Sebenta Da Estrelinha

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Anatomia Patológica L1 Adaptação Introdução Teórica Resumo: Respostas Celular ao Stress e Estímulos Nocivos As células normalmente encontram-se confinadas a um estreito espectro de funções e estruturas pelo seu programa genético do metabolismo, diferenciação e especialização. O stress fisiológico e alguns estímulos patológicos podem levar a alterações fisiológicos e morfológicos adaptação celular. Neste processo novos estados estacionários são alcançados, mas preservando a viabilidade da célula e ao mesmo tempo modelando a sua função de modo a responder ao estímulo. A resposta adaptativa pode consistir em: - Hiperplasia - aumento do número de células; - Hipertrofia - aumento do tamanho individual de cada célula; - Atrofia - diminuição do tamanho e função das células; Se os limites da resposta adaptativa a um estímulo forem ultrapassados, ou em algumas situações concretas em que a célula é exposta a um agente lesivo ou stress, a sequência de eventos que se seguem termina inevitavelmente em lesão celular. A lesão celular é reversível até um certo ponto, mas se o estímulo persistir ou se for severo o suficiente desde início, a célula atinge um ponto de não retorno e sofre lesão irreversível, o que pode conduzir a morte celular. Adaptação, Lesão Reversível e Morte Celular podem ser consideradas estágios da progressiva imparidade da normal função e estrutura das células. Morte Celular, é o último estádio da lesão celular, revelando-se um dos principais acontecimentos na evolução da doença de qualquer tecido ou órgão. Pode ser consequência

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Anatomia Patológica

L1 – Adaptação

Introdução Teórica

Resumo: Respostas Celular ao Stress e Estímulos Nocivos

As células normalmente encontram-se confinadas a um estreito espectro de funções e estruturas pelo seu programa genético do metabolismo, diferenciação e especialização. O stress fisiológico e alguns estímulos patológicos podem levar a alterações fisiológicos e morfológicos – adaptação celular. Neste processo novos estados estacionários são alcançados, mas preservando a viabilidade da célula e ao mesmo tempo modelando a sua função de modo a responder ao estímulo. A resposta adaptativa pode consistir em: - Hiperplasia - aumento do número de células; - Hipertrofia - aumento do tamanho individual de cada célula; - Atrofia - diminuição do tamanho e função das células;

Se os limites da resposta adaptativa a um estímulo forem ultrapassados, ou em algumas situações concretas em que a célula é exposta a um agente lesivo ou stress, a sequência de eventos que se seguem termina inevitavelmente em lesão celular. A lesão celular é reversível até um certo ponto, mas se o estímulo persistir ou se for severo o suficiente desde início, a célula atinge um ponto de não retorno e sofre lesão irreversível, o que pode conduzir a morte celular. Adaptação, Lesão Reversível e Morte Celular podem ser consideradas estágios da progressiva imparidade da normal função e estrutura das células. Morte Celular, é o último estádio da lesão celular, revelando-se um dos principais acontecimentos na evolução da doença de qualquer tecido ou órgão. Pode ser consequência

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de diversas causas, nomeadamente de isquémia, infecção, toxinas ou reacções imunitárias. Por outro lado, a morte celular revela-se um processo normal e necessário durante a embriogénese, no desenvolvimento dos órgãos, no manter da homeostasia e como alvo principal na terapia contra o cancro. Existem dois padrões principais de morte celular: - Necrose, é um tipo de morte celular que surge normalmente após um stress anormal como é o caso da isquémia ou lesão química, sendo sempre um processo patológico. - Apoptose, ocorre quando a célula morre por activação de um programa interno de suicido altamente regulado. Este processo é indispensável para eliminar as células desnecessárias durante a embriogénese e em diversos processos fisiológicos, como é o caso da atrofia dos tecidos hormono-dependentes a quando da baixa dos seus níveis. Este processo pode ocorrer em casos patológicos, sendo particularmente comum a quando da lesão do DNA. As células expostas a um estímulo crónico ou sub-letal podem não ser lesadas mas apresentar inúmeras alterações intracelulares. A perda do controlo do metabolismo leva a que se acumulem determinadas substâncias intracelularmente, incluindo proteínas, lípidos e glícidos. Em muitos casos o cálcio deposita-se em locais de morte celular, originando calcificações patológicas. No caso do envelhecimento celular sabe-se que existem alterações morfológicas e estruturais características.

Adaptações Celulares do Crescimento e Diferenciação

A célula responde a um aumento dos estímulos internos e externos com hiperplasia e hipertrofia, e à diminuição da quantidade de nutrientes e factores de crescimento com atrofia. Em algumas situações particulares a célula pode alterar o seu tipo celular, num processo denominado metaplasia. Algumas das adaptações são induzidas directamente por factores produzidos pelas células-alvo ou por outras presentes no ambiente, por outro é ainda possível que o sinal desencadeador esteja ao nível da regulação dos receptores de superfície ou das vias de sinalização que lhes estão adjacentes. Outro dos sinais que nos indica adaptação é as alterações na produção de proteínas, o que pode implicar a produção de uma nova proteína ou a produção de uma proteína já existente em maiores quantidades.

Hiperplasia

Consiste no aumento do número de células num órgão ou tecido, o que resulta na maior parte dos casos em aumento do volume desse organismo ou órgão. Apesar de muitas vezes ocorrerem em simultâneo, hiperplasia e hipertrofia, são processos distintos, no entanto podem ser desencadeados pelos mesmos estímulos. A hiperplasia apenas é possível em células que ainda retenham a capacidade de sintetizar DNA, dando possibilidade de que ocorra divisão mitótica. No caso da hipertrofia ocorre aumento das células sem que haja divisão.

Hiperplasia Fisiológica A hiperplasia fisiológica pode ser dividia em: - Hiperplasia Hormonal, que aumenta a capacidade de um tecido quando é necessário (ex. Capacidade de proliferação do epitélio glandular da mama durante a puberdade e a gravidez.); - Hiperplasia Compensatória, que aumenta a massa de uma tecido após remoção ou dano parcial (ex. Capacidade de regeneração do fígado.). Mecanismos de Hiperplasia

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A hiperplasia resulta normalmente de um aumento local dos factores de crescimento, de uma maior expressão dos seus receptores, ou da activação preferencial das vias de sinalização intracelular relacionadas. Todas estas alterações conduzem a uma maior produção de factores de crescimento que activam inúmeros genes celulares, incluindo os que codificam factores de crescimento, os seus receptores e factores de regulação celular. No caso da hiperplasia hormonal, as próprias hormonas tomam um papel de factores de crescimento, desencadeando todo este processo. O processo da hiperplasia compensatória não se encontra ainda bem definido, mas sabe-se que envolve não apenas a proliferação das células remanescentes, mas também de novas células derivadas de células estaminais. Foi recentemente descoberto que a medula óssea contém células estaminais capazes de originar diversos tipos de células diferenciadas e especializadas, e em alguns casos células hepáticas. Hiperplasia Patológica Muitas das hiperplasias patológicas resultam de um aumento da estimulação hormonal ou dos factores de crescimento (ex. Hiperplasia do Endométrio, Hiperplasia Benigna da Próstata, etc.). Todos estes processos são anormais, mas continuam controlados, isto é, se a estimulação hormonal for interrompida a hiperplasia regride. Mas sabe-se hoje que estes casos de hiperplasia patológica são propícios a que se desenvolva uma proliferação neoplásica. A hiperplasia é uma importante resposta do tecido conjuntivo a quando da restauração de uma lesão, sendo necessária a proliferação dos fibroblastos e dos vasos sanguíneos. Esta hiperplasia está associada a um aumento da produção de factores de crescimento. Existem ainda casos em que infecções virais, como o caso do papilomavírus, que devido à estimulação dos factores de crescimento podem originar verrugas, um grande número de lesões nas mucosas compostas por massas de epitélio hiperplásico.

Hipertrofia

Refere-se a um aumento no tamanho das células, sem que haja divisão, resultando num aumento do volume do órgão. Este aumento é consigo através do aumento da síntese de componentes estruturais. Como foi dito anteriormente um mesmo estímulo pode originar hiperplasia e hipertrofia, o que no caso dos tecidos sem capacidade de divisão (ex. Miocárdio) se traduz apenas em hipertrofia. O núcleo das células hipertróficas pode ter um maior conteúdo de DNA, o que provavelmente se deve à entrada no ciclo celular, sem que se conclua a divisão mitótica. A hipertrofia pode ser fisiológica ou patológica, resultando de um aumento na estimulação hormonal ou da necessidade funcional desse tecido (ex. Músculo estriado a quando do exercício físico continuado.). No caso particular do miocárdio o principal estímulo é o aumento crónico da carga hemodinâmica, como consequência da hipertensão ou da falência valvular. O aumento das fibras e da síntese proteica é resultado de um equilíbrio entre as necessidades e a capacidade funcional das células estimuladas. Como exemplo da hipertrofia em resposta a estímulos hormonais temos o aumento do útero a quando de uma gravidez, mas que resulta tanto de hipertrofia como de hiperplasia. O mesmo se passa com o aumento da mama a quando da lactação. Sabe-se actualmente que até mesmo o músculo cardíaco e esquelético possuem uma limitada capacidade de proliferação através de precursores, no entanto este tipo de resposta na maior parte das vezes não ocorre, verificando-se apenas a hipertrofia. Mecanismos de Hipertrofia O mecanismo de hipertrofia do miocárdio envolve a activação de inúmeras vias de transdução, resultando na indução de genes, que por sua vez estimulam a síntese de numerosas proteínas celulares. Os genes induzidos incluem:

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- Factores de Transcrição (c-fos e c-jus); - Factores de Crescimento (TGF-β, IGF-1 e FGF); - Agentes Vasoactivos (Agonistas α-adernégicos, Endotelina-1 e Angiotensina II). Este factores pode ainda estar envolvidos na transição das proteínas contrácteis do adulto para fetal ou neo-natal. Alguns genes são expressos apenas durante o desenvolvimento precoce e voltam a ser expressos no caso de células hipertróficas, sendo os produtos destes genes indispensáveis para a resposta ao stress por parte destas células. Como exemplo temos a expressão do ANF (Factor Natriurétido Auricular) que durante o desenvolvimento é expresso nos ventrículos e aurículas, sendo durante a vida adulta apenas expresso nas aurículas, e que a quando de estímulos hipertróficos volta a ser expresso nos ventrículos. Os estímulos para a hipertrofia ou para o desencadear da expressão destes genes são: - Estímulos Mecânicos, como o caso da força; - Estímulos Tróficos, nomeadamente factores de crescimento e agentes vasoactivos. No caso concreto da hipertrofia do miocárdio é importante compreender que existe um limite, nomeadamente quando o aumento do tecido não é compensado por um aumento da sua vascularização, o que conduz a um conjunto de alterações degenerativas. Destas alterações destacam-se a lise e perda das fibras contrácteis, a morte, quer por apoptose, quer por necrose, dos miócitos. Estas limitações vasculares impõem uma diminuição da capacidade oxidativa das mitocôndrias, alterações na síntese e degradação proteica, ou alterações no citoesqueleto.

Atrofia

A diminuição no tamanho celular por perda de substancia é conhecido como atrofia. Este tipo de resposta representa uma adaptação, que em último caso pode culminar em morte celular. Quando um número considerável de células sofre este processo, o volume do tecido ou órgão diminui, tornando-se atrófico. Este tipo de fenómenos surgem cedo no desenvolvimento, tendo como exemplo central a involução da notocorda. As causas mais comuns de atrofia são: - Diminuição Funcional, como é o caso da imobilização de um membro a quando da sua fractura, resultando numa diminuição do tamanho e número de fibras musculares; - Perda de Enervação, o normal funcionamento muscular é directamente depende da sua enervação, o que no caso de perda da mesma resulta em rápida atrofia; - Diminuição do Suprimento Sanguíneo, denominando-se isquémia, levando a uma atrofia e perda celular; - Nutrição Inadequada, uma profunda má nutrição proteico-calórica – marasmo (é a desnutrição proteico-calórica do tipo seco, ou seja, é uma desnutrição por falta de calorias e proteínas em um paciente muito magro e desidratado. Esta condição é resultado da fome por escassez de alimento) – está associada ao uso do músculo-esquelético como fonte energética, após outras reservas se terem esgotado. Este processo resulta numa perda muscular considerável, conhecida como caquéxia(é a perda de peso, atrofia muscular, fadiga, fraqueza e perda de apetite por alguém que não está tentando perder peso ou seja uma desnutrição aguda. Pode ser um sinal médico de diversos distúrbios; quando um paciente apresenta caquexia, o médico geralmente considera a possibilidade de cancro, e algumas doenças infecciosas (como tuberculose, SIDA,Leishmaniose Visceral e alguns distúrbios autoimunitários)) - Perda de Estimulação Endócrina, o que se verifica após a menopausa, originando atrofia do endométrio, vagina, epitélio e mama;

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- Envelhecimento, este processo está associado à perda celular, particularmente no cérebro e coração; - Pressão, a compreensão de um determinado tecido por um período de tempo considerável pode originar atrofia, o que resulta provavelmente da redução do fluxo sanguíneo nesse tecido. A atrofia resulta de uma perda dos componentes estruturais, no caso das células musculares existe uma diminuição do número de mitocôndrias e de fibras contrácteis, mas também na quantidade de retículo endoplasmático. Caso a atrofia seja prolongada e os estímulos intensos pode conduzir à morte celular, o que se comprova pela partilha de estímulos indutores entre a atrofia e a apoptose. Mecanismos de Atrofia A atrofia resulta de uma alteração no equilíbrio entre a síntese e a degradação de proteínas. Os lisossomas contêm hidrolases ácidas e outras enzimas que degradam proteínas endocitadas oriundas do meio extracelular, presentes na membrana ou no citoplasma. A via ubiquitina-proteossaoma é responsável pela degradação de muitas das proteínas do citosol e do núcleo. Muitas das situações de atrofia são marcadas por um aumento dos vacúolos autofágicos, contendo componentes celulares que a quando da junção com os lisossomas serão degradados. Alguns destes vacúolos podem resistir à digestão, o que origina corpos residuais, como é o caso dos grânulos de lipofuscina – atrofia castanha.

Metaplasia

A metaplasia é um processo reversível que consiste na mudança de um tipo de tecido adulto por outro. Muitas vezes esta alteração representa uma resposta ao stress, na medida em que as novas células podem possuir uma maior capacidade para resistir a determinado estímulo adverso. A metaplasia epitelial mais comum é de colunar para estratificado, que surge muitas vezes no tracto respiratório como resposta à irritação crónica (ex. Fumadores). Por outro lado pode ainda ocorrer esta mesma alteração no caso de cálculos nas vias excretoras das glândulas salivares, pâncreas ou da vesícula biliar, que devido a uma agressão constante o seu epitélio sofrem uma transformação de colunar para estratificado. O défice de vitamina A (Ácido Retinóico) leva a uma metaplasia do epitélio respiratório, transformando-se este em estratificado, mas por outro lado um excesso leva a um bloqueio na queratinização. Esta metaplasia no tracto respiratório traz algumas consequências, nomeadamente a ausência de produção de muco e de cílios que o expulsem. A metaplasia por si só não conduz à transformação maligna, mas sabe-se que se o estímulo for persistente existe uma maior probabilidade dessa transformação ocorrer nesse epitélio. Pode ainda ocorrer uma metaplasia em que o epitélio escamoso passe a colunar, sendo o exemplo mais conhecido o Esófago de Barrett, onde o epitélio estratificado do esófago é transformado em epitélio colunar do tipo intestinal. Esta transformação deve-se à constante agressão da mucosa do esófago pelo refluxo gástrico ácido. Nesta zona de metaplasia do esófago, caso ocorra transformação maligna, são mais comuns as neoplasias do tipo glandular – adenocarcinomas. Existe ainda metaplasia dos tecidos conjuntivos, esta caracteriza-se pela formação de cartilagem, osso ou tecido adiposo em tecidos que normalmente não contêm este tipo de tecidos. Temos como exemplo a Miosite Ossificante, em que, geralmente após uma fractura, forma-se osso no interstício do tecido muscular. Mecanismos de Metaplasia

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A metaplasia não resulta de uma alteração no fenótipo das células diferenciadas, mas sim de uma reprogramação das células estaminais existentes nos tecidos, ou de células mesenquimais indiferenciadas. A diferenciação das células estaminais para uma determinada linhagem é determinada por sinais gerados por citocinas, factores de crescimento e componentes da matriz extracelular no ambiente que rodeia a célula. Sabe-se que os BMP (Bone Morphogenetic Proteins) induzem a condrogénese ou a osteogénese em células estaminais, e ao mesmo tempo suprimem a diferenciação em células musculares ou tecido adiposo. Pensa-se que os citostáticos ao induzirem alterações nos padrões de metilação do DNA possam conduzir a transformações de células de um tipo (Fibroblastos) noutro (Músculo ou Cartilagem).

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Lâmina A1 Dados Clínicos: Homem, de 26 anos, orquidectomia (ablação de um ou dos dois testículos; também se

diz orquiectomia) inguino-femoral e colocação de prótese escrotal.

Teoria – Patologia do Testículo

Testículos Normais: 4,5cm; 10-14g À excepção da descida incompleta dos testículos (criptorquidia), as anomalias congénitas são raríssimas e incluem ausência de um ou ambos os testículos, fusão dos testículos (sinorquidia) e a formação de quistos relativamente insignificantes dentro do testículo. CRIPTORQUIDIA- A criptorquidia é sinónimo de testículos retidos, sendo encontrada em cerca de 1% dos rapazes se 1 ano de idade. Representa uma ausência completa ou incompleta da descida dos testículos intra-abdominais para o saco escrotal. Geralmente ocorre como uma anomalia isolada, mas pode ser acompanhada de outras malformações do tracto genitourinário como hipospadia (abertura do meato urinário em posição anormal). A descida testicular ocorre em duas fases morfológica e hormonalmente distintas: a primeira, transabdominal, possivelmente controlada pelo factor inibidor mulleriano. A segunda, inguinoescrotal, controlada pela libertação deo peptideo relacionado com o gene da calcitonina que é induzida por androgénios. Embora a descida testicular seja controlada por factores hormonais, a criptorquidia apenas raramente está associada a distúrbios hormonais. É aceite que geralmente os doentes com criptorquidia sofrem um aumento de 5 a 10 vezes do risco de tumor testicular.

Morfologia: A criptorquidia é unilateral na maioria dos casos, mas é bilateral em 25% dos doentes. As alterações histológicas começam desde os 2 anos de idade. Caracterizam-se por uma paragem do desenvolvimento das células germinativas associada a hialinização acentuada e a espessamento da membrana basal dos túbulos espermáticos. Mais tarde, os túbulos aparecem como cordões densos de tecido conjuntivo hialino delineados por membranas basais proeminentes. Há um aumento concomitante do estroma intersticial. Como as células de Leydig são poupadas, elas parecem ser proeminentes. Como seria esperado na atrofia tubular progressiva, o testículo retido tem um tamanho pequeno e consistência firme devido a alterações fibróticas. A deterioração histológica, levando à escassez de células germinativas, também foi observada no testículo contralateral (que desceu ao escroto) em doentes com criptorquidia unilateral, sustentando a origem hormonal para o desenvolvimento desse distúrbio. A orquidopexia (colocação no saco escrotal) não garante a fertilidade. ATROFIA TESTICULAR – A atrofia é a única alteração regressiva importante que afecta o testículo escrotal, e pode ter uma série de causas, como: -estreitamento aterosclerótico progressivo do suprimento sanguíneo numa idade avnaçada; - estágio terminal de uma orquite inflamatória, seja qual for o agente etiológico;

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- criptorquidia; - hipopituitarismo; - desnutrição ou caquexia generalizada; - obstrução do efluxo de sémen; - irradiação; - administração prolongada de hormonas sexuais feminininas, como no tratamento de doentes com carcinoma da próstata; - atrofia por exaustão, que pode suceder a estimulação persistente produzida por altos níveis de hormona folículo-estimulante hipofisária. As alterações macro e microscópicas seguem o padrão já descrito para a criptorquidia.

Resolução

1 – Quais são as alterações celulares presentes?

Espessamento e hialinização da membrana basal dos túbulos seminíferos; epitélio germinativo

atrofiado; hiperplasia das células de Leydig.

2 – Há atrofia do epitélio germinativo e há hiperplasia das células de Leydig.

3 – Explique a relação entre as duas alterações presentes.

O espessamento da membrana basal do stúbulos seminíferos, inibe o desenvolvimento das células

germinativas e de Sertoli, havendo diminuição da produção de inibina e como tal elevam-se os níveis de

LH determinando hipertrofia e hiperplasia das células de Leydig.

4 – A localização ectópica deste órgão denomina-se criptorquidismo e associa-se a diminuição da

fertilidade e a seminoma (tumor maligno desenvolvido à custa das células germinativas primitivas, não

diferenciadas, do testícelo ou do ovário).

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Lâmina A2 Dados Clínicos: Mulher, 25 anos, hemorragia pós-parto incontrolável.

Teoria – Sangramento Uterino Disfuncional

Durante a vida reprodutiva activa, o endométrio está constantemente envolvido na dinâmica de descamação e recrescimento. É controlado pela elevação e queda dos níveis de hormonas hipofisárias e ovarianas, e esse controlo é exercido pelo momento apropriado de libertação hormonal em quantidades tanto absolutas quanto relativas. As alterações nesse mecanismo de ajuste fino podem resultar no espectro de distúrbios, incluindo atrofia, padrões proliferativos ou secretores anormais e hiperplasia. Sem dúvida alguma, o problema mais comum é a ocorrência de sangramento excessivo durante ou entre os períodos menstruais. As causas do sangramento uterino anormal são numerosas e variam entre mulheres de diferentes grupos etários. Em alguns casos, o sangramento resulta de uma lesão orgânica bem definida, como leiomioma submucoso, pólipo endometrial ou adenocarcinoma; entretanto, o grupo maior é constituído pelo denominado sangramento uterino disfuncional. Esse grupo é definido como a ocorrência de sangramento anormal na presença de um distúrbio funcional, mais do que devido a uma lesão orgânica do endométrio ou do útero. HIPERPLASIA ENDOMETRIAL – constitui outra causa de sangramento anormal, que difere da anovulação típica pelo grau de alterações do epitélio glandular no endométrio. Apresenta relações com o carcinoma do endométrio. A hiperplasia do endométrio está relacionada a um nível anormalmente elevado e prolongado de estimulação estrogénica, com diminuição ou ausência de actividade progestacional. Por conseguinte, a hiperplasia ocorre mais comummente próximo da menopausa ou em associação a anovulação persistente em mulheres mais jovens. As condições que levam à hiperplaisa incluem doença poliquística do ovário (incluindo síndrome de Stein-Leventhal), tumores funcionantes de células da granulosa do ovário, função cortical excessiva (hiperplasia do estroma cervical) e administração prolongada de substâncias estrogénicas (terapia de reposição com estrogénios). Estas são as mesmas influências consideradas de importância patogénica numa percentagem de carcinomas endometriais. Muitas hiperplasias endometriais exibem alteração da diferenciação celular (metaplasia), incluindo a presença de metaplasia escamosa de células ciliadas.

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Morfologia: A hiperplasia endometrial exibe um espectro contínuo de alterações na arquitectura glandular, padrão de crescimento epitelial e citologia, com aumento do grau em função da gravidade dessas alterações.

Resolução

1 – O corpo uterino durante a gravidez aumenta cerca de 20 a 30 vezes.

2 – Observe e compare as células musculares lisas do miométrio com as do vaso adjacente e responda:

O aumento do tamanho do órgão é à custa do aumento do tamanho e do número de células, que se

denominam respectivamente hipertrofia e hiperplasia.

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Lâmina A3 Dados Clínicos: Homem, 56 anos, antecedentes de estenose aórtica.

Teoria – Hipertrofia Cardíaca

A hipertrofia cardíaca corresponde a uma respost compensatória do miocárdio ao aumento do trabalho mecânico ou a sinais tróficos (p. ex.: hipertiroidismo através da estimulação dos receptores ß-adrenérgicos). Esses estímulos aumentam a velocidade de síntese de proteínas, a quantidade de proteína em cada célula, o tamanho dos miócitos, o número de sarcómeros e mitocôndrias e, consequentemente, a massa e o tamanho do coração. A resposta também é acompanhada de regulação selectiva de vários genes da resposta inicial imediata e formas embrionárias de proteínas contrácteis e outras proteínas. Como os miócitos adultos são incapazes de se dividirem, não pode ocorrer aumento do número dessas células (hiperplasia). O padrão de hipertrofia reflecte a natureza do estímulo. Os ventrículos com sobrecarga de pressão (HTA ou estenose aórtica) desenvolvem hipertrofia por pressão – concêntrica – do ventrículo esquerdo, com aumento da espessura da parede e diâmetro normal ou reduzido da cavidade. Em contraste, os ventrículos com sobrecarga de volume (regurgitação da valva mitral ou aórtica) desenvolvem hipertrofia discêntrica acompanhada de dilatação, com aumento do diâmetro ventricular. Evidentemente, a geometria, a estrutura e a composição (células e matriz extracelular) do ocração hipertrofiado não são normais. A hipertrofia cardíaca constitui, portanto, um ténue equilíbrio entre características adaptativas (incluindo novos sarcómeros) e alterações estruturais, bioquímicas e moleculares potencialmente deletérias (incluindo redução da relação entre capilares e miócitos, aumento do tecido fibroso e síntese de proteínas anormais e, talvez, disfuncionais). Por conseguinte, não é surpreendente que a hipertrofia cardíaca persistente evolua frequentemente para insuficiência cardíaca.

Resolução

1 – O aumento da espessura da parede ventricular é devido à hipertrofia dos miócitos.

2 – Observa-se também aumento do núcleo.

3 – O aumento conjunto do volume celular e do núcleo é um exemplo de hipertrofia.

4 – Identifique qual é o estímulo lesional neste caso clínico?

Estenose aórtica (aumento da pós-carga leva a uma hipertrofia concêntrica).

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Lâmina A4 Dados Clínicos: Homem, 58 anos, tumor cervical.

Teoria – Bócio Multinodular

Com o decorrer do tempo, os episódios recorrentes de hiperplasia e invlução combinam-se e produzem aumento mais irregular da tiróide, conhecido como bócio multinodular. Praticamente todos os bócios simples de longa duração se transformam em bócios multinodulares. Podem ser atóxicos ou podem induzir tireotoxicose (bócio multinodular tóxico). Os bócios multinodulares produzem os aumentos mais extremos da tiróide e são mais frequentemente confundidos com comprometimento neoplásico do que com qualquer outra forma de doença tiroideia. Como derivam de bócio simples, ocorrem tanto na forma esporádica como endémica, exibindo a mesma distribuição entre mulheres e homens e, presumivelmente, as mesmas origens; todavia, afectam indivíduos de mais idade, visto que constituem complicações tardias.

Morfologia: os bócios multinodulares são glândulas multilobuladas com aumento assimétrico, cujo peso pode ultrapassar 2000g. O padrão de aumento é muito imprevisível e pode envolver mais um lobo do que o outro, exercendo pressão lateral sobre as estruturas da linha média, como a traqueia e o esófago. Noutros casos, o bócio cresce atrás do esterno e das clavículas, produzindo o denominado bócio intratorácico ou mergulhador. Em corte transversal, são observados nódulos irregulares contendo quantidades variáveis de colóide gelatinoso e acastanhado. Com frequência, ocorrem alterações regressivas, particularmente nas cisões mais antigas, incluindo áreas de hemorragia, fibrose, calcificação e alteração quística. O aspecto microscópico inclui folículos ricos em colóides revestidos por epitélio achatado e inactivo, com áreas de hipertrofia e hiperplasia epitelial folicular.

Resolução

1 – O tumor cervical descrito corresponde à glândula tiróide.

2 – As estruturas dilatadas correspondem a folículos.

3 – O volume das células é uma resposta a um estímulo e corresponde a um exemplo de hipertrofia.

4 – Está presente neste caso algum outro tipo de adaptação celular? Sim

5 – Qual é? Atrofia

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Lâmina A5 Dados Clínicos: Homem, 61 anos, antecedentes de esofagite péptica.

Teoria – Esófago de Barret

O esófago de Barret é uma complicação do refluxo gastroesofágico de longa duração, ocorrendo em até 11% dos pacientes com sintomas da doença. No esófago de Barret, em resposta a uma lesão prolongada, a mucosa escamosa distal é substituída por um epitélio cilindrico metaplásico. Os doentes com esófago de Barret têm uma longa história de azia e outros sintomas de refluxo e parecem ter um refluxo mais abundante, além de serem mais frequente e mais prolongados do que na maioria do doentes com refluxo. Não se conhece o motivo pelo qual se desenvolve epitélio cilíndrico nuns doentes com refluxo e noutros não.

Morfologia: visto macroscopicamente ou à endoscopia, aparenta ser uma mucosa vermelha e aveludada localizada entre a mucosa pavimentosa esofágica lisa e a mucosa gástrica rosa-acastanhada clara viçosa. Pode existir na forma de linguetas ou como fragmentos isolados (ilhas) que se estendem a partir da junção gastroesofágica, ou como uma faixa circunferencial ampla que desloca superiormente a junção cilíndrico-pavimentosa. Uma pequena zona da mucosa metaplásica pode estar presente apenas na junção gastro-esofágica (pequeno segmento da mucosa de Barret). Ao exame microscópico, o epitélio pavimentoso esofágico é substituído por um epitélio cilíndrico metaplásico e com glândulas mucosas. A mucosa metaplásica pode conter apenas superfície gástrica e células glandulares secretoras de muco, tornando difícil a distinção clínica de uma hérnia hiatal. O diagnóstico é feito mais rapidamente quando a mucosa cilíndrica possui células caliciformes intestinais. Na avaliação patológica dos doentes com mucosa de Barret, é fundamental a pesquisa de displasia (suposto precursor de malignidade) no epitélio cilíndrico com metaplasia intestinal. A displasia caracteriza-se pela presença de anormalidades citológicas e arquitecturais que se estendem até à superfície luminal do epitélio cilíndrico. Essas anormalidades consistem em núcleos hipercromáticos aumentados, aglomerados e estratificados, e na perda do estroma interposto entre as estruturas glandulares adjacentes. A displasia é classificada como de baixo grau ou de alto grau. A principal distinção consiste na orientação epitelial basal de todos os núcleos, na displasia de baixo grau, versus núcleos que estão sempre alcançando o ápice das células epiteliais, na displasia de alto grau. A displasia de alto grau persistente demanda intervenção clínica.

Resolução

1 - A zona a observar corresponde à transição esófago-gástrica.

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2 – A alteração observada denomina-se esófago de Barret que consiste em metaplasia.

3 – A célula característica desta entidade clínico-patológica é a célula caliciforme.

4 – Identifique outro(s) tipo(s) de células presentes, nesta lâmina, e que também fazem parte da

alteração adaptativa: Células caliciformes; (células de Paneth e glândulas mucosas)

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Lâmina A6 Dados Clínicos: Mulher, 40 anos, histerectomia por leiomiomas.

Teoria – Metaplasia Epitelal Pavimentosa

Define-se ectrópio como a presença de epitélio endocervical cilindrico evertido no ectocérvix. Apresenta-se como uma grande área avermelhada no ectocérvix em redor do orifício cervical externo. É a região em que ocorre a transformação fisiológica de metaplasia pavimentosa, assim como a transformação anormal na carcinogénese cervical. JUNÇAO PAVIMENTOSA-CILINDRICA - A junção pavimentosa-cilindrica apresenta-se como uma linha bem definida com um degrau, devido à diferença de altura dos epitélios pavimentoso e cilindrico. A localização da junção pavimentosa-cilindrica em relação ao orifício cervical depende de factores como a idade, uso de anticoncepcionais orais e certas condições fisiológicas como gravidez. À nascença, a junção pavimentosa-cilindrica é denominada de junção pavimentosa-cilindrica original, porque representa a junção entre o epitélio cilindrico e o epitélio pavimentoso “original” formada durante a embriogénese e vida intra-uterina. Na infância e perimenarca, a junção pavimentosa-cilindrica original está localizada no, ou muito próxima ao, orifício cervical

externo. Depois da puberdade e durante o período reprodutivo o colo uterino aumenta de tamanho e o canal endocervical alonga-se. Isto leva à eversão do epitélio cilindrico da porção inferior do canal endocervical próximo à ectocérvix. Esta condição é denominada de ectrópio ou ectopia, visível como um ectocérvix de aspecto bem avermelhado.

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A acção tampão do muco que recobre as células cilindricas sofre interferência quando o epitélio cilindrico evertido no ectrópio fica exposto ao meio vaginal ácido. Isto leva à destruição e subsequente substituição do epitélio cilindrico pelo epitélio pavimentoso metaplásico recém-formado. O processo metaplásico começa na junção pavimentosa-cilindrica e prossegue centriptamente em direção ao orifício cervical externo ao longo do período reprodutivo até a menopausa. À medida que a mulher passa da idade reprodutiva à menopausa, a localização da nova junção pavimentosa-cilindrica avança progressivamente em direcção ao orifício cervical externo. Nas mulheres na pós-menopausa, a nova junção pavimentosa-cilindrica é, muitas vezes, invisível ao exame visual. A substituição fisiológica do epitélio cilindrico evertido por um epitélio pavimentoso recém-formado é denominada de metaplasia pavimentosa. Usa-se o termo epitélio pavimentoso metaplásico imaturo quando há pouca ou nenhuma estratificação no epitélio metaplásico recém-formado. As células do epitélio pavimentoso metaplásico imaturo não produzem glicogénio e, portanto, não adquirem coloração castanho clara ou preta com a solução de Lugol. Com o avanço do processo, as células metaplásicas pavimentosas imaturas diferenciam-se em epitélio metaplásico estratificado maduro. Vários cistos, denominados de cistos de Naboth (folículos), são vistos no epitélio pavimentoso metaplásico maduro. Os cistos de Naboth são cistos de retenção que se desenvolvem como resultado da oclusão da abertura de criptas endocervicais pelo epitélio pavimentoso metaplásico suprajacente. O epitélio cilindrico encoberto continua a secretar muco que com o tempo fica cheio e distende o cisto. O muco encarcerado confere uma tonalidade branco-marfim.

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A metaplasia pavimentosa é um processo irreversível; o epitélio transformado (agora de natureza pavimentosa) não é revertido a epitélio cilindrico. Certos tipos de papilomavírus humano (HPV) podem infectar de modo persistente as células

metaplásicas escamosas basais imaturas e transformá-los em células atípicas com anomalias nucleares e citoplasmáticas. A proliferação e expansão descontrolada dessas células atípicas podem levar à formação de um epitélio displásico anormal que pode regredir ao normal, persistir como displasia ou progredir para neoplasia invasiva após algum tempo.

Resolução

1 – O que é uma histerectomia? O que são leiomiomas?

Remoção do útero e do colo uterino. Neoplasia benigna do músculo liso, pode ocorrer em qualquer

órgão, mas as suas formas mais comuns ocorrem no útero, intestino delgado e esófago.

2 - O fragmento a observar corresponde ao colo do útero. E a zona alterada situa-se na junção cilíndrico-

pavimentosa.

3 – Há a substituição de um epitélio cilíndrico simples por outro de tipo estratificado pavimentoso.

4 – Este processo adaptativo denomina-se metaplasia epitelial pavimentosa.

5 – É capaz de identificar outras alterações neste corte histológico? De que tipo?

Sim. Infiltrado de células inflamatórias.

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L2 e L3 – Lesão e Morte Celular

Introdução Teórica

Resumo: Lesão e Morte Celular

A lesão celular surge quando as células estão perante uma situação de stress severa e não possuem a capacidade de se adaptarem a ela, mas pode também derivar de estímulos que são inerentemente causadores de lesão. A lesão pode ser reversível, tornar-se irreversível, e até mesmo culminar com a morte celular. Assim sendo consoante as alterações na células podemos dividir as lesões celulares em: - Lesão Celular Reversível, inicialmente manifesta-se como alterações funcionais e morfológicas, sendo estas reversíveis no caso de o estímulo que as originou cessar. As principais marcas deste tipo de lesão são a diminuição da oxidação fosforilativa, a depleção do ATP e turgescência celular causada pelas alterações iónicas e o influxo de água. - Lesão Irreversível e Morte Celular, com o continuar do dano a lesão torna-se irreversível, o que acontece a partir do momento em que a célula não consegue voltar ao seu estado inicial. Uma das grandes questões discutidas actualmente roda em torno de qual o ponto a partir do qual esta situação acontece. Estudos realizados em tecidos isquémicos mostram-nos que algumas alterações estruturais (ex. Massas amorfas nas mitocôndrias, indicativas de lesão mitocôndrial) e funcionais (ex. Perda da permeabilidade da membrana) são indicativas de que a células sofreu uma lesão irreversível.

Existem dois tipos distintos de morte celular, a apoptose e a necrose. Quando a lesão das membranas é grave, as enzimas lisossomais penetram no citoplasma e digerem os componentes celulares, resultando numa libertação desses mesmos componentes e consequente necrose. Por outro lado, alguns estímulos nocivos, especialmente os que lesam o DNA, induzem a apoptose; esta é caracterizada por dissolução nuclear sem perda da integridade membranar. Enquanto a necrose está sempre associada a uma condição patológica, a apoptose surge

como uma resposta fisiológica em muitos casos, não estando directamente associada a lesão celular.

Causas da Lesão Celular

Privação de Oxigénio

Hipoxia é uma privação no suprimento de oxigénio. Esta privação interfere com a respiração

aeróbia oxidativa, sendo uma causa extremamente importante e comum de lesão e morte

celular.

A hipoxia deve ser distinguida da isquémia; a isquémia define-se como a perda perfusão

sanguínea num tecido, o que se pode dever ao bloqueio do fluxo arterial ou reduzida

drenagem venosa. Embora a isquémia seja a causa mais comum de hipoxia, esta também pode

resultar da falta de oxigenação do sangue (ex. Pneumonia), ou por redução da capacidade de

transporte de oxigénio do sangue (ex. Anemia, Perda de sangue ou Intoxicação por Monóxido

de Carbono). Enquanto a hipoxia apenas reduz a quantidade de oxigénio, na isquémia existe

ainda a diminuição do suprimento de glicose e outros substratos importantes.

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Dependendo do grau de hipoxia a célula pode ter uma resposta adaptativa, sofrer lesão ou

mesmo a morte celular. Verifica-se que quando a artéria femoral tem o seu calibre diminuído

os músculos da perda diminuem de tamanho, conduzindo num primeiro momento a atrofia,

mas caso haja uma hipoxia mais acentuada pode originar lesão celular e consequente morte

celular.

Agentes Físicos

Trauma, extremos de temperatura, radiação, choque eléctrico e mudanças bruscas na pressão

atmosférica, todos têm um amplo efeito sobre as células. As consequências da exposição a

estes estímulos podem ir desde a lesão reversível até à morte celular.

Agentes Químicos e Drogas

Substâncias químicas simples como a glicose ou o sal em concentrações hipertónicas podem

causar directamente lesão celular ou desequilibrar a homeostasia electrolítica das células.

Num caso extremo, até mesmo o oxigénio em altas concentrações pode ser extremamente

tóxico. Existem depois os já conhecidos “venenos”, como é o caso do arsénio, cianeto ou sais

de mercúrio; estes possuem a capacidade de destruir um elevado número de células num

curto período de tempo, podendo mesmo conduzir à morte. Depois existe todo um conjunto

de substâncias a que estamos expostos no nosso dia-a-dia, como é o caso dos poluentes

ambientais, insecticidas, álcool e drogas, que podem em algumas situações ser altamente

tóxicos para o nosso organismo.

Agentes Infecciosos

Estes agentes vão desde os vírus às ténias, sendo que pelo meio podemos encontrar bactérias,

fungos e diversos parasitas.

Reacções Imunológicas

Embora o sistema imunitário defenda o corpo contra microrganismos patogénicos, reacções

imunitários também podem originar lesão de células e tecidos. Exemplos incluem reacções

auto-imunes contra os próprios tecidos e reacções alérgicas contra substâncias ambientais em

indivíduos geneticamente susceptíveis.

Defeitos Genéticos

Defeitos genéticos podem resultar em alterações patológicas, tendo como exemplo as

malformações congénitas associadas ao Síndrome de Down ou como a subtil alteração de um

único aminoácido na hemoglobina S dando origem a anemia falciforme. Defeitos genéticos

podem causar lesão celular devido à deficiência de proteínas funcionais, tais como enzimas

originando alterações do metabolismo ou acumulação de proteínas sem conformação

correcta. Variações na composição genética também podem influenciar a susceptibilidade das

células ao dano por produtos químicos e outros agressores ambientais.

Desequilíbrios Nutricionais

Os desequilíbrios nutricionais continuam a ser uma das principais causas de lesão celular.

Deficiências proteico-calóricas causam inúmeras mortes na população menos privilegiada, mas

podem ainda existir deficiências de determinadas vitaminas, originando patologias específicas.

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Por outro lado no mundo de hoje existe já em alguns locais um excesso de ingestão calórica,

levando a uma acumulação de lípidos. Este excesso de lípidos favorece a aterosclerose, sendo

que a obesidade é a manifestação mais comum desses excessos.

Mecanismos de Lesão Celular

Os mecanismos bioquímicos responsáveis pela lesão celular são complexos, no entanto existem alguns princípios que são importantes para a maior parte dos tipos de lesão: - A resposta celular ao estímulo prejudicial depende do tipo, da duração e sua intensidade; - As consequências da lesão celular dependem do tipo, estado e capacidade de adaptação da célula em questão; - A lesão celular resulta de alterações funcionais e estruturais em um ou mais componentes essenciais da célula. Sendo que os alvos mais importantes são: mitocôndria, a integridade das membranas, a síntese proteica, o citoesqueleto e o material genético; Em seguida serão discutidos em mais pormenor para um dos mecanismos bioquímicos responsáveis pela lesão celular originada por diferentes estímulos.

Depleção do ATP A depleção do ATP e a diminuição da sua síntese estão frequentemente associadas a hipoxia e lesão por agentes químicos. O ATP é necessário para a maior parte dos processos de síntese e degradação que ocorrem na célula, o que inclui o transporte membranar, a síntese proteica, a lipogénese e as reacções de reciclagem lipídica.

O ATP pode ser produzido de duas formas, sendo que nos mamíferos predomina a vai da fosforilação oxidativa, mas existe também a via da glicólise. A primeira via necessita de oxigénio e tem um rendimento muito superior ao da glicólise, que é utilizada em situações de anaerobiose. Uma depleção de menos 5 a 10% da quantidade normal de ATP pode interferir com muitos dos processos normais da célula: - A actividade das bombas iónicas da membrana dependentes de ATP é reduzida, acumulando-se o sódio intracelularmente e o potássio difundindo-se para o exterior, o que origina turgescência; - O metabolismo energético da célula é alterado, existindo um predomínio da glicólise anaeróbio, o que origina uma menor produção de ATP. Perante esta

situação existe uma rápida depleção do glicogénio celular e um excesso de produção de ácido láctico; surge por isso uma baixo do pH intracelular, o que por sua vez pode condicionar o funcionamento de muitas das enzimas celulares; - Diminuição da bomba de Ca2+, o que conduz a um influxo de cálcio; - Com o prolongar da situação o complexo responsável pela síntese proteica separa-se, os ribossomas dissociam-se do retículo endoplasmático, os polimossomas dissociam-se em monossomas, consequentemente existe uma diminuição da síntese proteica. Por fim existe uma lesão das mitocôndrias e das membranas lisossomais, o que conduz à necrose;

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- Em células desprovidas de oxigénio ou glicose, as proteínas podem alterar a sua conformação. Esta alteração activa a unfolded protein response, o que na maior parte dos casos conduz a lesão celular e até mesmo à morte.

Lesão Mitocondrial A lesão celular é acompanhada na maior parte das vezes por alterações morfológicas na mitocôndria. Estas alterações podem surgir como consequência do aumento do Ca2+ intracelular, do stress oxidativo, pela clivagem dos fosfolípidos pela fosfolipase A2 e vias da esfingomielina, e ainda pelos produtos resultantes da clivagem dos lípidos. A lesão da mitocôndria resulta na formação de canais com alta conductância na membrana mitocôndrial interna, sendo este processo reversível nos primeiros estádios. Esta alteração na permeabilidade da membrana interna da mitocôndria condiciona a cadeia transportadora de electrões (CTE), e desse modo a produção de ATP. A lesão mitocôndrial também pode estar associada com libertação de citocromo c no citosol, pois este é um componente central da CTE, e ao mesmo tempo tem a capacidade de induzir a apoptose.

Perda da Homeostasia do Cálcio e Influxo de Cálcio O cálcio é um dos mais importantes marcadores da lesão celular. As concentrações de cálcio no citosol são mantidas em níveis extremamente baixos (< 0,1 mmol), sendo que a maior parte do cálcio se encontra armazenado na mitocôndria e no retículo endoplasmático (RE). A isquémia e alguns tóxicos podem causar um aumento inesperado de cálcio no citosol, aumentando o influxo de cálcio através da membrana e libertando o cálcio armazenado na mitocôndria e RE. Este aumento de Ca2+ induz a activação de enzimas com potencial de provocar a morte celular, nomeadamente ATPases, Fosfolipases, Proteases e Endonucleases. Por outro lado o aumento de cálcio intracelular pode provocar alterações na permeabilidade mitocôndrial, o que induz a apoptose.

Acumulação de Radicais Livres de Oxigénio (Stress Oxidativo) A célula produz energia reduzindo oxigénio molecular a água, o que pode originar moléculas reactivas de oxigénio. Estes radicais livres de oxigénio podem danificar lípidos, proteínas e os ácidos nucleicos. As células possuem sistemas de controlo sobre estes radicais livres, mas no caso de um desequilíbrio pode originar-se stress oxidativo. Sabe-se que estes radicais livres de oxigénio estão envolvidos na lesão induzida por químicos e radiação, isquémia-reperfusão, envelhecimento celular e morte de microrganismos por fagocitose. Os efeitos causados por estes radicais livres de oxigénio podem ser: - Peroxidação dos Lípidos das Membranas; - Modificação Oxidativa de Proteínas; - Lesão no DNA; As células desenvolveram alguns mecanismos para remover estes radicais livres ou para minimizar os seus efeitos: - Anti-Oxidantes, como o exemplo da Vitamina A e E, respectivamente Retinol e Tocoferol; - Ferro e Cobre, ambos possuem a capacidade de catalisar a formação destes radicais; - Enzimas com capacidade de clivar estes radicais originando moléculas mais estáveis: - Catalase, presente nos peroxissomas; - Superóxido Dismutase; - Glutatião Peroxidase.

Defeitos na Permeabilidade da Membrana A perda precoce da permeabilidade da membrana é um sinal evidente de disfunção da membrana plasmática, o que se afirma como um dos principais sinais na maior parte dos tipos de lesão celular. Não apenas a membrana plasmática é afectada, mas também a membrana

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mitocôndrial, do retículo endoplasmático e dos lisossomas. A membrana pode ser alterada directamente por estímulos físicos ou químicos, mas pode igualmente ser resultado do influxo de cálcio, e consequente activação das fosfolipases, ou por depleção do ATP. As alterações da permeabilidade da membrana podem derivar de: - Perda dos fosfolípidos da membrana, sendo muitas vezes consequência de uma activação das fosfolipases provocada pelo aumento do Ca2+ intracelular, mas também pela depleção do ATP ou diminuição da síntese de fosfolípidos; - Alterações do Citoesqueleto, podem provocar alterações na fixação da membrana meio intracelular. Estas alterações podem surgir como consequência da activação de proteases, derivada do aumento do influxo de Ca2+, ou ainda como resultado final de uma turgescência celular extrema; - Espécies Reactivas de Oxigénio, podem lesar directamente os constituintes da membrana, mas também outros componentes celulares; - Produtos do Catabolismo Lipídico, como é o caso dos ácidos gordos, acil-carnitina e lisofosfolípidos; estes por sua vez podem funcionar como detergentes, destabilizando as membranas ao interagirem com estas, ou mesmo ao integrarem-se nelas. A lesão da membrana plasmática resulta numa perda do equilíbrio osmótico, com consequente influxo de fluidos e iões, bem como perda de proteínas, enzimas, co-enzimas e ácidos ribonucleicos. A lesão das membranas lisossomais lesa à libertação de enzimas no citosol e activação destas enzimas (RNases, DNases, Proteases, Fosfatases, Glucosidases, etc). A activação destas enzimas conduz à digestão enzimática dos componentes celulares, perda do material genético e reservas energéticas, consequentemente necrose.

Lesão Celular Reversível e Irreversível

As primeiras alterações celulares associadas com as diversas formas de lesão são:

- Diminuição da síntese de ATP;

- Perda da Integridade da Membrana;

- Alterações na Síntese Proteica;

- Alterações do Citoesqueleto;

- Lesão do DNA.

Dentro de determinados valores a célula possui a capacidade de contornar estas alterações e

voltar ao seu estado normal de equilíbrio. Caso este estímulo persista ou a sua intensidade

seja demasiadamente severa entramos no campo da lesão irreversível. Este tipo de lesão

encontra-se associado a:

- Lesão de todas as Membranas Celulares;

- Turgescência dos Lisossomas;

- Vacuolização das Mitocôndrias;

- Redução da Capacidade de Síntese de ATP;

- Influxo de Cálcio;

- Libertação de Cálcio (Mitocôndria e Retículo Endoplasmático);

- Activação das enzimas com capacidade para catalisar as membranas, proteínas, ATP e ácidos

nucleicos;

- Libertação dos metabolitos indispensáveis à síntese de ATP;

- Depleção Intracelular dos Fosfatos de Alta-Energia;

Existem dois fenómenos que contribuem principalmente para a lesão se tornar irreversível:

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- Incapacidade para reverter as alterações mitocôndrias (Perda da capacidade de fosforilação

oxidativa e Síntese de ATP);

- Desenvolvimento de profundas alterações na funcionalidade da membrana plasmática.

A ruptura das membranas dos lisossomas conduz à digestão dos componentes celulares e

consequente necrose; ao mesmo tempo é possível que a libertação destas enzimas para o

espaço extracelular possa lesar os tecidos e células adjacentes.

A libertação de enzimas para o espaço extracelular revela-se um útil marcador da lesão celular,

o que sabendo algumas enzimas específicas de algumas células no permite detectar se existe

ou não lesão nesse tecido.

Morfologia da Lesão Celular e Necrose

A lesão celular caracteriza-se por um processo sequencial de alterações bioquímicas e

morfológicas progressivas, culminando com a morte celular. Os estímulos nocivos ou de stress

exercem os seus efeitos primeiramente a nível molecular e bioqúimico, e apenas mais tarde

têm representação funcional e morfológica.

Lesão Reversível

Existem dois padrões de lesão reversível que podem ser distinguidos através do microscópio

óptico:

- Turgescência Celular;

- Alterações Lipídicas.

A turgescência caracteriza-se pela incapacidade de manter a homeostase iónica e de fluidos, o

que resulta da perda das bombas iónicas presentes na membrana plasmática. As alterações

lipídicas surgem quando uma célula é exposta à hipoxia e outras formas de lesão tóxica ou

metabólica. Este último padrão de lesão caracteriza-se pela presença de pequenos ou grandes

vacúolos lipídicos no citoplasma. Este tipo de lesão é característico das células envolvidas ou

dependentes do metabolismo lipídico (ex. Miocárdio e Hepatócitos).

Morfologia - Turgescência Celular

A turgescência celular é uma das primeiras manifestações da maioria dos tipos de lesão

celular. As alterações são difíceis de observar, mas salienta-se a palidez, aumento da tensão

intracelular e do peso total do órgão. Numa análise microscópica é possível verificar a

existência de pequenos vacúolos no citoplasma, sendo uma representação de segmentos

distendidos do retículo endoplasmático. Este padrão não letal é vulgarmente designado por

alteração hidrópica ou degeneração vacuolar. A turgescência celular é reversível.

As alterações ao nível dos componentes celulares incluem:

- Alterações da Membrana Plasmática, salienta-se a distensão, embotamento e distorção das

microvilosidades. Formam-se figuras mielinizantes e perdem os anexos intracelulares;

- Alterações Mitocôndriais, incluem turgescência, rarefacção e presença de pequenos corpos

densos de fosfolípidos;

- Dilatação do Retículo Endoplasmático, destacando-se o desagregar e desagregar dos

polissomas;

- Alterações Nucleares, desintegração dos elementos granulares e fribilares.

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Necrose

O termo necrose refere-se a um espectro de alterações morfológicas que se seguem à morte

celular em tecidos vivos, sendo uma consequência da acção enzimática sobre as células que

foram letalmente lesadas.

As células necrosadas são incapazes de manter a integridade das suas membranas, como tal

dá-se um extravasamento do seu conteúdo, o que pode originar inflamação do tecido em

redor.

A aparência das células em necrose é fruto da desnaturação das proteínas e da digestão

enzimática dos componentes celulares, tendo as enzimas origem nos próprios lisossomas das

células lesadas. A digestão pode ser designada autólise (ou citólise é o processo pelo qual uma

célula se autodestrói espontaneamente. É incomum em organismos adultos e normalmente

ocorre em células danificadas ou em tecido com lesão irreversível. Na autólise, uma

instabilidade da membrana lisossómica causada por factores físicos e/ou químicos promove a

ruptura da mesma, levando ao "derrame" enzimático que irá promover a digestão da parte

orgânica da célula e, consequentemente, destruição da mesma), ou pode ser realizada por

leucócitos que migram para este local inflamado. Estes processos demoram horas, e como tal

apenas se torna evidente que ocorreu necrose num enfarte do miocárdio cerca de 4 a 12 horas

após o fenómeno, no entanto cerca de 2 horas após a lesão já é possível detectar no sangue

enzimas e proteínas específicas das células cardíacas.

Morfologia – Necrose

As célula necróticas apresentam aumento da eosinofilia atribuída em parte à perda da normal

basofilia imposta pelo RNA no citoplasma e em parte pelo aumento da ligação da eosina às

proteínas desnaturadas. Estas células apresentam uma aparência vítrea mais homogénea,

como consequência da perda das reservas de glicogénio. Quando as enzimas digerem os

organelos citoplasmáticos, o citoplasma adquire uma aparência vacuolizada e aparentando

“dentadas”. Por fim, é possível que ocorra calcificação das células mortas, podendo estas ser

repostas por massas de fosfolípidos – figuras mielínicas.

- Alterações Nucleares, podem surgir em três padrões distintos. A cariólise, caracterizada por

um desbotar da basofilia normal do núcleo, resulta da acção das DNases. A picnose,

caracterizada pelo condensar da cromatina e pelo aumento da basofilia. A cariorréxis reflecte

um núcleo picnótico em fragmentação. Com o passar do tempo os núcleos das células

necróticas desaparecem.

Seguidamente serão caracterizados os diferentes tipos de necrose:

- Necrose de Coagulação ou Isquémica, caracteriza-se pelo predomínio da desnaturação,

apresentando-se a célula coagulada e com os seus limites mantidos. Os tecidos onde este tipo

de necrose ocorre mantêm uma textura firme. Este aspecto surge porque ao predominar a

desnaturação, também as enzimas são desnaturadas, o que impede que inicialmente os

componentes celulares sejam digeridos. Após algum tempo a migração dos leucócitos traz a

oportunidade de remover e fragmentar estas células necróticas, este processo é possível

devido às enzimas presentes nos lisossomas dos leucócitos. Este tipo de necrose caracteriza-se

por manter a arquitectura do tecido, sendo característica da hipoxia em todos os tecidos, com

excepção das células cerebrais;

- Necrose de Liquefacção, é característica de um foco de infecção bacteriana, ou

ocasionalmente fúngica, o que se deve à estimulação por parte dos microrganismos à

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acumulação de células inflamatórias. Ainda não se percebe bem porque, mas no caso de

hipoxia cerebral, o padrão de necrose mais comum é este. Neste tipo de necrose ocorre uma

total digestão das células, transformando o tecido numa massa líquida viscosa. Caso este

processo seja desencadeado por uma inflamação aguda o líquido apresenta uma cor

amarelada e designa-se frequentemente pus.

- Necrose Gangrenosa, não se refere a um tipo específico de necrose, mas sim a um tipo de

necrose que ocorre geralmente nos membros a quando da perda de irrigação. No caso de

existir um processo infeccioso a necrose de coagulação é convertida numa necrose de

liquefacção pela presença de bactérias e leucócitos – gangrena húmida;

- Necrose Caseosa, é um tipo distinto de necrose de coagulação, sendo mais frequentemente

encontrada associada à tuberculose. O centro necrótico surge como centro granular amorfo

composto por fragmentos celulares, sendo este rodeado por um conjunto de células

inflamatórias – reacção de granulação. Este tipo de necrose altera completamente a

arquitectura do tecido ou órgão;

- Necrose Gorda, é mais um termo médico do que um padrão de necrose, sendo caracterizado

por um foco de destruição adiposa. Na maior parte dos casos resulta da libertação de lipases

pancreáticas no parênquima pancreático ou na cavidade peritoneal. A libertação de ácidos

gordos combinada com a deposição de cálcio produz áreas grosseiras de calcificação. É típico

encontrar um depósito basófilo de cálcio rodeado por uma reacção inflamatória.

Exemplos de Lesão Celular e Necrose

Isquémia e Lesão de Hipoxia

Isquémia, ou diminuição do fluxo sanguíneo para um tecido, é a causa mais comum de lesão

celular na medicina clínica. Em contraste com a hipoxia, que no que toca à síntese de ATP pode

continuar a fazê-lo, embora de forma menos eficiente, através da glicólise; na isquémia existe

também um comprometer do fornecimento de substratos para a glicólise, nomeadamente da

glicose. Consequentemente a hipoxia leva a que a energia seja produzida de forma anaeróbica,

deixando ao fim de algum tempo os tecidos isquémicos. Isto acontece quando os potenciais

substratos são esgotados ou quando glicólise é inibida pelo acumular de metabolitos que

normalmente seriam removidos pelo fluxo sanguíneo. Portanto, a isquémia conduz a uma

lesão dos tecidos mais rápida do que a hipoxia.

As principais alterações bioquímicas nas células hipóxicas que levam à lesão celular são

derivadas da diminuição da síntese de ATP, como consequência da reduzida disponibilidade de

oxigénio. A perda de ATP leva à falha de muitos sistemas celulares dependentes desta energia:

- Paralisação dos Transportadores Iónicos, conduzindo a uma turgescência celular, e influxo de

Ca2+, com as suas consequências deletérias;

- Depleção das reservas de glicogénio, histologicamente esta alteração é identificável pela

coloração reduzida com PAS;

- Acumulação de Ácido Láctico, com consequente diminuição do pH intracelular;

- Diminuição da síntese proteica.

As consequências funcionais nesta fase podem ser graves. Por exemplo, o músculo cardíaco

deixa de contrair após de 60 segundos de oclusão coronária. No entanto, a perda de

contractilidade não significa morte celular. No entanto se a hipoxia continua, a depleção de

ATP agrava-se causando nova deterioração, com perda de microvilosidades e formação de

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vacúolos. Neste momento, toda a célula e os seus organitos aumentam marcadamente de

tamanho, aparentando estar túrgidos, o que se deve ao com aumento das concentrações de

sódio e cloreto e uma diminuição da concentração de potássio, com consequente entrada de

água para o meio intracelular. Se for restabelecido oxigénio ainda nesta fase, todas estas

alterações são reversíveis.

Se a isquémia persistir é inevitável que surja lesão irreversível e necrose. A lesão irreversível

está associada com uma turgescência muito exuberante da mitocôndria, extensivos danos na

membrana plasmática, e aumento de volume dos lisossomas. O afluxo maciço de cálcio para o

interior da célula pode surgir nesta fase. A morte é principalmente por necrose, mas contribui

também, em alguns casos, a apoptose. O percurso é activado apoptótico provavelmente pela

liberação de moléculas pró-apoptótico que se encontravam aprisionadas nas mitocôndrias. Os

componentes da célula são progressivamente degradados, e não há libertação generalizada de

enzimas celulares para o espaço extracelular. Finalmente, as células mortas podem ser

substituídas por grandes massas de fosfolípidos agrupados na forma de figuras mielínicas.

Estes são então fagocitados por leucócitos e mais tarde degradados em ácidos gordos que

podem sofrer calcificação.

Lesão de Isquémia-Reperfusão

Se a lesão celular é reversível, o restabelecer do fluxo sanguíneo pode conduzir à recuperação.

No entanto, em certas circunstâncias, a restauração do fluxo sanguíneo para alguns tecidos

isquémicos pode paradoxalmente exacerbar e acelerar a lesão. Como resultado, os tecidos

têm sustentar a perda de células, para além das que estão irreversivelmente danificadas no

fim do episódio isquémico. O chamado processo de isquémia-reperfusão é uma lesão

clinicamente importante que pode contribuir significativamente para a lesão no tecido

cerebral e enfarto do miocárdio.

Foram propostos diversos mecanismos para este fenómeno:

- Nova lesão celular pode ser gerada durante a reoxigenação através da formação de radicais

livres de oxigénio pelas células mesenquimais, endoteliais e leucócitos. Podem ser produzidos

aniões superóxidos como consequente da lesão mitocôndrial pela hipoxia ou estes podem ser

produzidos pelas células em redor. As defesas antioxidantes podem ser lesadas pela hipoxia,

favorecendo desta forma o acumular de radicais livres de oxigénio;

- Os radicais livres de oxigénio podem promover um fenómeno de transição da permeabilidade

mitocôndrial, que opõe a recuperação da capacidade da mitocôndria em produzir ATP,

conduzindo à morte celular;

- A lesão isquémica está associada à inflamação, conduzindo à libertação de citocinas e

aumento da expressão de moléculas adesivas pelo endotélio. Estes fenómenos conduzem a

um maior número de células inflamatórias no local, e consequente lesão adicional.

- Recentemente foi proposto que a activação do sistema de complemento pudesse estar

envolvida, levando à deposição da IgM nos tecidos isquémicos. Esta deposição pode originar

inflamação e aumentar a lesão celular.

Lesão Química

Os agentes químicos podem lesar a células através de dois mecanismos principais:

Page 27: Sebenta Da Estrelinha

- Algumas substâncias químicas actuam directamente através de uma combinação com um

componente molecular ou organelo celular. Por exemplo, na intoxicação por cloreto de

mercúrio, o mercúrio liga-se aos grupos sulfidrílicos de diferentes proteínas da membrana

celular, causando deste modo a inibição dos transportadores ATP-dependentes e um aumento

da permeabilidade da membrana. Muitos agentes da terapêutica anti-neoplásica também

podem induzir nas células lesão directa, que são genericamente designados por efeitos

citotóxicos. Nesses casos, o maior dano é causado às células que mais usam, absorvem,

excretam, ou concentram os compostos existentes no meio, nomeadamente os agentes

citotóxicos.

- Outros produtos químicos não são intrinsecamente biologicamente activos, mas devem ser

primeiro convertidos para se transformarem em metabolitos tóxicos que, depois actuam sobre

as células-alvo. Esta alteração é geralmente realizada através do citocromo P-450 com função

de oxidase no retículo endoplasmático liso do fígado e outros órgãos. Embora os metabolitos

possam causar danos na membrana celular por lesão directa através da ligação covalente a

proteínas e Lípidos, o mais importante mecanismo de lesão celular envolve a formação de

radicais livres.

Apoptose

A apoptose é uma via de morte celular que é induzida por um programa intracelular regulada

de forma estreita, culminando na activação de enzimas que degradam o DNA nuclear e as

proteínas nucleares e citoplasmáticas. A membrana plasmática permanece integra, no entanto

sofre alterações de modo a que seja alvo de fagocitose. Este tipo de morte celular permite

uma rápida eliminação dos constituintes da célula morta, o que impede que se forme uma

reacção inflamatória no local.

A apoptose difere da necrose, sendo esta caracterizada pela perda de integridade da

membrana celular, pela digestão enzimática da célula e pela frequente reacção inflamatória

associada.

Causas de Apoptose

A apoptose pode ocorrer em diversas situações, tendo como principal função eliminar as

células não necessárias ou potencialmente prejudiciais e aquelas que perderam a sua função.

Apoptose em Situações Fisiológicas

A morte por apoptose é um fenómeno normal que serve para eliminar as células que já não

são necessárias, o que se pode verificar durante o desenvolvimento e na manutenção do

número correcto de células num tecido. A apoptose é um fenómeno importante nas seguintes

situações:

- Destruição celular programada durante a embriogénese, incluindo implantação,

organogénese, involução desenvolvimental e metamorfose;

- Involução Hormono-Dependente no Adulto;

Page 28: Sebenta Da Estrelinha

- Delecção celular na proliferação celular de determinadas populações;

- Morte das células que já cumpriram a sua função, como é o caso dos neutrófilos após o seu

papel na inflamação aguda;

- Eliminação dos linfócitos potencialmente lesivos (Auto-Reactivos);

- Morte celular induzida pelas Células T Citotóxicas;

Apoptose em Situações Patológicas

A apoptose é também responsável pela perda de células em inúmeras situações patológicas:

- Morte celular derivada de estímulos lesivos, como exemplo temos a radiação ou substâncias

citotóxicas que lesam o DNA;

- Lesão celular induzidas por determinados vírus;

- Atrofia patológica no parênquima de determinados órgãos após obstrução de um ducto;

- Morte celular em tumores;

- Algumas situações em que a necrose predomina podem ter um componente de apoptose, o

que se verifica muitas vezes pelo facto de a lesão mitocôndrial induzir a apoptose.

Morfologia – Apoptose

As seguintes características indicam-nos que uma célula se encontra num fenómeno de

apoptose, podendo ser mais facilmente visualizadas ao microscópio electrónico:

- Retratação Celular, a célula diminui de tamanho, tornando-se o citoplasma mais denso. Os

organelos, apesar de aparentemente normais, estão como que compactados;

- Condensação da Cromatina, este é um dos traços mais característicos da apoptose. A

cromatina condensa à periferia, junto da membrana nuclear, formando massas densas com

formas e tamanhos diferentes. O núcleo pode fragmentar-se formando dois ou mais

fragmentos;

- Formação de Bolhas Citoplasmáticas e de Corpos Apoptóticos, inicialmente verifica-se a

formação de bolhas citoplasmáticas, culminando na formação de corpo apoptóticos contendo

citoplasma e organelos compactados, podendo ter, ou não, fragmentos nucleares;

- Fagocitose de Células ou Corpos Apoptóticos por Macrófagos, as células em apoptose podem

ser digeridas nos lisossomas, e as células adjacentes migram ou proliferam para preencher o

espaço deixado pelas células que sofreram apoptose.

A membrana plasmática permanece intacta durante este processo, apenas nos estádios finais

passa a ser permeável a alguns solutos que anteriormente não era. Esta é uma das principais

características que distinguem necrose de apoptose.

A apoptose é geralmente um processo limitado, envolvendo uma única célula, ou um número

reduzido de células. É característico observarem-se massas celulares intensamente eosinófilas

com densos fragmentos de cromatina.

A apoptose é um processo que culmina com a formação de corpos apoptóticos e a sua

fagocitose, o que acontece rapidamente, e como tal é um fenómeno que não produz sinais de

inflamação e que dificilmente é observável ao microscópio.

