José D’Assunção Barros, p. 91, imaginário são imagens visuais, verbais e mentais produzidas por uma sociedade.
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3. Perspectiva Interdisciplinar
Título: Literatura abolicionista
O professor de História tem um papel fundamental ao tratar desta temática,
buscando demonstrar aos educandos como o racismo foi sendo historicamente
construído por uma elite influenciada pelas idéias iluministas e liberais num
determinado momento da história brasileira onde o ideal de civilidade, de
cultura e de progresso era europeu e a população do Brasil não atendia a estes
ideais. Nessa busca por um ideal de civilização o país iniciou toda uma política
de branqueamento negando tudo que representasse a influência negra da sua
cultura investindo na imigração européia e na construção de uma ideologia da
branquitude. E neste processo, a Literatura da época foi pródiga em
personagens que contribuíram para a cristalização deste estereótipo criado em
relação ao negro.
Dessa forma a Literatura pode contribuir para que possamos compreender
melhor este período da nossa história. Ela pode nos levar a mergulhar no
pensamento popular, a perceber os estereótipos socialmente criados com a
intenção de inferiorizar as pessoas negras e isentar os escravizadores de culpa
pela prática da escravidão criminosa. Pois como bem especificou Faoro “A
literatura se relaciona intimamente com a vida social, constituindo-se como
uma espécie de espelho no qual se reflete uma época histórica” (FAORO, 1974
in: Revista Entre Livros: textos fundamentais para ler e guardar, Duetto,
set/2007, p.63).
Sugerimos aqui a análise da obra “As vítimas algozes” de Joaquim Manuel
de Macedo. Nesta obra existem 3 contos que o professor pode adequar para
análise com os seus alunos. Ela foi escrita em pleno processo abolicionista e
talvez até para convencer os proprietários de escravos da importância da
abolição. Ao retratar o negro escravizado como “(...) o homem que nasceu
homem, e que a escravidão tornou peste ou fera” (MACEDO, in:
BROOKSHAW, 1983, p.33), percebe-se seu intento em demonstrar que a
escravidão era responsável pelos males que atingiam a sociedade, então nada
mais natural e urgente que a mesma se livrasse deste mal.
Mesmo que sua intenção tenha sido a de contribuir para a percepção da
necessidade da abolição, o preconceito do autor para com a cultura africana e
para com o negro é latente em várias passagens. Seus personagens negros
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são destituídos de beleza, de integridade e da moral que somente os
personagens brancos podem possuir. Portanto, vemos que o autor estava
totalmente imbuído dos preconceitos reinantes à época.
Para melhor compreensão destacamos um pequeno trecho “[...] criolo
escravo e estimado de seu senhor torna-se em breve tempo ingrato e muitas
vezes leva a ingratidão a perversidade, porque é escravo” (MACEDO, s/d, p.
6).
Para o autor, mesmo que seja bem tratado, o escravizado jamais será grato
ao escravizador pelo simples fato de que a condição de escravo lhe tira os
sentimentos inerentes ao ser humano, em outras palavras, o autor aproxima o
escravizado às feras, que de um momento para outro podem atacar a mão que
“bondosamente” as alimenta.
Outra passagem interessante para ser tratada com os alunos a respeito
do preconceito do autor em relação ao negro pode ser observada no trecho em
que ele se refere às conseqüências que a sociedade tem de arcar por ter
instituído o sistema escravista. Macedo (1937, p.2) exemplifica sua opinião
quando cita que “não é possível que haja escravos sem todas as
conseqüências escandalosas da escravidão, querer a úlcera sem o pus, o
cancro sem a podridão é loucura ou capricho infantil.
É muito clara a visão do autor de que a escravidão corrompe o
escravizado, que por sua condição fica destituído de qualquer sentimento mais
nobre e, além disso, afeito à vadiagem e ao vício e mesmo que seja liberto um
dia, não terá as mesmas atitudes de um homem livre. Portanto para Macedo é
necessário livrar-se da escravidão para evitar que a sociedade continue sendo
corrompida e livrar-se da escravidão é livrar-se do escravizado.
Em outro conto que compõe a obra já citada, Macedo quando faz alusão
aos problemas inerentes à escravidão tenta demonstrar aos donos de escravos
os perigos que sua família sofre por manter-se próxima dos escravizados:
E ainda mais afirmamos com a segurança que resulta do estudo e da observação. Enquanto no Brasil houverem escravos, estarão nossas famílias facilmente expostas a envenenamentos por eles propinados. E, o que mais é, em dez casos desses crimes ou de tentativas desses crimes dois será contra o senhor, oito contra a senhora (MACEDO, 1937 p.68).
Percebe-se claramente a posição do autor, a de acabar com a
1
escravidão o mais rápido possível, mas não por sentimento de piedade para
com os escravizados, antes como uma forma de evitar que a população branca
continue tendo contatos com os negros. Se realmente esta foi uma obra
encomendada pelo Imperador para convencer os fazendeiros da necessidade
da abolição, é uma incógnita, mas o autor esmerou-se em demonstrar por que
acreditava que a abolição era necessária. E essa não é uma característica
somente desta obra, as demais, escritas no período abolicionista são também
impregnadas do preconceito em relação ao negro que imperava no período.
Referências:
BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Porto Alegre,
Mercado Aberto, 1983, 266p.
MACEDO, Joaquim Manuel, As vítimas Algozes, disponível no endereço
eletrônico: http://www.dominiopublico.gov.br
Acessado em: outubro/2007.
