Sebenta Constitucional Laura Nunes Vicente

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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012 DIREITO CONSTITUCIONAL I PARTE I–CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO CAPÍTULO I DIREITO CONSTITUCIONAL –APROXIMAÇÕES Constituição: um texto? Conceito de direito: regulação das relações sociais através de normas jurídicas, assegurando a coesão do sistema. Conceito de constituição: o termo constituição pode ter diferentes usos. Para os compreender, é necessário ter em conta as seguintes proposições: Todos os países têm uma constituição. Nem todos os países possuem um documento escrito chamado constituição. Nem todos os países que têm um documento constitucional obedecem ao conceito de constitucionalismo. 1.1. Constituição enquanto realidade social – constituição real Através da primeira afirmação, compreendemos que o termo constituição pode ser utilizado em sentido amplo para designar a estruturação do poder, o “corpo político” de uma comunidade. Este uso corresponde à concepção aristotélica de politeia. No fundo, a constituição revelase como uma realidade social, podendo se afirmar que qualquer grupo organizado é uma constituição. 1.2. Constituição como documento escrito – constituição formal A segunda afirmação remetenos para o conceito formal de constituição enquanto documento escrito, ou seja, enquanto um documento que possui superioridade hierárquica no plano jurídico e, diferentemente dos outros textos normativos, é de difícil revisão. Este conceito pode já transportar dimensões valorativas, visto obedecer a determinadas características formais e possuir um conteúdo específico. 1.3. Constituição em sentido normativo – constituição material A terceira afirmação colocanos perante o uso de constituição em sentido normativo, ou seja, enquanto documento que obedece aos princípios fundamentais do constitucionalismo. A constituição deve, pois, possuir um conteúdo específico: deve estabelecer limites jurídicos ao poder, e deve ser informada por princípios materiais fundamentais, como o princípio de separação de poderes e a garantia de direitos e liberdades. A constituição normativa pressupõe uma relação entre o texto e um conteúdo normativo específico, e, assim, o texto vale como lei superior porque consagra princípios fundamentais. A constituição é um conjunto de regras jurídicas codificadas num texto ou em costumes, e que possuem superioridade hierárquica em relação às outras regras jurídicas, visto serem atravessadas por princípios aos quais é atribuído um valor específico superior. Assim, a constituição normativa não se basta com um conjunto de regras jurídicas, tem de transportar uma dimensão axiológica que se traduza numa bondade material. O Corpus Constitucional O corpus da constituição, que se define como conjunto limitado de materiais normativos que formam a constituição, constitui não um dado, mas sim um problema. São candidatos positivos os materiais normativos que fazem parte da constituição, candidatos negativos os materiais não reentrantes na constituição, e candidatos neutrais aqueles que suscitam dúvidas quanto à sua integração na constituição. Assim, podemos encontrar três acepções do corpus constitucional: O corpus constitucional é constituído pelo texto (constituição em sentido formal). O corpus constitucional é constituído não só pelo texto, mas ainda por outros materiais normativos. O corpus constitucional é constituído apenas por uma parte das regras incluídas no texto. 1. O texto Alguns autores consideram que o corpus constitucional é todo o texto constitucional, ou seja, existe identificação entre constituição e constitucional formal. Surge o conceito de constituição instrumental – constituição enquanto um texto escrito.

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  • Laura Nunes Vicente Ano Lectivo 2011/2012

    DIREITO CONSTITUCIONAL I PARTE I CONSTITUIO E CONSTITUCIONALISMO

    CAPTULO I DIREITO CONSTITUCIONAL APROXIMAES Constituio: um texto? Conceito de direito: regulao das relaes sociais atravs de normas jurdicas, assegurando a coeso do sistema. Conceito de constituio: o termo constituio pode ter diferentes usos. Para os compreender, necessrio ter em conta as seguintes proposies:

    Todos os pases tm uma constituio. Nem todos os pases possuem um documento escrito chamado constituio. Nem todos os pases que tm um documento constitucional obedecem ao conceito de

    constitucionalismo. 1.1. Constituio enquanto realidade social constituio real Atravs da primeira afirmao, compreendemos que o termo constituio pode ser utilizado em sentido amplo para designar a estruturao do poder, o corpo poltico de uma comunidade. Este uso corresponde concepo aristotlica de politeia. No fundo, a constituio revela-se como uma realidade social, podendo-se afirmar que qualquer grupo organizado uma constituio. 1.2. Constituio como documento escrito constituio formal A segunda afirmao remete-nos para o conceito formal de constituio enquanto documento escrito, ou seja, enquanto um documento que possui superioridade hierrquica no plano jurdico e, diferentemente dos outros textos normativos, de difcil reviso. Este conceito pode j transportar dimenses valorativas, visto obedecer a determinadas caractersticas formais e possuir um contedo especfico. 1.3. Constituio em sentido normativo constituio material A terceira afirmao coloca-nos perante o uso de constituio em sentido normativo, ou seja, enquanto documento que obedece aos princpios fundamentais do constitucionalismo. A constituio deve, pois, possuir um contedo especfico: deve estabelecer limites jurdicos ao poder, e deve ser informada por princpios materiais fundamentais, como o princpio de separao de poderes e a garantia de direitos e liberdades. A constituio normativa pressupe uma relao entre o texto e um contedo normativo especfico, e, assim, o texto vale como lei superior porque consagra princpios fundamentais. A constituio um conjunto de regras jurdicas codificadas num texto ou em costumes, e que possuem superioridade hierrquica em relao s outras regras jurdicas, visto serem atravessadas por princpios aos quais atribudo um valor especfico superior. Assim, a constituio normativa no se basta com um conjunto de regras jurdicas, tem de transportar uma dimenso axiolgica que se traduza numa bondade material. O Corpus Constitucional O corpus da constituio, que se define como conjunto limitado de materiais normativos que formam a constituio, constitui no um dado, mas sim um problema. So candidatos positivos os materiais normativos que fazem parte da constituio, candidatos negativos os materiais no reentrantes na constituio, e candidatos neutrais aqueles que suscitam dvidas quanto sua integrao na constituio. Assim, podemos encontrar trs acepes do corpus constitucional:

    O corpus constitucional constitudo pelo texto (constituio em sentido formal). O corpus constitucional constitudo no s pelo texto, mas ainda por outros materiais normativos. O corpus constitucional constitudo apenas por uma parte das regras includas no texto.

    1. O texto Alguns autores consideram que o corpus constitucional todo o texto constitucional, ou seja, existe identificao entre constituio e constitucional formal. Surge o conceito de constituio instrumental constituio enquanto um texto escrito.

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    Contudo, nem sempre existe esta correspondncia. Por exemplo, em Frana, as Constituies de 1946 e 1958 lembram a fidelidade aos princpios da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789. Assim, vrios textos foram do documento constitucional so, pois, includos no corpus constitucional. 2. Mais do que o texto 2.1. O costume constitucional Considera-se que estamos perante uma norma constitucional consuetudinria (no escrita) integradora do corpus constitucional quando se verifica a institucionalizao social no sistema jurdico constitucional de um acto ao qual reconhecido a significao de uma norma de carcter constitucional. Para que uma regra consuetudinria seja institucionalizada, so necessrias duas condies cumulativas: uso durante largo tempo (inveterata ou longaeva consuetudo), e convico da sua juridicidade (opinio necessitatis ou opinio juris). Assim, pode-se afirmar, por exemplo, a existncia de um costume constitucional caracterizado pela nomeao obrigatria, pelo Presidente da Repblica, como Primeiro-Ministro, do candidato a Primeiro-Ministro indicado pelo partido que venceu as eleies quando a Constituio da Repblica Portuguesa estabelece apenas que o Primeiro-Ministro ser nomeado pelo Presidente da Repblica tendo em conta os resultados eleitorais (CRP, art. 187). 2.2. As interpretaes do texto O corpus constitucional pode incluir ainda candidato resultantes da interpretao do texto constitucional. So exemplos:

    A judicial review of legislation, fiscalizao da constitucionalidade das leis pelos tribunais, que no estava expressamente consagrada na Constituio dos Estados Unidos mas que foi descobrida interpretativamente pelo Juiz Marshall.

    A integrao racial nas escolas pblicas a controvrsia em torno da segregao racial nas escolas pblicas terminou com a institucionalizao de um novo princpio constitucional pelo Juiz Warren, que determinou que o princpio da igual proteco de brancos e negros no era compatvel com esta separao.

    3. Menos do que o texto Existem normas que, embora inseridas no texto, no so normas materialmente constitucionais, no possuem dignidade constitucional. So exemplos:

    Normas com importncia transitria. Normas de escassa relevncia constitucional. Normas de carcter compromissrio. Normas tcnicas.

    O problema suscitado pela reduo do corpus constitucional a falta de critrios seguros para aferir da constitucionalidade das normas, aliada impossibilidade de reconhecer ao intrprete o direito de desconstitucionalizar. Assim, e como reconhecer a existncia de normas apenas formalmente constitucionais implicaria correr o risco de quebrar a unidade normativa da constituio, consideramos que todas as normas da constituio tm o mesmo valor, ou seja, fazem parte do corpus constitucional. 4. Law in the books e law in action A abertura do corpus constitucional a regras constitucionais no escritas quer derivadas da formao consuetudinria, quer derivadas da interpretao do texto constitucional aponta para um conceito de direito enquanto direito em aco, e no apenas direito nos livros. Falamos, pois, numa constituio material conjunto de fins e valores constitutivos da unidade de um ordenamento jurdico (dimenso objectiva), e o conjunto de foras polticas e sociais que exprimem esses fins ou valores (dimenso subjectiva). O Direito Constitucional no Quadro dos Saberes O Direito Constitucional constitui um ramo do direito pblico, e ope-se a outros saberes como a Teoria Geral do Estado, a Cincia Poltica, o Direito do Estado, etc. Contudo, necessrio dominar estas reas do saber para compreender o Direito Constitucional. O Direito Constitucional no quadro da diviso direito pblico/direito privado

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    Apesar dos campos do direito pblico e direito privado no serem dois campos estanques, podemos distingui-los segundo diferentes critrios:

    Posio dos sujeitos: enquanto que no direito pblico h uma relao de supra-infra-ordenao entre os sujeitos, no direito privado os sujeitos encontram-se num plano de paridade. Este critrio no , porm, absoluto.

    Teoria dos interesses: o direito pblico persegue interesses pblicos, enquanto que o direito privado se rege por interesses privados.

    Teoria da especialidade Contudo, esta distino entre direito pblico e direito privado meramente tendencial, visto que a linha que separa estes dois campos do direito tem-se vindo progressivamente a atenuar.

