Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

26

description

Neste livro perturbador e sensacional, Fernando Jorge prova documentadamente que se não fosse a obsessão da mãe de Barack Obama pelo filme Orfeu Negro, baseado na peça Orfeu da Conceição do poeta brasileiro Vinicius de Moraes, o atual presidente dos Estados Unidos Jamais teria nascido.

Transcript of Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

Page 1: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido
Page 2: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

se não fosse

o brasil, jamais

barack obama

teria nascido

fernando jorge

3ª reimpressão

Diag_Barack2EDIT.indd 2 4/27/11 2:07 PM

Page 3: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

se não fosse

o brasil, jamais

barack obama

teria nascido

fernando jorge

S Ã O P A U L O 2010

3ª reimpressão

Diag_Barack2EDIT.indd 3 4/27/11 2:07 PM

Page 4: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

Índices para catálogo sistemático:1. Estados Unidos : Presidentes : Biografia

973.929092

Dados internacionais de catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Copyright © 2010 by Fernando Jorge

Produção Editorial Estúdio Desenho Editorial

Projeto Gráfico e Guilherme Xavier Ilustração de capa

Composição Cintia de Cerqueira Cesar

Revisão Paulo Schmidt

Impresso no BrasIl

prInted In BrazIl

dIreItos cedIdos para esta edIção à

novo século edItora

Rua Aurora Soares Barbosa, 405 – 2º andarcep 06023-010 – Osasco – SP

Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br

[email protected]

Jorge, FernandoSe não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido /

Fernando Jorge ; [ilustrações de Guilherme Xavier].Osasco, SP : Novo Século Editora, 2010.

1. Brasil - Relações - Estados Unidos2. Estados Unidos - Relações - Brasil 3. Negros -

Brasil 4. Negros - Estados Unidos 5. Obama, Barack6. Preconceitos 7. Presidentes - Estados Unidos -

Biografia 8. Racismo I. Xavier, Guilherme.II. Título.

10-03114 CDD-973.929092

Diag_Barack2EDIT.indd 4 4/27/11 2:07 PM

Page 5: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

sumário

1 A mãe de Obama e o preconceito contra os negros nos Estados Unidos ..... 7

2 Orfeu Negro, o filme que maravilhou a mãe de Obama e o fez nascer ........25

3 Barack Obama compreende porque sua mãe ficou deslumbrada com o filme Orfeu Negro ...................................................53

4 Vinicius de Moraes, o poeta brasileiro que também fez Obama nascer ........71

5 A peça Orfeu da Conceição, outra causa do nascimento de Obama ...........91

6 O relacionamento dos Estados Unidos com o Brasil, país que fez Obama nascer .................................................................125

7 Racismo, o perigo que ameaça Barack Obama .....................................163

8 O relacionamento de Obama com Lula e o Brasil ............................... 205

Copyright © 2010 by Fernando Jorge

Impresso no BrasIl

prInted In BrazIl

dIreItos cedIdos para esta edIção à

novo século edItora

Rua Aurora Soares Barbosa, 405 – 2º andarcep 06023-010 – Osasco – SP

Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br

[email protected]

Diag_Barack2EDIT.indd 5 4/27/11 2:07 PM

Page 6: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

Diag_Barack2EDIT.indd 6 4/27/11 2:07 PM

Page 7: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

a mãe de obama e o preconceito contra os negros, nos estados unidos

O Kansas é um estado do centro dos Estados Unidos, cuja capi-tal é Topeka. Situa-se no extremo oeste das Grandes Planícies. Ape-sar de ser eminentemente agrícola, a sua indústria, oriunda da ex-tração do zinco, do petróleo, do carvão e do gás natural, favoreceu o crescimento de núcleos urbanos como Wichita e Kansas City.

Numerosas tribos de índios nômades percorriam o Kansas. Talvez isto contribuiu para que ele se tornasse, na pátria de Jimi Hendrix, uma das regiões onde havia fortíssimo preconceito racial contra indí-genas, mexicanos e negros. A avó materna de Barack Obama nasceu lá, em 1922, na cidade de Augusta. Ela se chamava Madelyn Payne e era de uma família de metodistas que se opunha ao jogo, às danças, às bebidas alcoólicas, à liberdade sexual. Os Payne nunca deixaram de ir aos domingos à igreja, como fiéis seguidores das leis de uma pura religião cristã. Viram na Bíblia um código de fé, de ética e de prática, a única teologia, e procuravam acatar o conselho expresso nos versí-culos 13 e 14 do capítulo VII do Evangelho de São Mateus:

i

Diag_Barack2EDIT.indd 7 4/27/11 2:07 PM

Page 8: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

8

“Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o caminho que conduz à perdição. E muitos são os que entram por ele. Estrei-ta, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida. E poucos são os que o encontram.”