4. Contextualização
Título: A invenção das raças e o processo de exclusão do negro
No século XIX, as teorias racialistas pensavam a existência de raças
como grupos de indivíduos com características próprias, portanto divididos em
culturas diferentes que são transmitidas para todos dentro do grupo.
Acreditavam também que o comportamento do indivíduo está atrelado ao do
grupo étnico ao qual pertence e de que existe um parâmetro único para avaliar
essas culturas.
Essas teorias racialistas unem-se ao racismo que prega a submissão
das raças inferiores por aquelas consideradas superiores. Encontra-se assim,
nas teorias racialistas a resposta para a prática de uma política racista.
Ora, os povos asiáticos, africanos e indígenas, estavam sendo
subordinados, naquele momento, e as teorias racialistas produziam discursos
com a finalidade de legitimar aquele processo de dominação e exploração de
pessoas.: “(...) a necessidade de teorizar as “raças”, como elas são, ou seja,
construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica
errônea, mas socialmente eficaz para construir, manter e reproduzir diferenças
1
e privilégios” (GUIMARÃES, 1999, p. 64).
Estas teorias são ressuscitadas no Brasil num momento específico,
onde a partir de 1871 encaminhava-se para o desmantelamento da escravidão
e acenava para o fim do regime monárquico. As idéias racistas européias
chegam ao país e aqui são reproduzidas de modo singular, sem nenhuma
crítica mais apurada. Absorver estas teorias que condenavam a miscigenação
e ao mesmo tempo adapta-las a um país que se caracterizava pela mistura das
raças foi um desafio para a elite cultural brasileira. Citando Schwarcz:
Paradoxo interessante, liberalismo e racismo corporificaram, nesse momento, dois grandes modelos teóricos explicativos de sucesso local, equivalente e, no entanto contraditório: o primeiro fundava-se no indivíduo e em sua responsabilidade pessoal; o segundo retirava a atenção colocada no sujeito para centrá-la na atuação do grupo entendido enquanto resultado de uma estrutura biológica singular (1993, p. 14).
Os intelectuais brasileiros, segundo a mesma autora, utilizaram dois
modelos teóricos completamente diferentes e até contraditórios. Do darwinismo
social utilizaram a idéia da diferença entre as raças e sua hierarquização
(poligenismo) sem, no entanto discutir as implicações negativas da
miscigenação propagada por esta teoria. Do evolucionismo social utilizaram a
noção de que as diferentes raças passariam por uma evolução até chegar à
mais perfeita, demonstrando o esforço em adaptar à realidade brasileira as
teorias estrangeiras. Aqueles que se enquadravam no modelo menos evoluído
tornaram-se objeto de estudos: negros, pobres e escravizados passaram a ser
encarados como perigosos, um dificultador para o progresso da nação.
As antigas noções iluministas de perfectibilidade, do determinismo
geográfico e da poligenia (origens separadas das diferentes raças) somam-se
às teorias elaboradas a partir das ciências biológicas. Surge o darwinismo
social6 que pressupõe a existência de espécies humanas separadas por
estágios de evolução e, portanto em diferentes estágios culturais e de
conhecimento. Passou-se a destinar um lugar no mundo a cada povo de
acordo com sua classificação evolucionista, assim acreditavam que nada mais
6 O darwinismo social, teoria criada por Herber Spencer, foi influenciada pela teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Para os darwinistas sociais as características inatas ou herdadas têm uma influência muito maior do que a educação recebida pelo indivíduo. Os mais fortes e aptos estariam também mais desenvolvidos economicamente, justificando as desigualdades sociais existentes nas sociedades. Influenciou a eugenia e o nazismo.
1
natural que o branco, por estar no topo da evolução, subjugasse os demais,
isentados de culpa pelas teorias racialistas, pois estas argumentavam que tais
grupos eram menos evoluídos do que os brancos europeus. Os escritos sobre
as diferenças entre os vários povos impunham certa hierarquia que através de
uma explicação anatômica vinha tentar explicar as mesmas. Dessa forma
surgem as ciências da época como a frenologia, a antropometria7 e a eugenia8,
todas muito difundidas no Brasil de fins do século XIX e início do XX. Assim o
darwinismo social - com seu ideal de evolução das espécies, que preconiza a
existência de uma raça pura, mais evoluída e por isso vitoriosa, - “vem coroar
de êxito a teoria das raças que vinha se desenvolvendo por mais de um século”
(SANTOS, 2005, p. 52).
Corroborando estas teorias, a ascensão da sociedade industrial com seu
elogio ao trabalho e ao sucesso pessoal através do desempenho do mesmo,
fez com que os povos que não estavam neste “estágio de desenvolvimento”,
como os africanos e indígenas brasileiros, fossem considerados inferiores,
incapazes de se afeiçoar ao trabalho, de chegar a uma moral evoluída.
Naturalizava-se a concepção de inferioridade, de incapacidade mental, da falta
de beleza e de senso moral destes povos. Apenas o branco poderia chegar ao
mais pleno desenvolvimento, tanto material quanto moral e estético. Os
teóricos brasileiros tentaram explicar as diferenças e hierarquias sociais de
modo bem particular. Enquanto as teorias racistas eram contrárias à
miscigenação por acreditar na degeneração das espécies, no Brasil a elite
cultural se atrevia a certos “rearranjos teóricos, pensando na viabilidade de
uma nação mestiça” (SCHWARCZ, 1993, p. 65).