    Bibliografia: Gomes CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituio 1129-1139

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    CAPTULO II GNESE E DESENVOLVIMENTO HISTRICO DO CONCEITO DE CONSTITUIO Constituio: um conceito com histria O movimento constitucional gerador da constituio em sentido moderno teve vrias razes no tempo e no espao. Assim, no existe um constitucionalismo mas vrios constitucionalismos o ingls, americano e francs. Constitucionalismo a teoria que ergue o princpio do governo limitado e da garantia dos direitos numa dimenso estruturante da organizao poltico-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representa uma tcnica especfica de limitao ao poder com fim garantsticos. Numa acepo histrica, o conceito de constitucionalismo moderno pode ser utilizado para designar o movimento poltico, social e cultural que se iniciou em meados do sculo XVIII, e que deu origem a uma nova forma de ordenao e fundamentao do poder poltico. O movimento do constitucionalismo moderno ope-se ao constitucionalismo antigo, ou seja, o conjunto de princpios escritos ou consuetudinrios aliceradores da existncia de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princpios tero vigorado desde os fins da Idade Mdia at ao sculo XVIII. O constitucionalismo moderno trouxe com ele o conceito de constituio moderna. Por constituio moderna entende-se a ordenao racional da comunidade poltica atravs de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e direitos e se fixam os limites do poder poltico. O conceito de constituio moderna engloba as seguintes dimenses: ordenao jurdico-poltica plasmada num documento escrito; declarao de um conjunto de direitos fundamentais e da sua garantia; organizao do poder poltico, de forma a limit-lo e moder-lo. Este conceito converteu-se progressivamente num dos pressupostos bsicos da cultura jurdica ocidental, ao ponto de ser designada por conceito ocidental de constituio. As consideraes anteriores justificam a indispensabilidade de hoje se falar num conceito histrico de Constituio. Por constituio em sentido histrico entende-se, pois, o conjunto de regras escritas ou consuetudinrias e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurdico-poltica num determinado sistema poltico-social. Os constitucionalismos modernos A constituio em sentido moderno pretendeu, pois, radicar duas ideias fundamentais: ordenar, fundar e limitar o poder poltico e reconhecer e garantir os direitos e liberdades do indivduo. 1. Constitucionalismo ingls modelo historicista

    Etapas da histria constitucional inglesa Direitos adquiridos Due process of law Papel relevante da jurisprudncia Constituio mista Soberania do parlamento Rule of law

    No constitucionalismo ingls, a English Constitution apareceu como a sedimentao histrica dos direitos adquiridos pelos ingleses e o aliceramento, tambm histrico, de um governo balanceado e moderado. Foram trs as dimenses histrico-constitucionais que caracterizaram este movimento: a garantia de direitos adquiridos (liberty and property); estruturao corporativa dos direitos; regulao destes direitos e desta estruturao atravs de contratos de domnio do tipo da Magna Charta. Este movimento legou vrios princpios constituio ocidental, sendo caracterizado pelas seguintes dimenses:

    Defesa da liberdade enquanto liberdade pessoal de todos os ingleses e como segurana da pessoa e dos bens que se proprietrio;

    Criao de um processo justo regulado por lei (due process law), onde se estabelecessem as regras disciplinadoras da privao da liberdade e propriedade;

    Leis do pas que vo sendo dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juzes e no pelo legislador , dando origem ao direito comum;

    Representao e soberania parlamentar visando um governo estruturalmente moderado. Apesar de estar patente uma ideia de soberania colegial, formada pelo rei, pelos comuns e pelos lordes (King

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    in Parliament, Commons and Lords) e reminiscente ainda da poca medieval, estas foras polticas eram moderadas pela representao e soberania parlamentar. Podemos falar, ento, de uma constituio mista aquela em que o poder no est apenas nas mos de um monarca, sendo tambm partilhada por outros rgos do governo.

    A soberania do parlamento conduz a uma ideia fundamental do constitucionalismo the rule of law, princpio segundo o qual o poder supremo dever exercer-se sob a forma de lei do Parlamento.

    A importncia do Parlamento, enquanto rgo que melhor representa o povo, o titular do poder, uma das caractersticas fundamentais do constitucionalismo ingls. Com efeito, a soberania do Parlamento veio a ser decisiva para aplicar, mais tarde, o princpio da separao dos poderes. No constitucionalismo ingls, o poder constituinte entendido como um processo histrico de revelao da norma, ou seja, o modo de garantir os direitos e liberdades e estabelecer limites ao poder no era o de criar uma lei fundamental, mas sim o de confirmar a existncia de privilgios e liberdades radicado nas velhas leis de direito (the good old laws), ou seja, num corpo costumeiro de normas e num reduzido nmero de documentos escritos. O objectivo da constituio era, pois, o de estabelecer um equilbrio entre os poderes medievais de forma a assegurar um governo moderado e os direitos e liberdades. Ao constitucionalismo histrico estranha a concepo de poder constituinte enquanto poder de uma entidade abstracta o povo ou a nao para criar uma nova ordem poltica. 2. O constitucionalismo norte americano

    As razes religiosas do constitucionalismo norte-americano Democracia dualista: a lio de Madison A Constituio de 1787 A ideia de limited government A Constituio como paramount law Judicial review

    Por oposio ao movimento anglicano, surgem os puritanos, que emigram para os EUA e que mobilizaram o modelo de aliana no constitucionalismo norte-americano. Com efeito, o constitucionalismo nasce com uma revelao, a manifestao de vontade de independncia que culminou com a Declarao da Independncia, em 1786. Contudo, e ao contrrio da Revoluo Francesa, esta revoluo no pacfica no se traduziu numa ruptura completa com o antigo sistema, vindo apenas romper com o regime colonizador. Os EUA, enquanto colnia, tinham de pagar impostos Inglaterra, contudo estes no acarretavam quaisquer direitos e deveres taxation without representation. Os colonos rebelaram-se, assim, contra este regime e, em 1787 e apenas um ano depois, elaboraram uma nova Constituio, ainda vigente. O povo passa, ento, a tomar decises momento We the People. Com esta Revoluo, os americanos pretenderam reafirmar os Rights, e aos seus olhos comeou a ganhar contornos uma nova ideia de democracia a democracia dualista (Madison). Este modelo dualista defende que existem dois momentos distintos de democracia os momentos constituionais, raros, de decises tomadas pelo povo; e os momentos, mais frequentes, de decises tomadas pelo governo. Nos primeiros momentos, e em condies especiais, o povo decide atravs do exerccio do poder constituinte. Contudo, este poder constituinte possui caractersticas diferentes do poder institucionalizado aquando da Revoluo Francesa o objectivo no era tanto o de reinventar um soberano omnipotente, a Nao, mas sim permitir ao povo fixar regras limitadoras do poder atravs de uma lei superior, a Constituio. Constituiu-se, assim, uma nova ordem poltica sujeita ao princpio de governo limitado (limited government). O modelo de constituio norte-americana radica na ideia de limitao normativa do poder poltico atravs de uma lei escrita. Neste sentido, a constituio no um contrato entre governantes e governados, mas sim um acordo celebrado pelo povo, tendo como objectivo a vinculao do governo a uma lei fundamental. A consequncia lgica do entendimento da constituio como higher law a elevao da lei constitucional a paramount law, ou seja, lei que torna nula (void) qualquer outra lei considerada inferior. A lei constitucional , pois, uma lei proeminente, o que justifica a elevao do poder judicial a podes fiscalizador da constituio, garantido a defesa dos direitos e liberdades nela assegurados. Surge a fiscalizao da constitucionalidade, a judicial review, que torna os juzes competentes para aferir da constitucionalidade das leis.

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    Diferentemente do modelo historicista ingls, o poder constituinte adquire no constitucionalismo norte-americano centralidade poltica. A dimenso bsica do poder constituinte passa a ser a de criar uma constituio que estabelecesse um conjunto de regras que visassem:

    A constituio do povo como autoridade ou poder poltico superior; A subordinao do legislador e das leis por ele produzidas s normas da constituio; A inexistncia de um poder soberano supremo e a criao de poderes constitudos colocados numa

    posio equilibrada (checks and balances); A garantia de um conjunto de direitos e liberdades.

    Podemos, assim, concluir que a filosofia do poder constituinte norte-americano uma filosofia garantstica, sendo que este no possui autonomia, limitando-se a criar um corpo rgido de regras que garanta direitos e limite poderes falamos, pois, em dizer a norma. 3. O constitucionalismo francs modelo individualista

    Direitos naturais do indivduo Recusa dos privilgios do Ancien Rgime Legitimao de um novo poder poltico: o contrato Exigncia de uma constituio escrita Contributo para o conceito de poder constituinte

    No movimento constitucionalista francs, podemos distinguir dois momentos um momento de ruptura e um momento construtivista. Momento de ruptura com os privilges de lancien rgime, e construtivista porque a constituio teria de definir uma nova ordem racionalmente constituda. Este constitucionalismo um constitucionalismo revolucionrio. Com efeito, o constitucionalismo ingls no veio romper com os esquemas tardo-medievais dos direitos dos estamentos. A Revoluo Francesa, por outro lado, veio edificar uma nova ordem assente nos direitos naturais dos indivduos, deixando estes de ser considerados indivduos integrantes numa ordem jurdica estamental. Estes direitos eram individuais pois todos os homens eram considerados iguais em nascimento e em direitos esta defesa dos direitos, que ia para alm da defesa da liberty and property perante o poder poltico, constituiu-se tambm como um gesto de revolta contra o ancien rgime, uma expresso pstuma que vem comprovar a ruptura com o antigo regime e a criao de um novo regime, que veio implementar no s uma nova ordem poltica, mas tambm social. O segundo momento fractal individualista do constitucionalismo francs reside numa nova forma de legitimao e fundamentao do poder poltico, vindo responder uma pergunta que o constitucionalismo ingls deixou em aberto como podem os homens dar a si prprios uma lei fundamental? Assim, a ordem dos homens uma ordem artificial, que se constitui por acordo entre os homens (Hobbes). A ordem poltica , pois, estabelecida atravs de um contrato social assente nas vontades individuais, ou seja, o poder legitima-se um funo de um contrato individual. Estes dois momentos fractais, a afirmao de direitos naturais do indivduo e a artificializao-contratualizao da ordem poltica, vm explicar a necessidade de uma constituio escrita que, simultaneamente, garantisse direitos e legitimasse o poder poltico (construtivismo poltico-constitucional). Nasce, ento, uma nova categoria do poder poltico o poder constituinte, como poder originrio pertencente Nao e que permitia criar uma lei superior, a constituio. Este conceito de constituio, enquanto lei superior que simultaneamente garante os direitos naturais do indivduo livre e limita o poder, , segundo Carl Schmitt, o conceito de ideal de constituio. Este conceito est expresso no Art. 16 da Dclaration Universelle des Droits de lHomme et du Citoyen. Assim, necessrio a existncia de um texto escrito, mas igualmente imperativo que este texto possua um contedo especfico, que se traduz, como j foi dito, na garantia dos direitos fundamentais do indivduo e na separao dos poderes. A Revoluo Francesa vem transportar dimenses distintas no que diz respeito concepo de poder constituinte. Este poder adquire as caractersticas um poder originrio, autnomo e omnipotente, passando a ter como titular a nao o que lhe permite criar uma nova ordem poltica e social. Esta nova concepo do poder constituinte veio permitir:

    A legitimao do poder poltico; A transformao do estado moderno em repblica democrtica; A criao de uma nova solidariedade entre os cidados na construo de uma nova ordem social.