Não, os Payne não queriam andar pela larga e espaçosa vereda do Inferno, mas a avó de Barack Obama não temia tanto o diabo, pois ela se casou às ocultas com Stanley Dunham, um jovem aventureiro da vizinha cidade de Eldorado.

Madelyn, mulher sem preconceitos, foi rotulada de “excentrica”, de “rebelde”. Que audácia! Além de se casar escondida, não deu importância a este fato: Stanley Dunham não era metodista, per-tencia à Igreja Batista...

Entretanto, em 1939, o exército alemão invade a Polônia. Isto faz a França e a Inglaterra declararem guerra ao país de Adolf Hitler. É o começo da Segunda Guerra Mundial. No ano seguinte, Franklin De-lano Roosevelt é reeleito presidente dos Estados Unidos. Depois, em 22 de junho de 1941, tem início o conflito germano-russo. Os ale-mães cercam Leningrado e no dia 7 de dezembro desse ano os japo-neses atacam a base militar americana de Pearl Harbour, no arquipé-lago do Havaí. Logo o Congresso dos Estados Unidos aprova a declaração de guerra ao Japão, com um único voto contrário, o da deputada republicana Jeannette Rankin, do estado de Montana.

Em 11 de dezembro de 1941, os membros do Congresso ameri-cano aprovam a declaração de guerra à Itália e à Alemanha, parcei-ras do Japão.

Stanley Dunham alista-se no exército do seu país. Vai para a França, com as tropas do general George Patton, enquanto Made-lyn, sua esposa, fica trabalhando em Wichita, na linha de monta-gem da fábrica do avião B-29, da Boeing. Antes do fim de novem-bro de 1942, ela dera à luz a filha de ambos, Stanley Ann Dunham. O primeiro nome desta era masculino, porque o esposo de Made-lyn queria ter um filho e não uma filha...

Diag_Barack2EDIT.indd 8 4/27/11 2:07 PM

Page 9: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

9

A menina Ann, futura mãe de Obama, com os seus pais, nos meados da década de 1940

Diag_Barack2EDIT.indd 9 4/27/11 2:07 PM

Page 10: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

10

Segundo Barack Obama, o seu avô “voltou da guerra sem jamais ter visto um combate verdadeiro”. Ele se estabeleceu na Califórnia, matriculando-se na Universidade de Berkeley, por conta da lei GI (Government Issue), a qual concedia ajuda financeira aos veteranos do serviço militar que quisessem receber educação superior.

Mas sempre insatisfeito, Stanley regressa ao Kansas, junto de Madelyn. Permanece ali pouco tempo. Novamente atenazado pelo demônio da inquietação, visita pequenas cidades do Texas, até ir parar em Seattle, cidade do estado de Washington, no litoral do oceano Pacífico, importante centro turístico com avançada indús-tria madeireira. Lá a filha, Stanley Ann Dunham, logra concluir o seu curso na escola secundária, e ele, enquanto a esposa trabalha num banco, torna-se vendedor de móveis da Standard-Grunbaum Furniture. O ex-soldado, nessa época, compra uma casa em Mercer Island, na área de Seattle repleta de imigrantes sul-americanos.

Narra Barack Obama, no seu livro Dreams from my father (“So-nhos do meu pai”), que a sua mãe, com onze ou doze anos de idade, recuperava-se de um caso grave de asma. A doença, salienta Barack, havia feito dela uma garota um tanto solitária, propensa a mergu-lhar os olhos num livro ou a vaguear em longas caminhadas. Na escola, por causa do seu primeiro nome masculino – Stanley – a menina era alvo de zombarias. Ann tinha o costume de ficar sozi-nha no quintal da sua casa.

Numa tarde quente, sem vento, ainda conforme a narrativa de Barack, a mãe de Ann, ao chegar em seu lar, encontrou do lado de fora da cerca, um grande número de crianças que cheias de nojo, de raiva, soltando risadas maldosas, gritavam ritmadamente:

– Amiga de negra! Amiga de negra! Amiga de negra! Amiga de negra! Amiga de negra!