Esses teóricos inventam o “ser negro brasileiro” a partir da influência
destas teorias racistas e do liberalismo. Assim passam a condenar o negro, a
sua religião, a sua inteligência e capacidade para trabalhar e para constituir
família. Mesmo para alguns abolicionistas era contundente a inferioridade do
negro. Os estereótipos afirmavam a incapacidade intelectual do negro, o que
levavam muitos deles a negarem sua identidade negra. Foi o caso de André 7 Segundo SCHARCZ, p. 48, frenologia e antropometria são teorias que procuravam interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e a proporção do cérebro dos povos. 8 Para SANTOS, p. 51, é a crença difundida no século XIX, de que existiria uma raça pura, mais forte e sábia que eliminaria as raças mais fracas, desenvolvendo o extermínio das mesmas.
1
Rebouças, por exemplo, que sendo mestiço de negro e branco, conseguindo
circular nos meios brancos procurou negar de toda forma sua ascendência
africana. Somente mais tarde é que se engaja na campanha abolicionista.
Outro abolicionista, José Bonifácio, acreditava que o africano possuía pouca
capacidade mental, porém como afirma SANTOS (2005,p.105) “não se negava
a utilizá-lo como mão-de-obra livre para a efetiva ocupação do território e
progresso nacional”, já outro defensor da emancipação do negro escravizado,
Cezar Burlamarque, ex- chefe da Província do Paraná, alegava a necessidade
de devolver a todos para o solo africano, garantindo-se a paz e a segurança
para a população branca.
Joaquim Nabuco, importante abolicionista escreveu a obra “O
abolicionismo” em 1883 e teve grande influência sobre os militantes de então.
Sua obra defendia a necessidade de que o processo emancipatório corresse
por vias legais, através da Câmara e do Senado, jamais pelas mãos dos
escravizados, ou seja, “tomar o movimento das mãos deles e institucionalizá-lo
como se fosse um presente, um brinde aos cidadãos brasileiros” (SANTOS,
2005, p.122). Dessa forma pretendia-se dar a impressão de que os negros
foram passivos neste processo, necessitando da bondade dos brancos para
libertá-los do jugo da escravidão.
No mesmo contexto veremos que com o fim da escravidão, agora com
os negros libertos, era necessário pensar um ideal de sociedade onde todos
tivessem seu lugar definido. Às elites brasileiras não interessava pensar a
igualdade que as conquistas políticas trouxeram para toda a população numa
forma geral. Ciosa de seus privilégios passou a ressaltar as idéias racistas para
colocar brancos e negros em condições desiguais.
Finda a escravidão e instaurada a democracia por meio da República, toma força um discurso racial, tardio se comparado ao modelo liberal presente desde 1822. Ante a liberdade prometida pela abolição e a igualdade oferecida pela nova Constituição – que transformava todos em cidadãos-, parecia imperativo repensar a organização desse país (...) Transformada em utopia pelos cientistas nacionais, a igualdade conseguida mediante as conquistas políticas era negada em nome da natureza (SCHWARCZ, 1993,241).
E hoje, como nós podemos analisar com nossos educandos a situação
do negro após 119 anos da abolição da escravidão? Será que podemos, com
toda franqueza, dizer-lhes que o racismo não existe no Brasil? Você pode dizer
1
que sim, afinal vivemos o mito da democracia racial. Tem razão, é um mito não
uma realidade. Basta estarmos atentos para os indicadores sociais e veremos
que grande parcela da população vive em condições de extrema pobreza. E,
segundo dados do Atlas Racial Brasileiro, entre os mais pobres, os que estão
em situação mais precária, são negros. Que tal analisar com seus educandos
os índices do Atlas Racial Brasileiro e constatar as disparidades sociais
encontradas no Brasil analisando o porquê dessas diferenças? Por que ainda
encontramos grande parte da população negra em desvantagem sócio-
econômica? Será que estas permanências da história não podem ser
alteradas? Conhecendo a história, juntos podemos reescrever os rumos da
mesma, construindo enfim para uma sociedade justa e igualitária, que respeita
a diversidade.
Referências
AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Anti-racismo e seus paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e racismo. São Paulo, ANNABLUMME: 2004 BORGES, Edson. MEDEIROS, Carlos Alberto. D’ADESKI, Jacques. Racismo,
preconceito e intolerância. São Paulo, Atual: 2002.
PENA, Spiller Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores
e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999, 362 p.
SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do “ser negro”: um percurso
das idéias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo,
EDUC/FAPESP; Rio de Janeiro, PALLAS: 2005.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e
questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras: 1993
5. RECURSOS DIDÁTICOS
Sítios
a) Título do sítio: http://www.casadasafricas
Acessado em: novembro/2007
Comentário: neste sítio você encontrará textos, livros, imagens e outras
informações sobre a África e a presença dos africanos e seus descendentes
no Brasil.
2
b) Título do sítio: http://www.acordacultura
Acessado em: outubro/2007
Comentário: Neste sítio podemos encontrar textos relacionados à presença
da cultura africana do Brasil, como religiosidade, personalidades negras que
se destacaram na história do país e na arte, além de entrevistas entre
outros.
c) Título do sítio: http://www.historianet
Acessado em: novembro/2007
Comentários: Encontramos textos referentes à história do negro no Brasil.
d) Título do sítio: http:// www.mec.gov.br/secad/diversidade/ci
Acessado em: novembro/2007
Comentários: Neste sítio o professor pode acessar livros que foram
editados pelo MEC/SECAD,em formato pdf, relacionados à discussão do
racismo na escola, sugestão de conteúdos e atividades para as diferentes
disciplinas e séries do ensino básico.
Sons e Vídeos
VÍDEOS
Sugestão de vídeo
Título: A negação do Brasil
Direção: Joel Zito
Produtora;Casa de Criação Cinema e Vídeo, Joel Zito Araújo, Juca Cardoso,
Luis Antonio Pillar, Vandy Almeida.