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    O poder constituinte no modelo francs , assim, um poder de criar a norma.

    Bibliografia: Gomes CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituio Pginas 51 60

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    CAPTULO III WE THE PEOPLE PODER CONSTITUINTE E CONSTITUIO Aproximao problemtica do poder constituinte: O constitucionalismo veio recrutar a problemtica do poder constituinte. No seio desta problemtica, encontramos quatro questes fundamentais para a compreenso deste poder:

    O que o poder constituinte? Quem o titular do poder constituinte? Qual o procedimento e forma do seu exerccio? Existem limites jurdicos e/ou polticos ao seu exerccio?

    O que o poder constituinte? O poder constituinte pode definir-se como a autoridade poltica que est em condies de, numa determinada situao concreta, fazer ou rever uma constituio. Ao poder de fazer uma constituio atribui-se a designao de poder constituinte originrio, enquanto que ao poder de a rever se d o nome de poder constituinte derivado ou de reviso. Os contributos teortico-constitucionais: 1. John Locke e o supreme power No contexto do radicalismo poltico ingls (1681-1683), a formulao terica do direito de resistncia e do direito revoluo deu origem necessidade de redefinir o corpo do povo. Na teoria de John Locke, no estado de natureza os indivduos possuem j um conjunto de direitos contudo, este estado de natureza dotado de algumas insuficincias, como exemplo a falta de um juiz imparcial. Assim, necessrio passar a uma sociedade politicamente organizada porm, o poder est vinculado propriedade (property), ou seja, o poder est limitado por aquilo que prprio ao seres humanos, como o valor da vida e a liberdade. Assim, a passagem a uma sociedade politicamente organizada resulta de uma relao de trust, na qual a sociedade confere um poder supremo ao legislador, porm limitado e especfico. Assim, os pressupostos tericos do supreme power so:

    O state of nature de carcter social; Neste estado de natureza, os indivduos tm uma esfera de direitos naturais (property),

    antecedentes formao de qualquer governo; O poder supremo conferido sociedade, e no a qualquer soberano; O contrato social atravs do qual o povo consente o poder supremo do legislador atribui-lhe um

    poder limitado, especfico e no arbitrrio; S o corpo poltico (body politic) reunido no povo tem autoridade poltica para estabelecer a

    constituio poltica da sociedade. 2. Sieys e o pouvoir constituant Se em Locke a sugesto de um poder constituinte aparecia associada ao direito de resistncia reclamado pelo radicalismo, em Sieys a frmula do pouvoir constituant surge associada luta contra a monarquia absoluta. Sieys veio teorizar o poder constituinte como um poder:

    Inicial no existe nenhum outro poder anterior; Autnomo no depende de nenhum outro poder; Omnipotente no possui limites.

    No contexto do iluminismo e enquanto jusnaturalista, Sieys acreditava que se podiam atingir verdades absolutas atravs do exerccio da razo, e por este motivo no defendia em absoluto a omnipotncia do poder constituinte, visto que este estaria vinculado a estas verdades. Na sua obra, Quest-ce le Tiers tat?, decisiva para a teorizao do constitucionalismo francs, h uma ideia de ruptura, de ciso entre o antigo e o novo regime. O titular do poder constituinte passa, deste modo, a ser a Nao ou o Terceiro Estado teoria da soberania nacional. Assim, os momentos fundamentais da teoria do poder constituinte de Sieys so as seguintes:

    Teorizao do poder constituinte enquanto poder originrio e soberano pertencente nao; Plena liberdade da nao para criar uma constituio, visto que o poder constituinte no est

    sujeito a limites ou condies preexistentes.

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    Os autores modernos salientam que a teoria do pouvoir constituant , simultaneamente, desconstituinte e constituinte desconstituinte pois, num primeiro momento, rompe com o poder constitudo pela monarquia; e constituinte pois, num segundo momento, cria uma nova ordem poltico-social. Surgem, deste modo, os poderes constitudos poderes conformados e regulados pela constituio. 1.3. Madison e constitutional politics and ordinary politics Madison veio distinguir constitutional politics de ordinary politics. A constitutional politics surge em momentos excepcionais de mobilizao popular e destina-se a estabelecer os esquemas fundadores de uma nova ordem constitucional, enquanto que a normal ou ordinary politics desenvolve-se normalmente com base nas regras e princpios estabelecidos na lei superior e fundamental. 2. O titular do poder constituinte 1. A histria: povo (Rousseau) versus Nao (Sieys) Na obra emblemtica de Sieys, Quest-ce le pouvoir constituiant?, este atribui a paternidade do poder constituinte nao, enquanto entidade indivisvel, introduzindo o conceito de soberania nacional. Em Rousseau, por outro lado, o titular do poder constituinte o povo, num conceito de soberania popular. A soberania popular uma soberania una, que se divide, parcelarmente, pelos cidados. Actualmente, o conceito de soberania igualmente um conceito de soberania popular, contudo distinto do de Rousseau. 2. O povo dessacralizado: o povo poltico ou a indispensvel pluralizao Actualmente, atribui-se a paternidade do poder constituinte ao povo. Contudo, o povo concebe-se como grandeza pluralstica, ou seja, como uma pluralidade de foras culturais, sociais e polticas influenciadoras da formao de opinies e vontades nos momentos preconstituintes e constituintes. Emprega-se o termo povo para designar o povo em sentido poltico, ou seja, grupo de pessoas que agem segundo ideias, interesses e representaes de natureza poltica. Existem, porm, outros conceitos, ainda que redutores, de povo:

    Conceito de povo realista constitudo pelas minorias activistas autoproclamadas em representantes do povo;

    Conceito de povo normativo constitudo pelo corpo eleitoral; Conceito de povo maioritrio constitudo pelas maiorias.

    , assim, o conceito de povo real que detm o poder constituinte comunidade aberta de sujeitos constituintes que entre si contratualizam. O procedimento constituinte 1. Fenomenologia do poder constituinte: o exemplo portugus Apesar de uma constituio no resultar sempre de uma revoluo ou de um golpe de Estado, esta surge sempre num momento extraordinrio, que foge aos cnones. Nestes momentos esto geralmente implcitas decises de carcter pr-constituinte, que se seguem a um momento desconstituinte. Estas decises so constitudas por:

    Decises de iniciativa de elaborao e aprovao de uma nova constituio; Deciso atributiva do poder constituinte e definio do procedimento constituinte; Leis constitucionais transitrias.

    O exemplo portugus:

    A Junta de Salvao Nacional, emergente do Movimento das Foras Armadas, emite um primeiro comunicado no qual determina a eleio, por sufrgio directo, de uma Assembleia Nacional Constituinte;

    Na Lei Constitucional Provisria decretada pela Junta de Salvao Nacional, esta estabelece que Assembleia Nacional Constituinte caber elaborar a aprovar uma nova Constituio;

    Ainda na Lei Constitucional Provisria, determina-se que a eleio da Assembleia Constituinte dever ser por sufrgio universal, directo e secreto, devendo este processo de eleio ser regulado pelo Governo Provisrio.

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    2. Procedimentos constituintes: Podemos classificar os procedimentos constituintes em trs tipos:

    Procedimentos constituintes representativos; Procedimentos constituintes directos; Procedimentos constituintes monrquicos.

    2.1. Procedimentos constituintes representativos Designa-se por procedimento constituinte representativo a tcnica de elaborao de uma lei constitucional atravs de uma assembleia especial, a assembleia constitucional Podemos distinguir trs tipos de procedimentos constituintes representativos:

    Assembleia Constituinte soberana cabe Assembleia a elaborao e a aprovao da constituio, excluindo-se qualquer interveno directa por parte do povo. O procedimento representativo de Assembleia Constituinte soberana considerado o modelo clssico portugus Constituio de 1822, 1838, 1911 e 1976.

    Assembleia Constituinte no soberana cabe Assembleia apenas a elaborao de uma constituio, sendo atribuda ao povo a tarefa da sua aprovao. Neste sentido, diz-se que o texto aprovado por uma Assembleia Constituinte uma proposta de constituio, enquanto que o voto do povo uma sano constituinte.

    Assembleia Constituinte e Convenes do Povo um procedimento semelhante ao da Assembleia Constituinte no soberana, contudo a aprovao pelo povo feita, no atravs de um referendo, mas sim atravs de convenes do povo, reunidas em diversos centros territoriais.

    2.2. Procedimentos constituintes directos: Designa-se procedimento constituinte directo a aprovao pelo povo de um projecto de constituio sem quaisquer representantes. Trata-se, pois, da sujeio sano popular de uma determinada proposta constitucional elaborada por determinados rgos polticos, ou por um nmero determinado de cidados. Este procedimento pode realizar-se atravs de duas modalidades:

    Referendo aprovao de uma determinada proposta constitucional atravs de um procedimento referendrio justo.

    Plebiscito processo referendrio no justo, na qual a votao popular de um projecto de constituio unilateralmente fabricada pelos titulares do poder com o objectivo de alterar em termos de duvidosa legalidade a ordem constitucional vigente (plebiscitos napolenicos). No exemplo portugus, a aprovao da Constituio de 1933 aproxima-se deste modelo, na qual as abstenes foram consideradas como votos a favor.

    2.3. Procedimentos constituintes monrquicos Designa-se procedimento constituinte monrquico a elaborao de uma constituio por parte de um monarca. Podemos classificar estes procedimentos em:

    Constituio outorgada a Constituio dada ao povo pelo soberano; Constituio pactuada ou dualista a Constituio resulta de um pacto entre o soberano e o povo.