E também não paravam de repetir:– Americana suja! Americana suja! Americana suja! Americana

suja! Americana suja! Americana suja!

Diag_Barack2EDIT.indd 10 4/27/11 2:07 PM

Page 11: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

11

Um moleque atirou uma pedra. Ao ver Madelyn, os meninos e as meninas se afastaram.

Eis a causa da fúria: a futura mãe de Barack estava junto de uma menina negra da sua idade. Ambas deitadas de bruços na grama, lendo um livro. Nos olhos de Ann as lágrimas cintilavam e a meni-na negra tremia. Madelyn aconselhou-as:

– Se vocês duas vão brincar, então, por favor, façam isto dentro de casa.

Após soltar estas palavras, Madelyn pegou a mão de Ann e esten-deu o outro braço, a fim de segurar a menina negra, porém esta saiu correndo e desapareceu.

O pai de Ann, consoante a narrativa de Barack Obama, ficou muito perturbado. Fez perguntas à filha e anotou os nomes de algu-mas dessas crianças agressivas. Comunicou-se com o diretor da es-cola onde Ann estudava e telefonou para os pais dos meninos e das meninas que haviam humilhado a amiguinha negra da filha. Deles recebeu a mesma resposta:

– Você é quem deveria conversar com a sua filha, senhor Dunham. Meninas brancas, nesta cidade, não brincam com gente de cor.

Stanley Ann Dunham, mãe de Barack Obama, futuro presidente dos Estados Unidos, nunca conseguiu tirar da sua memória o brutal episódio aqui evocado. Episódio que a chocou e contribuiu deveras para ela detestar e repelir as manifestações de racismo, o qual, como disse a escritora Claire Martin no seu livro La joue droite (“A face direita”), “é efetivamente, entre as diversas feiúras da humanidade, a mais repugnante das doenças” (“est bien l’infirmité la plus repug-nante parmi les diverses laideurs de l’humanité”).

* * *

A adolescente Ann era leitora insaciável e conhecia a heróica luta dos negros norte-americanos contra a discriminação racial, mas é

Diag_Barack2EDIT.indd 11 4/27/11 2:07 PM

Page 12: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

12

Membros da Ku Klux Klan desfilando na cidade de Red Bank, Nova Jersey,

em novembro de 1925

Diag_Barack2EDIT.indd 12 4/27/11 2:07 PM

Page 13: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

13

interessante frisar que os genealogistas, segundo o jornal New York Times, descobriram que os antepassados de sua mãe tinham sido proprietários de escravos.

Em 1863, durante a Guerra Civil Americana, o presidente Abraham Lincoln terminou com a escravidão dos africanos e dos seus descendentes, institucionalizada nos Estados Unidos desde o século XVII, mas dois anos depois, em 1865, grupos clandestinos de brancos criaram as sociedades secretas Ku Klux Klan e Cavalei-ros da Camélia Branca, encarregadas de impedir a igualdade de di-reitos entre brancos e negros.

A união da Liga Branca com a Ku Klux Klan. Desenho publicado no Harper’s Weekly, em 1874

Diag_Barack2EDIT.indd 13 4/27/11 2:07 PM

Page 14: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

14

O racismo continuou a obter vitórias no país de Ann. Em 1883, a Suprema Corte admitiu: ela não podia tomar nenhuma providên-cia contra a discriminação racial feita por particulares. E começa-ram a ser aprovadas, nos estados, leis que determinavam a separação entre brancos e negros. Agir como racista era um direito protegido pela Justiça americana, oposto a esta afirmativa da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, texto da lavra de Thomas Jefferson, redigido em junho de 1776:

“Nós sustentamos essas verdades por serem evidentes por si mes-mas, que todos os homens são criados iguais, que eles são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, e que entre esses estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.”

No ano de 1901, o presidente Theodore Roosevelt convidou o educador e escritor mulato Booker T. Washington para jantar com ele na Casa Branca. Isto causou escândalo e enfureceu os racistas,

sobretudo os dos estados suli-nos. Indignado, o jornal Macon Telegraph garantiu:

“Foi Deus quem criou a bar-reira entre as raças e nenhum presidente, deste ou de qualquer país, pode rompê-la.”