Características Bioquímicas da Apoptose

As células apoptóticas exibem um distinto conjunto de alterações bioquímicas que

acompanham as alterações estruturais já descritas:

- Clivagem Proteica, deriva da activação de membros da família das caspases. Estas enzimas

estão presentes nas células normais, mas inactivas, como pro-enzimas. As caspases quando

Page 29: Sebenta Da Estrelinha

activadas clivam muitas das proteínas vitais, como a laminina, quebram o esqueleto nuclear e

o citoesqueleto. Por outro lado as caspases activam DNases, e estas por sua vez degradam o

DNA celular;

- Desagregação do DNA, as células apoptóticas exibem caracteristicamente fragmento s de 50

a 300 kpb de DNA. Existem ainda endonucleases dependentes do Ca2+ e Mg2+ que originam

oligonucleossomas múltiplos de 180 a 200 bp. A clivagem inter-nucleossomal não é

característica da apoptose, podendo também ser observada na necrose;

- Reconhecimento Fagocítico, as células apoptóticas expressam fosfatidil-serina na porção

extra-celular das suas membranas, o que se deve à inversão dos fosfolípidos da membrana –

flip. Em alguns tipos específicos de apoptose é também expressa trombopondina, um

glicoproteína com propriedades adesivas. Estas alterações permitem que as células

apoptóticas sejam reconhecidas pelos macrófagos sem que haja libertação dos componentes

celulares proinflamatótios.

Mecanismos de Apoptose

A apoptose é induzida por uma cascata de eventos moleculares que podem iniciar-se em

diversos pontos, mas todas terminam com a activação das caspases. O mecanismo de

apoptose revela-se extremamente importante, o que se comprova pelo facto de a sua

ausência ou o seu excesso serem a causa de muitas patologias, e ainda por ser um mecanismo

conservado em todos os metazoas.

O processo da apoptose pode ser dividido numa fase de iniciação, onde as caspases se tornam

catalíticamente activas, e numa fase de execução, onde estas enzimas actuam de formam a

causaram a morte celular.

O inicio da apoptose encontra-se principalmente associado a duas vias de activação:

- Via Extrínseca, activada através de receptores membranares;

- Via Intrínseca, que está na dependência da mitocôndria, podendo por isso ser designada via

mitocôndrial.

Ambas as vias convergem para um mesmo fim, a activação das caspases, no entanto sabe-se

que em inúmeros pontos existe interligações entre elas.

A Via Extrínseca

Esta via é iniciada pelo ligar de determinadas

substâncias aos receptores de morte celular na

superfície celular de diversas células. Estes receptores

pertencem à família dos receptores do TNF, contendo

um domínio citoplasmático – death domaim - que tem

um papel de extrema importância na transmissão do

sinal pró-apoptótico. Quando um receptor Fas toma

contacto com o seu ligando (FasL) são recrutados 3 ou

mais Fas, os domínios citoplasmáticos destes

receptores agrupam-se e formam um local de ligação

para uma outra proteína, a FADD (Fas-associated detah

domain). Quando esta ligação se dá é activada a

caspase-8, que no caso dos humanos em particular

corresponde à caspase-10. Diversas caspases-8 nas

Page 30: Sebenta Da Estrelinha

proximidades são activadas, estas por sua vez irão activar outras caspases e enzimas

responsáveis pela fase de execução da apoptose.

Esta via também pode ser iniciada por uma proteína denominada FLIP, no entanto esta não

possui uma actividade enzimática suficiente para activar as caspases. Sabe-se hoje que alguns

vírus produzem esta proteína de modo a protegerem as células infectadas da apoptose

mediada pelo Fas.

Page 31: Sebenta Da Estrelinha

A Via Intrínseca ou Mitocondrial

Esta via de activação resulta do aumento da permeabilidade mitocôndrial e da libertação de

molécula pró-apoptóticas no citoplasma, sem que haja intervenção dos receptores de morte

celular membranares. Os factores de crescimento e outros sinais de sobrevivência estimulam a

produção de proteínas anti-apoptóticas da família do Bcl-2.

As duas principais proteínas desta família com função anti-apoptótica são a Bcl-2 e a Bcl-x.

Estas proteínas encontram-se armazenadas nas membranas mitocôndriais e no citoplasma.

Quando a célula deixa de receber sinais de sobrevivência ou é sujeita a stress estas moléculas

deixam de estar na membrana mitocôndrial e são substituídas por elementos pró-apoptóticos

– Bak, Bax e Bim. Quando a concentração de Bcl-2/Bcl-x diminuem a permeabilidade da

membrana mitocôndrial vai aumentando, este fenómeno leva à libertação de elementos

dantes contidos na mitocôndria com capacidade para activarem as caspases. A principal

proteína envolvida é o citocromo c, este por sua vez liga-se a uma proteína designada de Apaf-

1 e por fim, este complexo activa a caspase-9.

Existem outros factores, como é o caso do AIF (Apoptosis Inducing Factor) que ao ser libertado

liga-se a elemento anti-apoptóticos, bloqueando-os.

Esta via é resultado de um balanço entre os elementos pró-apoptóticos e os elementos anti-

apoptóticos, sendo que os primeiros tentam destabilizar a membrana mitocôndrial de modo a

que sejam libertados os elementos que irão activar as caspases, enquanto os segundos tentam

manter a permeabilidade mitocôndrial.

A Fase de Execução

Esta fase é mediada por uma cascata proteolítica para a qual convergem os diferentes

mecanismos de iniciação. As proteases que medeiam este processo encontram-se altamente

conservadas ao longo das espécies e pertencem à família das caspases.

As caspases incluem mais de 10 proteínas diferentes e podem ser dividias em dois grupos, as

iniciadoras (caspases-8 e caspase-9) e as executoras (caspase-3 e caspase-6).

Page 32: Sebenta Da Estrelinha

Tal como outras proteases, as caspases existem na forma de pro-enzimas ou zimogénias e

devem sofrer uma clivagem inicial para serem activadas. Uma característica interessante

destas proteases é o facto de possuírem a capacidade de se auto-clivarem, e não só de serem

clivadas por outras proteases. Após a activação das caspases iniciadores inicia-se um processo

rápido e sequencial de morte celular que é marcado pela activação de outras caspases.

As caspases executoras actuam em diversos componentes celulares, destacam-se os seguintes:

- Citoesqueleto Nuclear;

- Proteínas da Matriz Nuclear;

- Proteínas envolvidas na Transcrição, Replicação do DNA e Reparação do DNA;

- Converte a DNase numa forma activa clivando o seu inibidor, este processo é específico da

caspase-3;

Remoção das Células Mortas

Desde uma fase inicial que as células apoptóticas libertam factores que recrutam macrófagos,

o que facilita em muito a remoção precoce das células sem que estas entrem em necrose e

libertem os seus componentes (o que poderia conduzir a uma inflamação local). As células

apoptóticas ou os seus fragmentos possuem marcadores moleculares na superfície que

facilitam o seu reconhecimento pelas células fagocíticas.

Os macrófagos por sua vez libertam substâncias que se ligam às células apoptóticas, mas não

às normais, e que promovem a sua opsonização, facilitando desta forma a sua fagocitose.

Contrariamente as células normais protegem-se da fagocitose mediada por macrófagos

apresentando à sua superfície moléculas como o CD31.

Este processo de remoção das células em apoptose permite que estas desapareçam quase em

deixar vestígios, o que se certa forma contribui para que virtualmente não haja inflamação.

Exemplos de Apoptose

Os principais sinais que induzem a apoptose são:

- Ausência de Factores de Crescimento;

- Activação dos Receptores de Morte Celular;

- Agentes Lesivos.

Em seguida iremos apresentar alguns dos fenómenos de apoptose mais comuns, sendo que o

maior número de casos verifica-se durante o desenvolvimento embrionário.

Apoptose após Privação de Factores de Crescimento

As células hormono-sensíveis privadas da hormona, linfócitos que não são estimulados por

antigénios e citocinas, e neurónios privados de factor de crescimento morrem por apoptose.

Em todas estas situações, apoptose é desencadeado pela via mitocôndrial e é atribuída à

activação de membros pró-apoptóticos Bcl e diminuição da síntese de Bcl-2 e Bcl-x.

Apoptose Mediada por Lesão do DNA

A exposição das células à radiação ou agentes de quimioterapia induz danos no DNA, e se isto

é demasiado grave para ser reparado desencadeia a morte por apoptose. Quando o DNA está

danificado, a proteína p53 acumula-se nas células. Quando isto acontece é feito uma paragem

no ciclo celular, em G1, para que haja tempo do DNA lesado seja reparado. No entanto, se o

dano for muito grande para ser reparado com êxito, o p53 desencadeia a apoptose, o que se

dá principalmente através da activação das caspases que, e em última instância pode activar

Page 33: Sebenta Da Estrelinha

Bax e Bak. Quando p53 é mutado ou ausente (como é em alguns cancros), é incapaz de induzir

apoptose, desta forma as células com DNA danificado sobrevivem. Nestas células, a lesão do

DNA pode resultar em translocações ou mutações que levam à transformação neoplásica.

Apoptose Mediada pelos Linfócitos T Citotóxicos

Os Linfócitos T Citotóxicos (CTLs) reconhecem os antigénios estranhos apresentados na

superfície de células hospedeiras infectadas e células tumorais. Após a activação, os CTLs

secretam perforinas que irão formam poros nas membranas celulares da célula-alvo. Podem

ainda ser secretadas granzinas, estas irão decompor proteínas em resíduos de aspartato e são

capazes de activar as caspases celulares. Desta forma a CTL mata as células-alvo directamente

pela indução da fase de execução da apoptose, sem envolver mitocôndrias ou receptores. Os

CTLs também expressam FasL na sua superfície e podem desta forma induzir a morte das

células-alvo ligando-o aos receptores Fas.

Resposta Subcelular á Lesão

Vamos agora focar na célula como uma só e nas alterações que se verificam nos seus

organelos e citoesqueleto.

Catabolismo Lisossomal

Os lisossomas primários são constituídos por uma membrana contendo diversas enzimas

hidrolíticas, incluindo fosfatases ácidas, glucoronidases, sulfatases, ribonucleases e

colagenases. Estas enzimas são sintetizadas no retículo endoplasmático liso e agrupadas no

complexo de Golgi. Os lisossomas primários fundem-se com vesículas que contêm material

para digerir, formando lisossomas secundários ou fagolisossomas. Existem duas vias de

fagocitose:

- Heterofagocitose, é um processo de digestão

lisossomal dos componentes extracelulares. Estes

componentes entram na célula através de

endocitose, que neste caso particular se

denominada fagocitose, ou que no caso de serem

macromoléculas solúveis se designa pinocitose. Este

tipo de fagocitose é características das grandes

células fagocíticas, nomeadamente os macrófagos e

os neutrófilos.

- Autofagocitose, refere-se à digestão lisossomal de

componentes celulares. Os organelos e porções do

citoplasma são sequestrados em vacúolos autofágicos oriundos do retículo endoplasmático

rugoso. Estes vacúolos fundem-se com elementos do complexo de Golgi ou lisossomas para

originarem autofagolisossomas. Este processo é comum na remoção de componentes

celulares danificados ou durante a remodelação durante a diferenciação celular. A

autofagocitose é característica de células com privação nutricional ou em involução hormonal.

As enzimas presentes nos lisossomas têm a capacidade de degradar grande parte dos

componentes celulares, no entanto aqueles onde permanece material não-digerido formam

corpos residuais. Os grânulos de pigmento de lipofuscina são exemplo dos resíduos de lípidos

Page 34: Sebenta Da Estrelinha

peroxidados não digeridos. Alguns pigmentos, como é o caso do carbono ou das tatuagens,

podem persistir por décadas no interior dos macrófagos.

Existem doenças do armazenamento lisossomal hereditárias, sendo estas causadas por

alterações nas enzimas que degradam as diversas macromoléculas, conduzindo à acumulação

de quantidades anormais destes compostos nos lisossomas.

Hipertrofia do Retículo Endoplasmático Liso

O retículo endoplasmático (RE) liso está envolvido no metabolismo de vários químicos, e como

tal as células expostas a esses químicos apresentam uma hipertrofia do mesmo como resposta

adaptativa, podendo esta ter importantes consequências funcionais. Em grande parte dos

casos em que existe tolerância a uma determinada droga deve-se ao aumento do RE liso. É no

RE liso que existem enzimas, como é o caso do citocromo P-450, que modificam os compostos

de modo a torná-los mais solúveis e mais facilmente excretáveis. Durante este processo, que

muitas vezes é composto por oxidações, formam-se radicais livres de oxigénio, este por sua

vez tem um elevado potencial lesivo para a célula.

Este fenómeno de adaptação a um aumento de determinada substância (ex. Barbitúricos) que

conduz a um aumento do RE liso e do número de enzimas faz com que o indivíduo adquira

uma maior capacidade para metabolizar outros compostos (ex. Álcool). No caso concreto do

álcool, um potente indutor do citocromo P-450, existe um aumento ainda maior do número de

enzimas, o que muitas vezes conduz a situações em que a dose de um determinado fármaco

ingerida se torna subterapêutica devido à sua rápida metabolização.

Alterações Mitocôndriais

Como já foi visto anteriormente as alterações mitocôndriais desempenham um papel central

na lesão celular e na apoptose. Sabe-se ainda que alterações no número, tamanho e forma das

mitocôndrias são características de determinadas patologias. Como exemplo temos a

hipertrofia e atrofia celular onde ocorre um aumento e diminuição do número de

mitocôndrias, respectivamente.

A mitocôndria pode atingir proporções gigantescas – megamitocôndria – no caso de pacientes

com síndrome hepático alcoólico ou má nutrição. No caso das miopatias mitocôndriais existe

uma condição hereditária que conduz a um aumento do número de mitocôndrias devido ao

seu funcionamento anormal. Alguns tumores benignos (ex. Glândulas Salivares, Tiróide,

Paratiroideias e Rim) exibem um aumento marcado do número de mitocôndrias, o que lhes

confere uma aparência eosinófila.

Alterações no Citoesqueleto

O citoesqueleto consiste em microtúbulos, filamentos de actina, filamentos de miosina e

muitos outros filamentos intermédios. As alterações do citoesqueleto podem ser causadas

por:

- Alterações da função celular, como a locomoção e o movimento de organelos intracelulares;

- Acumulação intracelular de material fribilar.

Iremos de seguida descrever cada um dos diversos tipos de filamentos:

- Microfilamentos, são compostos por actina, miosina e estão associados a proteínas de

regulação. A sua principal função é permitir as alterações conformacionais dos leucócitos

durante a diapdese e fagocitose;

Page 35: Sebenta Da Estrelinha

- Microtúbulos, defeitos podem conduzir a ausência de movimento dos espermatozóides

levando a infertilidade masculina, podem ainda originar estase dos cílios respiratórios

originando acumulação de secreções e incapacidade de expulsar as bactérias. Estes elementos

do citoesqueleto possuem mais uma vez uma enorme importância na diapdese e fagocitose

dos leucócitos. Existem fármacos que bloqueiam os microtúbulos e são utilizados para limitar a

proliferação como agentes anti-tumorais (ex. Alcalóides da Vinca);

- Filamentos Intermédios, possibilitam uma estrutura intracelular flexível e que potencia a

organização do citoplasma e permite à célula resistir às forças aplicadas sobre ela. Os

filamentos intermédios estão divididos em cinco classes:

- Queratina, característicos das células epiteliais;

- Neurofilamentos, presentes nos neurónios;

- Filamentos de Vimentina, abundantes no tecido conjuntivo;

- Filamentos de Desmina, como parte integrante das células musculares;

- Filamentos Gliais, sendo encontrados nos astrócitos.

A principal função do citoesqueleto é mecânica, mantendo a estrutura celular, ajudando nos

processos de migração e divisão celular. No entanto as proteínas do citoesqueleto encontram-

se ligadas a muitos receptores celular, sendo por isso participantes activos na transdução de

sinal.

Page 36: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina B1 Dados Clínicos: Homem, 63 anos, obeso e fumador, recorre ao SU por dor precordial. Fica internado na

Unidade de Cuidados Intensivos e morre. É feito exame necrópsico.

Teoria – EAM

Ver página 604 do Robbins – Demasiado importante para não ler o original!

Resolução

1 – Qual o tecido apresentado em A? Tecido Muscular Cardíaco

2 – Como denomina este tipo de morte celular? Necrose Coagulativa

3 – Baseado na morfologia, descreva as alterações que ocorreram e caracterizam este tipo de morte

celular. (A, B e C)

Diminuição da basofilia; presença de células inflamatórias; fibras musculares mais afastadas.

4 – Calcule, aproximadamente, quanto tempo decorreu entre o início da morte das células e a morte do

doente. No mínimo 2 dias.

5 – Explique a presença da inflamação. (D)

As células necróticas não são capazes de manter a integridade da membrana e o seu conteúdo é

libertado para o exterior causando inflamação no tecido adjacente.

Page 37: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina B2 Dados Clínicos: Homem, 69 anos, hemiparésia de instalação súbita e alterações da visão. Tomava

anticoagulantes por fibrilhação auricular.

Teoria – Hemorragia Intracraniana

As hemorragias podem ocorrer em qualquer lugar dentro do SNC. Em alguns casos, são um

fenómeno secundário que ocorre, por exemplo, dentro de enfartes nas zonas limítrofes

arteriais ou em enfartes causados por obstrução vascular apenas parcial ou transitória. As

hemorragias primárias dentro do espaço epidural são tipicamente relacionadas com

traumatismos. Em contraste, as hemorragias dentro do parênquima cerebral e espaço

subaracnoideu são muitas vezes uma manifestação de uma doença vascular cerebral

subjacente, embora os traumatismos também possam causar sangramento nesses locais.

HEMORRAGIA INTRACEREBRAL (INTRAPARENQUIMATOSA) – as hemorragias

intraparenquimatosas espontâneas (não traumáticas) ocorrem mais frequentemente na meia-

idade e idade adulta avançada, com incidência máxima em torno dos 60 anos. A maioria é

causada por ruptura de um pequeno vaso intraparenquimatoso. A HTA é a causa subjacente

mais comum de hemorragia primária do parênquima cerebral. Em alguns casos, a HTA crónica

está associada ao desenvolvimento de diminutos aneurismas, denominados microaneurismas

de Charcot-Bouchard, que podem ser o ponto de ruptura. Além da hipertensão, outros

factores locais e sistémicos podem causar hemorragia não-traumática ou contribuir para a sua

ocorrência, como distúrbios sistémicos da coagulação, cirurgia cardíaca aberta, neoplasias,

angiopatia amilóide, vasculite, aneurismas fusiformes e malformações vasculares.

Morfologia: A hemorragia intraparenquimatosa hipertensiva pode originar-se no putâmen (50

a 60% dos casos), tálamo, ponte, hemisférios cerebelares (raramente) e outras regiões do

cérebro. Quando as hemorragias ocorrem nos núcleos da base e tálamo, são denominados

hemorragias gangliónicas, para distinguir-se das que ocorrem nos lobos dos hemisférios

cerebrais – hemorragias lobares. As hemorragias agudas de ambos os tipos caracterizam-se

por extravasamento de sangue com compressão do parênquima adjacente. As hemorragias

antigas exibem uma área de destruição cavitária do cérebro com uma orla de coloração

acastanhada. Ao exame microscópico, a lesão precoce consiste numa zona central de sangue

Page 38: Sebenta Da Estrelinha

coagulado circundada por uma orla de tecido cerebral que mostra alterações neuronais e gliais

anóxicas e edema. No decorrer do tempo, o edema resolve, aparecem macrófagos repletos de

pigmente lipídeo, e observa-se proliferação de astrócitos reactivos na periferia da lesão.

As hemorragias lobares podem surgir no contexto de uma diátese hemorrágica, neoplasias,

abuso de drogas, vasculite infecciosa e não-infecciosa, e angiopatia amilóide (cognofílica).

Resolução

1 – O que é esperado encontrar no encéfalo do doente que morre com os antecedentes clínicos

descritos? (A, B e C)

Necrose do tecido encefálico como consequência de um AVC hemorrágico.

2 – Que tipo de necrose se observa neste contexto, e como se caracteriza, morfologicamente?

Necrose de liquefacção que se caracteriza pela existência de muito espaço entre as células; pigmentos

de hemossiderina; células com aspecto de lesão celular; zonas sem neurónios contendo macrófagos.

3 – Compare o tecido encefálico normal (D), com o tecido lesado (C) e comente.

C tem mais espaço entre as células; hemácias difusas e numerosas; presença de macrófagos e

hemossiderina dentro do citoplasma.

Page 39: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina B3 Dados Clínicos: Mulher, 48 anos, lesões cutâneas nos braços e região pré-esternal. Têm uma pequena

«crosta» e são pruriginosas.

Teoria – Líquen Plano

Os sinais de apresentação dessa afecção da pele e das mucosas consistem em “pápulas

poligonais pruriginosas e violáceas”. O líquen plano é autolimitado e, em geral, sofre resolução

espontânea dentro de 1 a 2 anos após o seu início, deixando, com frequência, zonas de

hiperpigmentação pós.inflamatória. As lesões orais podem persistir por vários anos. Foi

constatada a ocorrência de degeneração maligna em lesões mucosas e paramucosas crónicas

do líquen plano, embora não se tenha demonstrado qualquer relação patogénica directa.

As lesões cutâneas consistem em pápulas violáceas, pruriginosas e de topo achatado, que

podem coalescer focalmente, formando placas. Essas pápulas são frequentemente realçadas

por ponts ou linhas brancas denominadas estrias de Wickham. Nos indivíduos de pigmentação

escura, as lesões podem adquirir uma cor castanho-escura devido à perda do pigmento

melanina na derme com a destruição da camada de células basais. Tipicamente, são

observadas múltiplas lesões de distribuição simétrica, particularmente nos membros (punhos

e cotovelos), bem como na glande.

A patogénese do líquen plano é desconhecida. É plausível que as lesões sejam causadas por

reacções imunes mediadas por células, secundárias à libertação de antigénios ao nível das

células da camada basal e da junção dermoepidérmica. Dando apoio a esta noção estão os

dados que indicam que os infiltrados primariamente de linfócitos T associados à hiperplasia de

células de Langerhans são característicos da formação e evolução de lesões.

Morfologia: O líquen plano é caracterizado histologicamente por um denso e contínuo

infiltrado de linfócitos ao longo da junção dermoepidérmica. Os linfócitos estão intimamente

associados com os queratinócitos basais, que mostram degeneração, necrose e têm

semelhança em tamanho e em contorno com as células mais maduras do estrato espinhoso

(escamatização). A consequência desta infiltração destrutiva de linfócitos é a redefinição da

configuração levemente ondulada normal da interface dermoepidérmica para um contorno

mais angulado em ziguezague (dentes de serrote). Células basais necróticas, anucleadas,

podem tornar-se incorporadas dentro da derme papilar inflamada, onde são chamadas de

Page 40: Sebenta Da Estrelinha

corpos de Civatte ou corpos colóides. Embora característicos do líquen plano, estes corpos

podem ser detectados em qualquer dermatite crónica onde os queratinócitos basais são

lesionados e destruídos. Embora esta relação destrutiva entre os linfócitos e as células

epidérmicas carreguem algumas semelhanças com as do eritema multiforme, o líquen plano

mostra alterações de cronicidade, especialmente hiperplasia epidérmica (ou raramente

atrofia) e espessamento da camada de células granulares e do estrato córneo (hipergranulose

e hiperceratose respectivamente). O líquen plano que afecta preferencialmente o epitélio do

folículo piloso é chamado de líquen planopilar.

Resolução

1 – A foto A representa um retalho de pele seccionado (5 fragmentos). Descreva as alterações

morfológicas relevantes que se observam na junção dermo-epiddérmica. (B).

Junção dermo-epidérmica de contorno angulado (em dentes de serrote).

2 – Caracterize as alterações que se observam na epiderme (A e B).

Infiltração leucocitária; queratinócitos basais necróticos; células basais tornam-se similares às do estrato

espinhoso; células basais anucleadas (corpos de Civatte).

3 – Algumas células epiteliais que se observam na basal da epiderme têm alterações lesionais

características. Descreva-as.

Picnose- núcleo encolhido e basofílico; Cariorrexis – fragmentação do núcleo; e, Cariólise.

Page 41: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina B5 Dados Clínicos: Homem, 33 anos, caucasiano, com sintomatologia de obstrução intestinal. HIV positivo.

Foi feita ressecção cirúrgica de tumor do intestino.

Teoria – Linfoma de Burkitt

Esta categoria compreende: linfoma de Burkitt africano (endémico), linfoma de Burkitt

esporádico (não-endémico) e um subgrupo de linfomas agressivos que ocorre em indivíduos

infectados por HIV. Os linfomas de Burkitt que ocorrem em cada uma destas circunstâncias são

histologicamente idênticos, mas existem algumas diferenças clínicas, genotípicas e virológicas.

Esta é uma categoria de tumores de células B maduras que expressam IgM de superfície,

cadeias leves ķ ou λ monotípicas, CD19, CD20, CD10 e BCL6, um fenótipo que se assemelha

bastante ao das células B que se multiplicam rapidamente nas zonas escuras dos centros

germinativos normais.

Todas as formas do linfoma de Burkitt estão associadas a translocações do gene c-MYC no

cromossoma 8.

Essencialmente todos os tumores endémicos são infectados de forma latente pelo EBV, que

está também presente em cerca de 25% dos tumores associados a HIV e em 15 a 20% dos

casos esporádicos.

Tanto os casos endémicos como os esporádicos são amplamente encontrados em crianças ou

adultos jovens. A maioria destes tumores manifesta-se em locais extranodais. O linfoma de

Burkitt endémico geralmente apresenta-se como uma massa envolvendo a mandíbula, com

uma particular predileção pelas vísceras abdominais, principalmente rins, ovários e glândulas

supra-renais. Por outro lado, o linfoma de Burkitt esporádico apresenta-se mais

frequentemente como uma massa abdominal envolvendo o íleo, o cego e o peritoneu. O

comprometimento da medula óssea e do sangue periférico é incomum, especialmente em

casos endémicos. O linfoma de Burkitt é bastante agressivo, mas responde bem à

quimioterapia de curta duração e em altas doses. A maioria das crianças e adultos jovens pode

ser curada, mas os resultados são mais limitados em adultos com idade mais elevada.

Morfologia: Os tecidos atingidos são destruídos por um infiltrado difuso de células linfóides de

tamanho médio, contendo núcleos arredondados ou ovais, cromatina grosseira, diversos

nucléolos e uma quantidade moderada de citoplasma levemente basofílico ou anfofílico. O

tamanho do núcleo aproxima-se daquele de macrófagos benignos no interior do tumor. Um

Page 42: Sebenta Da Estrelinha

alto índice mitótico é característico, bem como a morte apoptótica das células tumorais,

resultando na presença de numerosos macrófagos com fragmentos nucleares ingeridos nos

tecidos. Estes macrófagos benignos estão distribuídos de forma difusa entre as células

tumorais e têm citoplasma claro e abundante, criando um aspecto de padrão de “céu

estrelado”. Em casos em que ocorre o acometimento da medula óssea, as células tumorais de

aspirados de medula apresentam cromatina nuclear ligeiramente aglomerada, dois a cinco

nucléolos distintos e citoplasma azul-profundo, contendo múltiplos vacúolos citoplasmáticos

claros.

Resolução

1 – Descreva o tipo de lesão que observa na parede intestinal (A), quanto ao modo como envolve o

órgão em que se manifesta.

Este tecido (tumoral) envolve os órgãos em toalha (ou difusa, difícil de distinguir).

2 – Que estrutura do órgão assinala a seta, em B? Glândulas intestinais.

3 – Que células constituem esta proliferação? Este tipo de neoplasia tem sido comparado a um «padrão

de céu estrelado» (C). Qual a explicação para isso?

As células são linfócitos não maduros ou pró-linfócitos. Devido à ocorrência de apoptose, existem

macrófagos que digerem os restos celulares formando à sua volta um espaço claro – padrão de céu

estrelado.

4 – Descreva sucintamente o tipo de alteração celular predominante nas células da neoplasia (D).

As células neoplásicas são uniformes de tamanho normal, com núcleos redondos ou ovais e 3-5

nucléolos. O tamanho nuclear é aproximadamente igual ao dos macrófagos. O citoplasma é basófilo e

há uma elevada taxa apoptótica (cromatina condensada) com fagocitose por macrófagos e muitas

mitoses (cromatina dispersa).

Page 43: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina B5 Dados Clínicos: Homem, 59 anos, alterações nas provas de função hepática. Ingere bebidas alcoólicas de

forma crónica (+/-100mg/dia).

Teoria – Esteatose

A alteração lipídica ou esteatose refere-se a qualquer acumular anormal de triglicéridos dentro

parênquima celular. É mais frequentemente observada no fígado, uma vez que este é o

principal órgão envolvido no metabolismo de gordura, mas também pode ocorrer no coração,

músculo-esquelético, rim e outros órgãos. Esteatose pode ser causada por toxinas, desnutrição

proteica, diabetes mellitus, obesidade e anóxia. Alcoolismo e diabetes associadas à obesidade

são as causas mais comuns de alterações lipídicas no fígado (ex. Fígado Gordo) nos países

desenvolvidos.

Ácidos gordos livres oriundos tecido adiposo ou

através da ingestão de alimentos são normalmente

transportados para os hepatócitos, aqui são

esterificados a triglicéridos, convertidos em

colesterol ou em fosfolípidos, ou oxidado em

corpos cetónicos. Alguns ácidos gordos são

sintetizados a partir de acetato no hepatócitos

também. A libertação dos triglicéridos dos

hepatócitos requer a formação de complexos com

apoproteínas para formar lipoproteínas, estas são

capazes de entrar na circulação e solubilizar os

lípidos associados. A excessiva acumulação

triglicéridos pode resultar de defeitos em qualquer

etapa da entrada de ácidos gordos até à sua saída através da conjugação com as lipoproteínas.

Esta acumulação traduz-se num fígado gordo após diversas lesões hepáticas. Esta acumulação

pode ser favorecida por substâncias toxinas para os hepatócitos (ex. Álcool) que alteram a

função mitocôndrial e do retículo endoplasmático rugoso e, assim, vão inibir a oxidação dos

ácidos gordos.

Factores como intoxicação por CCl4, desnutrição proteica, diminuição da síntese de

apoproteínas ou a hipoxia inibem a oxidação dos ácidos gordos; por outro lado a fome

aumenta mobilização de ácidos gordos da periférica para os tecidos hepáticos.

Page 44: Sebenta Da Estrelinha

O significado das alterações lipídicas depende da causa e a gravidade da acumulação. Quando

ligeira, pode não ter efeito sobre a função celular; com o progredir da severidade as alterações

lipídicas podem prejudicar transitoriamente a função celular, mas nenhum dos processos

celulares vitais é irreversivelmente prejudicado, assim sendo as alterações são reversíveis. Na

forma mais grave, as alterações lipídicas podem preceder a morte celular, e podem

representar o início de uma lesão hepática grave, originando uma doença hepática

denominada Esteatose Hepática Não-Alcoólica.

Morfologia: As alterações lipídicas são frequentemente observadas no fígado e coração. Estas

alterações surgem como vacúolos no interior do parênquima celular. As acumulações

intracelulares de água ou polissacáridos podem igualmente originar vacúolos, sendo por isso

necessárias técnicas especiais para distinguir os diferentes tipos. Para identificar o conteúdo

lipídico é necessário excluir os solventes lipídicos utilizados frequentemente nas preparações

com parafina padrão. É por isso necessário preparar secções congeladas de tecido fresco ou

conservado em formalina; estas secções devem depois ser coradas com Sudão IV ou Óleo

Vermelho-O, dando ambos uma tonalidade alaranjada aos lípidos. O Ácido Periódico de Schiff

(PAS) é utilizado habitualmente para identificar inclusões de glicogénio de forma não

específica.

No fígado alterações lipídicas de grau médio podem não afectar a aparência exterior do órgão.

Com o avançar da situação o órgão torna-se mais volumoso e de aparência amarela, podendo

aumentar de 3 a 6 kg e transformar-se numa massa brilhante amarela, macia e gordurosa. As

alterações primeiramente detectadas são inclusões com membrana – lipossomas – aplicadas

contra o retículo endoplasmático. Estas alterações são mais precocemente detectáveis com

um microscópio verificando-se a presença destes vacúolos no citoplasma em torno do núcleo.

Com a progressão estas inclusões vão aumento, o que obriga o núcleo a deslocar-se para a

periferia.

Quando estas inclusões rebentam podem formar-se Quistos Gordos.

No coração, as alterações lipídicas são encontradas na forma de gotículas, podendo surgir com

dois padrões distintos. Nos casos de hipoxia moderada prolongada, como os que são

originados por uma anemia grave, surgem depósitos intracelulares de gordura. Estes depósitos

criam a aparência de bandas amareladas de miocárdio alternadas com bandas mais escuras,

compostas por miocárdio não envolvido – efeito estriado. O outro padrão de hipoxia é

produzido por uma hipoxia mais severa ou por algumas formas de miocardite (ex. Difteria) e

apresenta-se como um padrão de diversos miócitos afectados sem nenhum padrão

característico.

Resolução

1 - Tente identificar os componentes morfológicos do tecido hepático normal (em A). Quais são esses

componentes? Hepatócitos, células de Kupfer, células endoteliais.

2 – A alteração predominante no fígado denomina-se esteatose que consiste em acumulação de

gotículas lipídicas no citoplasma.

3 – Quais os padrões de lesão celular que observa (B)? Hepatócitos grandes com vacúolos lipídicos que

empurram o núcleo para a periferia.

4 – Observe os vacúolos de tamanhos variados que estão presentes em todo o tecido. Qual será o seu

conteúdo? São gotículas lipídicas com TAG.

Page 45: Sebenta Da Estrelinha

5 – Como o poderia provar? Não usando solventes lipofílicos, congelando cortes de tecido fresco ou

fixados por formalina e corando com Sudão IV ou oil-red de ósmio que marcam lipídos.

6 – Qual é a alteração morfológica que espera encontrar se o doente deixar de ingerir bebidas

alcoólicas? Até a fibrose surgir, a degeneração gordurosa é totalmente reversível se houver abstenção

de bebidas.

Page 46: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina B6 Dados Clínicos: Mulher, 40 anos, nódulo no QSE da mama direita, com características «suspeitas» na

mamografia.

Teoria – Esteatonecrose (Necrose Gordurosa) Mamária

A necrose gordurosa pode apresentar-se como uma massa palpável indolor, espessamento ou

retracção cutânea, densidade mamográfica ou calcificações mamográficas. A maioria das

mulheres terá um histórico de trauma ou cirurgia prévia.

O significado clínico principal da condição é a sua possível confusão com carcinoma mamário

como uma massa palpável ou calcificações mamográficas.

Morfologia: Macroscopicamente, a lesão pode consistir em hemorragia nos estágios iniciais e,

posteriormente, necrose liquefativa central da gordura. Ainda posteriormente, pode aparecer

como um nódulo mal definido de tecido firme branco-acinzentado contendo pequenos focos

de dtritos esbranquiçados semelhantes ao giz ou hemorrágicos. O foco central de células

adiposas necróticas é cercado, inicialmente, por macrófagos e uma infiltração neutrófila

intensa. Então, durante os próximos poucos dias, proliferação fibroblástica progressiva,

vascularização aumentada e infiltração linfocítica e histiocítica isolam o foco.

Subsequentemente, calcificações e hemossiderina modificam a sua aparência e,

eventualmente, o foco é substituído por tecido cicatricial ou é encistado e isolado pelo tecido

colagenoso.

Resolução

1 – “Uma lesão «suspeita» (A) na mamografia nem sempre corresponde a uma neoplasia maligna». Esta

afirmação é verdadeira? Sim.

2 – A lesão que se observa está rodeada por que tipo de tecido? (B e C) Tecido conjuntivo fibroso com

presença de muito colagénio.

3 – Qual o tipo de lesão celular que está na base das alterações que observa? Esteatonecrose em que há

ruptura de adipócitos por traumatismo, alimentação, cirurgia, …

4 – Identifique os vários tipos de células inflamatórias presentes no tecido (C). Macrófagos e neutrófilos

(inicialmente) e depois fibroblastos e linfócitos.

Page 47: Sebenta Da Estrelinha

L4 e L5 - Inflamação

Introdução Teórica

Inflamação Aguda e Crónica

Conceitos Gerais da Inflamação

No capítulo passado abordamos diversos estímulos que podem lesar as células, no caso

particular dos tecidos vascularizados, podem desencadear uma resposta local denominada

inflamação. A inflamação é uma reacção complexa como resposta a agentes agressores, como

é o caso de micróbios ou lesão celular, habitualmente a necrose. A inflamação consiste numa

resposta vascular, composta pela migração e activação de leucócitos, e mais tarde numa

resposta sistémica. Uma das principais características do processo de inflamação é a

capacidade reactiva dos vasos sanguíneos, originando um acumular de fluído e leucócitos no

espaço extravascular.

A inflamação encontra-se estreitamente associada ao processo de reparação. A principal

função da inflamação é diluir ou deter os agentes lesivos, permitindo uma série de

acontecimentos que conduzem a uma tentativa de cicatrizar ou reconstruir o tecido destruído.

Este processo de reparação inicia-se logo nas primeiras fases da inflamação, no entanto

apenas é concluído quando o estímulo nocivo for totalmente removido. A reparação pode ser

feita com base na substituição do tecido lesado por células nativas do parênquima do órgão –

regeneração -, por preenchimento com tecido fibroso – cicatrização -, ou mais comummente

por uma combinação de ambos os processos.

A inflamação é essencialmente um processo defensivo, tendo em vista o organismo libertar-se

do estímulo lesivo e das consequências da lesão causada.

A inflamação pode ser dividida em dois componentes:

- Reacção Vascular;

- Reacção Celular.

Page 48: Sebenta Da Estrelinha

Existem diversas células e tecidos envolvidos nestas reacções, que vão desde fluidos e

proteínas do plasma, células circulatórias, vasos sanguíneos, a células e constituintes do tecido

conjuntivo.

As células circulatórias incluem:

- Neutrófilos;

- Monócitos;

- Eosinófilos;

- Linfócitos;

- Basófilos;

- Plaquetas.

As células do tecido conjuntivo mais abundantes são os mastócitos, rodeados por vasos

sanguíneos. Existem ainda fibroblastos e macrófagos e linfócitos residentes. A matriz

extracelular consiste em fibras estruturais proteicas (ex. Colagénio e Elastina), glicoproteínas

adesivas (ex. Fibronectina, Laminina, Colagénio Não-Fibrilar e Tenascina) e proteoglicanos. A

membrana basal é um componente especializado da matriz extracelular e consiste num

conjunto de glicoproteínas adesiva e protaeoglicanos.

A inflamação por ser divida em dois padrões:

- Inflamação Aguda, tem um início rápido (segundos ou minutos) e uma duração

relativamente curta, que pode ir até alguns dias. A sua principal característica é a exsudação

de fluído e proteínas plasmáticas – edema – e a migração de leucócitos, predominantemente

neutrófilos;

- Inflamação Crónica, tem uma maior duração e é caracterizada histologicamente pela

presença de macrófagos e linfócitos, proliferação dos vasos sanguíneos, fibrose e necrose

tecidual.

As reacções vascular e celular da inflamação são mediadas por factores químicos derivados das

proteínas plasmáticas ou das células, sendo produzidos perante um estímulo inflamatório. Esta

resposta pode ser aumentado por respostas sequenciais ou combinadas, nomeadamente as

células necróticas têm capacidade de produzir elas mesmo factores pró-inflamatórios.

A inflamação termina quando o agente desencadeador é eliminado e a secreção de agentes

mediadores cessa. Por outro lado existem mecanismos anti-inflamatórios que controlam e

previnem as respostas excessivas, para que deste modo não exista lesão tecidual induzida pela

resposta inflamatória.

Inflamação Aguda

A Inflamação Aguda consiste numa resposta rápida a uma agente agressor e tem como

objectivo conduzir os mediadores da defesa do hospedeiro – leucócitos e proteínas

plasmáticas – ao local da lesão.

A Inflamação Aguda tem três componentes principais:

- Alterações no calibre dos vasos, o que promove um aumento do fluxo sanguíneo local;

- Alterações estruturais na microvasculatura que permite que as proteínas plasmáticas e os

leucócitos abandonem a circulação;

- Migração dos leucócitos para fora da microcirculação, acumulação dos mesmos no local de

lesão e a sua consequente activação para eliminar o agente agressor.

Page 49: Sebenta Da Estrelinha

O fenómeno caracterizado pela saída de fluído,

proteínas e células sanguíneas do sistema

vascular para o espaço intersticial ou cavidades

do corpo denomina-se exsudação. Um Exsudado

é um fluído extravascular inflamatório que

contém uma elevada concentração de proteínas,

detritos celulares e com uma pressão oncótica

acima de 1,020. A formação de exsudado

pressupõe uma alteração significativa na

permeabilidade dos vasos locais.

Um Transudado caracteriza-se por um fluído com

baixa concentração de proteínas, sendo a maior parte albumina, e uma pressão oncótica

inferior a 1,020. O transudado resulta essencialmente de um ultra-filtrado do plasma

sanguíneo, sendo consequência de um desequilíbrio entre a pressão hidrostática e a pressão

oncótica nos vasos, sem que haja alterações na permeabilidade vascular.

O Edema define-se pelo excesso de fluído no espaço intersticial ou nas cavidades serosas,

podendo ser constituído por exsudado ou transudado.

O Pús ou Exsudado Purulento consiste num exsudado inflamatório, rico em leucócitos,

maioritariamente neutrófilos, detritos celulares e, em muitos casos, microrganismos.

Estímulos para a Inflamação Aguda

A Reacção Inflamatória Aguda é desencadeada por uma enorme diversidade de estímulos:

- Infecções (Bactérias, Vírus, Parasitas, etc) e Toxinas de Microrganismos;

- Trauma;

- Agentes Físicos e Químicos;

- Necrose Tecidual;

- Corpos Estranhos;

- Reacções Imunitárias.

Cada um destes estímulos tem a capacidade de induzir reacções, que apesar de todas

partilharem uma base idêntica, existem particularidades específicas em cada uma.

Alterações Vasculares

Os dois principais mecanismos de defesa do organismo – leucócitos e anticorpos – são

transportados através do fluxo sanguíneo, e como tal não é admirável que as alterações

vasculares sejam um dos principais componentes da resposta inflamatória. Habitualmente as

proteínas plasmáticas e as células circulantes permanecem dentro dos vasos e movem-se na

direcção do fluxo sanguíneo. Durante a inflamação, os vasos sanguíneos sofrem uma série de

alterações que permitem maximizar o movimento de proteínas e células para o exterior da

circulação, no sentido de chegarem mais próximo do local lesado.

Alterações no Calibre e Fluxo Vascular

Estas alterações surgem cedo, logo após a lesão, e desenvolvem-se a diferentes ritmos

consoante a gravidade da lesão. As alterações ocorrem na seguinte ordem:

Page 50: Sebenta Da Estrelinha

- Vasodilatação, é uma das primeiras manifestações da inflamação aguda. A vasodilatação é

feita inicialmente à custa das arteriolas, mas mais tarde envolve a abertura de novos leitos

capilares na área. Este fenómeno causa um aumento do fluxo sanguíneo local, originando calor

e rubor locais. A vasodilatação é induzida por alguns mediadores, nomeadamente a histamina

e o óxido de azoto, actuando estes sobre o músculo liso vascular.

- A vasodilatação é logo seguida por um aumento da

permeabilidade da microvasculatura, originando a

extravasão de fluído proteico para o espaço

intersticial;

- A perda de fluído resulta numa concentração do

volume eritrocitário nos pequenos vasos,

aumentando dessa forma a viscosidade sanguínea, o

que se comprova pela observação de pequenos vasos

dilatados e totalmente preenchidos por eritrócitos –

estase.

- A estase permite que, principalmente os leucócitos,

nomeadamente os neutrófilos, se acumulem-se perto

do endotélio. Os leucócitos aderem ao endotélio e

mais tarde migram através deste para os tecidos

intersticiais.

Aumento da Permeabilidade Vascular

Uma das marcas da inflamação aguda é o aumento da permeabilidade vascular acompanhado

da saída de proteínas para o espaço intersticial – exsudado. A saída de proteínas origina uma

diminuição da pressão oncótica no interior dos vasos e o seu aumento do espaço intersticial.

Em simultâneo ocorre um aumento do fluxo sanguíneo, que por sua vez irá aumentar a

pressão hidrostática nos vasos; desta forma aumenta a saída de fluído dos vasos, conduzindo a

uma situação de edema.

As trocas de fluidos e o aumento da permeabilidade microvascular são dependentes de um

endotélio intacto. Em seguida iremos esclarecer a forma como o endotélio se torna permeável

durante a inflamação:

- Formação de poros no endotélio das vénulas, é o processo mais comum de extravazamento

vascular e é induzido pela histamina, bradicinina, leucotrienos e o neuropéptido P. Esta

reacção é rápida e prolonga-se por um curto período de tempo (15 a 30 minutos) – Resposta

Imediata Transiente. Este tipo de resposta afecta vasos com diâmetros entre os 20 e os 60 μm,

deixando os capilares e as arteríolas de fora. Pensa-se que esta restrição às vénulas deve-se a

uma maior concentração de receptores no seu endotélio, que ao serem estimulados pela

histamina promovem a contracção do endotélio e a separação das suas junções intercelulares;

por outro lado as interleucinas, como é o caso da IL-1, TNF, IFN-γ promovem o aumento da

permeabilidade vascular e ao mesmo tempo uma reorganização do citoesqueleto. Em

contraste com a histamina, as interleucinas iniciam a sua acção mais tarde (4 a 6 horas) e

prolongam-se por mais tempo (24 horas ou mais);

- Lesão directa do endotélio, conduzindo a necrose endotelial e separação das células. Este

efeito é encontrado geralmente nas lesões necrozantes e deve-se à lesão directa do endotélio

por estímulos lesivos (ex. Queimaduras ou Infecções Líticas Bacterianas). Por outro lado, a

Page 51: Sebenta Da Estrelinha

adesão dos neutrófilos ao endotélio pode desencadear lesão endotelial. A saída de fluído

inicia-se logo após a lesão e mantém-se até que os vasos sejam trombosados ou reparados –

Reposta Imediata Sustentada. Neste caso todos os vasos são afectados, incluindo vénulas,

capilares e arteriolas. A separação das células endoteliais encontra-se associada à adesão

plaquetar e à trombose;

- Extravasamento Prolongado Tardio, apesar de curioso é um fenómeno que se verifica com

alguma frequência. Caracteriza-se por um aumento da permeabilidade vascular após 2 a 12

horas, podendo estender-se por horas a dias, envolvendo vénulas e capilares. Este tipo de

resposta é característico de lesões térmicas intermédias, radiação de raios-x ou ultravioleta, e

por muitas das toxinas bacterianas. Não se percebe ainda o mecanismo por detrás desta

resposta, no entanto pensa-se que esteja relacionado com a lesão directa do endotélio

(provavelmente por apoptose) e pelo efeito

derivado das citocinas;

- Lesão Endotelial Mediada por Leucócitos, os

leucócitos ao aderirem ao endotélio nas fases

mais precoces da resposta inflamatória pode

libertar radicais livres de oxigénio e enzimas

proteolíticas, levando estas por sua vez a lesão

endotelial. Consequentemente aumenta a

permeabilidade vascular, que no caso da

inflamação aguda, se encontra restrita às

vénulas e aos capilares pulmonares e

glomerulares;

- Aumento da Transcitose através do

citoplasma endotelial. A transcitose ocorre por

um atravessar de canais compostos por

aglomerados interconectados de vesiculas e

vacúolos denominando-se organelo vesico-

vacuolar, estando em grande parte localizado

nas junções intercelulares. Alguns factores,

como é o caso do VEGF, parecem estar

associados ao aumento do número e tamanho

destes complexos. Pensa-se que a histamina e

outros mediadores químicos tenham

igualmente esta capacidade;

- Extravasamento de Novos Vasos, durante a

reparação, as células endoteliais proliferam e

formam novos vasos – angiogénese. Estes

novos vasos antes da maturação das junções

intercelular apresentam uma elevada taxa de

perda de fluido. Este fenómeno é afectado

pelo facto de alguns dos factores que

promovem a angiogénese, nomeadamente o

VEGF, aumentam de igual forma a

Page 52: Sebenta Da Estrelinha

permeabilidade vascular. Por outro lado, as células endoteliais no foco de angiogénese

possuem uma expressão aumentada dos receptores vasoactivos, incluindo os da Histamina,

Substância P e VEGF.

Apesar de estes mecanismos serem descritos separadamente, muitos deles podem ocorrer em

simultâneo e estão interligados com frequência.

Na inflamação aguda podemos então distinguir várias vasos no que toca à perda de fluído e ao

aumento da permeabilidade vascular:

- uma resposta imediata transiente nos primeiros 30 minutos, como consequência da

libertação de Histamina e Leucotrienos;

- uma resposta que se inicia após 2 horas e se pode prolongar por cerca de 8 horas, sendo esta

mediada por quininas, produtos do sistema de complemento e outros factores;

- uma resposta prolongada é mais evidente nos casos de lesão directa do endotélio, como

acontece num processo de queimadura.

Resposta Celular: Extravasamento dos Leucócitos e Fagocitose

Uma importante função da resposta inflamatória é a chegada dos leucócitos ao local da lesão e

a sua activação. Os Leucócitos fagocitam os agentes lesivos, destroem as bactérias e outros

microrganismos, possuem ainda uma importante função ao eliminarem o tecido necrótico e

substâncias ou corpos estranhos. Um preço que se paga por esta potente capacidade

defensiva dos leucócitos é que, uma vez activados, eles podem provocar danos e prolongar a

inflamação nos tecidos, uma vez que os produtos derivados dos leucócitos que destroem os

microrganismos também podem lesar os tecidos normais envolventes. Assim sendo a chave

para uma função normal dos leucócitos no seu papel defensivo consiste em assegurar que

estes apenas são recrutados e activados quando necessário.

A sequência de eventos que conduz a saída dos leucócitos do lúmen para os tecidos

envolventes – extravasamento – pode ser dividida nos seguintes eventos:

- No lúmen: marginalização, rolling e adesão ao endotélio. Em condições normais o endotélio

não interfere com a passagem das células sanguíneas, mas durante a inflamação é activado e

passa a aderir aos leucócitos, sendo este passo o primeiro para que os leucócitos possam

abandonar o vaso;

- Transmigração através do endotélio – diapedese;

- Migração nos tecidos intersticiais guiados por estímulos quimiotáticos.

Num fluxo sanguíneo normal os eritrócitos encontram-se concentrados eixo central da coluna

de sangue, estando os leucócitos à periferia, mais juntos das paredes do vaso. Devido a uma

diminuição da velocidade do fluxo sanguíneo logo desde o início da inflamação – estase –, a

hemodinâmica altera-se, e mais leucócitos assumem uma posição à periferia. Esta acumulação

dos leucócitos denomina-as marginalização. Os leucócitos começam por aderir ligeiramente

ao endotélio, continuando a deslocar-se – rolling – e mais tarde aderem firmemente.

Virtualmente o endotélio pode ser completamente recoberto por leucócitos, num fenómeno

designado por pavimentação. Após a adesão firme ao endotélio os leucócitos inserem os seus

pseudopedes entre as junções celulares, comprimindo-se entre as células endoteliais e

passando a assumir uma posição entre a célula e a membrana basal. Após atravessarem a

membrana basal podem escapar para o espaço extravascular.

Page 53: Sebenta Da Estrelinha

Adesão Leucocitária e Transmigração

A adesão leucocitária e a transmigração são amplamente reguladas pela ligação de moléculas

complementares de adesão entre as superfícies leucocitária e endotelial, bem como por

mediadores químicos e alguns mediadores quimio-atractivos e citocinas. Este factores actuam

modulando a expressão à superfície ou avidez de tal aderência entre as moléculas. Os

receptores de adesão molecular envolvidos neste processo pertencem a quatro famílias:

- Selectinas, é possível distinguir a E-selectina (CD62E, anteriormente conhecido como ELAM-

1), que se limita ao endotélio, P-selectina (CD62P , anteriormente denominada GMP140 ou

PADGEM), que está presente no endotélio e nas plaquetas, e L-selectina (CD62L,

anteriormente conhecido por diversas designações, incluindo a LAM-1), que se expressa na

maioria dos tipos de leucócitos.;

- Super-família das Imunoglobulinas, incluem duas moléculas de aderência endoteial: ICAM-1

(Intercellular Adhesion Molecule 1) e VCAM-1 (Vascular Cell Adhesion Molecule 1). Ambas

estas moléculas servem como ligantes para as integrinas encontradas em leucócitos;

- Integrinas, são glicoproteínas heterodiméricas transmembranares, expressas em muitos tipos

de células e que se ligam a ligandos em células endoteliais, leucócitos, ou outros componentes

da matriz extracelular. As β2 integrinas LFA-1 e Mac-1 (CD11a/CD18 e CD11b/CD18) ligam-se à

ICAM-1, e as integrinas β1 (tais como a VLA-4) ligam-se à VCAM-1.

- Glicoproteínas Tipo-Municas, tais como o heparano de sulfato, tendo como função servirem

como ligandos para as moléculas de adesão leucocitária, nomeadamente o CD44. Estas

glicoproteínas são encontradas na matriz extracelular e na superfície celular.

O recrutamento de leucócitos para os locais de lesão e infecção é um processo que envolve

diversos passos na adesão de leucócitos circulantes às células endoteliais e sua migração

através do endotélio. As primeiras manifestações consistem na indução de moléculas de

adesão em células endoteliais. Mediadores, como a Histamina, Trombina e Factor Activador

Plaquetário (PAF) estimulam a redistribuição da P-

selectina do seu local de armazenamento em grânulos

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intracelulares normais - Corpos de Weibel-Palade - para a superfície da célula. Os macrófagos

residentes nos tecidos, os mastócitos, as células endoteliais em resposta aos agentes lesivas

secretam TNF, IL-1 e Citocinas Quimiotáticas. O TNF e IL-1 actuam nas células endoteliais das

vénulas pós-capilares adjacentes à infecção e induzem a expressão de diversas moléculas

adesivas. Após de 1 a 2 horas, as células endoteliais começam a expressar E-selectina, os

leucócitos expressam na extremidade das suas microvilosidades ligandos glicídicos para a

selectinas, permitindo desta forma a ligação dos leucócitos às selectinas endoteliais. Estas

interacções são de baixa afinidade e com um tempo de dissociação igualmente pequeno,

sendo por isso facilmente perturbadas pelo fluxo sanguíneo. Como resultado, os leucócitos

libertam-se e voltam a vincular-se novamente ao endotélio, iniciando desta forma o rolar ao

longo da superfície endotelial.

O TNF e a IL-1 também podem induzir a expressão endotelial ligandos de integrinas,

principalmente VCAM-1 e ICAM-1. Os leucócitos normalmente expressam estas integrinas em

num estado de baixa afinidade. Entretanto, quimiocinas que foram produzidas no local da

lesão entram no vaso sanguíneo, ligam-se ao heparano de sulfato das células endoteliais, e são

exibidos em concentrações elevadas na superfície endotelial. Estas quimiocinas interferem

com o rolling leucocitário e promovem a sua activação. Uma das consequências da activação

leucocitária é a conversão de VLA-4 e LFA-1 para um estado de alta afinidade. A combinação

da expressão induzida de ligandos das integrinas no endotélio e a activação de integrinas na

superfície dos leucócitos resulta numa adesão firme entre os leucócitos e o endotélio no local

da lesão. Os leucócitos param o seu rolling, o seu citoesqueleto é reorganizado, podendo agora

ser encontrados a cobria a superfície endotelial.

O próximo passo no processo é a migração dos leucócitos através do endotélio, chamada

transmigração ou diapedese. As quimiocinas actuam sobre os leucócitos aderentes e

estimulam-nos a migrar através espaços entre as células do endotélio no sentido da maior

concentração gradiente químico, ou seja, em direcção ao local da lesão ou infecção. A

Diapedese Leucocitária, semelhante a um aumento da permeabilidade vascular, ocorre

predominantemente nas vénulas (excepto nos pulmões, onde também ocorre em capilares).

Após atravessar o endotélio, leucócitos são transitoriamente retidos na sua viagem pela

membrana basal contínua das vénulas, mas para finalizar o processo as células têm de perfurar

a membrana basal, provavelmente através da secreção de colagenases.

Após entrar no espaço extravascular os leucócitos estão aptos a aderir à matriz extracelular em

virtude da ligação entre as integrinas β1 e CD44 com as proteínas da matriz, permitindo que

estes sejam mantidos no local correcto.

O tipo de leucócitos presentes

varia com a idade, com o tipo da

resposta inflamatória e com o

estímulo desencadeador. Na

maioria das formas de

inflamação aguda, predominam

neutrófilos no infiltrado

inflamatório durante os

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primeiros 6 a 24 horas e, em seguida, são substituídos pelos monócitos em 24 a 48 horas. O

predomínio dos neutrófilos é justificado pelo facto de que são mais numerosos no sangue,

respondem mais rapidamente às quimiocinas, e possuem a capacidade de aderir mais

firmemente às moléculas que são mais rapidamente induzidas em células endoteliais, como P-

e E-selectinas. Além disso, após entrar tecidos, os neutrófilos têm uma vida curta, sofrendo

apoptose e desaparecendo após 24 a 48 horas, por outro lado os monócitos sobrevivem mais

tempo. Em certas infecções, por exemplo, aquelas em que o agente são Pseudomonas

predominam os neutrófilos ao longo de 2 a 4 dias; em infecções virais, os linfócitos podem ser

os primeiros a chegar; em algumas reacções de hipersensibilidade, os eosinófílos podem ser o

principal tipo celular presente.

Quimiotaxia

Após o extravasamento, os leucócitos migram para os tecidos em direcção ao local da lesão

por um processo denominado quimiotaxia, mais definida simplesmente como locomoção

orientada ao longo de um gradiente químico. Todos os granulócitos, monócitos e, em menor

grau, os linfócitos respondem a estímulos quimiotáticos com diferentes taxas de velocidade.

Tanto as substâncias endógenas como as exógenas podem agir como quimio-atractores. Os

mais comuns são exógenos, nomeadamente os agentes bacterianos. Os quimio-atractores

endógenos incluem:

- Componentes do sistema de complemento, especialmente C5a;

- Os produtos da via da lipoxigenase, principalmente o leucotrieno B4 (LTB4);

- As Citocinas, particularmente as da Família das Quimiocina (ex. IL-8).

A ligação destes agentes a receptores nas células leva à activação das GTPases, estas por sua

vez induzem polimerização da actina, resultando num aumento da quantidade de actina

polimerizada na vanguarda da célula. Um certo número de proteínas reguladoras da actina,

tais como filamina, gelsolina, profilina, e calmodulina, interagem com actina e a miosina no

filopodium para produzir contracção, e consequentemente movimento.

Activação Leucocitária

Microrganismos, detritos de células necróticas, complexos antigénio-anticorpos e citocinas,

incluindo factores quimiotáticos, podem induzir uma série de respostas em leucócitos que

fazem parte das funções defensivas dos leucócitos. A activação resulta de várias vias

sinalizadoras que são accionados em leucócitos, resultando num aumento de Ca2+ citosólico e

na activação de enzimas como a PKC e Fosfolipase A2. As respostas funcionais que são

induzidas em na activação dos leucócitos incluem o seguinte:

- Produção de Metabolitos do Ácido Araquidónico, como resultado da activação da

Fosfolipase A2 pelo aumento intracelular de cálcio e de outros sinais;

- Desgranulação e Secreção de Enzimas Lisossomais e Activação da Explosão Oxidativa;

- Secreção de Citocinas, que complementam e regulam as reacções inflamatórias. Os

Macrófagos activados são a principal fonte de citocinas que estão envolvidas na inflamação,

mas os mastócitos e outros leucócitos também podem contribuir;

- Modelação das Moléculas de Adesão dos Leucócitos, como afirmado anteriormente,

diversas citocinas podem causar o aumento da expressão de moléculas de adesão endotelial e

aumento da afinidade das integrinas leucocitárias, permitindo a adesão firme dos neutrófilos

ao endotélio activado.

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Os Leucócitos expressam uma série de receptores à sua superfície que estão envolvidos na sua

activação. Estes receptores incluem os seguintes:

- Toll-like Receptors (TLRs), têm a função de activar os leucócitos em resposta a diferentes

tipos e componentes dos micróbios. Diferentes TLRs desempenham papéis essenciais na

resposta celular ao lipopolissacarídeo bacteriano (LPS ou endotoxina), outros proteoglicanos

bacterianos, e nucleotídeos não-metilados, que são encontrados apenas nas bactérias, bem

como RNA de cadeia dupla, que é produzido apenas por alguns vírus;

- Receptores com Sete Domínio Transmembranares Acoplados à Proteína G, esta classe

reconhece resíduos de péptidos de N-formilmetionina, bem como quimiocinas, produtos de

degradação, como complemento C5a, e mediadores lipídicos da inflamação, incluindo as

plaquetas, factor activador, prostaglandina E, e LTB4. Como todas as proteínas bacterianas e

poucas mamíferas são iniciados por N-formilmetionina, este receptor permite aos neutrófilos

responder às proteínas bacterianas. A ligação dos ligandos, tais como produtos microbianos e

quimiocinas, aos Receptores Acoplados à Proteína G induz migração das células do sangue

através do endotélio e a produção de substâncias microbicida pela activação da explosão

oxidativa;

- Os fagócitos expressam Receptores para Citocinas que são produzidos durante a resposta

imunitária. Uma das mais importantes dessas citocinas é o IFN-γ, que é secretado pelos

Linfócitos Natural Killer (NK) durante a resposta imunitária inata e pelos linfócitos T antigénio-

activados durante respostas imunitárias adaptativas. O IFN-γ é a principal citocina de activação

macrofágica;

- Receptores para Opsoninas, promovem a fagocitose de microrganismos revestidos com

diversas proteínas e emitem sinais que activam os fagócitos. O processo de revestimento de

partículas, como um microrganismo, para destiná-las para a fagocitose é denominado

opsonização, e as substâncias envolvidas no processo designam-se opsoninas. Estas

substâncias incluem anticorpos, proteínas complementares e lectinas. Um dos mais eficientes

sistemas de opsonização de partículas é revestimento das partículas com anticorpos IgG.

Componentes do sistema complemento, especialmente os fragmentos do complemento C3,

são também potentes opsoninas, o que se deve à sua ligação ao microrganismo e fagócitos

expressarem um receptor, chamado de Receptor do Complemento Tipo 1 (CR1), que

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reconhece que os fragmentos de C3. Estes fragmentos do Complemento C3 podem ser

actividades tanto pela via clássica do complemento, como pela via alternativa, o que torna o

sistema bastante eficiente.

Fagocitose

A Fagocitose consiste na libertação de enzimas pelos neutrófilos e macrófagos que são

responsáveis por eliminar os agentes prejudiciais e, portanto, constituem dois dos principais

pontos benéficos resultantes do acumular de leucócitos no foco inflamatório. A fagocitose

envolve três etapas distintas, mas interdependentes:

- o reconhecimento e a ligação da partícula a ser ingerida pela leucócitos;

- a sua captura, com consequente formação de um vacúolo fagocitário;

- morte ou degradação do material ingerido material.

Reconhecimento e Ligação

Embora neutrófilos e macrófagos possam capturar bactérias ou impurezas sem ligação a

receptores específicos, o que geralmente ocorre na fagocitose de microrganismos e células

mortas é iniciado pelo reconhecimento das partículas pelos receptores expressos na superfície

leucocitári. Os Receptores de Manose e os Receptores de Varrimento (Scavenger Receptors)

são dois importantes receptores cuja função é a de permitir a vinculação e ingestão dos

microrganismos. O receptor de manose é uma lectina macrofágica que se liga ao resíduo

terminal de manose e fucose das glicoproteínas e glicolípidos. Esses açúcares são

normalmente parte de moléculas encontradas na parede celular microbiana, enquanto nos

mamíferos as glicoproteínas e glicolípidos contêm ácido siálico ou N-acetilgalactosamina como

resíduo terminal. Portanto, o receptor de manose dos macrófagos reconhece microrganismos

e não células do organismo. Os receptores de varrimento foram originalmente definidos como

moléculas que se ligam e mediam a endocitose de partículas de lipoproteína de baixa

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densidade oxidada ou acetilada já não podem interagir com o receptor convencional de LDL.

Os receptores de varrimento macrofágicos podem vincular-se a uma variedade de

microrganismos devido às partículas de LDL modificadas. As integrinas presentes na superfície

dos macrófagos, nomeadamente a Mac-1, também podem ligar-se aos microrganismos e

promover a sua fagocitose.

A eficiência da fagocitose é muito maior quando microrganismos estão opsonizados por

proteínas específicas – opsoninas - para a qual os fagócitos expressam receptores de alta

afinidade. Como descrito acima, as principais opsoninas são Anticorpos IgG, o produto do

complemento C3b, e certas lectinas plasmáticas.

Ingestão

A ligação de uma partícula fagocítica aos receptores dos leucócitos desencadeia um processo

de fagocitose activa dessa mesma partícula. Durante a ingestão, extensões do citoplasma –

pseudopodes – dispõem-se em torno da partícula a ser engolida, resultando num completo

envolver das partículas dentro de um fagossoma criado pela membrana plasmática da célula. A

membrana limitante deste vacúolo fagocítico funde-se com a membrana limitante de um

grânulo lisossomal, resultando na descarga do conteúdo do grânulo para o fagolisossoma.

Durante este processo, os neutrófilos e os monócitos tornam-se progressivamente

desgranulados.

O processo de fagocitose é complexo e envolve a integração de muitos receptores iniciadores

com as coordenadas acções de remodelação da membrana e alterações no citoesqueleto. A

fagocitose é dependente da polimerização de filamentos de actina; como tal, não surpreende

que os sinais que desencadeiam a fagocitose são muitas dos mesmos que estão envolvidas na

quimiotaxia.

Morte e Degradação

O último passo para a eliminação dos agentes

infecciosos e das células necróticas é a sua

morte e a sua degradação dentro dos

neutrófilos e macrófagos, que ocorrem mais

eficiente após a activação dos fagocíticos. A

morte dos microrganismos é realizada em

grande parte por mecanismos dependentes de

oxigénio. A fagocitose estimula um salto no

consumo de oxigénio, glicogenólise, aumento

da oxidação da glicose através do shunt hexose-

monofosfato , e a produção de espécies

reactivas de oxigénio (ROS).

A produção de espécies intermédias de oxigénio reactivos deve-se à rápida activação de uma

oxidase - NADPH Oxidase-, que oxida NADPH e, nesse processo, reduz oxigénio a um anião

superóxido. O superóxido é então convertido em peróxido de hidrogénio (H2O2),

principalmente por dismutação espontânea. O peróxido de hidrogénio também pode ser ainda

mais reduzido para o altamente reactivo radical hidroxil (OH). A maioria dos H2O2 é

eventualmente degradado pela catalase em H2O e O2, e alguns são destruídos pela acção do

glutatião oxidase.