    3. Poder constituinte originrio: um poder absoluto? 1. A teoria da omnipotncia no quadro da secularizao de conceitos teolgicos Na teoria clssica do poder constituinte, este era considerado como um poder autnomo, incondicionado e livre. O poder constituinte concebia-se, em toda a sua radicalidade, como um poder juridicamente desvinculado, sendo que esta concepo omnipotente do poder resulta da secularizao de conceitos teolgicos a teologia poltica. A doutrina actual rejeita esta compreenso. Em primeiro lugar, se o poder constituinte possui como objectivo criar uma constituio que limite o poder, esta vontade de constituio no pode deixar de condicionar a vontade do criador. Em segundo lugar, o prprio sujeito constituinte obedece a padres e modelos de conduta radicados na conscincia jurdica da comunidade. Em terceiro lugar, revela-se como indispensvel a observncia a certos princpios jurdicos, que funcionam como limites da liberdade e da omnipotncia do poder constituinte. Por ltimo, a constituio encontra-se, nos dias de hoje, vinculada ao direito internacional. 2. A irrenuncivel vinculao jurdica: entre a universalizao e a contextualizao

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    Assim, podemos classificar a vinculao constitucional em: Vinculao interna princpios resultantes da memria histrica. Vinculao internacional e cosmopolita princpios de direito internacional.

    Bibliografia: Gomes CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituio Pginas 65 82

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    CAPTULO IV O ESTADO CONSTITUCIONAL A Constituio e o seu Referente: Estado? Sociedade? O conceito de Estado constitucional um conceito que se opes aos vrios tipos de Estados que existiram nos diferentes perodos histricos. um produto do desenvolvimento constitucional no actual momento histrico, conhecendo vrias formas polticas e jurdico-constitucionais rule of law, tat lgal, Rechtsstaat e Estado de direito. 1. O referente da Constituio 1.1. A sociedade e a Constituio A resposta pergunta qual o referente da Constituio? iniciou-se com a Revoluo Francesa. Artigo 16. Declarao dos Direitos do Homem e dos Cidados de 1789 - Toute socit dans laquelle la garantie des droits nest pas assure, ni la separation des pouvoirs dtermine point de Constitution Este artigo atravessado por duas linhas de fora: a garantia de direitos e a separao de poderes. O referente do artigo a sociedade, ou seja, a sociedade tem uma Constituio. Assim, nos esquemas polticos oitocentistas, a Constituio aspirava a ser um corpo jurdico de regras aplicveis ao corpo social. Nasce, pois, a expresso Constituio da Repblica, visto que a Constituio se refere prpria comunidade poltica, ou seja, Repblica. 1.2. A Constituio como norma ou lei do Estado Com a evoluo do constitucionalismo, o referente da Constituio desloca-se para o Estado. Podemos apontar trs razes para esta transmutao:

    O conceito sofreu uma evoluo semntica, com o constitucionalismo norte-amerciano e francs; A progressiva estruturao do Estado Liberal veio determinar a separao Estado-Sociedade; O conceito de Estado ergueu-se ao conceito ordenador da comunidade poltica, reduzindo-se a

    Constituio a simples lei do Estado e do seu poder. 2. Que coisa o Estado? 2.1. Nascimento do Estado O conceito de Estado deve muito s construes filosficas de Bodin e de Thomas Hobbes, que destacaram a sua soberania e poder como categorias centrais da modernidade poltica. Actualmente, podemos definir Estado como uma forma histrica de organizao jurdica do poder dotada de certas qualidades. Afirma-se desde logo a qualidade de poder soberano, supremo no plano interno e independente no internacional. Esta soberania possui igualmente um carcter originrio, visto que o Estado no precisa de fundamentar as suas normas noutras preexistentes. O Estado moderno constitui, assim, um esquema de racionalizao institucional das sociedades modernas, e o Estado constitucional uma tecnologia poltica de equilbrio poltico-social e de combate autocracia absolutista do poder e os privilgios orgnico-corporativo medievais. O Estado, tal como acaba de ser caracterizado, corresponde ao modelo de Estado emergente da Paz de Westeflia (1648), que assenta na ideia de unidade poltica soberana do mesmo. Contudo, podemos afirmar que este modelo est em crise em virtude dos recentes fenmenos de globalizao 2.2. Os elementos do Estado So trs os elementos constitutivos do Estado:

    Poder enquanto poltico de comando; Povo enquanto destinatrio da soberania; Territrio enquanto espao de reunio do povo.

    O Estado constitucional: Estado de direito democrtico

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    Hoje em dia, o Estado s se concebe como Estado constitucional. Contudo, um Estado constitucional no se basta na existncia de Constituio, um Estado adjectivado. Por outras palavras, o Estado constitucional necessita de possuir determinadas qualidades que o tornem um Estado de direito democrtico. 1. O Estado de direito: os contributos e as tradies 1.1. Rule of law: a herana britnica Apesar da interpretao do sentido da frmula rule of law no ter sido constante, podemos destacar-lhe quatro dimenses fundamentais:

    Rule of law significa, em primeiro lugar e na sequncia da Magna Carta de 1215, a obrigatoriedade de observncia de um processo justo legalmente regulado due process,

    Em segundo lugar, significa a proeminncia das leis e costumes do pas em relao ao arbtrio do monarca.

    Em terceiro lugar, aponta para a vinculao dos actos executivos soberania do Parlamento. Por fim, tem o sentido de igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidados, na defesa do

    Common law. 1.2. Constituio e lei: a supremacia judicialmente garantida do texto constitucional (always under law) No horizonte constitucional norte-americano, o imprio do direito (the Reign of Law) ganha contornos inovadores. Podemos destacar duas dimenses do Estado de direito:

    A supremacia da Constituio, que se afirma como higher law ou paramount law e estabelece os esquemas essenciais do governo e os seus limites, bem como os direitos e liberdades dos cidados.

    A garantia judicial da supremacia da Constituio atravs da judicial review of legislation, ou seja, a fiscalizao da constitucionalidade das leis do governo por parte dos tribunais, quem tm o direito-dever de as desaplicar caso tal no se verifique.

    A ideia de um governo justificado, ou seja, de um governo que possui a obrigao jurdico-constitucional de governas segundo leis dotadas de unidade, publicidade, durabilidade e antecedncia. Assim, as razes do governo devem ser pblicas.

    1.3. Ltat lgal ou de legalidade: o contributo francs No constitucionalismo francs, o Estado de direito pensado como um Estado legal, num cruzamento entre as construes tericas de Siyes e Rousseau. A lei surge da vontade colectiva e tida numa concepo sacrossanta. Traos do Estado legal:

    Presena de uma ordem jurdica hierrquica, concebendo a seguinte pirmide hierquica (por ordem decrescente):

    1. Declarao dos Direitos do Homem e dos Cidados, que simultaneamente uma supraconstituio e uma pr-constituio;

    2. Constituio; 3. Lei; 4. Actos do executivo e aplicao das leis.

    Princpio da primazia da lei e submisso do poder poltico ao direito, que se traduz na garantia de que a lei s pode ser editada pelo rgo legislativo e na supremacia da lei como fonte de direito (a seguir s leis constitucionais).

    Desconfiana em relao ao controlo judicial da constitucionalidade, que inexistente, e ao poder executivo, que tem de estar em conformidade com a lei.

    A limitao do poder pelo direito acabaria, em Frana, numa situao paradoxal. A supremacia da Constituio foi sendo neutralizada pela primazia da lei, e, assim, o Estado legal eficaz no cumprimento do princpio da legalidade por parte da administrao, mas incapaz de compreender o sentido de supremacia da Constituio e insensvel fora normativa dos direitos e liberdades institudos na Dclaration. Por este motivo se fala do constitucionalismo francs como um constitucionalismo sem Constituio. 1.4. Rechtsstaat: a lio alem Inicialmente, o Rechtsstaat era pensado, em termos muito abstractos, como Estado da Razo. Contudo, hoje o Estado de direito um Estado liberal, opondo-se ao Estado de Polcia que assume como tarefa prpria a prossecuo da felicidade dos sbditos e que leva ao absolutismo. O Estado liberal, ou Estado Polcia, limita-se defesa da ordem e segurana pblica, sendo que os direitos fundamentais individuais

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    Freiheit und Eingentum (liberdade e propriedade) decorriam do respeito de uma esfera de liberdade individual. A limitao do Estado pelo direito estende-se ao prprio soberano, sendo que o Estado liberal vem introduzir uma ideia de controlo judicial da administrao, que deveria actuar nos termos da lei e obedecendo a certos princpios materiais. Esta fiscalizao da actividade administrativa variava de estado para estado e podia fazer-se atravs de dois modelos tribunais comuns ou tribunais especiais. 2. Estado Democrtico O Estado constitucional no nem deve ser apenas um Estado de direito. Ele tem de se estruturar como uma ordem de domnio legitimada pelo povo. Assim, o princpio da soberania popular uma das traves do Estado constitucional. 2.1. Democracia versus Estado de Direito? No sculo XIX e XX, afirma-se a ideia de democracia, que alguns vem como uma contradio ao Estado de direito, que poderia ser posto em causa pela vontade da maioria. Alguns autores consideram que Estado direito e democracia correspondem a dois tipos de liberdade no Estado de direito concebe-se a liberdade como liberdade negativa, ou seja, uma liberdade de defesa e distanciao perante o Estado; e no Estado democrtico, estaria inerente a liberdade positiva, assente no exerccio democrtico do poder. 2.2 Estado de Direito Democrtico Apesar de haver dimenses de tenso entre o Estado de direito e a democracia, o Estado de direito s se pode compreender enquanto Estado democrtico. O elemento democrtico introduzido, no s para limitar o exerccio do poder, mas tambm pela necessidade de legitimao do poder. Com efeito, o Estado impoltico no d resposta ao problema da fundamentao do poder, que encontra a sua resposta no princpio democrtico da soberania popular segundo o qual todo o poder vem do povo. Assim, o princpio de soberania popular concretizado segundo princpios juridicamente regulados concilia os conceitos de Estado de direito e democrtico e possibilita a compreenso da frmula de Estado de direito democrtico. Bibliografia: Gomes CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituio Pginas 85 102

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    PARTE II MEMRIA CONSTITUCIONAL PORTUGUESA

    CAPTULO I INTRODUO HISTRIA CONSTITUCIONAL PORTUGUESA Histria Constitucional Portuguesa: entre a continuidade e a ruptura 1. Descontinuidades Considera-se que existe uma relao de descontinuidade quando uma ordem jurdico-constitucional implica uma ruptura com a ordem constitucional anterior. 1.1. Descontinuidade formal Considera-se que a descontinuidade formal quando uma nova Constituio adquire efectividade e validade num determinado espao jurdico sem que para tal se tenham observado os preceitos reguladores de alterao ou reviso da Constituio vigente. Por outras palavras, quando a nova Constituio feita e aprovada segundo os esquemas regulativos da velha Constituio, existe continuidade formal; quando o novo texto constitucional postergou os preceitos do velho texto quanto ao procedimento de alterao, estamos perante uma descontinuidade formal. 1.2. Descontinuidade material Numa ptica material, verifica-se uma descontinuidade quando o novo poder constituinte vem destruir o ttulo do anterior, ou os poderes polticos constitucionalmente conformadores. 2. Continuidades As descontinuidades constitucionais coexistem com algumas memrias e tradies do constitucionalismo que, juntamente com determinados institutos jurdicos, constituem factores de continuidade. Podemos apontar a existncia de trs patrimnios culturais constitucionais na histria do constitucionalismo portugus:

    Catlogo de direitos e liberdades; Fiscalizao judicial difusa dos actos normativos; Existncia de autarquias locais.