Duração (hh:mm); 90 minutos
Local da Publicação; São Paulo, Brasil
Ano:2000
Disponível em: Vídeo Locadora
Comentário:
“Documentário sobre tabus, preconceitos e estereótipos raciais. Uma historia
das lutas dos atores negros pelo reconhecimento de sua importância na
historia da telenovela, o produto de maior audiência no horário nobre da TV
brasileira. O diretor, baseado em suas memórias, e em fortes evidencias
fornecidas por pesquisas, analisa a influencia das telenovelas nos processos
de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação
2
positiva do negro nas imagens televisivas do país.”
Comentário extraído do sitio: htpp: //www.historianet.com/br
Sugestão de vídeo
Título: AMISTAD
Direção: Steven Spielberg
Duração: 162 min.
Local da Publicação: EUA
Ano: 1997
Disponível em: Vídeo Locadora
Comentário:
“Em 1839 dezenas de africanos a bordo do navio negreiro espanhol La Amistad
matam a maior parte da tripulação e obrigam os sobreviventes a leva-los de
volta à África. Enganados, desembarcam na costa leste dos Estados Unidos,
onde, acusados de assassínios, são presos, iniciando um longo e polêmico
processo, num período onde as divergências internas do país entre o norte
abolicionista e o sul escravista, caracterizavam o prenúncio da Guerra de
Secessão”.
Comentário retirado do sítio: http://www.historianet.com/br/conteudo/default
Sugestão de vídeo
Título: Quanto vale ou é por quilo
Direção: Sérgio Bianchi
Duração: 01h48min
Local da Publicação: São Paulo
Ano: 2005
Comentário:
“Desenha um painel de duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo,
semelhantes na manutenção de uma perversa dinâmica sócio-econômica,
embalada pela corrupção impune, pela violência e pelas enormes diferenças
sociais. No século XVIII, época da escravidão explícita, os capitães do mato
caçavam negros para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo:
o lucro. Nos dias atuais, o chamado Terceiro Setor explora a miséria,
preenchendo a ausência do Estado em atividades assistenciais, que na
2
verdade também são fontes de muito lucro. Mostra que o tempo passa e nada
muda. O Brasil é um país em permanente crise de valores.”
Comentário extraído do próprio vídeo (contra-capa).
Sugestão de vídeo
Título: Atlântico Negro – Na Rota dos Orixás
Direção: Renato Barbieri
Duração: 54 min.
Local da Publicação: Brasília - DF
Ano: 1998
Disponível em: Vídeo Locadora
Comentário:
“Viagem no espaço e no tempo em busca das origens africanas da cultura
brasileira. Historiadores, antropólogos e sacerdotes africanos e brasileiros
relatam fatos históricos e dados surpreendentes sobre as inúmeras afinidades
culturais que unem os dois lados do Atlântico. Visão atual do Benin, berço da
cultura Ioruba. Filmado no Benin, no Maranhão e na Bahia.”
Comentário retirado do sitio: http://historianet.com.br/conteudo/default
Sugestão de vídeo
Título: Quilombo
Direção: Carlos Diegues
Duração (hh:mm): 119 min.
Local da Publicação: São Paulo
Ano: 1984
Disponível em: Vídeo Locadora
Comentário:
“Em meados do século XVII, escravos fugidos das plantações
canavieiras do Nordeste, organizam uma república livre, o Quilombo dos
Palmares. O quilombo sobreviveu por mais de 70 anos, até a destruição final.”.
Comentário retirado do sítio: http://www.historianet.com/br/conteudo/default
2
Áudio - CD/MP3
Título da Música: A mão da Limpeza
Executor/Intérprete: Gilberto Gil
Título do CD: Raça Humana
Nome da Gravadora;
Ano; 1984
Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/cpaste.php?udig
Gilberto Gil – A Mão Da Limpeza Gilberto Gil
O branco inventou que o negro Quando não suja na entrada Vai sujar na saída, ê Imagina só Vai sujar na saída, ê Imagina só Que mentira danada, ê Na verdade a mão escrava Passava a vida limpando O que o branco sujava, ê Imagina só O que o branco sujava, ê Imagina só O que o negro penava, ê Mesmo depois de abolida a escravidão Negra é a mão De quem faz a limpeza Lavando a roupa encardida, esfregando o chão Negra é a mão É a mão da pureza Você pode encontrar a letra da música na íntegra no endereço
http://vagalume.uol.com.br/cpaste.php?udig
Comentário: A letra desta música de Gilberto Gil faz uma relação com o racismo
presente na história da nossa nação, que sempre viu o negro através de um
estereótipo que infelizmente permanece arraigado no senso comum. Oportuniza a
reflexão e conscientização de nossa posição em relação ao combate ao racismo
no nosso país.
2
6. Proposta de Atividades
Atividade 1
Professor, no texto abaixo Clóvis Moura aborda o racismo brasileiro em relação
ao negro e os empecilhos para atingirmos a tão falada democracia racial. Com
base no texto e em dados da realidade brasileira que podem ser observados no
Atlas Racial Brasileiro, encontrado no sítio: http://www.atlas racialbrasileiro. Com
base nos dados encontrados faça uma reflexão com seus alunos sobre a
situação do negro no Brasil hoje, analisando as permanências e rupturas da
realidade que se apresenta na atualidade e aquela do período escravista. Após
o debate, sugerimos a elaboração e apresentação de textos, paródias ou de
charges que denunciem o racismo na nossa sociedade.