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Nos neutrófilos em repouso, a NADPH oxidase está localizada na membrana plasmática e no

citoplasma. Em resposta a estímulos de activação, as proteínas citosólicas deslocam-se para a

membrana plasmática ou para a membrana do fagossoma, onde se reúnem e formam um

complexo enzimático funcional. Assim, os ROS são produzidos dentro do lisossoma, onde as

substâncias ingeridas são segregadas, e desta forma os organelos celulares são protegidos

contra os efeitos nocivos dos ROS. O mesmo sistema enzimático gera intermédios reactivos de

nitrogénio, nomeadamente, o Monóxido de Azoto (NO), que também ajuda no processo de

morte dos microrganismos.

O H2O2 gerado pelo sistema NADPH oxidase geralmente não é capaz de matar

microrganismos eficientemente por si só. No entanto, os grânulos azurófilos dos neutrófilos

contêm a enzima mieloperoxidase (MPO), que, na presença de um halogeneto, como Cl-,

converte H2O2 em hipoclorito (HOCl). Este último é um potente agente antimicrobiano que

destrói microrganismos por halogenazação, ou por oxidação de proteínas e lípidos. O sistema

H2O2-MPO-halogeneto é o mais eficiente sistema bactericida em neutrófilos. Os leucócitos

com um déficite na enzima MPO são capazes de matar bactérias (embora mais lentamente do

que as células normais), em virtude da formação de superóxidos, radicais hidroxilo e de

oxigénio.

A morte de bactérias também pode ocorrer por mecanismos independentes de oxigénio,

através da acção de substâncias presentes nos grânulos dos leucócitos granules. Estes incluem

a Proteína Bactericida de Permeabilidade Crescente (BPI), causando a activação da

fosfolipase, degradação de fosfolípidos, e o aumento da permeabilidade da membrana externa

dos microrganismos; a Lisosima, que hidrolisa o ácido-N-acetil-glucosamina murâmico

encontrado no glicopéptido da parede celular de todas as bactérias; a Lactoferrina, uma

proteína de ligação ao ferro presente nos grânulos específicos; a Proteína Básica Principal,

uma proteína catiónica dos eosinófilos, tendo uma actividade bactericida limitada, mas sendo

citotóxico para muitos parasitas; e as Defensinas, grânulos peptídicos catiónicos ricos em

arginina que são citotóxicos para grande parte dos microrganismos (e algumas células de

mamífero). Além disso, os grânulos dos neutrófilos contêm muitas enzimas, como a elastase,

que também contribuem para eliminar os microrganismos.

Após a sua morte, as hidrolases ácidas, que são normalmente armazenadas em lisossomas,

degradam os microrganismos dentro fagolisossomas. O pH do fagolisossomas desce para entre

4 e 5 após a fagocitose, sendo este o pH óptimo para a acção destas enzimas.

Libertação dos Produtos Leucocitários e Lesão Tecidual Induzida pelos Leucócitos

Durante a activação e fagocitose, existe libertação de produtos microbicidas e outros

produtos, não só dentro do fagolisossoma mas também para o espaço extracelular. As mais

importantes destas substâncias em neutrófilos e macrófagos são as enzimas lisossomais ,

presentes nos grânulos; ROS e os produtos do metabolismo do ácido araquidónico, incluindo

as prostaglandinas e os leucotrienos. Estes produtos são capazes de causar lesão endotelial e

dano tecidual e podem, por isso, amplificar os efeitos prejudiciais do agente lesivo inicial.

Assim, se persistente e descontrolada, a resposta dos leucócitos em si torna-se o infractor, e

lesão tecidual dependente dos leucócitos subjacente a muitas doenças humanas agudas.

A regulação lisossomal da secreção de proteínas é uma peculiaridade dos leucócitos e outras

células hematopoiéticas. A libertação pode ocorrer se o vacúolo fagocítico permanecer

transitoriamente aberto para o exterior antes do encerramento completo do fagolisossoma -

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regurgitação. Se as células são expostas a materiais potencialmente indigeríveis, tais como

complexos imunitários depositados sobre uma superfície plana imóvel (ex. Membrana Basal

Glomerular), a ligação de leucócitos a esses complexos imunitários desencadeia a activação

leucocitária, mas estes complexos imunitários não podem ser fagocitados e as enzimas

lisossomais são libertados para o meio – fagocitose frustrada. A libertação de produtos

citotóxicos ocorre após a fagocitose de substâncias potencialmente membranolíticas, tais

como cristais de ácido úrico, que danificam a membrana do fagolisossoma. Além disso, há

alguns indícios de que certas proteínas em grânulos, em especial os grânulos específicos dos

neutrófilos, podem ser directamente secretado por exocitose.

Após a fagocitose, os neutrófilos rapidamente sofrem morte celular por apoptose e são

ingeridos pelos macrófagos.

Defeitos na Função Leucocitária

É evidente que leucócitos desempenham um papel central na defesa do organismo. Não

surpreende, portanto, que defeitos na função leucocitária, tanto genéticos como adquiridos,

conduzam a uma maior vulnerabilidade às infecções. Defeitos de praticamente todas as fases

da função leucocitária foram identificados. Estes incluem os seguintes:

- Defeitos na Aderência, a anomalias genéticas nas moléculas de adesão - LAD tipos 1 e 2. A

LDA 1 é caracterizada por infecções bacterianas recorrentes e insuficiência na cicatrização. LAD

2 é clinicamente mais leve do que ADA 1, mas é também caracterizada por infecções

bacterianas recorrentes;

- Defeitos na Função do Fagolisossoma, um destes defeitos origina o Síndrome de Chediak-

Higashi, uma condição autossómica recessiva caracterizada por neutropénia4, desgranulação

defeituosa, e atraso na morte dos microrganismos. Os neutrófilos têm grânulos gigantes que

podem ser facilmente observados em esfregaços de sangue periférico, e que se pensa

resultarem da fusão aberrante dos organelos. Nesta síndrome há uma reduzida transferência

das enzimas lisossomais para os vacúolos fagocíticos nos fagócitos - causando susceptibilidade

às infecções -, e anormalidades nos melanócitos - originando albinismo -, células do sistema

nervoso e plaquetas – podendo surgir alterações da coagulação. A secreção de proteínas dos

grânulos citotóxicos por células T também é afectada, sendo responsável por parte da

imunodeficiência observada nesta patologia;

- Defeitos na Actividade Microbicida, a importância dos mecanismos bactericidas oxigénio-

dependente é demonstrada pela existência de um grupo de doenças congénitas com

alterações na capacidade de matar bactérias denominada Doença Granulomatosa Crónica,

que tornam indivíduos susceptíveis a infecções bacterianas recorrentes. A doença

granulomatosa crónica resulta de defeitos herdados nos genes que codificam os vários

componentes da NADPH oxidase, o que gera superóxido em excesso;

- Clinicamente, a causa mais frequente de defeitos leucocitários é a supressão da medula

óssea, levando à diminuição da produção de leucócitos. Isto é observado após terapias para o

cancro - radioterapia e quimioterapia - e quando o espaço da medula espaço comprometido

por metástases de um tumor.

Embora tenhamos enfatizado o papel dos leucócitos recrutados a partir da corrente sanguínea

na resposta inflamatória aguda, células residentes em tecidos têm também importantes

funções no início da inflamação aguda. O mais importante destes dois tipos de células nos

tecidos são os mastócitos e macrófagos. Os mastócitos reagem ao trauma físico, degradando

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os produtos do complemento, produtos microbianos e neuropéptidos. As células libertam

histamina, leucotrienos, enzimas, e várias citocinas, todos os quais contribuem para a

inflamação. Os macrófagos reconhecem os produtos microbianos e secretam a maior parte das

citocinas importantes na inflamação aguda. Estas células estão estacionadas em tecidos para

reconhecerem rapidamente a estímulos potencialmente prejudiciais e iniciarem a reacção de

defesa.

Finalização da Resposta Inflamatória Aguda

É previsível que este poderoso sistema de defesa do hospedeiro, com a sua capacidade

intrínseca de provocar dano tecidual, necessite de um controlo rigoroso, para minimizar os

danos. Em parte, a inflamação diminui simplesmente porque os mediadores da inflamação

têm semi-vida curta, são degradados após a sua libertação, e são produzidos em pulsos

rápidos, apenas enquanto o estímulo persistir. Além disso, com o desenvolver da resposta

inflamatória, o processo desencadeia uma série de sinais que servem para parar activamente a

reacção inflamatória. Estes mecanismos activos incluem a conversação na produção de

leucotrienos pró-inflamatórias para lipoxinas anti-inflamatórias a partir de ácido araquidónico;

a libertação de uma citocina anti-inflamatória - Transforming Growth Factor-β (TGF-β) - a partir

de macrófagos e outras células, e impulsos neuronais – descarga colinérgica -, que inibem a

produção de TNF em macrófagos.

Existem ainda muitos outros mecanismos que ainda não foram claramente estudados, no

entanto pensa-se que estes estudos possam conduzir ao desenvolver de novas substâncias

com um elevado potencial anti-inflamatório.

Mediadores Químicos da Inflamação

Após os acontecimentos descritos na inflamação aguda, podemos agora voltar para a

discussão dos mediadores químicos que são responsáveis pelos acontecimentos em questão.

Muitos mediadores têm sido identificados, no entanto a forma como funcionam de maneira

coordenada ainda não é plenamente compreendida.

Os mediadores são originários quer a partir de plasma ou de células. Os derivados do plasma

estão geralmente presentes no plasma em formas precursoras que devem ser activadas,

geralmente por uma série de clivagens proteolíticas, para adquirirem as suas propriedades

biológicas. Os mediadores derivados de células são normalmente sequestrados em grânulos

intracelulares que precisam de ser secretados (ex. Histamina nos mastócitos granulados) ou

são sintetizadas de novo (ex. Prostaglandinas e Citocinas), em resposta a um estímulo. As

principais fontes são celulares as plaquetas, os neutrófilos, os monócitos, os macrófagos e os

mastócitos, mas as células mesenquimais (endotélio, músculo liso, fibroblastos) e a maioria

dos epitélios podem também ser induzidos a desenvolver alguns destes mediadores.

A produção de mediadores activa é desencadeada por produtos microbianos ou por ligação a

proteínas, tais como as proteínas do complemento, sistema da quinina, e ao sistema de

coagulação, que são activados por na presença de microrganismos e tecidos danificados.

A maioria dos mediadores desempenhar suas actividades biológicas inicialmente pela ligação a

receptores específicos nas células-alvo, no entanto, alguns têm uma via directa de actividade

enzimática (ex. Proteases Lisossomais) ou criar lesão oxidativa (ex. Espécies Reactivas de

Oxigénio e Nitrogénio).

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Um mediador pode estimular a liberação de outros mediadores pelas próprias células-alvo.

Estes mediadores secundários podem ser idênticos ou semelhantes aos dos primeiros

mediadores, mas também podem ter actividades opostas. Porem fornecer mecanismos de

amplificação, ou em certos casos contrariando-o mediador inicial acção, no sentido de regular

a reacção desencadeada.

Os mediadores podem actuar sobre um ou alguns tipos de células-alvo, têm diversos

objectivos, ou podem mesmo ter efeitos diferentes em diferentes tipos de células. Uma vez

activada e libertada a partir da célula, a maioria desses mediadores têm um tempo de semi-

vida curto; rapidamente vão decaindo ou são inactivadas por enzimas. Podem ainda ser

recolhidos ou inibidos.

Concluindo, existe um sistema de barreiras e contrapesos na regulação das acções dos

mediadores. Este facto tem actualmente muita relevância porque se saber que a maioria dos

mediadores têm o potencial de causar efeitos nocivos.

Aminas Vasoactivas

As duas aminas, histamina e serotonina, são especialmente importantes porque estas já se

encontram presentes e armazenadas nas células e são, portanto, entre os primeiros

mediadores a serem libertados durante a inflamação.

Histamina

Histamina encontra-se amplamente distribuída nos tecidos, a fonte mais rica são os mastócitos

que estão normalmente presentes no tecido conjuntivo adjacente aos vasos sanguíneos. Pode

ainda ser encontrada nos basófilos e plaquetas sanguíneas. A histamina está presente nos

grânulos dos mastócitos e é libertada pela desgranulação dos mastócitos em resposta a uma

variedade de estímulos:

- Lesão Física, tais como trauma, frio ou calor;

- Reacções Imunitárias, envolvendo a ligação de anticorpos aos mastócitos;

- Fragmentos do Complemento, designados anafilatoxinas (ex. C3a e C5a);

- Proteínas Libertadoras de Histamina, sendo proteínas derivadas de leucócitos;

- Neuropéptidos (ex. Substância P);

- Citocinas (ex. IL-1, IL-8).

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Em humanos, a histamina provoca a dilatação das arteríolas e aumenta a permeabilidade das

vénulas, no entanto provoca vasoconstrição nas grandes artérias. Este é considerado o

principal mediador da fase transitória imediata do aumento da permeabilidade vascular,

originando lacunas vénulares. Actua principalmente sobre a microcirculação através de ligação

a receptores H1 nas células endoteliais.

Serotonina

A serotonina (5-hidroxitriptamina) é um mediador pré-formado vasoactivo com acções

semelhantes às da histamina. Encontra-se presente nas plaquetas e em células

enterocromafins; bem como em mastócitos nos roedores, mas não os seres humanos.

A liberação de serotonina (e histamina) das plaquetas é estimulada quando estas são

agregadas após o contacto com colagénio, trombina, adenosina difosfato (ADP) e complexos

antigénio-anticorpo. Agregação plaquetária e a desagregação também são estimuladas por

Factores Ativação Plaquetária (PAF) derivada de mastócitos durante reacções mediadas por

IgE. Desta forma, a reacção de libertação plaquetária resulta num aumento da permeabilidade

durante as reacções imunológicas, sabendo já que os PAF têm um elevado potencial

inflamatório.

Proteínas Plasmáticas

Uma variedade de fenómenos na resposta inflamatória é mediada por proteínas plasmáticas

que pertencem a três sistemas interligados:

- Complementar;

- Quinina;

- Sistema de Coagulação.

Sistema do Complemento

O sistema complemento consiste de 20 proteínas e os seus produtos de clivagem, que são

encontrados em maior concentração no plasma. Este sistema funciona tanto na imunidade

inata, como na adaptativa para defesa contra agentes microbianos. O processo de activação do

complemento, resulta num número de componentes complementares que são sintetizados e

que causam um aumento da permeabilidade vascular, quimiotaxia e opsonização.

As proteínas do complemento estão presentes no plasma, na sua forma inactiva, sendo

numerados de C1 até C9. Muitas dessas proteínas são activadas para se transformarem em

enzimas proteolíticas que degradam outras proteínas do complemento, formando assim uma

enorme cascata capaz de amplificar o fenómeno. O passo crítico na elaboração das funções

biológicas do complemento é a activação do terceiro, e mais abundante, componente – C3. A

clivagem do C3 pode ocorrer por uma das três vias:

- Via Clássica, que é desencadeada pela fixação de C1 aos anticorpos (IgG e IgM), quando

combinados com um antigénio;

- Via Alternativa, que pode ser desencadeada por moléculas da superfície microbiana (ex.

Endotoxina ou LPS), polissacarídeos complexos, venenos, e outras substâncias, na ausência de

anticorpos;

- Via da Lectina, no qual a lectina de ligação à manose liga-se a carboidratos nos

microrganismos, activando directamente C1.

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Qualquer uma destas vias leva à formação de uma enzima denominada C3 Convertase, que

divide C3 em dois fragmentos funcionalmente distintos - C3a e C3b. C3a e C3b são libertados e

ligam-se covalentemente à célula ou molécula onde o complemento foi activado. Em seguida,

o C3b liga-se a fragmentos anteriormente gerados para formar a C5 Convertase, esta vai clivar

a C5 para se formar C5a. O C5b liga-se aos componentes C6 a C9, culminando na formação do

Complexo de Ataque Membranar , sendo este composto por múltiplas moléculas de C9.

As funções biológicas do sistema do complemento podem ser classificadas em duas categorias

gerais:

- Lise celular por intermédio do MAC;

- Efeitos de proteolíticos dos fragmentos do complemento.

Os Factores Derivados do Complemento podem mediar uma variedade de fenómenos no

contexto da inflamação aguda:

- Fenómenos Vasculares, C3a e C5a, e, em menor grau, C4a que estimula a libertação de

histamina pelos mastócitos e, assim, aumenta a permeabilidade vascular e causa

vasodilatação. Estes componentes são chamados de anafilatoxinas porque têm efeitos

semelhantes aos dos mastócitos mediadores que estão envolvidos na reacção chamada

anafilaxia. O componente C5a também activa a via das lipoxigenases em neutrófilos e

monócitos promovendo o metabolismo do ácido araquidónico, causando libertação de

mediadores inflamatórios;

- Aderência Leucocitária, integrando a quimiotaxia e activação. C5a é um potente agente

quimiotáticos para os neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos;

- Fagocitose, o C3b e o produto resultante da sua clivagem - iC3b-, quando fixados à parede

celular bacteriana, agem como opsoninas e favorecem a sua fagocitose por neutrófilos e

macrófagos, o que é facilitado pela presença de receptores na superfície celular que se ligam a

esses fragmentos.

Entre os componentes do complemento, C3 e C5 são os mais importantes mediadores

inflamatórios. Para além dos mecanismos já discutidos, C3 e C5 podem ser activados por

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diversas enzimas proteolíticas presentes no exsudado inflamatório. É importante salientar a

plasmina e as enzimas lisossomais libertadas a partir de neutrófilos.

A activação do complemento é rigorosamente controlada por proteínas associadas a células ou

circulantes. A presença destes inibidores nas membranas das células do organismo protegem-

nas contra reacções inadequadas durante a reacção inflamatória contra os microrganismos.

Sistema da Quinina

O Sistema da Quinina gera péptidos vasoactivos a partir de proteínas plasmáticas,

denominando-se quininogénese, pela acção de proteases específicas designadas kallikreins. A

activação do sistema da quinina resulta na libertação de bradicininas vasoactivas. A

Bradicinina aumenta a permeabilidade vascular e provoca contracção do músculo liso,

dilatação dos vasos sanguíneos, e dor quando injectada na pele. Estes efeitos são semelhantes

aos de histamina. Esta reacção é desencadeada pela activação do factor HAGEMAN (Factor XII)

em contacto com a carga negativa nas superfícies, tais como o colagénio e membranas basais.

Um fragmento do factor XII (Activador Pré-Kallikrein ou Factor XIIa) é produzido, este converte

a Pré-Kallikrein no plasma numa forma proteolítica activa, a enzima Kallikrein. Esta última

enzima irá clivar uma glicoproteína precursora de alto peso molecular existente no plasma –

quininogene -, para produzir bradicinina. A quininogene também actua como um catalisador

ou co-factor na activação do Factor de HAGEMAN. A acção da bradicinina é de vida curta, pois

é rapidamente inactivada por uma enzima denominada quininase. Qualquer quinina

remanescente é inactivada durante passagem do plasma através do pulmão pela enzima

conversora da angiotensina. Kallikrein em si é um potente factor de activação do Factor de

HAGEMAN, permitindo a amplificação auto-catalítica do estímulo inicial. A Kallikrein tem

propriedades quimiotáticas, e também converte directamente o C5 no seu produto

quimiotáctico, o fragmento C5a.

Page 66: Sebenta Da Estrelinha

O Sistema de Coagulação

O sistema de coagulação e a inflamação são processos intimamente ligados. O sistema de

coagulação está dividido em duas vias que convergem, culminando na activação da trombina e

na formação de fibrina. A via intrínseca coagulação consiste numa série de proteínas

plasmáticas que podem ser activadas pelo Factor HAGEMAN (Factor XII), uma proteína

sintetizada pelo fígado que circula numa forma inactiva até que contacte com colagénio ou

uma membrana basal, podendo ainda ser activado por plaquetas. O Factor XII após este

fenómeno, sofre uma mudança conformacional, transformando-se no factor XIIa, expondo o

seu centro activo contendo serina que posteriormente pode decompor outros substratos e

activar uma grande variedade de mediadores.

A Protease da Trombina permite a principal ligação entre o sistema de coagulação e a

inflamação. A activação do sistema de coagulação resulta na activação da trombina (Factor IIa)

a partir do precursor protrombina (Factor II). A Trombina é a enzima que cliva o fibrinogénio

solúvel circulante para gerar um coágulo de fibrina insolúvel. Esta protease possui receptores

próprios, que no caso de serem intensamente activas originam a mobilização de P-selectina, a

produção de quimiocinas e expressão de moléculas de adesão endotelial para as integrinas

leucocitárias; indução da ciclooxigenase-2 e da produção de prostaglandinas, PAF e produção

de óxido nítrico, bem como alterações na forma do endotélio. O conjunto destes fenómenos

permitem um elo de ligação entre o sistema de coagulação e a inflamação.

Ao mesmo tempo que o Factor XIIa induz coagulação, pode também activar o sistema

fibrinolítico. Esta cascata contrabalança a coagulação, clivando a fibrina, e desta forma

solubilizando o coágulo de fibrina. Este sistema contribui para os fenómenos de inflamação

vascular através de diversos mecanismos. O Activador Plasminogénico, libertado a partir do

endotélio, leucócitos e outros tecidos, cliva o plasminogénio, uma proteína plasmática que se

liga ao coágulo de fibrina para gerar plasmina, uma protease multifuncional. A Plasmina é

importante na lise de coágulos de fibrina, mas no contexto de inflamação também cliva C3

para produzir os fragmentos de C3, e que ao degradar a fibrina forma produtos da divisão da

fibrina, estes por sua vez parecem ter propriedades importantes na indução da

permeabilidade. A plasmina também pode activar o factor de HAGEMAN, este por sua vez

pode accionar múltiplas cascatas, ampliando desta forma a resposta inflamatória.

Após esta exposição é possível retirar algumas conclusões:

- Bradicinina, C3a e C5a - como mediadores do aumento da permeabilidade vascular; C5a -

como o mediador da quimiotaxia;

- Trombina – com efeitos sobre o endotélio e muitos outros tipos celulares.

Sabe-se ainda que C3a e C5a podem ser gerados por vários tipos de reacções:

- Reacções Imunológicas, envolvendo anticorpos e o Sistema do Complemento (Via Clássica);

- Activação da Via Alternativa ou Via da Lectina por microorganismos, na ausência de

anticorpos;

- Agentes não directamente relacionados com a resposta imunitário, como a plasmina,

kallikrein, e algumas serina-proteases encontradas nos tecidos normais.

- Factor de HAGEMAN Activado inicia quatro sistemas envolvidos na resposta inflamatória:

- O Sistema da Quinina, que produz quininas vasoactivas;

Page 67: Sebenta Da Estrelinha

- O Sistema de Coagulação, que induz a formação de trombina, fibrinopéptideos e factor X,

todos estes com propriedades inflamatórias;

- O Sistema Fibrinolítico, que produz plasmina e degrada fibrina;

- O Sistema do Complemento, que produz anafilatoxinas. Alguns dos produtos desta via,

especialmente a kallikrein pode, por feedback, activar o factor HAGEMAN, resultando numa

profunda amplificação dos efeitos do estímulo inicial.

É importante compreender que a inflamação aguda, através da activação ou lesão do

endotélio pode desencadear coagulação e induzir a formação de trombos. Por outro lado, a

cascata de coagulação induz inflamação, principalmente através da acção da trombina.

Metabolitos do Ácido Araquidónico: Leucotrienos, Prostangladinas e Lipoxinas

Quando as células são activadas por estímulos diversos, a sua membrana lipídica é

rapidamente remodelada para gerar compostos biologicamente activo, este por sua vez

servem como mediadores lipídicos, intra ou extracelular, com capacidade afectar uma grande

variedade de processos biológicos, incluindo a inflamação e hemostasia. Estes mediadores

lipídicos, são consideradas como autocoides, ou hormonas de curto alcance que são formados

rapidamente, exercendo os seus efeitos localmente, e sofrendo uma decadência espontânea

ou sendo destruídos enzimaticamente.

O Ácido Araquidónico (AA) é um ácido gordo polinsaturado, que não surge livre na célula, mas

normalmente é esterificado na membrana fosfolipídica É libertado a partir dos fosfolípidos

membranares por acção de fosfolipase (ex. Fosfolipase A2), estas por sua vez podem ser

activadas por processos mecânicos, químicos, físicos ou por outros mediadores (ex. C5a). Os

sinais bioquímicos envolvidos na activação da fosfolipase A2 incluem um aumento do Ca2+

citoplasmático e a activação de diversas cinases em resposta a estímulos extremos. Os

metabolitos do AA, podem ser designados eicosanoides, sendo sintetizados por duas

principais classes de enzimas:

- Ciclooxigenases, produzindo prostaglandinas e tromboxanos;

- Lipoxigenases, originado leucotrienos e lipoxinas.

Os Eicosanoides ligam a receptores em muitos tipos de células e podem mediar praticamente

todas as etapas da inflamação. Podem ser encontrados em exsudados inflamatórios, bem

como a sua síntese é aumentada nos locais de inflamação. Este facto é corroborado pelo

diminuição da inflamação a quando da administração de agentes que bloqueiam a

ciclooxigenase ou a lipoxigenase.

A Via da Ciclooxigenase, iniciada por duas diferentes enzimas - constitutivamente expressa a

COX-1 e indutível a enzima COX-2 -, levando à produção de prostaglandinas. As

Prostaglandinas mais importantes na inflamação são PGE2, PGD2, PGF2α, PGI2 (Prostaciclina),

e TXA2 (Tromboxano A2), cada uma das quais é obtido pela acção de uma enzima específica

sobre um intermediário da via. Algumas destas enzimas têm distribuição restrita a um tecido:

- Plaquetas contêm a enzima tromboxano sintetase e, portanto, o principal produto nestas

células é o TXA2. O TXA2, é um potente agente de agregação plaquetária e vasoconstritor, é

por si instável e rapidamente convertido na sua forma inactiva TXB2;

- Endotélio Vascular, que carece de tromboxano sintetase, mas possui prostaciclina sintetase,

levando à formação de prostaciclina (PGI2) e do seu produto final estável PGF1α. A

Page 68: Sebenta Da Estrelinha

prostaciclina é um vasodilatador, um potente inibidor da agregação plaquetária, e também

potencializa acentuadamente o aumento da permeabilidade e os efeitos quimiotáticos de

outros mediadores.

O desequilíbrio entre prostaciclina/tromboxano tem sido apontado como um dos eventos

iniciais na formação de trombos nas coronárias e vasos sanguíneos cerebrais.

As Prostaglandinas também estão envolvidas na patogénese da dor e febre na inflamação. A

PGE2 é hiperalgésica, na medida em que torna a pele hipersensível a estímulos dolorosos,

provocando um aumento acentuado da dor produzida pela injecção intradérmica de pequenas

concentrações de histamina e bradicinina. Está ainda envolvida na febre induzida por citocinas

durante infecções. A PGD2 é o principal metabolito na Via Ciclooxigenase nos mastócitos; por

outro lado PGE2 e PGF2α, que são mais amplamente distribuídas, provocam vasodilatação e

um aumento da permeabilidade das vénulas pós-capilares, potencializando, assim, a formação

de edema.

Na Via das Lipoxigenases, os primeiros produtos são gerados por três diferentes lipoxigenases,

que estão presentes em apenas alguns tipos de células. A 5-

Lipoxigenase (5-LO) é a enzima predominante nos

neutrófilos. O principal produto, 5-HETE, que é

quimiotáticos para neutrófilos, é convertido numa família

de compostos denominados colectivamente leucotrienos. O

LTB4 é um potente agente quimiotáticos e activador de

neutrófilos em respostas funcionais, tais como a agregação

e adesão de leucócitos ao endotélio vénular, geração de

radicais livres de oxigénio, e libertação de enzimas

lisossomais. Os leucotrienos contendo cisteinil - C4, D4 e E4

(LTC4, LTD4 e LTE4) - causam intensa vasoconstrição, broncoespasmo, e aumento da

permeabilidade vascular. O derrame vascular, como acontece com histamina, é restrito às

vénulas. Os leucotrienos são mais potentes do que histamina no aumento da permeabilidade

vascular e na indução de broncoespasmo. Os leucotrienos medeiam as suas acções através da

ligação aos receptores CysLT1 e CysLT2, que desempenham um papel importante na

patogénese da asma brônquica.

As Lipoxinas são uma recente adição à família de produtos bioactivos gerados a partir de AA, e

os mecanismos transcelulares de biossíntese são fundamentais para a sua produção. Os

leucócitos, principalmente neutrófilos, produzem compostos intermédios na síntese de

lipoxinas, e estes são convertidos a lipoxinas por plaquetas ao interagirem com os leucócitos.

As lipoxinas A4 e B4 - LXA4, LXB4 - são sintetizados pela acção das 12-lipoxigenase plaquetária

sobre LTA4 derivado dos neutrófilos. O contacto célula-célula aumenta o metabolismo

transcelular, o bloqueio da adesão celular inibe produção de lipoxinas. As principais acções das

lipoxinas consistem em inibir o recrutamento dos leucócitos e dos componentes celulares da

inflamação. Existe uma relação inversa entre a quantidade de lipoxinas e leucotrienos

formadas, sugerindo que as lipoxinas podem ser reguladores endógenos da acção dos

leucotrienos e pode, portanto, desempenhar um papel na resolução da inflamação.

Page 69: Sebenta Da Estrelinha

Uma nova classe de mediadores derivados do ácido araquidónico – Resolvinas - foram

identificadas em animais experimentais tratados com aspirina. Estes mediadores inibem o

recrutamento leucocitário e a sua activação, em parte através da inibição da produção de

citocinas. Assim, a actividade anti-inflamatória da aspirina provavelmente é atribuível à sua

capacidade de inibir a ciclooxigenase e, talvez, por estimular a produção de resolvinas.

A Terapêutica Anti-inflamatória pode ser direccionada a muitos alvos nesta longa cascata da

biossíntese dos eicosanoides:

- Inibidores da Ciclooxigenase, incluem aspirina e outros fármacos anti-inflamatórios não-

esteroides (AINEs), tais como indometacina;

- Inibidores da Lipoxigenase, a 5-lipoxigenase não é afectada pela AINEs, e muitos dos novos

inibidores da enzima esta via têm sido desenvolvidos. Agentes farmacológicos que inibem a

produção de leucotrienos ou dos receptores (CysLT1 e CysLT2) foram encontrados útil no

tratamento da asma;

- Inibidores de Largo Espectro, incluem glicocorticóides. Estes poderosos agentes anti-

inflamatórios podem actuar por regularem a expressão de genes-alvo específicos, incluindo

genes que codificam a enzima COX-2, fosfolipase A2, citocinas (tais como a IL-1 e TNF), e óxido

nítrico sintetase (iNOS)

Outra abordagem para manipular respostas inflamatórias tem sido a de modificar a ingestão

dietética e do conteúdo de lípidos, aumentando o consumo de peixe. A base para esta

abordagem é que os ácidos gordos presentes na gordura do peixe servem como substratos

pobres para a conversão de metabolitos activos tanto pela via da ciclooxigenase como pela via

da lipoxigenase.

Factor de Activação Plaquetária (PAF)

Page 70: Sebenta Da Estrelinha

O PAF é outro mediador derivado dos fosfolípidos. O PAF medeia os seus efeitos através de um

único receptor, e os seus efeitos são regulados por uma família de acetil-hidrolases

inactivadoras do PAF. Uma variedade de tipos celulares, incluindo plaquetas, basófilos e

mastócitos, neutrófilos, monócitos e macrófagos, células endoteliais, podem sintetizar PAF, em

todos este mediador é secretado numa forma conjugado às células. Além de activar as

plaquetas, o PAF provoca vasoconstrição e broncoconstrição, e em concentrações

extremamente baixas pode provocar vasodilatação e aumento da permeabilidade vénular com

uma potência de 100 a 10.000 vezes maior do que a histamina. O PAF também provoca

aumento da adesão leucocitária ao endotélio, quimiotaxia, desgranulação, e a explosão

oxidativa. Assim, o PAF pode originar a maior parte das características principais da

inflamação. O PAF também estimula a síntese de outros mediadores, particularmente

eicosanoides, por leucócitos e outras células.

Citocinas e Quimiocinas

As Citocinas são proteínas produzidas por diversos tipos de células, principalmente linfócitos e

macrófagos activados, mas também pelo endotélio, epitélio, e células de outros tecidos, que

modulam as funções de outros tipos celulares. Conhecidas por estarem envolvidas na resposta

imunológica celular, estes produtos têm efeitos adicionais que desempenham papéis

importantes na inflamação aguda e crónica.

Factor de Necrose Tumoral e Interleucina-1

O TNF e IL-1, são duas das principais citocinas que medeiam a inflamação. Elas são produzidas

principalmente por macrófagos activados. A citocina semelhante ao TNF, denominada

linfotoxina, é produzida por linfócitos T activados, e a IL-1 pode ser produzida por muitos

outros tipos celulares também. A secreção de TNF e IL-1 pode ser estimulada pela endotoxina

e outros produtos microbianos, complexos imunitários, lesão corporal, e uma variedade de

estímulos inflamatórios. As suas acções mais importantes na inflamação são os seus efeitos

sobre o endotélio, leucócitos e fibroblastos, bem como a indução de reacções sistémicas de

fase aguda. No endotélio influenciam principalmente ao nível da transcrição génica,

conduzindo à activação endotelial. Em particular, induzem a síntese de moléculas adesão

endotelial e mediadores químicos, incluindo outras citocinas, quimiocinas e factores de

crescimento, eicosanoides, e óxido nítrico (NO). Está ainda responsável pela indução da

produção de enzimas associadas com remodelação da matriz, e por aumentar a

trombogenicidade na superfície do endotélio.

A IL-1 e TNF (assim como a IL-6) induzem a resposta sistémica de fase aguda associada à

infecção ou lesão. As características destas respostas sistémicas incluem febre, perda de

apetite, sono de ondas lentas, a aumento dos neutrófilos em circulação, a libertação de

corticotropina e corticosteróides e, em particular no que diz respeito ao TNF, os efeitos

hemodinâmicos do choque séptico, hipotensão, diminuição da resistência vascular, aumento

da frequência cardíaca, e diminuição do pH sanguíneo. O TNF regula ainda a massa corporal,

promovendo a mobilização lípidos e proteínas, bem como a produção de supressores do

apetite. A produção de TNF contribui para caquexia, um estado patológico caracterizado pela

perda de peso e anorexia, que acompanha algumas infecções e doenças neoplásicas.

Page 71: Sebenta Da Estrelinha

Quimiocinas

As Quimiocinas são uma família de pequenas proteínas que actuam principalmente como

quimioatractivos para leucócitos específicos. Existem diversos tipos de quimiocinas, sendo

estas classificadas em quatro grandes grupos, de acordo com a disposição dos resíduos de

cisteína conservados:

- Quimiocinas C-X-C (α-Quimiocinas), têm um aminoácido que separa os dois primeiros

resíduos de cisteína conservados. As quimiocinas CXC actuam principalmente em neutrófilos

(ex. IL-8). É secretada principalmente por macrófagos e células endoteliais activadas. Os seus

principais indutores são produtos microbianos e outras citocinas, principalmente IL-1 e TNF;

- Quimiocinas C-C (β-Quimiocinas), têm os dois primeiros resíduos conservados cisteína

adjacentes. Incluem Proteínas Quimioatractiva Monocitária (MCP-1), Eotaxina e Proteína

Inflamatória Macrofágica-1α (MIP-1α). Geralmente atraem monócitos, eosinófilos, basófilos e

linfócitos, mas não neutrófilos. Embora a maioria das quimiocinas nesta classe tenham

sobreposição das propriedades, a eotaxina recruta selectivamente eosinófilos;

- Quimiocinas C (γ-Quimiocinas), nestas moléculas faltam dois - o primeiro e o terceiro - dos

quatro resíduos de cisteína conservados. As quimiocinas C (ex. Limfotactina) são relativamente

específicas para linfócitos;

- Quimiocinas CX3C, contêm três aminoácidos entre as duas cisteínas. O único membro

conhecido desta classe é designado fractalcina. Esta quimiocina existe em duas formas: a

vinculada à superfície celular pode ser induzida em células endoteliais por citocinas

inflamatórias e promove uma forte adesão de monócitos e células T; e uma forma solúvel,

derivada por proteólise da proteína vinculada à membrana, tendo uma potente actividade

quimioatractiva para a mesma célula.

Page 72: Sebenta Da Estrelinha

Os Receptores das Quimiocinas, designados CXCR ou CCR consoante a quimiocina, geralmente

apresentam sobreposição na especificidade do ligante, e geralmente os leucócitos expressam

mais de um tipo destes receptores. Alguns destes receptores (CXCR-4, CCR-5) agem como co-

receptores para a glicoproteína do invólucro do vírus da imunodeficiência humana (VIH-1) e

são, portanto, envolvidos na entrada do vírus nas células.

As quimiocinas estimulam o recrutamento de leucócitos na inflamação e controlam a migração

de células normais através de várias quimiocinas teciduais. Algumas são produzidas

transitoriamente em resposta a estímulos inflamatórios e promovem o recrutamento de

leucócitos para os sítios de inflamação; outras quimiocinas são produzidas constitutivamente

em tecidos e em função da organogénese para organizar os diferentes tipos de células em

diferentes regiões anatómicas dos tecidos. Em ambas as situações, as quimiocinas podem

estar presentes em concentrações elevadas associadas aos proteoglicanos na superfície das

células endoteliais e na matriz extracelular.

Óxido Nítrico (NO)

O NO, um mediador da inflamação pleotrópico, foi descoberto como um factor libertado a

partir de células endoteliais que causou vasodilatação por relaxamento do músculo liso

vascular e, portanto, foi chamado Factor Relaxante Derivado do Endotélio. O NO solúvel é um

gás que é produzido não só por células endoteliais, mas também por macrófagos e alguns

neurónios no cérebro. O NO funciona de forma parácrina sobre células-alvo através da indução

de GMPc, que, por sua vez, desencadeia uma série de eventos intracelulares que conduzem a

uma resposta, tais como a flexibilização das células musculares lisas vasculares. Visto que a

semi-vida in vivo do NO é de apenas alguns segundos, o gás só actua sobre as células nas

proximidades de onde é produzido.

O NO é sintetizado a partir de L-arginina pela enzima Óxido Nítrico Sintetase (NOS); existem

três tipos diferentes de NOS:

- Endotelial (eNOS);

- Neuronal (nNOS)

- Inductível (iNOS).

Estas diferentes isoformas da enzima apresentam dois padrões de expressão: eNOS e nNOS

são constitutivamente expressas em níveis baixos e podem ser activadas rapidamente por um

aumento dos iões cálcio no citoplasma; por outro lado o iNOS, apenas é produzido quando os

macrófagos e outras células são activados por citocinas (ex. TNF e IFN-γ) ou outros agentes.

O NO desempenha um papel importante nos componentes vasculares e celulares da resposta

inflamatória. O NO é um potente vasodilatador, como consequência das suas acções no

músculo liso vascular. Além disso, reduz a agregação e adesão plaquetária, inibindo várias

funcionalidades de mastócitos induzidas durante a inflamação; e serve como um regulador

endógeno do recrutamento leucocitário. Assim, a produção de NO endógeno é um mecanismo

compensatório que reduz a resposta inflamatória, o que se comprova pela diminuição do

recrutamento leucocitário na presença de NO. Alterações na produção endotelial de NO

ocorrem na aterosclerose, diabetes e hipertensão arterial.

Page 73: Sebenta Da Estrelinha

O NO e os seus derivados são microbicidas, e por isso é também um mediador de defesa

contra infecções no organismo. Evidências apoiando a importância desta actividade

antimicrobiana de NO incluem o seguinte:

- Espécies de Nitrogénio Reactivo derivadas do NO possuem actividade antimicrobiana;

- Interacções entre NO e os ROS, levam à formação de múltiplos metabolitos antimicrobianos;

- A produção de NO é aumentada durante as respostas à infecção;

- A Inactivação Genética de iNOS melhora replicação de microrganismos em modelos animais

experimentais;

- Altos níveis de NO produzidos por uma variedade de células parecem contribuir para limitar a

reprodução de bactérias, helmintas, protozoários e vírus, bem como de como células tumorais.

Constituintes Lisossomais dos Leucócitos

Os neutrófilos e monócitos contêm grânulos lisossomais, que, quando libertados, podem

contribuir para a resposta inflamatória. Os neutrófilos têm dois tipos principais de grânulo:

- Os menores, mais específicos ou secundários, contêm grânulos de lisosima, colagenase,

gelatinase, lactoferrina, activador do plasminogénio, histaminase, e fosfatase alcalina;

- Os maiores, azurófilos ou primários, contêm grânulos de mieloperoxidase, factores

bactericida (ex. Lisozima e defensinas), hidrolases ácidas, e uma variedade de proteases

neutras (ex. elastase, catepsina G, colagenases inespecíficas e proteinase 3).

Os dois tipos de grânulos podem ser esvaziados em vacúolos fagocitários que ser formam em

torno do material fagocitado, ou o conteúdo do grânulo pode ser libertado para o espaço

extracelular. Os grânulos específicos são secretados extracelularmente mais facilmente e por

concentrações mais baixas de agonistas, ao passo que a libertação potencialmente mais

destrutiva dos grânulos azurófilos e do seu conteúdo ocorre principalmente para fagossoma e

requer altos níveis de agonistas para ser liberado extracelularmente.

Page 74: Sebenta Da Estrelinha

Devido aos efeitos destrutivos das enzimas lisossomais, o infiltrado leucocitário inicial, se não

for controlado, poderá potenciar novos aumentos na permeabilidade vascular e dano tecidual.

Estas proteases nocivas, porém, são mantidas inactivas por um sistema de anti-proteases no

soro e tecidos fluidos. O primeiro destes é α1-antitripsina, sendo o principal inibidor da

elastase neutrofílica. Uma deficiência destes inibidores pode conduzir a uma acção das

proteases leucocitárias; a α2-macroglobulina é outra das antiproteases encontradas no soro e

várias secreções.

Radicais Livres Derivados do Oxigénio

Radicais Livres Derivados do Oxigénio podem ser libertados extracelularmente de leucócitos

após a exposição a microrganismos, quimiocinas, e complexos imunitários, ou após a

fagocitose. A sua produção está dependente da activação do Sistema Oxidativo NADPH.

Anião Superóxido (O2.), Peróxido de Hidrogénio (H2O2), e o Radical Hidroxil (OH) são as

principais espécies produzidas dentro da célula, sendo que estes metabolitos podem

combinar-se com o NO para formar outros Metabolitos de Nitrogénio Reactivos. A libertação

extracelulares de baixos níveis destes potentes mediadores pode aumentar a expressão de

quimiocinas (ex. IL-8), citocinas, moléculas adesão leucocitária e endotelial, amplificando a

cascata inflamatória que desencadeou a resposta. A função fisiológica destes metabolitos

reacticos de oxigénio é destruir os microrganismos fagocitados. Em níveis mais elevados, a

libertação destes potentes mediadores pode ser prejudicial para o organismo. Este

mediadores estão implicados nas seguintes respostas:

- Lesão Celular Endotelial, como consequência do aumento da permeabilidade vascular. Os

neutrófilos aderentes, quando activados, não apenas produzem as suas próprias espécies

tóxicas, mas também estimulam a oxidação da xantina nas células endoteliais, levando, assim,

à síntese de mais superóxido;

- Inactivação de Antiproteases, tais como a α1-antitripsina. Isto leva à actividade proteolítica

por unanimidade, com o aumento da destruição da matriz extracelular. Nesta situação existe

lesão para outros tipos de células, nomeadamente células parenquimatosas e glóbulos

vermelhos.

O plasma, os tecidos fluidos e as células do organismo possuem mecanismos antioxidantes que

as protegem contra estes derivados de radicais de oxigénio potencialmente nocivos. Estes

antioxidantes incluem:

- Ceruplasmina, uma proteína sérica contendo cobre;

- Transferrina, fracção livre de ferro no soro;

- Enzima Superóxido Dismutase, que se encontra ou que pode ser activada num grande

número de tipos celulares;

- Enzima Catalase, que catalisa o H2O2;

- Glutatião Peroxidase, outro poderoso destoxificador do H2O2.

Assim, a influência dos radicais livres de oxigénio, proveniente de qualquer reacção

inflamatória depende do equilíbrio entre a produção e a inactivação destes metabolitos por

células e tecidos.

Neuropéptidos

Os Neuropéptídos, semelhantes às aminas vasoactivas e aos eicosanoides discutidos

anteriormente, desempenham um papel na iniciação e propagação de uma resposta

inflamatória. Os pequenos péptidos, tais como a substância P e a neuroquinina A, pertencem a

Page 75: Sebenta Da Estrelinha

uma família tachiquinina de neuropéptidos produzidos no sistema nervoso central e periférico.

As fibras nervosas contendo substância P são proeminentes nos pulmões e tracto

gastrointestinal. A substância P tem muitas funções biológicas, incluindo a transmissão de

sinais da dor, regulação da pressão arterial, estimulação da secreção de células endócrinas, e

aumento da permeabilidade vascular. Os neurónios sensitivos parecem produzir outras

moléculas pró-inflamatórias, estas permitem ligar os sensores de perigo perante determinados

estímulos para que se desenvolvam resposta de protecção no organismo.

Outros Mediadores

Os mediadores acima descritos são responsáveis por reacções inflamatórias na presença de

microrganismos, toxinas, e muitos outros tipos de lesão, mas não podem explicar algumas

situações específicas de inflamação. Estudos recentes estão a fornecer pistas sobre os

mecanismos de inflamação frequentemente encontrada em duas patologias:

- Resposta à Hipoxia, possuindo uma enorme potencialidade de em causar lesão celular e

necrose. A hipóxia por si só, é também um indutor da resposta inflamatória. Esta resposta é

mediada em grande parte por uma proteína chamada Factor Induzido pela Hipóxia 1α, que é

produzido pelas células privadas de oxigénio e activa vários genes implicados na inflamação,

incluindo o VEGF, que aumenta a permeabilidade vascular;

- Resposta a Células Necróticas, apesar de ter sido conhecido por muitos anos que as células

necróticas provocam reacções inflamatórias, que servem para eliminar essas células, a base

molecular dessa reacção tem sido em grande parte desconhecida. Um dos participantes pode

ser o ácido úrico, que é um produto de degradação do DNA, e cristaliza quando presentes em

concentrações suficientemente altas em tecidos extracelulares. Os cristais de ácido úricos

estimulam a inflamação e subsequentemente a resposta imunitária. Esta acção pró-

inflamatória do ácido úrico é a base da doença gota, em que quantidades excessivas de ácido

úrico são produzidas e cristais depositados em articulações e outros tecidos.

Resultados da Inflamação Aguda

Embora as alterações hemodinâmicas, da permeabilidade e dos leucócitos tenham sido

descritas sequencialmente e podem ser iniciadas nesta ordem, todos estes fenómenos

poderão ser simultâneos na evolução da reacção à lesão. Como seria de esperar, muitas

variáveis podem alterar esse processo básico, incluindo a natureza e a intensidade da lesão, o

local e tecidos afectados, bem como a capacidade de resposta do organismo. Em geral,

contudo, a inflamação aguda pode ter um de três resultados:

- Resolução Completa. Num mundo perfeito, todas as reacções inflamatórias, depois de terem

conseguido neutralizar e eliminar os efeitos prejudiciais do estímulo, deveriam terminar com a

restauração do sítio de inflamação aguda à sua conformação normal. Isto é denominado de

resolução e é o resultado normal quando a lesão é limitada ou de curta duração, ou quando

tenha existido pouca destruição tecidual e as células danificadas parenquimatosa podem

regenerar. A resolução envolve neutralização ou decadência espontânea do mediadores

químicos, com posterior retorno ao normal da permeabilidade vascular, cessação do infiltrado

leucocitário, morte dos neutrófilos e, finalmente, remoção de fluidos do edema e proteínas,

leucócitos, agentes estranhos, e fragmentos necróticos do do local. Os linfáticos e fagócitos

desempenham um papel importante nestes eventos;

- Substituição por Tecido conjuntivo (Fibrose). Isto ocorre após uma substancial destruição

tecidual, quando a lesão inflamatória envolve tecidos que são incapazes de regenerar, ou

Page 76: Sebenta Da Estrelinha

quando existe uma abundante exsudação de fibrina. Quando existe exsudado fibrinoso nos

tecidos ou cavidades serosas (ex. Pleura e Peritoneu), este não pode ser devidamente

removido, então o tecido conjuntivo cresce na área de exsudato, convertendo-o numa massa

de tecido fibroso, um processo também designado de organização. Em muitas infecções

piogénicas pode formar-se um intenso infiltrado neutrofílico e ocorrer liquefação dos tecidos,

levando à formação pus. O tecido destruído é reabsorvido e, eventualmente, substituído por

fibrose.

- Progressão da Resposta para a Inflamação Crónica. Este desfecho pode seguir a Inflamação

Aguda, no entanto é possível identificar este padrão desde o início. A transição de Aguda para

Crónica ocorre quando a resposta inflamatória aguda não pode ser resolvida, quer devido à

persistência do agente lesivo ou por algumas interferências com o processo normal de

cicatrização. Por exemplo, a infecção bacteriana do pulmão pode começar como um foco de

inflamação aguda (pneumonia), mas a sua incapacidade para resolver pode levar a uma

extensa destruição tecidual e à formação de uma cavidade em que a inflamação persiste,

conduzindo eventualmente a um abcesso pulmonar crónico. Outro exemplo de inflamação

crónica com um estímulo persistente é a úlcera péptica do estômago ou duodeno. Úlceras

pépticas podem persistir por meses ou anos e, como discutido abaixo, manifestam-se por

ambas as reacções inflamatórias agudas e crónicas.

Padrões Morfológicos da Inflamação Aguda

Embora todas as reacções inflamatórias agudas sejam caracterizadas por alterações vasculares

e infiltração leucocitária, a gravidade da reacção, a sua causa específica, e nomeadamente o

tecido e local envolvidos introduzem variações morfológicas nos padrões básicos. Vários tipos

de inflamação são reconhecidos, que variam na sua morfologia e correlações clínicas.

Inflamação Serosa

A Inflamação Serosa é marcada pelo

derramamento de um líquido que pode ser

proveniente do plasma ou da secreção de células

do mesotélio do peritoneu, pleura e pericárdico -

Derrame. As lesões na pele resultantes de uma

queimadura ou infecção viral apresentam uma

grande acumulação de fluido seroso, quer dentro

ou imediatamente abaixo da epiderme da pele.

Inflamação Fibrosa

Com lesões mais graves e a consequente maior

permeabilidade vascular, grandes moléculas,

como o fibrinogénio passam a barreira

vascular, sendo a fibrina formada e depositada

no espaço extracelular. Um exsudato fibrinoso

surge quando as fugas vasculares são grandes o

suficiente ou se houver um estímulo pró-

coagulante no interstício (ex. Células

Neoplásicas). Um exsudato fibrinoso é

Page 77: Sebenta Da Estrelinha

característico da inflamação no revestimento das cavidades corporais, tais como as meninges,

pericárdio e pleura. Histologicamente, a fibrina aparece como uma malha de fios eosinofílico

ou, por vezes, como um coágulo amorfo. Os exsudato fibrinoso podem ser removidos por

fibrinólise e a limpeza dos detritos por outros macrófagos. O processo de resolução pode

restaurar a estrutura normal dos tecidos, mas quando a fibrina não é removida, pode

estimular o recrutamento de fibroblastos e vasos sanguíneos e, assim, levar à cicatrização. A

conversão do exsudato fibrinoso a tecido cicatricial – organização - dentro da cavidade do

pericárdico leva a um espessamento opaco fibroso do pericárdio e do epicárdio na área de

exsudação, ou, mais frequentemente, para o desenvolvimento do tecido fibroso pode ser

obliterado o espaço pericárdico.

Inflamação Supurativa ou Purulenta

A Inflamação Supurativa ou

Purulenta é caracterizada pela

produção de grandes

quantidades de pus ou

exsudato amigdaliano

composto de neutrófilos,

células necróticas e fluícdo do

edema. Certas bactérias (ex.

Estafilococos) produzem esta supuração localizada e, portanto, são referidas como bactérias

piogénica - produtora de pus. Os abscessos são colecções localizadas de tecido inflamatório

purulento causado por supuração profunda num tecido, órgão, ou espaço confinado. Os

abscessos têm uma região central que surge como uma massa de leucócitos e tecidos

necróticos. Habitualmente existe uma zona de conservada de neutrófilos em torno deste foco

necrótico, e fora desta região parenquimatosa e surge dilatação vascular e proliferação

fibroblástica, indicando o início da reparação. Com o passar do tempo, o abscesso pode tornar-

se encapsulado e, em última instância substituído por tecido conjuntivo.

No caso do pús estar contido dentro de uma cavidade, por exemplo vesícula biliar, denomina-

se empiema.

Úlceras

Uma úlcera é um local de defeito, ou escavação, da superfície de um órgão ou tecido que é

produzido pela perda do tecido necrótico inflamatório. A ulceração pode ocorrer apenas

quando há necrose tecidual e a consequente inflamação existem numa ou perto de uma

superfície. São mais frequentemente encontradas em:

Page 78: Sebenta Da Estrelinha

- Necrose Inflamatória da Mucosa da Boca, Estômago, Intestinos, ou Aparelho Geniturinário;

- Por via subcutânea através inflamação das extremidades inferiores, em pessoas idosas que

têm perturbações circulatórias que predispõem à extensa necrose.

A ulceração tem como principal exemplo a úlcera péptica do estômago ou duodeno, no qual

coexistem inflamação aguda e crónica. Durante a fase aguda, há um intenso infiltrado

polimorfonuclear e dilatação vascular nas margens do defeito. Com a cronicidade, as margens

e base da úlcera desenvolvem proliferação fibroblástica, cicatrizes, e acumulam-se linfócitos,

macrófagos e plasmócitos.

Resumo da Inflamação Aguda

Agora que temos descrito os componentes, mediadores e manifestações patológicas da

resposta inflamatória aguda, é útil resumir a sequência de eventos numa resposta típica deste

tipo. Quando um organismo encontra agentes prejudiciais, tais como um microrganismo

infeccioso ou células mortas, os fagócitos que residem em todos os tecidos tentar livrar-se

destes agentes. Ao mesmo tempo, os fagócitos e outras células hospedeiras reagem à

presença da substância estranha ou anormal ao libertarem citocinas, lípidos mensageiros, e

diversos outros mediadores da inflamação. Alguns desses mediadores actuam em células

endoteliais na vizinhança e promovem o efluxo de plasma e o recrutamento de leucócitos

circulantes para o sítio onde está localizado o agente agressor. Os leucócitos recrutados são

activados pelo agente prejudicial e por mediadores produzidos localmente, por sua vez os

leucócitos activados tentam remover o agente agressor por fagocitose. Quando o agente

prejudicial é eliminado e os mecanismo anti-inflamatórios são activados, o processo termina e

o organismo retorna a um estado normal de saúde. Se o agente prejudicial não poder ser

rapidamente eliminado, esta situação pode evoluir para uma inflamação crónica. As diferentes

componentes da resposta inflamatória são mediadas por sinais diferentes e têm funções

distintas. Os fenómenos vasculares da inflamação aguda são caracterizadas pelo aumento do

Page 79: Sebenta Da Estrelinha

fluxo sanguíneo para a área lesada, resultantes principalmente da dilatação arteriolar e

abertura dos leitos capilares induzida por mediadores como a histamina. O aumento da

permeabilidade vascular resulta no acumular de um fluido extravascular rico em proteínas -

exsudato. Proteínas plasmáticas abandonam os vasos, mais comummente através de um

aumento do espaço entre as junções entre as células endoteliais das vénulas. A vermelhidão

(rubor), calor, e edema (tumor) da inflamação aguda são causadas pelo aumento do fluxo

sanguíneo e edema. Os leucócitos circulantes, inicialmente predominantemente neutrófilos,

aderem ao endotélio através de moléculas de aderência, transmigram através do endotélio, e

migram para o local da lesão sob a influência de agentes quimiotáticos. Os leucócitos que são

activados pelo agente agressor e por mediadores endógenos podem libertar metabolitos

tóxicos e proteases extracelularmente, causando lesão tecidual. Devido à lesão e, em parte

como resultado da liberação de prostaglandinas, neuropeptídeos e citocinas, um dos sintomas

locais é a dor.

Inflamação Crónica

Embora seja difícil de definir com precisão, a inflamação crónica é considerada como uma

inflamação da duração prolongada - semanas ou meses - em que inflamação a activa,

destruição tecidual, e tentativas de reparação ocorrem simultaneamente. Embora possa

continuar a inflamação aguda, como descrito anteriormente, a inflamação crónica

frequentemente começa insidiosamente, com uma baixa intensidade, latente, muitas vezes

assintomática. Este último tipo de inflamação crónica é a causa da lesão tecidual em algumas

dos doenças humanas mais comuns e incapacitantes, tais como a artrite reumatóide,

aterosclerose, tuberculose e doenças pulmonares crónicas.

Causas da Inflamação Crónica

Inflamação crónica surge nas seguintes definições:

- Infecções Persistentes por Alguns Microorganismos, como o bacilo da tuberculose,

Treponema pallidum, e de certos vírus, fungos e parasitas. Estes organismos são de baixa

virulência e evocam uma reacção imunitário denominada de hipersensibilidade tardia. A

resposta inflamatória, por vezes assume um padrão específico designado Reacção

Granulomatosa;

- Exposição Prolongada a Agentes Potencialmente Tóxicos, podendo ser de natureza

endógena ou exógena. Um exemplo de um agente exógeno são as partículas de sílica, um

material não degradável que, quando inalado por longos períodos, resulta numa doença

denominada Silicose Pulmonar Inflamatória. A Aterosclerose pensa-se que seja um processo

inflamatório crónico da parede arterial induzida, pelo menos em parte, por componentes

lipídicos plasmáticos tóxicos endógenos;

- Autoimunidade, sob certas condições, podem desenvolver-se reacções imunitários contra

tecidos do próprio indivíduo, levando a doenças auto-imunes. Nestas doenças, que evocam

uma reacção auto-imunitária perpetuam uma resposta crónica que resulta em lesão tecidual e

inflamação. As reacções imunitárias desempenham um papel importante em várias doenças

inflamatórias crónicas comuns, tais como artrite reumatóide e lúpus eritematoso.

Padrões Morfológicos

Em contraste com inflamação aguda, que se manifesta por alterações vasculares, edema e

infiltrado predominantemente neutrofílico, a Inflamação Crónica é caracterizada por:

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- Infiltração de Células Mononucleares, que incluem macrófagos, linfócitos e células

plasmáticas;

- Destruição Tecidual, induzida pela persistência do agente agressor ou pelas células

inflamatórias;

- Tentativas de Cicatrização dos tecidos por substituição de tecidos danificados, realizado pela

proliferação de pequenos vasos sanguíneos (angiogénese) e, em particular, por fibrose.

Infiltrado de Células Mononucleados

Os macrófagos são o principal participante celular na inflamação crónica; são um componente

do sistema fagócito mononuclear, que pode algumas vezes denominar-se sistema

reticuloendotelial, consiste em células estreitamente relacionadas com origem na medula

óssea, incluindo os monócitos sanguíneos e os macrófagos teciduais ou residentes. Estes

últimos encontram-se difusamente espalhados no tecido conjuntivo ou localizados em órgãos

como o fígado - Células de Kupffer -, no baço e gânglios linfáticos e pulmão - Macrófagos

Alveolares. A partir do sangue, os monócitos migram para diversos tecidos e diferenciam-se

em macrófagos. A semi-vida dos monócitos no sangue é de cerca de 1 dia, enquanto o ciclo de

vida dos macrófagos nos tecidos é de vários meses ou anos.

Os monócitos começam a migrar para tecidos extravasculares muito cedo na inflamação

aguda, e no prazo de 48 horas podem constituir o principal tipo celular. O extravasamento de

monócitos é regido pelos mesmos factores que estão envolvidos na migração dos neutrófilos,

ou seja, a adesão a moléculas e mediadores químicos com propriedades quimiotáticas e de

activação. Quando o monócito atinge o tecido extravascular, ele sofre uma grande

transformação numa célula fagocítica especializada, os macrófagos. Os macrófagos podem ser

activadas por uma variedade de estímulos, incluindo citocinas (ex. IFN-γ) secretado pelos

linfócitos T sensibilizados e por células NK, endotoxinas bacterianas, e outros mediadores

químicos. A sua activação resulta no aumento tamanho celular, aumento dos níveis de enzimas

lisossomais, metabolismo mais activo, e uma maior capacidade de fagocitose e de matar os

microrganismos ingeridos. Os macrófagos activados secretam uma grande variedade de

produtos biologicamente activos que, se a secreção não for controlada, resultará na lesão

tecidual e fibrose características da inflamação crónica.

Na inflamação curta ou aguda, se o agente agressor é eliminado, os macrófagos

eventualmente desaparecem. Na inflamação crónica, a acumulação de macrófagos persiste,

devido à permanência do agressor, e é mediada por mecanismos diferentes:

- Recrutamento de Monócitos a partir da Circulação, o que resulta da expressão de moléculas

de adesão e factores quimiotáticos. A maioria dos macrófagos presentes num foco de

inflamação crónica são recrutados dos monócitos circulantes. O processo de recrutamento

monócito é fundamentalmente semelhante ao recrutamento de neutrófilos, descrito

anteriormente. Os estímulos quimiotáticos para os monócitos incluem quimiocinas produzidas

por macrófagos activados, linfócitos e outros tipos de células (ex. MCP-1); C5a; factores de

crescimento, como factor de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), factor de

crescimento e transformando-α (TGF-α), a partir de fragmentos da ruptura de colagénio e

fibronectina; e fibrinopéptido. Cada um deles pode desempenhar um papel sob determinadas

circunstâncias, por exemplo, as quimiocinas são importantes estímulos para a acumulação de

macrófagos e reacções imunitárias de hipersensibilidade tardia;

Page 81: Sebenta Da Estrelinha

- Proliferação Local dos Macrófagos após a sua migração a partir da circulação sanguínea.

Apesar de ser um evento incomum, a proliferação dos macrófagos agora é conhecida como

uma ocorrência de destaque em algumas lesões inflamatórias crónicas, tais como placas

ateromatosas;

- Imobilização dos Macrófagos no Sítio de Inflamação, algumas citocinas e lípidos oxidados

podem causar a sua imobilização.

Os produtos dos macrófagos activados servem para eliminar os agentes prejudiciais, tais como

microganismos e dar início ao processo de reparação, e são responsáveis por grande parte da

lesão tecidual na inflamação crónica. Alguns desses produtos são tóxicos para os

microrganismos e células do organismo ou matriz extracelular (ex. Proteases); alguns causam

influxo de outros tipos de celulares (ex. Citocinas e Factores Quimiotáticos) e outros ainda

causar a proliferação de fibroblastos, deposição colagénio e angiogénese (ex. Factores de

Crescimento). Este impressionante arsenal de mediadores faz dos macrófagos poderosos

aliados na defesa do corpo contra invasores indesejados, mas as mesmas armas também

podem induzir considerável destruição tecidual quando macrófagos são activados

inadequadamente. Assim, a destruição tecidual é uma das características da inflamação

crónica.

Outras Células na Inflamação Crónica

Outros tipos celulares presentes na inflamação crónica incluem linfócitos, plasmócitos,

eosinófilos e mastócitos:

- Os Linfócitos são mobilizados em ambas as respostas imunitárias, a mediada por anticorpos e

a celular, e até mesmo na inflamação não imunitária. Diferentes tipos de linfócitos estimulados

por antigénios usam várias moléculas de adesão e quimiocinas para migrarem para os locais da

inflamação. As citocinas dos macrófagos activados, principalmente o TNF, IL-1 e quimiocinas,

promovem o recrutamento leucocitário, estabelecendo o palco para a persistência da resposta

inflamatória;

- Linfócitos e Macrófagos interagem de uma forma bidirecional, sendo que estas reacções

desempenham um papel importante na inflamação crónica. Os macrófagos apresentam

antigénios às células T, e produzem moléculas na membrana – co-estimuladores - e citocinas

(ex. IL-12) que estimulam a resposta das células T. Linfócitos T activados produzem citocinas, e

uma destas, o IFN-γ, é um importante activador de macrófagos. As Células Plasmáticas ou

Plasmócitos parecem desenvolver-se a partir de linfócitos B activados e produzem anticorpos

dirigidos contra qualquer antigénio presente na inflamação local ou contra componentes

alterados do tecido. Em algumas reacções inflamatórias crónicas fortes, a acumulação de

linfócitos, células apresentadoras de antigénios, células plasmáticas, o tecido pode assumir as

características morfológicas dos órgãos linfóides, particularmente dos gânglios linfáticos,

inclusive contendo centros germinais bem definidos. Este padrão de organogénese linfóide é

frequentemente visto na sinovial de pacientes com artrite reumatóide de com uma evolução

longa;

Page 82: Sebenta Da Estrelinha

- Os Eosinófilos são abundantes nas reacções imunitárias mediadas por IgE e, em infecções

parasitárias. O recrutamento de eosinófilos envolve o extravasamento de sangue e a sua

migração para tecidos por processos semelhantes aos de outros leucócitos. Uma das

quimiocinas que é especialmente importante para o seu recrutamento é eotaxina. Os

eosinófilos têm grânulos que contêm proteína básica principal, uma proteína altamente

catiónica que é tóxica para parasitas, mas também causa a lise das células epiteliais em

mamíferos. Podem, assim, ser benéficos para controlar infecções parasitárias, mas também

contribuem para o dano em tecidos;

- Os Mastócitos são amplamente distribuídos nos tecidos conjuntivos e em participar em

ambas as reacções inflamatórias, agudas e crónicas. Os mastócitos expressam na sua superfície

o receptor que se liga à porção Fc dos anticorpos IgE (FcεRI). Nas reacções agudas, os

anticorpos IgE vinculados às células pelos receptores Fc, promovem a desgranulação e

libertação de mediadores, como a histamina e produtos de oxidação do AA. Este tipo de

resposta ocorre durante reacções anafiláticas aos alimentos, venenos, ou drogas, muitas vezes

com resultados catastróficos. Quando devidamente regulada, esta resposta pode beneficiar

em muito o hospedeiro. Os mastócitos também estão presentes nas reacções inflamatórias

crónicas, e podem produzir citocinas que contribuem para a fibrose.

Embora os Neutrófilos sejam característicos de inflamação aguda, muitas formas de

inflamação crónica, que perduram durante meses, continuam a apresentar um grande número

de neutrófilos, induzida por microrganismos persistentes ou por mediadores produzidos pelos

macrófagos e linfócitos T. Na infecção crónica bacteriana óssea – osteomielite-, um exsudato

neutrofílico pode persistir por muitos meses. Os neutrófilos são igualmente importantes na

lesão crónica dos pulmões induzida pelo tabagismo e outros estímulos irritantes.

Inflamação Granulomatosa

A Inflamação Granulomatosa é um padrão distinto de reacção inflamatória crónica

caracterizada por acumulações focais de macrófagos activados, que frequentemente

desenvolvem uma aparência epitelial – Células Epitelióides. Este padrão é encontrado num

número limitado de condições mediadas imunologicamente, infecciosas e algumas não

infecciosas. A tuberculose surge como o protótipo das doenças granulomatosas, como a

sarcoidose, linfogranuloma inguinal, lepra, brucelose, sífilis e algumas infecções micóticas. O

reconhecimento do padrão granulomatoso numa biópsia é importante devido ao número

Page 83: Sebenta Da Estrelinha

limitado de possíveis doenças que causam, e deste modo ser mais dirigido o significado dos

possíveis diagnósticos associados com as lesões.