    A histria constitucional portuguesa e o constitucionalismo: monlogos e dilogos Podemos detectar o rasto de fontes constitucionais estrangeiras no articulado constitucional, das quais se destacam:

    O peso das experincias constitucionais francesas, especialmente no constitucionalismo monrquico;

    DESCONTINUIDADES NO CONSTITUCIONALISMO PORTUGUS

    Descontinuidade Formal Descontinuidade Material

    1. Constituio de 1822 Poder constituinte democrtico das Cortes Gerais Extraordinrias e Constituintes de 1821

    2. Carta Constitucional de 1826 Poder constituinte monrquico

    3. Constituio de 1838 Poder constituinte democrtico

    4. Constituio de 1911 Poder constituinte democrtico republicano

    5. Constituio de 1933 Poder constituinte autoritrio-plebiscitrio

    6. Constituio de 1976 Poder constituinte democrtico representativo

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    A recepo do constitucionalismo espanhol; O dilogo luso-brasileiro; A influncia alem.

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    CAPTULO II O CONSTITUCIONALISMO MONRQUICO E AS SUAS CONCRETIZAES POSITIVAS: 1822, 1826, 1838 Os antecedentes prximos do constitucionalismo moderno: a Splica Constitucional (1808) O movimento constitucional portugus iniciou-se com a splica de Constituio dirigida a Junot em 1808, por um grupo de cidados. Esta proposta de Constituio era reconduzvel ao modelo das constituies outorgadas, nomeadamente a Constituio outorgada por Napoleo ao Gro-Ducado de Varsvia. O Constitucionalismo Vintista: a Constituio de 1822 1. Circunstncias histrias da revoluo de 1820 2. Gnese do texto constitucional: as Cortes Extraordinrias Constituintes 2.1. Procedimento constituinte: as Cortes Extraordinrias Constituintes O procedimento constituinte que caracterizou a elaborao do primeiro texto constitucional portugus foi um procedimento constituinte representativo. A nova Constituio foi elaborada pelas Cortes Gerais, Extraordinrias e Constituintes, em 1821. 2.2. Influncias constitucionais Podemos distinguir duas tendncias essenciais na questo fulcral do modelo poltico-constitucional a escolher:

    Constitucionalismo francs (as constituies de 1791 e 1795) Constitucionalismo espanhol (a Constituio de Cdis de 1812)

    3. Traos constituintes essenciais 3.1. Princpios estruturantes Em sntese, os princpios norteadores da Constituio de 1822 so os seguintes:

    Princpio democrtico da soberania estadual, pois a soberania reside essencialmente na Nao; Princpio da representao, dado que a soberania s pode ser exercida pelos seus representantes

    eleitos; Princpio da separao de poderes, de tal maneira independentes que um no poder arrogar a si

    as atribuies do outro; Princpio da igualdade jurdica e do respeito pelos direitos pessoais.

    3.2 Direitos e deveres dos portugueses A Constituio de 1822 consagrou um catlogo dos direitos e deveres individuais dos cidados portugueses, separando duas categorias de direitos que a Dclaration de 1789 juntava: os direitos da Nao e os direitos individuais. Alguns destes ltimos tinham um carcter positivo, como o direito liberdade, e outros tinham um carcter negativo, dirigindo-se essencialmente contra o antigo regime. 3.3. Unicameralismo O poder legislativo residia nas Cortes, com dependncia da sano do Rei, e que se configuravam como assembleia unicameral e eleita bienalmente. 4. Vigncias do texto de 1822 A Constituio de 1822 teve as seguintes vigncias:

    Primeira vigncia (1822 1823) fim imposto pelo movimento de contra-revoluo Vilafrancada, chefiado por D. Miguel;

    Segunda vigncia (1836 1838) incio pelo Decreto de 10 Setembro de 1836, na sequncia da Revoluo de Setembro.

    O Constitucionalismo Cartista: a Carta Constitucional de 1826 1. Contexto histrico

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    No obstante os propsitos visveis do movimento da Vilafrancada restaurao do absolutismo -, o perodo (1823-1825) que se segue primeira experincia liberal no marcado por uma ruptura completa com a ordem liberal. Os propsitos do rei D. Joo VI seriam, antes, os de enveredar pelo moderantismo, dando uma carta de lei fundamental. Contudo, esta carta s veio a ser elaborada com a morte do rei e a aclamao do Imperador do Brasil (D. Pedro) como rei, que outorgou uma Carta Constitucional Monarquia Portuguesa. Esta Constituio assim designada por se tratar de uma constituio outorgada, ou seja, doada pela vontade do soberano ao povo. 2. Gnese da Carta Constitucional de 1826 A Carta Constitucional de 1826 teve como influncias:

    A Constituio brasileira de 1824; O pensamento poltico de Benjamin Constant; A Constituio de 1822 (apesar de limitada).

    3. Traos essenciais do constitucionalismo cartista 3.1. Princpios estruturantes:

    Princpio monrquico; Princpio da diviso de poderes, mas sem completa diviso de funes; Princpio censitrio: a participao no exerccio do poder constitucionalmente limitada a uma

    pequena minoria possidente; Reconhecimento de Direitos Civis e Polticos aos Cidados Portugueses.

    3.2. Um recm-chegado na arquitectura dos poderes constitucionais: o poder moderador No que respeita organizao do poder poltico, a Carta vem introduzir um novo poder o poder moderador. A ideia do poder moderador um produto terico trabalhado por Benjamin Constant, e a ele competiam certas funes tpicas de Chefe de Estado. 3.3. Bicameralismo: Cmara dos Pares e Cmara dos Deputados A Carta procede a uma partilha do poder poltico, dividindo as Cortes em duas cmaras Cmara dos Deputados, electiva e temporria; e Cmara dos Pares, composta por membros vitalcios e hereditrios, sem nmero fixo. 4. Vigncias da Carta Constitucional A Carta Constitucional teve as seguintes vigncias:

    Primeira vigncia (1826 1828) Segunda vigncia (1834 1836) Terceira vigncia (1842 1910) e os Actos Adicionais

    - Acto Adicional de 1852 - Acto Adicional de 1885 - Acto Adicional de 1895-96 - Acto Adicional de 1907

    O Constitucionalismo Setembrista: a Constituio de 1838 1. Contexto histrico Em 1836, um novo Ministrio, no qual Passos Manuel era figura dominante, tomou conta do poder e aboliu a Carta Constitucional de 1826 revoluo setembrista. 2. Fontes do texto setembrista

    As anteriores constituies portuguesas; A Constituio francesa de 1830; A Constituio belga de 1831; As Constituies brasileira e espanhola de 1837.

    3. A estrutura da Constituio de 1838

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    A Constituio de 1838 surge atravs de um procedimento monrquico pactuado, ou seja, resulta de um pacto entre o soberano e a representao nacional, constituindo uma constituio compromisso entre os defensores da soberania nacional e os partidrios da monarquia constitucional assente no princpio monrquico. 3.1. Declarao de direitos semelhana da Constituio de 1822, o catlogo dos direitos fundamentais, agora sob o ttulo Dos Direitos e Garantias dos Portugueses, deslocado para a 1 parte da Constituio. 3.2. Organizao do poder poltico Consagra-se a independncia dos poderes polticos, bem como o princpio da soberania nacional. Assim, desaparece o poder moderador, e os poderes do monarca diminuem. 4. Vigncia da Constituio de 1838 (1838 1842) A Constituio de 1838 entrou em vigor em Abril de 1838 e terminou com o golpe de Estado de Costa Cabral, em Janeiro de 1842. Costa Cabral veio repor em vigor a Carta Constitucional, mantendo-se este documento at 5 de Outubro de 1910.

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    CAPTULO II O CONSTITUCIONALISMO REPUBLICANO 1. Circunstncias histricas da revoluo de 5 de Outubro de 1910 2. Fontes da Constituio

    A Constituio brasileira de 1891; A Constituio sua de 1848 revista; As constituies portuguesas anteriores; O constitucionalismo francs.

    3. Princpios republicanos 3.1. Democracia A ideia republicana expressou, desde logo, uma maior adeso ao princpio democrtico do que aquela que lhe emprestou o liberalismo monrquico. A repblica democrtica guiava-se pelos seguintes princpios:

    Soberania nacional aderiu-se ao princpio da soberania nacional, retomando as frmulas das constituies de 1838 e 1822;

    Regime representativo a soberania a Nao manifesta-se atravs dos representantes eleitos; Separao de poderes consagra a forma clssica de separao de poderes, considerados

    independentes entre si; Sufrgio universal apesar do sufrgio universal estar no cerne da Repblica, nem por isso se

    consagrou a universalidade do sufrgio, estando excludos os analfabetos, as mulheres e, em alguma medida, tambm os militares;

    Bicameralismo partidrio consagra o sistema bicameral, passando o Senado a desempenhar o papel que cabia Cmara dos Pares;

    Parlamentarismo monstico e regime parlamentar de assembleia parlamentarismo monstico devido ao amplo poder de controlo poltico do Parlamento sobre o governo; e o regime parlamentar de assembleia pois o Congresso era o nico rgo que, teoreticamente, podia condicionar as directivas polticas da repblica democrtica.