Título: Particularidades do racismo brasileiro. In: MOURA, CLÓVIS.
Dialética radical do negro brasileiro. São Paulo, Editora Anita, 1994. pág.
159-160
Particularidades do racismo brasileiroParticularidades do racismo brasileiroTexto: (...) “Em primeiro lugar o negro é considerado cidadão com os mesmos direitos e deveres dos demais. No entanto, o que aconteceu historicamente desmente este mito. Trazido como escravo, tiraram-lhe de forma definitiva a territorialidade, frustraram completamente a sua personalidade, fizeram-nos falar outra língua, esquecer as suas linhagens, sua família foi fragmentada e/ou dissolvida, os seus rituais religiosos iniciáticostribais se desarticularam, o seu sistema de parentesco completamente impedido de ser exercido e, com isto, fizeram-no perder, total ou parcialmente, mas de qualquer forma significativamente, a sua ancestralidade.
Além do mais, após o 13 de Maio e o sistema de marginalização social que se seguiu, colocaram-no como igual perante a lei, como se no seu cotidiano da sociedade competitiva(capitalismo dependente) que se criou esse princípio ou norma não passasse de um mito protetor para esconder desigualdades sociais, econômicas e étnicas. O Negro foi obrigado a disputar sua sobrevivência social, cultural e mesmo biológica em uma sociedade secularmente racista, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural, política e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradas e subalternizadas. Podemos dizer que os problemas de raça e classe se imbricam nesse processo de competição do Negro pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os salários dos trabalhadores no seu conjunto.
2
O racismo brasileiro, como vemos, na sua estratégia e nas suas táticas age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso mas altamente eficiente nos seus objetivos.E por que isso acontece? Porque não podemos ter uma E por que isso acontece? Porque não podemos ter uma democracia racial em um pademocracia racial em um paíís onde não se tem plena e s onde não se tem plena e completa democracia social, polcompleta democracia social, políítica, econômica, social e tica, econômica, social e cultural. Um pacultural. Um paíís que tem na sua estrutura social vests que tem na sua estrutura social vestíígios gios do sistema escravista, com uma concentrado sistema escravista, com uma concentraçção fundião fundiáária e ria e de rendas das maiores do mundo; governado por de rendas das maiores do mundo; governado por oligarquias regionais retroligarquias regionais retróógradas e broncas; um pagradas e broncas; um paíís no s no qual a concentraqual a concentraçção de rendas exclui total ou parcialmente ão de rendas exclui total ou parcialmente 80% da sua popula80% da sua populaçção da possibilidade de usufruir um ão da possibilidade de usufruir um padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores abandonados, carentes ou abandonados, carentes ou criminalizadoscriminalizados não pode ser uma não pode ser uma democracia racialdemocracia racial””..
Atividade 2
Professor, uma importante fonte de análise para entendermos o racismo
no Brasil é veiculada de forma sutil ou escancarada nos meios de
comunicação. Sugerimos que assista, com seus alunos, ao filme “A negação
do Brasil” e após reflexão da luta dos artistas negros para conseguir um espaço
nas telenovelas brasileiras, pesquise com os mesmos, a imagem do negro
veiculada nos meios de comunicação, finalizando com um debate que pode ser
socializado com toda a escola, sob a forma de cartazes ou de uma palestra.
Atividade 3
A literatura é uma grande fonte para entendermos uma época.
Sugerimos que seus alunos façam a leitura de uma obra escrita no período
abolicionista e interpretem a imagem do negro neste período, analisando os
estereótipos criados em relação ao negro, ao trabalho e da cultura africana.
Sugerimos a leitura das seguintes obras, todas disponíveis na internet:
2
Obras literObras literááriasrias
1. As v1. As víítimas Algozes timas Algozes
�� Autor: Joaquim Manoel de MacedoAutor: Joaquim Manoel de Macedo
�� DisponDisponíível em vel em http://www.domhttp://www.domííniopublico.gov.brniopublico.gov.br
�� Acessado em: 20/10/2007Acessado em: 20/10/2007
2. O demônio familiar2. O demônio familiar
�� Autor:JosAutor:Joséé de Alencarde Alencar
�� DisponDisponíível em vel em http://www.domhttp://www.domííniopublico.gov.brniopublico.gov.br
�� Acessado em: 20/10/2007Acessado em: 20/10/2007
3. Louren3. Lourenççoo
�� Autor: Franklin TAutor: Franklin Táávoravora
�� DisponDisponíível em vel em http://www.domhttp://www.domííniopubliconiopublico.gov..gov.brbr
�� Acessado em 20/10/2007Acessado em 20/10/2007
Após a leitura realizar um debate, apontando de que modo a literatura
reforça o racismo que havia no século XIX.
Atividade 4.
Após a discussão do texto realizada junto aos alunos, estimule os alunos
nas seguintes questões:
a) Como você analisa a seguinte afirmação: A abolição só ocorreu no
momento em que interessava ao regime político, ao exército, aos
industriais, aos fazendeiros e à elite letrada que detinha o poder político
e econômico e por isso ditava as normas sociais.
b) Que relação pode ser feita entre as idéias propagadas pelos filósofos
iluministas e a intensificação do racismo no século XIX?
c) E hoje, os estereótipos continuam presentes em nossa sociedade?
Justifique sua resposta.