Nascido em 1856, filho de pai branco e de uma negra escrava, Booker Taliaferro Washington pregava a moderação, a coexis-tência dos negros com os bran-cos, e dirigiu o Tuskegee Institu-te, no Alabama, destinado à educação dos afro-americanos. Sua autobiografia, Up from sla-very (“A partir da escravidão”), é

Booker T. Washington

Diag_Barack2EDIT.indd 14 4/27/11 2:07 PM

Page 15: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

15

um precioso documento a respeito da história dos negros norte-ame-ricanos, de seus infortúnios, dos seus lentos progressos numa socieda-de preconceituosa.

Linchamentos de negros se tornaram rotina nos Estados Unidos, desde 1880. Uma foto num cartão-postal mostra um negro, chama-do Jesse, queimado vivo em 1916, na praça da Prefeitura de Waco, no Texas. Atrás do cartão, alguém registrou:

“Este é o churrasco que fizemos ontem à noite...”No livro Without sanctuary (“Sem santuário”), cheio de fotos

desse tipo e lançado pela editora Twin Palms, o historiador Leon F. Litwack escreveu as seguintes palavras:

Enforcamento de dois negros nos Estados Unidos, em 1930, após terem sido linchados

Diag_Barack2EDIT.indd 15 4/27/11 2:07 PM

Page 16: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

16

“Matar a vítima não era suficiente. A execução virou teatro pú-blico, um ritual participativo de tortura, um voyeurístico espetácu-lo prolongado (certa vez, por sete horas), para o prazer da multidão. Em inúmeras ocasiões, jornais anunciavam com antecedência a

Gordon, escravo da Luisiana, mostra em abril de 1863 a sua costa deformada pelas chicotadas

Diag_Barack2EDIT.indd 16 4/27/11 2:07 PM

Page 17: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

17

hora e o local de um linchamento, trens de excursão transportavam espectadores, operários eram por vezes liberados para participar, pais solicitavam às escolas que dispensassem os seus filhos para o evento, e famílias inteiras compareciam”.

Wizard H. E. Evans, líder da Ku Klux Klan, declarou na Feira Estadual do Texas, realizada em Dallas no mês de novembro de 1923:

“O negro jamais atingirá o nível do anglo-saxão. As estatísticas revelam que eles são suscetíveis à tuberculose e contaminados, de maneira alarmante, por infecções venéreas.”

Em 4 de agosto de 1936, ocorreu o enforcamento de um ne-gro na localidade de Owensboro, do Kentucky. Cerca de vinte mil americanos brancos – rapazes, moças, homens maduros, crianças, mulheres solteiras ou casadas, jovens ou velhas, e até criancinhas de colo – viram o “negro nojento” ser pendurado na ponta de uma corda e tombar no alçapão. Todos transbordavam de felicidade. Riam, expeliam gracejos, gritos de contentamen-to, devorando pipocas ou sanduíches, ou ingeriam cerveja, re-frescos, coca-cola, talagadas de aguardente ou grandes doses de uísque. Quando os médicos informaram que o negro havia mor-rido, cada pessoa daquela frenética multidão quis arrancar um pedaço da roupa do defunto, para guardar como souvenir. E ple-namente alegres, regressaram aos seus lares, assobiando, dançan-do, cantando, fazendo piadas...

Colhi dados em vários jornais da época, com o objetivo de des-crever estes fatos, inclusive no livro Agent of death (“Agente da mor-te”), de Robert C. Elliot e Albert R. Beatty, publicado nos Estados Unidos em 1941.

A futura mãe de Barack Obama, nascida em 1942, como já vi-mos, e ainda menina em 1955, sabia que os negros, no sul do seu país, eram proibidos de dirigir a palavra aos brancos. Se assim pro-cedessem, corriam o risco de serem linchados, sem haver punição

Diag_Barack2EDIT.indd 17 4/27/11 2:07 PM

Page 18: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

18

Negro enforcado nos Estados Unidos, após ter sido linchado, em 1935, por integrantes da Ku Klux Klan

Diag_Barack2EDIT.indd 18 4/27/11 2:07 PM

Page 19: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

19

para o crime. Nesse ano de 1955, por exemplo, um menino negro de quatorze anos, Emmet Till, num supermercado da cidadezi-nha de Money, no Mississipi, fez esta saudação a Carolyn Bryant, uma mulher branca:

– Tchau, querida!Decorridos seis dias, o cadáver

do garoto apareceu num rio, boiando. Ele fora torturado e de-pois assassinado com um tiro na cara. O esposo e o irmão da “ofendida” Carolyn cometeram o crime, mas um júri de homens brancos os absolveu.

Os negros, na pátria de Benja-min Franklin, não podiam se misturar com os brancos. Eles tinham as suas escolas, os seus hospitais e os seus restaurantes.