    3.2. Laicismo A Constituio de 1910 veio defender uma repblica laica e democrtica. O laicismo baseava-se em:

    Igualdade de cultos; Liberdade de culto; Neutralidade religiosa do ensino; Perseguio Igreja Catlica: a extino da Companhia de Jesus e de todas as congregaes

    religiosas e ordens monsticas. 3.3. Descentralizao Os republicanos defendiam uma repblica democrtica federativa, atravs da criao de centros de autoridade local. 4. Estrutura constitucional 4.1. Catlogo liberal de direitos Na Constituio, consagra-se, ainda semelhana da Constituio de 1822, um catlogo de direitos fundamentais, dos quais so exemplos a proibio da pena de morte e a consagrao da liberdade de religio e culto. 4.2. Estrutura organizatria do poder poltico

    Parlamentarismo; Bicameralismo Cmara dos Deputados e Senado; Presidente da Repblica eleio indirecta; Judicial review controlo judicial da constitucionalidade; Descentralizao administrativa.

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    CAPTULO III O CONSTITUCIONALISMO CORPORATIVO Contexto histrico A 1 Repblica caracterizou-se pela instabilidade governamental, pelo apagamento do Presidente da Repblica e por um multipartidarismo desorganizado, circunstncias que se repercutiram na economia, ento em crise. O golpe de 26 de Maio de 1926 veio implantar uma Ditadura Militar, e scar Carmona toma posse como Chefe de Estado. Em 1932, Oliveira Salazar, ento Ministro das Finanas, ascende a Presidente do Conselho de Ministros (Primeiro-Ministro) e cria, com a Constituio de 1933, o regime de Estado Novo. Gnese da Constituio de 1933: do projecto de reviso da Constituio de 1911 feitura de um novo texto constitucional 1. O Acto Colonial de 1930 O Acto Colonial de 1930 foi o primeiro documento constitucional do Estado Novo, elaborado por Oliveira Salazar e de forte pendor nacionalista. 2. A criao do Conselho Poltico Nacional: discusso sobre o seu papel O Conselho Poltico Nacional foi um rgo consultivo criado a 1931, que era presidido pelo Presidente da Repblica, scar Carmona, e do qual Oliveira Salazar era membro. Linhas de fora do constitucionalismo do Estado Novo Traos principais do Constitucionalismo corporativo:

    Repblica corporativa subjacente Constituio de 1933 estava uma filosofia de uma poltica reestruturante da sociedade, ou seja, que reconhecesse grupos intermdios entre o indivduo e o Estado, como a famlia, os organismos corporativos, as autarquias locais e a Igreja. Ocorreu uma repulsa pelo liberalismo poltico e econmico e pela sua instabilidade, e o Estado concebeu-se como uma Repblica corporativa, baseada na interferncia de elementos estruturais da Nao na vida administrativa e na feitura das leis.

    A ideia de Estado forte e o presidencialismo de Primeiro-Ministro a Constituio reagiu contra as debilidades do Estado democrtico da 1 Repblica, instituindo um executivo forte, independente do rgo legislativo; um legislativo no partidariamente dividido; e um Chefe de Estado, eleito directamente pela Nao, que s perante ela respondia. Encontramo-nos perante um presidencialismo de Primeiro-Ministro, ou seja, perante uma concentrao de poderes no Chefe de Estado.

    Antiliberalismo poltico e a ideia supra-individualista de Nao verifica-se uma legalizao ou degradao legal dos direitos fundamentais, que perdem fora normativa, pois os fins e os interesses da Nao dominam os dos indivduos e grupos que as compem.

    Antiliberalismo econmico e a ideia de economia dirigida o antiliberalismo manifesta-se tambm numa Constituio econmica, de pendor dirigista, que pretende regular e programar a actividade econmica atravs de um conjunto de princpios. Assiste-se tambm a uma restrio drstica dos direitos dos trabalhadores, como a proibio do direito greve.

    Estrutura e princpios da Constituio de 1933 1. Procedimento constituinte O texto constitucional corporativo a nica constituio portuguesa que adoptou o procedimento constituinte directo plebiscitrio . A partir de um projecto de Salazar, e com auxlio do Conselho Poltico Nacional, foi elaborado um texto mais tarde submetido a plebiscito nacional. 2. Direitos fundamentais Num fenmeno de degradao legal dos direitos fundamentais, estes passaram a mover-se no mbito da lei, em vez de a lei se mover no mbito dos direitos fundamentais. 3. A Constituio econmica Na senda da Constituio de Weimar, a Constituio de 1933 formalizou, pela primeira vez, a constituio econmica, que define programas e directivas para a ordem econmica.

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    4. Estrutura poltico-organizatria A Constituio de 1933 veio individualizar como rgos de soberania os seguintes rgos:

    Chefe de Estado; Assembleia Nacional; Governo; Cmara Corporativa; Conselho de Estado; Tribunais.

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    PARTE III CONCRETIZAES: DIREITO CONSTITUCIONAL PORTUGUS

    Captulo I Texto e contexto A gnese da CRP: o poder constituinte originrio 1. A Constituio de 1976 como resposta constitucional da nova Repblica 1.1 O fim do Estado Novo A revoluo de 25 de Abril de 1974 foi levada a cabo pelo MFA (Movimento das Foras Armadas), que posteriormente entregou o poder a uma Junta de Salvao Nacional (JSN) rgo revolucionrio presidida pelo General Antnio de Spnola. O objectivo declarado deste acto revolucionrio era o da ruptura com o regime autoritrio e corporativo anterior e o da consequente instaurao de um regime democrtico. 1.2. A estrutura constitucional provisria e o papel do MFA Junta de Salvao Nacional, emergente do MFA, cabia a elaborao de uma Lei Constitucional Provisria e a eleio de uma Assembleia Nacional Constituinte. 2. A CRP no quadro do constitucionalismo portugus: continuidades e rupturas 2.1. Clarificao conceptual 2.2. Continuidades e rupturas da Constituio de 1976 e tradies constitucionais portuguesas Apesar de as descontinuidades prevalecerem sobre as continuidades, podemos identificar um conjunto de caractersticas que formam um patrimnio cultural:

    Fiscalizao constitucional das leis pelos tribunais; Poder legislativo ordinrio do executivo, que constitui um trao distintivo do constitucionalismo

    portugus. 3. A CRP e as matrizes estrangeiras Foram vrios os textos que serviram de inspirao ao legisladores constituinte de 1976. Destacam-se:

    Constituies dos pases de Leste; Constituies ocidentais (alem, italiana e francesa); Constituies portuguesas anteriores.

    4. Constituio originria e procedimento constituinte O procedimento constituinte que esteve na origem do documento constituinte de 1976 foi um procedimento representativo de assembleia soberana, visto que a populao portuguesa elegeu uma Assembleia Constituinte com competncia para elaborar e aprovar uma Constituio. 4.1. Entre a liberdade a tutela O problema da coerncia e unidade da CRP de 1976 comeou cedo. Esta apresentava tenses e contradies, fruto do movimento revolucionrio. Assim, podemos identificar as seguintes contradies no seio da CRP originria:

    Constituio liberal e democrtica / Constituio dirigente a autoritria, finalisticamente dirigida prossecuo do socialismo;

    Legitimidade democrtica, expressa nos rgos de sufrgio universal / Legitimidade revolucionria, expressa no Conselho da Revoluo;

    Constituio programtica, que determina um conjunto de normas-fim e normas tarefa / Constituio processo.

    4.2. As imperfeies procedimentais e a realidade e a realidade constitucional Considera-se que existe justia procedimental constituinte quando as etapas de elaborao de uma constituio so consideradas justas e, por isso, reconduzveis a uma boa constituio. Existem autores que consideram que houve uma injustia procedimental na elaborao da Constituio de 1976, pelos seguintes motivos:

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    Inexistncia de referendo para a aprovao do texto a Constituio deveria ter sido aprovada atravs de um referendo, visto que se tratou de um momento de intensa participao popular;

    Existncia de coaco sobre os constituintes os Pactos MFA-Partidos traduziam-se na insero de clusulas no texto da Constituio.

    Contudo, na opinio do Prof. Canotilho, no houve injustia procedimental. 4.3. Os momentos constitucionais Podemos distinguir trs momentos constitucionais:

    Momento revolucionrio subjacente Constituio de 1976, esteve a Revoluo de 1974, que implicou uma transformao a nvel poltico e social, nomeadamente a substituio de uma classe poltica por outra;

    Momento extraordinrio momento de intensa participao popular; Momento maquiavlico houve alguns actos, protagonizados pelo poder revolucionrio e

    constituinte, de legitimidade duvidosa, de excesso revolucionrio. So exemplos: - Normas constitucionais inconstitucionais; - Incapacidades cvicas automticas de pessoas com cargos no Estado Novo; - Incriminao retroactiva de agentes da PIDE; - Expropriao sem indemnizao; - Proibio dos partidos fascistas.

    Caracterizao da CRP 1. A estrutura da Constituio 1.1 Princpios

    Princpio republicano; Princpio do Estado de Direito; Princpio democrtico; Princpio da soberania popular; Princpio da separao de poderes; Princpio da autonomia regional.

    1.2. A constituio dos direitos e deveres fundamentais consagrado um extenso catlogo de direitos fundamentais. O princpio estruturante da Constituio de 76 foi a dignidade da pessoa humana, que simultaneamente o limite e o fundamento do poder poltico. A proteco da dignidade humana teve como consequncias normativas a proibio da pena de morte a das penas de priso perptua. 2. As caractersticas formais 2.1. Unitextual

    Paralelamente ao texto formal, no h outros documentos com valor constitucional; No existem leis de reviso constitucional fora da Constituio.

    2.2. Rgida

    As normas constitucionais tm uma especial resistncia derrogao, como o princpio de que a lei posterior derroga a anterior;

    A reviso um procedimento especfico e exigente; S as leis de reviso constitucional derrogam as normas constitucionais.

    2.3. Longa As constituies longas opem-se s constituies breves, que exprimem modelos de competncias ou limitaes, bastando-se na organizao e limitao do poder poltico. As constituies longas exprimem modelos de valores fundamentais, possuem um projecto concebido atravs de normas-fim. A Constituio de 76 um constituio longa, com 295 artigos. 2.4. Programtica As constituies programticas so constituies longas, esto ligadas a normas-fim ou normas-tarefa que incubem o Estado de um determinado programa.