2
Referências
a. Imagens
Criadas no período escravista, as comunidades quilombolas continuam a ser sinônimo de resistência da população negra. (Imagem disponível no endereço eletrônico http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br)
Hoje, apesar do preconceito ainda estar presente na nossa sociedade, a população negra vem ocupando os mais variados espaços no mercado de trabalho. (Imagem disponível no endereço eletrônico http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br)
7. RECURSO DE INFORMAÇÃO
7.1 Sugestão de Leitura
Título do Livro: Cenas da Abolição: escravos e senhores no Parlamento e na
Justiça
Referência: MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e
senhores no parlamento e na Justiça. São Paulo, Perseu Abramo, 2001.
Comentários: A autora aborda o processo abolicionista a partir dos debates
parlamentares e das ações judiciais movidas pelos escravos. Procura
demonstrar como as brechas da lei permitiram aos escravizados lutar pela
liberdade que lhes era negada.
Título do Livro: As Camélias do Leblon e A Abolição da Escravatura
Referência: SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e A Abolição da
Escravatura: uma investigação de história cultural. São Paulo, Companhia das
Letras, 2003.
2
Comentários: O historiador Eduardo Silva perfaz o trajeto do mais famoso
quilombo urbano, o quilombo do Leblon e de muitos personagens conhecidos
da história brasileira que lutaram pelo fim da abolição, influenciando inclusive a
princesa Isabel. Através da leitura desta obra podemos conhecer como alguns
abolicionistas atuaram na defesa dos direitos dos escravizados e pela garantia
de sua cidadania que até então fora negada.
Título do Livro: A invenção do ser negro brasileiro: um percurso das idéias
que naturalizaram as inferioridades dos negros.
Referência: SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do ser negro: um
percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo,
Educ/Fapesp; Rio de Janeiro, Pallas, 2005
Comentários: Nesta obra a autora refaz o percurso histórico do racismo e da
negação dos direitos do negro brasileiro a partir das idéias difundidas pelos
iluministas e que tanto influenciaram a elite intelectual e econômica brasileira e
como essa naturalização do racismo à brasileira aconteceu no imaginário
popular.
Título do Livro: As metamorfoses do escravo: Apogeu e crise da escravatura
no Brasil Meridional
Referência: IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo: Apogeu e crise da
escravatura no Brasil Meridional.São Paulo, Difusão européia do Livro, 1962.
Comentários: Este livro estuda a escravidão no Paraná, desde seu apogeu até
a abolição e transformação do escravo em negro e mulato, demonstrando
como o racismo foi sendo construído, ao mesmo tempo em que a abolição
pretendia, ao menos no papel, direitos civis iguais a todos os cidadãos
brasileiros, o preconceito impedia a concretização dos mesmos.
Título do Livro: Ser escravo no Brasil
Referência: MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo,
Brasiliense, 1988, 2ª edição.
Comentários: A autora aborda a escravidão desde a estrutura do tráfico até os
significados que o escravismo criminoso teve para os africanos e para os
escravizadores.As fugas, revoltas, a alforria e suas diversas formas, além das
relações sociais entre escravizados e homens livres.
2
Título do Livro: Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista.
Referência: REIS, João José. SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a
resistência negra no Brasil escravista. São Paulo, Cia. das Letras, 1989.
Comentários: Os autores abordam as formas de resistência negra contra a
escravidão, enfocando vários episódios da história do Brasil, retirando do
escravizado a visão de objeto, tratando-o como sujeito ativo de uma história
que lhe foi imposta por circunstâncias alheias, mas que a todo momento tentou
mudar o seu destino, com revoltas, greves, fugas e negociações.
Título do Livro: A astúcia escrava frente aos senhores
Referência: PENA, Spiler Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente
aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999,
362 p.
Comentários: O autor aborda de maneira bastante clara e interessante como
escravizados e libertos utilizavam-se de todos os meios disponíveis para burlar
a situação imposta de escravizado, inclusive utilizando as brechas da lei para
conseguir seu intento. O autor consegue dar vida aos personagens,
desvendando a história de Curitiba desconhecida nos manuais didáticos.
7.2. Notícias
Jornal
Título da Notícia: “O PROJECTO DE ABOLIÇÃO”
Referência: O Dezenove de Dezembro, 11 de abril de 1888, pág. 2)
Texto:
“Lê-se, sob esta epígraphe, na “Gazeta de Notícias” de 4 do corrente:
“Um telegrama do nosso correspondente de S. Paulo deu há poucos dias a
noticia de o Sr. conselheiro Antonio Prado estava elaborando o projecto de
abolição do elemento servil. (...)
O art. 1º da nova lei consagrara o principio da libertação immediata e total.
Os libertos (pois em virtude desta disposição não haverá mais escravos), como
dissemos, ficarão sujeitos à prestação de serviços por mais trez meses, aos ex-
senhores, vencendo salários estipulados na lei. Fora deste prazo, o liberto
contratará com quem lhe convier o seu serviço, cujo salário terá um único
regulador, a lei econômica da offerta e da procura.
Durante dois annos o liberto será obrigatoriamente localisado no município de
3
sua residência e será também obrigado a mostrar que tem occupação certa.
Esta parte da lei providenciará sobre a regulamentação simultânea da
vadiagem e vagabundagem, já de algum modo prevista nas leis anteriores. É
assim que a infracção destes preceitos da nova lei, referentes ao trabalho, será
punida com 8 dias de prisão e 30 nas reincidências com trabalho nas obras
públicas.(...)
Em todo caso, a idéia da libertação immediata e total, já aceita pela grande
maioria nacional, está adoptada pelo ministério que fará questão de gabinete,
se preciso for, para lhe dar victória.” (O Dezenove de Dezembro, 11 de abril de
1888, pág. 2)
Comentários: Interessante mostrar aos educandos como era pensada e
veiculada, à época, o projeto de abolição do cativeiro no Brasil, mostrando as
imposições pretendidas aos escravizados no momento da abolição. Além
disso, trabalhar jornais e outros documentos da época favorecem a melhor
compreensão de nossos alunos em relação ao tema abordado.