Um Granuloma é um foco de inflamação crónica que consiste numa agregação microscópica

de macrófagos que se transformam em células epitelióides cercada por um colar de leucócitos

mononucleares, principalmente linfócitos e, ocasionalmente, células plasmáticas. Na habitual

H&E as secções coradas de tecido, apresentam células epitelióides com um citoplasma rosa

pálido com limites celulares não definidos, muitas vezes aparentando fusão com outras células

do mesmo tipo. O núcleo é menos denso do que o de um linfócito, é oval ou alongada, e pode

apresentar dobramento da membrana nuclear. Granulomas mais antigos podem desenvolver

em torno de si um aro de fibroblastos e tecido conjuntivo. Frequentemente, as células

epitelióides fundem-se para formar células gigantes na periferia ou, por vezes, no centro dos

granulomas. Estas Células Gigantes pode alcançar diâmetros de 40 a 50 μm. São

caracterizadas por uma grande massa de citoplasma contendo 20 ou mais pequenos núcleos

organizados quer perifericamente – Células Gigantes do Tipo Langhans - ou aleatoriamente

Células Gigantes de Corpo Estranho. Não se conhece qualquer diferença funcional entre estes

dois tipos de células gigantes, mas é importante conhecer estas diferenças morfológicas, visto

que estão presentes em condições diferentes.

Existem dois tipos de granulomas, que diferem na sua patogénese. Os Granulomas de Corpo

Estranho são desencadeados por corpos estranhos inertes. Normalmente os granulomas de

corpo estranho formam-se quando materiais como talco, suturas, ou outras fibras são grandes

o suficiente para evitar a fagocitose por um único macrófago e não induzem qualquer resposta

inflamatória ou imunológica específica. As células epitelióides e células gigantes são dispostas

na superfície e englobam o corpo estranho. O material estranho pode ser identificado no

centro do granuloma, principalmente se visto com luz polarizada, no qual ele aparece

refringente.

Os Granulomas Imunitários são causados por partículas insolúveis, tipicamente

microrganismos, que são capazes de induzir uma resposta imunológica mediada por células.

Este tipo de resposta imunitário não produz necessariamente granulomas, mas fá-lo quando o

agente é dificilmente degradável. Nestas respostas, os macrófagos englobam o material

estranho, processam-no e promovem a sua apresentação aos linfócitos T, levando-os a

tornarem-se activados. A resposta das células T produz citocinas (ex. IL-2), que activam outras

células T, perpetuando a resposta, e o IFN-γ, que é importante para activar macrófagos e

promover sua transformação em células epitelióides e células gigantes multinucleadas.

O protótipo do granuloma imunitário é causada pelo bacilo da tuberculose. Nesta doença, o

granuloma é referido como um tubérculo e é classicamente caracterizada pela presença de

necrose caseosa central. Em contrapartida, a necrose caseosa é rara em outras doenças

granulomatosas. Os padrões morfológicos nas diversas doenças granulomatosas podem ser

suficientemente diferentes para permitir razoavelmente o diagnóstico preciso por um

patologista experiente, no entanto, há tantas apresentações atípicas que é sempre necessário

identificar o agente etiológico específico, por coloração, por métodos de cultura, por técnicas

moleculares e por estudos serológicos. Na sarcoidose, o agente etiológico é desconhecido,

fazendo-se o diagnóstico por exclusão.

Page 84: Sebenta Da Estrelinha

Efeitos Sistémicos da Inflamação

As alterações sistémicas associadas com a inflamação, especialmente em pacientes que

tenham infecções, são colectivamente designadas por Resposta de Fase Aguda, ou a Síndrome

da Resposta Inflamatória Sistémica (SRIS). Estas mudanças são as reacções às citocinas cuja

produção é estimulada por produtos como o LPS bacteriano e por outros estímulos

inflamatórios. A resposta de fase aguda consiste em várias alterações clínicas e patológicas:

- Febre, caracterizada por uma elevação da temperatura corporal, geralmente de 1 ° a 4 ° C, é

uma das manifestação mais proeminentes da resposta de fase aguda, sobretudo quando a

inflamação está associada à infecção. A febre é produzida em resposta aos chamados

pirogéneos, substâncias que agem por estimulação da síntese de prostaglandina nas células

vasculares e perivasculares do hipotálamo. Os produtos bacterianos, como o LPS, estimulam a

libertação de citocinas leucocitárias como a IL-1 e TNF que aumentam as enzimas que

convertem o AA em prostaglandinas. No hipotálamo, as prostaglandinas, especialmente a

PGE2, estimulam a produção de neurotransmissores como o AMPc, que permitem repor a o

ponto de referência da temperatura a um nível superior. Os AINEs, incluindo a aspirina,

reduzem a febre através da inibição da ciclooxigenase e, portanto, bloqueando a síntese de

prostaglandinas. O motivo da febre é desconhecido, no entanto uma das hipóteses é que a

febre pode induzir proteínas de choque térmico que realçam as respostas dos aos antigénios

microbianos;

- As Proteínas de Fase Aguda são proteínas plasmáticas, principalmente sintetizada no fígado,

cujas concentrações plasmáticas podem aumentar várias centenas de vezes como parte da

resposta ao estímulo inflamatório. Três dos mais conhecidos exemplos dessas proteínas são a

Proteína C Reativa (PCR ), Fibrinogénio e Proteína Amilóide Sérica A (SAA). A síntese destas

moléculas pelos hepatócitos é supra-regulada por citocinas, especialmente a IL-6 e a IL-1 ou

TNF. Muitas das proteínas de fase aguda, como a PCR e SAA, ligam-se às paredes celulares

microbianas, e podem actuar como opsoninas e fixar o complemento. Estas proteínas também

podem ligar-se à cromatina, possivelmente ajudando na limpeza dos núcleos celulares

necróticos. Durante a resposta de fase aguda, uma proteína amilóide sérica substitui

Apolipoproteína A, uma componente das partículas de lipoproteína de alta densidade. Este

fenómeno pode alterar a orientação das lipoproteínas de alta densidade das células de fígado

para macrófagos, que podem utilizar estas partículas como uma fonte de energia. O aumento

do fibrinogénio forma pilhas de eritrócitos que os sedimentam mais rapidamente que os

eritrócitos individuais. Esta é a base para a medição da velocidade de hemossedimentação

(VHS) como um teste simples para a resposta inflamatória sistémica, causada por qualquer

estímulo, incluindo o LPS. As proteínas de fase aguda têm efeitos benéficos durante a

inflamação aguda, mas, como veremos mais adiante, se prolongada podem originar

amiloidoses secundárias no contexto da inflamação crónica. Os elevados níveis séricos de PCR

são agora usados como um marcador de risco aumentado para enfarto do miocárdio em

pacientes com doença arterial coronária. Acredita-se que a inflamação em torno das placas

ateroscleróticas nas artérias coronárias podem predispor à trombose e enfarte subsequente,

sendo que a PCR é produzida durante este processo de inflamação. Nesta base, agentes anti-

inflamatórios estão sendo testados em pacientes para reduzir o risco de enfarte do miocárdio;

- A Leucocitose é uma característica comum das reacções inflamatórias, principalmente as

provocadas por infecção bacteriana. Os leucócitos normalmente sobem a 15.000 ou 20.000

células/μl, mas às vezes ela pode chegar a níveis extremamente elevados de 40.000 a 100.000

Page 85: Sebenta Da Estrelinha

células/μl. Estas elevações extremas são referidos como reacções leucemóides porque são

semelhantes às obtidas na contagem de células brancas na leucemia. A leucocitose ocorre

inicialmente como consequência da libertação acelerada de células da medula óssea da

reserva, causada por citocinas, incluindo IL-1 e TNF. Encontra-se então associada a um

aumento do número de neutrófilos imaturos no sangue. A infecção prolongada também induz

a proliferação de precursores na medula óssea, causada pelo aumento da produção de Factor

Estimulante de Colónia (QCA). Assim, a produção de leucócitos na medula óssea é aumentada

para compensar a perda dessas células na reacção inflamatória. A Neutrofilia refere-se a um

aumento de neutrófilos no sangue, sendo que a maioria das infecções bacterianas induzem

neutrofilia. Infecções virais como a mononucleose infecciosa, papeira, rubéola, produzem uma

leucocitose por um aumento absoluto do número de linfócitos – Linfocitose. Num outro grupo

de patologias, que inclui a asma brônquica, febre do feno, e infecções parasitárias, verifica-se

um aumento absoluto do número de eosinófilos, originando uma Eosinofilia. Certas infecções -

Febre Tifóide e Infecções Virais, Riquétsias e alguns Protozoários - estão associados a uma

diminuição do número de glóbulos brancos circulantes - Leucopenia.

Outras manifestações da resposta de fase aguda resposta incluem o aumento da frequência

cardíaca e da pressão arterial, a diminuição da sudorese, principalmente devido ao

redirecionamento do fluxo sanguíneo cutâneo para profundidade dos leitos vasculares, para

minimizar a perda de calor através da pele; calafrios, arrepios, anorexia, sonolência e mal

estar, provavelmente por causa das ações das citocinas sobre as células cerebrais. Em

infecções bacterianas graves – Sepsis -, as grandes quantidades de microrganismos e LPS no

sangue estimulam a produção de quantidades enormes de várias citocinas, nomeadamente

TNF e IL-1. Níveis elevados de TNF causam coagulação intravascular disseminada (DIC). A

Trombose Simultânea resulta de duas reacções: o LPS e o TNF induzem a expressão de Factor

Tecidual (FT) nas células endoteliais, o que inicia a coagulação, os mesmos agentes inibem os

mecanismos de anticoagulação naturais, diminuindo a expressão do Factor Tecidual Inibidor

da Via (TFPI) e Trombodulina Endotelial. As citocinas podem causar lesão hepática e

insuficiência hepática, resultando numa falha do manter dos níveis normais de glicemia devido

a uma falta de neoglicogénese a partir do glicogénio armazenado. A superprodução de NO por

miócitos cardíacos activados por citocinas e células musculares lisas vasculares leva à

insuficiência cardíaca e à perda da pressão de perfusão, respectivamente, resultando num

choque hemodinâmico. A tríade clínica de DIC, hipoglicemia, insuficiência cardiovascular é

descrita como choque séptico.

Os pulmões e fígado são especialmente susceptíveis a danos por neutrófilos. A lesão pulmonar

na resposta inflamatória sistémica, vulgarmente denominada de Síndrome do Dificuldade

Respiratória do Adulto (SARA), é consequência da lesão endotelial mediada pelos neutrófilos

que permite que o fluido escape do sangue para o espaço aéreo. O rim e o fígado estão

frequentemente afectados nesta situação, podendo mesmo conduzir a quadros graves e

consequentemente a morte do indivíduo.

Consequência da Ausência ou Excesso na Inflamação

É útil para resumir o quadro clínico e patológico das consequências da inflamação, quer por

ausência, quer por ecesso.

Page 86: Sebenta Da Estrelinha

Diminuição da Resposta Inflamatória, que conduz normalmente a um aumento da

susceptibilidade às infecções e atraso na cicatrização de feridas e lesão tecidual. A

susceptibilidade a infecções reflecte o papel fundamental da resposta inflamatória do

hospedeiro na defesa, e é a razão pela qual esta resposta é um componente central dos

mecanismos de defesa que os imunologistas denominam Imunidade Inata. O atraso na

reparação deve-se ao facto de que a resposta inflamatória é essencial para limpar os tecidos

danificados e os detritos, o que proporciona o impulso necessário para começar o processo de

reparo.

Por outro lado, um Excesso da Resposta Inflamatória é a base de muitas categorias de

doenças humanas. Está bem estabelecido que as alergias, em que os indivíduos não regulam as

respostas imunitários contra antigénios ambientais comuns, e as doenças auto-imunitários, em

que respostas imunitários são normalmente contra os auto-antigénios; sendo doenças em que

a causa fundamental da lesão tecidual é a inflamação. Porém, estudos recentes estão a

apontar para um importante papel da inflamação numa ampla variedade de doenças humanas

que não são principalmente desequilíbrios do sistema imunitário. Estas incluem o cancro, a

aterosclerose e as doenças isquémicas do coração, bem como algumas doenças

neurodegenerativas (ex. Doença de Alzheimer). Além disso, a fibrose e inflamação prolongada

que a acompanha são responsáveis por grande parte da patologia crónica em muitas doenças

infecciosas, metabólicas e outras doenças.

Renovação e Reparação Tecidual: Regeneração, Cicatrização e Fibrose

A capacidade do corpo de substituir células mortas ou danificadas, bem como para reparar

tecidos após a inflamação é fundamental para a nossa sobrevivência. Quando os agentes

prejudiciais lesam células e tecidos, o hospedeiro responde por definição como uma série de

eventos que servem para eliminar estes agentes, conter os danos, bem como preparar as

células sobreviventes para a replicação. A reparação do dano tecidual causado pela ressecção

cirúrgica, feridas, e diversos tipos de lesões crónicas pode ser amplamente dividida em dois

processos: Regeneração e Cicatrização. A regeneração resulta na restituição das perdas de

tecido; a cicatrização tenta restaurar as estruturas originais mas envolve a deposição de

colagénio e a formação de cicatriz.

Definições

A Regeneração refere-se ao crescimento das células e tecidos para substituir as estruturas

perdidas, tais como o crescimento de um membro amputado em anfíbios. Nos mamíferos, os

órgãos e todos os tecidos complexos raramente regeneram após a cura, este termo é

geralmente aplicado a processos tais como o crescimento hepático e renal após,

respectivamente, a hepatectomia parcial e nefrectomia unilateral. Estes processos consistem

num crescimento compensatório, em vez de verdadeira regeneração.

A Reparação é geralmente num tecido resposta a:

- Uma ferida;

- Processos Inflamatórios nos Órgãos Internos;

- Células Necróticas em Órgãos incapazes de regenerar.

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Nesta definição ampla de reparação, deve-se incluir também outros padrões, tais como a

aterosclerose, considerada como uma tentativa de curar a lesão da parede arterial. A

reparação consiste em proporções variáveis de dois processos distintos: regeneração, e na

deposição de tecido fibroso, ou formação de cicatriz. As feridas superficiais, tais como uma

ferida cutânea que apenas danificou o epitélio, pode curar por regeneração epitelial. Feridas

cutâneas incisionais e excisionais levam a danos que atingem a derme, como tal a sua

reparação é feita através da formação de uma cicatriz de colagénio. A cicatrização ocorre

também no miocárdio após um enfarte, como tal o tecido original não é reconstituído e é

substituída por colagénio. Algumas situações inflamatórias da pleura, peritoneu e pericárdio

podem muitas vezes ser resolvidas através da formação de cicatriz, com a criação de

aderências entre as camadas visceral e parietal destes tecidos. Lesões persistentes e

inflamação crónica podem igualmente levar à cicatrização em órgãos internos, como ocorre no

estômago úlceras causadas por infecção crónica com Helicobacter pylori. Uma extensa fibrose

também está presente na cirrose do fígado e em algumas formas doença pulmonar induzida

pelo carvão ou pela sílica.

A regeneração dos tecidos intactos exige um molde; em contrapartida, a reparação com

formação de cicatriz ocorre quando a matriz extracelular é danificada, causando alterações na

arquitectura do tecido. A estrutura da matriz extracelular é essencial para a cicatrização de

feridas, porque fornece o quadro para a migração celular e permite manter a polaridade

correcta das célula para a re-montagem de estruturas com multicamadas. Além disso, as

células do MEC (ex. Fibroblastos, Macrófagos, etc) são a fonte de agentes que são críticos para

a reparação tecidual.

Os processos de reparação são críticos para a manutenção normal da estrutura, função e

sobrevivência do organismo. A cicatrização de feridas cutâneas e várias outras situações

mencionadas acima são apenas os exemplos mais comuns de processos de reparação. No

entanto, em tecidos saudáveis, a reparação, sob a forma de regeneração e cicatrização, ocorre

depois de praticamente qualquer estímulo que provoque a destruição tecidual.

Controlo Normal da Proliferação e Crescimento Tecidual

Nos tecidos adultos, o tamanho das populações de células é determinado pela taxa de

proliferação celular, diferenciação e morte por apoptose. A apoptose é um processo fisiológico

necessários para homeostase tecidual, mas também pode ser induzida por uma variedade de

estímulos patológicos. O impacto da diferenciação depende das circunstâncias em que ocorre.

Os miócitos e os neurónios são considerados células terminalmente diferenciadas, isto é, estão

numa fase final de diferenciação e não são capazes de se replicar. Em alguns tecidos adultos,

tais como fígado e rim, células diferenciadas são normalmente quiescentes mas são capazes de

multiplicar-se quando necessário. Em tecidos proliferativos como a medula óssea e epitélios os

da pele e intestino, as células são terminalmente diferenciadas, de curta duração, e incapazes

de replicação, mas elas podem ser substituídas por novas células resultantes de células

estaminais. Assim, nesses tecidos, há um equilíbrio homeostático entre a proliferação de

células estaminais, a sua diferenciação e morte de células diferenciadas e já maturadas.

A Proliferação Celular pode ser estimulada por condições fisiológicas e patológicas. A

proliferação das células endometriais sob estimulação dos estrogénios durante o ciclo

menstrual e a replicação de células da glândula tiróide por estimulação da TSH que aumenta

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durante a gravidez são exemplos de proliferação fisiológica. Muitas condições patológicas, tais

como feridas, morte celular, alterações mecânicas também estimulam a proliferação celular.

Estímulos fisiológicos podem tornar-se excessivo, criando condições patológicas, como é

exemplo da hiperplasia nodular prostática resultante da estimulação excessiva. A proliferação

celular é largamente controlada por sinais - solúvel ou contacto-dependente - a partir do

microambiente que pode estimular ou inibir a proliferação celular. Um excesso de

estimuladores ou uma deficiência de inibidores leva ao crescimento e, no caso do cancro, este

torna-se descontrolado. Embora o crescimento acelerado possa ser conseguido através de

uma redução do tempo do ciclo celular, o mecanismo mais importante de crescimento é a

conversão das células em repouso ou quiescentes a células proliferativas, fazendo as células

entrar no ciclo celular.

Actividade Proliferativa dos Tecidos

O ciclo celular consiste nas fases G1 (Pré-Síntese), S (Síntese do DNA), G2 (Pré-Mitose), e M

(Mitose). As células quiescentes estão num estado fisiológico denominado G0. Os tecidos

podem ser composto principalmente por células quiescentes em G0, mas os tecidos mais

complexos contêm uma combinação de células que se estão dividindo continuamente, outras

terminalmente diferenciadas, as células estaminais, e por fim células quiescentes, que

ocasionalmente entram no ciclo celular.

Os tecidos do corpo são divididos em três grupos, com base na sua actividade proliferativa:

- Tecidos Continuamente em Divisão ou Tecidos Lábeis, as suas células proliferam por toda a

vida, substituindo aquelas que são destruídos. Estes tecidos incluem a superfície dos epitélios,

o revestimento da mucosa de todos os ductos excretores das glândulas do organismo, o

epitélio colunar do tracto gastrointestinal e útero, o epitélio de transição do tracto urinário, e

as células da medula óssea e tecidos hematopoiéticos. Na maioria desses tecidos as células

maduras são derivados de células estaminais, que têm uma capacidade ilimitada de proliferar

e cujos descendentes podem sofrer diversas correntes de diferenciação;

- Tecidos Quiescentes ou Estáveis, estes tecidos têm normalmente um baixo nível de

replicação, no entanto, as células deste tecidos podem sofrer uma rápida divisão em resposta

a estímulos e são, portanto, capazes de reconstituir o tecido de origem. Pensa-se que se

encontrem na fase G0 do ciclo celular, mas que podem ser estimulada a entrar G1. Nesta

categoria estão as células do parênquima hepático, renal e pancreático, as células

mesenquimais (ex. Fibroblastos e Músculo Liso), células endoteliais vasculares, bem como

linfócitos e outros leucócitos. A capacidade de regeneração de células estáveis tem como

exemplo paradigmático a capacidade de regeneração do fígado após hepatectomia parcial e

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após lesão aguda química;

- Tecidos Não-Diviseis ou Permanentes, estes tecidos contêm células que abandonaram o

ciclo celular e como tal não podem sofrer divisões mitótica na período pós-divisão. A este

grupo pertencem neurónios e as células musculares esqueléticas e cardíacas. Se os neurónios

no sistema nervoso central são destruídos, o tecido é geralmente substituída pela proliferação

dos elementos de suporte do sistema nervoso central - Células da Glia. No entanto, estudos

recentes mostram que a neurogénese de células estaminais adultas podem ocorrer no

cérebro. Embora as células maduras do músculo esquelético, não possam replicar-se, o

músculo esquelético tem alguma capacidade regenerativa, através da diferenciação das células

satélites que estão ligados às bainhas do endomísio.

Células Estaminais

O entusiasmo com a investigação sobre células estaminais resulta da esperança de que um dia

possam ser usadas para reparar danos nos tecidos humanos, incluindo o coração, cérebro e

músculo esquelético.

As células estaminais são caracterizadas pela sua capacidade de auto-renovação, bem como

pela replicação assimétrica. A Replicação Assimétrica descreve uma propriedade especial das

células estaminais, ou seja, em cada divisão celular, uma das células mantém a sua capacidade

de auto-renovação, enquanto a outra entra num processo de diferenciação e é convertida a

uma célula madura, formação um população não-divisível. Assim, dentro de um grupo de

células estaminais, algumas auto replicam-se e outras diferenciam-se. As células estaminais

foram primeiramente identificadas como células pluripotentes de embriões, e estas foram

chamados de células estaminais embrionárias. É agora claro que as células estaminais estão

presentes em muitos tecidos de animais adultos e contribuiem para a manutenção da

homeostase tecidual. É importante salientar que estas células de modo a minimizarem os

erros genéticos mantêm no seu genoma sempre uma dupla cadeira de DNA que contenham

Page 90: Sebenta Da Estrelinha

uma cadeia original, ou seja, a célula que permanece com estaminal contém sempre pelo

menos um cadeia original de DNA.

Embora o desenvolvimento de marcadores específicos para reconhecer as células estaminais

seja um desafio permanente, uma série de novas observações têm revolucionado a

investigação em células estaminais. Entre estas contam-se:

- A identificação de células estaminais e os seus nichos em diversos tecidos, incluindo o

cérebro, o qual tem sido considerado um órgão sem capacidade de divisão;

- O reconhecimento de que as células estaminais a partir de vários tecidos, especialmente a

partir da medula óssea, têm uma ampla plasticidade de desenvolvimento;

- A constatação de que algumas células presentes em tecidos de seres humanos e morganhos

podem ser semelhantes às células estaminais embrionárias.

Células Estaminais Embrionárias (ES)

Os embriões contêm células estaminais embrionárias (ES) ou seja, células pluripotentes, que

podem dar origem a todos os tecidos do corpo humano. As células ES podem ser mantidas em

cultura de células indiferenciadas como linhas ou ser induzidas a diferenciarem em diversas

linhagens. A pluripotência das células ES pode estar relacionada com a expressão de factores

de transcrição únicos nestas células, como a proteína recentemente denominada homeobox.

Estudos recentes também implicam a via de sinalização Wnt-β-catenin na manutenção da

pluripotência.

As técnicas para a manipulação genética de células ES têm-se expandido enormemente no

âmbito de produzir anomalias genéticas que são específicas para um único tecido e

"deficiências genéticas condicionais", isto é, deficiências de um gene quem pode ser ligada e

desligada em animais adultos. Morganhos knockout tornaram-se amplamente utilizados como

modelos experimentais para o estudo de doenças humanas e fornecem informações essenciais

sobre a função genética in vivo.

As células ES poderão, no futuro, ser utilizados para repovoar órgão danificados. Alguns destes

feitos já foram conseguidos, nomeadamente a repovoção de pâncreas com células produtoras

de insulina, embora a eficácia desses procedimentos nas doenças humanas ainda não seja

conhecida, existe ainda um intenso debate sobre as questões éticas associadas a este tipo de

terapia, que é conhecida como clonagem terapêutica.

Células Estaminais Adultas

Demonstrou-se que em muitos tecidos de

animais adultos contêm reservatórios de células

estaminais, denominando-se células estaminais

adultas. Comparadas com as células ES, que são

pluripotentes, as células estaminais adultas têm

uma capacidade de diferenciação mais restrita e

geralmente são específicas para uma linhagem.

No entanto, a investigação sobre células

estaminais revelou que as células estaminais da medula óssea possuem com amplo potencial

diferenciação e, que talvez, possam existir noutros tecidos. As células estaminais fora da

medula óssea são referidas genericamente como Células Estaminais Teciduais.

Page 91: Sebenta Da Estrelinha

As células estaminais estão localizados em locais denominados nichos, sendo diferentes entre

os vários tecidos. Por exemplo, no trato gastrointestinal, estão localizadas no istmo do das

glândulas e na base das criptas do cólon e estômago.

Em virtude da fácil acessibilidade à medula óssea e da necessidade de substituir células

hematopoéticas em muitas situações clínicas, tem havido grande interesse em estudar as

células estaminais da medula óssea. É hoje reconhecido que a medula óssea contém células

estaminais hematopoiéticas (HSCs), bem como células do estroma capazes de se diferenciarem

em diversas linhagens. As HSCs podem gerar todas as células do sangue e podem ainda

reconstituir a medula óssea após a destruição causada por doença ou irradiação. As células

estromais da medula óssea, dependendo do tecido

ambiente, podem gerar condrócitos, osteoblastos,

adipócitos, mioblastos, e precursores de células

endoteliais. Uma observação importante sobre as HSCs

é que elas podem ser capazes de dar origem a

neurónios, hepatócitos, e outros tipos celulares.

Uma alteração na diferenciação de células estaminais a

partir de um tipo de célula para outra é chamado

Transdiferenciação, bem como a multiplicidade de

opções diferenciação de células estaminais é conhecido

como Plasticidade Desenvolvimental.

Além disso, embora as HSC possam ser capazes de substituir células de tecidos danificados,

elas não parecem desempenhar um papel na manutenção destes tecidos sob condições

fisiológicas - Estado Estacionário. É também possível que a principal contribuição das células

derivadas de medula óssea para a reparação de não-tecidos hematopoiéticos não seja a

formação de células para estes tecidos. Em vez disso, as células estaminais podem produzir

factores de crescimento e as citocinas que actuam sobre as células do tecido, promovendo a

reparação da lesão de reparação e a replicação celular.

A medula óssea adulta também abriga uma população heterogénea de células estaminais, que

parece ter amplas capacidade de desenvolvimento. Estas células, denominadas Células

Progenitoras Adultas Multipotentes, ou MAPCs, foram isoladas da medula óssea de humanos

após o nascimento e roedores. Elas proliferam em cultura sem senescência, e podem

diferenciar-se em nos tipos celulares da mesoderme, endoderme e neuroectodeme.

Curiosamente, as MAPCs não estão confinados a medula óssea, têm sido isoladas no músculos,

cérebro e pele, e, à semelhança das MAPCs da medula óssea, podem ser induzidas a

diferenciarem-se em endotélio, neurónios, hepatócitos e outros tipos celulares. As MAPCs

isoladas a partir da medula óssea, músculo e cérebro têm expressão génica muito

semelhantes, sugerindo que podem ter uma origem comum. Foi proposto que MAPCs

constituem uma população de célula s estaminais derivadas, ou intimamente relacionadas, das

Células Estaminais Embrionárias. Se este ponto de vista é correto, o que tem sido referido

como transdiferenciação e plasticidade das células estaminais em tecidos adultos pode

realmente representar o processo de diferenciação das Células Estaminais Embrionárias

Multipotentes. Não se sabe se um único tipo de células estaminais adultas da medula óssea é

capaz de gerar todos as linhagens, ou se, alternactivamente, existem vários tipos de células

estaminais na medula óssea, cada grupo confinado a uma linhagem celular.

Papel das Células Estaminais na Homeostasia

Page 92: Sebenta Da Estrelinha

Além de células da medula óssea que podem migrar para diversos tecidos após a lesão, as

células estaminais adultas residem permanentemente na maioria dos órgãos. Estas células

podem gerar as células dos órgãos em que residem. No entanto, a sua diferenciação é

comprometida quando são transplantadas para um tecido diferente.

- Fígado, depois de muitos anos de debate, é hoje reconhecido que o fígado contém células

estaminais nos canais de Hering. As células localizadas neste nicho podem dar origem a uma

população de células precursoras conhecidas como células ovais, sendo estas progenitores

bipotentes, capazes de se diferenciarem-se em hepatócitos e células biliares. Em contraste

com as células estaminais nos tecidos em proliferação, as células estaminais hepáticas

funcionam como um compartimento secundário de reserva activado somente quando a

proliferação dos hepatócitos é bloqueada. Nos processos de crescimento hepático, como é o

caso da regeneração hepática após hepatectomia, e no crescimento após a maioria dos tipos

de lesão aguda necrozante, os hepatócitos replicam-se facilmente por si só, sem que células

estaminais sejam activada. Por outro lado, a proliferação das células ovais e a sua

diferenciação são predominantes no fígado de pacientes que recuperam de uma insuficiência

hepática fulminante, na carcinogénese hepática, e em alguns casos de hepatite crónica e

cirrose hepática avançada; nestas situações em que a proliferação dos hepatócitos pode ser

lento ou bloqueada, predomina a diferenciação das células ovais;

- Cérebro, este é o protótipo de um tecidos não-proliferativo em mamíferos. No entanto,

actualmente este dogma é dado como incorrecto, o que se comprova pelo facto de a

neurogénese ocorrer em algumas áreas do cérebro adulto. As células estaminais neuronais

foram identificadas em duas áreas do cérebro adulto do roedor: o bulbo olfactivo e a

cirvunvolução dentada do hipocampo. O Filamento Intermédio Nestina pode ser usado como

um marcador para identificar estas células por métodos histoquímicos. Em algumas espécies

de aves, em particular nos Canários, em que neurogénese no cérebro adulto foi descrita pela

primeira vez, a neurogénese no centro vocal é necessária para a capacidade do pássaro de

cantar. Existe agora a prova de que recentemente neurónios do hipocampo marcados em

mamíferos são funcionalmente integrados nos circuitos. No entanto, continua a ser um enigma

até que ponto a neurogénese no cérebro adulto aumenta o “poder cerebral” ou melhora a as

nossas capacidades;

- Músculo Esquelético e Cardíaco, em contraste com hepatócitos, os miócitos do músculo

esquelético não se dividem, mesmo após a lesão. O crescimento e regeneração do músculo

esquelético lesado ocorre por replicação células satélites. Estas células, localizam-se abaixo da

lâmina basal do miócito, constituem uma reserva de recrutamento de células que podem gerar

miócitos diferenciados após a lesão. Estas células colocadas em ambientes diferentes, podem

ser osteogénicas e adipogénicas. As células estaminais não foram encontrados no músculo

cardíaco, embora tenha sido proposto que o coração possa conter células do tipo progenitor.

- Renovação do Tecido Epitelial, a auto-renovação dos epitélios contem células estaminais,

sendo células altamente proliferativas que constituem um compartimento de amplificação, e

células em diferentes estádios de diferenciação. As células terminalmente diferenciadas não se

dividem e são continuamente perdida na superfície externa do epitélio. Após a lesão, a auto-

renovação dos epitélios completa as seguintes três estratégias:

- Aumento do número de células estaminais através da divisão activa;

- Aumento do número de replicações da células do compartimento de amplificação;

- Diminuir o tempo do celular ciclo para a replicação.

Page 93: Sebenta Da Estrelinha

A chave para estes processos é a regulação da proliferação celular, que é mantido sob rigoroso

controle fisiológico. A proliferação celular geralmente é iniciada pela acção de factores de

crescimento.

Factores de Crescimento

Existe um grande número de factores de crescimento polipeptídicos, alguns dos quais actuam

em vários tipos celulares, e outros têm alvos celulares restritos. Além de estimularem a

proliferação celular, os factores de crescimento também podem ter efeitos sobre a locomoção,

contractilidade, diferenciação e angiogénese celular, actividades que podem ser tão

importantes como o seu crescimento.

Os principais factores de crescimento são:

- Factor de Crescimento Epidérmico (EGF) e o Transforming Growth Factor-α (TGF-α), estes

dois elementos pertencem à família EGF e compartilham um receptor comum. O EGF foi

descoberto devido à sua capacidade de causar erupção dentária precoce e abertura da

pálpebra em morganhos recém-nascidos. O EGF é mitogénico para uma grande variedade de

células epiteliais, hepatócitos e fibroblastos. Este factor encontra-se amplamente distribuído

nos tecidos, fluidos e secreções, tais como suor, saliva, urina e conteúdo intestinal. Na

cicatrização de feridas na pele, o EGF é produzido pelos queratinócitos, macrófagos e outras

células inflamatórias que migram para a área. O TGF-α foi inicialmente extraído de células de

sarcomas transformados por vírus e está envolvido na proliferação celular epitelial em

embriões e adultos, bem como na transformação maligna das células normais. O TGF-α tem

homologia com FEG, liga-se ao EGFR, e produz a maior parte das actividades biológicas da EGF;

- Factor de Crescimento do Hepatócito (HGF). O HGF foi originalmente isolado de plaquetas e

soro. Estudos posteriores demonstraram que é idêntico a um factor de crescimento

identificado anteriormente conhecido como Scatter Factor.. Tem efeitos mitogénicos na

maioria das células epiteliais, incluindo hepatócitos e células do epitélio biliar no fígado, bem

como células epiteliais do pulmão, mama, pele, e outros tecidos. Além dos seus efeitos

mitogénicos, o HGF age como um morfogene em células embrionárias durante

desenvolvimento e promove a dispersão e migração celular. Este factor é produzido por

fibroblastos, células endoteliais e células hepáticas não pertencentes ao parênquima. O

receptor de HGF é o produto do proto-oncogene c-MET, que se encontra frequentemente

sobreexpressado em tumores humanos. A sinalização via HGF é necessária para a

sobrevivência durante o desenvolvimento embrionário, o que ficou demonstrado com a

letalidade de ratos knockout para o gene c-MET;

- Factor de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF), pertence a uma família de péptidos que

incluem o VEGF-A, VEGF-B, VEGF-C, VEGF-D, e o Factor de Crescimento Placentário. O VEGF é

um potente indutor da formação dos vasos sanguíneos no início do desenvolvimento –

Vasculogénese - e tem um papel central no crescimento de novos vasos sanguíneos –

Angiogénese - em adultos. Promove a angiogénese em tumores, inflamação crónica, e

cicatrização de feridas. VEGF-B liga-se exclusivamente à VEGFR-1, não se encontra associado à

vasculogénese ou à angiogénese, mas pensa-se que possa desempenhar um papel na

manutenção da função miocárdica;

- Factor de Crescimento Derivado das Plaquetas (PDGF), pertence a uma família de proteínas

estreitamente relacionadas entre si, mas cada uma delas constituída por duas cadeias

Page 94: Sebenta Da Estrelinha

designadas A e B. Todas as três isoformas de PDGF (AA, AB e BB) são secretadas e são

biologicamente activas. As isoformas de PDGF exercem os seus efeitos através da ligação a

dois receptores da superfície celular, designada PDGFR α e β, que têm diferentes

especificidades. O PDGF é armazenado em grânulos-α plaquetários e é libertado durante a

activação plaquetária. Também podem ser produzidos por um conjunto de outras células,

incluindo macrófagos activados, células endoteliais, células musculares lisas, e muitas células

tumorais. O PDGF provoca a migração e proliferação de fibroblastos, células musculares lisas,

monócitos e, como demonstrado por defeitos nessas funções em morganhos deficientes em

um ou ambos as cadeia B do PDGF, também participa na activação de células hepáticas

estreladas nos primeiros passos da fibrose hepática;

- Factor de Crescimento dos Fibroblastos (FGF), esta família de factores de crescimento

contem mais de 10 membros, dos quais uns possuem propriedade ácidas e outros básicas.

Quando libertados, os FGFs associam-se ao sulfato de heparano na MEC, que pode servir como

um reservatório para armazenar estes factores de forma inactiva. Existe um grande número de

funções que são atribuídas ao FGFs, incluindo as seguintes:

- Formação de Novos Vasos Sanguíneos (Angiogénese): o FGF-2, em particular, tem a

capacidade de induzir os passos necessários para a formação novos vasos sanguíneos tanto in

vivo e in vitro;

- Reparação: os FGFs participam na migração dos macrófagos, fibroblastos, e células

endoteliais em tecidos danificados, bem como na migração do epitélio para formar novas

camadas de epiderme;

- Desenvolvimento: os FGFs desempenham um papel no desenvolvimento do músculo

esquelético e na maturação pulmonar;

- Hematopoiese: os FGFs têm sido implicados na diferenciação de linhagens específicas de

células sanguíneas e no desenvolvimento do estroma da medula óssea.

- TGF-β e Factores de Crescimento Relacionados, o TGF-β pertence a uma família de

polipeptídeos homólogos que inclui três isoformas TGF-β (TGF-β1, TGF-β2, TGF-β3) e factores

com ampla funções, tais como Proteínas Morfogenéticas Ósseas (BMPs), activinas, inibinas , e

Substância Inibitória Mullariana . O TGF-β é uma proteína homodimérica produzida por uma

grande variedade de diferentes tipos celulares, incluindo plaquetas, células endoteliais,

linfócitos e macrófagos. Este factores são sintetizadas como precursores de proteínas, que são

secretadas e então proteoliticamente clivados para produzirem o factor de crescimento

biologicamente activo e um segundo componente latente. O TGF-β tem efeitos múltiplos e

muitas vezes opostos, dependendo do tecido e do tipo de lesão. Agentes que têm vários

efeitos são designados pleiotrópicos, podemos então salientar os seguintes efeitos:

- O TGF-β é um inibidor do crescimento para a maioria dos tipos de células epiteliais e para os

leucócitos. Este factor bloqueia o ciclo celular através do aumento da expressão de inibidores

do ciclo celular. A perda dos Receptores do TGF-β ocorre frequentemente em tumores

humanos, proporcionando uma vantagem proliferativa às células tumorais;

- Os efeitos do TGF-β em células mesenquimais dependem da concentração e das condições de

cultura, que, na maior parte dos casos estimula a proliferação de fibroblastos e de células

musculares lisas;

- TGF-β é um potente agente que estimula a quimiotaxia de fibroblastos, aumentando a

produção de colagénio, fibronectina e proteoglicanos. Inibe ainda a degradação do colagénio

diminuindo as proteases da matriz e aumentando o inibidor a actividade do inibidor das

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proteases. O TGF-β está envolvido no desenvolvimento de fibrose, numa variedade de

condições inflamatórias crónicas, em especial os pulmões, rins e fígado;

- OTGF-β tem um forte efeito anti-inflamatório. O que se pensa estar associado a uma

abundante proliferação linfocitária, presumivelmente devido à desregulação da proliferação

de células T e activação macrofágica, na ausência deste factor.

- Citocinas, têm funções importantes como mediadores da inflamação e resposta imunitário.

Algumas destas proteínas podem ser colocadas no grupo dos factores de crescimento, porque

possuem acções que promovem o crescimento.

Mecanismos de Sinalização no Crescimento Celular

Todos os factores de crescimento actuam através da ligação a receptores específicos, que

produzem sinais para as células-alvo. Estes sinais têm dois efeitos gerais:

- Estimulam a transcrição de muitos genes que

estavam silenciados nas células em repouso;

- Vários destes genes regulam a entrada das células

no ciclo celular e da sua passagem pelas diferentes

fases do ciclo celular.

A proliferação celular é um processo regulado

firmemente que envolve um grande número de

moléculas e caminhos interligados. O primeiro

evento que desencadeia a proliferação celular é,

geralmente, a ligação de uma molécula

sinalizadora, o ligante, ao receptor de uma célula

específica.

Com base na fonte do ligante e na localização de

seus receptores na própria célula, adjacente, ou

distantes, distinguimos três modos de sinalização:

- Autócrina, as células respondem às moléculas

sinalizadoras que elas próprias secretam, criando

assim um ciclo autócrino. Diversos factores de

crescimento e as citocinas polipeptídicas agem

desta forma. A regulação autócrina do crescimento

desempenha um papel importante na regeneração hepática, na proliferação de linfócitos

antigénio-estimulados, bem como o crescimento de alguns tumores. Os tumores

frequentemente produzem um excesso de factores de crescimento e dos seus receptores,

estimulando dessa forma a sua própria proliferação autócrina através de um circuito fechado;

- Parácrina, um tipo de célula produz o ligante, este por sua vez actua nas células adjacente

que expressam o receptor adequado. As células que respondem estão estreitamente próximas

das células produtoras do ligante e são geralmente de um tipo diferente. A estimulação

parácrina é comum na reparação do tecido de cicatrização de feridas, em que um factor

produzido por um tipo de células (ex. Macrófagos) tem o seu efeito sobre o crescimento

células adjacentes (ex. Fibroblasto). A sinalização parácrina é igualmente necessária para a

replicação dos hepatócitos durante a regeneração hepática. Um tipo especial de sinalização

parácrina - justácrina - ocorre quando a molécula sinalizadores está ancorada na membrana

Page 96: Sebenta Da Estrelinha

celular e liga-se a um receptor na membrana plasmática de outra célula. Neste tipo de

sinalização, a interacção receptor-ligando é dependente e promove a adesão célula-célula;

- Endócrina, as hormonas são sintetizados por células de órgãos endócrinos e agem sobre

células-alvo distantes do seu local de síntese, sendo geralmente transportados pelo sangue. Os

factores de crescimento também podem circular e agir em locais distantes, como é o caso do

HGF. Várias citocinas, tais como aquelas associadas com a inflamação sistémica, também

actuar como agentes endócrinos.

Revisão sobre os Receptores dos Factores de Crescimento e as Vias de Sinalização

A ligação de um ligante ao seu receptor desencadeia uma série de acontecimentos, através

dos quais os sinais extracelulares são transduzidos na célula e modulam as alterações na

expressão génica. Uma forma comum de ligante-receptor interacção envolve a dimerização ou

trimerização das moléculas do receptor; uma molécula única do receptor também pode

converter sinais, mas normalmente fá-lo após recrutamento e anexando proteínas

adaptadoras citoplasmáticas. Os receptores localizam-se geralmente na superfície da célula

alvo, mas também pode ser encontrado no citoplasma ou núcleo. Um receptor proteico tem

um carácter vinculativo específico para ligantes particulares, sendo que os resultados da

formação do complexo receptor-ligante podem desencadear respostas celulares específicas ou

múltiplas.

Em seguida iremos resumir as principais características dos principais tipos de receptores:

- Receptores com Actividade Tirosina Quinase Intrínseca, os ligantes para receptores com

actividade tirosina quinase incluem os factores de crescimento, como EGF, TGF-α, HGF, PDGF,

VEGF, FGF, ligando c-KIT, e insulina. Os receptores pertencentes a esta família tem um domínio

extracelular, uma região transmembranar e uma cauda citoplasmática que possui actividade

tirosina quinase intrínseca. A ligação do ligante induz a dimerização do receptor, fosforilação

Page 97: Sebenta Da Estrelinha

da tirosina e activação do receptor tirosina quinase. A cinase já activa tem capacidade para

fosforilizar e, assim, activar, muitas das moléculas efectoras. Os resíduos fosforilados no

receptor também servem como local de ligação para as moléculas adaptadoras que se ligam às

moléculas efectoras. As moléculas efectoras incluem a fosfolipase Cγ (PLCγ) e PI-3 quinase. A

PLCγ catalisa a degradação fosfolípidos inositol da membrana em dois produtos-inositol

trifosfato (IP3), este permite aumentar a concentração de mais uma importante molécula

efectora, o cálcio, e o diacilglicerol. Estes irão activar a proteína quinase serina-treonina

quinase C (PKC), que, por sua vez, activa vários factores de transcrição. A PI-3 quinase

fosforiliza fosfolipídos da membrana, gerando produtos que activam a quinase Akt. A Akt está

envolvida na proliferação celular e na inibição da apoptose, sendo um intermediário-chave na

transdução do sinal da insulina pela via mediada pela PI-3K55. Como mencionado acima, os

resíduos fosforilados no receptor também funcionam como locais de ligação para as proteínas

adaptadoras que são capazes de se ligar outras proteínas efectoras. Uma dessas proteínas é o

adaptador GRB-2, que se liga a uma GTP-SOS. A SOS actua sobre a proteína RAS e catalisa a

formação de RAS-GTP, o que desencadeia a a actividade mitogénica da cascara da MAP

Quinase. Esta cascata vai estimular a síntese e fosforilação de factores de transcrição, tais

como o FOS e JUN. Este factores por sua vez irão estimular a produção de factores de

crescimento, receptores destes factores de crescimento, e as proteínas que controlam

directamente a entrada das células no ciclo celular;

- Receptores sem Actividade Tirosina Quinase Intrínseca que Recrutam Quinases, os ligantes

para estes receptores incluem várias citocinas, como a interleucina-2 (IL-2), IL-3, e outras

interleucinas, interferons α, β e γ; eritropoetina, factor estimulante de colónias de

granulócitos; secreção da hormona do crescimento e prolactina. Esses receptores transmitem

sinais extracelulares ao núcleo pela activação de proteínas membros da família JAK (Janus

cinase).O JAK liga-se a receptores citoplasmáticos e activa factores de transcrição

denominados STATS, os quais se dirigem para o núcleo e vão activar a transcrição de

determinado genes. Os Receptores de Citocinas também pode produzir o seu efeito através de

outras vias, tais como a via MAP Quinase;

Page 98: Sebenta Da Estrelinha

- Receptores Acopolados à Proteína G com Sete Domínios Transmembranares, estes

receptores foram assim denominados porque contêm sete domínios transmembranares de α-

hélice. Estes receptores constituem a maior família de receptores da membrana plasmática e

transmitem os sinais para a célula através Proteínas Triméricas Acopuladas ao GTP. Um grande

número de ligantes transmitem o sinal através deste tipo de receptor, incluem a vasopressina,

serotonina, histamina, adrenalina e noradrenalina, calcitonina, glucagonina, hormona

paratireóideia, corticotrofina, rodopsina, e um número enorme de fármacos. A ligação do

ligante induz alterações na conformação do receptor, causando a sua activação e permitindo

sua interacção com as diversas Proteínas-G. A activação da proteínas-G ocorre pela troca do

GDP, presente na proteína inactiva, pelo GTP, na proteína activa. Como segundos mensageiros

desta via de transdução de sinal temos o cálcio e o cAMP. Os sinais de cálcio, que são

geralmente oscilatórios, têm uma multiplicidade de objectivos, incluindo alterações no

citoesqueleto, bombas de cloreto-potássio, tais como enzimas calpaína, proteínas e cálcio-

vinculativas, como calmodulin. O cAMP activa um conjunto de metas mais restritas que

incluem a proteína quinase A e os canais iónicos dependentes do cAMP, tendo uma

importante função na visão e olfacto;

- Receptores das Hormonas Esteroides, os ligantes para estes receptores difundem-se através

da membrana celular e ligam-se a receptores localizados no núcleo, ou com menor frequência

no citoplasma. Os receptores desta família são factores de transcrição que se ligam um ligante

e activam a transcrição. O Receptor dos Estrogénios são importante no cancro da mama,

estando localizada no citoplasma. Além das hormonas esteróides, outros ligantes que ligam a

estes receptores incluem a hormona tireóideia, a vitamina D e os retinóides. Um grupo de

receptores pertencentes a esta família são denominados Receptores da Actividade

Proliferativa do Peroxissoma (PPARs), estes estão envolvidos numa ampla gama de respostas

que incluem diferenciação celular e adipogénese.

Factores de Transcrição

Muitos dos sistemas de transdução do sinal utilizados pelos factores de crescimento permitem

a transferência de informação para o núcleo e desta forma modular a transcrição génica

através da actividade dos factores de transcrição. Entre os factores de transcrição que regulam

a proliferação celular encontramos produtos de vários genes que promovem o crescimento,

como o c-MYC e c-JUN, e de genes inibidores do ciclo celular, como o p53. Os Factpres de

Transcrição têm um design modular e contêm domínios de ligação ao DNA e de regulação

transcricional. O domínio de ligação ao DNA permite a ligação a pequenas sequências de DNA,

que pode ser único para um determinado alvo ou o alvo pode estar presente em muitos genes.

Em geral, os eventos celulares que exigem respostas rápidas, não dependem da nova síntese

de factores de transcrição, mas dependem de modificações pós-transducionais que causam a

transcrição de factores activação e a migração para o núcleo. Estas alterações incluem

heterodimerização, fosforilação dos factores disponíveis, e libertação dos inibidores para

permitir a migração para o núcleo.

Ciclo Celular e a Regulação da Replicação Celular

Houve uma explosão de conhecimentos

sobre os eventos moleculares envolvidos

na proliferação celular. Em parte, esta

Page 99: Sebenta Da Estrelinha

tem sido impulsionada pela descoberta de genes celulares, chamados proto-oncogenes, que

estão directamente envolvidos na regulação da proliferação celular normal e defeitos nestes

genes pode convertê-los em oncogenes, que contribuem para o crescimento do cancro.

A replicação das células geralmente é estimulada por factores de crescimento ou de

sinalização a partir de componentes da MEC através das integrinas. Para alcançar a replicação

do DNA e a divisão, a célula passa por uma sequência de eventos altamente controlados

conhecidos como o ciclo celular. Cada fase do ciclo celular está dependente da activação

correcta e conclusão da anterior. O ciclo vai parar no local em que um gene essencial para uma

determinada função é deficiente. Devido à sua extrema importância no processo de reparação

e de regeneração, o ciclo celular é estreitamente controlado, estes controlos incluem tanto

activadores e inibidores , bem como mecanismos de verificação.

Para entrar no ciclo, as células quiescentes primeiro devem passar pela transição da G0 ao G1,

o primeiro passo decisão, que funciona como uma porta de entrada para o ciclo celular. Esta

transição envolve a activação transcricional de um grande conjunto de genes, incluindo

diversos proto-oncogenes e genes necessários para síntese proteíca e tradução no ribossoma.

As células podem entrar G1 quer de G0 – células quiescente - ou após a conclusão da mitose –

células continuamente em replicação. As células que entraram G1 avançam através do ciclo e

chegam a uma fase crítica na transição G1/S, denominada como um ponto de restrição, um

passo limitante para a replicação. Ao passar este ponto de restrição, as células normais

tornam-se irreversivelmente comprometidas com a replicação do seu DNA. A progressão

através do ciclo celular e, em particular, a transição G1/S, é estreitamente regulada por

proteínas denominadas ciclinas e enzimas associadas designadas quinases dependentes das

ciclinas - CDKs. As CDKs adquirem a sua actividade catalítica através da sua ligação e formando

complexos com as ciclinas. As CDKs activas nestes complexos conduzem o ciclo celular por

fosforilarem proteínas que são críticas para as transições do ciclo celular. Uma destas

proteínas susceptíveis é o Retinoblastoma (RB), que normalmente impede a replicação das

células, formando um complexo inactivo com o factor de transcrição - E2F. A frosforilação da

RB liberta-lo, permitindo que o E2F se torne activo e estimule a transcrição de genes cujos

produtos conduzem a célula através do ciclo. Existem inúmeros factores de crescimento que

estimulam a produção de ciclinas, e consequentemente a proliferação celular.

A actividade dos complexos Ciclina-CDK é estreitamente regulada por inibidores, que são

convenientemente designados Inibidores da CDK. Alguns dos factores de crescimento

interrompem a produção destes inibidores, no entanto no ciclo celular estão incluídos

mecanismos de vigilância que visam, essencialmente, a detecção de danos no DNA e

cromossomas. O momentos em que se fazem estas verificações são referidos como

checkpoints, e que asseguram que as células com DNA ou cromossomas danificados não

concluam a replicação. O checkpoint G1/S verifica a integridade do DNA antes da replicação,

enquanto que o checkpoint G2/M faz verificações após a replicação do DNA e assegura que a

célula pode seguramente entrar em mitose. A activação destes checkpoints promove atrasos

na activação do ciclo celular e desencadeia mecanismos de reparação do DNA; se os danos do

DNA forem demasiadamente graves para serem reparados, as células são eliminadas por

apoptose, principalmente através de mecanismos dependentes do p53. As alterações nestes

checkpoints permitem a replicação de células com DNA com quebras nas cadeias e

anormalidades cromossómicas que podem provocar alterações teciduais e neoplasias.

Page 100: Sebenta Da Estrelinha

Mecanismos de Regeneração Tecidual

Anfíbios como a salamandra podem regenerar a sua cauda, membros, cristalino, retina,

maxilares e ainda uma grande porção do coração. Esta notável capacidade regenerativa tem

sido atribuída a dois factores principais:

- A capacidade das células quiescentes tais como os miócitos para reentrarem no ciclo celular;

- A eficiente diferenciação das células estaminais na área da lesão.

Esta capacidades de regeneração dos tecidos e órgãos inteiros foram perdidas nos mamíferos.

A maioria dos processos que são referidos como regeneração em mamíferos órgãos são

efectivamente processos de crescimento compensatório que envolvem a hipertrofia e

hiperplasia das células. Estes processos são capazes de restaurar a capacidade funcional de um

órgão sem ter sido necessário reconstituir a sua anatomia original. A insuficiência da

verdadeira regeneração em mamíferos tem sido atribuída à rápida resposta de

fibroproliferação e à formação de cicatriz após a lesão.

Nesta secção, optámos regeneração hepática para ilustrar os mecanismos de hiperplasia

compensatória, porque este processo tem sido estudado em pormenor e tem importantes

aspectos clínicos e biológicos. Outros órgãos, incluindo rins, pâncreas, glândulas supra-renais,

tireóide, e os pulmões de animais muito jovens, também são capazes de crescimento

compensatório, apesar de exibi-lo de forma menos demarcada do que o fígado. É importante

referir que a regeneração do fígado após hepatectomia parcial implica a replicação das células

maduras sem a participação de células estaminais.

Regeneração Hepática

Em roedores, a remoção de aproximadamente 70% do fígado - hepatectomia parcial - desperta

um crescimento conhecido como regeneração hepática. A parte do fígado, que após

hepatectomia parcial, permanece intacta constitui um "mini-fígado" que se expande

rapidamente e alcança a massa inicial do fígado em 10 a 14 dias. O crescimento ocorre pelo

alargamento dos lobos que se mantêm após a operação, um processo conhecido como

crescimento compensatório. Assim, o ponto final da regeneração hepática está no restaurar da

função inicial e não da forma inicial.

Quase todos os hepatócitos se dividem durante a regeneração hepática após hepatectomia

parcial. Visto que são células quiescentes, demoram várias horas para entrar no ciclo celular,

através do progredir em G1, e atingir a fase S, onde ocorre a replicação do DNA. A onda de

replicação dos hepatócitos é sincronizada e é seguida pela replicação síncrona de células não

parenquimatosas (ex. Células de Kupffer, Células Endoteliais e Células Estreladas).

A proliferação dos hepatócitos na regeneração hepática é desencadeada pelo conjunto das

acções de citocinas e factores do crescimento. Existe uma excepção, a actividade autócrina do

TGF-α, a replicação dos hepatócitos é estritamente dependente dos efeitos parácrinos dos

factores de crescimento e citocinas produzidas pelas células hepáticas não parenquimatosas.

Existem dois pontos principais de restrição na replicação dos hepatócitos:

- A transição G0/G1, levando células quiescentes a entrar no ciclo celular;

- A transição G1/S, necessária para a passagem através do último ponto de restrição em G1.

A expressão génica na regeneração hepática prossegue por fases, começando com o início

imediato dos genes precoces, correspondendo a uma resposta transitória equivalente à

transição G0/G1. Após o início imediato dos genes precoces, vários genes são activados

sequencialmente. A progressão de G1 para S começa com a formação do complexo Ciclina D-

Page 101: Sebenta Da Estrelinha

CDK4 e fosforilação de um componente da Família de Proteínas do RB. Isto é seguido pela

activação do complexo Ciclina E-CDK2, após a qual a replicação se torna autónoma.

As citocinas IL-6 e TNF estão implicados na transição G0/G1 e os factores de crescimento HGF

e TGF-α estão envolvidos na progressão do ciclo celular, depois de as células atingirem G1.

Tem sido demonstrado que TNF fornece um sinal para o priming das células remanescentes

sendo este sinal necessário para o pleno efeito mitogénico dos factores de crescimento.

Inibidores do crescimento, como o TGF-β e as activinas, podem estar envolvidos na cessação

da replicação dos hepatócito, mas não existe ainda uma clara compreensão do seu modo de

acção.

Matriz Extracelular e Intercações Célula-Matriz

A MEC é secretada localmente e forma uma rede no espaço circundante das células, sendo

responsável por uma percentagem significativa do volume de qualquer tecido. A MEC

desempenha diversas funções:

- As proteínas da matriz sequestram água que fornece turgescência aos tecidos moles e

minerais que dão rigidez aos tecidos esqueléticos;

- Funcionam como um reservatório para os factores de crescimento que controlam a

proliferação celular;

- É importante para as interacções célula-a-célula;

- Proporciona um substrato para as células aderirem, migrarem e proliferarem, modulando

directamente a forma e função da célula.

- A síntese e degradação da MEC acompanha a morfogénese, cicatrização e processos de

fibrose crónica, bem como a invasão tumoral e metastização.

Existem três grupos de macromoléculas, que estão muitas vezes fisicamente associadas,

constituindo a MEC:

- Proteínas Fibrilares Estruturais, tais como os colagénios e a elastina;

- Um grupo vasto de Glicoproteínas Adesivas;

- Proteoglicanos e Ácido Hialurónico.

Estas são as macromoléculas presentes na superfície celular e junções intercelulares, podendo

apresentar-se em duas organizações: Matriz Intersticial e Membrana Basal (BM).

A Matriz Intersticial está presente nos espaços entre as células epiteliais, endoteliais e células

musculares lisas e no tecido conjuntivo. É constituída por colagénio fibrilar e não-fibrilar,

elastina, fibronectina, proteoglicanos, hialuronato e outros componentes.

As Membranas Basais são produzidas por células epiteliais e mesenquimatosas, estando

intimamente associadas com a superfície celular. Consistem numa rede de colagénio amorfo e

não-fibrilar colagénio – predomínio do tipo IV -, laminina, heparano de sulfato, proteoglicanos,

e outras glicoproteinas.

Page 102: Sebenta Da Estrelinha

Colagénio

O Colagénio é a proteína mais comum nos

animais, proporcionando a estrutura

extracelular de todos os organismos

multicelulares. Sem colagénio um ser

humano seria reduzido a um amontoado de

células, interligadas por alguns neurónios.

Os colagénios são compostos por uma tripla

hélice de três cadeias polipeptídicas α,

possuindo uma sequência repetida de Gly-

XY. Actualmente conhecem-se 27 diferentes tipos de colagénios codificados por 41 genes

dispersos em pelo menos 14 cromossomas. Os tipos I, II, III e V, e XI são intersticiais ou

fibrilares, sendo os mais abundantes. O tipo IV é não-fibrilar, sendo o principal componente do

BM, juntamente com a laminina.

O colagénio fribilar é sintetizado a partir do pró-colagénio, derivado de uma molécula

precursora – pré-pró-colagénio -, que é transcrita a partir dos genes do colagénio. Após a

hidroxilação dos resíduos de lisina e prolina, e a glicolização da lisina, três cadeias de pró-

colagénio alinham-se para formar a tripla hélice. O pró-colagénio é secretado a partir da

celular e clivado por proteases para formar a unidade básica das fibrilas. A formação de

colagénio fibrilar está associada com a oxidação de resíduos específicos de lisina e hidrolisina

pela enzima extracelular lisil-oxidase. Este processo resulta num cross-linking entre as cadeias

de moléculas adjacentes, dando a estabilidade característica da matriz de colagénio. Este

cross-linking é o principal factor que determina a força e resistência do colagénio. A vitamina C

é necessária para a hidroxilação do pró-colagénio, uma exigência que explica a insuficiência da

cicatrização de feridas no Escorbuto.

Defeitos genéticos na produção de colagénio causam algumas síndromes herdadas, incluindo

as diversas formas de Ehlers-Danlos e Osteogénese Imperfeita.

Page 103: Sebenta Da Estrelinha

Elastina, Fibrilina e Fibras Elásticas

Tecidos, como os vasos sanguíneos, pele, útero e pulmão, exigem elasticidade para a sua

função. Embora a tracção seja fornecida pela família de proteínas do colagénio, a capacidade

desses tecidos para retrair é fornecida pelo fibras elásticas. Estas fibras elásticas podem esticar

até várias vezes o seu comprimento e depois regressar ao seu tamanho original após a

liberação da tensão. Morfologicamente, as fibras elásticas são compostas por um núcleo

central feito de elastina, rodeado por uma rede de microfibrilas periférica. Quantidades

substanciais de elastina são encontradas nas paredes de grandes vasos sanguíneos, como a

aorta, e no útero, pele e ligamentos. A rede periférica microfibrillar que rodeia o núcleo é

composta em grande parte por fibrilina, uma glicoproteína secretada, que se associa, consigo

própria ou com outros componentes da MEC. As microfibrilas servem como andaimes para a

deposição de elastina e para a organização de fibras elásticas. Os defeitos herdados da fibrilina

resultam na formação de fibras elásticas anormais originado o bastante comum Síndrome de

Marfan, caracterizado por alterações no sistema cardiovascular - Dissecção Aórtica - e do

esqueleto.

Proteínas de Adesão Celular

As Proteínas de Adesão Celular, também chamadas de CAMs, podem ser classificadas em

quatro grandes famílias:

- Família das Imunoglobulinas CAMs;

- Caderinas;

- Integrinas;

- Selectinas.

Estas proteínas estão localizadas na membrana celular, onde elas funcionam como receptores,

ou são armazenadas no citoplasma. Como receptores, as CAMs podem ligar-se a moléculas

semelhantes ou diferentes em outras células, permitindo a interacção entre as mesmas células

– Interacção Homotípica - ou diferentes tipos de células – Interacção Heterotípica. As

Caderinas são geralmente envolvidos em intreacções hometípicas cálcio-dependente,

enquanto a Família das Imunoglobulinas CAMs participam em ambos os tipos de interações

células-a-célula. As Integrinas têm um especificidade mais ampla e são responsáveis por

muitos dos eventos que envolvam adesão celular.

Page 104: Sebenta Da Estrelinha

As Integrinas ligam-se tanto à matriz, como a proteínas, nomeadamente a fibronectina e

laminina, mediando a adesividade entre as células e a MEC, bem como a proteínas adesivas

em outras células, originando contacto de célula para célula.

A Fibronectina é uma grande proteína que se liga a muitas moléculas, como o colagénio,

fibrina, proteoglicanos, e receptores da superfície celular. O mRNA da fibronectina tem duas

formas, mediadas por splicing, dando origem uma forma tecidual e outra plasmática. A forma

tecidual origina agregados fibrilares nos locais de cicatrização. A forma plasmática liga-se à

fibrina, formando o coágulo sanguíneo provisório que preenche o espaço criado por uma

ferida, e serve como um substrato para deposição MEC.

A Laminina é a glicoproteína mais abundante na membrana basal e tem um carácter

vinculativo para dois domínios: MEC e receptores da superfície celular. Na BM, polímeros de

laminina e de colagénio tipo IV formam redes estritamente vinculada.

As Caderinas e as Integrinas ligam a superfície da célula com o citoesqueleto através da sua

ligação à actina e aos filamentos intermediários. Estas ligações, especialmente para as

integrinas, fornecem um mecanismo para a transmissão da força mecânica e a activação de

vias intracelulares de transdução sinal que respondem a essas forças. As proteínas do

citoesqueletos que se agrupam com integrinas nos complexos de adesão focal celular incluem

a talina, a vinculina e a paxilina.

Caderinas, o nome é derivado do termo "proteína de aderência cálcio-dependente." Esta

família inclui cerca de 90 membros, que, como mencionado, participam na interacção entre as

células do mesmo tipo. Estas interacções ligam a membrana plasmática de células adjacentes,

formando dois tipos de estruturas:

- Zonula Adherens, pequenos focos de junção localizados próximos à superfície apical das

células epiteliais;

- Desmossomas, mais fortes e mais amplos, estão presentes em epiteliais e células musculares.

A ligação das Caderinas com o citoesqueleto ocorre através de duas classes de catenins. A β-

catenina liga caderinas com ligações α-catenina, que, por sua vez, conectam-se com a actina,

completando assim a conexão com o citoesqueleto. As interações célula-a-célula mediadas por

caderinas e cateninas desempenham um papel importante na regulação do motilidade celular,

proliferação e diferenciação, bem como para a inibição da proliferação celular que ocorre

quando as células normais cultivadas estão em contacto umas com as outras – Inibição de

Contacto.

A β-catenina livre podem agir independentemente das Caderinas, funcionando como um

regulador dos factores de transcrição nucleares na sinalização Wnt.

Para além das quatro famílias de proteínas de aderência descritas, algumas outras moléculas

de aderência secretadas podem ser mencionada devido ao seu potencial papel nos processos

patológicos:

- SPARC (Proteína Secretada Ácida e Rica em Cisteína), também conhecida como Osteonectina,

contribui para remodelação tecidual em resposta a ferimentos, e funciona como um inibidor

da angiogénese;

- A Trombospondina, uma família de grandes proteínas multifuncionais, algumas das quais,

semelhantes ao SPARC, também inibem a angiogénese;

- A Osteopontina, que regula a calcificação, e também pode funcionar como um mediador da

migração leucocitário, servindo como um ligante para o Receptor do CD44;

Page 105: Sebenta Da Estrelinha

- A Família da Tenacina, que é constituída por grandes proteínas multiméricas envolvidas na

morfogénese e na adesão celular.

Proteoglicanos e Ácido Hialurónico

Os Proteoglicanos e Ácido Hialurónico, perfazem o terceiro tipo de componente na MEC, além

das proteínas estruturais fibrilares e as proteínas de adesão celular.

Os Proteoglicanos são composto por um núcleo proteico ligada a um ou mais polissacarídeos

denominados glicosaminoglicanos - GAGs. Estes compostos são longos polímeros de repetição

de dissacáridos específicos em que um, ou ambos, contêm um resíduo de sulfato. Alguns dos

mais comuns são o Sulfato de Heparina, o Sulfato de Condroitina, e o Sulfato de Dermatano.

Estes compostos têm diversos papéis na regulação da estrutura do tecido e da sua

permeabilidade. Os proteoglicanos também pode ser parte integrante da membrana e, através

da sua ligação a outras proteínas ou a factores de crescimento dos fibroblastos, actuam como

moduladores do crescimento celular e diferenciação.