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    2.5. Compromissria Uma Constituio compromissria traduz um compromisso. A Constituio de 76 traduziu-se num pacto entre:

    Princpio liberal de direitos individuais e princpio socialista de direitos econmicos e sociais; Forma de governo presidencial e parlamentar; Princpio da unidade do Estado e da autonomia regional; Sistema de fiscalizao da constitucionalidade difusa (todos os tribunais judiciais podem aferir da

    constitucionalidade das leis) e concentrada (presena de um tribunal constitucional). A evoluo da Constituio de 1976: o exerccio do poder constituinte derivado 1. As revises constitucionais As revises podem classificar-se em:

    Ordinrias ocorrem passados 5 anos da ltima; Extraordinrias ocorrem com aprovao de 4/5 dos deputados.

    Podemos identificar trs linhas de fora no exerccio do poder constituinte derivado:

    Desideologizao tentativa de neutralizar as referncias semnticas de ideologia marxista e leninista;

    Adaptao ao direito internacional: Autonomia poltica e administrativa de entes pblicos territoriais, principalmente das Regies

    Autnomas.

    REVISES DA CONSTITUIO DE 1976 REVISO TIPO OBJECTIVOS

    1 Reviso - 1982 Ordinria Fim das metanarrativas emancipatrias e da legitimidade revolucionria 2 Reviso - 1989 Ordinria Reviso da constituio econmica 3 Reviso - 1992 Extraordinria Concesso de soberanias Unio Europeia

    4 Reviso - 1997 Ordinria

    Reforma da organizao do poder poltico; constituio bio-mdica, desconstituciona- lizao do dever militar e alargamento do universo eleitoral

    5 Reviso - 2001 Extraordinria Criao do Tribunal Penal Internacional 6 Reviso - 2004 Ordinria Autonomia poltica das Regies Autnomas

    7 Reviso - 2005 Extraordinria Referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu

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    Captulo II Princpios do Estado de Direito 1. Princpio fundante a dignidade da pessoa humana Art. 1. CRP Portugal uma Repblica soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construo de uma sociedade livre, justa e solidria. Dizer que o princpio fundante da Constituio de 1976 a dignidade humana equivale a dizer que este princpio simultaneamente o fundamento e o limite de todo o poder poltico. um fim em si mesmo e, por isso, as dimenses estruturantes ou constitutivas do Estado de Direito visam a proteco deste princpio, que foi pela primeira vez reconhecido na Lei Fundamental de Bona. Duas das consequncias normativas do reconhecimento do princpio da dignidade humana so a proibio da pena de morte e a proibio das penas de priso perptua. 2. Princpios estruturantes 2.1. Juridicidade Dimenses da juridicidade: 2.1.1. A medida do direito (matria, procedimento e forma) O princpio do Estado de Direito um princpio constitutivo, de natureza material, formal e procedimental, que visa dar resposta ao problema do contedo, extenso e modo de proceder da actividade do estado. Assim, a Constituio de um Estado de Direito visa conformar o exerccio do poder poltico e a organizao da sociedade segundo a medida do direito. Esta medida compreende-se enquanto uma articulao entre matria e forma medida material enquanto conjunto de princpios materiais informados por uma certa ideia de justia e que funcionam como meio de ordenao racional de uma comunidade organizada; e medida formal enquanto princpios orgnicos, formais e procedimentais que cumprem essa funo organizadora. 2.1.2. Estado de Direito como Estado de distncia (Kloepfer) O Estado de Direito um Estado de distncia ou de limites, visto garantir ao indivduo uma esfera de autonomia marcada pela diferena e pela individualidade, que se ope ao poder poltico e na qual este no pode intervir. Contudo, a funo do direito no apenas negativa, de defesa, mas tambm positiva: o direito deve assegurar tambm o desenvolvimento da personalidade do indivduo. 2.1.3. Estado de Justia A justia faz parte da prpria ideia de direito, e concretiza-se em princpios materiais que se reconduzem afirmao e respeito da dignidade humana, proteco da liberdade e desenvolvimento da personalidade e realizao da igualdade. Podemos destacar vrias dimenses de um Estado de justia: proteco dos direitos das minorias, equidade na distribuio de direitos e deveres e igualdade de distribuio de bens e de oportunidades. 2.2. Constitucionalidade O Estado de direito necessariamente um Estado constitucional, alicerada na supremacia normativa da Constituio, que deve vincular todos os rgos polticos. Esta supremacia da Constituio a primeira expresso do primado do direito. Dimenses da constitucionalidade: 2.2.1. Primado ou supremacia da Constituio princpio da constitucionalidade O princpio da supremacia da Constituio traduz-se, em primeiro lugar, no princpio da constitucionalidade das leis ou da vinculao do legislador Constituio todos os actos legislativos devem obedecer aos parmetros materiais e formais estabelecidos no texto constitucional. Este primado da Constituio manifesta-se tambm na proibio de leis de alterao constitucional, salvo as leis de reviso elaboradas nos termos previstos (arts. 161./a e 284. a 289.).

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    Em segundo lugar, o princpio da constitucionalidade reside na conformidade, intrnseca e formal, dos actos do Estado com a Constituio (art. 3. /2 e art. 3./3). 2.2.2. Reserva de Constituio A reserva de Constituio significa que determinadas questes respeitantes ao estatuto jurdico do poltico no devem ser reguladas por leis ordinrias mais sim pela Constituio. A reserva de Constituio concretiza-se atravs de dois princpios:

    Princpio da tipicidade constitucional de competncias (art. 111./2) os rgos do Estado s tm competncia para fazer aquilo que a Constituio lhes permite;

    Princpio da constitucionalidade das restries de direitos, liberdades e garantias (art. 18./2) as restries dos direitos, liberdades e garantias devem ser feitas directamente pela Constituio ou atravs das leis, mediante autorizao constitucional expressa e nos casos que esta prev.

    2.2.3. Fora normativa da Constituio (Hesse) O princpio da constitucionalidade postula a fora normativa da Constituio, ou seja, esta no pode ser postergada quaisquer que sejam os pretextos invocados. Esta pretenso de dissoluo poltico-jurdica fundamenta-se frequentemente em interesses nacionais considerados superiores e numa superlegalidade ancorada em princpios transcendentes e motivada por instncias desprovidas de legitimao poltica e jurdica. 2.3. Jusfundamentalidade sistema de direitos fundamentais O Estado de Direito assenta numa base de direitos fundamentais, que por sua vez so informados pelo princpio fundante da dignidade humana. Podemos, assim, afirmar que a Constituio da Repblica possui uma base antropolgica que se reconduz ao homem como pessoa, cidado, trabalhador e administrado. Podlech teorizou que o sistema de direitos fundamentais possua cinco compontentes:

    Afirmao da integridade fsica e espiritual do homem como dimenso essencial da sua integridade (arts. 24., 25. e 26.);

    Garantia da identidade e integridade do homem atravs do livre desenvolvimento da sua personalidade (art. 26.);

    Libertao da angstia da existncia da pessoa mediante mecanismos de socialidade, como a possibilidade de trabalho e qualificao e a garantia de condies existenciais mnimas (arts. 53., 58., 63. e 64.) ;

    Garantia e defesa da autonomia individual atravs da limitao dos poderes pblicos; Garantia da dignidade social e da igualdade de tratamento normativo (art. 13.).

    2.4. Diviso de poderes 2.4.1. Dimenso negativa e dimenso positiva A constitucionalstica mais recente salienta que o princpio da diviso de poderes transporta duas dimenses: a dimenso negativa, de controlo e limite de poderes e que corresponde, em rigor, diviso de poderes; e a dimenso positiva, de ordenao e organizao dos poderes e que associamos separao de poderes. 2.4.2. Relevncia jurdico-constitucional

    Princpio jurdico-organizatrio - uma ideia subjacente ao princpio da diviso de poderes a ordenao de funes atravs da atribuio de competncias aos rgos de poderes e da sua vinculao forma jurdica. Neste sentido, a diviso de poderes constitui um princpio organizatrio fundamental da Constituio, art. 111.), permitindo assim um controlo recproco do poder (checks and balances) e uma organizao jurdica de limites dos rgos do poder.

    Princpio normativo-autnomo nem sempre a diviso funcional coincide com a diviso orgnica dos poderes. Contudo, esta sobreposio das linhas divisrias de funes no justifica que, por si s, se fale de rupturas na diviso de poderes apesar destes desvios apenas serem legtimos se no interferirem com o ncleo essencial de competncias de poderes.

    Princpio fundamentador de incompatibilidades a diviso organizatrio-funcional pressupe uma diviso pessoal dos poderes, que particularmente acentuada no que respeita aos titulares da funo judicial. Esta entreleamento pessoal de funes evitado atravs do princpio da incompatibilidade, expresso nos arts. 216./3 (juzes) e 154./1/2 (deputados).

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    2.4.3. Diviso horizontal e diviso vertical A diviso de poderes pode tambm ser classificada em horizontal e vertical. Enquanto que a diviso horizontal se prende com a hierarquia interna de poderes, a diviso vertical prende-se com a organizao do poder em termos territoriais. 2.4.3.1. Diviso vertical

    Garantia da autonomia poltico-regional dos Aores e da Madeira (arts. 6., 225., 288./o) ) Garantia da administrao autnoma local (arts. 6./1, 235. e 288./n) ) a garantia da

    administrao municipal autnoma est estreitamente conexionada com o princpio democrtico de democracia descentralizada, o que assegura a separao territorial e uma maior participao democrtica no exerccio do poder. Apesar de no ser to claro a sua ligao com o princpio do Estado de Direito, compreendemos que a descentralizao administrativa constituiu um limite ao poder unicitrio e uma forma de separao entre o Estado e a sociedade civil. Este princpio garante a autonomia normativa local e a garantia institucional que garante aos municpios um espao de conformao autnoma.

    2.5. Sustentabilidade ambiental A justia ambiental constitui tambm um dos princpios estruturantes do Estado de Direito. Contudo, em face das experincias recentes, a sustentabilidade ambiental j no se basta numa mera preveno, tambm necessrio um cuidado prvio princpio da precauo. O princpio da precauo traduz-se, por sua vez, em dois outros princpios:

    Princpio de No (Michel Lacroix) preconiza o cuidado e a salvaguarda da biodiversidade e do ambiente;

    Princpio da responsabilidade de Hans Jonas defende a responsabilidade ambiental para com as futuras geraes e introduz um novo imperativo categrico: age de tal maneira que os efeitos da tua aco sejam compatveis com a preservao da vida humana genuna.