Revista de circulação
Título da Notícia: O lobby dos senhores de engenho
Fonte: Carta Capital
Referência: Carta Capital, Ano XIII, nº 464, 03 de outubro de 2007, p.18.
Texto:
Os donos da Pagrisa, maior produtora de álcool do Pará, serão
processados por manter funcionários em condições análogas à escravidão. Na
segunda-feira 24, a Justiça aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público
Federal, com base nos relatórios do grupo Móvel de Fiscalização do Ministério
do Trabalho. Os fiscais libertaram 1.064 empregados, de uma fazenda da
empresa em Uianópolis, a 417 quilômetros de Belém.
Essa foi a maior libertação desde 1995, quando o governo montou uma
equipe para combater o trabalho escravo. Só que um grupo de senadores,
liderados por Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Kátia Abreu (DEM-TO), passaram a
atacar a atuação dos fiscais na Pagrisa, acusando-os de “abuso de poder”.
Diante das pressões, a secretária de Inspeção do trabalho, Ruth Vilela,
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suspendeu as fiscalizações no País, em 20 de setembro. O ministro do
Trabalho, Carlos Lupi, diz que a medida visa proteger a integridade dos
servidores, que devem atuar “livres de pressões e interferências indevidas”.
O promotor Erlan Peixoto do Prado, do Ministério Público do Trabalho,
demonstrou preocupação com o fim das fiscalizações. “Centenas de
trabalhadores ficam vulneráveis quando o Estado não exerce o papel de vigiar
e punir os infratores”.
Comentários: (limite máximo: 250 caracteres):
O artigo faz referência à denúncia feita pelo Ministério Público à maior
produtora de álcool do Pará, a Pagrisa, que mantinha 1.064 trabalhadores
escravizados. Notamos hoje, as permanências do período abolicionista em que
parlamentares ligados aos grandes proprietários de terras, cuidavam dos
interesses dos mesmos, sem se preocupar com os interesses da população do
país, que infelizmente, os colocou no poder através do voto.
7.3. Destaques
Selvagens, Exóticos, Demoníacos. Idéias e Imagens sobre uma Gente de Cor Preta Gislene Aparecida dos Santos
Uma Cor Assustadora
O imaginário europeu durante toda a Idade Média até os séculos das Luzes, foi constituído pela existência de seres fantásticos que lhes geravam simultaneamente medo e fascínio. Raças monstruosas, homens com um pé só ou com orelhas enormes, gigantes, seres com o rosto no meio do peito, ocupavam lugar nas descrições da África e Ásia desde a Antiguidade, e figuravam na cosmografia renascentista. Ainda em 1660, em uma gravura de Mazot, representando a África (F. Mazot, As Quatro Partes do Mundo: a África. Paris, Biblioteca Nacional) se podia ver a imagem de um dragão, sobrevoando os céus.
Laura de Mello e Souza (1989:50) considera que “os habitantes das terras longínquas, que os europeus acreditavam serem fantásticas, constituíam uma outra humanidade, fantástica também, e monstruosa”. Conforme ocorreram as grandes descobertas, foram elas migrando da Índia à Etiópia, à Escandinávia e finalmente à América.
Esse mundo maravilhoso também era um mundo demoníaco com um diabo quase sempre pintado de preto já que, entre os medievais, Satã é
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chamado de Cavaleiro Negro e de Grande Negro.
Ainda segundo Cohen (1980), os europeus enxergavam o preto como marca do mal e da depravação humana e não podiam entender que houvesse povos portadores de uma cor que era motivo de grande inquietação.(...)
Terrorífico, o que mais assusta aos seres humanos é o pânico de perder o simbólico, de não conseguir representar aquilo que é vivido. Esse é o campo da estranheza (...). O negro, dessa forma, pode ser visto como o outro do branco, um duplo, como aquele que, ao surgir diante do branco, lhe remete a sensação de estranhamento, de terror, de algo que solicita, de alguma forma, uma simbolização. Essa simbolização ocorre através da construção, em primeiro lugar, do exotismo.
Obs.: Professor, você pode encontrar este texto na íntegra, no endereço eletrônico: http://www.scielo.br?scielo.php?Ing=pt
Este texto traz subsídios para a discussão do racismo, auxiliando-o a aprofundar esta problemática.
8. Paraná.
Título: Astúcia escrava
Referências: PENA, Spiler Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente
aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999,
362 p.
Para trabalhar a escravidão no Paraná e a luta do escravizado para a
obtenção de sua liberdade utilizamos dois casos abordados pelo historiador
Eduardo Spiler Pena, na sua obra já citada. Ao utilizar estes dois casos, tentou-
se desmistificar a idéia de passividade e mesmo conformismo dado ao
escravizado.
Ao analisar a história de Barnabé e de Eleuthério podemos perceber que
o escravizado soube aproveitar-se de momentos propícios para a negociação,
como aponta REIS( 1989) ao destacar que os escravizados agiam de acordo
com a oportunidade que se apresentava, gerando a negociação para a
obtenção ou manutenção de certos privilégios ou o conflito direto que gerava a
fuga para a liberdade.