O Ácido Hialurónico (HA) é um polissacarídeo da família dos GAGs encontrado na MEC de

muitos tecidos. É uma enorme molécula que consiste de muitas repetições de um simples

dissacárido. Esta molécula tem uma extrema capacidade de ser ligar à água, formando um gel

viscoso hidratado que dá aos tecidos a capacidade de resistir à compressão por forças. O HA

permite a resiliência e lubrificação em muitos tipos de tecido conjuntivo, nomeadamente na

cartilagem das articulações. O HA também é encontrado na matriz de migração e proliferação

celular, onde inibe a adesão célula-a-célula e facilita a motilidade celular. O CD44, uma

glicoproteína de superfície, expressa por leucócitos, liga-se ao HA; através desta ligação, as

células T podem ser retidas nos tecidos, e permanecem vinculadas ao endotélio nos locais de

inflamação.

Reparação por Cicatrização, Formação de Cicatriz e Fibrose

Como vimos, a regeneração envolve a reposição de componentes idênticos aos tecidos

removidos ou mortos. Em contrapartida, a reparação é uma resposta fibroproliferativa que

“remenda” o tecido e não o recupera. É um fenómeno complexo, mas ordenado que envolvem

um determinado número de processos:

- A indução de um processo inflamatório em resposta à lesão inicial, com a remoção do tecido

morto e danificado;

- Proliferação e migração de células parenquimatosas e do tecido conjuntivo;

- Formação de novos vasos sanguíneos – angiogénese - e tecido de granulação;

- Síntese de proteínas da MEC e deposição de colagénio;

- Remodelação tecidual;

- Contracção da Cicatriz;

- Aquisição da Resistência.

Nem todos estes eventos ocorrem em todos as reacções de reparação. O processo de

reparação é influenciado por muitos factores, incluindo:

- O ambiente tecidual e a extensão da lesão;

- A intensidade e duração do estímulo;

- Condições que inibem a reparação, tais como a presença de corpos estranhos ou o

suprimento sanguíneo inadequado;

Page 106: Sebenta Da Estrelinha

- Várias doenças que inibem a reparação (ex. Diabetes), bem como o tratamento com

esteróides.

O objectivo do processo de reparação é restaurar o tecido para o seu estado original. A

reacção inflamatória posto em marcha pelo estímulo lesivo, elimina o estímulo nocivo, remove

tecido lesionado, e inicia a deposição de componentes da MEC na área de lesão. Alguns

tecidos podem ser completamente reconstituído após a lesão, tais como na reparação do osso

após uma fractura ou a regeneração do epitélio da superfície cutânea numa ferida. Para

tecidos que são incapazes de regeneração, a reparação é realizada pela deposição de tecido

conjuntivo, produzindo uma cicatriz. Este termo é mais frequentemente utilizado na ligação à

cicatrização de feridas na pele, mas também é utilizado para descrever a substituição de

células parenquimatosas por tecido conjuntivo, como no coração após em enfarte do

miocárdio.

Se a lesão persistir, a inflamação torna-se crónica, sendo que a lesão tecidual e a reparação

podem ocorrer simultaneamente. A deposição de tecido conjuntivo nestas condições é

normalmente referida como fibrose. No sentido mais lato, o termo fibrose aplica-se a qualquer

deposição anormal de tecido conjuntivo, independentemente das causas.

A reparação começa no início da inflamação, às vezes, tão precoce que se 24 horas após a

lesão, a resolução não ocorrer, fibroblastos e células endoteliais vasculares proliferativas

começam a formar um tipo especializado de tecido que é a pedra angular da reparação,

denominando-se Tecido de Granulação. O termo deriva da sua cor-de-rosa, suave, e da

aparência granular da superfície das feridas, mas são as características histológicas que lhe

conferem esta designação: a formação de novos pequenos vasos sanguíneos – angiogénese - e

pela proliferação de fibroblastos. Estes novos vasos são frágeis, permitindo a passagem das

proteínas e glóbulos vermelhos para o espaço extravascular. Assim, o novo tecido de

granulação é frequentemente edemaciado.

Angiogénese

Os vasos sanguíneos são formados durante o desenvolvimento embrionário por

Vasculogénese, na qual uma rede vascular primitiva é estabelecida a partir de células

endoteliais precursoras - Angioblastos. O processo de formação dos vasos sanguíneos no

adultos é conhecido como Angiogénese ou Neovascularização e, tem sido pensado como

dependente da extensão e ramificação de vasos sanguíneos adjacentes. No entanto, trabalhos

recentes têm demonstrado que a angiogénese pode ocorrer também por recrutamento de

células progenitoras endoteliais (EPCs) a partir da medula óssea. A angiogénese é fundamental

Page 107: Sebenta Da Estrelinha

para a inflamação crónica e fibrose, para o crescimento tumoral e para a vascularização de

tecidos isquémicos. Por isso, grandes esforços foram feitos para compreender os mecanismos

de angiogénese e explorar os potenciais efeitos terapêuticos dos agentes que são pró-

angiogénicos e anti-angiogénicos.

Angiogénese a partir de Precursores Endoteliais

A formação do sistema hematopoético e vascular está intimamente ligado durante o

desenvolvimento embrionário. Os dois sistemas compartilham a célula precursora, o

Hemangioblasto, que pode gerar células estaminais hematopoiéticas e angioblastos, as células

que dão origem ao sistema vascular. Os angioblastos proliferam, migram para locais

periféricos, e diferenciam-se em células endoteliais que formam artérias, veias, e linfáticos;

também podem gerar perícito e células musculares lisas da parede dos vasos. Já foi

estabelecido que células do tipo angioblasto designadas EPCs são armazenadas na medula

óssea dos organismos adultos, podendo ser recrutadas para os tecidos e dar início à

angiogénese. As EPCs participam na substituição de perda de células endoteliais, na re-

endotelização de implantes vasculares, lesões isquémicas e em neovascularização de órgãos,

feridas cutâneas, e tumores. Foi proposto que o número de EPCs circulantes pode influenciar a

função vascular e determinar o risco de doença cardiovascular.

Angiogénese a partir de Vasos Pré-Existentes

Neste tipo de angiogénese, há vasodilatação e aumento da permeabilidade dos vasos

existentes, a degradação da MEC, e a migração das células endoteliais. As principais etapas

são:

- Vasodilatação em resposta ao NO e aumento da permeabilidade dos vasos pré-existentes,

induzida pelo VEGF;

- Degradação proteolítica da BM do vaso-mãe por metaloproteinases e ruptura do contacto

célula-a-célula entre as células endoteliais do vaso pelo Activador Plasminogénio;

- Migração de células endoteliais em direcção ao estímulo angiogénico;

- Proliferação de células endoteliais, apenas atrás da onda de células que migram;

- Maturação das células endoteliais, o que inclui a inibição do crescimento e remodelação em

tubos capilares;

- Recrutamento de células peri-endoteliais (ex. Perícitos e Células Musculares Lisas) para

suportar os tubos endoteliais e formar vasos maduros.

Page 108: Sebenta Da Estrelinha

Factores de Crescimento e Receptores Envolvidos na Angiogénese

Muitos factores de crescimento apresentam actividade angiogénica, mas a maioria das

evidências aponta para um papel especial do VEGF e das Angiopoietinas na vasculogénese

embrionárias e na angiogénese adulta. Como mencionado anteriormente, o VEGF é secretado

por muitas das células mesenquimais e estromais, mas VEGFR-2, um receptor tirosina quinase

que é o mais importante na angiogénese, encontra-se em grande parte restrito às células

endoteliais e aos seus precursores. Na angiogénese envolvendo os precursores das células

endoteliais, o VEGF, agindo através VEGFR-2, estimula a mobilização de precursores das

células endoteliais da medula óssea e aumenta a proliferação e diferenciação destas células no

local da angiogénese. Na angiogénese a partir de vasos pré-existentes, o VEGF estimula a

proliferação e a motilidade de células endoteliais, iniciando, assim, a formação de novos

capilares. A proliferação, diferenciação e migração das células endoteliais pode ser igualmente

reforçada pelo FGF-2.

A estabilização exige o recrutamento de perícito e de células musculares lisas, bem como a

deposição de proteínas da MEC. As Angiopoietinas 1 e 2, o PDGF e o TGF-β participam no

processo de estabilização:

- Ang1 interage com um receptor em células endoteliais designado Tie2 para recrutar as

células peri-endoteliais;

- PDGF participa no recrutamento de células musculares lisas;

- TGF-β estabiliza os vasos neoformados através do reforço da produção de proteínas da MEC:.

- A Interacção Ang1/Tie2 medeia a maturação dos vasos desde simples tubos endoteliais, até

às estruturas vasculares endoteliais mais elaborada, contribui ainda para manter quiescência;

- Ang2, em contrapartida, também interagindo com Tie2, tem o efeito oposto, faz com que se

tornem mais receptivos à estimulação por factores de crescimento, tais como VEGF ou, na

ausência de VEGF, mais sensíveis aos inibidores da angiogénese.

Apesar da diversidade de factores que podem participar em várias etapas na angiogénese,

VEGF surge como o mais importante factor de crescimento nos tecidos adultos submetidos a

angiogénese fisiológica (ex. Proliferação do Endométrio), bem como na angiogénese

patológica da inflamação crónica, cicatrização de feridas, tumores, e retinopatia diabética.

Proteínas da Matriz Extra-Celular como Reguladores da Angiogénese

Um componente-chave da angiogénese é a motilidade e a migração dirigida de células

endoteliais, necessárias para a formação de novos vasos sanguíneos. Estes processos são

controlados por várias classes de proteínas, incluindo:

- Integrinas, especialmente αvβ3, que é crítica para a formação e manutenção de vasos

sanguíneos neoformados;

Page 109: Sebenta Da Estrelinha

- Proteínas Matricelulares, incluindo a Trombospondina-1, SPARC, e Tenascina C, que

destabilizam as interacções célula-matriz e, portanto, promovem a angiogénese;

- Proteinases, como o Activador Plasminogénio e as Metaloproteinases da Matriz, que são

importantes no remodelamento tecidual durante a invasão endotelial. Além disso, estas

proteinases decompõem as proteínas extracelulares, libertando factores de crescimento como

VEGF e FGF-2 que estimulam angiogénese, e que anteriormente estavam vinculados aos

componentes da MEC. As proteinases também podem libertar inibidores, tais como

endostatina, um pequeno fragmento de colagénio que inibe a proliferação endotelial e

angiogénese.

A expressão da Integrina αVβ3 nas células endoteliais é estimulada pela hipóxia. Esta integrina

tem múltiplos efeitos sobre a angiogénese: ela interage directamente com as

metaloproteinases (ex. MMP-2), liga-se e regula a actividade do VEGFR-2, e medeia a adesão

aos componentes da MEC, tais como a fibronectina, a trombospondina e a osteopontina.

Formação de Cicatriz

Os factores de crescimento e as citocinas libertadas no local da lesão induzem a proliferação

fibroblástica, a migração para o tecido de granulação de novos vasos sanguíneos e a perda da

estrutura da MEC no local. Discutimos três processos que participam na formação de uma

cicatriz:

- Migração e proliferação de fibroblastos para o local da lesão;

- Deposição da MEC;

- Remodelação Tecidual.

Migração e Proliferação dos Fibroblastos

O Tecido de Granulação contém numerosos vasos sanguíneos neoformados, sabendo já que o

VEGF promove a angiogénese, mas também é responsável por um acentuado aumento da

permeabilidade vascular. Este último fenómeno conduz a exsudação e deposição de proteínas

plasmáticas, como o fibrinogénio e fibronectina plasmática, na MEC, desenvolvendo-se

estroma provisória para que os fibroblastos e as células endoteliais de desenvolvam. A

migração de fibroblastos para o local da lesão e a sua consequente proliferação são

desencadeadas por vários factores de crescimento, incluindo o TGF-β, o PDGF, o EGF, o FGF, e

as Citocinas IL-1 e TNF. As fontes destes factores de crescimento e citocinas incluem as

plaquetas, as células inflamatórias, bem como o endotélio activado. Os macrófagos são

importantes constituintes celulares do tecido de granulação, limpando os detritos

extracelulares, a fibrina, e outros materiais estranhos no local da reparação. Estas células

também sintetizam TGF-β, PDGF e FGF e, portanto, promovem a migração de fibroblastos e a

sua proliferação. Se os estímulos quimiotáticos adequados estiverem presentes, mastócitos,

eosinófilos, e linfócitos podem também acumular-se. Cada uma destas células pode contribuir

directa ou indirectamente para a migração e proliferação de fibroblastos. Entre os factores

envolvidos no crescimento da fibrose inflamatória, o TGF-β parece ser o mais importante,

devido à multiplicidade de efeitos associados que favorecem a deposição de tecido fibroso. O

TGF-β é produzido pela maioria das células no tecido de granulação e provoca a migração e

proliferação de fibroblastos, aumentando a síntese de colagénio e fibronectina, e por outro

conduz à diminuição da degradação da MEC pelas metaloproteinases. O TGF-β é também

Page 110: Sebenta Da Estrelinha

quimiotático para os monócitos e provoca a angiogénese in vivo, possivelmente por induzir o

afluxo de macrófagos. A expressão TGF-β encontra-se aumentada em tecidos num grande

número de doenças crónicas fibróticas, quer em humanos, quer em animais experimentais.

Deposição da Matriz Extra-celular e Formação de Cicatriz

Com a progressão da reparação, o número de células endoteliais e fibroblastos que proliferam

diminui. Os fibroblastos progressivamente depositam quantidades aumentadas de MEC. Os

colagénios fibrilares formam uma parte importante do tecido de reparação e formam os locais

mais importantes para o desenvolvimento da resistência nas cicatrizes.

Muitos dos mesmos factores que regulam o crescimento fibroblástico também estimulam a

síntese de MEC. Por exemplo, a síntese de colagénio é reforçada por vários factores, incluindo

factores de crescimento (PDGF, FGF e TGF-β) e citocinas (IL-1 e IL-13), que são secretadas por

leucócitos e fibroblastos na cicatrização feridas. A acumulação da rede de colagénio, no

entanto, depende não só do aumento da síntese de colagénio, mas também na diminuição da

sua degradação. Finalmente, a estrutura do tecido de granulação é convertida numa cicatriz

composta por fibroblastos de forma fusiforme, colagénio denso, fragmentos de tecido elástico,

MEC e outros componentes. Como a cicatriz amadurece, a regressão vascular continua,

acabando por transformar o ricamente vascularizado tecido de granulação numa cicatriz pálida

e avascular.

Remodelação Tecidual

A substituição do tecido de granulação por uma cicatriz envolve transições na composição do

MEC. Alguns dos factores de crescimento que estimulam síntese de colagénio e outras

moléculas do tecido conjuntivo também podem modular a síntese e activação de

metaloproteinases, enzimas que degradam estes componentes MEC. O equilíbrio entre síntese

e degradação da MEC resulta na remodelação da estrutura do tecido conjuntivo, que

caracteriza a inflamação crónica e a reparação.

A degradação do colagénio e outras proteínas da MEC é coordenado pela Família das

Metaloproteinases da Matriz (MMPs), que são dependentes de iões zinco para a sua

actividade. As MMPs incluem as Colagenases Intersticial (MMP-1, 2 e 3), que decompõem o

colagénio fibrilar tipo I, II e III; Gelatinases (MMP-2 e 9), que degradam o colagénio amorfo,

bem como a Fibronectina; Estromolisinas (MMP - 3, 10 e 11), que actuam numa variedade de

componentes da MEC, incluindo proteoglicanos, laminina, fibronectina, colagénios amorfos.

As MMPs são sintetizadas como pró-péptidos que requerem clivagem proteolítica para a

activação. São produzidas por vários tipos de células, nomeadamente fibroblastos,

macrófagos, neutrófilos, células sinoviais, e algumas células epiteliais. A sua secreção é

induzida por certos estímulos, incluindo os factores de crescimento (PDGF e FGF), citocinas (IL-

1 e TNF), fagocitose, stress físico, sendo inibida pelo TGF-β e esteróides.

As Colagenases decompõem o colagénio sob condições fisiológicas, cortando a hélice tripla em

dois fragmentos desiguais, que em seguida são susceptíveis à digestão por outras proteinases.

Como seria de esperar, actividade colagenolítica é regulada, as colagenases são sintetizadas

como precursores latentes – pró-colagenase - que é activada por substâncias químicas, tais

como os radicais livres produzidos durante a explosão oxidativa dos leucócitos e proteinases

(ex. Plasmina). Uma vez formada, as colagenases activas são rapidamente inibidaaspor uma

família de inibidores específicos de metaloproteinases teciduais (TIMPs), que são produzidos

por células mesenquimais, evitando, assim, uma acção incontrolada destas proteases.

Page 111: Sebenta Da Estrelinha

Uma grande e importante família de enzimas relacionadas com as MMPs é designada ADAM

(Disintegrin and Metaloproteinases-Domain Family). As ADAMS são ancoradas à membrana

plasmática e, através da sua actividade proteolítica, decompõem e libertam domínios

extracelulares de proteínas da superfície celular, como é o caso do precursor do TNF-α e TGF.

Cicatrização de um Corte Cutâneo

Apesar de a maioria das lesões da pele curarem de forma eficiente, o produto final pode não

ser funcionalmente perfeito. É importante salientar que anexos cutâneos não regeneram, e há

ainda um tecido cicatricial no local da em que existiria um tecido de colagénio mecanicamente

funcional. Nas feridas muito superficiais, o epitélio é reconstituído e pode haver a formação de

uma pequena cicatriz. Contrastando com a cicatrização de feridas em adultos, as feridas

cutâneas fetais curam sem a formação de cicatriz. Estas feridas mostram pouco inflamação e

praticamente nenhuma fibrose, provavelmente devido à expressão de isoformas de TGF-β,

que são menos fibrogénicas do que o TGF-β1.

A cicatrização cutânea é geralmente dividido em

três fases:

- Inflamação (Precoce e Tardia);

- Tecido de Granulação e Re-Epitelialização;

- Contração da Ferida, Deposição da MEC e

Remodelação.

Estas fases sobrepõem-se, e a sua separação é algo

arbitrário. No entanto, elas ajudam a compreender

a sequência de eventos na cicatrização de feridas.

Como já foi indicado, a cicatrização fibroproliferativa é uma resposta que é mediada por

factores de crescimento e as citocinas.

As lesões cutâneas são classicamente descritas como cicatrização por intenção primária ou

secundária. Como será discutido mais adiante, esta distinção baseia-se na natureza da ferida e

não do próprio processo de cicatrização.

Cicatrização de Primeira Intenção

A situação menos complicada de reparação é a cicatrização num ambiente limpo, desinfectado

de uma incisão cirúrgica com aproximação por suturas. Esta cicatrização é referida como União

Primária ou Cicatrização de Primeira Intenção.

A incisão causa a morte de um número limitado de células epiteliais e do tecido conjuntivo,

bem como perturbações na continuidade da membrana basal epitelial. O estreito espaço

incisional imediatamente é preenchido por sangue coagulado contendo fibrina e células

sanguíneas; a desidratação da superfície do coágulo forma a conhecida crosta que cobre a

ferida.

O processo de cicatrização segue uma série de passos sequenciais:

- Dentro de 24 horas, os neutrófilos aparecem nas margens da incisão, avançando para o

coágulo de fibrina;

- De 24 a 48 horas, precursores de células epiteliais movem-se dos bordos da ferida ao longo

das margens cortadas da derme, depositando os componentes da membrana basal ao longo

Page 112: Sebenta Da Estrelinha

do seu movimento. Estas células fundem-se na linha média abaixo da superfície acidentada,

produzindo uma contínua, mas fina camada epitelial que fecha a ferida;

- Por volta do 3º dia, os neutrófilos têm sido amplamente substituídos por macrófagos. O

Tecido de Granulação progressivamente invade o espaço de incisão. As fibras colagénias já

estão presentes na margem da incisão, mas inicialmente encontram-se orientados

verticalmente e não horizontalmente, formando uma ponte sobre a incisão. A proliferação

celular epitelial espessa a camada epidérmica;

- Por volta do 5º dia, o espaço incisional é preenchido por tecido de granulação. A

neovascularização é máxima. As fibrilhas de colagénio tornam-se mais abundantes e começam

a formar uma ponte sobre a incisão. A epiderme recupera sua espessura normal, e a

diferenciação das células superficiais produz uma maturidade estrutural epidérmica, já com

uma superfície de queratinização.

- Durante a 2ª semana, há um acumular continuado de colagénio e proliferação de

fibroblastos. O infiltrado leucocitário, edema e aumento da vascularização acabam por

desaparecer. Neste momento, o longo processo de branqueamento começa, derivado da

maior acumulação de colagénio no interior da cicatriz incisional, acompanhada da regressão

dos canais vasculares;

- Até ao final do 1º mês, a cicatriz é composta por tecido celular desprovido de infiltrado

inflamatório, estando agora coberto por epiderme intacta. Os anexos dérmicos que foram

destruídos na linha da incisão são permanentemente perdidas. A resistência à ruptura

aumenta, mas pode levar meses para que o local da ferida obtenha a sua máxima força.

Cicatrização de Segunda Intenção

Page 113: Sebenta Da Estrelinha

Quando há uma maior perda de células e tecidos, o processo de reparação é mais complexo. A

regeneração de células parenquimatosas não pode restaurar completamente a arquitectura

original e, portanto, o tecido de granulação cresce abundantemente a partir da margem para

concluir a reparação. Esta forma de resolução é referida como União Secundária ou

Cicatrização por Segunda Intenção.

A Cicatrização Secundária varia da primária em vários aspectos:

- Inevitavelmente, grandes defeitos teciduais geram um maior coágulo de fibrina que enche o

espaço;

- Os detritos necróticos e o exsudato devem ser removidos;

- A reacção inflamatória é mais intensa;

- Uma maior quantidade de tecido de granulação é formado;

Talvez a característica que mais claramente distingue a cicatrização primária da secundário é o

fenómeno de Contracção da Ferida, que ocorre em feridas com grande superfície. Os grandes

defeitos na pele de um coelho são reduzidos em cerca de 6 semanas, a 5% a 10% do seu

tamanho original, principalmente pela contracção.

Os passos iniciais da contracção da ferida envolvem a formação de uma rede de fibroblastos

contendo actina nas margens da ferida. A contracção permanente da ferida requerem a acção

de fibroblastos alterados, passando a designar-se miofibroblastos, cujas características são

idênticas à ultra-estrutura das células do músculo liso. A contracção destas células no local da

ferida diminui o espaço entre os bordos da ferida cutânea. Para terminar forma-se uma

quantidade substancial de tecido cicatricional e dá-se o adelgaçamento da epiderme

adjacente.

Page 114: Sebenta Da Estrelinha

Resistência da Cicatriz

Quando as suturas são removidas, geralmente no final da primeira semana, a resistência da

ferida é de aproximadamente 10% do que a da pele intacta, mas a força aumenta rapidamente

durante as próximas 4 semanas. Esta taxa de aumento diminui aproximadamente no 3º mês

após a primeira incisão, e atinge um platô perto dos 70% a 80% da força de tracção da pele

intacta, uma condição que pode persistir para toda vida. A recuperação da ruptura resulta do

excesso de síntese de colagénio, e numa diminuição da sua degradação durante os 2 primeiros

meses, e mais tarde a partir de modificações estruturais das fibras colagénias.

Factores Locais e Sistémicos que Influenciam a Cicatrização

Os Factores Sistémicos que influenciam a cicatrização incluem os seguintes:

- A Nutrição tem profundos efeitos sobre a cicatrização de feridas. Deficiência protéica, por

exemplo, e particularmente vitamina C, inibe a síntese de colagénio e atrasa a cicatrização;

- O Estado Metabólico pode alterar cicatrização. A diabetes mellitus, por exemplo, está

associada a um atraso na reparação, como consequência da microangiopatia que é uma

característica frequente nesta doença

- Estado Circulatório pode modular a cicatrização. O suprimento sanguíneo inadequado,

habitualmente causado por arteriosclerose ou aletrações venosas que atrasam a drenagem

venosa, também podem prejudicar a cicatrização;

- Hormonas, como os glicocorticóides, têm efeitos anti-inflamatórios bem documentados que

influenciam diversos componentes da inflamação. Estes agentes também podem inibir a

síntese de colagénio;

Os Factores Locais que influenciam a cicatrização incluem os seguintes:

- A infecção é a mais importante causa de atraso na cicatrização, pois origina uma lesão

tecidual e inflamação persistentes;

- Factores Mecânicos, tais como o movimento das feridas, pode atrasar a reparação, através da

compressão dos vasos sanguíneos e da separação das margens da ferida;

- Corpos Estranhos, como suturas desnecessárias ou fragmentos de aço, vidro, ou mesmo osso,

constituem obstáculos à resolução.

- Tamanho, localização e tipo de lesão influenciam a cicatrização. Ferimentos em áreas

ricamente vascularizados, como o rosto, curam mais rapidamente do que aqueles em áreas

pobremente vascularizada, como o pé. Pequenos ferimentos incisionais curam mais

rapidamente e com menos formação cicatriz do que grandes feridas excisionais ou feridas

causadas por trauma.

Complicações do Processo de Cicatrização da Pele

Complicações na cicatrização de feridas podem surgir a partir de anormalidades em qualquer

um dos componentes básicos do processo de reparação. Estas aberrações podem ser

agrupadas em três categorias gerais:

- Deficiente Formação da Cicatriz;

- Formação excessiva dos componentes de reparação;

- Formação de Contracturas.

A Formação Inadequada de tecido de granulação ou

estrutura alterada de uma cicatriz podem levar a dois

Page 115: Sebenta Da Estrelinha

tipos de complicações: deiscência da ferida e ulceração.

As deiscências ou rupturas de uma ferida são mais comum após uma cirurgia abdominal e

devem-se ao aumento da pressão abdominal. Este stress mecânico sobre a ferida abdominal

pode ser gerado por vômitos, tosse, ou íleo.

Os ferimentos podem ulceram devido à vascularização inadequada durante a cicatrização. Por

exemplo, feridas nas extremidades inferiores em indivíduos com doença aterosclerótica

vascular periférica tipicamente ulceram. Feridas que não saram também formam áreas

desprovidas de sensação, estas úlceras neuropáticas são ocasionalmente observados em

pacientes com neuropatia periférica diabética.

A Formação Excessiva dos componentes do processo de reparação também pode complicar a

cicatrização. As aberrações de crescimento podem ocorrer mesmo em casos que inicialmente

começam com uma normal cicatrização. O acumular de quantidades excessivas de colagénio

pode dar origem a uma Cicatriz Hipertrófica, se o tecido cicatricial cresce para além das

fronteiras da ferida original e não regride, designa-se um Quelóide. A formação de quelóides

parece ser uma predisposição individual, e por razões desconhecidas esta alteração é algo

mais comum em Africano-Americanos.

Outro desvio na cicatrização de feridas é a formação de quantidades excessivas de tecido de

granulação, que ultrapassa superiormente o nível da pele circundante - Granulação

Exuberante.

Finalmente, apesar de muito raro, algumas cicatrizes incisionais ou lesões traumáticas podem

ser seguidas por uma proliferação exuberante de fibroblastos o e de outros elementos do

tecido conjuntivo, que possam, de facto, reaparecer após excisão - Desmoides ou Fibromatose

Agressiva. Estas lesões encontram-se no interface entre proliferações benignas e malignas.

A contracção do tamanho de uma ferida é uma parte importante do processo de cicatrização

normal. Um exagero deste processo é denominado de Contractura, originando deformidades

da ferida e dos tecidos circundantes. Contracturas são particularmente propensas a

desenvolverem-se nas palmas das mãos, plantas dos pés e face anterior do tórax. As

Contracturas são frequentemente observadas após queimaduras graves e podem

comprometer o movimento das articulações.

Fibrose

Os mecanismos subjacentes à formação de uma cicatriz incluem a proliferação celular,

interacções célula-célula, interacções célula-matriz e deposição da MEC. Este mecanismos são

semelhantes aos que ocorrem na fibrose associada a doenças inflamatórias crónicas, como a

artrite reumatóide, fibrose pulmonar, e cirrose hepática. Em contraste com a cicatrização

ordenada, estas doenças estão associadas com a persistência do estímulo inicial para a fibrose

ou para o desenvolver de reacções imunitários e auto-imunitários. Nestas reacções, a

interacção linfócitos-monócitos sustentam a síntese e a secreção de factores de crescimento e

citocinas fibrogénicas, enzimas proteolíticas, e outras moléculas biologicamente activas. A

degradação do colagénio por colagenases é importante na remodelação da cicatrização normal

de feridas.

Na cirrose hepática causada pelo alcoolismo crónico ou infecção com o vírus da hepatite B ou

C, as células estreladas hepáticas activadas, iniciando a produção de colagénio. A deposição de

colagénio no parênquima hepático e as alterações na estrutura dos sinusóides causados pela

Page 116: Sebenta Da Estrelinha

deposição de componentes da MEC, alteraram de forma drástica a estrutura e função

hepática, conduzindo à cirrose hepática.

A Fibrose é uma característica marcante da doença pulmonar intersticial crónica, conhecida

como pneumoconiose, causada pela inalação de poeiras minerais. Nestas condições, que

geralmente são a consequência da inalação de carvão, amianto ou de sílica, os macrófagos

desempenham um papel importante na fibrogénese. Estas células são activadas pelas

partículas minerais e secretam citocinas e factores de crescimento que promovem a fibrose. A

fibrose é mais marcada nos casos em que se deve a inalação de sílica.

Uma causa comum de fibrose é a radiação ionizante aplicada sobre um órgão, utilizado para

tratamento do cancro.

Na pancreatite crónica, repetidos surtos de inflamação aguda pancreática levam à perda de

células acinares pancreáticas e substituição por tecido fibroso.

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Lâmina C1 Dados Clínicos: Rapaz, 14 anos, com dor localizada no epigastro e com posterior localização na fossa

ilíaca direita, febre e náuseas.

Teoria – Apendicite Aguda

A inflamação do apêndice está associada à obstrução em 50 a 80% dos casos, geralmente por

causa de um fecalito e, menos comummente, por um cálculo biliar, tumor ou uma bola de

vermes (enterobius vermicularis). A secreção continuada de fluido mucinosonas vísceras

obstruídas provavelmente leva a crescente aumento da pressão intraluminal, o que causa

colapso final da drenagem venosa. A lesão isquémica, então, favorece a proliferação

bacteriana acrescida de edema e exsudato inflamatórios, o que atrapalha ainda mais o

suprimento sanguíneo. Não obstante, uma minoria significativa de apêndices inflamados não

mostra obstrução do lúmen, e a patogénese da sua inflamação permanece desconhecida.

Morfologia: Nos estágios mais precoces, somente um exsudato neutrofílico pode ser

encontrado através da mucosa, submucosa e muscular. Os vasos subserosos são

congestionados e frequentemente existe modesto infiltrado neutrofílico perivascular. A

reacção inflamatória transforma a serosa brilhante normal numa membrana vermelha, opaca

e granular; esta transformação significa apendicite aguda incipiente para o cirurgião. Num

estágio posterior, um exsudato neutrofílico importante gera uma reacção fibrinopurulenta

sobre a serosa. Conforme o processo inflamatório evolui, ocorre formação de abcesso dentro

da parede, junto com ulcerações e focos de necrose supurativa na mucosa. Este estado

constitui a apendicite supurada aguda. Um compromisso posterior do apêndice leva a grandes

áreas de ulceração verde-hemorrágica da mucosa e de necrose gangrenosa negro-esverdeada

através da parede, estendendo-se à serosa, criando uma apendicite gangrenosa aguda, a qual

complica rapidamente com ruptura e peritonite supurada.

O critério histológico para o diagnóstico da apendicite aguda é o infiltrado neutrofílico da

camada muscular. Geralmente, neutrófilos e ulcerações também existem dentro da mucosa.

Como a drenagem de um exsudato em direcção ao apêndice, a partie de uma infecção do

tracto alimentar, também pode causar infiltrado neutrofílico mucoso, a evidência de

inflamação da parede muscular é um requisito para o diagnóstico.

Resolução

1 – Identifica o órgão. Justifica enumerando quais os aspectos histológicos que corroboram a tua

afirmação.

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Apêndice cecal. Apresenta as mesmas camadas comuns ao intestino (mucosa, submucosa, muscular e

serosa) e a sua mucosa é semelhante à do cólon, com a diferença de não ter microvilosidades, ter

criptas tubulares rectas e apresentar grande quantidade de tecido linfóide na mucosa e submucosa,

formand uma camada inteira de folículos germinativos. Nos idosos, diferentemente do que se observa

na figura, o apêndice torna-se mais fibroso e/ou obliterado.

2 – Quais são as alterações patológicas presentes?

Exsudato de neutrófilos na mucosa, submucosa e muscular (exsudato transmural), a erosão do epitélio,

o ingurgitamento dos vasos e algumas áreas necrosadas, a obstrução do lúmen por um exsudato

purulento e hialino (a parte eosinófila no lúmen pode ser também resultado da descamação e ulceração

do epitélio). Na serosa (mesoapêndice) também existem alguns neutrófilos, mas em menor quantidade.

3 – Qual ou quais são as camadas mais afectadas? A mucosa e a submucosa

4 – A presença de infiltrado neutrofílico na camada muscular permite diagnosticar uma apendicite

aguda.

5 – Qual é a etiologia e complicações mais frequentes deste quadro clínico? Porquê?

Em 50 a 80% dos casos é devida à obstrução por fecalito (maioritariamente sementes) ou, mais

raramente, cálculo bilar, tumores ou bola de vermes (enteroius vermicularis), desencadeando um

aumento da secreção mucosa pelas glândulas do tubo obstruído, aumentando a pressão intraluminal e

contribuindo para o colapso da drenagem venosa. A isquémia favorece a proliferação bacteriana e a

acumulação de exsudato inflamatório e edema. As complicações mais frequentes são a perfuração do

apêndice e a peritonite. Também pode haver pileflebite com trombose da drenagem venosa portal,

abcesso hepático e bacteriémia. Evolução para necrose; peritonite do tipo purulento (do tipo

bacteriano) caso a necrose seja transmural.

Page 119: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina C2 Dados Clínicos: Homem obeso com episódios recorrentes de dores no hipocôndrio direito

acompanhados por vómitos. Na ecografia abdominal são identificadas várias formações nodulares

localizadas no hipocôndrio direito.

Teoria – Colecistite Crónica

A colecistite crónica pode ser uma sequela de ataques reptidos de colecistite aguda branda a

grave, mas em muitas oportunidades ela desenvolve-se na ausência aprente de ataques

antecedentes. Como se associa a collitíase em mais de 90% dos casos, as populações de

doentes são as mesmas que dessa última condição (sexo feminino, 25 a 30% a partir dos 80

anos). A evolução da colecistite crónica é obscura, pelo facto de não estar claro que cálculos

biliares desempenhem um papel directo na iniciação da inflamação ou no desenvolvimento da

dor, particularmente porque a colecistite acalculosa crónica exibe sintomas e histologia

semelhantes às da forma calculosa. Sem dúvida, a supersaturação da bílis predispõe a ambas,

a inflamação crónica e, na maioria dos casos, a formação de cálculos. Microorganismos,

usualmente E.coli e enterococos, podem ser cultivadosna bílis em cerca de um terço dos casos.

Diferentemente da colecistite calculosa aguda, a obstrução da saída da vesícula não é um

requisito. Não obstante, os sintomas de colecistite crónica calculosa são semelhantes aos da

forma aguda e variam entre cólica biliar e dor indolente no quadrante superior direito e

desconforto epigástrico. Uma vez que a maioria das vesículas biliares que são removidas em

cirurgia electiva para cálculos biliares exibem características de colecistite crónica, deve

concluir-se que os sintomas biliares muitas vezes emergem após a coexistência, durante longo

prazo, de cálculos biliares e inflamação de baixo grau.

Morfologia: As alterações morfológicas na colecistite crónica são extremamente variáveis e, às

vezes, mínimas. A serosa geralmente é lisa e brilhante, mas pode estar sem brilho por causa de

fibrose subserosa. Aderências fibrosas densas podem restar como sequelas de inflamação

aguda preexistente. Em cortes, a parede está variavelmente espessada, poucas vezes mais que

três vezes o normal. A parede tem uma aparência branco-acinzentada opaca e pode ser menos

flexível que o normal. No caso não-complicado, o lúmen contém bílis mucóide razoavelmente

clara, amarelo-esverdeada, e em geral, cálculos. A própria mucosa costuma estar preservada.

Ao exame histológico, o grau de inflamação é variável. Nos casos mais brandos, apenas

linfócitos esparsos, células plasmáticas e macrófagos são encontrados na mucosa e no tecido

fibroso subseroso. Nos casos mais desenvolvidos, há acentuada fibrose subepitelial e

subserosa, acompanhada de infiltração de células mononucleares. Proliferação reactiva da

Page 120: Sebenta Da Estrelinha

mucosa e fusão das pregas mucosas podem dar origem a criptas sepultadas de epitélio dentro

da parede da vesícula. Recessos do epitélio mucoso através da parede (seios de Rokitansky-

Aschoff) podem ser muito proeminentes. A sobreposição de alterações inflamatórias agudas

significa exacerbação de uma vesícula biliar cronicamente lesada anterirmente.

Em casos raros, calcificação distrófica extensa dentro da parede vesicular pode induzir uma

vesícula de porcelana, notável por uma incidência acentuadamente aumentada de cancro

associada. A colecistite xantogranulomatosa é também uma condição rara na qual a vesícula

está contraída, nodular e cronicamente inflamada com focos de necrose e hemorragia.

Abundantes macrófagos atulhados de lipidos estão misturados a uma resposta exuberante de

tecido fibroso, resultando numa parede maciçamente espessada. Cálculos em geral estão

presentes. Essa condição rara pode ser confundida macroscopicamente com um neoplasma

maligno. Finalmente, uma vesícula biliar atrófica, cronicamente obstruída pode conter

somente secreções claras, uma condição conhecida como hidropisia da vesícula biliar.

Resolução

1 – Identifique o órgão. Que processo indicam as alterações do órgão?

Vesícula biliar. Colecistite crónica.

2 – O seu diagnóstico baseia-se nas seguintes alterações histológicas predominantes.

Existência de infiltrado de mononucleares, fibrose e espessamento da muscular.

3 – Como se denomina a formação observada em B. Seios de Rokitansky-Aschoff.

4 – Qual é o mecanismo/alteração responsável pelos achados postos em evidência em D e E.

As condições observadas são figuras pseudo-geométricas (cristais) rodeadas de células gigantes. Chama-

se colesterolose, fenómeno não directamente associado à formação de cálculos e que deriva do

colesterol que entra no lúmen da vesícula para troca livre, sendo depois esterificado, facto este que é

exacerbado quando a produção hepática de colesterol está aumentada, acumulando-se estes na lâmina

própria da vesícula biliar e condicionando uma reacção inflamatória de corpo estranho, produzindo um

padrão que é observável na mucosa (vesícula em morango), marcado por pequenos pontos amarelos.

Também pode ser devido à proliferação reactiva da mucosa e fusão de suas pregas, que podem dar

origem a estas criptas intraparietais.

5 – Quais as complicações associadas a este quadro clínico-patológico.

Superinfecção bacteriana com colangite ou sepsis (colecistite crónica agudizada), perfuração da vesícula

e abcesso local ou peritonite difusa, abcessos murais ou intraluminais, empiema, fístula bilioentérica

(colecistoentérica), neoplasia, agravamento com descompensação cardíaca, pulmonar, renal e hepática.

6 – Enumere os factores de risco para esta condição (presente e ausentes nesta história).

Presente – obesidade; Ausentes – sexo feminino, anticoncepcionais e gravidez, demografia (Europa

Norte, América do Norte e Sul, Nativos Americanos e México-americanos), idade avançada, redução

rápida de peso, estase da vesícula biliar, erros inatos do metabolismo dos ácidos biliares e síndromes de

hiperlipidémia.

Page 121: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina C3 Dados Clínicos: Mulher, 35 anos, astenia, febrícula e dificuldade respiratória há 6 meses.

Teoria – Sarcoidose

A sarcoidose é uma doença sistémica de causa desconhecida, caracterizada por granulomas

não-caseosos em muitos tecidos e órgãos. Apresenta-se em muitos padrões clínicos, porém a

linfadenopatia hilar bilateral ou o envolvimento pulmonar são visíveis nas radiografias de tórax

de 90% dos casos. Como outras doenças, incluindo as infecções micobacterianas e fúngicas e a

beriliose, podem produzir também granulomas não-caseosos (duros), o diagnóstico histológico

da sarcoidose é feito por exclusão.

Apesar de a etiologia da sarcoidose permanecer desconhecida, várias linhas de evidências

sugerem que esta seja uma doença de regulação imune desordenada em indivíduos

geneticamente predispostos a certos agentes ambientais. Existem várias anormalidades

imunológicas no meio local dos granulomas sarcóides que sugerem o desenvolvimento de uma

resposta mediada por células para um antigénio não-identificado. O processo é dirigido pelas

células T helper CD4+.

MORFOLOGIA: Histologicamente, todos os tecidos envolvidos demonstram os clássicos

granulomas não-caseosos, cada um composto de um agregado de células epitelióides

firmemente agrupadas, geralmente com células gigantes tipo Langhans ou tipo corpo

estranho. A necrose central é incomum. Com a cronicidade, os granulomas podem tornar-se

encapsulados dentro de bordos fibrosos e eventualmente podem ser substituídos por

cicatrizes fibrosas hialinas. Duas outras características microscópicas estão presentes nos

granulomas: 1) concreções laminadas compostas de cálcio e proteínas conhecidas como

corpos de Schaumann e 2) inclusões estreladas conhecidas como corpos asteróides

encontrados dentro de células gigantes presentes em aproximadamente 60% dos granulomas.

Apesar de característicos, esses achados microscópicos não são patognomónicos de sarcoidose

porque os asteróides e os corpos de Schaumann podem ser encontrados noutras doenças

granulomatosas (p. ex. tuberculose). O envolvimento patológico de virtualmente todos os

órgãos do corpo é citado uma vez ou outra.

Resolução

1 – Qual é o ógão que está a observar? Trata-se de um gânglio linfático com granulomas e células

gigantes rodeadas por linfócitos.

Page 122: Sebenta Da Estrelinha

2 – Identifique a alteração histológica presente. Como se denomina a estrutura histológica que permite

o diagnóstico?

A alteração histológica presente é uma inflamação crónica. A estrutura histológica que permite o

diagnóstico é o granuloma, composto por linfócitos e histiócitos (citoplasma maior e mais eosinófilo).

3 – A presença das células identificáveis em C permite-lhe um diagnóstico etiológico?

Não, a simples presença de células gigantes não faz o diagnóstico etiológico.

4 – Classifica este processo patológico como linfadenite granulomatosa crónica (invasão de seios

subcorticais por inflamação).

5 – Quais são as causas mais frequentes para este tipo de lesão? Infecção por micobactérias e reacções

de corpo estranho.

6 – No presente caso, qual é o diagnóstico mais provável? Justifique. Sarcoidose porque os granulomas

são muito numerosos e sem evidência de necrose caseosa. [DD: Faz-se o teste com Ziel-Nilson

(coloração ácido-resistente, com azul de metileno, fuscina e álcool-ácido) para descartar a tuberculose.

Num Z-N negativo, na presença de pouca necrose (como é o caso), recorre-se à história clínica para

descartar a beriliose]

Page 123: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina C4 Dados Clínicos: Homem, 55 anos, fumador, com quadro de febre, tosse e expectoração purulenta desde

há 3 semanas. Recorreu ao médico assistente e na auscultação pulmonar foi detectada uma diminuição

do murmúrio vesicular à esquerda.

Teoria – Pneumonia Aguda

As pneumonias adquiridas na comunidade podem ser bacterianas ou virais. Geralmente, a

infecção bacteriana acompanha uma infecção viral do trato respiratório superior. A invasão

bacteriana do parênquima pulmonar faz com que os alvéolos fiquem repletos de exsudato

inflamatório, causando uma consolidação (“solidificação”) do tecido pulmonar. Variáveis como

o agente etiológico específico (S.pneumoniae, H.influenzae, M.catarrhalis, S. aureus,

K.pneumoniae, P.aeruginosa, L.pneumophila), a reacção do hospedeiro e a extensão do

envolvimento, determinam a forma precisa da pneumonia. Condições predisponentes incluem

os extremos das idades, doenças crónicas (ICC, DPOC, diabetes), deficiências imunes

congénitas ou adquiridas e diminuição ou ausência de função esplénica.

MORFOLOGIA: A pneumonia bacteriana apresenta dois padrões macroscópicos de distribuição

anatómica: broncopneumonia lobar e pneumonia lobar. A consolidação esparsa do pulmão é a

característica dominante da broncopneumonia. A pneumonia lobar é uma infecção bacteriana

aguda que resulta numa consolidação fibrino-supurativa de uma grande porção de um lobo ou

de todo um lobo. Essas categorizações anatómicas, mas ainda clássicas, em geral são de difícil

aplicação nos casos individuais porque os padrões se sobrepõem. O envolvimento esparso

pode tornar-se confluente, produzindo uma consolidação lobar virtualmente total; em

contraste, a terapia antibiótica para efectiva para qualquer forma de pneumonia pode limitar o

envolvimento para uma consolidação subtotal. Além disso, os mesmos organismos podem

produzir broncopneumonia num doente, enquanto que num indivíduo mais vulnerável pode

ocorrer um envolvimento lobar completo. Do ponto de vista clínico, o mais importante é a

identificação do agente causal e a determinação da extensão da doença.

Na pneumonia lobar, quatro estágios de resposta inflamatória são classicamente descritos:

congestão, hepatização vermelha, hepatização cinzenta e resolução. No primeiro estágio da

congestão, o pulmão está pesado, pastoso e vermelho. Esse estágio caracteriza-se pelo

ingurgitamento vascular, líquido intra-alveolar com poucos neutrófilos, em geral com a

Page 124: Sebenta Da Estrelinha

presença de numerosas bactérias. O estágio de hepatização vermelha que se segue é

caracterizado por uma maciça exsudação confluente com hemácias (congestão), neutrófilos e

fibrina preenchendo os espaços alveolares. No exame macroscópico, o lobo aparece

distintamente vermelho, firme e não-areado, com uma consistência semelhante à do fiado, daí

o termo hepatização. O estágio da hepatização cinzenta segue-se com a desintegração

progressiva das hemácias e a persistência de um exsudato fibrino-supurativo, gerando a

aparência macroscópica de uma superfície seca, de coloração marrom-acinzentada. Na fase

final de resolução, o exsudato consolidado dentro dos espaços alveolares sofre digestão

enzimática para produzir restos granulares semilíquidos que são reabsorvidos, ingeridos por

macrófagos, expectorados ou organizados por fibroblastos que crescem na direcção destes

detritos. A reacção fibrinosa pleural para a infecção subjacente, em geral presente nos estágios

iniciais se a consolidação se estende até à superfície (pleurite), pode paresentar uma resolução

semelhante. Na maioria das vezes, ela sofre organização, deixando um espessamento fibroso

ou adesões permanentes.

Focos de brocopneumonia são áreas consolidadas de inflamação supurativa aguda. A

consolidação pode ser esparsa através de um lobo, mas geralmente é multilobar e

frequentemente bilateral e basal por causa da tendência de as secreções gravitarem para os

lobos inferiores. As lesões bem desenvolvidas em geral têm de 3 a 4cm de diâmetro, são

levemente elevadas, secas, granulares, de coloração cinza-avermelhado para o amarelo e mal

delimitadas nas margens. Histologicamente, a reacção muitas vezes desencadeia um exsudato

supurativo rico em neutrófilos que preenche os brônquios, bronquíolos e espaços alveolares

adjacentes.

Complicações da pneumonia incluem:

- destruição tecidual e necrose, causando a formção de abcesso (particularmente comum com

os pneumococos do tipo 3 ou infecções por Klebsiella);

- disseminação da infecção para a cavidade pleural, causando uma reacção fibrino-supurativa

intrapleural conhecida como empiema;

- organização do exsudato, que pode converter uma porção do pulmão em tecido sólido;

- disseminação bacteriémica para válvulas cardíacas, pericárdio, cérebro, rins, baço ou

articulações, causando abcessos metastáticos, endocardite, meningite ou artrite supurativa.

Resolução

1 – Identifica o órgão. Pulmão

2 – Quais são as células características desta lesão? Neutrófilos como células inflamatórias presentes em

maior quantidade [característicos de pnemonia aguda; no caso de uma pneumonia crónica tratar-se-iam

de células gigantes multinucleadas que não é o caso].

3 – Esta lesão evolui em várias fases. Descreva como será o aspecto macroscópico desta lesão e como se

denominaria.

Fase de hepatização cinzenta porque tem aparência volumosa e cinzenta. Ainda se observam as paredes

dos alvéolos. [não tenho bem a certeza]

Page 125: Sebenta Da Estrelinha

4 – Quais são os agentes etiológicos mais frequentes? Streptococos Pneumoniae, Hamophilus

Influenzae, Moroxela Catarrhalis, Staphylococos Aureus, Klebsiella Pneumoniae, Pseudomonas

Aeruginosa, Legionella Pneumophila.

5 – Qual é a evolução mais provável desta lesão? Organização do exsudado (parte do pulmão fica

sólido); pode ocorrer formação de cicatriz nalgumas zonas (em que já houve destruição dos septos

interalveolares)

Page 126: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina C5 Dados Clínicos: Mulher, 40 anos, com palpitações e hipersudação esporádicas desde há um ano.

Actualmente, tem bócio de aparecimento recente.

Teoria – Tiroidite de Hashimoto

A tiroidite de Hashimoto (ou tiroidite linfocítica cróica) é a causa mais comum de

hipotiroidismo em áreas do mundo onde os níveis de iodo são adequados. Ela é caracterizada

pela insuficiência tiroideia gradual devido à destruição auto-imune da glândula. A tiroidite de

Hashimoto é uma doença auto-imune na qual o sistema imune reage contra vários antigénios

tiorideus. A sua principal característica é a redução progressiva das células epiteliais da tiróide

(tirócitos), que são gradulamente substituídas por um infiltrado de células mononucleares e

fibrose. Vários mecanismos imunológicos podem contribuir para a fibrose. A sensibilização das

células T auxiliares CD4+ auto-reactivas aos antigénios tiroideus parece ser o evento

desencadeante. Os mecanismos efectores da morte dos tirócitos incluem os seguintes: morte

celular mediada pelas células T citotóxicas; morte celular mediada por citocinas; e, ligação de

anticorpos antitiroideus (anticorpos contra o receptor de TSH, antitiroglobulina e anticorpos

antiperoxidade tiroideia) seguida de citotoxicidade mediada por célula dependente de

anticorpo (ADCC).

MORFOLOGIA: A tiróide geralmente apresenta um aumento difuso do seu tamanho, mas em

alguns casos pode ver-se um aumento mais localizado. A cápsula está intacta e a glândula

encontra-se bem demarcada a partir das estruturas que a cercam. A superfície de corte é

pálida, bege-amarelada, firme e algo nodular. O exame microscópico revela um extenso

infiltrado inflamatório mononuclear do parênquima contendo linfócitos pequenos,

plasmócitos e centros germinativos bem desenvolvidos. Os folículos tiroideus estão atróficos e,

em várias áreas, revestidos por células epiteliais, que podem ser diferenciadas pela presença

de um citoplasma eosinofílico, granular, abundante, sendo chamadas de células de Hurthle.

Essa é uma resposta metaplásica do epitélio cubóide, normalmente baixo, à lesão persistente.

Na punção aspirativa com agulha fina, a presença das células de Hurthle, juntamente com uma

população heterogénea de linfócitos, é característica da tiroidite de Hashimoto. Na tiroidite de

Hashimoto “clássica”, o tecido conjuntivo intersticial está aumentado e pode ser abundante.

Uma variante fibrosa é caracterizada por uma grande atrofia dos folículos tiroideus e uma

fibrose densa “semelhante a quelóide”, com a presença de bandas largas de colagéneo

rodeando o tecido tiroideu residual. Ao contrário da tiroidite de Reidel, a fibrose não

Page 127: Sebenta Da Estrelinha

ultrapassa a cápsula da glândula. O parênquima tiroideu remanescente demonstra

características de uma tiroidite linfocítica crónica.

Resolução

1 – Identifica o órgão. Tiróide

2 – Refere quais são as principais alterações presentes.

Há rebentamento dos folículos tiroideus e atrofia, formação de folículos linfóides (inflamação crónica),

células gigantes e desaparecimento do colóide.

3 – Como se denominam as estruturas identificadas pelas setas vermelhas? Folículos linfóides com

centros germinativos.

4 – Proponha uma explicação baseada nos aspectos morfológicos que justifiquem a sintomatologia

“palpitações e hipersudação”.

Dado que existe uma situação de inflamação crónica da glândula tiroideia com desaparecimento do

colóide, a tiróide torna-se mais volumosa e dolorosa e liberta para o sangue uma grande quantidade de

hormonas que tinha armazenadas (não há um verdadeiro aumento da produção). Como as hormonas

tiroideias aumentam o metabolismo, isso vai conduzir a um aumento da contracção cardíaca –

palpitações e a um aumento da produção de suor pelas glândulas sudoriparas. Além disso, o

hipertiroidismo secundário leva à activação do SNS.

5 – Quais as complicações desta patologia? Linfomas; Carcinomas (Papilar da Tiroideia); Hipotiroidismo.

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Lâmina C6 Dados Clínicos: Mulher, 35 anos, após o diagnóstico de melanoma maligno é submetida a terapêutica de

alargamento de excisão cirúrgica prévia de melanoma maligno.

Teoria

(ver introdução teórica sobre Cicatrização)

Resolução

1 – Nesta pele pode identificar a reparação do epitélio por regeneração e do tecido conjuntivo da derme

por cicatrização.

2 – Qual a fase de reparação presente nestas imagens? Quais são as células mais importantes nesta

fase? Porquê?

É uma fase recente porque ainda se vêem macrófagos. Pode dizer-se que se iniciou a deposição de

colagénio. As células mais importantes são fibroblastos e macrófagos.

3 – As células assinaladas com a seta vermelha denominam-se por macrófagos e tem funções de

reparação para que ocorra a cicatrização.

4 – A seta azul assinala uma formação intra-citoplasmática. Qual a sua natureza? Corresponde a um

ponto de sutura que se tornou conteúdo de uma célula gigante.

5 – O que é um quelóide? É o diagnóstico apropriado para esta lesão?

O quelóide é uma lesão tumoral secundária a traumatismo, resultante de uma formação excessiva de

componentes do processo de reparação, excedendo a área da lesão. No início, geralmente tem cor

rósea ou avermelhada adquirindo, mais tarde, cor semelhante à pele normal ou escurecida. A região

anterior do tórax e os ombros são localização frequente de quelóides. Difere das cicatrizes hipertróficas,

nas quais o tecido cicatricial aumentado não excede a localização do traumatismo e tende a se reduzir

com o passar do tempo. Não pode ser diagnóstico desta situação porque estamos perante uma

cicatrização normal. Neste caso, não houve perda de epitélio, sendo que os bordos da lesão coadaptam-

se.

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Lâmina C7 Dados Clínicos: Homem, 45 anos, com epigastralgias recorrentes e hematemese súbita e abundante.

Recorre ao SU onde é efectuada gastrectomia parcial.

Teoria – Úlcera péptica

As úlceras pépticas são lesões crónicas, geralmente solitárias, que ocorrem em qualquer local

do trato gastrointestinal que esteja exposto à acção agressiva dos sucos pépticos ácidos, sendo

mais frequentes no estômago e duodeno. São definidas histologicamente como aberturas na

mucosa do trato alimentar que se estendem através da muscular da mucosa em direcção à

submucosa ou mais profundamente. São produzidas por desequilíbrios entre os mecanismos

de defesa da mucosa gastroduodenal e as forças lesivas, particularmente do ácido gástrico e

da pepsina.

A infecção por H.pylori é um importante factor na patogénese da úlcera péptica. Ocorre em

praticamente todos os doentes com úlceras duodenais e em cerca de 70% daqueles com

úlceras gástricas.

Outros eventos podem agir isoladamente ou em conjunto com H. pylori na promoção da

úlcera péptica. A hiperacidez gástrica, quando existe, pode ser fortemente ulcerativa e pode

surgir por aumento do número de células parietais, por aumento da sensibilidade aos

estímulos secretores, por aumento da secreção ácida basal ou por impedimento da inibição

dos mecanismos estimulatórios, como a libertação de gastrina. O uso crónico de AINE’s

suprime a síntese mucosa de prostaglandina; a aspirina também é um agente irritante directo.

O fumo do tabaco bloqueia o fluxo sanguíneo mucoso e a recuperação da mucosa. Outros

factores, embora não confirmados, parecem também contribuir para o desenvolvimento de

úlceras pépticas como: álcool, corticoesteróides, personalidade e stress psicológico, …

MORFOLOGIA: Independentemente do local em que ocorram, as úlceras pépticas crónicas têm

uma macroscopia típica facilmente reconhecível e diagnosticável. Pequenas lesões (<0,3cm)

são, provavelmente, erosões superficiais, enquanto que as maiores que 0,6cm são

provavelmente úlceras. Como as úlceras carcinomatosas podem ser menores que 4cm de

diâmetro e podem estar localizadas em qualquer região do estômago, o tamanho e a

localização não diferenciam uma úlcera benigna de uma maligna.

A úlcera péptica clássica é redonda ou ovalada, bem delimitada e tem paredes lisas. As

margens ficam ao mesmo nível da mucosa adjacente ou são discretamente elevadas. Margens

Page 130: Sebenta Da Estrelinha

sobrelevadas são raras na úlcera benigna mas são características da lesão maligna. A

profundidade destas úlceras varia desde lesões superficiais envolvendo somente a mucosa e a

muscular da mucosa, até úlceras profundamente escavadas, com base na muscular própria.

Quando toda a parede é perfurada, a base da úlcera pode ser o pâncreas aderente, a gordura

omental ou o fígado. Pode ocorrer perfuração livre para dentro da cavidade peritoneal.

A base da úlcera péptica é lisa e limpa, devido à digestão péptica de qualquer exsudato

produzido. Nalgumas úlceras, vasos sanguíneos com trombos (fontes de graves hemorragias)

são evidentes na base. A cicatrização pode envolver toda a espessura do estômago; o

enrugamento da mucosa adjacente cria pregas mucosas que se irradiam a partir da cratera

como os raios de uma roda. A mucosa gástrica que circunda uma úlcera gástrica é um pouco

edemaciada e avermelhada, devido à gastrite que geralemente está presente.

A aparência histológica varia de uma necrose activa, passando por uma inflamação crónica

com cicatrização até à cura. Nas úlceras activas, com necrose em andamento, quatro áreas são

demonstráveis:

- a base e as margens têm uma delegada camada superficial de restos fibrinóides necróticos

não-visíveis a olho-nu;

- abaixo desta camada, existe uma zona de infiltrado inflamatório inespecífico, com

predomínio de neutrófilos;

- nas úlceras mais profundas, especialmente na base da úlcera, existe um tecido de granulação

activo, infiltrado com leucócitos mononucleares;

- e, restos de tecido de granulação, numa cicatriz colagénea ou fibrosa mais sólida.

As paredes dos vasos dentro da área cicatricial são tipicamente espessados pela inflamação

circunjacente e estão ocasionalemtne trombosados.

Resolução

1 – Identifica o órgão. Estômago. Como se denomina esta lesão? Úlcera Péptica.

2 – Qual é a patogénese desta lesão?

Ocorre quando os mecanismos de defesa estão desregulados em relação aos mecanismos lesivos

(necrose da parede gástrica induzida por acção ácida seguido de resposta inflamatória aguda,

organização, granulação, formação tecidular e cicatrização e fibrose).

3 – Descreva as características morfológicas (A, B, C e D).

Quanto à lâmina A podemos dividi-la em 4 zonas: “toalha” necrótica; infiltrado inflamatório agudo;

tecido de granulação vascular; e, tecido de granulação fibroso. Em B, detecta-se a presença de uma

camada eosinófila contendo restos fibrinóides necróticos. Em C, identifica-se uma área de infiltrado

inflamatório não especifico com neutrófilos predominantes e fibrina que corresponde a uma área de

infiltrado inflamatório agudo. Em D, verifica-se uma cicatriz fibrosa (tecido de granulação fibroso) com

cicatriz colagénica ou mais sólida, sendo chamada de úlcera calosa quando se apresenta com um

exsudado inflamatório crónico com fibrose.

4 – Em E está representado um dos factores etiológicos mais frequentes (coloração por Giemsa e

microscopia electrónica). Qual é o agente? Helicobacter pylori

5 – Quais são as complicações que podem resultar da sua presença crónica neste órgão? Hemorragia

(quando ocorre necrose da parede de uma artéria); perfuração; obstrução por edema ou cicatrização;

neoplasias epiteliais (adenocarcinoma) ou linfóides (linfoma de MALT, que evolui para linfoma difuso de

grandes células).

Page 131: Sebenta Da Estrelinha

L6 – Alterações Vasculares

Introdução Teórica A saúde das células e órgãos depende fundamentalmente de uma circulação ininterrupta para levar o oxigénio e nutrientes necessários, bem como para remover os resíduos originados. A homeostase normal dos fluidos engloba a manutenção da integridade da parede dos vasos, bem como da pressão intravascular e osmolaridade dentro de certos limites fisiológicos. Alterações vasculares no volume, pressão, ou de teor em proteínas, bem como alterações na função endotelial, todos estes afectam a circulação de água através da parde dos vasos. A normal homeostase dos fluídos inclui ainda o também manter do sangue, como um líquido, até que no caso lesão seja necessária a formação de um coágulo. Por outro lado a incapacidade de formar um coágulo após a lesão vascular resulta em hemorragia; sangramento local pode comprometer a perfusão regional, enquanto uma hemorragia mais extensa pode resultar em hipotensão e morte. Algumas das falhas na homeostase dos fluídos reflectem uma patologia primária no leito vascular ou no sistema de coagulação; outras podem representar uma manifestação secundária de outro processo patológico.

Edema

Aproximadamente 60% da massa corporal magra é a água, dois terços da água é intracelular, e o restante encontra-se no espaço extracelular, principalmente como fluido intersticial. O termo Edema significa aumento do líquido nos espaços intersticiais dos tecidos. Além disso, dependendo do local, colecções líquidas nas diferentes cavidades corporais adquirem diversas designações hidrotórax, hidropericárdio e hidroperitoneu, sendo o último mais frequentemente denominado por ascite. Anasarca é um grave e generalizado edema com

demarcado inchaço do tecido subcutâneo. Em geral, a oposição da pressão hidrostática vascular e da pressão plasmática oncótica são os principais factores que regem o movimento de fluidos entre os espaços vascular e intersticial. Normalmente, a saída de fluido para o interstício a partir do final da microcirculação arteriolar é quase equilibrada por influxo no final venular; um pequeno excesso de fluido intersticial é drenado pelos linfáticos. Qualquer aumento da pressão capilar ou diminuição da pressão oncótica pode resultar num aumento do líquido intersticial. Como o líquido extravascular se acumula, o aumento da pressão hidrostática nos tecidos e a pressão oncótica podem eventualmente atingir um novo equilíbrio, e a água reentrar para as vénulas. Qualquer excesso de fluido intersticial é normalmente removido pela drenagem linfática, finalmente retornando para a corrente sanguínea através do canal torácico, como seria de esperar, a obstrução linfática também irá prejudicar a drenagem do fluído, resultando em edema. Finalmente, uma retenção de sódio primária, na doença renal, originando de igual modo edema nos tecidos. Aumento da Pressão Hidrostática

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Aumentos locais na pressão hidrostática podem resultar de efluxo derivado da insuficiência venosa. O aumento generalizado da pressão venosa, resultando em edema sistémico, ocorre mais frequentemente na insuficiência cardíaca congestiva, onde a função cardíaca do ventrículo direito se encontra comprometida. Embora o aumentado da pressão venosa hidrostática seja importante, a patogénese do edema cardíaco é mais complexa. A insuficiência cardíaca congestiva está associada com redução do débito cardíaco e, portanto, reduzida perfusão renal. Hipoperfusão renal, por sua vez, acciona o eixo renina-angiotensina-aldosterona, induzindo retenção de sódio e água pelos rins - Aldosteronismo Secundário. Este processo é concebido para aumentar o volume intravascular e assim melhorar o débito cardíaco, através da lei Frank-Starling, originando o restabelecer da perfusão renal. Se o coração não pode aumentar o débito cardíaco, porém, o excesso de líquido resulta apenas em aumento da carga da pressão venosa e, eventualmente edema. Redução da Pressão Oncótica Plasmática A redução da pressão oncótica plasmática pode resultar da perda excessiva ou síntese reduzida de albumina, ou outras proteínas do soro responsáveis pela manutenção da pressão oncótica. Uma importante causa de perda de albumina é o Síndrome Nefrótico, caracterizado por uma perda da parede capilar glomerular e edema generalizado. A síntese diminuída de albumina surge num contexto de patologia hepática difusa (ex. Cirrose) ou como consequência da desnutrição protéica. Em cada caso, a reduzida pressão oncótica plasmática leva a uma passagem de fluido para o espaço intersticial e um consequente diminuição do volume plasmático. É previsível que com a redução do volume intravascular, consequente hipoperfusão renal e hiperaldosteronismo secundário surja neste cenário. O sódio e a água retidos não conseguem corrigir o volume plasmático deficitário, o que se justifica pelo facto de o principal defeito ser a baixa de proteínas séricas. Tal como acontece com a insuficiência cardíaca congestiva, o edema precipitado pela hipoproteinemia é agravado pela retenção de sal e líquidos. Obstrução Linfática A interrupção da drenagem linfática e consequente linfedema é geralmente localizado, podendo resultar da obstrução inflamatória ou neoplásica. O exemplo clássico de obstrução linfática de causa inflamatória centra-se nos diversos tipos de filaríase, sendo consequência da infecção parasitária. Nestes casos de filaríase, o caso mais complexo e com uma apresentação mais floreada denomina-se elefantíase. No carcinoma da mama, infiltração e obstrução dos linfáticos podem causar edema superficial da pele sobrejacente, dando origem à aparência de peau d'orange. Retenção de Sódio e Água A retenção de sódio e água são claramente factores contributivos em várias formas de edema, porém, a retenção de sal pode também ser uma causa primária de edema. O aumento de sal, com o consequente co-transporte de água, provoca o aumento da pressão hidrostática e diminuição da pressão oncótica vascular. A retenção de sódio e água podem ocorrer com qualquer redução aguda da função renal, incluindo glomerulonefrite e insuficiência renal aguda. Morfologia - Edema O Edema é mais facilmente reconhecido grosseiramente; microscopicamente o edema geralmente manifesta apenas como uma subtil turgescência das células, com transparência e separação dos elementos da matriz extracelular. Embora qualquer órgão ou tecido do corpo possa desenvolver edema, é mais frequentemente encontrado nos tecidos subcutâneos, pulmões e cérebro. O edema grave e generalizado é denominado anasarca.

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O Edema Subcutâneo pode ter diferentes distribuições dependendo da causa. Pode ser difuso, ou pode ser relativamente mais visível nos locais de maior pressão hidrostática. Neste último caso, a distribuição do edema é normalmente influenciada pela gravidade e é considerada dependente. Os edemas dependentes de partes do corpo (ex. Membro Inferior) são uma característica proeminente da insuficiência cardíaca congestiva, especialmente do ventrículo direito. O Edema como resultado de uma disfunção renal ou síndrome nefrótico é geralmente mais grave do que o edema cardíaco e afecta todas as partes do corpo de forma igual. Pode, no entanto, manifestar-se inicialmente nos tecidos com uma matriz de tecido conjuntivo laxo, tais como as pálpebras; O edema periorbital é um achado característico da doença renal grave. O Edema Pulmonar é um problema clínico comum, normalmente mais visto na definição de insuficiência ventricular esquerda, mas também ocorre em Insuficiência Renal, Síndrome de Dificuldade Respiratório Aguda, Infecções Pulmonares e Reacções de Hipersensibilidade. Os pulmões apresentam duas a três vezes o seu peso normal, e o seu seccionamento revela um fluído sanguionolento, representando uma mistura de ar, fluido, e extravasamento de glóbulos vermelhos. O Edema Cerebral pode ser localizada (ex. Abscesso ou Neoplasia), ou pode ser generalizada (ex. Encefalite, Crises Hipertensivas, ou Obstrução ao Fluxo Venoso). O trauma pode resultar em edema local ou generalizado, dependendo da natureza e extensão da lesão. No edema generalizado, o cérebro incha na sua totalidade, apresentando sulcos estreitados e circunvuloções distendidas, são ainda visíveis sinais de achatamento inflexível contra o crânio.

Hiperémia e Congestão

Os termos Hiperémia e Congestão ambos indicam um aumento local do volume de sangue em determinado tecido. A hiperémia é um processo activo resultante do influxo aumentado devido à dilatação arteriolar, como no músculo esquelético durante o exercício ou em locais de inflamação. O tecido apresenta-se avermelhado devido ao ingurgitamento de vasos com sangue oxigenado. O congestionamento é um processo passivo resultante da imparidade do efluxo de um tecido. Pode ocorrer sistemicamente, como na insuficiência cardíaca, ou pode ser local, resultante de uma obstrução venosa isolada. O tecido tem uma cor vermelho-azulado – cianose -, especialmente nos congestionamentos mais graves que levam ao acumular de hemoglobina desoxigenada nos tecidos afectados. A congestão e edema comummente ocorrem juntos, principalmente no leito capilar onde congestionamentos podem resultar em edema devido ao aumento da transudação de líquido. No congestionamento prolongado, denominado congestão passiva crónica, o imobilismo do sangue mal oxigenado também provoca hipóxia crónica, o que pode resultar em morte ou degeneração de células parenquimatosas. A ruptura capilar nestes locais de congestionamento crónico pode também causar pequenos focos de hemorragia; repartição e fagocitose dos restos de glóbulos vermelhos pode eventualmente resultar em pequenos aglomerados de macrófagos preenchidos por hemossiderina. Morfologia - Congestão

O corte de superfícies hiperémiadas ou de tecidos congestionados são hemorrágicos e húmido. Microscopicamente, a Congestão Pulmonar

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Aguda é caracterizada por capilares alveolares ingurgitados com sangue, pois pode estar associada ao edema septal alveolar e/ou hemorragias focais intra-alveolar. Na Congestão Pulmonar Crónica, os septos estão espessados e fibróticos, os espaços alveolares podem conter numerosos macrófagos carregados de hemossiderina. Na Congestão Hepática Aguda, a veia central e os sinusóides estão distendidos devido ao sangue, e podendo mesmo existir degeneração dos hepatócitos centrais; os hepatócitos periportais, são melhor oxigenados devido à sua proximidade com as arteríolas hepáticas, estando expostos a menos hipóxia e apenas desenvolvem alterações gordas. Na Congestão Passiva Crónica do Fígado, as regiões centrais dos lóbulos hepáticos são grosseiramente vermelho-acastanhado e levemente deprimidas, devido à acentuada perda de células, e são acentuados em redor das zonas de congestão hepática - Fígado em Noz-Moscada. Microscopicamente, há evidências de necrose centrolobular com perda de hepatócitos e hemorragia, incluindo macrófagos carregados de hemossiderina. Nos casos mais graves, na congestão hepática prolongada, pode até ser grosseiramente evidente fibrose hepática. Porque a porção central do lóbulo hepático é a última a receber sangue, a necrose centrolobular também pode ocorrer quando há diminuição do fluxo sanguíneo hepático, não existindo a necessidade de congestão hepática anterior.

Hemorragia

Hemorragia geralmente indica extravasamento de sangue devido à ruptura de um vaso. A ruptura de uma grande artéria ou veia é quase sempre devido a lesão vascular, incluindo trauma, aterosclerose, causas inflamatórias ou erosão neoplásica da parede do vaso. A Hemorragia pode-se manifestar numa variedade de padrões, dependendo do tamanho, forma e local de sangramento: - A Hemorragia pode ser externa ou pode ser fechada dentro de um tecido; a acumulação de sangue num tecido é referida como um hematoma. Os Hematomas podem ser relactivamente insignificantes (ex. Contusão), ou podem ser suficientemente grandes para serem fatais (ex.

Enorme Hematoma Retroperitoneal). - Hemorragias na pele, membranas mucosas, ou superfícies serosas com 1 a 2 mm são indicadas como Petéquias e são normalmente associadas o aumento local da pressão intravascular, baixa plaquetas – trombocitopenia-, defeitos na função plaquetária – uremia -, ou défice dos factores de coagulação. As petéquias encontram muitas vezes associadas a doenças por Meningococos. - Hemorragias ligeiramente maiores (≥ 3 mm) são

designadas Púrpuras. Estas podem ser associados com muitas das mesmas doenças que causam petéquias e também podem surgir como consequência de trauma, inflamação vascular ou aumento da fragilidade vascular; - Hematomas Subcutâneos maiores (> 1 a 2 cm) são denominados Equimoses e são caracteristicamente visto após o trauma, mas podem ser agravadas por qualquer uma das referidas condições. Os eritrócitos nestes locais hemorragias são degradados e fagocitaram por macrófagos, a hemoglobina (Vermelha e Azul) é então enzimáticamente convertida em bilirrubina (Azul-Esverdeada) e, eventualmente, em hemossiderina (Castanho-Dourado), representando o a característica mudança de cor de um hematoma. Grandes acumulações de sangue nas cavidades do corpo são designados consoante a cavidade de: hemotórax, hemopericárdio, hemoperitoneu, ou hemartrose. Nos doentes com extensa hemorragia ocasionalmente desenvolve-se icterícia devido à destruição maciça de eritrócitos e libertação sistémica de bilirrubina.

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Hemostase e Trombose

A Hemostasia normal é o resultado de um conjunto de processos que bem regulados realizam duas funções importantes: - Mantêm o sangue fluido, livre de coágulos nos vasos normais; - Estar preparados para induzir uma resposta hemostática rápida e localizada no local de lesão vascular. O estado patológico oposto ao da hemostasia é a Trombose, que pode ser considerado como uma activação inapropriada dos processos normais hemostáticos, tais como a formação de um coágulo num vaso ileso de lesão ou oclusão trombótica de um vaso após uma lesão de pequenas dimensões. Tanto a hemostasia, como a trombose são reguladas por três componentes principais: a parede vascular, as plaquetas e a cascata de coagulação. Hemostase Normal Após a lesão inicial, há um breve período de vasoconstrição arteriolar, em grande parte atribuível a mecanismos reflexos neurogénicos e pela secreção aumentada de factores locais, tais como a endotelina. O efeito é transitório, porém, e a hemorragia aumentaria se as plaquetas e o sistema de coagulação não fossem activados. A Lesão Endotelial expõe a Matriz Extracelular Sub-Endotelial altamente trombogénica, permitindo que as plaquetas adiram e se tornem activas, ou seja, sofram uma alteração na sua forma e libertem os seus grânulos secretores. Minutos após estes fenómenos, os produtos secretados recrutam plaquetas adicionais – agregação - para formar um tampão hemostático, este processo denomina-se de Hemostase Primária. O Factor Tecidual, um factor pró-coagulante vinculado à membrana sintetizado pelo endotélio, também é exposto no local da lesão. Este factor actua em conjunto com os factores secretados pelas plaquetas para activar a cascata de coagulação, culminando com a activação da trombina. Por sua vez, a trombina converte o fibrinogénio solúvel circulante em fibrina insolúvel, resultando na deposição local de fibrina. A trombina também induz um maior recrutamento plaquetário e consequente libertação de grânulos. Esta sequência – Hemostase Secundária - demora mais tempo do que a formação do tampão plaquetário inicial. Os agregados polimerizados de fibrina e plaquetas formam um tampão sólido e permanente para evitar qualquer nova hemorragia. Nesta fase, os mecanismos contra-reguladores (ex. Activador do Plasminogénio Tecidular ou t-PA), são activados para limitar o tampão hemostático.

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Endotélio As células endoteliais modulam severa e frequentemente os aspectos da hemostasia normal. Por um lado, o fluxo normal do sangue é mantido pelas propriedades endoteliais anti-plaquetárias, anticoagulantes e fibrinolíticas. Por outro lado, após a lesão ou activação, o endotélio passa a exibir várias actividades pró-coagulantes. O endotélio pode ser activado por agentes infecciosos, factores hemodinâmicos, mediadores plasmáticos e, mais significativamente, por citocinas. O equilíbrio crítico entre as actividades endoteliais anti-trombóticas e pró-trombóticas determina se a formação de trombos, propagação, ou dissolução ocorre. Propriedades Anti-Trombóticas Na maioria das circunstâncias, as células endoteliais mantêm um ambiente propício para a liquidez do fluxo sanguíneo por mecanismos que bloqueiam a adesão e agregação plaquetária, interferindo com a cascata de coagulação, e promovendo activamente a lise dos coágulos: - Efeitos Anti-Plaquetários, o endotélio intacto impede que as plaquetas e os factores de coagulação plasmáticos entrem em contacto com a altamente trombogénica MEC Subendotelial. As plaquetas não-activadas não aderem ao endotélio, uma propriedade intrínseca da membrana plasmática endotelial. Além disso, mesmo que as plaquetas sejam activadas após lesão focal do endotélio, são impedidas de aderirem ao endotélio em redor pela Protaciclina Endotelial – PGI2 – e pelo óxido nítrico - NO. Ambos os mediadores são potentes vasodilatadores e inibidores da agregação plaquetária. As células endoteliais também exprimem adenosina difosfatase, que degrada o ADP e, assim, contribui para a inibição da agregação plaquetária; - Efeitos Anti-Coagulantes, estes efeitos são mediados por moléculas do tipo-hepatina associadas à membrana e pela trombomodulina, um receptor específico da trombina. As moléculas do tipo-hepatina actuam indirectamente, são co-factores que interagem com a anti-trombina III para inactivar a trombina - factor Xa - e vários outros factores de coagulação. A trombomodulina também actua indirectamente, ligando-se à trombina, convertendo-a de pró-coagulante a anti-coagulante, sendo capaz de activar a proteína C. A proteína C activada, por sua vez, inibe a coagulação por clivagem proteolítica dos factores Va e VIIIa. Este processo exige a presença de proteína S, sintetizada pelo endotélio, como um co-factor. O endotélio é

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também uma importante fonte para de Factor Tecidual Inibidor da Via, uma molécula da superfície celular que complexa e inibe a activação dos factores VIIa e Xa; - Efeitos Fibrinolíticos, as células endoteliais sintetizam um Activador Tecidual do Plasminogénio - t-PA -, promovendo a actividade fibrinolítica para remover os depósitos de fibrina das superfícies endoteliais. Propriedades Pró-Trombóticas Embora o endotélio normalmente limite a coagulação sanguínea, também pode tornar-se pró-trombótico, com actividades que afectam as plaquetas, as proteínas de coagulação e do sistema fibrinolítico. - Efeitos Plaquetários, a lesão endotelial leva à aderência de plaquetas subjacentes à matriz extracelular, o que é facilitado pela produção de Factor Endotelial de Von Willebrand (vWF), um co-factor essencial para a ligação das plaquetas colagénio e a outras surperfícies. Deve notar-se que é um dos produtos normais do endotélio, não sendo especificamente sintetizado após lesão endotelial; - Efeitos Pró-Coagulantes, as células endoteliais também são induzidas pela endotoxina bacteriana ou por citocinas a sintetizarem o Factor Tecidual, que, como veremos, activa a Cascata Extrínseca da Coagulação. Por ligação com os Factores IXa e Xa activados, as células endoteliais aumentam ainda mais as actividades catalíticas destes factores coagulação; - Efeitos Anti-Fibrinolíticos, também as células endoteliais secretam inibidores do Factor Activador do Plasminogénio – PAIS-, estes inibem a fibrinólise. Em resumo, as células endoteliais intactas permitem principalmente inibir a adesão plaquetária e coagulação sanguínea. As lesões ou activação de células endoteliais, porém, resultam num fenótipo pró-coagulante que aumenta a formação local de coágulos.

Plaquetas As plaquetas desempenham um papel central em condições normais de hemostase. As plaquetas contêm dois tipos específicos de grânulos: - Grânulos α - expressam a molécula de adesão P-selectina nas suas membranas e contêm Fibrinogénio, Fibronectina, Factores V e VIII, Factor Plaquetário IV, Factor de Crescimento Plaquetário e TGF-β ; - Grânulos δ ou Densos- contêm Nucleótidos Adenosina (ADP e ATP), Cálcio Ionizado, Histamina, Serotonina e Adrenalina:

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Após a lesão vascular, as plaquetas entram em contacto com os componentes da MEC que normalmente estão sequestrados sob um endotélio intacto; estes incluem o colagénio, proteoglicanos, fibronectina, e outras glicoproteínas adesivas. Em contacto com a MEC, as plaquetas sofrer três reacções: - Alterações da Aderência e Forma; - Secreção ou Reacção de Libertação; - Agregação. A Adesão Plaquetária à matriz extracelular é mediada em grande parte através de interacções com vWF, que funciona como uma ponte entre os receptores de superfície plaquetários e o colagénio exposto. As deficiências genéticas do vWF - Doença de Von Willebrand - ou do Receptor da Glicoproteína Ib (GPIB) – Sindrome de Bernard-Soulier - resultam em defeitos na adesão plaquetária e distúrbios hemorrágicos. A Secreção ou Reacção de Libertação do conteúdo de ambos os tipos grânulo ocorre logo após a adesão. O processo é iniciado pela ligação dos agonistas aos receptores de superfície plaquetários seguida da fosforilação de proteínas intracelulares em cascata. A liberação do conteúdo dos grânulos δ é especialmente importante porque o cálcio é necessário para a cascata de coagulação, e o ADP é um potente mediador da agregação plaquetário. O ADP também aumenta ainda mais a ADP libertação por outras plaquetas. Por fim, a activação plaquetária leva á expressão de complexos fosfolipídicos na superfície plaquetária, que fornecem locais de ligação e nucleação para o cálcio e factores de coagulação importantes na Activação da Via Intrínseca da Coagulação.

A Agregação Plaquetária segue-se à aderência e à secreção. Além do ADP, o Tromboxano A2 (TXA2), com efeitos vasoconstritores, é igualmente secretado pelas plaquetas, sendo também um importante estímulo para a agregação plaquetária. O ADP e TXA2 originam uma reacção auto-catalítica, culminando com a ampliação da acumulação plaquetária, permitindo a formação do Tampão Hemostático Primário. Esta agregação primária é reversível, mas com a activação da Cascata de Coagulação, a trombina é sintetizada. Esta liga-se a um Receptor da Superfície Plaquetária e, juntamente com o ADP e o TXA2, causam mais

agregação. A este processo segue-se a Contracção Plaquetária, criando uma massa de plaquetas irreversivelmente fundida - Metamorfose Viscosa - que constituiu o Tampão Hemostático Secundário. Ao mesmo tempo, a trombina converte o fibrinogénio em fibrina, dentro e sobre o tampão plaquetário, permitindo a cimentação das plaquetas no local. A trombina desempenha desta forma um papel central na formação de trombos, e, como tal, é um importante alvo terapêutico para a modulação do processo trombótico. O fibrinogénio não clivado é também um importante co-factor na agregação plaquetária. A activação das plaquetas pelo ADP induz uma mudança conformacional da superfície plaquetária para que os receptores GPIIb-IIIa possam vincular-se ao fibrinogénio. O fibrinogénio vai então ligar diversas plaquetas para formar grandes agregados. A importância destas interacções é demonstrada pela hemorragia observada em pacientes com alterações congénitas dos receptores GPIIb-IIIa – Trombastenia de Glanzmann. Vale a pena salientar que a Prostaciclina ou PGI2 é um potente vasodilatador e inibe a agregação plaquetária, enquanto o TXA2 é um potente vasoconstritor e activa a agregação

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plaquetária. A interacção da PGI2 e TXA2 requintadamente equilibrada constitui um mecanismo para modular a função plaquetária humana: no estado normal, ela impede agregação plaquetária intravascular, mas depois da lesão endotelial, favorece a formação de tampões hemostáticos. Tanto os eritrócitos, como os leucócitos também são encontrados nos Tampões Hemostáticos; leucócitos aderem às plaquetas através da Molécula de Adesão P-Selectina e ao endotélio usando um grande número de receptores de adesão, que contribuem para a resposta inflamatória que acompanha trombose. A trombina também estimula directamente a adesão dos neutrófilos e monócitos, gerando fragmento de fibrina quimiotáticos que são originados a partir da clivagem do fibrinogénio. A série de eventos que ocorrem com as plaquetas pode ser resumida da seguinte forma: - As plaquetas aderem à MEC em locais de lesão endotelial, tornando-se activas; - Durante a activação, as plaquetas secretam os produtos dos seus grânulos e sintetizam TXA2; - As Plaquetas também expõem complexos fosfolipídicos que são importantes para a Via Intrínseca da Coagulação; - Endotélio Lesado ou Activado expõem o Factor Tecidual, este por sua vez desencadeia a Via Extrínseca da Coagulação; - A Libertação de ADP estimula a formação de um Tampão Hemostático Primário, sendo este eventualmente convertido, através do ADP, Trombina e TXA2, para um maior e definitivo – Tampão Secundário; - A Deposição de Fibrina e Âncoras estabilizam o agregado plaquetário. Cascata de Coagulação A Cascata de Coagulação constitui o terceiro componente do processo hemostático e é um importante contribuinte para a trombose. Esta cascata consiste essencialmente numa série de conversões enzimáticas, transformando pró-enzimas inactivas em enzimas activas, culminando na formação de trombina. A trombina converte então o precursor solúvel do fibrinogénio plasmático numa proteína fibrosa insolúvel, a fibrina. Cada reacção na via resulta da montagem de um complexo composto de uma enzima (Factor de Coagulação Activado), um substrato (Forma Pró-Enzimática do Factor de Coagulação), e um co-factor (Acelerador da Reacção). Tradicionalmente, a coagulação foi dividida numa Via Extrínseca e noutra Intrínseca, convergindo no ponto onde o Factor X é activado. A via intrínseca in vitro pode ser iniciada pela activação do Factor de HAGEMAN (Factor XII), enquanto a via extrínseca é activada pela Factor Tecidual. No entanto, esta divisão é principalmente um artefacto dos ensaios in vitro, existem, na realidade, diversas interconexões entre as duas vias. Além de catalisar os passos finais da cascata de coagulação, a trombina exerce também uma grande variedade de efeitos sobre a vascularização e inflamação local, participando ainda activamente no limitar da extensão do processo hemostático. A maioria destes efeitos é

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induzida através da ligação a uma família de Receptores Activados por Proteases (PARs). O mecanismo de activação deste receptor extracelular envolve a clivagem final do receptor através da actividade proteolítica da trombina. Assim, a interacção da trombina e do seu receptor é essencialmente um processo catalítico, o que explica a impressionante potência de um relativo pequeno número de moléculas de trombina activada para obter efeitos finais. Uma vez activada, a cascata de coagulação deve ser restrita ao local da lesão vascular para impedir a coagulação de toda a árvore vascular. Além de restringir o factor de activação, a coagulação também é regulada por três tipos de anti-coagulantes naturais: - Anti-Trombinas (ex. Anti-Trombina III), inibem a actividade da trombina e outros factores serina-proteases IXa, Xa, XIa e XIIa. A Anti-Trombina III é activada pela sua ligação às moléculas do tipo-heparina nas células endoteliais, daí a utilidade clínica da administração de heparina para minimizar os fenómenos trombóticos; - Proteínas C e S, duas proteínas dependentes da vitamina K, sendo caracterizadas pela sua capacidade de inactivar os Factores Va e VIIIa; - Factor Tecidual Inibidor da Via, é uma proteína secretada pela endotélio, formando complexos com o Factor Xa e o Factor Tecidual-VIIa, inactivando-os rapidamente para limitar a coagulação. Além de induzir coagulação, activação da cascata da coagulação também define um movimento da cascata fibrinolítica, esta irá limitar o tamanho final do coágulo. Esta acção deve-se principalmente à síntese de plasmina. A Plasmina é derivada da degradação enzimática do seu precursor inactivo, o plasminogénio. Esta molécula decompõe a fibrina e interfere com a sua polimerização. Os produtos resultantes da clivagem da fibrina – FSPs -também podem agir como Anti-Coagulantes fracos. Qualquer plasmina livre forma rapidamente complexos com o α2-inibidor da plasmina, sendo inactivado.

Células endoteliais ainda modulam o equilíbrio coagulação/anti-coagulação, libertando Inibidores do Activador do Plasminogénio (PAIS); a fibrinólise deste blocos pela inibição da ligação do t-PA à fibrina, conferem um efeito global pró-coagulante. A concentração dos PAIS encontra-se aumentada na presença trombina, bem como de algumas citocinas e provavelmente desempenham um papel no desenrolar da trombose intravascular que acompanha as inflamações graves.

Trombose

Patogénese Existem três factores principais que predispõem à formação de trombos - Tríade Virchow: - Lesão Endotelial; - Estase ou Turbulência do Fluxo Sanguíneo; - Hipercoagulabilidade Sanguínea.

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Lesão Endotelial Este é talvez um dos factores dominantes, sendo que, por si só pode levar à trombose. É particularmente importante para a formação de trombos que ocorrem no coração ou na circulação arterial, quando a presença de volumes sanguíneos elevados possam impedir a coagulação, impedindo adesão plaquetária ou diluindo os factores de coagulação. Assim, a formação de trombos dentro das cavidades cardíacas, juntamente com as placas ateroscleróticas ulceradas nas artérias, ou em locais de lesão vascular traumática ou inflamatória, são em grande devido à lesão endotelial. A perda física do endotélio leva à exposição dos componentes da MEC sub-endoteliais, promovendo a adesão plaquetária e a libertação de Factor Tecidual, conduzindo ao esgotamento local de PGI2 e PAs. No entanto, é importante salientar que não é necessário lesão ou perturbação física do endotélio para que se desenvolva trombose, qualquer perturbação no equilíbrio dinâmico do efeitos pró e anta-trombóticos do endotélio pode influenciar eventos locais coagulação. A disfunção endotelial, apesar de não existir perda celular, pode ocorrer devido ao stress hemodinâmico na hipertensão arterial, fluxo turbulento juntamente com insuficiência valvular, ou na presença de endotoxina bacteriana. Alterações no Normal Fluxo Sanguíneo A turbulência contribui para a trombose arterial e cardíaca por causar lesão ou disfunção endotelial, bem como através da formação de contra-correntes locais e zonas de estase; sendo que a estase se apresenta como um importante factor no desenvolvimento da trombose venosa. O fluxo sanguíneo normal é laminar, de tal modo que as plaquetas localizam-se centralmente no lumén vascular, estando por isso separadas do endotélio por uma zona de movimento lento e claro do plasma. A Estase e a Turbulência, por conseguinte, perturbam o fluxo laminar e conduzem as plaquetas ao contacto com o endotélio, evitam a diluição dos factores de coagulação, retardam o fluxo dos factores inibidores de coagulação e permitir a acumulação de trombos, por fim, promovem a activação das células endoteliais, predispondo à trombose local e à adesão leucócitárias. A turbulência e a estase claramente contribuem para a trombose num grande número de situações clínicas. As placas ateroscleróticas ulceradas não só expõem a MEC sub-endotelial, mas também são fontes de turbulência; enfartes do miocárdio não só estão associados a lesão endotelial, mas também originam regiões do miocárdio não-contrácteis, adicionando um elemento de estase na formação de trombos murais; a estenose da valva mitral resulta numa dilatação da aurícula esquerda, que em conjunto com fibrilação auricular, origina um local de profunda estase e uma localização privilegiada para a formação de trombos. Hipercoagulabilidade A Hipercoagulabilidade contribui para estados trombóticos com menor frequência, mas é, contudo, um componente importante na equação. É vagamente definido como qualquer alteração na cascata de coagulação que predispõe à trombose. As causas de hipercoagulabilidade podem ser alterações primárias/genéticas e secundária/adquiridas. Nas causas de hipercoagulabilidade herdada, as mutações no gene do FaCtor V e no gene da Pró-Trombina são as mais comuns. Cerca de 2% a 15% dos caucasianos possuem uma mutação específica no factor V, que conduz a uma resistência à inactivação do factor V mediada pela proteína C, promovendo a coagulação. A mudança de um único nucleotídeo na região 3'-UTR no gene da pró-trombina gene é bastante comum - 1% a 2% da população -, estando associada a elevados níveis de pró-trombina e um risco de trombose superior em quase três vezes. Níveis elevados homocisteína contribuem para a trombose venosa e arterial, bem como para o desenvolvimento da aterosclerose. Este efeito deve-se provavelmente devido à inibição da Anti-Trombina III e a Trombomodulina Endotelial.

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Embora individualmente estas alterações hereditárias sejam pouco frequentes, colectivamente são significativas, por duas razões. Primeiro, as mutações subjacentes a estas trombofilias herdadas podem ser co-herdado, e o efeito de ter duas mutações sobre o risco de trombose é muito mais do que o risco aditivo. Em segundo lugar, as pessoas com essas mutações têm um risco muito maior do que indivíduos normais de desenvolver trombose venosa quando adquiridas causas de hipercoagulabilidade, como a gravidez. A hipercoagulabilidade herdada é definida por pacientes com idade inferior a 50 anos que se apresentam com trombose na ausência de qualquer predisposição adquirida. Ao contrário destas doenças hereditárias pouco comuns, a patogénese dos distúrbios trombóticos adquiridos são muito mais frequente numa série de cenários clínicos, no entanto caracterizam-se por serem mais complexos e multifactoriais. Em algumas situações factores como a estase ou lesão vascular podem ser os factores mais importante, noutros casos (ex. contraceptivos orais e o estado hiperestrogénico da gravidez) a hipercoagulabilidade pode ser parcialmente causada pelo aumento da síntese hepática de muitos factores de coagulação e da reduzida síntese de anti-trombina III. Entre as causas de distúrbios trombóticos adquiridos, a Síndrome de Trombocitopenia Induzida por Heparina [ocorre em cerca de 5% da população, esta síndrome ocorre quando a administração de heparina não fraccionada induz a formação de anticorpos que se ligam a complexos moleculares de heparina e ao factor plaquetário. Este anticorpo também pode ligar-se a complexos similares presentes nas superfícies endotelial e plaquetária, resultando n ativação plaquetária, lesão endotelial, e um estado pró-trombótico] e a Síndrome do Anticorpo Anti-Fosfolípidos [esta caracteriza-se por altos títulos de anticorpos circulantes dirigidos contra fosfolípidos aniónicos (ex. cardiolipina e pró-trombina). Os pacientes com anticorpos anti-cardiolipina têm também um falso-positivo no teste sorológico para sífilis. In vitro estes anticorpos interferem com a organização dos complexos fosfolipídicos e, assim, inibem a coagulação. No entanto, in vivo, os anticorpos induzem um estado de hipercoagulabilidade] merecem uma atenção especial. Morfologia - Trombose Os trombos podem formar-se em qualquer parte do sistema cardiovascular: dentro das cavidades cardíacas, nas cúspides valvares, ou em artérias, veias ou capilares. Têm um tamanho e forma variável, dependendo do local de origem e as circunstâncias que levaram ao seu desenvolvimento. Os Trombos Arteriais ou Cardíacos geralmente formam-se num local de lesão endotelial (ex. placas ateroscleróticas) ou turbulência; Os Trombos Venoso caracteristicamente surgem em locais de estase. A propagação da cauda do trombo, que se dá no sentido do fluxo sanguíneo, pode não estar bem fixa e, em particular nas veias, é propensa à fragmentação, e consequente criação de um êmbolo. Os Trombos Arteriais, quando formados no coração ou aorta, os trombos podem ter grosseiramente uma aparência laminar - Linhas de Zahn; estes são produzidos por camadas alternadas de plaquetas e fibrina (cor clara) misturados com algumas camadas mais escuras contendo mais glóbulos vermelhos (cor escura). Linhas de Zahn são significativos apenas na medida em que implica uma trombose no local do fluxo sanguíneo, em veias ou nas pequenas artérias, as lâminas não são tipicamente tão evidente, e, na verdade, um trombo formado no fluxo de sangue venoso normalmente assemelha-se a sangue coagulado. No entanto, uma avaliação cuidadosa revela geralmente uma aparência irregular, com lâminas mal-definidas. Quando surgem nas cavidades cardíacas ou no lúmen da aorta, costumam aderir à parede da estrutura subjacente e são denominados trombos murais. A contracção miocárdica anormal (ex.arritmias, cardiomiopatia dilatada, ou enfarte do miocárdio) leva a trombos murais cardíacos, enquanto a placa aterosclerótica ulcerada e dilatação aneurismática da aorta são os precursores à formação de trombos. Arteriopatias Oclusivas são geralmente devido a trombos, os sítios mais comuns, em ordem decrescente, são coronárias, cerebral e artérias femoral. O trombo é geralmente sobreposto a

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uma placa aterosclerótica, embora outras formas de lesão vascular (ex. vasculite e traumatismos) podem estar envolvidos. Os trombos são tipicamente firmemente aderentes à parede arterial e ao corte apresentam-se de cor cinza-branca e friáveis, composto por um emaranhado de plaquetas, fibrina, hemácias e leucócitos. A Trombose Venosa, ou Flebotrombose, é quase invariavelmente oclusiva.A flebotrombose mais frequentemente afecta as veias dos membros inferiores (90% dos casos). Com menos frequência, podem desenvolver trombos venosos nos membros superiores, plexo peri-prostático, ou do ovário e nas veias peri-uterinas; em circunstâncias especiais, podem ser encontrados nos seios durais, na veia porta, ou as veias hepáticas. Na autópsia, post-mortem coágulos podem ser confundidos com trombos venosos. Em circunstâncias especiais, podem formar-se trombos nas válvulas cardíacas. As infecções bacterianas ou fúngicas por via sanguínea podem criar um ponto de apoio, levando a danos na válvula e ao desenvolvimento de grandes massas trombóticas, ou vegetações. Vegetações estéreis também podem desenvolver-se em válvulas não infectadas, originando estados de hipercoagulabilidade em alguns pacientes - Endocardite Trombótica Não-Bacteriana. Destino do Trombo Se um paciente sobrevive aos efeitos imediatos de uma obstrução vascular trombótica, os trombos podem sofrer um de quatro eventos: - Propagação, o trombo pode acumular mais plaquetas e fibrina, que acabará por conduzir a uma obstrução do vaso; - Embolização, trombos mais pequenos podem libertar-se e deslocar-se para outros locais; - Dissolução, podem ser removidos pela actividade fibrinolítica; - Organização e Recanalização, podem provocar inflamação e fibrose – organização - e podem, eventualmente, tornar-se recanalizados, isto é, pode restabelecer-se o fluxo vascular, ou podem ser incorporados na parede vascular, tornando-a mais espessa.

Quanto à dissolução, a activação da via fibrinolítica pode levar a uma rápida diminuição e até mesmo total lise do trombo recente. No caso dos trombos mais antigos, a polimerização da fibrina torna o trombo substancialmente mais resistentes à proteólise, e a lise é ineficaz. Isto é importante porque terapêutica fibrinolítica com infusões de agentes, tais como t-PA são susceptíveis de ser eficaz apenas para um curto período de tempo após a formação dos trombos.

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Os trombos mais antigos tendem a tornar-se organizado. Com o tempo, canais capilares são formados, podendo anastomosar-se para criar um efeito de condutas de um trombo para o outro, e deste modo re-estabelecer, em certa medida, a continuidade do lúmen original. Embora os canais possam não conseguir restaurar fluxo significativo para muitos dos vasos obstruídos, tal recanalização do trombo pode potencialmente convertê-lo numa massa vascularizada de tecido conjuntivo. Com o tempo e contracção das células mesenquimais, o tecido pode ser incorporado como um edema sub-endotelial da parede do vaso, finalmente, apenas um nódulo fibroso pode continuar a marcar o local original do trombo. Ocasionalmente, em vez de se organizar, o centro de um trombo sofre digestão enzimática, presumivelmente como um resultado da libertação de enzimas lisossomais de leucócitos e plaquetas aprisionados. Isto é particularmente provável nos grandes trombos dentro de dilatações aneurismáticas ou as cavidades cardíacas. Se a colonização bacteriana ocorre, por exemplo um trombo degradado é um meio ideal, resultando, por exemplo, no chamado aneurisma micótico. Correlações Clínicas Os trombos são significativos porque provocam obstrução das artérias e veias, sendo possíveis fontes de êmbolos. O significado de cada um depende de onde o trombo ocorre. Assim, embora possa causar congestão venosa e edema nos leitos vasculares distais a uma obstrução, uma consequência grave é a sua embolização para os pulmões, causando a morte. Inversamente, apesar de trombo arterial poder embolizar, o seu papel na obstrução vascular em sítios críticos é muito mais importante.

Coagulação Intravascular Disseminada (DIC)

Uma variedade de doenças, variando de complicações obstétricas a uma avançada malignidade, podem ser complicações da DIC, caracterizando-se pelo súbito ou insidioso aparecimento generalizados de trombos de fibrina na microcirculação. Embora estes trombos normalmente não sejam visíveis em numa inspecção geral, são facilmente perceptíveis microscopicamente e podem causar insuficiência circulatória difusa, especialmente no cérebro, pulmões, coração e rins. Com o desenvolvimento dos múltiplos trombos, existe um rápido de plaquetas e proteínas da cascata de coagulação; ao mesmo tempo, os mecanismos fibrinolíticos activados, e como resultado um transtorno inicialmente trombótico pode evoluir para um grave distúrbio hemorrágico. Deve ressaltar-se que a DIC não é uma doença primária, mas sim uma complicação potencial de qualquer condição associada a uma activação generalizada da trombina.

Embolismo

Um êmbolo é uma massa intravasculares sólida, líquida ou gasosa que é transportada pelo sangue para um local distante do seu ponto de origem. Quase todos os êmbolos representam uma parte de um trombo, daí o termo frequentemente utilizado tromboembolismo. Salvo especificação em contrário, uma embolia deve ser considerada como sendo de origem trombótica. Inevitavelmente, os êmbolos chegam a vasos pequenos demais para permitir a sua passagem, resultando numa total ou parcial oclusão vascular. As potenciais consequências de tais eventos tromboembólicos são a necrose isquémica do tecido distal, conhecida como enfarte. Dependendo do local de origem, os êmbolos podem apresentar-se em qualquer parte da árvore vascular, os resultados clínicos são melhor compreendidos a partir da perspectiva de se apresentar na embolia pulmonar ou da circulação sistémica.

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Tromboembolismo Pulmonar

Embolia pulmonar tem uma incidência de 20 a 25 por 100.000 pacientes hospitalizados. Embora a taxa de embolia pulmonar fatal tenha diminuído de 6% para 2% ao longo do último quarto de século, a embolia pulmonar ainda causa cerca de 200.000 mortes por ano nos Estados Unidos. Em mais de 95% dos casos, a embolia venosa profunda provêm de trombos nas veias da perna acima do nível do joelho. Estes êmbolos transportados através de canais progressivamente maiores e, geralmente, passam pelo lado direito do coração atingindo a vasculatura pulmonar. Dependendo do tamanho do êmbolo, que pode obstruir a principal artéria pulmonar, tendo impacto em toda a sua bifurcação, ou obstruir as arteríolas. Frequentemente, existem múltiplos êmbolos, talvez sequencialmente ou como uma chuva de pequenos êmbolos a

partir de uma única grande massa, em geral, o paciente que teve uma embolia pulmonar tem um alto risco de recorrência. Raramente, um êmbolo pode passar através de um defeito interatrial ou interventricular para ganhar acesso à circulação sistémica - Embolia Paradoxal. A maior parte das embolias pulmonares (60% a 80%) são clinicamente silenciosas, o que se deve ao reduzido tamanho dos êmbolos. Com o tempo, eles são submetidos a organização e incorporados na parede vascular. A morte súbita, insuficiência cardíaca direita - cor pulmonale -, ou colapso cardiovascular ocorre quando 60% ou mais da circulação pulmonar é obstruída com êmbolos. A obstrução das pequenas e médias artérias pode resultar numa hemorragia pulmonar, mas não costuma causar enfartes pulmonares devido ao fluxo sanguíneo duplo para a área da circulação brônquica. No caso de existir enfarte pulmonar, este geralmente apresenta uma morfologia trinagular de vértice orientado para a periferia. Múltiplos êmbolos ao longo do tempo podem causar hipertensão pulmonar com insuficiência cardíaca direita.

Tromboembolismo Sistémico

Tromboembolismo sistémico refere-se a um êmbolo a viajar dentro da circulação arterial. A maioria (80%) surge a partir de trombos murais intracardíacos, dois terços das quais são associados a enfartes da parede ventricular esquerda e outro quarto com dilatações e fibrilhação auricular esquerda. Os restantes são originários de aneurismas da aorta, trombos sobre placas arterioscleróticas ulceradas, ou fragmentação de uma vegetação valvular, com uma pequena fracção devido à embolia paradoxal, sendo que 10% a 15% das embolias sistémicas são de origem desconhecida. Em contraste com a embolia venosa, que tende a afectar principalmente em no pulmão, os êmbolos arterial podem viajar para uma ampla variedade de locais, o ponto de detenção depende da fonte e do volume do fluxo sanguíneo através dos tecidos a jusante. Os principais locais são as extremidades inferiores (75%) e no cérebro (10%), com o intestino, rins, baço, e extremidades superiores envolvidas em menor grau. As consequências da embolia sistémica dependem da extensão da garantia do suprimento vascular no tecido afectado, a vulnerabilidade do tecido à isquémia e, o calibre do vaso ocluído, em geral, os êmbolos arteriais causam enfarte dos tecidos jusante do vaso obstruídos.

Embolismo Gordo

Glóbulos microscópicos de gordura podem ser encontrados na circulação após fracturas de ossos longos ou, raramente, no trauma dos tecidos moles e queimaduras. Provavelmente, a gordura é libertada pela lesão da medula ou tecido adiposo e entra na circulação por ruptura das sinusóides ou de vénulas. Embora a embolia gordurosa traumática ocorra em cerca de 90%

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dos indivíduos com graves lesões ósseas, menos de 10% desses pacientes apresentam quaisquer achados clínicos. A síndrome da embolia gorda é caracterizada por insuficiência pulmonar, sintomas neurológicos, anemia e trombocitopenia. Os sintomas geralmente começam 1 a 3 dias após a lesão, com início súbito de taquipneia, dispneia e taquicardia. Os sintomas neurológicos incluem irritabilidade e agitação, com progressão para delírio e coma. Os doentes podem apresentar-se com trombocitopenia, presumivelmente causados por plaquetas aderindo aos êmbolos gordura; a anemia pode resultar, como consequência da agregação eritrocitária e consequente hemólise. Uma erupção cutânea difusa com petéquias é observada em 20% a 50% dos casos e é útil no estabelecimento de um diagnóstico. Nas suas formas mais exuberante é uma síndrome fatal em até 10% dos casos.

Embolismo Gasoso

Bolhas de gás no interior da circulação podem obstruir o fluxo vascular quase tão facilmente como as massas trombóticas. O ar podem entrar na circulação durante procedimentos obstétricos ou como consequência de uma lesão da parede torácica. Geralmente, em quantidade superior a 100 cc surgem manifestações clínicas. As bolhas actuam como obstáculos físicos e podem coalescer para formar massas espumosas suficientemente grandes para ocluírem os grandes vasos. Uma forma particular de embolia gasosa, denominada de Síndrome da Descompressão, ocorre quando os indivíduos são expostos a mudanças bruscas na pressão atmosférica. Mergulhadores, trabalhadores de construção submarina, e os indivíduos em aviões em rápida ascensão estão todos em risco. Quando o ar é inalado em alta pressão, há aumento da quantidade de gás, principalmente nitrogénio, tornam-se dissolvidos no sangue e tecidos. Se o mergulhador então sobe demasiado rapidamente, o nitrogénio nos tecidos expande-se e as bolhas em solução no sangue parar formarem êmbolos gasosos. Os êmbolos gasosos podem induzir isquémia focal numa série de tecidos, incluindo o cérebro e o coração. Nos pulmões, edema, hemorragia e enfisema ou atelectasias focais podem aparecer, levando à angústia respiratória. O tratamento de embolia gasosa exige a colocação do indivíduo numa câmara de compressão, forçando as bolhas de gás a estarem de novo em solução. Posteriormente a lenta descompressão teoricamente permite a progressiva reabsorção e exalação dos gases para que as bolhas obstrutivas não se re-formem. A persistência de êmbolos gasosos leva a múltiplos focos de necrose isquémica, os sítios mais comuns são a cabeça do fémur, a tíbia, e os úmeros.

Embolismos de Líquido Amniótico

Embolia de líquido amniótico é uma complicação grave, mas felizmente incomum do trabalho de parto e durante o período pós-parto imediato (1 em cada 50.000 partos). Tem uma taxa de mortalidade de 20% para 40%, e tal como outras complicações obstétricas, a embolia de líquido amniótico tornou-se uma importante causa de mortalidade materna. O início é súbito e grave caracterizando-se por dispneia, cianose e choque hipotensivo, seguido de convulsões e coma. Se o paciente sobrevive à crise inicial, surge edema pulmonar geralmente, juntamente com a DIC em 50% dos indivíduos, devido à libertação de substâncias trombogénicas provenientes líquido amniótico. A causa subjacente é a infusão de líquido amniótico ou de tecidos fetais na circulação materna através de uma lesão na placenta ou ruptura da membrana das veias uterinas.

Enfarte

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Um enfarte é uma área de necrose isquémica causada pela oclusão quer do suprimento arterial ou da drenagem venosa num determinado tecido. Nos Estados Unidos, mais de metade de todas as mortes são causadas por doenças cardiovasculares, bem como a maioria dos quais são atribuíveis aos enfartes miocárdico ou cerebral. O Enfarte Pulmonar é uma complicação comum, o enfarte intestinal é frequentemente fatal, a isquémica e necrose das extremidades – gangrena - é um grave problema na população diabética. Quase 99% de todos os enfartes resultam de eventos trombóticos ou embólicos, e quase todos como resultado da oclusão arterial. Ocasionalmente, o enfarte pode também ser causado por outros mecanismos locais, tais como vasoespasmo, expansão de um ateroma, devido à hemorragia dentro de uma placa, ou compressão extrínseca de um vaso. Outras causas incluem a torção dos vasos (ex. na torção testicular ou volvo intestinal), compressão do suprimento sanguíneo por edema ou pelo encarceramento de uma hérnia, ou a ruptura traumática do fornecimento de sangue. Embora a trombose venosa possa causar enfarte, é mais frequentemente apenas induz obstrução e congestão venosa. Enfartes causados por trombose venosa são mais prováveis em órgãos com um único canal de efluxo venoso, tais como os testículos e ovários.

Aneurismas

Um aneurisma é uma dilatação anormal localizada de um vaso sanguíneo ou a parede do coração. Quando o aneurisma é delimitado por componentes da parede arterial ou na parede atenuada do coração, ele é chamado de aneurisma verdadeiro. Estes aneurismas têm na maior parte dos casos uma origem aterosclerótica, sifilítica, congénita ou aneurisma do ventrículo esquerdo que pode seguir-se a um enfarte do miocárdio. Em contraste, um falso aneurisma ou pseudo-aneurisma é uma falha na parede vascular levando a um hematoma extravascular que livremente se comunica com o espaço intravascular, algumas vezes designado hematoma pulsante. O aneurisma mais comum é uma falsa ruptura pós-enfarte do miocárdio que foi contido por uma adesão pericárdica, ou por anastomose com uma artéria próxima. A dissecção arterial ocorre quando o sangue entra na parede da artéria, como um hematoma dissecante entre as suas camadas. A dissecção pode, mas não sempre, surge em artérias com aneurisma prévio. Os aneurismas e dissecções mais importantes são os que envolvem a aorta. O verdadeiro e falso aneurisma, bem como a dissecção, podem romper, originando uma hemorragia extensa. As duas causas mais importantes de aneurismas da aorta são aterosclerose e degeneração cística da média dos vasos arteriais. No entanto, qualquer vaso pode ser afectado por uma grande variedade de doenças que enfraquecem a parede, incluindo trauma, defeitos congénitos, infecções (ex. Aneurisma Micótico) vasculites.

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Para fins descritivos, os aneurismas podem ser classificadas pela sua forma macroscópico e tamanho: - Aneurismas Saculares, são essencialmente esférica, envolvendo apenas uma parte da parede do vaso, e variam em tamanho de 5 a 20 cm de diâmetro, muitas vezes, parcial ou totalmente preenchido por um trombo; - Aneurismas Fusiformes, envolvendo um segmento de comprimento, o seu diâmetro vai até 20 cm e o seu comprimento é variável. Alguns podem envolver todo as porções ascendente e transversal do arco aórtico, enquanto outros podem envolver amplos segmentos da aorta abdominal ou até mesmo a ilíacas. No entanto, estas formas não são específicos para qualquer doença ou manifestações clínicas.

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Lâmina D1 Dados Clínicos: Mulher, 76 anos, hipertensa. Dor torácica súbita em pontada com síncope. Faleceu 4 horas após entrada na Urgência.

Teoria – Dissecção Aórtica

A dissecção aórtica é uma doença catastrófica, caracterizada pela dissecção do snague entre os

planos laminares da média e ao longo deles, formando um canal preenchido por sangue no

interior da parede da aorta. Este canal rompe-se frequentemente, provocando hemorragia

maciça.Ao contrário dos aneurismas ateroscleróticos e sifílicos, a dissecção aórtica não está

obrigatoriamente associada a dilatação acentuada da aorta.

Adissecção aórtica ocorre principalemente em dois grupos de doentes: masi de 90% das

dissecções ocorrem em homens com idades entre 40 e 60 anos, que apresentaram HTA

anterior. O segundo grupo principal de doentes, geralmente mais jovens, possui uma

anormalidade localizada ou sistémica do tecido conjuntivo que afecta a aorta (p. ex. Síndrome

de Marfan). A dissecção pode também ser iatrogénica, como uma complicação do cateterismo

arterial. Raramente, por razões desconhecidas, a dissecção da aorta ou de seus ramos,

incluindo as artérias coronárias, ocorre durante ou após a gravidez. A ocorrência de dissecção

não é comum diante de aterosclerose significativa ou de outra causa de de fibrose medial,

como a sífilis.

Independentemente da etiologia subjacente, o estímulo que induz a laceração da intima e a

hemorragia aórtica intramural é desconhecido na maioria dos casos. Ainda assim, uma vez que

a laceração tenha ocorrido, a pressão arterial sistémica elevada promove a progressão do

hematoma medial. Terapias anti-hipertensivas agressivas são com frequência eficientes em

limitar uma dissecção em desenvolvimento.

MORFOLOGIA: Na dissecção espontânea, ocorre laceração da íntima, presumivelmente a

origem, atingindo a média da aorta ascendente sem contudo ultrapassá-la. Isto ocorre a cerca

de 10cm da valva aórtica. Estas lacerações são tipicamente transversas ou oblíquas, com 1 a

5cm de comprimento, possuindo bordos agudos e recortados. A dissecção pode estender-se

ao longo da aorta no sentido proximal em direcção ao coração, assim como no sentido distal,

algumas vezes chegando a alcançar as artérias ilíacas ou femorais. O hematoma dissecante

propaga-se de modo característico ao longo dos planos laminares da aorta, geralemente entre

o terço mediano e o terço externo. Frequentemente rompe-se provocando hemorragia

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maciça. Nalguns casos, o sangue rompe novamente para dentro do lúmen da aorta,

produzindo uma laceração secundária ou distal na íntima e um novo canal vascular no interior

da média da parede aórtica (para produzir “aorta de duplo lúmen”, com um falso lúmen). Com

o passar do tempo, o falso lúmen pode tornar-se endotelizada (“dissecção crónica”).

Patologias morfologicamente detectáveis da parede da aorta não estão sempre presentes nas

dissecções. A lesão preexistente mais frequente, que pode ser histologicamente detectada, é a

degeneração da média, frequentemente denominada degeneração medial quística. A

degeneração medial caracteriza-se por fragmentação e separação dos elementos elásticos e

fibromusculares da túnica média por pequenos espaços semelhantes a fendas, onde o tecido

elástico normal foi perdido; estas áreas são preenchidas por matriz extracelular amorfa de

tecido conjuntivo e assemelham-se a quistos, embora não sejam quistos verdadeitos.

Finalmente, pode haver perda da lâmina elástica em grandes proporções. Assim, a

terminologia “necrose medial quistica”, como a degeneração medial é frequentemente

chamada, não é correcta, uma vez que nem necrose nem quistos estão presentes. Não há

inflamação. A degeneração medial da aorta frequentemente acompanha a síndrome de

Marfan.

Doentes com dissecção resultante de HTA possuem alterações variáveis inespecíficas na

histologia da parede da aorta, variando desde fragmentação branda do tecido elástico (mais

comum) até degeneração proeminente da média.

Resolução

1 – Qual o órgão envolvido em [A]? Aorta.

2 – Que lesão está identificada pela pinça na figura [A]. Laceração da íntima da aorta.

3 – O que observa nas fotos [B] e [C]? Hematoma Intramural na Aorta – Dissecção da Aorta: o sangue circula entre a média e a adventícia o que leva ao estreitamento do lúmen.

4 – A doente morreu por “tamponamento cardíaco por hemopericárdio”. Explique a razão. O hematoma intramural pode romper a adventícia e originar uma hemorragia para o interior do saco pericárdico e assim levar ao tamponamento cardíaco, ou seja, aumenta a pressão no coração que conduz a em enchimento incompleto dos ventrículos e, por isso, dá-se um bombeamento insuficiente, que pode levar ao choque e à morte.

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Lâmina D2 Dados Clínicos: Toxicodependente, com 26 anos. Internado por dor lombar súbita. Falecimento ao 12º dia por complicações de endocardite infecciosa.

Teoria – Glomerulonefrite Proliferativa Aguda (Pós-estreptocócica, pós-infecciosa)

Este grupo de doenças glomerulares caracteriza-se anatomicamente por alterações

inflamatórias nos glomérulos e, clinicamente, por síndrome nefítica, caracterizada por

hematúria de origem glomerular, oligúria, HTA, edema e proteinúria.

Como o nome indica, este grupo de doenças caracteriza-se por proliferação difusa de células

glomerulares, associada à penetração de leucócitos. Estas lesões são tipicamente causadas por

imunocomplexos.

MORFOLOGIA: O clássico quadro diagnóstico é o de glomérulos aumentados e hipercelulares.

A hipercelularidade é causada por: infiltração por leucócitos, tanto neutrófilos quanto

monócitos; proliferação de células endoteliais e mesangiais; e em casos severos por formação

de crescentes. A proliferação e infiltração de leucócitos são difusas, isto é, envolvendo todos

os lóbulos de todos os gomérulos. Há também tumefação de células endoteliais e combinação

de proliferação, tumefacção e infiltração leucocitária que oblitera os lúmens capilares. Pode

haver edema intersticial e inflamação, e os túbulos frequentemente contêm cilindros

hemáticos.

À microscopia por imunofluorescência, há depósitos granulares de IgM, IgG e C3 no mesângio

e ao longo da membrana basal. Embora universalmente presentes, são frequentemente focais

e esparsos. Ao microscópio electrónico, visualizam-se, caracteristicamente, depósitos

discretos, amorfos e electrodensos, no lado epitelial da membrana, presumivelmente

representando os complexos antigénio-anticorpo na superfície celular epitelial. Depósitos

subendoteliais e intramembranosos também são comummente vistos, e depósitos mesangiais

podem estar presentes. Não raramente, detecta-se tumefacção de células endoteliais e

mesangiais.

Resolução

1 – Qual o órgão envolvido em [A]? Rim – enfarte renal

2 – Compare as figuras [B] e [C]. O que terá acontecido? Em C visualizamos hialinização e esclerose glomerular e em B uma zona hiperémica que a rodeia. O que aconteceu foi uma obliteração do lúmen dos capilares por edema e células inflamatórias, consequência da glomerulonefrite pós-infecciosa.

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3 – Quais as complicações possíveis de uma endocardite infecciosa? Ruptura e disfunção valvular, sopros (devido a lesões do lado esquerdo ou condição anterior cardíaca do doente), êmbolos sépticos, sépsis, glomerulonefrite mediada por imunocomplexos (hematúria, albuminúria e falência renal), petéquias, hemorragias subungueais (faixas vermelhas lineares ou em forma de eixo de vela), lesões eritematosas ou hemorrágicas indolores nas regiões palmares e plantares (lesões de Janeway), nódulos subcutâneos na polpa dos dedos (de Osler), hemorragias retinianas (manchas de Janeway).

4 – O facto de ser toxicodependente é relevante neste contexto? O facto de ser toxicodependente pode indicar a utilização de seringas. Se as agulhas forem mal esterilizadas, o contacto com o lúmen endovenoso aumenta o risco de infecção.

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Lâmina D3 Dados Clínicos: Homem saudável de 68 anos. Encontrado morto pela hospedeira de bordo à chegada a Lisboa depois de um voo sem escala de Maputo.

Teoria – Tromboembolismo Pulmonar

Coágulos de sangue que ocluem as grandes artérias pulmonares são quase sempre de origem

embólica.

A embolia pulmonar é uma complicação principalmente de doentes que já sofrem de algum

distúrbio subjacente, como uma doença cardíaca ou cancro; que ficaram imobilizados por dias

ou semanas; ou que sofreram fracturas do quadril, estando estes últimos em maior risco.

Estados hipercoaguláveis, sejam primários (p. ex., factor V de Leiden, protrombina 20210 A,

hiperhomocisteinemia e síndrome antifosfolipído) ou secundários (p. ex., obesidade, cirurgia

recente, cancro, uso de contraceptivos orais, gestação) são factores de risco frequentes. O uso

de linhas venosas centrais de demora pode ser um ninho para trombose atrial direita, que

pode ser uma fonte de embolia pulmonar.

A resposta patológica e o significado clínico de embolia pulmonar dependem da extensão da

obstrução do fluxo sanguíneo arterial, do tamanho do vaso ocluído, do número de êmbolos, do

estado geral do sistema cardiovascular e da libertação de factores vasoativos, como o

tromboxano A2 pelas plaquetas que se acumulam no local do trombo. A embolia resulta em

duas consequências fisiopatológicas principais: comprometimento respiratório, devido ao

segmento não- perfundido, apesar de ventilado, e o comprometimento hemodinâmico, devido

à maior resistência do fluxo sanguíneo pulmonar gerada pela obstrução embólica. Este último

leva à hipertensão pulmonar e pode causar uma insuficiência cardíaca direita.

MORFOLOGIA: As consequências morfológicas da oclusão embólica das artérias pulmonares

dependem do tamanho da massa embólica e do estado geral da circulação. Grandes êmbolos

podem ficar presos na artéria pulmonar principal ou nos seus principais ramos, ou alojarem-se

na bifurcação como um êmbolo em sela. A morte súbita ocorre devido, em grande parte, ao

bloqueio do fluxo de sangue através dos pulmões. A morte também pode ser causada por uma

insuficiência aguda do lado direito do coração (cor pulmonale agudo). Êmbolos menores

podem-se deslocar até vasos mais periféricos, onde podem causar enfartes. Em pacientes com

uma função cardiovascular adequada, o suprimento da artéria brônquica em geral pode

manter o parênquima pulmonar a despeito da obstrução do sistema pulmonar arterial. Sob

estas circunstâncias, podem ocorrer hemorragias, mas não se observa um enfarte do

Page 154: Sebenta Da Estrelinha

parênquima pulmonar subjacente. Somente acerca de 10% dos êmbolos realmente causam

enfarte. Apesar de a arquitectura pulmonar subjacente poder ficar obscurecida pela sufusão

de sangue, as hemorragias são distinguidas pela preservação da arquitectura pulmonar; nesses

casos, a reabsorção do sangue permite a reconstrução da arquitectura pré-existente.

A embolia pulmonar geralmente causa enfarte somente quando a circulação já é inadequada,

como em pacientes com doenças cardíacas ou pulmonares. Por esse motivo, os enfartes

pulmonares tendem a ser incomuns no jovem. Cerca de três quartos de todos os enfartes

afectam os lobos inferiores, e em mais de metade ocorrem lesões múltiplas. Elas variam em

tamanho, desde lesões que mal são visíveis a olho nu até o envolvimento maciço de grandes

partes de todo um lobo. Caracteristicamente, elas estendem-se até à periferia da substância

pulmonar como uma cunha que apresenta seu ápice direcionado para o hilo do pulmão. Em

muitos casos, um vaso ocluído pode ser identificado próximo ao ápice do enfarte.

O enfarte pulmonar classicamente é hemorrágico e aparece como uma área vermelho-azulada

elevada nos estágios iniciais. Em geral, a superfície pleural aposta é coberta por um exsudato

fibrinoso. As células vermelhas começam a sofrer lise em 48 horas, e o enfarte torna-se mais

pálido e eventualmente vermelho-marrom conforme a hemosiderina é produzida. Com o

passar do tempo, a reposição fibrosa inicia-se nas margens, na forma de uma zona periférica

branco-acinzentada, e eventualmente converte o enfarte numa cicatriz contraída.

Histologicamente, a característica do enfarte pulmonar agudo é a necrose isquêmica da

substância pulmonar dentro da área de hemorragia, afectando paredes alveolares,

bronquíolos evasos. Se alterado por uma exsudação neutrofílica mais intensa e uma reacção

inflamatória mais aguda. Essas lesões são denominadas enfartes sépticos e algumas

convertem-se em absessos.

Resolução

1 – Qual o órgão envolvido? O que observa nas fotos [A] e o que indica a seta em [B]? Pulmão, a seta indica um trombo que oclui um vaso, trata-se, portanto, de um tromoboembolismo pulmonar.

2 – O que observa no lúmen dos vasos em [C]? Em C (microtrombo de fibrina) o vaso está obstruído por um material eosinofílico constituído por GV e plaquetas. Existe uma pequena reacção inflamatória com alguns neutrófilos a circundar o material.

3 – Por vezes estas situações não são logo fatais. Nesse caso o órgão em causa teria zonas de aspecto hemorrágico. Porquê? Antes da morte, podem existir evidências de enfarte hemorrágico, devido a necrose isquémica de coagulação por oclusão do suprimento arterial ou da drenagem venosa. Os enfartes hemorrágicos (vermelhos) ocorrem em tecidos laxos que permitem que os elementos sanguíneos se acumulem nas suas malhas de fibras. Nesse caso, depois de algum tempo, ver-se-ia hemossiderina devida à hemólise dos GV.

Page 155: Sebenta Da Estrelinha

Lâmina D4 Dados Clínicos: Homem, 63 anos, fumador com estenose aórtica. História pregressa de angor. Morte súbita quando fazia “jogging” no Parque das Nações.

Teoria – Aterosclerose

A aterosclerose é caracterizada por lesões na intima denominadas ateromas ou placas

ateromatosas ou fibrogordurosas, que invadem e obstruem o lúmen vascular e enfraquecem a

média subjacente. Estas placas podem provocar sérias complicações. A presentando uma

distribuição mundial, a contribuição da aterosclerose para uma séria morbidade e mortalidade

no Ocidente é de longe maior do que a de qualquer outra doença – é responsável por

aproximadamente metade de todas as mortes.

A doença aterosclerótica sintomática acomete mais frequentemente as artérias que irrigam o

coração, o cérebro, os rins e as extremidades inferiores. EAM, enfarte cerebral (AVC),

aneurismas da aorta e doença vascular periférica (gangrena das pernas) são as principais

consequências da aterosclerose. A aterosclerose também oferece riscos por ter outras

consequências relacionadas com a perfusão arterial reduzida de modo crónico ou agudo, como

oclusão mesentérica, morte súbita cardíaca, doença cardíaca isquémica crónica e

encefalopatia isquémica.

Nas artérias pequenas, os ateromas podem obstruir os lúmens, comprometendo o fluxo

sanguíneo dos órgãos mais distantes e resultando em lesão isquémica. As placas podem

romper-se e precipitar-se, formando trombos que aumentam a obstrução do fluxo sanguíneo.

MORFOLOGIA: O processo-chave na aterosclerose é o espessamento da íntima e a acumulação

de lípidos. Um ateroma ou placa ateromatosa consiste numa lesão focal elevada que tem início

na íntima, apresentando um centro lipídico grumoso pouco consistente, amarelo

(principalmente colesterol e esteres de colesterol), coberto por uma cápsula fibrosa firme e

branca. Também denominadas placas fibrosas, fibrogordurosas, lípidicas ou fibrolipídicas, as

placas ateromatosas são brancas ou branco-amareladas, e invadem o lúmen das artérias.

Podem variar em diâmetro de 0,3 a 1,5 cm, algumas vezes fundindo-se para formar massas de

grande tamanho. As lesões ateroscleróticas geralmente envolvem apenas parte da

Page 156: Sebenta Da Estrelinha

circunferência da parede arterial (lesões “excêntricas”), e são focais e variáveis ao longo do

vaso. Inicialmente focais e de distribuição esparsa, as lesões ateroscleróticas se tornam cada

vez mais numerosas e difusas conforme a doença progride.

Na distribuição característica das placas ateroscleróticas em humanos, a aorta abdominal é

em geral muito mais comprometida do que a aorta torácica, e as lesões tendem a ser muito

mais proeminentes ao redor das origens (óstios) dos ramos principais. Em ordem decrescente

(após a aorta abdominal inferior), os vasos mais intensamente acometidos são as artérias

poplíteas, as carótidas internas e os vasos do polígono de Willis. Os vasos das extremidades

superiores em geral não são atingidos, assim como as artérias mesentéricas e renais,

excetuando-se os seus óstios. Ainda assim, em cada caso, a gravidade da aterosclerose numa

artéria não serve de indicação de gravidade em outra. Num mesmo indivíduo, e mesmo numa

mesma artéria, podem coexistir lesões em diferentes estágios.

As placas ateroscleróticas possuem três principais componentes: (1) células, inluindo as CML,

macrófagos e demais leucócitos; (2) MEC, incluindo colágeno, fibras elásticas e proteoglicanos;

e (3) lípidos intracelulares e extracelulares. Estes componentes ocorrem em proporções e

configurações variadas em diferentes lesões. Tipicamente, a cápsula fibrosa superficial é

composta por CML e uma MEC relativamente densa. Abaixo e ao lado da cápsula (o ”ombro”),

está uma área celular composta por macrófagos, CML e linfócitos T. Na região profunda em

relação à cápsula fibrosa está localizado um núcleo necrótico, contendo uma massa

desordenada de lípidos (principalmente colesterol e esteres de colesterol), fendas de

colesterol, restos de células mortas, células espumosas, fibrina, trombos de organização

variada e outras proteínas plasmáticas. As células espumosas são células grandes repletas de

lípidos que derivam predominantemente de monócitos plasmáticos (macrófagos teciduais),

mas CML também podem absorver lípidos e transformar-se em células espumosas. Por fim,

principalmente ao redor da periferia das lesões, há geralmente evidências de

neovascularização (vasos sanguineos pequenos em proliferação). Ateromas típicos contêm

uma quantidade relativamente abundante de lípidos. Ainda assim, muitas das chamadas placas

fibrosas são compostas principalmente por CML e tecido fibroso.

As placas continuam a transformar-se e progressivamente expandem-se através de morte e

degeneração celular, síntese e degradação (remodelamento) da MEC e organização de

trombos. Além disso, os ateromas também sofrem calcificações frequentes. Pacientes com

calcificação coronariana avançada parecem ter um risco elevado de eventos coronarianos.

A lesão avançada da aterosclerose representa risco de desenvolver as seguintes alterações

patológicas de importância clínica:

- A ruptura focal, ulceração ou erosão da superfície luminal das placas ateromatosas podem

resultar na expressão de substâncias altamente trombogênicas, que induzem a formação de

trombas ou a liberação de fragmentos na corrente sanguinea, produzindo microêmbolos

compostos por componentes da lesão (êmbolos de colesterol ou ateroêmbolos);

- A hemorragia nas placas, principalmente nas artérias coronárias, pode ser provocada pela

ruptura da cápsula fibrosa ou dos capilares de paredes finas que vascularizam a placa. Um

hematoma contido pode expandir a placa ou provocar a sua ruptura;

- A trombose superposta, a mais temida complicação da aterosclerose, geralmente ocorre em

lesões rompidas (aquelas com ruptura, ulceração, erosão ou hemorragia), e pode obstruir o

lúmen parcial ou completamente. Os trombos podem ser incorporados na placa da íntima,

aumentando o seu tamanho;

Page 157: Sebenta Da Estrelinha

- A dilatação aneurismática pode resultar da atrofia induzida por aterosclerose da média

subjacente, havendo perda de tecido elástico e resultando em fraqueza e ruptura em

potencial.

Resolução

1 – Qual o órgão envolvido? O que observa nas fotos [A] e [B]? Coração. Observa-se um coração com hipertrofia do tecido muscular cardíaco e tecido cicatricial.

2 – Como explica o aspecto dos núcleos em [C]? Trata-se de hipertrofia nuclear e hipercromasia devido a hiperplasia e maior produção de proteínas do citoesqueleto, o que implica maior actividade de transcrição génica.

3 – Que alterações observa em [D] e [E]? Observa-se uma artéria coronária com placa de ateroma (agulhas de colesterol, foam cells, …). Lúmen muito estreito. Estenose de 90% do lúmen e calcificação que forma buracos depois do corte.

4 – De que terá morrido o doente? Justifique a sua hipótese. A figura B retrata tecido denso hipovascular colagenoso (substituindo o tecido muscular cardíaco). Corresponde a microenfartes sucessivos que levaram a uma grande extensão das lesões e a alteração do aparelho cardionector, uma possível oclusão da artéria coronária pode ter levado a arritmia, angor, cansaço súbito e morte.

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Lâmina D5 Dados Clínicos: Mulher, 57 anos, obesa. Edema e congestão do membro inferior esquerdo 3 dias após cirurgia de prótese total da anca desse lado.

Teoria – Trombose Venosa Profunda

As veias profundas da perna respondem por mais de 90% dos casos de tromboflebite e

flebotrombose, duas designações para inflamação e trombose venosa. Insuficiência cardíaca,

neoplasia, gestação, obesidade, estados pós-operatórios e repouso acamado ou imobilização

prolongados são as predisposições clínicas mais importantes. Síndromes genéticas de

hipercoagulabilidade também podem ser associadas com a trombose venosa.