Coube aos brancos americanos, é lógico, a iniciativa humorística de dar o apelido de Jim Crow às leis separatistas que eles haviam criado. Jim, personagem fictício, era um negro falastrão, ocioso e fedorento...

Até os estudantes negros se viam preteridos. No estado da Caro-lina do Sul, para cada aluno branco, o governo gastava 179 dólares por ano, e para cada aluno negro, apenas 43 dólares.

Na maior parte dos estados sulinos, os negros não podiam ficar sentados nos ônibus, se qualquer branco estivesse de pé. Em 1o de dezembro de 1958, a costureira negra Rosa Parks recusou-se a ceder o seu lugar a um branco, num desses veículos. Tal fato aconteceu na cidade de Montgomery, capital do estado sulino de Alabama. A cos-tureira foi detida, porém o seu ato de rebeldia incentivou os outros

Rosa Parks

Diag_Barack2EDIT.indd 19 4/27/11 2:07 PM

Page 20: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

20

negros a fazerem o mesmo e deu impulso à liderança de Martin Lu-ther King na bela e corajosa campanha que ele travava em prol da igualdade de direitos civis entre negros e brancos. O pastor iria pagar um preço bem alto, devido a essa luta. No dia 4 de abril de 1968, acabou sendo assassinado com um tiro no pescoço, pelo gangster Ja-mes Earl Ray, quando se achava na sacada de um hotel de Memphis, no Tennessee. E Martin parece ter pressentido a sua própria morte, pois no dia anterior pronunciara um discurso messiânico, onde estas palavras resplandeciam:

“Bem, eu não sei o que virá agora. Teremos dias difíceis pela frente, mas isto não importa para mim agora, porque eu subi ao topo da mon-tanha. Não me importo mais. Como qualquer pessoa, eu gostaria de ter uma vida longa. A longevidade é boa, mas não estou mais preocu-pado com isto. Quero apenas cumprir a vontade de Deus. E Ele permi-tiu que eu subisse a montanha. E lá de cima eu enxerguei”.

Sempre com esta bíblica linguagem eloquente, à maneira de um profeta do Velho Testamento, o orador continuou:

“Eu enxerguei a Terra Prometida. É provável que eu não entre lá com vocês, mas quero que vocês saibam esta noite que nós, como um povo, chegaremos à Terra Prometida. Por isto estou feliz esta noite. Nada me preocupa. Não temo nenhum homem! Meus olhos viram a glória da vinda do Senhor!”

Após o ato de rebeldia de Rosa Parks, gerador de um vitorioso movimento de protesto, o incansável Martin Luther King havia afirmado:

“Quem aceita passivamente o mal, está mesclado com ele. Quem aceita o mal sem protestar, realmente está cooperando com ele. Quando o oprimido aceita de bom grado a sua opressão, contribui para que o opressor justifique os seus atos”.

James Earl Ray, antes de matar o campeão da luta pela liberdade dos negros, escapara da Penitenciária de Jefferson City, no Missouri, em abril de 1967, depois de receber a pena de vinte anos de prisão. Exímio na pontaria,

Diag_Barack2EDIT.indd 20 4/27/11 2:07 PM

Page 21: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

21

utilizou-se de um fuzil com mira telescópica, para eliminar o pas-tor. Cometido o crime, logrou fugir, porém foi preso em Lon-dres, no dia 8 de junho de 1968. O governo dos Estados Unidos obteve a sua extradição e o tribu-nal de Justiça de Memphis o con-denou a viver noventa e nove anos engaiolado.

Por que Ray liquidou Mar-tin Luther King? Ninguém sabe até hoje. Ray disse que agiu sozinho. Contudo, em nossa opinião, talvez alguns endinheirados membros da Ku Klux Klan lhe deram uma alta quantia, em troca do compromisso de tirar a vida do ardoroso paladino de uma raça odiada por eles. A favor desta hipótese existe o seguinte fato: o assassino, ao fugir dos Estados Unidos, gastou dez mil dólares, soma enorme em 1968, para um homem que vivia na penúria.