A primeira história abordada por PENA e que passamos a analisar é a
de Barnabé Ferreira Bello, 33 anos, escravizado, nascido em São José dos
Pinhais, de pele negra, e que trabalhava como escravo de ganho como oficial
de sapateiro em Curitiba. Em 1880, juntamente com seu curador apresentou a
seguinte petição ao Juiz municipal de Curitiba:
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(...) que estando há muitos anos no pleníssimo gozo de sua liberdade, e na gerência dos poucos bens obtidos pelo seu trabalho, nesta Capital, em virtude do abandono em que deixou o seu ex-senhor, Reverendo João Baptista Ferreira Bello, residente na vila de São José dos Pinhais (...) precisa o suplicante que Vossa Senhoria o mande manumitir na posse do direito adquirido em face da suposição do parágrafo quarto do artigo sexto(PENA, 1999:p 245).
Interessante a história deste escravizado, que se apresentava a todos
como liberto, inclusive o fato de residir sozinho, pagando aluguel por conta
própria, facilitava que fosse tido como pessoa livre. Porém, no momento de
solicitar sua compra de alforria apresentou-se à justiça como escravo
abandonado pelo seu senhor, o que viabilizaria seu caminho para a liberdade.
Seu intento, ao final não foi alcançado, porém com sua astúcia e
decorrente da ação que moveu, permaneceu escravizado, porém seu
proprietário foi impedido de vendê-lo para outra província como era seu intento.
Pelo que apuramos na obra citada, Barnabé continuou a exercer sua profissão
de sapateiro, vivendo livre de certa forma, longe do olhar vigilante de seu
escravizador. O autor relata que em 1882, dois anos após a contenda que
tratamos acima, Barnabé é citado num relatório sobre o quadro dos alunos que
freqüentavam a escola noturna, enviado à presidência da província. Nesse
relatório aparece novamente o nosso astuto Barnabé como o único escravo a
freqüentar a escola noturna e também como o aluno mais faltoso, deixando
entrever que o mesmo continuava a interagir na sociedade escravocrata como
se liberto fosse.
Pena nos mostra que não podemos continuar a ver os escravizados
como pessoas passivas, destituídas de inteligência que aceitaram
passivamente a história que lhes foi imposta. Através da história de Barnabé,
podemos desmascarar dois mitos acerca da escravidão: uma de que no
Paraná não houve escravidão, mito que foi difundido por muitos historiadores e
também desmistificar a idéia da passividade do negro. Basta atentar para uma
das façanhas de Barnabé, que através de sua inteligência conseguiu se
matricular num curso noturno, num período da história brasileira em que a
educação e qualquer forma de instrução era vedada aos escravizados.
Outro momento importante analisado pelo autor refere-se à Lei nº 2040
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de 28 de setembro de 1871 ou Lei do Ventre Livre, importante destaque ao
abordarmos o processo emancipacionista, pois seguindo a idéia dos
parlamentares ela “estancaria, pois, a escravidão pela raiz e aproximaria o dia
da abolição total” (ROCHA, 1999, 75). A lei declarava que os filhos nascidos
de mulher escrava a partir daquela data, seriam livres, porém trazia ressalvas
quanto à liberdade uma vez que até os sete anos a criança estaria em poder do
senhor de sua mãe e até atingir a maioridade para pagar o que foi gasto com o
seu sustento era obrigado a prestar trabalhos ao mesmo. O proprietário de sua
mãe podia também entregá-lo aos cuidados do Estado se assim desejasse.
Qual a abrangência desta lei? Será que os escravizadores não buscaram
formas de burlar a legislação e continuar escravizando os que nasceram a
partir de 1871?
PENA nos mostra que também em Curitiba esta foi uma prática
constante, como podemos verificar na citação abaixo:
Eleuthério, ingênuo, nascido após a lei do ventre livre, foi matriculado ilegalmente como escravo, em 1887, por José Teixeira de Faria.(...) Nascido em 1874 e com apenas 13 para 14 anos no momento em que foi escravizado, Eleuthério recebeu o imediato apoio de parentes e conhecidos seus para dar entrada a uma ação sumária de liberdade no juízo municipal de Curitiba (PENA, 1999, 230).
A história de Eleuthério teve um desfecho feliz porque ele estava
protegido por um grupo de parentes, inclusive sua mãe, que viviam como
lavradores e constituíam uma pequena comunidade de libertos e que desta
forma conseguiram proteger-se dos interesses dos escravizadores. Assim
como o caso do pequeno Eleuthério quantos não existiram em nosso país? Os
proprietários de escravos utilizaram toda sorte de subterfúgios para burlar a lei
assim como também os escravizados se valeram das brechas da lei para
conseguirem sua emancipação.
Outra brecha trazida com a lei de 1871 foi a possibilidade de o escravo
formar “pecúlio” para comprar sua liberdade. É claro que esta não era uma
pratica da qual todos os escravizados pudessem se utilizar, uma vez que para
conseguir arrecadar dinheiro para comprar sua liberdade dependia também do
tipo de trabalho a que estava submetido, como os escravos de ganho, por
exemplo, para desta forma burlar a vigilância do seu proprietário e formar um
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pecúlio suficiente para requerer sua alforria. O escravo que conseguisse
poupar o suficiente tinha a proteção da lei, pois esta obrigava o proprietário a
conceder a alforria, como observa MENDONÇA ao abordar a lei de 1871, no
artigo 2º do parágrafo 4º em que estipulava o direito do escravo conseguir sua
alforria através de indenização oferecida ao seu proprietário.
Bibliografia
MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no
Parlamento e na Justiça. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001
PENA, Spiller Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores
e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999, 362 p.
ROCHA, Lauro Cornélio da. A exclusão do negro – 1850 – 1888: uma
interpretação histórica das leis abolicionistas. São Paulo, USP, dissertação de
Mestrado