    Este princpio concretiza-se jurdico-constitucionalmente nos arts.9./d)/e) e 66.. 3. Subprincpios concretizadores 1. O princpio da legalidade da administrao 1.1. Princpio da reserva de lei as restries dos direitos, liberdades e garantias s podem ser deitas por lei ou mediante autorizao desta. Outras matrias constituem tambm reserva da Assembleia da Repblica (ver arts. 164. e 165.). 1.2. Princpio da primazia ou prevalncia da lei - a lei deliberada e aprovada pelo Parlamento tem superioridade e preferncia relativamente a actos da administrao (ver arts. 266./2 e 112./6, 7 e 8). 1.3. Princpio da precedncia da lei um corolrio do princpio da primazia da lei e diz-nos que a lei anterior ao regulamento. 2. Princpio da segurana jurdica e da proteco da confiana dos cidados

    2.1. Princpio geral da segurana jurdica abrange a ideia de proteco da confiana dos cidados e traduz-se numa pretenso de uma certa cautelabilidade e previsibilidade dos efeitos jurdicos. Enquanto que a segurana jurdica se prende com elementos objectivos (a estabilidade jurdica, etc.), a proteco da confiana dos cidados remete-nos para elementos subjectivos como a previsibilidade dos efeitos jurdicos. 2.2. Princpio da segurana jurdica relativamente a actos normativos

    2.2.1. Princpio da preciso ou determinabilidade das normas jurdicas exigncia de clareza (as normas devem ser suficientemente claras para constiturem um padro de conduta) e de densidade suficiente (uma norma tem de ser o mais determinvel possvel numa dada situao, ter uma disciplina concreta). 2.2.2. Princpio da proibio de pr-efeitos de actos normativos proibio da produo de efeitos jurdicos de actos normativos antes da sua entrada em vigor (ver art. 119.).

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    2.2.3. Proibio de normas retroactivas a questo da retroactividade Existem dois tipos de retroactividade: a retroactividade autntica, quando a lei pretende a

    produo de efeitos para o passado; e a retrospectividade ou retroactividade inautntica, quando a alterao dos pressupostos de uma norma afecta relaes jurdicas do passado.

    Retroactividade exigida (1 caso) exigncia de retroactividade dos princpios penais mais favorveis (art. 29./4).

    Retroactividade proibida (3 casos) o Leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18./3) o Leis penais mais gravosas (art. 29.) o Leis fiscais mais gravosas para o contribuinte (art. 103./3)

    Retroactividade permitida a retroactividade apenas inconstitucional se violar o princpio da segurana jurdica e da proteco da confiana dos cidados.

    2.3. Princpio da segurana jurdica relativamente a actos jurisdicionais A segurana jurdica no mbito dos actos jurisdicionais aponta para o instituto do caso julgado estabilidade definitiva das decises judiciais, quer devido impossibilidade de recurso ou reapreciao, quer porque a relao material introvertida decidida em termos definitivos. Apesar deste princpio no estar expressamente consagrado na Constituio, deriva de vrios preceitos (ver arts. 29,/4 e 282./3). 2.4. O princpio da segurana jurdica relativamente a actos da administrao

    2.4.1. Fora de caso decidido o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz na autovinculao da administrao e na irrevogabilidade do acto administrativo. 2.4.2. Sociedade de risco necessidade de actos provisrios e precrios a fim de a administrao poder reagir alterao das situaes fcticas.

    3. O princpio da proibio do excesso 3.1. Origem do princpio O princpio da proibio do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo dizia primitivamente respeito ao problema da limitao do poder executivo, como princpio geral do poder de polcia (sculo XIX). Posteriormente, foi erigido categoria de princpio constitucional. Este princpio hoje assumido como um princpio de controlo exercido pelos tribunais sobre a adequao dos meios administrativos, sobretudo coactivos, prossecuo dos seus fins. A sua dimenso material estava j presente nos sculos XVIII e XIX, em Inglaterra, Frana e Itlia, tendo sido erguido a princpio constitucional pela doutrina alem, no ps-guerra. 3.2. Dimenses/subprincpios

    3.2.1. Princpio da conformidade ou adequao de meios a medida adoptada para a prossecuo de um interesse pblico deve ser apropriada prossecuo do fim subjacente. 3.2.2. Princpio da exigibilidade ou da necessidade o cidado tem direito menor desvantagem possvel.

    Exigibilidade material limitao da restrio dos direitos fundamentais. Exigibilidade espacial limitao do mbito de interveno. Exigibilidade temporal delimitao no tempo da medida coactiva. Exigibilidade pessoal limitao da aplicao da medida pessoa ou pessoas cujos

    interesses devem ser sacrificados. 3.2.3. Princpio da proporcionalidade em sentido restrito ou princpio da justa medida. O resultado obtido com a interveno deve ser proporcional carga coactiva da mesma.

    3.3. Concretizao constitucional 3.3.1. Princpio da proporcionalidade em matria de restries aos direitos, liberdades e garantias (art. 18./2) 3.3.2. Princpio geral de actuao da administrao (art. 266./2) 3.3.3. Princpio em matria de medidas de polcia (art. 272./2) 3.3.4. Princpio no domnio do estado de excepo (art. 19./4)

    4. Princpio da proteco do dfice de proteco ou proibio por defeito

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    Existir um defeito de proteco quando as entidades sobre quem recai um dever de proteco adoptam medidas insuficientes. O Estado deve, assim adoptar medidas suficientes conducentes a uma proteco adequada e eficaz dos direitos fundamentais (assegurando dimenses prestacionais, por exemplo). 5. Princpio da proteco jurdica e das garantias processuais Quais as instituies/rgos que previnem o abuso do poder poltico? Como se efectua a reparao do abuso do poder? 5.1. Garantias processuais e procedimentais O acesso ao tribunal tem de ser acompanhado de dimenses garantsticas. 5.1.1. Garantias do processo judicial em geral

    Garantia do processo equitativo (art. 20./4) Princpio do juiz legal (art. 32./7) Princpio da audio (art. 28./1) Princpio de igualdade processual das partes (art. 13. e 20./2) Princpio da conformao do processo segundo os direitos fundamentais (art. 32.) Princpio da fundamentao dos actos judiciais (art. 205./1)

    5.1.2. Garantias de processo penal princpios materialmente informadores do processo penal (arts. 28., 32., 209./4). 5.1.3. Garantias do procedimento administrativo garantias de um procedimento administrativo justo.

    Direito de participao do particular (art. 267./4) Princpio da imparcialidade da administrao (266./2) Princpio da audio jurdica (269./3) Princpio da informao (art. 268./1) Princpio da fundamentao dos actos administrativos lesivos e do arquivo aberto

    (268./2) Princpio da conformao do procedimento segundo os direitos fundamentais (art. 266./1

    e 267./4) 5.2. Princpio do acesso ao direito ou garantia de via judiciria O princpio do acesso ao direito est consagrado no art. 20. da Constituio. 5.2.1. Abertura da via judiciria enquanto imposio directamente dirigida ao legislador.

    5.2.2. Controlo judicial enquanto contrapeso clssico em relao ao exerccio dos poderes executivo e legislativo importncia da funo jurisdicional na realizao do Estado de Direito. 5.2.3. Garantia da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.).

    5.3. Princpio da responsabilidade do Estado e da compensao de prejuzos A proteco jurdica exige a consagrao de institutos que garantam uma compensao, no caso de violao de direitos, liberdades ou garantias, pelos prejuzos derivados dos actos do poder pblico.

    5.3.1. Responsabilidade do Estado e consequente dever de reparao de prejuzos (arts. 22. e 271.). 5.3.2. Indemnizao dos sacrifcios especiais impostos a determinados cidados (exemplo do art. 62.).

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    2. PRINCPIO DEMOCRTICO 1. Caracterizao do princpio democrtico O princpio democrtico visa responder ao problema da legitimao do poder poltico e, ao ser consagrado constitucionalmente, constitui uma ordenao normativa para uma dada realidade histrica contingente. A frmula mais conhecida, e que traduz a essncia dos movimentos histricos democrticos, a frmula de Lincoln governo do povo, pelo povo e para o povo. A esta formulao positiva ope-se a formulao negativa de Popper a democracia nunca foi a soberania do povo, no o pode ser, no o deve ser. Tipos de democracia:

    Democracia directa primeiro tipo de democracia, que surgiu com os gregos e na qual os cidados fazem eles prprios as leis.

    Democracia participativa surgiu na ps-modernidade e consiste no exerccio da democracia pelos cidados atravs de instituies cvicas.

    Democracia representativa delegao de poder em representantes, por parte dos cidados. Democracia semidirecta partilha algumas caractersticas com a democracia representativa,

    apesar dos cidados desempenharem um papel directo em certos aspectos da tomada de deciso.

    A Constituio de 76 foi fundada no princpio da democracia representativa, sendo os principais instrumentos de democracia:

    Sufrgio Partidos polticos

    Contudo, as sucessivas revises constitucionais foram assimilando os outros tipos de democracia: Directa plenrio dos cidados (art. 245./2) Semidirecta referendo Participativa ver arts. 2., 109. e 151.

    2. Concretizao constitucional do princpio democrtico 2.1. O princpio da soberania popular O princpio da soberania popular transporta vrias dimenses histricas:

    Necessidade de legitimao do domnio poltico; Povo enquanto legitimao do poder poltico; Povo enquanto titular da soberania; Soberania popular enquanto princpio eficaz e vinculativo no mbito constitucional; Constituio enquanto plano da construo organizatria da democracia.

    2.2. Princpio da representao popular A representao popular o exerccio jurdico, constitucionalmente autorizado, de funes de domnio, feita em nome do povo por rgos de soberania do Estado. Existem dois tipos de representao democrtica:

    2.1. Representao democrtica formal autorizao e legitimao jurdico-formal concedida a um rgo governante para o exerccio do poder poltico. 2.2. Representao democrtica material momento referencial substantivo e normativo, conformidade da vontade do povo com o contedo dos actos dos representantes.

    2.3. Princpio da democracia semidirecta O referendo o principal instrumento de democracia semidirecta. uma consulta feita aos eleitores sobre uma questo ou texto atravs de um procedimento formal regulado na lei. Tipos de referendo (quanto ao territrio) 2.3.1. O referendo nacional (art. 115.):

    mbito material: domnios excludos do mbito material do referendo (art. 115./4): o Referendos constitucionais a reviso constitucional reserva absoluta do

    Parlamento (art. 161./a)) o Referendos sobre questes ou actos de contedo oramental, tributrio ou financeiro

    visto que so matrias de fcil manipulao pelo eleitorado.

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    o Referendos em matrias legislativas e polticas: Art. 115./4/c) fecha as matrias de reserva do Parlamento. Art. 115./4/d) excepto a matria do art. 164./i), toda a matria do artigo

    164. no pode ser objecto de referendo. Esta alnea deve considerada em