Em pacientes com cancro, particularmente adenocarcinomas do pâncreas, cólon ou pulmão, a

hipercoagulabilidade ocorre como uma síndrome paraneoplásica. As tromboses venosas

resultantes tendem a aparecer num local e logo desaparecer, sendo seguidas por tromboses

de outras veias, dando origem à chamada tromboflebite migratória (sinal de Trousseau). O

plexo venoso periprostático nos homens e as veias pélvicas nas mulheres são locais adicionais,

assim como as veias de grande calibre do crânio e os seios durais, quando estes canais se

tornam inflamados por infecções bacterianas das meninges, ouvidos médios ou mastóides. De

modo semelhante, infecções na cavidade abdominal, como peritonite, apendicite aguda,

salpingite aguda e absessos pélvicos, podem levar a inflamação e trombose da veia porta.

Trombos nas pernas podem algumas vezes produzir sinais ou sintomas nos estágios iniciais,

podendo ser também assintomáticos. De facto, manifestações locais, incluindo edema distal à

veia oclusa, cianose acentuada, dilatação de veias superficiais, calor, sensibilidade, rubor,

inchaço e dor podem estar ausentes num paciente acamado. Em alguns casos, no entanto, a

dor pode ser induzida pressionando-se as veias afectadas, comprimindo os músculos da

panturrilha ou forçando a dorsoflexão do pé (sinal de Homan).

A embolia pulmonar é uma sequela clínica comum e grave da trombose de veias profundas da

perna. A contracção dos músculos ao redor tende a “ordenhar” os conteúdos frouxos dos seus

pontos de fixação na parede venosa. Não é incomum a primeira manifestação de

tromboflebite ser o desenvolvimento de um episódio de embolia; em doentes muito doentes,

a embolia pulmonar representa o golpe final.

Uma variante especial da flebotrombose primária é a plegmasia alba dolens (perna branca

dolorosa), referindo-se à trombose venosa ileofemoral que ocorre em grávidas antes ou após o

parto. Postula-se que o trombo (predisposto por estase provocada pela pressão do útero

Page 159: Sebenta Da Estrelinha

gravídico e o estado de hipercoagulabilidade durante a gestação inicia a flebite, e a resposta

inflamatória perivenosa induz o bloqueio linfático com inchaços dolorosos.

MORFOLOGIA (TROMBOSE): Os trombos podem formar-se em qualquer parte do sistema

cardiovascular: dentro das cavidades cardíacas, nas cúspides valvares, ou em artérias, veias ou

capilares. Têm um tamanho e forma variável, dependendo do local de origem e as

circunstâncias que levaram ao seu desenvolvimento. Os Trombos Arteriais ou Cardíacos

geralmente formam-se num local de lesão endotelial (ex. placas ateroscleróticas) ou

turbulência; Os Trombos Venosos caracteristicamente surgem em locais de estase. A

propagação da cauda do trombo, que se dá no sentido do fluxo sanguíneo, pode não estar

bem fixa e, em particular nas veias, é propensa à fragmentação, e consequente criação de um

êmbolo.

Os Trombos Arteriais, quando formados no coração ou aorta, os trombos podem ter

grosseiramente uma aparência laminar - Linhas de Zahn; estes são produzidos por camadas

alternadas de plaquetas e fibrina (cor clara) misturados com algumas camadas mais escuras

contendo mais glóbulos vermelhos (cor escura). Linhas de Zahn são significativos apenas na

medida em que implica uma trombose no local do fluxo sanguíneo, em veias ou nas pequenas

artérias, as lâminas não são tipicamente tão evidente, e, na verdade, um trombo formado no

fluxo de sangue venoso normalmente assemelha-se a sangue coagulado. No entanto, uma

avaliação cuidadosa revela geralmente uma aparência irregular, com lâminas mal-definidas.

Quando surgem nas cavidades cardíacas ou no lúmen da aorta, costumam aderir à parede da

estrutura subjacente e são denominados trombos murais. A contracção miocárdica anormal

(ex.arritmias, cardiomiopatia dilatada, ou enfarte do miocárdio) leva a trombos murais

cardíacos, enquanto a placa aterosclerótica ulcerada e dilatação aneurismática da aorta são os

precursores à formação de trombos.

Arteriopatias Oclusivas são geralmente devido a trombos, os sítios mais comuns, em ordem

decrescente, são coronárias, cerebral e artérias femoral. O trombo é geralmente sobreposto a

uma placa aterosclerótica, embora outras formas de lesão vascular (ex. vasculite e

traumatismos) podem estar envolvidos. Os trombos são tipicamente firmemente aderentes à

parede arterial e ao corte apresentam-se de cor cinza-branca e friáveis, composto por um

emaranhado de plaquetas, fibrina, hemácias e leucócitos.

A Trombose Venosa, ou Flebotrombose, é quase invariavelmente oclusiva.A flebotrombose

mais frequentemente afecta as veias dos membros inferiores (90% dos casos). Com menos

frequência, podem desenvolver trombos venosos nos membros superiores, plexo peri-

prostático, ou do ovário e nas veias peri-uterinas; em circunstâncias especiais, podem ser

encontrados nos seios durais, na veia porta, ou as veias hepáticas. Na autópsia, post-mortem

coágulos podem ser confundidos com trombos venosos.

Em circunstâncias especiais, podem formar-se trombos nas válvulas cardíacas. As infecções

bacterianas ou fúngicas por via sanguínea podem criar um ponto de apoio, levando a danos na

válvula e ao desenvolvimento de grandes massas trombóticas, ou vegetações. Vegetações

estéreis também podem desenvolver-se em válvulas não infectadas, originando estados de

hipercoagulabilidade em alguns pacientes - Endocardite Trombótica Não-Bacteriana.

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Resolução

1 – Qual a estrutura envolvida em [A]? Descreva os aspectos morfológicos em [B]. Trata-se de uma veia com tromboflebite como se pode verificar pela presença em B de um exsudado inflamatório agudo e de um trombo vermelho (com muitos GV e plaquetas).

2 – Porque ficou a doente com edema do membro inferior? Explica a razão. O trombo causa uma oclusão do lúmen da veia levando a um aumento da pressão hidrostática a montante e, com isso, provocando a saída de líquido para o interstício e desencadeando o edema.

3 – Qual a relação com a cirurgia de prótese total da anca? A cirurgia, além da lesão tecidual subjacente, implica uma recuperação em repouso que leva a estase sanguínea. Tudo isto contribui para alterações hemodinâmicas como a hipercoagulabilidade que, sendo um dos três factores da tríade de Virchow contribui para a formação do trombo (que neste caso é superficial pois tem tecido cutâneo, mas normalmente é profundo). 4 – Qual o risco que esta situação coloca à doente? Pode embolizar e levar a tromboembolismo pulmonar e, consequentemente, à morte.

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Lâmina D6 Dados Clínicos: Rapaz, 14 anos, saudável. Aparecimento de dor escrotal que se foi acentuando e que motivou ida à urgência 5 horas depois.

Teoria – Torção do Cordão Espermático

A torção do cordão espermático pode cortar a drenagem venosa e o suprimento arterial para o

testículo. Geralmente, entretanto, as artérias de paredes espessas permanecem patentes, de

modo que ocorre ingurgitamento vascular intenso e enfarte venoso. Há dois tipos de torção

vascular. A torsão neonatal ocorre na fase intrauterina ou logo após o nascimento. Não

apresenta qualquer defeito anatómico associado para justificar a sua ocorrência. A torção no

adulto é tipicamente vista na adolescência, apresentando-se com o início abrupto de dor

testicular. Em contraste com a torção neonatal, a torção adulta resulta de um defeito

anatómico bilateral no qual o testículo apresenta mobilidade aumentada, gerando o que é

chamado de anormalidade em badalo de sino. Frequentemente ocorre sem qualquer lesão

desencadeadora; dor súbita anunciando a torção pode ocorrer mesmo durante o sono. A

torção é uma das poucas emergências urológicas. Se o testículo for explorado cirurgicamente e

reposicionado 6 horas após a ocorrência da torção, há uma boa chance de o testículo

permanecer viável. Para prevenir a catastrófica ocorrência de uma torção subsequente no

testículo contralateral, o testículo não afectado pela torção é fixado cirurgicamente ao escroto

(orquipexia).

MORFOLOGIA: Dependendo da duração do processo, as alterações morfológicas variam desde

congestão intensa até extravasamento disseminado de sangue para o tecido intersticial e

epidídimo. Finalmente, ocorre enfarte hemorrágico de todo o testículo. Nos estágios

avançados, o testículo é marcadamente aumentado e converte-se praticamente numa bolsa

de tecido macio, necrótico e hemorrágico.

Resolução

1 – Que estruturas estão presentes em [A]? Testículo.

2 – Qual a explicação para a cor em [B]? A cor vermelha deve-se ao sangue que se acumulou no testículo (devido ao suprimento venoso cortado, enfarte venoso e ingurgitamento vascular intenso). A consistência relativamente laxa permite a infiltração de sangue nos tecidos e enfarte vermelho, com acumulação de GV e plaquetas e de produtos da degradação dos GV (hemossiderina).

Page 162: Sebenta Da Estrelinha

3 – Consegue identificar os diferentes componentes histológicos na lâmina [C]? 4- Qual a fisiopatologia subjacente aos achados macro e microscópicos.

Page 163: Sebenta Da Estrelinha

L7 – Doenças Multissistémicas

Introdução Teórica

Acumulações Intracelulares

Uma das manifestações mais comuns de alterações metabólicas celular é a acumulação de

diversas substâncias intracelularmente. Estas acumulações podem ser sub-divididas em:

- Acumulação de constituintes celulares normais (ex. Água, Lípidos, Proteínas e Glícidos);

- Acumulação de constituintes não-celulares (ex. Compostos Minerais ou Agentes Infecciosos).

Estas acumulações podem ser transitórias ou

permanentes, podendo ser inofensivas para as

células-alvo, mas na maior parte dos casos são

extremamente agressivas. Este excesso de

substância pode ter origem na produção

exagerada por parte da célula, ou a célula pode

funcionar como um simples armazém de um

produto produzido em excesso noutro local como

consequência de um processo patológico.

Existem três fenómenos principais que tentam

explicar as causas da acumulação intracelular de

substâncias:

- Quantidades normais de substância são

produzidas ou pode mesmo existir um excesso de

produção, no entanto a taxa de metabolismo não

é suficiente para a remover;

- Uma substância endógena normal ou anormal

acumula-se porque existem defeitos genéticos ou

adquiridos no metabolismo, acondicionamento,

transporte ou secreção dessa substância;

- Uma substância exógena anormal é depositada e

acumulada porque as células não possuem

maquinaria enzimática para degradar a substância

nem transportá-la para outro local.

É importante referir que a natureza e origem das acumulações intracelulares é manter as

reservas necessárias a cada células individualmente. No entanto na presença de desequilíbrio

sistémico a situação pode descontrolar-se, desta forma a acumulação é progressiva e pode

chegar a níveis que chegam a lesar a célula, pode-se mesmo dar o extrema de as células

morrerem e consequentemente a morte do indivíduo.

Lípidos

A maior parte das classes de lípidos podem acumular-se nas células:

Page 164: Sebenta Da Estrelinha

- Triglicéridos;

- Colesterol/Ésteres de Colesterol;

- Fosfolípidos.

Os fosfolípidos são o principal componente das figuras de mielina observadas nas células

necrosadas. No caso de complexo glicido-lipídicos se formarem resultam normalmente de

doenças do armazenamento lisossomal.

Colesterol e Ésteres de Colesterol

O metabolismo celular do colesterol é estreitamente regulado, de tal forma que a maior parte

das células utiliza-o na síntese das suas membranas sem que haja acumulação intracelular

deste composto.

A acumulação manifesta-se por vacúolos intracelulares, sendo um fenómeno comum em

diversos processos patológicos:

- Aterosclerose, nas placas ateroscleróticas, as células musculares lisas e os macrófagos da

túnica íntima dos grandes vasos são preenchidas por vacúolos, estando a maior parte deles

preenchidos por colesterol ou ésteres de colesterol. Algumas destas células adquirem uma

aparência esponjosa – células esponjosas – acumulando-se na camada íntima das artérias

originando os ateromas amarelados de aglomerados de colesterol;

- Xantomas, as acumulações intracelulares de colesterol nos macrófagos são igualmente

características das hiperlipidémias hereditárias. Agrupados de células esponjosas são

encontrados no tecido conjuntivo sub-epitelial da pela e nos tendões – xantomas;

- Inflamação e Necrose, macrófagos de aparência esponjosa são frequentemente observados

em locais de lesão ou inflamação, o que deriva da fagocitose do colesterol presente nas

membranas das células lesadas. Fosfolípidos e figuras de mielina são igualmente encontradas

nestas condições;

Proteínas

A acumulação intracelular de proteínas surge habitualmente como vacúolos arredondados,

gotículas eosinófilas ou agregados no citoplasma. Em algumas patologias particulares, como é

o caso da amiloidose, as proteínas alteradas depositam-se inicialmente no espaço extracelular.

Existem diversas causas para a acumulação de proteínas:

- Reabsorção nos túbulos contornados proximais do rim;

- Produção excessiva de uma proteína normalmente excretada;

- Defeito no processamento proteico:

- Defeitos intracelulares no transporte e secreção proteica;

- Stress do Retículo Endoplasmático induzido por proteínas sem configuração ou com uma

configuração errada;

- Agregação anómala de determinadas proteínas.

Amiloidose

Resulta da acumulação extracelular de agregados proteicos, originando uma substância

amorfa, homogénea e eosinófila. Ao depositar-se nos tecidos torna-os mais espessos e rígidos,

diminuindo a sua elasticidade e função.

Estes agregados tornam-se insolúveis, de forma irreversível, dado que adquirem uma

conformação quaternária anormal de forma espontânea.

Page 165: Sebenta Da Estrelinha

Quando observada ao microscópio podem ser visíveis por coloração com o Vermelho do Congo

e apresentam cor birrefringente verde à luz polarizada.

A substância amilóide pode ser:

- Amiloide AL, ou de cadeia leve, que caracteristicamente origina-se pela proliferação de

linfócitos B que originam plasmócitos produtores de cadeias leves de imunoglobulinas, sendo

estas precursores do amilóide;

- Amiloide AA, ou associada ao amilóide, que devido à activação de macrófagos, que produzem

IL-6 e IL-1, dá-se uma activação das células hepáticas que irão produzir estas proteínas

anómalas;

- Amiloide Aβ, que deriva da clivagem do Percurso Glicoproteico Transmembranar APP, e que

se depositam nos casos de Doença de Alzheimer no parênquima cerebral em torno dos vasos

sanguíneos.

A amiloidose pode ser localizada ou sistémica, ou seja, afectar vários órgãos. Um dos casos

mais típicos de amiloidose localizada dá-se ao nível da língua, ou é possível distinguir as

impressões dentárias por aumento do volume da língua e consequente pressão contra as

arcadas dentárias.

Esta patologia pode ser primária, derivada da proliferação de linfócitos B, ou pode ser

secundária, como consequência de uma inflamação.

Os órgãos mais frequentemente afectados são o fígado, baço e rim.

Existe um tipo amiloidose hereditária, descrita pelo Professor Corino, e designada de

Amiloidose do Tipo Português. Esta caracteriza-se por uma acumulação ao nível dos membros,

originando uma atrofia neuropática, que afecta os componentes sensitivo e motor.

Alterações Hialinas

O termo hialina refere-se habitualmente a alterações intracelulares ou no espaço extracelular

que os tornam homogéneos, vítreos e de aspecto rosado quando coradas com H&E.

As acumulações intracelulares de proteínas são o exemplo mais característico de alterações

hialinas. No que toca a acumulações extracelular é mais difícil encontrar exemplos, no entanto

o colagénio de um tecido fibroso correspondente a uma cicatriz, é o exemplo mais comum.

Nos casos de hipertensão prolongada e de diabetes mellitus, as paredes das arteriolas,

especialmente as do rim, tornam-se hialinizadas devido ao extravasamento das proteínas

plasmáticas e a sua deposição na membrana basal.

Glicogénio

O excesso intracelular de depósitos de glicogénio é associado a alterações do metabolismo da

glicose ou glicogénio. Na diabetes mellitus mal controlada, o principal exemplo do

metabolismo anormal glicose, o glicogénio acumula-se no epitélio dos túbulos renais, miócitos

e células β das ilhotas de Langerhans do pâncreas. Glicogénio também se acumula num grupo

de doenças estreitamente relacionadas com as doenças genéticas, sendo na generalidade

referidas como doenças do armazenamento do glicogénio, glicogenoses. Nestas doenças,

defeitos enzimáticos na síntese ou degradação do glicogénio resultam armazenamento de

enormes quantidades deste substrato, com consequente lesão secundária e morte celular.

Page 166: Sebenta Da Estrelinha

Pigmentos

Pigmentos são substâncias coloridas que podem ser exógenos, provenientes do exterior do

corpo, ou endógenos, sintetizados no próprio organismo.

- Pigmentos Exógenos, o pigmento exógeno mais comum é o carbono (ex. Poeira de Carvão),

um poluente atmosférico omnipresente na vida urbana. Quando inalado, é fagocitado pelos

macrófagos alveolares e transportado através de canais linfáticos para os gânglios linfáticos

regionais da árvore traqueo-brônquica. Agregados deste pigmento podem escurecer os

gânglios linfáticos que drenam a zona e parênquima pulmonar exposto – Antracose. Elevadas

quantidades destas acumulações podem induzir um enfisema ou uma reacção fibroblástica

que pode conduzir a uma grave doença pulmonar chamada Pneumoconiose dos Trabalhadores

do Carvão. As tatuagens são outro exemplo de pigmentação exógena localizada. Sabe-se que

os pigmentos não originam com frequência uma reacção inflamatória;

- Pigmentos Endógenos, inclui pigmentos como a lipofuscina, melanina, e alguns derivados da

hemoglobina.

- A Lipofuscina, ou pigmento do envelhecimento, é um pigmento intracelular, insolúvel,

granular, castanho-amarelado, que se acumula numa enorme variedade de tecidos

(especialmente o coração, fígado e cérebro), como um consequência da idade ou atrofia. A

lipofuscina deriva de complexos lipídicos e proteicos que derivam peroxidação por ROS

(Radicais Livres de Oxigénio) de Lípidos poliinsaturados das membranas subcelulares. Não é

prejudicial para a célula, mas é importante como um marcador de lesão por radicais-livres no

passado. O pigmento castanho, quando presentes em grandes quantidades, transmite uma

aparência própria ao tecido, denominando-se atrofia castanha. Através de microscopia

electrónica, o pigmento é observado como grânulos peri-nucleares electro-densos;

- A Melanina é um pigmento endógeno, castanho-escuro, produzido nos melanócitos na

sequência da oxidação da tirosina catalisada pela tirosinase a dihidroxifenilanina. É sintetizada

exclusivamente pelos melanócitos localizados na epiderme e age como um escudo contra a

radiação ultravioleta. Embora melanócitos sejam a única fonte de melanina, os queratinóticos

adjacentes na pele podem acumular o pigmento (ex. Sardas). No caso da melanina, existem

diversas patologias que podem cursar com hipopigmentação, que pode ser localizada e

limitada (ex. Vitíligo) ou generalizada (ex. Albinismo), ou hiperpigmentação;

- A Hemosiderina é um pigmento derivado da hemoglobina, tem uma aparência granular e

uma cor ouro-amarelo a castanho; este pigmento acumula-se nos tecidos quando existe um

excesso local ou sistémico de ferro. O ferro é normalmente armazenado dentro de células, em

associação com a proteína apoferritina, formando micelas de ferritina. A hemossiderina é um

pigmento que representa grandes agregados de ferritina, sendo facilmente visualizados por

microscopia de luz ou electrónica. O ferro pode ser inequivocamente identificado pela reacção

histoquímicas de azul prussiano. Embora a acumulação de hemossiderina seja geralmente

patológica, pequenas quantidades deste pigmento são normalmente encontradas em

fagócitos mononucleares da medula óssea, baço e fígado, onde há uma extensa destruição de

eritrócitos. O excesso local ferro e, consequentemente, de hemossiderina, podem ser

resultado de hemorragia. Após a lise das hemácias no local da hemorragia, os restos de

glóbulos vermelhos são fagocitados pelos macrófagos, a hemoglobina é então degradada em

Page 167: Sebenta Da Estrelinha

lisossomas, com consequente acumulação de ferro, e conversão do grupo heme em

hemossiderina. A gama de cores através do qual passa a equimose reflecte estas

transformações: o original vermelho e azul da hemoglobina é transformado em vários tons de

verde-azul pela formação local de biliverdina e bilirrubina; a partir do grupo heme, o ferro da

hemoglobina é convertido em hemossiderina, originando uma tonalidade de castanho-

amarelado. Sempre que haja excesso de ferro sistémico, a hemossiderina deposita-se em

vários órgãos e tecidos - Hemossiderose.

A Hemossiderose ocorre por definição como consequência de:

- Aumento da absorção de ferro na dieta;

- Insuficiência de ferro;

- Anemia hemolítica;

- Transfusões Sanguíneas.(os glóbulos vermelhos transfundidos exógenos constituem uma

carga de ferro).

Na maioria dos casos de hemossiderose sistémica, o pigmento de ferro não danifica as células

parenquimatosas ou o funcionamento do órgão. No entanto, acumulações mais extensas de

ferro são vistas na Hemocromatose Hereditária, que neste caso originam lesão tecidual,

incluindo fibrose hepática, insuficiência cardíaca e diabetes mellitus.

Calcificações Patológicas

As calcificações são um processo comum, característico de uma grande variedade de estados

patológicos, sendo caracterizado pela deposição anormal de sais de cálcio, juntamente com

pequenas quantidades de ferro, magnésio e outros minerais. Quando a deposição ocorre em

tecidos mortos ou em necrose, é denominada Calcificação Distrófica, ocorrendo na ausência

de alterações do metabolismo do cálcio (ou seja, com níveis séricos normais de cálcio). Em

contraste, a deposição de sais de cálcio em tecidos normais, é conhecido como Calcificação

Metastática e quase sempre reflecte alguma perturbação no metabolismo do cálcio (ex.

Hipercalcémia). É importante salientar que enquanto a hipercalcémia não é uma condição

prévia para calcificação distrófica, este estado pode agravá-la.

Calcificação Distrófica

A Calcificação Distrófica é encontrada em áreas de necrose de qualquer tipo. É quase

inevitável a sua presença nos ateromas avançados de aterosclerose ou associada á lesão da

túnica íntima na aorta e grandes artérias. Embora a calcificação distrófica possa ser um achado

acidental pode indicar a existência de lesão celular no passado, que pode também ser uma

causa de disfunção orgânica. Por exemplo, calcificação pode desenvolver no envelhecimento

ou lesão de válvulas cardíacas, resultando em válvulas severamente comprometidas no que

toca ao seu movimento. Calcificação distrófica das válvulas da aorta é uma importante causa

de estenose aórtica no idoso.

Patogénese

A patogénese da calcificação distrófica envolve o início (ou nucleação) e a propagação, sendo

que ambas podem ser intra ou extracelular; o produto final é a formação de cristais de fosfato

de cálcio. A iniciação em locais extracelulares ocorre em vesículas vinculadas à membrana com

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cerca de 200 nm de diâmetro. Em condições normais estas vesículas nas cartilagens e ossos

são conhecidos como vesículas de matriz, e no caso de calcificação patológica são

provenientes de células degeneradas. Pensa-se que o cálcio é inicialmente concentrado nestas

vesículas devido à sua afinidade para a membrana de fosfolípidos, enquanto os fosfatos se

acumulam como resultado da acção de fosfatases vinculadas á membrana. O início da

calcificação intracelular ocorre na mitocôndria de células mortas ou em necrose que perderam

a sua capacidade de regulação do cálcio intracelular. Após o início em qualquer local,

propagação deste fenómeno termina com a formação de cristais. Esta formação de cristais é

dependente da concentração de Ca2+ e PO4- nos espaços extracelulares, a presença de

inibidores minerais, bem como do grau de colagenização, sendo que este último factor

aumenta a taxa de crescimento do cristal.

Calcificação Metastática

A Calcificação Metastática pode ocorrer nos tecidos normais, sempre que haja hipercalcémia.

As quatro principais causas de hipercalcémia são:

- Aumento da secreção da Hormona Paratiroideia (PTH), quer devido a tumores primários da

paratiróide ou a produção de PTH relacionada com proteínas de outros tumores malignos.

- Destruição do osso, devido aos efeitos da aceleração turnover ósseo (ex. Doença de Paget),

imobilização, ou tumores (ex. Catabolismo ósseo aumentado associado ao mieloma múltiplo,

leucemia, ou metástases ósseas difusas);

- Desequilíbrios relacionados com uso de vitamina D, incluindo intoxicação por Vitamina D e

Sarcoidose;

- Insuficiência renal, em que existe a retenção de fosfato, originando hiperparatiroidismo

secundário.

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Lâmina E1 Dados Clínicos: Homem, 55 anos, internado de urgência por hematemeses. Durante o internamento foi-lhe proposto um transplante hepático.

Teoria – Hemocromatose

A hemocromatose é caracterizada pela acumulação excessiva de ferro no corpo, a maior parte

do qual é depositado em órgãos parenquimatosos, como o fígado e o pâncreas. Uma vez que

os humanos não possuem uma via excretora importante para o ferro, a hemocromatose

resulta de um defeito genético que causa absorção excessiva de ferro ou como uma

consequência da admininstração parentérica de ferro (geralmente na forma de transfusões). A

hemocromatose hereditária é um distúrbio herdado recessivo homozigótico. As formas

adquiridas de hemocromatose com fontes conhecidas do excesso de ferro são chamadas de

hemocromatoses secundárias.

MORFOLOGIA: As alterações morfológicas da hemocromatose hereditária são caracterizadas

principalmente por:

- deposição de hemossiderina nos seguintes órgãos (em ordem decrescente de gravidade):

fígado, pâncreas, miocárdio, hipófise, glândula suprarrenal, glândula tiróide e paratiróides,

articulações e pele (detectada pela reacção histológica do azul-da-prússia ou por análise de

absorção atómica do tecido);

- cirrose;

- fibrose pancreática.

No fígado, o ferro torna-se evidente, primeiro, sob a forma de grânulos amarelo-ouro de

hemossiderina no citoplasma dos hepatócitos periportais, os quais coram de azul com a

coloração do azul-da-prússia. Com carga de ferro cada vez maior, há comprometimento

progressivo do resto do lóbulo, juntamente com pigmentação do epitélio dos ductos biliares e

células de Kupffer. O ferro é uma hepatotoxina directa, e a ausência de inflamação é

característica. Nessa fase, o fígado é tipicamente ligeiramente maior do que o normal, denso e

castanho-chocolate. Os septos fibrosos desenvolvem-se lentamente, levando em última

análise a um padrão de cirrose micronodular num fígado intensamente pigmentado.

A determinação bioquímica da concentração de ferro hepático em tecido não-fixado constitui

o padrão para a quantificação do conteúdo hepático de ferro. Em indivíduos normais, o

conteúdo de ferro do tecido hepático não-fixado é menos de 1000µg por grama de peso seco

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de fígado. Os doentes adultos com hemocromatose hereditária exibem acima de 10000 µg;

concentrações acima de 22000µg são associadas ao desenvolvimento de fibrose e cirrose.

O pâncreas torna-se intensamente pigmentado, tem fibrose intersticial difusa e pode exibir

alguma atrofia parenquimatosa. A hemossiderina é encontrada nas células acinares e das

ilhotas, e ás vezes no estroma fibroso intersticial. Muitas vezes o coração está aumentado e

tem grânulos de hemossiderina dentro das fibras miocárdicas, produzindo uma notável

coloração castanha no miocárdio. Uma delicada fibrose intersticial pode aparecer. Embora a

pigmentação da pele seja parcialmente atribuível à deposição de hemossiderina nos

macrófagos e fibroblastos dérmicos, a maior parte da pigmentação resulta da produção

aumentada de melanina na epiderme. A combinação desses pigmentos confere uma cor cinza-

ardósia característica à pele. Com deposição de hemossiderina nos revestimentos sinoviais

articulares, pode desenvolver-se uma sinovite aguda. A deposição excessiva de pirofosfato de

cálcio danifica a cartilagem articular, produzindo uma poliartrite incapacitante chmada

psudogota. Os testículos podem estar pequenos e atróficos, mas não costumam estar

pigmentados de modo significativo. Admite-se que a atrofia seja secundária a um transtorno

no eixo hipotalâmico-hipofisário.

Resolução

1 – Identifique o órgão. Quais são as principais alterações presente? Fígado. Esteatose (macro e microvesicular com padrão de transformação focal esteatósica e não com padrão difuso que é o mais normal), hemocromatose e cirrose (faixas de fibrose; fígado micronodular).

2 – Identifique a alteração presente em B, C, D e E. Identifique as células. Em B, faixas de fibrose e micronódulos, em C, pigmentos de hemossiderina no citoplasma dos hepatócitos. Em D, esteatose e, por fim, em E, pigmentos de hemossiderina dispersos no citolpasma com arquitectura hepática alterada.

3 – Se quisesse confirmar o seu diagnóstico como o faria? Coloração de azul da Prússia, coloração de Perls ou por análise de absorção atómica do tecido. 4 – Qual seria o aspecto macroscópico deste órgão? O fígado pode estar aumentado (hepatomegália) com cor castanho-chocolate. 5 – Como denomina a alteração presente em D?

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Lâmina E2 Dados clínicos: Homem, 65 anos, obeso e diabético há mais de 20 anos. Morreu no hospital com uma pneumonia.

Teoria – Glomerulosclerose Diabética

A Diabetes Mellitus é uma causa importante de morbidade e mortalidade renal e a nefropatia

diabética é uma das principais causas de insuficiência renal. Na maioria dos casos, as lesõs

mais comuns envolvem os glomérulos e estão associadas clinicamente a três síndromes

principais: proteinúria não-nefrótica, síndrome nefrótica e insuficiência renal crónica.

Entretanto, a diabtes também afecta as arteríolas, causando esclerose arteriolar hialinizante;

aumenta a susceptibilidade ao desenvolvimento de pielonefrite e particularmente necrose

papilar e causa diversas lesões tubulares. O termo “nefropatia diabética” aplica-se ao

conglomerado de lesões que frequentemente ocorrem concomitantemente no rim diabético.

As alterações morfológicas nos glomérulos incluem espessamento da membrana basal

glomerular, esclerose mesangial difusa e glomerulosclerose nodular, sendo idênticas na

diabetes tipo 1 e 2. Em suma, dois processos podem participar das lesões glomerulares

diabéticas plenamente desenvolvidas: um defeito metabólico, possivelmente ligado a

produtos avançados da glicosilação (AGEs), que é responsável pela MBG espessada e matriz

mesangial aumantada que ocorrem nos doentes; e efeitos hemodinâmicos, associados à

hipertrofia glomerular, que também contribui para o desenvolvimento de glomerulosclerose.

MORFOLOGIA:

ESPESSAMENTO DA MEMBRANA BASAL CAPILAR. Ocorre em praticamente todos os diabéticos

e de forma generalizada, independentemente da presença de proteinúria, e é parte da

microangiopatia diabética. Espessamento puro da membrana basal pode ser detectado apenas

à ME. Estudos morfométricos cuidadosos demonstram que esse espessamento se inicia

apenas dois anos após o inicio da diabetes tipo 1, e após cinco anos já ocorre um aumento de

30%. O espessamento ocntinua progressivamente, sendo geralmente concomitante ao

alargamento mesangial. Simultaneamente, há espessamento das membranas basais tubulares.

ESCLEROSE MESANGIAL DIFUSA. Esta lesão consiste no aumento difuso da matriz mesangial e

pode ocasionar proliferação leve de células mesangiais precocemente no proceeso patológico,

mas a proliferação celular não é uma parte proeminente desta lesão. O aumento mesangial

está tipicamente associado ao espessamento geral da MBG. As deposições na matriz são PAS-

Page 172: Sebenta Da Estrelinha

positivas. À medida que a doença progride, a expansão de áreas mesangiais pode estender-se

a configurações nodulares. Demonstrou-se que a expansão progressiva do mesângio apresenta

uma boa correlação com medidas de dterioração da função renal, como a proteinúria

crescente.

GLOMERULOSCLEROSE NODULAR. Esta entidade também é conhecida como

glomerulosclerose intercapilar ou doença de Kimmelstiel-Wilson. As lesões glomerulares

tomam a forma de nódulos de matriz ovóides ou esféricos, frequentemente laminados,

situados na periferia do glomérulo, PAS-positivos. Jazem no centro mesangial dos lóbulos

glomerulares e podem ser cercados por alças capilares periféricas evidentes ou alças

acentuadamente dilatadas. Os nódulos frequentemente exibem características de

mesangiólise com desgaste da interface mesângio/lúmen capilar, interrupção de sítios em que

os capilares estão ancorados aos eixos mesangiais e formação resultante de microaneurismas

capilares à medida que os capilares não contidos se distendem para fora como resultado de

pressões e fluxos intracapilares. Geralmente, nem todos os túbulos no glomérulo individual

são envolvidos por lesões nodulares, mas mesmo lóbulos e glomérulos não envolvidos

demonstram esclerose mesangial difusa acentuada. À medida que a doença avança, os

nódulos individuais crescem e podem finalmente comprimir e englobar os capilares,

obliterando o tufo glomerular. Estas lesões nodulares são frequentemente acompanhadas por

acumulações proeminentes de material hialino nas alças capilares. Como consequência das

lesõe glomerulares e arteriolares, o rim sofre isquémia, desenvolve atrofia e fibrose intersticial

e geralmente ocorre uma contracção geral do seu tamanho.

Glomerulosclerose nodular e esclerose mesangial difusa são lesões fundamentalmente

semelhantes do mesângio. A lesão nodular, entretanto, é altamente, mas não completamente,

específica para diabetes, desde que se tome o cuidado de excluir a glomerulonefrite

membranoproliferativa (lobular), a glomerulopatia associada à deposição de imunoglobulinas

de cadeias leves e monoclonais, amiloidose e algumas raras entidades, que podem ter uma

aparência semelhante. Aproximadamente 15 a 30% dos doentes com diabetes de longo prazo

desenvolvem glomerulosclerose nodular, na maioria das vezes associada à insuficiência renal.

Resolução

1 – Na autópsia foram recolhidos vários órgãos para estudo. Identifique este órgão. Rim.

2 – Há alterações em várias estruturas. Quais? Glomérulo, pequenas arteríolas e capilares.

3 - Descreva-as. MB tubular glomerular e dos capilares espessadas (PAS+), esclerose mesangial difusa (aumento da matriz mesangial devido ao espessamento da MBC), arteriosclerose hialina na arteríola aferente e glomerulosclerose difusa.

4 – No estudo de microscopia electrónica quais seriam as alterações mais frequentemente observadas? Aumento da matriz mesangial sobre o lúmen dos capilares glomerulares; MBG e cápsula de Bowman bem delineadas e espessadas, a formar nódulos primariamente e só depois a adquirir aspecto difuso.

5 – Que outras alterações patológicas podem ocorrer, neste órgão, em doentes diabéticos? Pielonefrite.

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Lâmina E3 Dados Clínicos: Mulher, 65 anos, diagnóstico de mieloma múltiplo, há 10 meses.

Teoria – Complicações Renais de Mieloma Múltiplo

Tumores malignos não-renais, particularmente aqueles de origem hematopoiética, afectam os

rins de diversas formas. Os envolvimentos mais comuns são tubulo-intersticiais, causados por

complicações do tumor (hipercalcemia, hiperuricémia, obstrução de ureteres) ou terapia

(irradiação, hiperuricémia , quimioterapia, infecções em doentes imunossuprimidos). À medida

que a sobrvida de doentes com neoplasias malignas aumenta, também o fazem as

complicações renais. O envolvimento renal é muitas vezes uma manifestação de mau

prognóstico do mieloma múltiplo e, por vezes, domina o quadro clínico destes doentes.

Diversos factores contribuem para o dano renal:

- proteinúria de Bence-Jones e nefropatia por cilindros. A principal causa de disfunção renal

está relacionada à proteinúria de Bence-Jones (de cadeias leves), porque a insuficiência renal

se correlaciona bem com a presença e quantidade dessa proteinúria e é incomum na sua

ausência. Dois mecanismos parecem ser responsáveispela toxixidade renal das proteínas de

Bence Jones. Primeiro, algumas cadeias leves podem ter diferentes potenciais nefrotóxicos.

Segundo, as proteínas de Bence Jones combinam-se com a glicoproteína urinária (proteína de

Tamm-Horsfall) sob condições ácidas para formar grandes cilindros tubulares,

histologicamente distintos, que obstruem os lúmens tubulares e também induzem uma

reacção inflamatória característica ao redor dos cilindros (nefropatia por cilindros);

- amiloidose, formada por acumulação de cadeias leves com uma predisposição para formar

fibrilas amilóides, que ocorrem em 6 a 24% dos doentes com mieloma;

- doença da deposição de cadeias leves. Em alguns doentes, cadeias leves depositam-se nas

membranas basais glomerulares e mesângio em formas não-fibrilares, causando uma

glomerulopatia, ou em mebranas basais tubulares, oque pode causar nefrite tubulointersticial;

- hipercalcémia e hiperuricémia, frequentemente presentes nestes doentes.

MORFOLOGIA: As alterações tubulointersticiais no mieloma múltiplo são bastante

características. Os cilindros tubulares de Bence-Jones são vistos como massas amorfas azuis ou

rosadas, às vezes cocentricamente laminadas, frequentemente com uma aparência fracturada,

preenchendo e distendendo os lúmens capilares. Alguns dos cilindros são rodeados por células

gigantes multinucleadas que são derivadas de fagócitos mononucleares. O tecido intersticial

adjacente geralmente demonstra uma resposta inflamatória inespecífica e fibrose.

Page 174: Sebenta Da Estrelinha

Ocasionalemente, os cilindros deslocam-se por erosão do stubulos para o interstício, onde

provocam uma reacção inflamatória granulomatosa. As características histológicas da

amiloidose, doença por deposição de cadeias leves e nefrocalcinose e infecção também

podem estar presentes.

Resolução

1 – Qual o órgão? Rim

2 – Descreva as alterações presentes, identificando quais as estruturas mais afectadas. As estruturas mais afectadas são o glomérulo e os vasos visualizando-se depósitos extracelulares de amilóide com completa substituição dos glomérulos por este, infiltrado mononuclear, algumas células multinucleares.

3 – No diagnóstico histológico desta alteração é importante efectuar a sua confirmação por outros métodos complementares de histoquímica. Qual é a coloração mais usada? Vermeho do Congo

4 – Como confirmaria esta positividade? Amilóide fica vermelho rosado com luz polarizada à bi-refrigência verde-amarela que se deve às dobras ß-cruzadas entre as fibras.

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Lâmina E4 Dados Clínicos: Homem, 55 anos, com história de episódios dolorosos na 1ª articulação metatarso-falângica acompanhados de calor, rubor e dor com agravamento nocturno.

Teoria – Gota

A gota é o ponto terminal comum de um grupo de distúrbios que produzem hiperuricémia. Ela

é marcada por ataques transitórios de artrite aguda iniciados pela cristalização dos uratos

dentro e ao redor das articulações, eventualmente levando a uma artrite gotosa crónica e à

deposição de massas de uratos nas articulações e em outros sítios, criando tofos. Os tofos

consistem em grandes agregados de cristais de urato cercados por reacção inflamatória. A

maioria dos doentes, mas nem todos, com gota crónica também desenvolve neuropatia por

urato.

MORFOLOGIA: As alterações morfológicas distintivas da gota são a artrite aguda, a artrite

tofácea crónica, tofos em diversos locais, e, algumas vezes, nefropatia gotosa.

Aartrite aguda caracteriza-se por um denso infiltrado neutrofílico que permeia a sinovial e o

líquido sinovial. Os cristais de urato monossódico frequentemente são encontrados no

citoplasma dos neutrófilos e estão dispostos em pequenos grumos na sinovial. Eles são longos,

esguios, com o formato de agulha, não sendo birrefringentes. A sinovial está edemaciada e

congestionada, além de conter linfócitos, plasmócitos e macrófagos dispersos. Quando o

episódio da cristalização regride e os cristais são ressolubilizados, o ataque agudo remite.

Artrite tofácea crónica evolui a partir da precipitação repetitiva de cristais de urato durante

ataques agudos. Os uratos podem incrustar fortemente as superfícies articulares e formar

depósitos visíveis na sinovial. A sinovial fica hiperplástica, fibrótica e espessada pelas células

inflamatórias, formando um pannus que destrói a cartilagem subjacente. Nos casos graves, a

condição progride para uma anquilose fibrosa ou óssea, resultando numa perda completa da

função articular.

Tofos são as marcas patognomónicas da gota. Eles são formados por grandes agregações de

cristais de urato circundados por uma intensa reacção inflamatória de macrófagos, linfócitos e

células gigantes tipo corpo estranho, que podem ter englobado completa ou parcialmente

massas de cristais. Os tofos podem aparecer na cartilagem articular das articulações e nos

ligamentos periarticulares, tendões e tecidos moles, incluindo o olecrânio, tendões de Aquiles

e lóbulos das orelhas. Menos frequentemente, podem ocorrer nos rins, cartilagens nasais, pele

Page 176: Sebenta Da Estrelinha

das pontas dos dedos, regiões palmares, e qualquer outra parte do corpo. Os tofos superficiais

podem gerar grandes ulcerações na pele sobrejacente.

Nefropatia gotosa refere-se ao distúrbio renal associado à deposição de cristais de urato

monossódico no interstício da medula renal, algumas vezes formando tofos, precipitações

intratubulares ou cristais de ácido úrico livres e a produção de cálculos renais de ácido úrico.

As complicações secundárias, como a pielonefrite, podem ocorrer, particularmente, quando os

uratos induzem alguma obstrução urinária.

Resolução

1 – Identifique onde se localiza a lesão [A]. Dentro e em redor da articulação (cartilagens, ligamentos, tendões e tecidos moles).

2 – Descreva os principais aspectos histológicos. Deposição de cristais de urato que formam massas (tofos gotosos), rodeados por fibroblastos reactivos, células mononucleares e células gigantes multinucleadas.

3 – Qual é o seu diagnóstico? Gota

4 – Justifique a presença das células assinaladas em E e F. Devido a inflamação provocada por deposição do material endógeno.

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Lâmina E5 Dados Clínicos: Homem, 73 anos, fumador desde os 15 anos de idade.

Teoria – Pneumoconiose

O termo “pneumoconiose” foi originalmente cunhado para descrever uma reacção pulmonar

não-neoplástica à inalação de peiras minerais encontradas no ambiente de trabalho.

Actualmente, o termo inclui doenças induzidas por partículas orgânicas e inorgânicas e por

fumos e vapores químicos.

Apesar de as pneumoconioses resultarem de exposições ocupacionais bem definidas a agentes

específicos encontrados no ar, as partículas da poluição aérea também apresentam efeitos

deletérios sobre a população geral, em especial em áreas urbanas.

Pneumoconiose dos Trabalhadores com Carvão (PTC). As medidas de redução da poeira nas

minas de carvão ao redor do globo reduziram drasticamente a incidência de doença induzida

pela poeira do carvão. O espectro dos achados pulmonares em trabalhadores do carvão é

amplo, variando da antracose assintomática à pneumoconiose simples dos trabalhadores do

carvão (PTC) com pouca ou nenhuma disfunção pulmonar até à PTC complicada, ou fibrose

maciça progressiva (FMP), na qual a função pulmonar está comprometida.

MORFOLOGIA: Antracose é a lesão pulmonar induzida pelo carbono mais inócua em mineiros

de carvão e é comummente observada em todos os habitantes urbanos e tabagistas. O

pigmento de carbono inalado é englobado por macrófagos alveolares ou intersticiais, que se

acumulam no tecido conjuntivo ao longo dos linfáticos, incluindo os linfáticos pleurais, ou no

tecido linfóide organizado ao longo dos brônquios ou do hilo pulmonar. Na autópsia, faixas

lineares e agregados de pigmento antracótico prontamente identificam os linfáticos

pulmonares e marcam os nódulos linfáticos pulmonares.

A PTC simples caracteriza-se pelas máculas de carvão e os nódulos de carvão, que são um

pouco maiores. A mácula de carvão consiste em macrófagos carregados de carvão; o nódulo

também contém pequenas quantidades de uma delicada rede de fibras colagenosas. Apesar

Page 178: Sebenta Da Estrelinha

de essas lesões serem dispersas por todo o pulmão, os lobos superiores e as zonas superiores

dos lobos inferiores são envolvidos de forma mais intensa. Elas localizam-se numa região

primariamente adjacente aos bronquíolos respiratórios, o local de acumulação inicial da

poeira. No curso esperado, ocorre dilatação dos alvéolos adjacentes, uma condição que

algumas vezes é denominada enfisema centrolobular.

A PTC complicada (FMP) ocorre num cenário de FTC simples e em geral requer muitos anos

para que se desenvolva. Ela caracteriza-se por cicatrizes intensamente escurecidas, com mais

de 2cm, algumas vezes chegando aos 10cm. Elas em geral são múltiplas. Microscopicamente,

as lesões consistem em colagénio denso e pigmentos. O centro da lesão quase sempre é

necrótico, provavelmente o resultado de uma isquémia local.

Resolução

1 – Onde se localiza o pigmento? Nos pulmões; ao longo das estruturas broncoalveolares, tecido conjuntivo dos septos interalveolares, ao longo da rede de vasos linfáticos e abaixo da pleura.

2 – Descreva-o. Pigmento negro, grosseiro, intracelular (dentro de macrófagos) ou extracelular.

3 – Qual é a origem? Carvão do fumo do tabaco. O pigmento induz fibrose e inflamação e tipicamente vai instalar-se nos feixes vásculo-nervosos, levando a fibrose da pleura, inflamação da serosa e aderência da pleura.

4 – Qual é a outra alteração do parênquima pulmonar? Enfisema antrolobular paracinar. Quando atingem um determinado tamanho passam a designar-se bolhas de enfisema sendo que, a sua ruptura pode levar a um pneumotórax.

5 – Como a relaciona com os dados clínicos? Hábitos tabágicos durante anos, acumulando-se o pigmento de carbono nos macrófagos alveolares e interstício que o fagocitam e migram para os gânglios linfáticos (incluindo pleurais) e tecido linfático organizado ao longo dos bronquíolos e hilo pulmonar.

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Lâmina E6 Dados Clínicos: Mulher, 50 anos, obstipação crónica.

Teoria – Pseudomelanose Cólica

Acumulação de um pigmento na mucosa do cólon, que quando observado por colonoscopia

tem um aspecto castanho. Este pigmento não é lesivo, é apenas um marcador de lesão celular.

No corte histológico, é possível observar macrófagos na lâmina própria que têm um pigmento

castanho granular (com PAS cora de vermelho). Inicialmente pensou-se que este pigmento era

melanose, um derivado da melanina (daí o nome de Pseudomelanose cólica) mas depois

chegou-se à conclusão que era lipofuscina (na verdade não é só lipofuscina, mas esta é o

constituinte predominante).

A presença deste pigmento está associada sobretudo ao uso de laxantes que conduzem a

lesões nas células e à deposição do pigmento na mucosa.

Resolução

1 – Identifique qual é a alteração neste órgão? Pseudomelanose cólica

2 – Qual é a estrutura/camada do órgão afectada? A lâmina própria da mucosa do cólon.

3 – A alteração é intra ou extracelular? Intracelular.

4 – Se é intracelular, identifique a(s) célula(s). Macrófagos.

5 – Que coloração histoquímica poderá utilizar para identificar esta alteração? PAS diastase

6 – Qual é o mecanismo etiopatogénico desta alteração? Por uso continuado de laxantes que provoca um aumento do turnover das células da mucosa do cólon, aumentando o número de células em apoptose e os detritos celulares resultantes que são fagocitados pelos macrófagos.

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L8 e L9 – Neoplasias

Introdução Teórica No ano 2000, havia 10 milhões de novos casos de cancro e de 6 milhões de mortes por cancro

no mundo. No entanto, segundo a American Cancer Society, estima-se que o cancro causou

cerca de 556.000 mortes em 2003, correspondendo a 1500 mortes por cancro por dia,

representando cerca de 23% de todas as mortes no EUA. No entanto existem descobertas

promissoras, que nos permite que uma maior percentagem de cancros seja curada ou detida

nos dias de hoje.

Definições

Neoplasia significa literalmente o processo de "novo crescimento", e um novo crescimento é

chamado de uma neoplasia. O termo tumor foi originalmente aplicado ao inchaço causado

pela inflamação. As neoplasias também pode induzir inchaços, mas esse fenómeno está

habitualmente associado a processos arrastados.

A Oncologia é o estudo dos tumores ou neoplasias. Cancro é o termo comum para todos os

tumores malignos. Embora as antigas origens deste termo sejam um pouco incertas,

provavelmente deriva do latim para o caranguejo, o cancro, presumivelmente porque um

cancro "adere a qualquer parte que se aproveita sob uma forma obstinada como o

caranguejo."

O oncologista britânico Willis definiu neoplasia da seguinte forma: "Uma neoplasia é uma

massa anormal de tecido, o crescimento do que excede e é descoordenada com a dos tecidos

normais e persiste na mesma maneira excessiva após a cessação do estímulo que evocou a

mudança. "

Sabemos que a persistência de tumores, mesmo após a retirada do estímulo desencadeante,

resulta de alterações genéticas hereditárias que são passadas para a descendência das células

tumorais. Estas alterações genéticas permitem a proliferação excessiva e não regulamentada,

que se torna autónoma, embora geralmente os tumores continuem a depender do hospedeiro

para sua nutrição e suprimento sanguíneo. Como vamos discutir mais tarde, toda a população

de células dentro de um tumor se origina a partir de uma única célula que tenha sofrido uma

alteração genética e, portanto, os tumores são constituidos por células clonais.

Nomenclatura

Todos os tumores, benignos e malignos, tem dois componentes básicos:

- Proliferam as células neoplásicas, que constituem o seu parênquima;

- Proliferação do estroma de suporte constituído por tecido conjuntivo e vasos sanguíneos.

Embora as células parenquimatosas representem a proliferação de vanguarda, ou seja, da

neoplasia propriamente dita, indo por isso determinar o seu comportamento e consequências

patológicas, o crescimento e evolução das neoplasias encontra-se dependente do seu estroma.

A proliferação do estroma e consequente suprimento sanguíneo adequado é necessário, bem

como o tecido conjuntivo fornece a estrutura para a proliferação do parênquima. Além disso,

existe toda uma comunicação entre as células tumorais e do estroma que parece influenciar

directamente o crescimento de tumores. Em alguns tumores, o estroma de suporte é escasso

e, portanto, a neoplasia apresenta uma superfície lisa e de consistência normal. Por vezes, as

Page 181: Sebenta Da Estrelinha

células parenquimatosas estimulam a formação de uma abundante de colagénio, referido

como desmoplasia. Alguns tumores, por exemplo, alguns cancros da mama são de

consistência pétrea e contornos irregulares. A nomenclatura dos tumores é feita com base no

seu componente parenquimatoso.

Tumores Benignos

Em geral, tumores benignos são designados pelo sufixo -oma anexando-o ao nome da célula

de origem. Tumores de células mesenquimais geralmente seguem esta regra. Por exemplo, um

tumor benigno decorrente de células fibroblásticas é denominado fibroma, um tumor

cartilagínio é um condroma, e um diagnóstico de tumor de osteoblastos é um osteoma.

Em contrapartida, a nomenclatura dos tumores epiteliais benignos é mais complexa, sendo as

classificações diversas, algumas com base nas células de origem, outras na arquitectura

microscópica, e outros ainda nos seus padrões macroscópicos.

Adenoma é o termo aplicado a uma neoplasia epitelial benigna que apresenta padrões

glandulares, bem como para tumores derivados de glândulas, mas não necessariamente

reproduzindo um padrão glandular.

Neoplasias epiteliais benignas que originem projecções da superfície epitelial, quer sejam

visíveis macroscópicamente, quer microscópicamente, são referidos como papilomas.

Aqueles que fazem grandes massas quísticas, como no ovário, são referidos como

cistadenomas.

Alguns tumores produzem padrões papilares que surgem em espaços quísticos e são

designados de cistadenomas papilíferos.

Quando uma neoplasia, benigna ou maligna, produz macroscopicamente uma projeção acima

da superfície mucosa, por exemplo, para o lúmen gástrico ou cólico, é denominado um pólipo.

O termo pólipo preferencialmente é restricto a tumores benignos.

Tumores Malignos

A nomenclatura dos tumores malignos basicamente segue o mesmo esquema utilizado para

neoplasias benignas, com algumas adições. Tumores malignos que surgem no tecido

mesenquimatoso são normalmente denominados sarcomas, porque apresentam pouco

estroma de tecido conjuntivo e por isso são carnosos.

Neoplasias malignas com origem nas células epiteliais, provenientes de qualquer uma das três

camadas germinativas, são designados carcinomas.

Os carcinomas podem ser ainda mais qualificado:

- crescimento com padrão glandular é designado um adenocarcinoma;

- produtor de células com aparência escamosa, em qualquer epitélio do corpo é denominado

carcinoma pavimento-celular.

É prática comum especificar, quando possível, o órgão de origem. Não raro, porém, um cancro

composto por células indiferenciadas do tecido de origem desconhecida, deve ser designado

simplesmente como um tumor maligno pouco diferenciados ou indiferenciados.

Page 182: Sebenta Da Estrelinha

Frequentemente, a diferenciação divergente de uma única linhagem celular parenquimatosas

num tecido origina

os chamados

tumores mistos. O

melhor exemplo

disto é o tumor

misto de origem na

glândula salivar.

Estes tumores

epiteliais contêm

componentes

dispersos num

estroma mixóide

que, às vezes,

contém ilhas de

cartilagem ou

mesmo osso. Todos

estes elementos,

acredita-se, surgem

a partir de células

epiteliais e

mioepiteliais com

origem na glândula

salivar, assim, a

designação destas

neoplasias é mais

frequentemente

adenoma

pleomórfico.

Page 183: Sebenta Da Estrelinha

Teratomas, em contrapartida, são compostos de uma variedade de tipos de células

parenquimatosas representativas de mais do que uma camada germinativa, normalmente

todas as três. Estes tumores surgem a partir de células totipotentes e, portanto, são

encontradas principalmente nas gónadas; podem ainda surgir, apesar de raramente, em

células primitivas sequestradas noutros locais. Estas células totipotentes diferenciam-se ao

longo de diversas linhas germinais, produzindo tecidos que podem ser identificados, por

exemplo, como pele, músculo, gordura, epitélio intestinal, e mesmo estruturas dentáriana. Um

padrão é particularmente comum visto no Teratoma Quístico do Ovário, que se diferencia

principalmente de modo a originar um tumor quístico revestido por pele repleta de cabelo,

glândulas sebáceas e estruturas dentárias.

Durante gerações, carcinomas de melanócitos foram chamados melanomas, embora a

designação correcta seja melanocarcinomas; do mesmo modo, carcinomas de origem

testicular são teimosamente designados seminomas, e hepatocarcinomas são frequentemente

denominados de hepatomas.

A nomenclatura dos tumores é importante porque denominações específicas têm implicações

clínicas específicas, mesmo entre os tumores resultantes do mesmo tecido.

Biologia do Crescimento Tumoral

A história natural da maioria dos tumores malignos podem ser divididos em quatro fases:

- Alteração maligna na célula alvo, referida como transformação;

- Crescimento das células transformadas;

- Invasão local;

- Metástases distantes.

Na grande maioria dos casos, um tumor benigno pode ser distinguido de um tumor maligno

com grande confiança em função da morfologia, por vezes, no entanto, uma neoplasia desafia

a categorização. Algumas características anatómicas podem sugerir inocência, enquanto

outros apontam em direção potencial cancerígeno. Em última análise, o diagnóstico

morfológico não pode predizer o comportamento biológico ou curso clínico de uma neoplasia

com certeza absoluta. No entanto, não é a regra, em geral, existem critérios morfológicos

pelos quais os tumores benignos e malignos podem ser diferenciados, bem como o

comportamento dos tumores pode ser previsto.

Diferenciação e Anaplasia

Diferenciação refere-se às células neoplásicas que se assemelham a células normais, tanto

morfologicamente, como funcionalmente; a ausência de diferenciação é denominada

anaplasia.

Tumores bem diferenciados são compostos por células semelhantes a células normais

maduras do tecido de origem da neoplasia. Os tumores pouco diferenciados têm células

primitivas de aspecto indiferenciadas, constituindo células não diferenciadas. Na maior parte

dos casos os tumores benignos são bem diferenciados; num tumor benigno do músculo liso –

leiomioma - tão estreitamente semelhante à célula normal que pode ser impossível

reconhecê-lo como um tumor por exame microscópico das células individuais. Só a massa

dessas células num nódulo divulga a natureza da lesão neoplásica.

Page 184: Sebenta Da Estrelinha

As neoplasias malignas, em contraste, vão desde padrões bem diferenciados para

indiferenciados. A falta de diferenciação, ou anaplasia, é considerada um marco de

transformação maligna. Anaplasia implica uma reversão de um elevado nível de diferenciação

para um nível inferior. Na realidade, as neoplasias não sofrem este processo de regressão,

surgem geralmente a partir de células estaminais que estão presentes nos tecidos

especializados.

A falta de diferenciação, ou anaplasia, é marcado por uma série de alterações morfológicas:

- Pleomorfismo, tanto as células como os núcleos caracteristicamente exibem variação no

tamanho e forma;

- Morfologia Nuclear Anormal, caracteristicamente os núcleos contêm uma abundância de

DNA e são extremamente corados de forma escura - hipercromáticos. Os núcleos são

desproporcionalmente grande para a célula, e a relação núcleo-citoplasma pode chegar a 1:1

em vez do normal 1:4 ou 1:6. A forma nuclear é muito variável, apresentando-se a cromatina

muitas vezes agregada e distribuída ao longo da membrana nuclear. Grandes nucléolos estão

geralmente presentes nesses núcleos;

- Mitoses, em comparação com tumores benignos e algumas neoplasias malignas bem

diferenciadas, os tumores indiferenciados geralmente possuem um grande número de

mitoses, reflectindo a maior actividade proliferativa das células parenquimatosas. A presença

de mitoses, no entanto, não indica necessariamente que um tumor é maligno ou de que o

tecido seja neoplásico. Uma característica morfológica das mitores na neoplasia maligna é o

caractér atípico, bizarro, originam uma célula tripolar, quadripolar, ou multipolar;

- Perda da Polaridade, para além das anormalidades citológicas, a orientação das células

anaplásicas encontra-se nitidamente perturbada;

- Outras mudanças, outra característica é a formação de de células gigantes, algumas possuem

apenas um único núcleo polimórfico enorme e outras com dois ou mais núcleos. Estas células

gigantes não devem ser confundidas com as células inflamatórias de langhans ou células

gigantes de corpo estranho, que são derivadas de macrófagos e contêm muitos núcleos

pequenos de aparência normal. No cancro de células gigantes, os núcleos são hipercromáticos

e grandes em relação à célula. O crescente número de células tumorais exige um suprimento

sanguíneo, muitas vezes o estroma vascular é escasso e, em muitos tumores anaplásicos,

grandes áreas centrais sofrem necrose isquémica.

A displasia é encontrada principalmente em epitélios, e é caracterizada por um conjunto de

mudanças que incluem uma perda de uniformidade das células individuais, bem como uma

perda na sua arquitectura espacial. As células displásicas também apresentam um considerável

pleomorfismo e muitas vezes contêm núcleos hipercromáticos que são anormalmente grandes

para o tamanho da célula. O número de mitoses é mais abundante do que o habitual, embora

quase sempre obedeçam a padrões normais. A arquitectura do tecido pode ser desordenado,

no entanto estas alterações estão confinadas a uma camada no interior do epitélio. Quando as

mudanças displásicas se tornam mais evidentes e envolvem toda a espessura do epitélio, mas

a lesão permanece confinado ao tecido normal, é considerado um estádio pré-cancerigeno e é

Page 185: Sebenta Da Estrelinha

referido como carcinoma in situ. Uma vez que a células tumorais avancem além do limites

normais, o tumor é dito como invasivo. Estas alterações são frequente em fumadores de longa

data e no Esófago de Barrett, caracterizando-se por uma displasia epitelial, acompanhada de

metaplasia, que antecede frequentemente o aparecimento de cancro. No entanto, a displasia

não tem de obrigatoriamente progredir para cancro. Alterações ligeiras a moderadas que não

impliquem mudanças de toda a espessura do epitélio podem ser reversíveis, e com a remoção

do estímulo desencadeador, o epitélio pode voltar ao normal.

Nos casos em que os tumores se encontram bem diferenciados geralmente originam os

productos normais das células que lhes deram origem; como exemplo temos um tumor nas

células de um glândula endócrina, indo originar um aumento dos níveis da hormona, podendo

desta forma ser monitorizado o desenvolver do tumor. Em alguns casos, novas funções podem

emergir. Alguns tumores podem produzir proteínas fetais, que não normalmente produzidas

por células do adulto. Existem ainda casos em que tumores de origem não endócrina

produzem hormonas, sendo que esta produção tomada a designação de ectópica.

Taxas de Crescimento

Uma questão fundamental em biologia tumoral é a compreensão dos factores que influenciam

as taxas de crescimento de tumores e o papel destes factores nos resultados clínicos e

respostas terapêuticas

Quanto tempo leva para produzir uma massa tumoral que origine manifestações clínicas?

Este cálculo é simples sendo que a célula original tem aproximadamente 10 μm de diâmetro, a

população deve ser duplicada pelo menos 30 vezes para produzir cerca 109 células (pesando

aproximadamente 1 g), que é a menor massa clinicamente detectável. Em contraste, ao fim de

10 ciclos estas células originam um tumor contendo 1012 células (pesando aproximadamente

1 kg), que é normalmente o máximo de tamanho compatível com a vida. Estas estimativas são

mínimas, com base no pressuposto de que todos os descendentes da célula transformada

manter a capacidade de se dividir e que não há perda de células durante este processo.

A taxa de crescimento de um tumor é determinada por três factores principais:

- o tempo de duplicação das células tumorais;

- a fracção de células tumorais que estão no pool replicativa;

- a taxa na qual as células são perdidas e aprisionadas no processo de crescimento.

Porque o controlo do ciclo celular se encontra ausente nestas células, as células tumorais

podem entrar mais facilmente no ciclo e sem as habituais restrições. A divisão nas células

tumorais não implica que o ciclo celular seja completado mais rapidamente, ou seja o ciclo

celular não ocorre mais rapidamente do que as células normais. Na realidade, o tempo do total

do ciclo celular é para muitos tumores igual ou maior do que a de células normais

correspondentes.

A proporção de células do tumor no seio da população que estão na pool proliferativa é

referida como a fração de crescimento. Estudos clínicos e experimentais sugerem que,

durante o início a grande maioria das células se transformaram na pool proliferativa. Com o

avançar do crescimento tumoral, as células deixam a pool proliferativa em números cada vez

maiores devido à ausência de adesão, à falta de nutrientes, ou apoptose, através da

diferenciação e pela reversão para G0. A maioria das células no centro do cancro permanece

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nas fases G0 ou G1. Assim, até ao momento um tumor é clinicamente detectável, a maioria

das células não estão na pool replicativa. Mesmo em alguns tumores de rápido crescimento, a

fracção de crescimento é de apenas cerca de 20% ou menos.

Vários ensinamentos conceptuais e práticos importantes podem ser retirados a partir de

estudos da cinética das células tumorais:

- Tumores de crescimento rápido podem ter uma alta rotatividade de células, o que implica

que ambas as taxas de proliferação e apoptose são elevadas. Obviamente, para que o tumor

cresça, a taxa de proliferação deverá ultrapassar a da apoptose;

- A fracção de crescimento das células tumorais tem um profundo efeito sobre a sua

suscetibilidade à quimioterapia. Porque a maioria dos agentes anticancerígenos agem em

células que estão no ciclo, não é difícil imaginar que um tumor que contém 5% de todas as

células na pool replicativa terá um crescimento lento, mas será relactivamente refratário ao

tratamento com drogas que actuam durante a divisão celular. Uma estratégia utilizada no

tratamento de tumores com uma baixa fracção de crescimento consiste em alterar os estado

G0 das células; o que pode ser conseguido por destruição do tumor com cirurgia ou

radioterapia. As células sobreviventes tendem a entrar no ciclo celular e, portanto, tornam-se

sensíveis à quimioterapia.

Em geral, a taxa de crescimento de tumores correlaciona-se com seu nível de diferenciação e,

portanto, os tumores mais malignos crescem mais rapidamente do que as lesões benignas.

Existem, no entanto, muitas excepções há esta banalização. A taxa de crescimento das lesões

benigna, bem como dos tumores malignos pode não ser constante ao longo do tempo.

Factores como a estimulação hormonal, a adequação do suprimento sanguíneo, e influências

desconhecidas podem afectar seu crescimento. Por exemplo, o crescimento de miomas

uterinos pode mudar ao longo do tempo devido a variações hormonais. Durante a gravidez,

leiomiomas frequentemente entram em crescimento. Essas mudanças reflectem a resposta

das células tumorais para níveis circulantes de hormonas esteróides, especialmente os

estrogénios.

Células Estaminais e Linhagens Celulares Cancerígenas

Um tumor clinicamente detectável contém uma população heterogénea de células, que teve

origem no crescimento clonal da descendência de uma única célula. No entanto, tem sido

difícil identificar as células estaminais cancerígenas, isto é, as células dentro de um tumor que

tem a capacidade de iniciar e sustentar o tumor. Estas conclusões têm implicações

importantes para o tratamento do cancro que visem a eliminação da proliferação de células.

Aparentemente, as células estaminais do cancro, similares aos seus homólogos normais, têm

uma baixa taxa de replicação. Se este for o caso, as terapias para o cancro que podem

eficientemente matar as células com elevadas taxas de divisão, vão permitir que as células

estaminais permaneçam, deixando no local células capazes de gerar o tumor. Nestas

circunstâncias, certos tumores podem facilmente re-surgir após tratamento.

Invasão Local

Quase todos os tumores benignos crescem como massas expansivas que permanecem

localizada no seu local de origem e não têm a capacidade de infiltração, invasão, ou

metastatizam para locais distantes. Porque ao crescerem e expandirem-se lentamente, levam

Page 187: Sebenta Da Estrelinha

a que se desenvolvam uma faixa de tecido compacto, às vezes denominado de cápsula fibrosa,

que os separa do tecido hospedeiro. Esta cápsula é derivada em grande parte do estroma do

tecido nativo, como resultado da atrofia das células parenquimatosas sob a pressão de

expansão do tumor. Esse encapsulamento não impede o crescimento tumoral, mas mantém o

tumor benigno como uma discreta, facilmente palpável, e facilmente deslocável massa que

pode ser cirurgicamente removido. Embora um plano bem definido de clivagem exista mais

em torno de tumores benignos, em alguns, é inexistente. Assim, os hemangiomas são muitas

vezes não encapsulado e pode parecer que penetram os tecidos adjacentes ao seu local de

origem.

O crescimento dos cancros é acompanhado pela progressiva infiltração, invasão e destruição

do tecido circundante. Em geral, os tumores malignos são mal delimitados, e um plano de

clivagem bem definido está ausente.

A maioria dos tumores malignos é invasivo e pode, obviamente, penetrar através da parede do

cólon ou de útero, por exemplo. Estes tumores não reconhecem as fronteiras anatómicas

normais. Esta capacidade invasiva torna a sua ressecção cirúrgica difícil, e mesmo se o tumor

aparenta estar bem circunscrito, é necessário eliminar uma considerável margem de tecido

aparentemente normal adjacente ao tumor infiltrativo. Próximo ao desenvolvimento de

metástases, a invasividade é o mais fiável característica que diferencia as lesões malignas de

benignas. Temos observado anteriormente que alguns cancros parecem evoluir a partir de

uma pré-fase referida como carcinoma in situ. Isto frequentemente ocorre em tumores de

pele, mama, e alguns outros sitios, sendo melhor ilustrado pelo carcinoma do colo uterino. Os

tumores epiteliais in situ exibem as características citológicas de malignidade, sem invasão da

membrana basal. Estas lesões podem ser consideradas um passo inicial de um tumor invasivo,

que com o tempo, vai penetrar além da membrana basal e invadir o estroma subepitelial.

Metástases

Metástases são implantes tumorais descontínuos com

o tumor primário. As metástases marcam

inequivocamente as neoplasias como malignas,

porque as neoplasias benignas não metastisam. A

capacidade de invasão dos tumores permite que estes

penetrem nos vasos sanguíneos e linfáticos e se

disseminem por todo o organismo. Com poucas

excepções, todos os cancros podem metastatizam. As

principais excepções são a maioria das neoplasias malignas de células gliais no sistema nervoso

central – gliomas-, e carcinomas basocelulares da pele. Ambos são formas de neoplasia

localmente invasiva, mas raramente metastatizam à distância. É então evidente que as

propriedades de invasão e metástase são independentes, no entanto ao nível molecular,

invasão e metástases representam um continuum de alterações.

Em geral, os tumores mais agressivo e mais rápido crescimento, têm uma maior probabilidade

de virem a metastatizar ou de já possuírem metástases.

Aproximadamente 30% dos pacientes recém-diagnosticados com tumores sólidos (excluindo

cancros da pele que não sejam melanomas) apresentam-se já com metástases. A propagação

metastática reduz fortemente a possibilidade de cura, portanto, nenhuma conquista consegue

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conferir maior benefício aos pacientes do que métodos para bloquear a propagação às

distância.

Vias de Disseminação

A disseminação dos tumores pode ocorrer através de uma das três vias:

- Invasão directa de cavidades ou superfícies corporais;

- Disseminação linfática;

- Disseminação hematogénica.

Embora o transplante directo de células tumorais, como, por exemplo, em instrumentos

cirúrgicos, possa teoricamente ocorrer, é raro e não vamos por isso discutir este processo

artificial.

Invasão Directa de Cavidades ou Superfícies Corporais

Na maioria das vezes está em causa a cavidade peritoneal, mas qualquer outra cavidade -

pleural, pericárdica, subaracnóidea, etc. Esta característica é particularmente comum nos

carcinomas originados nos ovários, originando uma superfície peritoneal revestida com uma

espessa camada de tecido tumoral. Surpreendentemente, as células tumorais podem

permanecer confinadas à superfície do revestimento das vísceras abdominais sem penetrar na

nos órgãos em questão.

Disseminação Linfática Esta é a via mais comum para a disseminação inicial de carcinomas, mas os sarcomas também podem utilizar esta via. Os tumores não contêm linfáticos funcionais, mas os vasos linfáticos localizados nas margens do tumor são, aparentemente, suficientes para que a disseminação linfática se dê. A ênfase dada à disseminação linfática para carcinomas e disseminação hematogénica de sarcomas é enganosa, porque, em última instância, existem numerosas interligações entre os sistemas vasculares e linfático. O padrão de envolvimento ganglionar segue as linhas naturais de drenagem linfática. É devido a este facto que carcinomas da mama normalmente surgem na parte superior dos quadrantes exteriores, sendo geralmente os gânglios axilares os primeiros a serem afectados.. Tumores do quadrante interno disseminam através de gânglios linfáticos para o interior do peito, ao longo da cadeia da artéria mamária interna. Posteriormente, os gânglios infraclavicular e supraclavicular podem estar envolvidos. No entanto, o cancro da mama é hoje considerado uma doença sistémica, mesmo no momento da detecção, sendo tratamento dirigido a ambos os locais de possível disseminação o e à erradicação das micrometastases sistémicas ocultas. Os carcinomas de pulmão decorrentes das vias respiratórias principais metastatizam primeiro para os gânglios traqueo-brônquicos, peri-hilares e mediastínicos. No cancro da mama, a determinação do envolvimento dos gânglios linfáticos axilares é muito importante para avaliar a futura evolução da doença e para a selecção das estratégias terapêuticas adequadas. Normalmente, a disseminação linfática dos tumores da mama é avaliada pela realização de uma linfadenectomia axilar; uma vez que este procedimento está associado a grande morbilidade cirúrgica, a técnica de biópsia do gânglio sentinela é frequentemente utilizada. O gânglio sentinela é definido como o primeiro gânglio de um conjunto de gânglios que drena aquela região que recebe o fluxo do tumor primário. Este procedimento pode ser feito pela injecção de corantes ou rádio-marcadores, mas a combinação dessas técnicas proporciona a melhores resultados. Esta técnica também tem sido utilizada para detectar a propagação de melanomas, tumores do cólon e outros tumores.

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Em muitos casos, os gânglios regionais servem como obstáculos a uma maior disseminação eficaz do tumor, pelo menos por um tempo. As células podem ser retidas dentro do gânglio, podem vir a ser destruídas por uma resposta imunitário específica originando alterações na morfologia do gânglio. Assim, o aumento dos gânglios pode ser causado quer pela difusão e crescimento das células cancerosas ou pela reacção hiperplásica. Portanto, o aumento ganglionar na proximidade de um tumor não significa necessariamente disseminação da lesão primária. Disseminação Hematogénica Disseminação hematogénica é típica de sarcomas, mas também é vista em carcinomas. As artérias, com as suas paredes mais espessas, são mais dificilmente penetradas do que as veias. A disseminação arterial pode ocorrer, no entanto, é mais comum as células tumorais passarem pelos capilares pulmonares, ou através shunts arteriovenosos pulmonares, ou no caso de metástases pulmonares que podem dar origem a êmbolos tumorais. Compreensivelmente, o fígado e os pulmões são os orgãos mais frequentemente envolvidos secundariamente na disseminação hematogénica. Toda a drenagem da área portal flui para o fígado, e todas as áreas drenadas pelas veias cava fluiem para os pulmões. Tumores na proximidade da coluna vertebral, muitas vezes embolizam através do plexo paravertebral, sendo por isso frequentes as metástases vertebrais de carcinomas da tiróide e da próstata. Determinados tumores têm uma propensão para a invasão das veias, nomeadamente os carcinoma de células renais que frequentemente invadem os ramos da veia renal e, em seguida, progridem até à veia cava inferior, atingindo por vezes o lado direito do coração.

Epidemiologia

Porque o cancro é uma alteração do crescimento celular e do seu comportamento, a sua causa final tem de ser definida no nível celular e subcelular. Estudo dos padrões de cancro em populações podem contribuir substancialmente para o conhecimento sobre as origens do cancro. Por exemplo, o conceito de que produtos químicos podem causar cancro surgiu da das observações de Sir Percival Pott, que relacionou o aumento da incidência de cancro escrotal nos limpa chaminés com a exposição crónica à fuligem. Assim, os principais insights sobre a causa do câncer podem ser obtidos por estudos epidemiológicos que relacionam nomeadamente influências ambientais, hereditárias, e culturais com a ocorrência de neoplasias malignas. Além disso, certas doenças associadas com um risco aumentado de desenvolver cancro podem fornecer informações sobre a patogénese da doença maligna. Incidência do Cancro

Os tumores mais comuns nos homens são próstata, pulmão e cancro colorretal. Nas mulheres, os cancros da mama, pulmão e cólon e recto são os mais frequentes. Os cancros do pulmão, mama feminina, próstata e cólon/recto constituem mais de 50% dos cancros diagnosticados e mortes por cancro nos E.U.A. Ao longo dos últimos 50 a nos, a taxa global de idade-ajustada de mortes por cancro em homens aumentou significativamente, enquanto que diminuiu ligeiramente em mulheres. O aumento nos homens pode ser largamente atribuído ao cancro do pulmão. A melhoria nas mulheres é principalmente imputável a uma diminuição

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significativa na mortalidade por cancro do útero, estômago, fígado, e muito em especial, ao carcinoma do colo do útero, uma das formas mais comuns de neoplasia maligna em mulheres. Preocupante é o aumento alarmante de mortes de carcinoma do pulmão, em ambos os sexos. Nas mulheres, os carcinomas da mama ocorrem cerca de 2,5 vezes mais frequentemente do que os do pulmão. Devido à grande diferença nas taxas de cura destes dois cancros, o de pulmão tornou-se a principal causa de morte por cancro em mulheres. O declínio no número de mortes causadas por cancro uterino, incluindo o cervical, está provavelmente relacionado com diagnóstico precoce e maior cura possível graças ao Esfregaço Papanicolaou. Factores Ambientais e Geográficos Notáveis diferenças podem ser encontradas na incidência e mortalidade de formas específicas de cancro ao redor do mundo. Por exemplo, a taxa de mortalidade por carcinoma gástrico tanto nos homens como nas mulheres é de sete a oito vezes mais elevada no Japão do que nos Estados Unidos. Em contraste, a taxa de mortalidade de carcinoma do pulmão é um pouco mais de duas vezes maior nos Estados Unidos do que no Japão, e é ainda mais elevada na Bélgica do que nos Estados Unidos. Mortes por cancro da pele, principalmente causadas por melanomas, são seis vezes mais frequentes na Nova Zelândia do que na Islândia, o que se deve provavelmente a diferenças na exposição solar. Estima-se que o sobrepeso e a obesidade possam representar aproximadamente 14% das mortes por cancro em homens e 20% em mulheres. O abuso de álcool isoladamente aumenta o risco de carcinomas da orofaringe (excluindo os lábios), laringe e esófago, e, através da cirrose alcoólica, o carcinoma do fígado. Fumar, sobretudo cigarros, tem sido implicado no cancro da boca, faringe, laringe, esófago, pâncreas e bexiga, mas mais importante ainda, é responsável por cerca de 90% das mortes por cancro do pulmão. O tabagismo tem sido designado como o mais importante factor ambiental que contribui para a morte prematura nos Estados Unidos. O risco de cancro do colo do útero está associado à idade da primeira relação sexual e do número de parceiros sexuais. Estas associações apontam para um possível papel causal para transmissão de infecções virais ao nível cervical. Idade A idade tem uma influência importante sobre a probabilidade de se ter cancro. A maioria dos carcinomas ocorrem nos últimos anos de vida (≥ 55 anos). O cancro é a principal causa de morte entre mulheres com idade entre 40 a 79 e entre os homens com idade entre 60 e 79. Cada faixa etária tem sua própria predilecção para certas formas de cancro. Aqui, o notável aumento da mortalidade por cancro no grupo etário de 60 a 79 anos devem ser anotadas. O declínio das mortes no grupo etário > 80 reflecte o menor número de indivíduos que atingem essa idade. Esta tendência é esperada mudar na próxima década, com o número de indivíduos com essa idade na população a aumentar. Também a se notar é que as crianças com menos de 15 anos não são poupados. O cancro representa pouco mais de 10% das mortes neste grupo nos Estados Unidos, sendo que a leucemia aguda e as neoplasias do sistema nervoso central, são responsáveis por cerca de 60% dessas mortes. As neoplasias mais comuns na infância incluem neuroblastoma, Uumor Wilms, retinoblastoma, leucemia aguda, e rabdomiosarcomas. Predisposição Genética Evidências actuais indicam que, para um grande número de tipos de cancro, incluindo as formas mais comuns, existem não só influências ambientais, mas também predisposições hereditárias. Por exemplo, o cancro do pulmão é, na maioria dos casos claramente relacionado com tabagismo, mas a mortalidade por cancro do pulmão tem mostrado ser quatro vezes

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maior entre os familiares não-fumadores de pacientes com cancro de pulmão do que entre os pacientes não-fumadores parentes de individuo sem cancro. Apesar da baixa freqüência, o reconhecimento de predisposição hereditária para o cancro teve um grande impacto na compreensão da patogénese do mesmo. Além disso, os genes que são associados causalmente com cancros que têm uma forte componente hereditária geralmente são também envolvidos nas formas mais comuns, mas esporádicas, do mesmo tumor. Sindromes Hereditárias Autossómicas Dominantes de Cancro A mutação é herdada geralmente ocorrendo uma mutação pontual num único alelo de um gene supressor tumoral. O defeito no segundo alelo ocorre em células somáticas, geralmente como uma consequência da supressão ou recombinação num cromossoma. Na infância o retinoblastoma é o exemplo mais marcante nesta categoria, aproximadamente 40% dos retinoblastomas são herdados. Os portadores de uma mutação do gene supressor tumoral RB têm um risco aumentado em 10000 vezes de desenvolver retinoblastoma, geralmente bilateral. Existe ainda um forte aumento do risco de desenvolvimento de um segundo cancro, especialmente o sarcoma osteogénico. A polipose adenomatosa familiar é outro distúrbio hereditário extraordinariamente marcado por um elevado risco de cancro. Os indivíduos que herdam a mutação autossómica dominante da polipose adenomatosa coli (APC) no gene supressor tumoral têm ao nascimento ou pouco depois inúmeros adenomas polipóides no cólon e, em praticamente 100% dos casos estão destinados a desenvolver um carcinoma do cólon por volta dos 50 anos de idade. Outros cancros autossómicos dominantes incluem o Síndrome Li-Fraumeni, resultante de mutações na linha germinal do gene p53, a Neoplasia Endócrina Múltipla Tipo 1 e 2 (MEN-1 e MEN-2), e Cancro Hereditário Não-poliposo (HNPCC), uma condição causada pela inactivação de um gene reparador. Como em outras condições autossómica dominante, tanto a penetrância incompleta como a expressividade variável podem ocorrer. Síndromes de Defeitos na Reparação do DNA Existe um grupo de condições predisponentes ao cancro que é colectivamente caracterizada por defeitos na reparação do DNA e consequente instabilidade do mesmo. Estas condições geralmente têm um padrão autossómico recessivo. Incluídos neste grupo estão o Xeroderma Pigmentoso, Telangectasia-Atáxica e o Síndrome de Bloom, todos eles condições raras e caracterizados por instabilidade genética resultante de defeitos nos genes de reparação do DNA. Neste grupo podemos incluir a HNPCC, no entanto este é autossómico dominante, sendo o cancro mais comum nestas síndromes, aumentando a susceptibilidade para o cancro no cólon e também em alguns outros órgãos tais como o intestino delgado, endométrio e ovário.

Cancros Familiares

Além da susceptibilidade nos síndromes hereditários de cancro, o cancro pode ocorrer com maior frequência em certas famílias sem um padrão bem definido de transmissão. Praticamente todos os tipos comuns de cancro que ocorrem esporadicamente também foram relatados em formas familiares. As características que caracterizam estas formas de cancro incluem a idade de início precoce, tumores que surgem em dois ou mais parentes próximos do caso índice e, por vezes, tumores múltiplos ou bilaterais. O padrão de transmissão familiar do cancro não é claro. Em geral, os irmãos têm um risco relativo entre dois e três (duas a três vezes maior do que indivíduos independentes). É provável que a susceptibilidade ao cancro familiar possa depender de vários alelos de baixa penetrância, cada um contribuindo com apenas um pequeno aumento no risco de

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desenvolvimento tumoral. Foi estimado que 10% a 20% dos pacientes com cancro da mama ou do ovário tem um parente de primeiro ou segundo grau com um desses tumores. Embora dois genes de susceptibilidade ao cancro da mama, denominados BRCA1 e BRCA2, tenham sido identificados, as mutações nestes genes ocorre em não mais de 3% dos cancros da mama. Assim, mutações no gene BRCA1 e BRCA2 podem não contribuir para a grande proporção de cancros da mama familiares. Alterações em outros genes, provavelmente de baixa penetrância, parecem ser necessária para o desenvolvimento desses tumores.

Condições de Predisposição Não-Hereditária

Há uma associação bem definida entre certas formas de hiperplasia endometrial e carcinoma endometrial e entre displasia cervical e carcinoma cervical. A mucosa brônquica metaplásia e displásica dos fumadores habituais são considerados antecedentes do carcinoma broncogénico. Cerca de 80% dos hepatocarcinomas surgem em fígados cirróticos, os quais são caracterizados por uma regeneração parenquimatosa activa.

Inflamação Crónica e o Cancro Esta condição é exemplificada pelo aumento do risco de cancro em pacientes afectados por uma variedade de doenças inflamatórias crónicas do tracto gastro-intestinal. Os mecanismos precisos que ligam a inflamação e o desenvolver de cancro não foram ainda estabelecidos. As reacções crónicas podem levar à produção de citocinas que estimulam o crescimento das células transformadas. Em alguns casos, a inflamação crónica pode aumentar o pool células estaminais nos sujeitos, estando estas mais sujeitas à incidência de mutagénicos. Curiosamente, a inflamação crónica pode também directamente promover instabilidade genómica nas células através da produção de espécies reactivas de oxigénio (ROS), o que predispõe à transformação maligna. Seja qual for o mecanismo preciso, essa ligação pode ter implicações práticas. Por exemplo, a expressão da enzima Ciclooxigenase-2 (COX-2), que converte ácido araquidónico em prostaglandinas, é induzida por estímulos inflamatórios e encontra-se aumentada em tumores do cólon e de outros. O desenvolvimento de inibidores de COX-2 para tratamento do cancro é uma área de investigação activa e promissora.

Condições Pré-Cancerígenas Esta designação é um pouco correcta, porque na grande maioria destas lesões não se desenvolve uma neoplasia maligna. No entanto, o termo persiste porque chama a atenção para o risco aumentado. Algumas formas de neoplasia benigna também constituem condições pré-cancerígenas. Apesar de alguns riscos poderem ser inerente, uma grande experiência acumulada indica que a maioria das neoplasias benignas não se tornam malignas. A generalização é impossível, porque cada tipo de tumor benigno está associado a um determinado nível de risco variando de quase nunca a frequente.

Bases Moleculares do Cancro

Esta é uma área onde as descobertas continuam a multiplicar-se, dia a dia que passa, o que torna difícil seleccionar quais os conhecimentos mais importantes e relevantes. A lesão não letal está na base da carcinogénese, as quais podem ser adquiridas através da acção de agentes ambientais, tais como produtos químicos, radiações ou vírus, ou por outro lado, poderão ser herdadas. O termo "ambiental", utilizado neste contexto, envolve qualquer defeito adquirido causado por agentes exógenos ou endógenos derivado de produtos do

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metabolismo celular. No entanto nem todas as mutações são induzidas por factores ambientais, algumas podem ser espontâneas e estocásticas.

Um tumor é formado pela expansão clonal de uma única célula precursora que tenha onde tenha ocorrido o dano genético, ou seja, os tumores são monoclonais. As principais classes de genes que são alvo de mutação no cancro são: - Proto-oncogenes – Promotores do Crescimento Celular; - Genes Supressores de Tumores; - Genes Reguladores da Apoptose; - Genes Envolvidos na Reparação do DNA. Os alelos mutantes de proto-oncogenes são considerados dominantes porque só por si podem transformar uma célula normal em tumoral. Em contraste, os genes supressores de tumores são considerados recessivos, pois é preciso que ambos os alelos estejam mutados para que haja transformação fenotípica,

no entanto nesta classe existem excepções. No caso dos genes que regulam a apoptose podemos encontrar ambas as condições. No caso dos genes envolvidos na reparação do DNA estes podem ter uma acção directa alterando a proliferação celular, ou indirectamente condicionar a capacidade dos organismos para inibir o crescimento ou regular a apoptose, por lesão nestas classes de genes. Alelos mutantes de proto-oncogenes são consideradas dominantes porque transformar células apesar da presença de uma contrapartida normal. Em contraste, ambos alelos normais dos genes supressores tumorais devem ser danificado para que ocorra a transformação, para esta família de genes é por vezes referido como oncogenes recessivos. No entanto, existem excepções a esta regra, e alguns genes supressores tumorais supressores perder sua actividade quando um único alelo é perdido ou inactivado. Esta perda de função de um gene recessivo de danos causados por um único alelo é chamado haploinsuficiencia. Os genes que regulam apoptose podem ser dominante, tal como são os proto-oncogenes, ou podem comportar-se como genes supressores tumorais. Nestes casos uma mutação num gene reparador pode predispor a mutação no genoma e consequente transformação neoplásica – fenótipo mutador. Com algumas excepções, ambos os alelos do gene reparador devem estar alterados para que haja esta condição. A carcinogénese é um processo, tanto a nível fenotípico como genético com múltiplos patamares. Uma neoplasia maligna fenotípicamente tem vários atributos, tais como o crescimento excessivo, invasividade local, bem como a capacidade de formar metástases distantes. Estas características são adquiridas de forma faseada, num fenómeno denominado progressão tumoral. Ao nível molecular, a progressão deve-se ao acumular de lesões no genoma, o que, em alguns casos, é favorecido por defeito na reparação do DNA.

Alterações Essenciais para a Transformação Maligna

Cada um dos genes envolvidos no cancro tem uma função específica, a desregulação dos quais contribui para a origem ou progressão da doença maligna. É tradicional para descrever os genes que causam neoplasias, com base na sua presumível função: - Auto-suficiência nos Sinais de Crescimento, os tumores têm a capacidade de proliferar sem estímulos externos, geralmente como consequência da activação de um oncogene;

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- Insensibilidade aos Sinais Inibitórios do Crescimento, os tumores podem não responder às moléculas que inibem a proliferação de células normais, como TGF-β, e inibidores directos da ciclina dependente de quinases; - Evasão da Apoptose, os tumores podem ser resistentes à morte celular programada, como consequência da inactivação do gene p53 ou outras alterações; - Defeitos na Reparação do DNA, os tumores podem falhar na reparação das lesões no DNA resultante de agentes cancerígenos ou de uma proliferação celular desregulada; - Potencial Replicativo Limitado, as células tumorais têm uma capacidade proliferativa ilimitada proliferativa, associada à manutenção do comprimento do telómero e função da telomerase; - Angiogénese Mantida, os tumores não são capazes de crescer sem formação de um suprimento vascular, o qual é induzido por vários factores, sendo o mais importante o Factor de Crescimento Endotelial Vascular – VEGF; - Capacidade de Invadir e Metastatizar, as metástases tumorais são a causa da grande maioria das mortes por cancro e dependem de processos que são intrínsecos à célula ou são iniciados por sinais a partir do tecido ambiente.

Ciclo Celular Normal

As células que não se encontram em divisão estão na fase G0 do ciclo celular e precisam ser recrutados para a fase G1 e para além dela, a fim de se dar a replicação. A evolução ordenada das células através das várias fases do ciclo celular é orquestrada por ciclinas e CDKs – Cinases Dependents de Ciclinas -, e pelos seus

inibidores. As CDKs conduzem o ciclo celular por fosforilização das proteínas-alvo críticas que são exigidas para a progressão das células para a próxima fase do ciclo celular. As CDKs são expressas constitutivamente durante o ciclo celular, mas numa forma inactiva. Estas são activadas por fosforilação após vinculação à família de proteínas designadas ciclinas.Em contraste com as CDKs, as ciclinas são sintetizadas durante fases específicas do ciclo celular, e sua função é activar as CDKs. Após a conclusão desta tarefa, os níveis de ciclina sofre um declínio rápido. Mais de 15 ciclinas foram identificadas, no entanto as Ciclinas D, E, A, B são as que aparecem sequencialmente durante o ciclo celular e se ligam a uma ou mais CDKs. Ciclina D e Fosforilação do RB A Ciclina D é a primeira ciclina a aumentar no ciclo celular, aparece em meados de G1, mas já não é detectável na fase S. Durante a fase G1 do ciclo celular, a ciclina D liga-se a e activa a CDK4, formando o complexo Ciclina D-CDK4. Este complexo tem um papel fundamental no ciclo celular por fosforilar a Proteína do Retinoblastoma. A fosforilação do RB é um botão liga-

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desliga para o ciclo celular. No seu estado hipofosforilado, o RB impede que as células se repliquem por inactivar o complexo com o Factor de Tanscrição E2F. A fosforilação do RB dissocia o complexo e retira a inibição sobre a actividade do E2F. Assim a fosforilação do RB elimina a principal barreira à progressão do ciclo celular e promove a replicação celular. Para que este controlo seja possível o RB recruta descetilase de histonas, uma enzima que provoca a compactação da cromatina e a inibição da transcrição. Quando este mecanismo é inibido pela fosforilação do RB são transcritos genes referentes a proteínas fundamentais para a transição para a fase S, nomeadamente: Ciclina E, DNA Polimerases, Timidina Cinase, Dihidrofolato Redutase, entre outros. Durante a fase M, os grupos de fosfatos são removidos do RB pelas fosfatases celulares, e desta forma regressa ao estado hipofosforulado do RB. Progressão do Ciclo Celular no Ponto de Restrição G1/S

A progressão entre a fase G1 para S envolve a formação de um complexo activo entre a Ciclina E e CDK2. O E2F activo aumenta a transcrição de Ciclina E e das polimerases necessárias para a replicação do DNA, estimulando, assim, síntese do DNA. A próxima decisão no ciclo celular é o ponto de transição G2/M. Esta transição é iniciada pelo E2F e mediado pela transcrição da Ciclina A, que vai formar o complexo Ciclina A-CDK2 , este por sua vez regula os eventos no pró-fase mitótica. O principal mediador que assegura a propulsão do ciclo celular além da pró-fase é o complexo Ciclina B-CDK1, que é activado por uma proteína fosfatase - CDC25 - e que começa a acumular-se no núcleo, no início pró-fase. A activação do complexo Ciclina B-CDK1 provoca a ruptura do invólucro nuclear e inicia a mitose. Complexos de CDKs com as Ciclinas A e B regulam alguns dos eventos

críticos na transição G2/M, tais como a diminuição da estabilidade dos microtúbulos, a separação dos centrosomas, e a condensação dos cromossomas. Sair da mitose requer a inactivação do complexo Ciclina B-CDK1. A actividade dos complexos Ciclina-CDK, é estreitamente regulada por inibidores, denominados Inibidores das CDK. Existem duas classes principais de inibidores das CDK: a família Cip/Kip e a INK4/ARF. A família Cip/Kip tem três componentes - p21, p27 e p57 - que ligam-se e inactivam os complexos formados entre ciclinas e CDKs. Activação transcricional do p21 está sob o controle de p53, um gene supressor tumoral que está mutado numa grande proporção dos cancros humanos. O principal papel do p53 no ciclo celular é o de vigiar, desencadeando checkpoint que abrandam ou param a progressão do ciclo celular em células lesadas, chegando mesmo a causar a apoptose em lesões irreversíveis. A família INK4a/ARF codifica duas proteínas, p16INK4a e p14ARF, que bloqueiam o ciclo celular e agem como supressores de tumores. O p16INK4a concorre com ciclina D para ligação a CDK4 e inibe a capacidade do complexo Ciclina D-CDK4 complexo para fosforilar RB, provocando assim a detenção do ciclo celular em G1. O gene do INK4a codifica um segundo produto, o p14ARF, que actua sobre o p53. Checkpoints do Ciclo Celular

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O ciclo celular tem os seus próprios controlos internos, denominados checkpoints. Existem dois checkpoints principais, um na transição G1/S e outro em G2/M. A fase S é o ponto de não retorno no ciclo celular, e antes de uma célula fazer o compromisso final para se replicar, o checkpoint G1/S faz o controlo das lesões no DNA. Se as lesões estiverem presentes, a maquinaria e os mecanismos de reparação do postos em movimento. O atraso na progressão do ciclo celular, prevê o tempo necessário para o reparo do DNA, se o dano não é reparado, a via apoptótica é activada. Assim, o checkpoint G1/S impede a replicação de células que têm defeitos no DNA, o que seria perpetuado como mutações cromossómicas ou interrupções na génese da célula. O checkpoint G2/M controla a replicação do DNA e verifica se a célula pode iniciar com segurança a mitose e a separação das cromátides irmãs. Esta verificação é particularmente importante nas células expostas à radiação ionizante. Os defeitos neste checkpoint podem dar origem a anomalias cromossómicas. Para funcionar correctamente, os checkpoints do ciclo celular exigem sensores de lesão no DNA, transdutores de sinal, e efectores moleculares. Os sensores e transdutores de lesões do DNA parecem ser semelhantes para o G1/S e G2/M. A detenção do ciclo celular em G2/M envolve tanto mecanismos dependentes do p53 como independente.

Sinais de Crescimento Auto-Suficientes: Oncogenes

Os genes que promovem o crescimento celular em células neoplásicas autónomas denominados oncogenes, e os seus homólogos celulares normais são designados proto-oncogenes. Os proto-oncogenes são os reguladores fisiológicos da proliferação e diferenciação celular. Os oncogenes são caracterizados pela capacidade de promover o crescimento celular na ausência de sinais mitogénicos normal. A sua produção nas células transformadas torna-se constitutiva, ou seja, não dependente de factores de crescimento ou outros sinais externos. Sob condições fisiológicas, a proliferação celular pode ser facilmente resumida através das seguintes etapas: - A ligação de um factor de crescimento ao seu receptor específico geralmente localizados sobre a membrana celular; - A activação transitória e limitada do receptor do factor de crescimento que, por sua vez, activa várias proteínas transductores de sinal;

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- Transmissão do sinal através do citosol para o núcleo através de segundos mensageiros ou pela activação directa de moléculas que activam a transcrição; - Indução e activação de factores nucleares que regulamentam o início da transcrição do DNA; - A entrada e a progressão da célula no ciclo celular, resultando na divisão celular. Porto-oncogenes, Oncogenes, e Oncoproteínas Uma das primeiras sequências oncogénica no cancro foi detectado numa forma mutante do proto-oncogene RAS. Um grande número de proto-oncogenes foram identificados durante os últimos 20 anos, a maioria dos quais não têm uma contrapartida viral. Os porto-oncogenes podem ter múltiplas funções, no entanto todos participam em funções celulares relacionadas com o crescimento e proliferação. As proteínas codificadas por porto-oncogenes podem funcionar como factores de crescimento ligantes ou receptores, transdutores de sinal ou factores de transcrição. As oncoproteínas codificadas por oncogenes geralmente servem funções similares à dos seus homólogos normais, no entanto, porque são constitutivamente expressa, as oncoproteínas dotam a célula com capacidade de crescimento auto-suficiente. Para resumir, os porto-oncogenes podem ser convertido em oncogenes celulares - c-oncs - que estão envolvidos no desenvolvimento tumoral. Factores de Crescimento Muitas células neoplásicas podem desenvolver crescimento auto-suficiente, adquirindo a capacidade de sintetizar os mesmos factores de crescimento aos quais são responsivas. O proto-oncogene sis, que codifica a cadeia de β do PDGF, encontra-se sobreexpressa em muitos tumores, especialmente nos astrocitomas e osteosarcomas de baixo grau. Além disso, parece que os mesmos tumores também expressam receptores para PDGF e são, portanto, responsivas à estimulação autócrina. Embora autócrino este loop é considerado como um elemento importante na patogénese de vários tumores, na maioria dos casos, o gene do factor de crescimento em si não se encontra alterado ou mutado. Mais frequentemente, os produtos de outros oncogenes como o ras causam superexpressão dos genes do factor de crescimento, forçando assim as células a secretar grandes quantidades de factores de crescimento como, por exemplo, TGF-α. Este factor está relacionado com o crescimento do Factor de Crescimento Epidérmico - EGF - e induz a proliferação pela sua ligação ao receptor EGF. O TGF-α é frequentemente detectado em carcinomas, como os astrocitomas que expressam elevados níveis de receptores EGF. Apesar de esta condição ser encontrada num grande número de tumores, o aumento da produção do factor de crescimento, por si só não é suficiente para a transformação neoplásica. A proliferação celular de forma aumentada, com toda a probabilidade, contribui para o fenótipo maligno, aumentando o risco de mutações espontâneas ou induzidas na população celular. Receptores para Factores de Crescimento Vários oncogenes que codificam receptores do factor de crescimento foram encontrados. Para entender como estas mutações afectam a função desses receptores, convém recordar que vários receptores de factores de crescimento são proteínas transmembranar com um domínio externo ligando-obrigatório e um domínio citoplasmático tirosina quinase. Nas formas normais desses receptores, a quinase é transitoriamente activada pela ligação específica dos factores de crescimento, seguindo-se rapidamente uma dimerização do receptor e fosforilação de vários substratos que são parte da cascata de sinalização. A oncogénese associada a estas alterações envolve a constitutiva dimerização e activação sem carácter vinculativo para o factor de crescimento. Assim, os receptores mutantes emitem sinais mitogénicos de forma contínua para a célula. Estas alterações podem ser originadas por alterações na estrutura do receptor, o que conduz a uma activação sem estímulo precedente, no entanto é muito mais comum a superexpressão

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das formas normais destes receptores. Em formas esporádicas de carcinomas papilares da tireóide, o c-MET encontra superexpessado em quase todos os casos. Nesses tumores, o aumento da expressão do c-MET não é causado por uma mutação genética, mas como consequência de uma maior transcrição do gene. Proteínas Transductoras de Sinal A maioria destas proteínas estão estrategicamente localizadas no folheto interno da membrana plasmática, onde recebem sinais provenientes do exterior da célula e transmitem-nos ao núcleo da célula. O melhor e mais bem estudado exemplo de uma oncoproteínas transductora de sinal é a RAS pertencente à família das Proteínas Acopladas ao GTP. Oncoproteína RAS Estas proteínas foram descobertos como sendo produtos de oncogenes virais. Vários estudos indicam que as RAS desempenham um papel importante na mitogénese induzida por factores de crescimento. As RAS activadas atuam sobre o percursor da MAP Cinase, recrutando a proteína citosólica RAF-1. As MAP Cinases activadas são alvo dos factores de transcrição nucleares e, assim, promovem a mitogénese. Além das RAS, outros membros da Cascata de Sinalização RAS (RAS/RAF/MERK/ERK) também poderão ser alterados em células cancerígenas. Factores de Transcrição A transdução de sinal gera precursores transcricionais reguladores que entram no núcleo e actuam sobre determinados genes. Estes genes orquestram as células, ordenando a entrada e progressão através do ciclo celular, levando à replicação do DNA e à divisão celular. Muitas destas proteínas ligam-se ao DNA em sítios específicos a partir dos quais eles podem activar ou inibir a transcrição de genes adjacentes. Não surpreende, portanto, que mutações que afectam estes genes estejam associadas a transformação maligna. Uma série de oncoproteínas, incluindo os produtos da MYC, MYB, o JUN família, e FOS oncogenes, é encontrado no núcleo das células transformadas. Destes, o MYC é mais frequentemente envolvidos em tumores. Oncogene MYC No seu estado normal é expresso em praticamente todas as células eucarióticas e pertencem aos genes de resposta precoce, que são rapidamente induzidas quando células quiescentes recebem um sinal de fractura. No entanto, o leque de actividades atribuídas ao MYC é muito amplo e inclui a acetilação de histonas, redução da adesão celular e aumento da motilidade celular, aumento da síntese protéica e diminuição da actividade catabólica. Em contraste com a expressão de MYC regulada durante o período normal de proliferação celular, a persistência de expressão e, em alguns casos superexpressão, da proteína MYC são habitualmente encontrados em tumores. Isto pode levar a uma sustentada transcrição de genes alvo críticos e posterior transformação neoplásica. A desregulação da expressão de MYC resultante da translocação do gene ocorre no Linfoma de Burkitt linfoma, um tumor de células B. Ciclinas e CDKs Com base na nossa anterior discussão das funções normais das ciclinas e CDKs na célula no controlo do ciclo celular, é fácil compreender que desregulação da actividade destas proteínas podem favorecer a proliferação celular. Na verdade, incidentes que afectam a expressão da Ciclina D ou CDK4 parecem ser um evento comum na transformação neoplásica.

Insensibilidade aos Sinais Inibidores do Crescimento: Genes Supressores de

Tumores

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O crescimento das células tem de ser controlado por muitos sinais externos para manter um estado estável - homeostase. Uma falha na inibição do crescimento é uma das alterações fundamentais no processo de carcinogénese. As proteínas que se aplicam limitações à proliferação celular são produtos de genes supressores tumorais. A perda de função destes genes é um evento chave em muitos, possivelmente todos, os tumores humanos. Retinoblastoma como um Paradigma para a Hipótese Two-Hit da Oncogénese As mutações necessárias para produzir retinoblastoma envolvem o gene RB, localizado no cromossoma 13q14. Em alguns casos, a lesão genético é

suficientemente grande para ser visível sob a forma de uma supressão de 13q14. Ambos os alelos normais da RB locus devem ser inactivados para que se desenvolva retinoblastoma. Nos casos familiares, as crianças nascem com um alelo normal e outro mutado. Estes indivíduos perdem o alelo intacto devido a alguma mutação somática. Nos casos esporádicos, ambos os alelos normais do RB são perdidos. O resultado final é o mesmo: uma célula da retina que perdeu as duas cópias normais do gene RB dá origem ao cancro. Indivíduos com retinoblastoma familiar possuem um grande aumento no risco de desenvolvimento de osteossarcoma e alguns outros sarcomas do tecido conjuntivo. Além disso, a inactivação do locus do RB foi observada em vários outros tumores, incluindo o adenocarcinoma da mama, o carcinoma de pequenas células do pulmão e carcinoma da bexiga. As proteínas de produtos de genes supressores tumorais estão envolvidas no controlo do ciclo celular, na regulação da apoptose, e em muitas outras actividades críticas para a sobrevivência e crescimento da célula. p53: Guardião do Genoma Um pouco mais de 50% dos tumores humanos contêm mutações neste gene. A perda homozigótica da actividade do gene p53 pode ocorrer em praticamente todo o tipo de cancros, incluindo os carcinomas do pulmão, cólon, mama, sendo estas as três principais causas de morte por cancro. Na maior parte dos casos a mutação afecta ambos os alelos do gene, sendo que esta ocorre nas células somáticas, sendo que num número mais reduzido de casos é possível que o indivíduo herde um alelo já mutado. Nestes casos estamos perante as Síndrome de Li-Fraumeni, em que os portadores têm uma 25 vezes maior probabilidade de desenvolver um tumor maligno, após os 50 anos do que a população em geral. Em contraste com os doentes que herdam um alelo mutante RB, o espectro de tumores que se desenvolvem em pacientes com a síndrome de Li-Fraumeni é bastante variado, os tipos mais comuns de tumores são sarcomas, cancro de mama, leucemia, tumores cerebrais e carcinomas do córtex da supra-renal. Em comparação com tumores esporádicos, os que afectam os pacientes com a síndrome de Li-Fraumeni podem ocorrer numa idade mais jovem, e um dado indivíduo pode desenvolver múltiplos tumores primários. É actualmente evidente que o p53 funciona como um “viligante molecular", que impede a propagação de células geneticamente danificadas. O p53 liga-se normalmente ao DNA, controlando a transcirção dos diversos genes, sendo que a maior parte das mutações ocorrem

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no seu domínio de ligação ao DNA. O p53 mutante que não se liga ao DNA, produz uma proteína defeituosa que bloqueia a actividade normal da proteína. Além de mutações somáticas e herdadas, as funções do p53 podem ser inativadas por outros mecanismos. Tal como acontece com RB, a transformação de várias proteínas do DNA víral, incluindo a proteína E6 do HPV, pode ligar-se e promover a degradação do p53. Outro mecanismo de neutralização do p53 é através do MDM2, uma proteína que normalmente inibe a função do p53, causando a sua degradação. O MDM2 é encontrado em níveis aumentados em 33% dos sarcomas humanos e em 50% das leucemias, causando perda funcional de p53 nestes tumores. As principais actividades funcionais da proteína p53 são o bloqueio do ciclo celualr e início de apoptose em resposta aos danos do DNA. Via do APC/β-Catenina No caso do gene APC, todos os indivíduos que nasceram com um alelo mutante irão desenvolver milhares de pólipos adenomatosos no cólon durante a sua adolescência ou por volta dos 20 anos - Polipose Adenomatosa Familiar. Quase sempre, um ou mais destes pólipos sofre transformação maligna, dando origem ao cancro. Tal como com outros genes supressores tumorais, ambas as cópias do gene APC devem ser perdidas para que se dê desenvolvimento tumoral. Uma importante função da proteína APC é o de diminuir a expressão da β-catenina. Na ausência de sinalização WNT o APC causa a degradação de β-catenina, impedindo a sua acumulação no citoplasma. Fá-lo através da formação de um complexo macromolecular com β-catenina, o que resulta na degradação da β-catenina. A inactivação do gene APC perturba o complexa e aumenta os níveis celulares de β-catenina, que, por sua vez, são translocados para o núcleo. Assim, com a perda do APC, a célula comporta-se como se ela estivesse sob contínua acção da sinalização WNT. No núcleo da célula, a β-catenina forma um complexo com o TCF, um factor de transcrição que regula a proliferação celular, aumentando a transcrição do C-MYC, Ciclina D1, e de outros genes.

Evasão à Apoptose

Assim como o crescimento celular é regulado por genes que promovem e inibem a divisão celular, a sobrevivência da célula é condicionada de igual forma por genes que promovem e inibem a apoptose. Portanto, o acumular de células neoplásicas pode ocorrer não apenas pela activação de oncogenes ou inactivação de genes supressores tumorais, mas também por

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mutações nos genes que regulam apoptose. A grande família de genes que regulam apoptose foi identificada em ambas a células normais e neoplásicas. Nesta secção iremos discutir o papel do BCL-2 na protecção de células tumorais da apoptose. O BCL-2 protege as células da apoptose pela via mitocondrial. Pelo menos dois outros genes associados ao cancro também estão intimamente relacionados com a apoptose: p53 e MYC. Os mecanismos moleculares de morte celular induzida por estes dois intersecção a via do BCL-2. Conforme discutido anteriormente, o p53 aumenta a transcrição de genes pró-apoptóticos, tais como BAX. A falta de actividade p53, causada por mutações no gene p53 ou alterações em INK4a e MDM2, diminui transcrição do gene pró-apoptótico BAX, reduzindo a actividade apoptótica e a resposta à quimioterapia. O BID, outro membro pró-apoptótico da família BCL-2, também é regulado pelo p53 e poderia aumentar a morte celular em resposta à quimioterapia. O MYC e BCL-2 podem colaborar na carcinogénese, o MYC desencadeia a proliferação, e o BCL-2 impede a morte celular, mesmo que os factores de crescimento sejam limitados. Este é um dos muitos exemplos em que dois ou mais genes em cooperação dão origem a um tumor. É também de salientar que as células normais exigem permanentemente sinais de sobrevivência, como, por exemplo, a sinalização através da via PI-3 quinase/AKT, o que impede a actividade da máquina apoptótica. A falta destes sinais pode causar apoptose, uma condição conhecida como morte por negligência. A expressão de AKT em células tumorais é frequentemente aumentada como consequência de mutações no AKT ou mutações inactivadoras no gene supressor tumoral PTEN. Essas alterações aumentam a resistência da célula tumoral à morte por apoptose.

Reparação dos Defeitos no DNA e Instabilidade Genómica nas Células Cancerigenas

Os humanos literalmente encontram-se mergulhados num mar de agentes cancerígenos. Apesar de a exposição ocorrer naturalmente a estes agentes prejudiciais para o DNA, tais como a radiação ionizante, a luz solar, alimentos e stress oxidativo, raramente se origina uma neoplasia no contacto único com estes agentes. Este facto resulta da capacidade natural das células repararem as lesões no DNA, e desta forma evitarem as mutações nos genes que regulam o crescimento celular e a apoptose. Além dos agentes ambientais, o DNA das células normais está susceptível a alterações resultantes de erros que ocorrem espontaneamente durante a replicação do DNA. Existem situações em que os indivíduo herdam mutações nos genes responsáveis pela reparação do DNA, o que origina situações de transformação neoplásica facilitada – sindromes de instabilidade genómica. O que se pode provar pelo facto de serem encontradas alterações nos mecanismos de reparação do DNA em tumores humanos esporádicos. Os genes de reparação do DNA por si só não são oncogénicos, mas a sua mutação permite outras mutações em outros genes durante o processo normal da divisão celular. Um dos exemplos mais comuns destes sindromes é o Sindrome do Carcinona Hereditário Não-Polipoide, que se caracteriza por um tumor do cólon familiar que resulta de uma mutação no gene APC, originando tumores precoces em indivíduos portadores desta mutação. Outro dos exemplos é o Xeroderma Pigmentoso, que mais uma vez resulta de mutações herdados nos genes responsáveis pela reparação do DNA, tendo estes indivíduos um risco aumentado de desenvolver carcinoma da pele quando em contacto do a radiação UV. Os genes BRCA-1 e BRCA-2, apesar da sua função não estar completamente definida, sabe-se que as proteínas resultantes destes genes se encontram no núcleo, e pensa-se que estejam envolvidas na regulação da transcrição. Pensa-se que estes genes estejam envolvidos na reparação por recombinação homóloga, tendo um importante papel ao nível do checkpoint G1/S, particularmente na reparação de quebras na cadeia duplas do DNA. Devido a estas funções acima descritas, pensa-se que a mutação neste gene possa ser um condição para o aumento do risco de desenvolver carcinoma da mama e do ovário.

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Limitação do Potencial Replicativo: Telomerase

Após um determinado número de divisões, as células normais tornam-se presas num estado terminal em que não ocorrem mais divisões, conhecido como senescência replicativa. Em cada divisão celular há o encurtamento de estruturas especializadas, denominadas telómeros, nas extremidades do cromossomas. Quando os telómeros são encurtados para além de um certo ponto, a perda de função do telómero leva à activação de um ciclo de controlo dependente do p53, provocando um bloqueio na proliferação ou a apoptose. Nas células das linhas germinativas o encurtamento do telómero é impedido pela actividade da enzima telomerase, explicando, assim, a capacidade destas células de se auto-replicar extensivamente. Esta enzima encontra-se ausente da maioria das células somáticas e, portanto, estas sofrem uma perda progressiva dos seus telómeros. Nesta linha de raciocínio é fácil compreender que as células tumorais têm que encontrar uma forma de prevenir encurtamento dos telómeros, sendo que o mecanismo que realiza esta função é a reactivação da actividade da telomerase. Na verdade, a actividade da telomerase foi detectada em mais de 90% dos tumores humanos.

Desenvolvimento Sustentado da Angiogénese

Os tumores estimulam o crescimento de vasos sanguíneos, num processo denominado angiogénese, de forma a que o fornecimento de nutrientes ao tumor seja garantido. Mesmo com as alterações genéticas normais, um tumor apenas consegue aumentar cerca de 1 a 2 mm se não forem criados novos vasos, o que pode indicar que a distância máxima a um vaso seja essa. A neovascularização tem um duplo efeito sobre o crescimento tumoral: - Fornecimento de nutrientes e oxigénio; - Células Endoteliais Recém-Formados estimulam o crescimento das células tumorais adjacentes através da libertação de factores de crescimento. A angiogénese é um requisito não só para o crescimento tumoral, mas também para a formação de metástases, sem acesso à vascularização, as células tumorais não podem disseminar-se com facilidade para outros locais do organismo. Diversos estudos indicam que os tumores produzem factores que são capazes de desencadear toda a série de eventos envolvidos na formação de novos. No entanto, os vasos sanguíneos dos tumores diferem da vasculatura normal por serem tortuosos e irregulares. O principal factor que se pensa estar envolvido é o VEGF. Estes factores podem ser derivados das próprias células tumorais ou por células inflamatórias que infiltram o tumor. As células tumorais não apenas produzem factores angiogénicos, mas também induzem a produção de moléculas anti-angiogénese. O crescimento tumoral é, assim, controlado pelo equilíbrio entre factores angiogénicos e aqueles que inibem a angiogénese. Endostatina, um factor anti-angiogénese, está a ser testado pelos seus efeitos sobre os tumores. Foram ainda realizadas experiências para testar os efeitos antitumoral de anticorpos para VEGF e VEGF-R2, e de pequenas moléculas que inibem sinal transdução através VEGF-R2.

Invasão e Metástase

Invasão e metástase são características biológicas dos tumores malignos, sendo estas as principais causas de morbilidade e mortalidade associados aos tumores. Para que as células tumorais se soltem de uma massa primária, se introduzam nos vasos linfáticos ou sanguíneos, e deêm origem a um crescimento secundário num local distante , devem passar por uma série de eventos. Cada um destes eventos nesta sequência está sujeito a uma multiplicidade de influências, portanto, em qualquer ponto desta a célula pode não sobreviver. Estudos em animais revelaram que, embora milhões de células sejam libertadas na circulação por dia a partir de um tumor primário, apenas algumas metástases são produzidas. A

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justificação para esta situação pensa-se estar no facto de que apenas certo sub-clones das células tumorais possuem a combinação certa de genes para completar todos os passos envolvidos na metastização. Uma hipótese alternativa é que a metástase é o resultado de múltiplas alterações que se verificam em muitas, talvez a maioria, das células de um tumor primário. Essas alterações dão ao tumor uma predisposição geral para a metástase. Esta predisposição pode envolver não apenas propriedades intrínsecas às células tumorais, mas também as características do estroma, tais como os componentes do estroma , a presença de infiltrado de células inflamatórias, e a angiogénese. Para efeitos da presente discussão, a cascata metastática será dividida em duas fases: - Invasão da Matriz Extracelular; - Disseminação e Homing Vascular das Células Tumorais. Invasão da Matriz Extracelular A organização estrutural e função dos tecidos normais é, em grande medida determinada pela interacção entre as células e a matriz extracelular (MEC) . Os tecidos são organizados em compartimentos separados uns dos outros por dois tipos de MEC: - Membrana Basal; - Tecido Intersticial. Embora organizado de maneira diferente, cada um desses componentes da MEC é composta por colagénios, glicoproteínas e proteoglicanos. As células tumorais interagem com a MEC em diversas fases da cascata metastática. A primeira transgreção do carcinoma tem subjacente atravessar a membrana basal, em seguida, atravessar o tecido intersticial, e, finalmente, ter acesso á corrente sanguínea por penetrar na membrana basal vascular. Este ciclo é repetido, mas de forma inversa, quando o êmbolo de células tumorais invade uma nova localização num local distante. A invasão do MEC é um processo activo que pode ser dividido em várias etapas: - Perda de Adesão entre as Células Tumorais; - Ligação aos Componentes da MEC; - Degradação da MEC; - Migração das Células Tumorais. As células normais são ordenadamente colados umas em relação ás outras por intermédio de moléculas de adesão, sendo a família das caderinas a mais importante, salientando o papel da E-Caderina ao nível dos epitélios. Em vários tumores epiteliais, incluindo os adenocarcinomas do cólon e de mama, há uma diminuição da expressão de E-Caderina, o que reduz a capacidade das células para aderirem umas às outras e facilita a sua separação do tumor primário e o seu avanço para os tecidos circundantes. Para penetrar na MEC envolvente, as células tumorais necessitam de primeiro aderir aos componentes da MEC. As células epiteliais de um tumor são separadas do estroma por uma membrana basal. Assim, para as células tumorais penetrarem na membrana basal, a membrana deve ser degradada e remodelada. Este processo leva a que componentes da membrana basal enviem sinais positivos e negativos para o crescimento das células tumorais, o que irá desempenhar um papel importante na regulação da angiogénese. Além disso, parece haver uma correlação entre a densidade de receptores laminina e a capacidade de invasão nos cancros da mama e do cólon. A invasão da MEC não é meramente passiva devido à pressão do crescimento, mas exige degradação enzimática activa dos componentes da MEC. Estas células tumorais secretam enzimas proteolíticas por si só ou induzem as células hospedeiras a secretarem proteases Embora o efeito mais óbvio seja a destruição da matriz para criar um caminho para a invasão de células tumorais, a clivagem dos produtos dos componentes da matriz, derivados de colagénio e proteoglicanos, têm também actividades promotoras do crescimento, angiogénese, e acção quimiotática.

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Disseminação e Homing Vascular das Células Tumorais

Uma vez na circulação, as células tumorais são particularmente vulneráveis à destruição pelo sistema imunitário. Enquanto estiverem em circulação, as células tumorais tendem a agregar-se em pequenas massas. Isto é favorecido pela aderência homóloga entre as células tumorais, bem como pela adesão heteróloga entre células tumorais e células do sangue, particularmente as plaquetas. A formação de agregados plaquetários-tumorais pode aumentar a sobrevivência de células tumorais e a sua capacidade de se implantarem. A fixação e o extravasamento de êmbolos tumorais em sítios distantes envolvem a adesão ao endotélio, seguido da saída através da membrana basal. Envolvidas nestes processos estão as moléculas adesão e as enzimas proteolíticas, discutidas anteriormente. É de particular interesse referir a molécula CD44, que se encontra expressa em linfócitos T normais e é utilizado por essas células para migrarem para locais específicos de tecido linfóide. No novo locas, as células tumorais precisam de proliferar, desenvolver um suprimento vascular, e evitar a imunidade local. O local onde as células tumorais migratórias se vão estabelecer depende das características do tumor primário que lhes deu origem. Por exemplo, preferencialmente o carcinoma da próstata mestastiza para o osso, o carcinoma broncogénico tendem a envolver as supra-renais e no cérebro, e neuroblastomas, disseminam-se para o fígado e os ossos. Este tropismo para determinados orgãos parece estar relacionado com os seguintes mecanismos: - No momento em que houve ligação á MEC e ao endotélio no local de origem as células tumorais podem ter moléculas de adesão que são expressas preferencialmente sobre as células endoteliais dos órgãos-alvo; - A presença de determinadas quimicionas têm um papel importante nesta determinação. Algumas células tumorais expressão receptores para determinadas quimiocinas que são expressas preferencialmente em alguns locais; - Por outro lado alguns locais podem não constituir um ambiente favorável para a fixação daquele tumor, quer seja por ausência de factores promotores do seu crescimento, quer por presença de factores imunitários.

Agentes Carcinogénicos e a sua Interação com as Células

Um grande número de agentes causam lesões genéticas e induzir transformação neoplásica de células: - Agentes Químicos, ao longo dos tempos, centenas de substâncias químicas têm sido indicadas como possuindo capacidade para transformar células in vitro e em animais a serem cancerígenas. Alguns produtos industriais, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, ou alguns medicamentos são actualmente indicados como os principais agentes indutores de neoplasias actualmente. Muitos dos agentes químicos actuam através da lesão celular, indo actuar como promotores, não sendo directamente cancerígenos, mas ao aumentarem a proliferação celular, aumentam igualmente a probabilidade de existir uma mutação que leva à transformação neoplásica. Por outro lado é possível que através de determinadas interacções sejam lesadas genes envolvidos na regulação do crescimento celular ou da apoptose, tornando as células passíveis de se transformarem em células tumorais. Existem substâncias que têm uma acção directa, no entanto outras necessitam de sofrer metabolização in vivo para se tornarem activas. Existe ainda uma balanço entre a metabolização do agente no sentido de este perder a sua actividade ou de permanecer activo, sendo que a maior parte destes compostos são metabolizados pelo citocromo P-450, sendo este altamente polimórfico, é possível justificar as diferentes susceptibilidades a estes agentes entres os indivíduos;

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- Radiação, as radiações UV ou ionizantes podem transformar in vitro ou in vivo praticamente todas as células dos animais e humanos. É fácil compreender que a exposição à luz Solar é indutor do cancro da pele, ou que a exposição ás radiações oriundas de uma central nuclear são tidas como causa para diversas neoplasias. A carcinogénese associada aos raios UV é atribuída à formação de dímeros pirimidina no DNA, sendo estas lesões reparadas pela excisão de nucleótidos, o que com elevados níveis de exposição se torna limitado, levando a que um grande número de alterações no DNA permaneçam divisão após divisão. Estas mutações no DNA podem mais uma vez afectar oncogenes ou genes supressores de tumores, condicionando um estado pró-cancerígeno. Em humanos, há uma hierarquia de vulnerabilidade dos diferentes tecidos ao cancro induzido pela radiação. As mais frequentes as leucemias, o cancro da tiróide em jovens; no patamar intermédio temos o cancro da mama, pulmão e das gândulas salivares; e por fim, a pele, os ossos e o tubo digestivo que se apresentam como relativamente resistentes á capacidade da radiação induzir transformação neoplásica. - Vírus Oncogénicos e outros Microrganismos, existem diversos agentes que se encontram associados a um aumento de determinados tumores. Um dos casos mais bem estudas é a associação entre o Helicobacter pylori e os tumores gástricos. Existem ainda os vírus do HPV, o EBV, HBV e o HCV que têm sido frequentemente associados com algumas formas de cancro, respectivamente, carcinoma do colo do útero, linfoma Burkitt e carcinoma hepato-celular. Apesar desta forte associação não existem indícios de que estes agentes sejam por si só indutores da transformação, o que se sabe é que sua actividade, quer seja pela lesão constante das células, quer seja pela inclusão do seu genoma nas células hospedeiras, existe um estímulo constante para que haja proliferação celular, aumentando o risco de transformação maligna, o que muitas vezes se deve à inibição dos sistemas de controlo de erros durante a transcrição. Por outro lado existe até hoje um vírus que se sabe ser directamente indutor da carcinogénese, o HTLV-1, dando origem a um linfoma ou leucemia de células T no adulto.

Defesa Contra Tumores e Imunidade Tumoral

Foi Paul Ehrlich que propôs que o reconhecimento imunitário autólogo de células tumorais possa ser um mecanismo positivo capaz de eliminar os tumores. No entanto o facto de os tumores ocorrerem em indivíduos imunocompetentes indica-nos que existe imperfeições no sistema imunitário a este nível. Antigénios Tumorais As primeiras tentativas de purificar e caracterizar antigénios tumorais foram baseados na produção de anticorpos monoclonais específicos para células tumorais e definindo os antigénios que estes anticorpos reconheciam. A transformação neoplásica, como discutido anteriormente, resulta de alterações genéticas, algumas das quais podem resultar na expressão de antigénios da superfície celular que são vistas como estranhas pelo sistema imunitário. Podendo estas proteínas ser apresentadas pela própria célula – MHC I – ou por outras células apresentadores de antigénios que fagocitaram restos de células tumorais mortas – MHC II. Uma vez que estas proteínas alteradas não estão presentes em células normais, não induzem auto-tolerância. Estes antigénios são extremamente diversos, porque o que induziu a transformação tumoral é aleatório, o que nos leva a uma situação em que qualquer gene pode estar alterado, e em locais diferentes, sendo depois apresentado pelo MHC I. Outras das hipóteses é que um aumento da expressão de determinadas proteínas normais em células tumorais seja encarado como um antigénio tumoral, o que se deve a um aumento inesperado da quantidade desse antigénio. Nesta linha podemos ainda ter antigénios tumorais nos casos em que determinadas células expressam

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genes que normalmente não são expressos naquele tecido, ou que apenas o eram durante o desenvolvimento embrionário. Por fim, em muitos dos tumores as glicoproteínas de superfície encontram-se alteradas, o que permite reconhecer essas células como estranhas, funcionando como um antigénio tumoral. Por outro lado, é possível que a infecção por determinados vírus oncogénicos seja reconhecido pelo sistema imunitário, sendo a células eliminada. Mecanismos Efectores Anti-Tumorais Embora tanto a imunidade humoral como a celular tenham demonstrado ter actividade antitumoral, o principal mecanismo que combate o tumor é a imunidade celular através das células T CD8+ CTLs. Estas células, juntamente com as NK, ao reconhecerem os antigénios tumorais podem matar as células tumorais por mecanismos semelhantes aos utilizados para matar eliminar os microrganismos, por exemplo, a produção de espécies reactivas de oxigénio A produção de anticorpos direccionada para os antigénios tumorais pode eliminar estas células através da activação do sistema de complemento ou por fagocitose ou morte mediada por anticorpos, nomeadamente pelos macrófagos e NK. No entanto, apesar de esta actividade estar demonstrada in vitro, pensa-se que a sua efectividade seja reduzida in vivo.

Características Clínicas dos Tumores

As neoplasias são essencialmente parasitas. Todos os tumores, mesmo os benignos, podem causar morbilidade e mortalidade. Embora a avaliação clínica possa sugerir a benignidade ou malignidade da massa, a única forma inequívoca é a excisão da mesma e a sua análise pela anatomia patológica Em seguida iremos falar de:

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- Efeitos de um Tumor no Hospedeiro; - Classificação e Estadiamento Clínico do Cancro. Efeitos do Tumor no Hospedeiro Ambos os tipos de neoplasias, maligna ou benigna, podem causar problemas, devido a: - Localização e impacto sobre as estruturas adjacentes; - Actividade funcional, por exemplo a produção de hormonas; - Hemorragia e infecções secundárias, quando ulceram através das superfícies adjacentes; - Início de sintomas agudos causados por uma ruptura ou enfarte. Não só o tumor primário tem a capacidade de induzir estas alterações, qualquer metástase tem o mesmo potencial para as produzir. Em alguns casos o cancro pode ser responsável por caquexia ou síndromes paraneoplásicas. Localização e Produção de Hormonas A localização do adenoma pituitário, embora seja um tumor benigno e, possivelmente, não produtor hormonas, o seu crescimento expansivo pode destruir as restantes células da hipófise e, consequentemente, levar a uma endocrinopatia grave. No cancro do intestino, tanto as lesões benignas, com as malignas, podem causar obstrução à medida que o seu tamanho aumenta. As neoplasias de glândulas endócrinas podem produzir manifestações pela síntese de hormonas. Essa actividade funcional é mais típica de tumores benignos do que de cancro, que por ser suficientemente indiferenciado pode ter perdido essa capacidade. Caquexia Os indivíduos com cancro frequentemente sofrem uma perda progressiva de gordura corporal, bem como de massa corporal magra, acompanhada de profunda fraqueza, anorexia e anemia. A sua etiologia é desconhecida, mas pensa-se que seja como consequência das necessidades nutricionais do tumor. Actualmente existem evidências de que este estado resulta também de factores solúveis e citocinas produzidas pelo tumor e pelo hospedeiro em resposta á sua presença. Síndromes Paraneoplásicas Os sintomas complexos em indivíduos com cancro, cuja origem não pode ser facilmente explicada, quer pelo local ou disseminação distante do tumor ou pela síntese de hormonas, são denominadas como Sindromes Paraneoplásicas. Estas manifestações ocorrem em cerca de 10% dos pacientes com doença maligna. Apesar da sua relativa infrequência, as síndromes paraneoplásicas são importantes porque podem representar a única ou a mais evidente manifestação de uma neoplasia oculta, ou nos pacientes com neoplasias já diagnosticada podem indicar agravamento do seu estado geral, ou podem mesmo imitar doença metastática, tornam a terapêutica sujeita a erro. As endocrinopatias são frequentemente encontradas nas sindromes paraneoplásicas, sendo a Síndrome de Cushing a mais comum, em que aproximadamente 50% dos pacientes com esta síndrome apresentam carcinoma do pulmão, principalmente os de pequenas células. É causada pela produção excessiva de corticotropina ou de péptidos tipo-corticotropina. A hipercalcemia é provavelmente a mais comum de todas as síndrome paraneoplásica. Existem dois processos em questão envolvidos nestas alterações: - Osteólise induzida pelo cancro, se o tumor primário for no osso, como o mieloma múltiplo, ou metastático para o osso de qualquer lesão primária; - Produção de substâncias calcémicas por neoplasisas localizadas fora do território ósseo. Talvez o mais importante esteja relacionada a hormona paratireóide - rPTH. As síndromes paraneoplásicas neuromiopáticas tomam diversas formas, tais como neuropatias periféricas, degeneração cerebelar cortical, uma polimiopatia semelhante à polimiosite,

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síndrome miasténica semelhante à miastenia gravis. A causa dessas síndromes é mal compreendida. Em alguns casos, os anticorpos, presumivelmente contra as células tumorais reagem de forma cruzada com células neuronais. Várias manifestações vasculares e hematológicas podem aparecer em associação com uma variedade de formas de cancro. Como as tromboflebites migratórias - Síndrome de Trousseau - podem ser encontradas em associação mais frequentemente com os carcinomas do pâncreas ou pulmão. A coagulação intravascular disseminada aguda é mais comumente associado com leucemia promielocítica aguda e adenocarcinoma da próstata.

Classificação dos Tumores

Estes sistemas de classificação foram desenvolvidos para expressar, pelo menos em termos semi-quantitativos, o nível de diferenciação, ou grau, e a extensão da disseminação de um cancro no doente, ou a fase, como os parâmetros da gravidade clínica da doença. A classificação de um tumor é baseada no grau de diferenciação das células tumorais e no número de mitoses dentro do tumor como presumível correlação entre a neoplasia e a sua agressividade. Assim, os tumores são classificados como grau I a IV com o aumento da anaplasia [um termo usado para descrever o processo de desdiferenciação de células altamente diferenciadas em células pouco diferenciadas. É um processo característico de neoplasias malignas]. Os critérios para os diferentes graus variam de acordo com cada tipo de

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neoplasia e, portanto, não são detalhadas aqui, mas todas as tentativas, no essencial, para avaliar em que medida as células tumorais lembram ou não lembram seus homólogos normais. Embora a gradação histológica seja útil, a correlação histológica entre a aparência e comportamento biológico encontra-se muito longe de ser perfeita. Devido a esta limitação e para evitar falsas quantificações, é prática comum para caracterizar uma neoplasia em especial termos descritivos, por exemplo, bem diferenciado, adenocarcinoma do estômago secretor de mucinas, ou altamente indiferenciados, tumor maligno retro-peritoneal, provavelmente sarcoma. Em geral, com algumas excepções, como sarcomas dos tecidos moles, a classificação de cancros revelou-se de menor valor do que tem estadiamento clínico. O estadiamento do cancro é baseado no tamanho da lesão primária, o seu grau de disseminação para gânglios linfáticos regionais, bem como a presença ou ausência de metástases por via sanguínea. Dois grandes sistemas de estadiamento estão actualmente em uso, um desenvolvido pela União Internacional Contra o Câncer (UICC) eo outro pela American Joint Committee (AJC). A UICC emprega um sistema de classificação chamado o TNM: - T, para o tumor primário; - N, gânglios linfáticos regionais; - M, metástases. O estadiamento TNM varia para cada tipo de cancro, mas existem princípios gerais. Com a crescente dimensão, a lesão primária é caracterizada como T1 a T4, T0 é adicionado para indicar uma lesão no local. N0 significaria o não envolvimento de gânglios linfáticos, enquanto N1 a N3 denotam o envolvimento de um maior número e variedade de gânglios. M0 significa sem metástases distantes, enquanto o M1 ou por vezes M2 indica a presença de metástases por via sanguínea e um parecer sobre a sua quantidade. A AJC emprega uma nomenclatura um pouco diferente e divide todos os cancros em estádios de 0 a IV, incorporando dentro de cada uma destas etapas, o tamanho da lesão primária, bem como a presença de metástases distantes e disseminação ganglionar. O estadiamento da doença neoplásica tem assumido grande importância na escolha da melhor forma de terapia para o paciente. Não é demais repetir que o estadiamento tem provado ser de maior valor clínico além classificação. Em alguns casos, como no caso do cancro pulmonar, o estadiamento tem sido muitas vezes auxiliado por técnicas de imagem, como a tomografia de emissão de positrões – PET.