* * *

Além do choque causado na sua delicada sensibilidade pelas vio-lentas manifestações de racismo, a adolescente Stanley Ann Du-nham sofreu o impacto da contracultura que se alastrava e domina-va a sociedade norte-americana. Esse movimento ganhou impulso em novembro de 1955, quando o poeta Allen Ginsberg, de vinte e nove anos, abertamente homossexual, leu na Six Gallery, em São Francisco, o seu poema Howl (“Uivo”), cântico de guerra de uma juventude rebelde e que começa deste modo:

Martin Luther King

Diag_Barack2EDIT.indd 21 4/27/11 2:07 PM

Page 22: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

22

“Eu vi os expoentes da minha geraçãodestruídos pela loucura,morrendo de fome,histéricos, porémarrastando-se pelas ruasdo bairro negro,de madrugada,em busca de uma doseviolenta de qualquer coisa.”

O poema era um grito contra o conformismo daquela sociedade. Aliás, desde os meados de 1940, o seu autor vinha promovendo com Gary Snyder, Hal Chase, Jack Kerouac, Gregory Corso, William Burroughs e outros jovens intelectuais, um movimento chamado Beat, a fim de expressarem um completo desprezo por todos valores tradicionais da classe média.

Ferozes, selvagens, os beatniks xingavam tudo e se vestiam com roupas do Exército da Salvação. Antes dos hippies da década de 1960, eles consumiam drogas, entregavam-se ao sexo livre, às religi-

ões orientais, à prática do nomadismo. Jack Kerou-ac, quando escreveu o seu romance autobiográfico On the road (“Pé na estra-da”), produziu o texto clássico da literatura ame-ricana da contracultura. Romance devorado pelas moças e pelos rapazes da geração de Ann Du-nham, no qual a viagem de Sal Paradise e de Dean Da esquerda para a direita: Allen Ginsberg e William

Burroughs

Diag_Barack2EDIT.indd 22 4/27/11 2:07 PM

Page 23: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

23

Moriarty, do Leste para a costa Oeste dos Estados Unidos, trans-formou-se num símbolo da altiva liberdade da Beat Generation.

Livro também muito lido por jo-vens da geração da mãe de Obama, foi The catcher in the rye (“O apa-nhador no campo de centeio”), de Jerome David Salinger. Milhares de jovens americanos se identificaram com o personagem desse romance, o adolescente Holden Caulfield, que expulso da escola por mau compor-tamento, resolve passar dois dias em Nova York. Criatura angustiada e complicada, ele declara:

“Estou até contente por terem inventado a bomba atômica. Se houver outra guerra, vou me sentar bem em cima dela.”

Obra perturbadora, The catcher in the rye às vezes parece uma de-núncia e em certas passagens uma auto-crítica. Mistura sátira com poesia, fé com descrença. Holden Caulfield, como milhões de adoles-centes americanos daquele tempo, não acredita na sinceridade dos adultos que o cercam:

“… se deseja saber a verdade, eles não passam de um bando da-nado de falsos.”

A certa altura, exibindo o seu desprezo por todos, atitude típica da juventude americana da década de 1950, ele afirma que queria ser surdo-mudo, pois “desse modo não precisava ter nenhuma con-versa imbecil e inútil com qualquer pessoa.”

A irreverência e o espírito destruidor de Holden Caulfield, fascina-ram os jovens rebeldes dos Estados Unidos, na era do pré-rock’n’roll.

Jerome David Salinger

Diag_Barack2EDIT.indd 23 4/27/11 2:07 PM

Page 24: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido

24

Inspirado nele, conta-se, o cantor Bob Dylan fugiu de casa várias vezes, na época em que se chamava Robert Zimmerman.

Três obras literárias, portanto, o poema Howl, de Allen Gins-berg, e os romances On the road, de Jack Kerouac, e The catcher in the rye, de Jerome David Salinger, retratam o espírito da juventude americana nos dias da adolescência de Ann Dunham. O ceticismo, o desrespeito aos valores consagrados, a repulsa pelo código da mo-ral burguesa, características dessa juventude, marcaram de forma profunda a mãe de Barack Obama. É oportuno frisar, o escritor Stephen Mansfield, no capítulo primeiro do livro The faith of Bara-ck Obama (“A fé de Barack Obama”), esclareceu que Ann Dunham, após herdar o ceticismo religioso dos seus pais, declarou-se atéia. Stephen reproduz o depoimento de Jill Burton-Dascher, uma cole-ga de escola de Ann. Esta, segundo o referido depoimento, era inte-lectualmente muito mais madura, se fosse comparada às suas colegas, “e um pouco à frente do seu tempo, de maneira não convencional.”

Diag_Barack2EDIT.indd 24 4/27/11 2:07 PM

Page 25: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido
Page 26: Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido