SE INICIA ORAÇÃO COM PRONOME CLÍTICO? ATITUDES … · 2017-11-02 · pronominal usage standards...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM SE INICIA ORAÇÃO COM PRONOME CLÍTICO? ATITUDES LINGUÍSTICAS, NA ESCOLA, EM RELAÇÃO AOS PADRÕES BRASILEIROS DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL ELISABETH SILVA DE VIEIRA MOURA NATAL / RN 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

SE INICIA ORAÇÃO COM PRONOME CLÍTICO? ATITUDES

LINGUÍSTICAS, NA ESCOLA, EM RELAÇÃO AOS PADRÕES BRASILEIROS

DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL

ELISABETH SILVA DE VIEIRA MOURA

NATAL / RN

2013

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SE INICIA ORAÇÃO COM PRONOME CLÍTICO? ATITUDES

LINGUÍSTICAS, NA ESCOLA, EM RELAÇÃO AOS PADRÕES BRASILEIROS

DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL

Por

ELISABETH SILVA DE VIEIRA MOURA

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Estudos

da Linguagem, Centro de Ciências

Humanas, Letras e Artes da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte como pré-requisito para obtenção

do Título de Mestre em Estudos da

Linguagem. Área de Concentração:

Linguística Aplicada.

Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio

Martins

NATAL / RN

2013

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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Moura, Elisabeth Silva de Vieira.

Se inicia oração com pronome clítico? Atitudes linguísticas, na escola,

em relação aos padrões brasileiros de colocação pronominal / Elisabeth

Silva de Vieira Moura. – 2013.

121 f.: il. -

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras.

Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, 2013.

Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Martins.

1. Língua Portuguesa. 2. Gramática – Ensino - Natal, RN. 3. Variação

linguística. 4. Sociolinguística – Natal, RN. I. Martins, Marco Antonio. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 821.134.3’36

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Aos professores da Educação Básica.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao Pai Celestial, que, além de me permitir chegar

até aqui, fortaleceu-me e iluminou meus passos nos momentos em que eu quis

sucumbir.

Aos meus pais, José Arnaud e Maria Marinete, que me deram as bases da

educação, dos valores e convicções que carrego, guiando-me, cada um a seu modo,

desde minha infância, na busca pelo conhecimento.

Ao meu esposo Jorge e aos meus filhos Cassiel e Paloma, razão de minha

felicidade, raios de sol que clareiam qualquer dia nebuloso, impulsionando-me, cada

vez mais, a ir além de onde eu pensava ir.

Aos familiares queridos que vibraram comigo a cada obstáculo superado e a

cada vitória alcançada.

Ao Prof. Dr. Marco Antonio Martins, exemplo de profissionalismo e força

de vontade, que me possibilitou conhecer a Sociolinguística, sempre muito atencioso e

humano mesmo antes de eu ser sua orientanda de mestrado.

À Prof.ª Dr.ª Maria Alice Tavares e ao Prof. Dr. Dermeval da Hora, pelas

sugestões e orientações que tanto contribuíram com minha pesquisa.

À Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira, pelas significativas reflexões sobre o

ensino de língua portuguesa.

Aos docentes do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem

(PPgEL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e aos da graduação

em Letras, pelos conhecimentos compartilhados, em especial, ao Prof. Dr Marcos

Costa, que me inaugurou nos estudos linguísticos na graduação e ao Prof. Dr. Paulo

Duque, que me acolheu com paciência nos estudos iniciais em Linguística Cognitiva.

Às companheiras Ocirema Pacheco e Oracilda Pacheco, que contribuíram

para tornar meus dias mais leves e produtivos na época da Especialização em

Linguística e Ensino de Língua Portuguesa, na qual iniciei a elaboração do meu projeto

de mestrado.

Aos meus primeiros companheiros de mestrado Ricardo Yamashita e Giezi

Alves com os quais ri e aprendi muito.

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Às amigas nada senso comum Marly Rocha e Nara Juscely, pela amizade

sincera, pelas risadas na hora do café e pelo apoio acadêmico, inclusive na aplicação dos

testes desta pesquisa.

Ao estatístico Felipe Henrique que, atenciosamente, me orientou no

tratamento estatístico dos dados desta pesquisa.

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Quando o português chegou

Debaixo de uma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

Oswald de Andrade

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RESUMO

Com foco no problema empírico de avaliação, proposto pela teoria da Variação e

Mudança (cf. Labov, 2008), esta pesquisa contribui para o esclarecimento das atitudes

do professor de Língua Portuguesa, em Natal – RN, em relação à próclise em três

contextos específicos, na escrita, assim como em relação aos alunos que usam tais

padrões de colocações: em início de oração/período (V1), depois de sujeitos (SV) e a

próclise ao segundo verbo dos complexos verbais (V1V2). Tais contextos de próclise

foram selecionados para o estudo porque, apesar de constituírem a norma culta do

Português Brasileiro, geralmente, não são aceitos pelas gramáticas normativas. A

pesquisa teve por objetivos: (i) verificar, por meio de um teste de correção de sala de

aula, se professores de Português corrigem a próclise nos referidos contextos; (ii)

identificar, por meio de um teste de atitude, que atitudes os professores têm em relação

aos padrões de colocação citados, assim como aos alunos que utilizam tais padrões.

Vinte professores de Língua Portuguesa, escolhidos aleatoriamente em escolas públicas

diversas de Natal-RN, responderam a um teste de correção de sala de aula e a dois testes

de atitude. Os resultados obtidos com a pesquisa mostram que o índice de correção da

próclise em início de oração/período é alto (50%), embora essa variante linguística

esteja implementada nos padrões de colocação pronominal do Português Brasileiro.

Esse contexto de colocação foi avaliado, em geral, de forma negativa, porém não houve

correspondência entre essa avaliação e a avaliação – neutra – do aluno que a utiliza.

Diferentemente do contexto anterior, a próclise depois de sujeito não recebeu nenhuma

correção por parte dos vinte professores, o que foi coerente com a avaliação positiva

que a variante e os estudantes que a utilizam obtiveram. A correção da próclise ao

segundo verbo dos complexos verbais apresentou resultados diferenciados, porém

parecidos, com índices de correção de 20% (complexo de infinitivo), 10% (complexo de

gerúndio) e 25% (complexo de particípio). A avaliação desses contextos de próclise

oscilou entre positiva e neutra, assim como a avaliação dos estudantes que a utilizam.

Isso significa que a próclise em início de oração/período ainda é marcada no contexto

escolar escrito, provavelmente, devido à avaliação negativa dos professores, que não

coincide com a avaliação dos estudantes que a utilizam. Depois de sujeitos e antes do

segundo verbo dos complexos, a próclise já é aceita em textos escolares escritos sem

nenhuma marca, o que se reflete na avaliação dos estudantes, que foi, em geral, positiva

ou neutra.

PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística; avaliação linguística; colocação

pronominal; ensino de gramática.

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ABSTRACT

Focusing on the empirical assessment issue, proposed by Language change theory (cf.

cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006; LABOV, [1972] 2008), this research

assists to clarifying Portuguese teacher’s attitudes in Natal- RN, regarding (a) to

proclisis in three specific contexts: in the beginning of a simple/compound sentence

(V1), after the subjects (SV), and proclisis after the secondary verb in complex verbal

structures (V1V2); (b) to students who use such patterns in usage. Specific contexts

were gathered thanks to their representing of the standard variety, as many studies have

proven (Martins, 2012; Schei, 2003; Biazzoli, 2010, 2012). The research aims at: (i)

verifying by means of a classroom assessment test, whether Portuguese teachers correct

proclisis on referred contexts; (ii) identifying, via attitudinal tests what actions teachers

take regarding to the usage of standards above mentioned, as well as students as users of

those. Twenty Portuguese teachers, picked at random out of different of public schools

in Natal-RN, responded to a classroom assessment test in addition to other two

attitudinal ones. Results achieved point to a recurring high proclisis correction index of

50% in simple/compound sentences, even though such variety has been implemented to

pronominal usage standards in Brazilian Portuguese. This setting of usage was generally

assessed negatively, having no commonality between this assessment and the neutral

one used by students. Unlike previous setting, the proclisis after subject did not receive

any correction of the twenty teachers, what proves coherence with the positive

evaluation both the varieties and the students attained. As for the second verb of

complex verbal structures, proclisis correction went negative on presenting single

results, despite their proximity, with correction indexes of 20% (infinite structures),

10% (present progressive structures) and 25% (participle structures). The assessment on

these contexts of proclisis ranged between positive and neutral, also valid for the one

students utilized. It means that proclisis in the beginning of simple/compound sentences

are yet seemingly spotted in writing school scenario, much likely due to the negative

evaluation, opposite to students’. Later to subjects and earlier to secondary verbs in

structures, proclisis appears to be acknowledged in writing school scenarios, which

reflects on teachers’ assessment as compared to students who use proclisis in these

contexts; being in general either positive or neutral.

KEY WORDS: Language change; linguistic assessment; pronominal usage; grammar

teaching.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Frequência de correção da colocação pronominal nos contextos

pesquisados .............................................................................................................................. 85

Gráfico 2 – Comparação entre as colocações quanto a serem bonitas ................................... 92

Gráfico 3 – Comparação entre as colocações quanto a serem corretas .................................. 94

Gráfico 4 – Comparação entre as colocações quanto a serem adequadas .............................. 95

Gráfico 5 – Comparação entre as colocações quanto a serem agradáveis .............................. 97

Gráfico 6 – Comparação entre as colocações quanto a serem cuidadas... .............................. 98

Gráfico 7 – Comparação entre as colocações quanto à escolaridade ..................................... 105

Gráfico 8 – Comparação entre os alunos quanto à classe social ............................................ 106

Gráfico 9 – Comparação entre os alunos quanto ao nível de instrução .................................. 107

Gráfico 10 – Comparação entre os alunos quanto à competência .......................................... 108

Gráfico 11 – Comparação entre as colocações quanto ao nível de atenção ........................... 109

Gráfico 12 – Comparação entre os alunos quanto à inteligência............................................ 110

Gráfico 13 – Comparação entre os alunos quanto ao esforço ................................................ 111

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1 – Categorias de erros linguísticos propostas por Bortoni-Ricardo ......................... 35

Quadro 2 – Exemplos de colocação pronominal nos complexos segundo Luft..................... 67

Quadro 3 – Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos

complexos verbais segundo Bechara ....................................................................................... 68

Quadro 4 – Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos

complexos verbais segundo Cunha e Cintra. ........................................................................... 68

Quadro 5 – Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos

complexos verbais segundo Rocha Lima ................................................................................ 70

Tabela 1 – Variação próclise/ênclise em início de período .................................................... 51

Tabela 2 – Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto V1....................... 51

Tabela 3 – Frequência de próclise a V1 a partir do ano de nascimento dos autores .............. 53

Tabela 4 – Número de ocorrências e percentuais dos pronomes clíticos em lexias

verbais simples, de acordo com o tipo de clítico, nos jornais da cidade de Rio Claro, de

1880 a 1920 ............................................................................................................................. 54

Tabela 5 – Frequência de próclise e ênclise no contexto SV ................................................. 57

Tabela 6 – Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto SV ....................... 57

Tabela 7 – Frequência de próclise a SV a partir do ano de nascimento dos autores .............. 58

Tabela 8 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise em início de

oração/período ......................................................................................................................... 87

Tabela 9 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise depois de

sujeito. ..................................................................................................................................... 88

Tabela 10 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao infinitivo

da locução verbal ..................................................................................................................... 89

Tabela 11 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao gerúndio da

locução verbal .......................................................................................................................... 89

Tabela 12 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao particípio

da locução verbal ..................................................................................................................... 90

Tabela 13 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas

quanto a serem bonitas ............................................................................................................ 92

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Tabela 14 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações

pronominais utilizadas quanto a serem bonitas ....................................................................... 93

Tabela 15 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas

quanto a serem corretas. .......................................................................................................... 93

Tabela 16 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações

pronominais utilizadas quanto a serem corretas ...................................................................... 94

Tabela 17 – Estatísticas descritivas e teste de Friedman na comparação das colocações

pronominais utilizadas quanto a serem adequadas. ................................................................. 95

Tabela 18 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas

quanto a serem adequadas ....................................................................................................... 96

Tabela 19 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas

quanto a serem agradáveis. ...................................................................................................... 96

Tabela 20 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações

pronominais utilizadas quanto a serem agradáveis.................................................................. 97

Tabela 21 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas

quanto a serem cuidadas. ......................................................................................................... 97

Tabela 22 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações

pronominais utilizadas quanto a serem cuidadas ..................................................................... 98

Tabela 23 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que

utiliza a próclise em início de oração/período ......................................................................... 99

Tabela 24 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que

utiliza a próclise depois de sujeito ........................................................................................... 100

Tabela 25 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que

utiliza a próclise ao infinitivo do complexo verbal ................................................................. 101

Tabela 26 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que

utiliza a próclise ao gerúndio do complexo. ............................................................................ 102

Tabela 27 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que

utiliza a próclise ao particípio do complexo. ........................................................................... 103

Tabela 28 – Teste de Friedman na comparação do julgamento dos alunos quanto à

escolaridade. ............................................................................................................................ 104

Tabela 29 – Teste de Friedman na comparação das colocações, quanto à classe social ........ 105

Tabela 30 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao nível de instrução ..... 106

Tabela 31 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto à competência ................ 107

Tabela 32 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao nível de atenção ........ 108

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Tabela 33 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto à inteligência ................. 109

Tabela 34 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao esforço ...................... 110

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A SOCIOLINGUÍSTICA

VARIACIONISTA ................................................................................................................ 22

2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 22

2.2 VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGUÍSTICA: A QUESTÃO DA

HETEROGENEIDADE .......................................................................................................... 22

2.3 PRESTÍGIO E PRECONCEITO LINGUÍSTICOS: O PROBLEMA DA

AVALIAÇÃO ......................................................................................................................... 28

2.3.1 Da problemática noção de erro ................................................................................... 33

2.4 A SOCIOLINGUÍSTICA NO ENSINO DE GRAMÁTICA ............................................ 35

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ................................................................ 43

3 NORMAS DE COLOCAÇÃO DOS PRONOMES CLÍTICOS EM

PORTUGUÊS ....................................................................................................................... 45

3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 45

3.2 OS PADRÕES DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM TRÊS CONTEXTOS SOB

AS PERSPECTIVAS DA NORMA CULTA E DA NORMA GRAMATICAL .................... 46

3.2.1 Contextualização sobre autores e obras estudados ................................................... 48

3.2.2 Os padrões de colocação com verbos em início de oração (V1)................................ 50

3.2.3 Os padrões de colocação depois de sujeitos (SV) ....................................................... 56

3.2.4 Os padrões de colocação nos complexos verbais (V1V2) .......................................... 60

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ................................................................. 71

4 METODOLOGIA ............................................................................................................... 74

4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 74

4.2 METODOLOGIA .............................................................................................................. 75

4.3 O TESTE DE CORREÇÃO DE SALA DE AULA .......................................................... 77

4.4 OS TESTES DE ATITUDE .............................................................................................. 78

5 ATITUDES LINGUÍSTICAS EM ESCOLAS POTIGUARES ..................................... 84 5.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 84

5.2 RESULTADO E ANÁLISE DO TESTE DE CORREÇÃO DE SALA DE AULA ......... 84

5.3 RESULTADO E ANÁLISE DOS TESTES DE ATITUDE ............................................. 86

5.3.1 Resultado e análise do teste de atitude em relação às variantes ............................... 86

5.3.1.1 Distribuição percentual das notas do julgamento das variantes .................................. 87

5.3.1.2 Teste de Friedman na comparação da colocação pronominal utilizada quanto aos

adjetivos ................................................................................................................................... 92

5.3.2 Resultado e análise do teste de atitude em relação ao aluno .................................... 99

5.3.2.1 Distribuição percentual das notas do julgamento em relação aos alunos .................... 100

5.3.2.2 Teste de Friedman no julgamento em relação ao aluno quanto aos adjetivos ............. 104

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ................................................................. 113

6 CONCLUSÕES ................................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 119

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1 INTRODUÇÃO

As aulas de colocação pronominal, assim como as de muitos outros

fenômenos gramaticais, na Educação Básica brasileira, na maioria das vezes, provocam

grande estranhamento ao estudante, pois este não vê, nessas aulas, descrição nem

análise da colocação por eles conhecida, daquela de que eles fazem uso. A única

informação sobre a variedade do estudante costuma ser a de que ela é “errada” e “feia”

e, por isso, deve ser prontamente corrigida e substituída pelo uso “correto” apontado

pelos livros didáticos e gramáticas tradicionais. Esse tipo de aula já não responde mais

aos objetivos de ensino de Língua Portuguesa atualmente; por isso, chamamos a atenção

para alguns desses objetivos apontados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs), que tratam, de uma forma ampla, do problema aqui relatado:

compreender a cidadania como participação social e política, assim

como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais,

adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,cooperação e repúdio

às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,

materiais e culturais como meio para construir progressivamente a

noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência

ao país;

conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural

brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e

nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em

diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou

outras características individuais e sociais;

desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de

confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética,

estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com

perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

(BRASIL, 1998, p.7)

utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e

produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas

sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e

expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do

discurso;( BRASIL, 1998, p.32)

conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, procurando

combater o preconceito linguístico; reconhecer e valorizar a

linguagem de seu grupo social como instrumento adequado e eficiente

na comunicação cotidiana, na elaboração artística e mesmo nas

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interações com pessoas de outros grupos sociais que se expressem por

meio de outras variedades;(BRASIL, 1998, p.33)

Podemos afirmar que, geralmente, o ensino de muitos dos aspectos

gramaticais (senão todos), incluindo o ensino dos padrões de colocação dos pronomes

clíticos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, nem visa a esses objetivos citados,

nem os respeita. Justificaremos nossa opinião.

O primeiro objetivo citado nos remete a atividades de solidariedade,

combate às injustiças e respeito ao outro – o que, muitas vezes, nos falta quando se trata

de ensino de língua (na verdade, isso se refere ao ensino brasileiro em geral, mas esse

não é o foco de nossa discussão). O desrespeito à maioria das variedades linguísticas

brasileiras pode ser um ato comumente visto na escola. A escola passaria, então, a ser o

espaço onde se desprezariam os falares diferentes, principalmente se esses falares forem

oriundos das camadas mais pobres da população,ou melhor, desprezam-se os alunos que

se utilizam de variedades diferentes da utilizada pela escola.

Referente ao segundo objetivo, o que, às vezes, se faz é levar o estudante a

desenvolver um sentimento de identidade nacional e pessoal vergonhoso:

“corrompemos” a língua portuguesa, somos o país da corrupção até nesse sentido... Se

pensarmos assim, ficará clara a falta de conhecimento das características do nosso país,

incluindo da nossa língua.

Depois, os PCNs apontam para o conhecimento e a valorização do nosso

patrimônio sociocultural em toda a sua pluralidade. A língua faz parte desse patrimônio,

mas como valorizar o que nem sequer existe? Na fala de muitos professores, diante de

determinadas variedades, o que, comumente, ouvimos são frases do tipo: “Isso não

existe! Isso não é português!” E lá vai o mestre continuar a tentar executar seu árduo

trabalho de ensinar português aos “sem-língua” (precisamos organizar um “Movimento

dos sem-língua” para que esses possam ter direito a um pedacinho de língua para se

comunicar na escola).

O objetivo seguinte é complicado de se alcançar devido a tudo que já foi

dito anteriormente. Não é possível ter confiança em si mesmo quando aprendemos,

repetidamente, ano após ano, que não sabemos falar, que nossa fala dá até arrepios,

enfim, que não temos jeito. É um caso de incompetência linguística contagiosa.

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Os dois últimos objetivos, referentes, especialmente, ao ensino de língua

portuguesa, nos interessam mais e, por isso mesmo, nos causa mais indignação

perceber, através de pesquisas (cf. ANTUNES, 2003) e do exercício docente na escola

básica por mais de dez anos, que, fora situações isoladas, essas metas não são atingidas.

Esses objetivos se referem aos usos da língua em diversos contextos e, para que o aluno

aprenda esses diversos usos, ele precisa entrar em contato com uma bela diversidade de

textos. Mas aí está o problema, normalmente se reduz o ensino de língua ao trabalho

com frases e palavras soltas, independente do uso. O que se faz é trabalhar,

exaustivamente, uma gramática descontextualizada através de atividades de frases

soltas, de gramática descontextualizada, de nomenclatura e classificação apenas. Como

se a gramática de uma língua fosse algo separado dos textos que produzimos, sejam eles

orais ou escritos. Sem falar na falta de tempo para o trabalho com a leitura na sala de

aula, conforme aponta Antunes (op. cit.).

Dessa forma, o estudante sai da escola sem as competências básicas de

leitura, escrita, fala e escuta em muitas situações necessárias para sua atuação social. E

mais, ele sai sem aprender a refletir sobre as regras gramaticais e seus usos, pois o foco

das aulas de gramática está na memorização de nomenclaturas e na classificação de

frases, orações, períodos e termos sintáticos. Realmente, toda essa nomenclatura sem

reflexão não deve fazer sentido para quem, muitas vezes, não sabe sequer ler, para quem

apenas decodifica frases.

Sendo assim, é dever de todos nós – professores e pesquisadores de língua

portuguesa – auxiliar para que o último objetivo citado, compreendido aqui como

fundamental e incorporado aos demais, seja atingido.

Mas isso não quer dizer que devemos abandonar o ensino da norma

gramatical nas escolas. Devemos incluir nessas aulas informações e reflexões sobre as

demais variedades linguísticas e explicar ao aluno porque a sua variedade, muitas vezes,

não está representada nos livros didáticos.

No Brasil, há uma diversidade linguística muito grande: temos línguas

indígenas, línguas de imigrantes europeus, asiáticos e africanos, além das variedades

que surgem do nosso contato com os países sul-americanos vizinhos. Além de toda essa

mistura linguística que influencia o falar do povo brasileiro, é natural que qualquer

língua viva apresente variações em seus níveis de uso sócio-estilísticos (variações

estilísticas, regionais, etárias, sociais etc.) e em sua própria estrutura (nos níveis

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fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical etc.). A larga extensão

territorial do Brasil e a grande diferença social do nosso povo são alguns dos fatores que

geram diversidade e variabilidade linguística.

Sobre o fenômeno da variação linguística, os Parâmetros Curriculares

Nacionais afirmam, ainda, que

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os

níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de

qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em ‘Língua

Portuguesa’ está se falando de uma unidade que se constitui de muitas

variedades. [...] A imagem de uma língua única, mais próxima da

modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições

normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas

de difusão da mídia sobre ‘o que se deve e o que não se deve falar e

escrever’ não se sustenta na análise empírica dos usos da língua.

(BRASIL, 1998, p.29)

Mas como podemos admitir os vários usos linguísticos na escola se, nela, é

privilegiado apenas um uso como correto? A partir disso, então, como ajudar a

combater o preconceito linguístico existente na sociedade, principalmente na escola?

Devemos, afinal, ensinar uma ou várias normas, ou seja, aquilo que é “normal” em

determinados contextos?

Essas questões são algumas, entre tantas outras que, há tempos, se discutem

no meio acadêmico. A preocupação com o ensino de língua portuguesa no país não é

nova, mas ainda temos muito a fazer nessa área para que o seu ensino se desprenda das

amarras do certo e errado e se torne um momento de reflexão sobre os usos linguísticos,

fazendo com que o estudante amplie sua capacidade linguística e se torne consciente da

influência social que sua variedade linguística tem na sua vida.

O ensino de língua portuguesa deve seu fracasso, em especial, a três fatores,

conforme Vieira (2009, p.): o sociocultural, o socioeconômico e o pedagógico.

Abordamos, brevemente, neste trabalho, o terceiro fator, que diz respeito tanto aos

conteúdos da disciplina, quanto à formação, à postura e ao comportamento do professor.

O professor de língua portuguesa precisa de uma formação mais sólida que

o habilite a trabalhar de forma adequada e científica com as diferenças socioculturais e

linguísticas dos alunos. A metodologia e os conteúdos do ensino de português também

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precisam ser revistos para que o ensino da norma gramatical se dê sem que as outras

variedades linguísticas sejam estigmatizadas no meio escolar.

Sendo assim, esta pesquisa se justifica como mais uma contribuição no

sentido de incorporar os novos olhares oriundos dos resultados das pesquisas na área da

Linguística às aulas de Português, mais especificamente, às aulas de gramática e de

colocação pronominal, fazendo com que seja revista a noção de erro – que gera

preconceito a usos linguísticos tipicamente brasileiros. Seria a partir da compreensão

das atitudes de professores a certos padrões linguísticos da linguagem dos alunos que

poderíamos pensar formas eficientes de intervenção, caso essas atitudes sejam

negativas. Além disso, uma pesquisa que aborda a questão da avaliação linguística

contribui para a compreensão de como se dão as mudanças linguísticas. Apesar da

importância de se compreender a influência da avaliação nas mudanças que ocorrem na

língua, esse tema tem sido pouco pesquisado no Brasil. Especificamente, no campo da

sintaxe, essa falta de atenção ao tema é ainda maior. Urgente, então, é que demos a

atenção merecida ao assunto, retomando as discussões já feitas e agregando a elas novas

questões e informações.

Advoga-se, aqui, por uma metodologia segundo a qual o estudante não veja,

na escola, a língua portuguesa como uma língua estrangeira, difícil e muito distante da

sua realidade. Reafirmamos que a aula de Português não deve ser orientada por ações

corretivas preconceituosas às formas não-padrão da língua, e, sim, para a admissão das

variedades utilizadas pelo aluno e por muitos outros brasileiros por meio de uma

descrição real da língua brasileira, inclusive de sua colocação pronominal, já que esse é

um contexto de diferenciação significativa entre as variedades do Português Brasileiro

(PB) e do Português Europeu (PE).

Para fazermos uma reflexão mais adequada sobre as bases do prestígio e do

preconceito linguísticos, verificaremos como os professores corrigem e avaliam a

colocação pronominal em três contextos bastante específicos em português: em início

de oração/período, depois de sujeito e em complexos verbais. Esses contextos serão

privilegiados nesta pesquisa porque a próclise em tais ambientes é marca de uma

gramática vernacular brasileira que emerge no século XVIII, não sendo atestada em

nenhum outro momento na história do português. Sendo assim, esta dissertação traz as

seguintes questões:

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(i) Diante do uso, preferencialmente, em alguns contextos, da próclise em

textos cultos e coloquiais, falados e escritos no Brasil, será que professores de Português

a corrigem em início de oração/período, depois de sujeitos e ao verbo principal nas

locuções verbais, aceitando como válida apenas a colocação referente aos usos do

português europeu? Ou seja, apenas o uso da ênclise nesses contextos é aceito?

(ii) Como os professores avaliam os padrões de colocação pronominal nos

contextos sintáticos citados acima?

(iii) Que atitudes linguísticas os professores podem ter em relação aos

estudantes que se utilizam da próclise nos contextos sintáticos citados acima?

Diante dessas questões, nossos objetivos serão os seguintes:

(i) Verificar, por meio de testes de correção de sala de aula, se professores

de Português irão corrigir a próclise em início de oração/período, a próclise depois de

sujeitos e a próclise ao verbo temático nos complexos verbais; ou seja, verificar se a

próclise, nesses contextos, é aceita.

(ii) Identificar, por meio de testes de atitude, que atitudes os professores têm

em relação aos padrões de colocação citados.

(iii) Identificar, por meio de testes de atitude, que atitudes os professores

têm em relação aos estudantes que se utilizam da próclise nos contextos citados.

Nossas hipóteses em relação às questões apontadas são as seguintes:

(i) Provavelmente, na escola, a próclise nos contextos SV e V1V2 seja uma

variante do tipo indicador (variantes que não atingem um nível de consciência dos

falantes e que não sofrem variação a depender do estilo, embora sejam estratificadas

socialmente. Então, estes não irão corrigir a próclise depois de sujeitos, nem a próclise

ao verbo temático nos complexos verbais. Já com V1, esperamos um comportamento

diferente. Acreditamos que a próclise em tal contexto, na escola, seja uma variante

marcada (variantes que refletem estratificação social e estilística); logo, os professores

irão corrigi-la. Enfim, esperamos que, no contexto V1, a norma aceita seja apenas a

ênclise, enquanto em SV e em V1V2, a próclise ao verbo simples e a próclise ao verbo

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temático sejam aceitas. Nesses dois últimos contextos (SV e V1V2), esperamos que as

correções vão de encontro ao que dizem as gramáticas tradicionais.

(ii) Como esperamos que a próclise a V1 seja uma variante marcada, na

escola e, portanto, corrigida, acreditamos que encontraremos atitudes negativas a tal

colocação. Nos contextos SV e V1V2, esperamos atitudes positivas à próclise depois de

sujeitos e à próclise ao verbo temático nos complexos.

(iii) Acreditamos que as atitudes dos professores, nesse caso, em relação aos

alunos, seja um reflexo das atitudes em relação às variantes estudadas, ou seja, aos que

utilizam a próclise no contexto V1, a atitude será negativa, porém aos que utilizam a

próclise nos contextos SV ou V1V2, a atitude será neutra ou positiva.

Na busca de elucidar nossas questões, esta dissertação foi dividida em

quatro capítulos. Após a introdução, no segundo capítulo, retomamos as bases teóricas,

de uma forma mais ampla, para a nossa pesquisa: a sociolinguística variacionista.

Buscamos em Labov, dentre outros, os esclarecimentos para a discussão acerca da

heterogeneidade linguística e de questões relativas tanto ao preconceito quanto ao

prestígio linguísticos, remetendo-nos, assim, a um dos problemas a serem perseguidos

pela teoria laboviana – o problema da avaliação. Ainda nesse capítulo, trazemos as

considerações de Bortoni-Ricardo, entre outros, sobre a noção de erro em língua –

noção de grande relevância quando se trata de pensar sobre o problema da avaliação

linguística. Encerramos o capítulo, mostrando o quanto a sociolinguística tem a

contribuir para um ensino de língua mais produtivo e eficiente, na medida em que nos

faz refletir sobre nossas variedades linguísticas, fazendo com que pensemos num ensino

que parta da realidade linguística do aluno e que a respeite, sem deixar, é claro, de

ampliá-la.

No terceiro capítulo, a discussão começa a se verticalizar, girando em torno

do conflito entre os padrões linguísticos reais dos falantes cultos (norma culta) e os

padrões linguísticos apresentados pela gramática tradicional (norma gramatical), pois

esse conflito está intimamente relacionado ao problema da avaliação linguística – foco

de nossa pesquisa. O fenômeno escolhido para aprofundar o tema é a colocação dos

pronomes clíticos, fenômeno que ilustra bem o conflito entre os padrões citados. Nesse

capítulo, após breve introdução, retomamos estudos linguísticos que abordam os

padrões de colocação pronominal nos três contextos pesquisados: com verbos em início

de oração/período – V1, depois de sujeitos – SV e nos complexos verbais – V1V2.

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Contrastamos os resultados dessas pesquisas às regras de colocação apontadas por

quatro gramáticas tradicionais.

No quarto capítulo, expomos detalhadamente nossa metodologia de

trabalho, explicitando quem serão os sujeitos participantes da pesquisa, as variáveis

pesquisadas e os detalhes da elaboração dos testes aplicados. No quinto capítulo,

expomos nossos resultados e sua análise, seguidos de nossas conclusões.

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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A SOCIOLINGUÍSTICA

VARIACIONISTA

2.1 INTRODUÇÃO

Podemos dizer, de uma forma simplificada, que a sociolinguística

variacionista, também conhecida como teoria variacionista, teoria da variação e

mudança e sociolinguística laboviana, é um ramo da linguística que concebe e estuda a

língua a partir do uso que dela seus falantes fazem em suas comunidades de fala. As

relações entre língua e sociedade são, nessa perspectiva, o ponto de partida e/ou de

chegada para análises de fatos linguísticos heterogêneos. Neste capítulo, abordamos a

questão da heterogeneidade linguística, com especial atenção ao problema empírico da

avaliação, assim definido por Weinreich, Labov e Herzog (WLH) ([1968], 2006) e à

noção de erro em língua. A partir daí, trazemos algumas contribuições da teoria

variacionista para o ensino de língua.

2.2 VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGUÍSTICA: A QUESTÃO DA

HETEROGENEIDADE

Para algumas correntes linguísticas, os conceitos de variabilidade e

sistematicidade são incompatíveis. WLH, na comunicação apresentada em 1966 na

Universidade do Texas (Empirical Foundations for a Theory of Language Change-

EFTLC), chamam-nos a atenção para a identificação problemática entre estruturalidade

e homogeneidade. Na perspectiva adotada pelos autores, estruturalidade não significa,

necessariamente, homogeneidade, de modo que as línguas são naturalmente

heterogêneas sem deixarem de ser sistemáticas, ordenadas, pois a variação linguística

também está inserida na estrutura das línguas.

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Nem sempre a linguística inclui no seu escopo os aspectos sociais da

linguagem. Quando Saussure (1916), em seu Curso de Linguística Geral, estabeleceu a

dicotomia langue/parole e determinou que o objeto da linguística seria apenas a langue,

deixou de fora a maioria dos fenômenos variáveis, colocando em evidência apenas um

objeto, de certa forma, homogêneo. A língua era entendida como um fenômeno abstrato,

independente do uso que os falantes faziam dela.

Depois de Saussure, de acordo com Monteiro (2008), as primeiras tentativas

de inaugurar uma linguística que levasse em consideração, nas suas análises, os aspectos

sociais da linguagem – a sociolinguística – foram com Bright (1966) e Fishman (1972).

Mesmo sem conseguir definir a nova teoria com precisão, Bright teria sido o primeiro a

apontar a diversidade linguística como objeto de estudo da sociolinguística. Mas, é

somente a partir dos estudos de Uriel Weinreich, William Labov e Marvin I. Herzog, na

década de 60, que se teve êxito nas tentativas de descrever a heterogeneidade linguística

e de verificar a influência dos fatores sociais sobre a língua. Nessa perspectiva, a língua

é considerada heterogênea e em constante variação, sendo condicionada por fatores

(extra)linguísticos e estilísticos.

WLH (2006) iniciam suas reflexões sobre variação e mudança linguística

com o seguinte questionamento: “se uma língua tem de ser estruturada, a fim de

funcionar eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua

muda, isto é, enquanto passa por períodos de menor sistematicidade?” (p. 35). A partir

daí, os autores vão argumentar a favor da ideia de que a língua é sempre sistemática,

mesmo em períodos de variação ou mudança linguística.

Labov não consegue conceber uma linguística divorciada do social, de tal

forma que o termo sociolinguística é considerado, por ele, redundante. Seguindo o

modelo laboviano, o pesquisador sociolinguista obterá seus dados de pesquisa não de

um único falante, mas, sim, de um grupo deles, representantes de uma comunidade de

fala. Segundo Labov ([1972], 2008), o conceito de comunidade de fala se aplica a

grupos que possuem normas e avaliações comuns relativas ao uso da língua. Sendo

assim, por exemplo, Brasil e Portugal são diferentes comunidades de fala, apesar de

ambas se utilizarem do português, e cada uma delas é constituída por uma grande

quantidade de outras comunidades de fala.

A variação linguística é um fenômeno natural do sistema linguístico. Mas

nem todos os fatos linguísticos são variáveis. Há regras, definidas como categóricas,

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que apontam para usos linguísticos uniformes, em um dado momento histórico da

língua ou em uma determinada comunidade de fala. Essas regras referem-se a um

fenômeno que tenha apenas uma possibilidade ou forma de ocorrência numa língua.

Uma regra categórica do português que podemos, facilmente, exemplificar é a

anteposição do artigo ao substantivo a que se refere. Não há possibilidade alguma de

variação nessa regra; o artigo vem sempre antes do substantivo. A essas leis, às quais

não podemos infringir, dá-se o nome de invariantes. Em oposição às regras categóricas,

há as regras variáveis, que existem em maior quantidade e são os casos em que temos

duas ou mais formas de apresentar um dado linguístico num mesmo contexto, cuja

escolha vai depender de fatores de ordem linguística, estrutural ou de ordem social. Um

exemplo, entre tantos, de regra variável é a colocação do pronome átono em início de

oração/período. Tanto é possível a construção “Me empreste seu caderno” como a

concorrente “Empreste-me o seu caderno”. Nos casos de regra variável, dizemos

também que temos uma variável linguística. A variável linguística é constituída de

variantes linguísticas. Para definir uma varável linguística, Labov ([1972], 2008) afirma

que é necessário:

(a) estabelecer o espectro total de contextos linguísticos em que ela

ocorre; (b) definir tantas variedades fonéticas quanto for possível

distinguir; (c) estabelecer um índice quantitativo para medir valores

das variáveis (p.92).

Em relação ao item (b), o autor se refere, especificamente, às variantes

fonológicas, mas, salvo as devidas proporções, podemos dizer que o conteúdo do item

pode ser aplicado também a outros tipos de variantes associados a outros níveis da

estrutura linguística.

Embora as variantes devam ter o mesmo valor de verdade num determinado

contexto, elas podem possuir valor ou significação social diferente, podem ser avaliadas

diferentemente por falantes que não compartilhem as mesmas normas. É comum que

haja uma variante mais prestigiada que outras. Essa variante de prestígio é,

normalmente, associada a um falante ou grupo social de status mais alto. Isso pode

fazer com que falantes de outras variedades procurem imitar a variante de prestígio,

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ocasionando uma variação linguística, que pode ou não levar à mudança na língua.

Labov afirma que

não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança linguística

sem levar em conta a vida social da comunidade em que ela ocorre,

ou, dizendo de outro modo, as pressões sociais estão operando

continuamente sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado,

mas como uma força social imanente agindo no presente vivo

(LABOV, 2008, p. 21).

Da mesma forma, há variantes estigmatizadas pela sociedade. Numa

sociedade de classes, as diferenças linguísticas nem sempre são bem aceitas.

Normalmente, usos que se distanciam da variedade de prestígio são discriminados e

seus falantes também. Variação linguística e avaliação social estão relacionadas. Assim,

variantes utilizadas por falantes da parte inferior da pirâmide social são altamente

discriminadas, mas, à medida que essas variantes migram para outras classes e chegam

à classe dominante, o preconceito deixa de existir (cf. BORTONI RICARDO, 2004,

regras graduais). Variantes conservadoras e inovadoras disputam seu lugar na língua,

passando por restrições e/ou estigma até que uma prevaleça sobre a outra e gere

mudança ou, simplesmente, as duas convivam em constante variação. As variantes

inovadoras são as que, na maioria das vezes, recebem uma marca social negativa,

fazendo com que o falante tenha que encontrar estratégias para evitá-la. Um exemplo

muito interessante, atualmente, pode ser a representação do objeto direto anafórico em

Português: a variante padrão ou prestigiada é representada pelo clítico acusativo; a

variante inovadora, no PB, é o uso do pronome tônico, mas, como esse uso inovador,

aparentemente, sofre estigma em certas situações de uso, outra alternativa adotada é o

objeto direto nulo. Se a construção “eu o comprei”, tida como artificial, já não é

utilizada pela maioria dos falantes brasileiros e a construção “eu comprei ele” recebe

estigma, a solução para evitar as formas anteriores é adotar a estrutura “eu comprei ϕ”,

aceita por todas as classes.

Alguns fenômenos de variação podem ser regulados por pressões internas

ao sistema, da mesma forma que outros são regulados por pressões externas a ele. Há

situações, também, em que tanto pressões externas quanto internas são decisivas na

escolha entre uma variante ou outra. Entre os fatores externos que mais influenciam nos

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usos linguísticos, temos o sexo, a idade, a escolaridade, a profissão, a classe social e a

origem do falante.

Uma consequência possível da variação é a mudança linguística. O

fenômeno de mudança linguística é de caráter universal e não aleatório. Não é difícil

perceber que as línguas sofrem constantes modificações, mas não é simples identificar

as causas de uma mudança e como ela ocorre. Labov aponta três problemas envolvidos

na explicação da mudança linguística: “a origem das variações linguísticas; a difusão e

propagação das mudanças linguísticas; e a regularidade da mudança linguística”

(LABOV, [1972], 2008, p. 19). Afirma, ainda, o autor que a propagação de novos usos

linguísticos está na origem de uma mudança e, depois disso, há somente uma

continuação do padrão.

WLH, ao destacar que a comunidade de fala é heterogênea, não consideram

como objeto de descrição linguística o idioleto. Isso traz implicações para a nova teoria

linguística. Conforme afirma Lucchesi (2004), o objeto de análise linguística, na

perspectiva de WLH, deixa de ser a língua em sua concepção estruturalista para ser a

gramática da comunidade de fala. Esses objetos teóricos se opõem na medida em que a

língua, na visão estruturalista, é considerada homogênea, um sistema autônomo e sem

história; já a comunidade de fala, numa perspectiva sociolinguística, é um objeto

essencialmente heterogêneo. O que não quer dizer que a variação seja livre. Todo e

qualquer processo de variação é condicionado por fatores internos e externos à língua;

por isso, nessa abordagem teórica, falamos em heterogeneidade estruturada ou

ordenada. Essa visão do objeto linguístico, proposta por WLH, segundo Lucchesi,

exigia que se integrasse

o conjunto da relações sociais, culturais e ideológicas nas quais a

língua se atualiza. E, para dar conta da heterogeneidade e pluralidade

dessa realidade sociocultural, a língua devia ser formalizada, não

como um sistema homogêneo e unitário, mas como um sistema

heterogêneo e plural (LUCCHESI, 2004, p. 171).

Um fenômeno empírico fundamental para sustentar essa nova concepção de

língua é o fato de o falante ajustar sua competência linguística à heterogeneidade da

língua e atuar sobre o sistema heterogêneo, selecionando, entre variantes concorrentes,

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de forma consciente ou não, uma forma linguística a depender da situação e de sua

intenção.

Essa nova abordagem linguística também contribuiu muito para as reflexões

sobre preconceito e prestígio linguísticos – temas de muito interesse à sociolinguística,

que podem ser abordados à luz de um dos cinco problemas fundamentais contemplados

na investigação sociolinguística. Conforme WLH ([1968], 2006), são cinco esses

problemas: os condicionamentos ou restrições, a transição, o encaixamento, a

implementação e a avaliação linguística, sendo este último o foco de nossa pesquisa.

O problema das restrições ou dos condicionamentos diz respeito às

condições que favorecem ou restringem as mudanças em uma língua, e também ao

conjunto de suas mudanças possíveis. Esse problema pode conduzir a teoria à ideia de

que as mudanças seguem princípios gerais/universais, como acreditou Labov (LABOV,

1982, p. 26-27 apud LUCCHESI, 2004, p. 173). Porém, posteriormente, o próprio

Labov observa que essa ideia pode nos conduzir a incompatibilidades com a visão

histórica da abordagem da mudança. Buscar restrições universais seria buscar por uma

faculdade da linguagem isolada, que não se sustenta através das pesquisas feitas até

então; logo, a questão dos princípios universais acabou sendo desconsiderada por

Labov.

O problema da transição diz respeito ao percurso percorrido pela mudança,

esclarecendo quanto ao processo por meio do qual a mudança ocorre, se esse processo

ocorre em estágios discretos ou em um continuum. Partindo do pressuposto de que a

mudança se dá no decorrer de um continuum, seria possível superar tanto a concepção

estrutural da mudança linguística quanto a concepção estruturalista da língua.

O problema do encaixamento refere-se à inserção da mudança no sistema

linguístico que ela afeta e à natureza e extensão dessa inserção/encaixamento. Ou seja,

como conceber a própria estrutura linguística e a mudança dentro dela; e mais, a

mudança deve ser concebida mediante relações internas ao sistema ou através da

interação entre esse sistema e a estrutura social da comunidade de fala? Nessa

perspectiva teórica, o problema do encaixamento se desmembra em dois: o

encaixamento na estrutura linguística e o encaixamento na estrutura social, sendo esse

último um grande avanço do modelo sociolinguístico.

O problema da implementação é apresentado por Lucchesi, retomando de

Labov, por meio da seguinte questão: “Por que uma dada mudança ocorreu em um

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momento e em um lugar determinados, e não em outro momento e/ou lugar?” (p. 179).

Numa abordagem sociolinguística, a explicação da mudança está relacionada à

descrição dos seus mecanismos de implementação.

Finalmente, o problema da avaliação nos leva a observar o papel do falante

em relação à própria língua e às mudanças que nela ocorrem. Diante dessa questão, a

sociolinguística se opõe à visão estruturalista adotada por Saussure de que o falante,

passivamente, aceita o processo de estruturação da língua. As reações subjetivas dos

falantes tanto podem interferir no curso da realização de uma mudança, quanto podem

fazê-la retroagir. Isso porque, além dos elementos distintivos e funcionais, os elementos

variáveis da estrutura da língua também atingem o nível da consciência dos falantes. As

variantes de determinado fenômeno são avaliadas socialmente, adquirindo, assim, sua

significação social, seu valor social. A questão aqui levantada é a de determinar o

quanto essa avaliação subjetiva afeta a mudança linguística. Para que se perceba,

empiricamente, a avaliação dos falantes a determinados elementos linguísticos, são

aplicados testes específicos a esse fim. É interessante observar que, num estágio final,

há uma consciência grande da mudança e, na maioria das vezes, as reações diante das

formas inovadoras são negativas. Essas formas são comumente associadas a atributos

sociais negativos. Esse problema será esclarecido mais detalhadamente na próxima

seção.

2.3 PRESTÍGIO, PRECONCEITO E ATITUDE LINGUÍSTICOS: O PROBLEMA DA

AVALIAÇÃO

Como já foi dito, uma língua é o conjunto de suas variedades, sendo,

portanto, intrinsecamente heterogênea. Quando falamos sobre uma língua, no nosso

caso o português, estamos nos remetendo a uma realidade constituída de uma gama de

variedades linguísticas construídas histórica, política e culturalmente por um grupo de

falantes.

Comumente,confunde-se uma língua com sua variedade padrão. Isso ocorre

devido ao fato de, a partir do século XV, na Europa, a língua ter se tornado objeto de

políticas homogeneizantes. A ciência linguística, nascente nesse contexto cultural,

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acaba, então, por reproduzir essa concepção de língua identificada como a norma

padrão. Como consequência dessa identificação, havia certa dificuldade de a linguística

geral incorporar aos seus modelos teóricos a heterogeneidade linguística constitutiva de

toda e qualquer língua. Sendo assim, coube a outras disciplinas como a sociolinguística,

a dialetologia, a linguística histórica, dentre outras, o trabalho com a língua numa

perspectiva heterogênea (FARACO, 2008).

Segundo Faraco (2008), no início da década de 50 do século XX, o linguista

Eugênio Coseriu formula o conceito de norma, fazendo com que a dicotomia

saussuriana langue/parole desse lugar à tricotomia sistema/ norma/ fala. Pode-se

entender norma aqui “como cada um dos diferentes modos sociais de realizar os grandes

esquemas de relações do sistema." (FARACO, 2008, p.36). Norma, então, diz respeito a

um conjunto de elementos linguísticos ditos "normais", habituais em uma comunidade

de fala. Numa perspectiva sociolinguística, norma pode ser equiparada à variedade;

logo, se toda norma possui organização, toda variedade linguística também é dotada de

organização.

Partindo do pressuposto de que toda norma tem uma organização, tem uma

gramática, seria incoerente afirmar que analfabetos ou falantes de variedades populares

falam "sem gramática". É partindo desse mesmo pressuposto, que acabamos por

questionar o conceito tradicional de erro em uma dada língua. Estando os enunciados

linguísticos inseridos em determinada variedade, não podemos avaliá-los a partir das

regras de outra variedade. O que acontece é que há falantes que não dominam

determinadas normas linguísticas, e não falantes que não sabem a língua.

É comum fazermos julgamentos, positivos ou negativos, a respeito dos

outros; isso quer dizer que, constantemente, avaliamos e somos avaliados por

determinadas características que tenhamos ou não, inclusive pelo nosso modo de falar.

Quando nos referimos à questão da avaliação, referimo-nos às reações subjetivas que

temos em relação ao outro, seja ele uma pessoa, um objeto, uma ideia.

Em relação às reações subjetivas aos modos de falar, constantemente

ouvimos que determinada pessoa fala mal, que fala errado, que fala bem, que fala

melhor que outro etc. Ouvimos que em um determinado lugar se fala melhor, em outro

se fala arrastado, em outro se fala cantando... Isso pode revelar um preconceito a

determinadas pessoas que falam de um ou outro modo.

Segundo Lambert e Lambert (1975),

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Uma atitude é uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e

reagir a pessoas, grupos, problemas sociais ou, de modo mais geral, a

qualquer acontecimento no ambiente. Os componentes essenciais de

atitudes são pensamentos e crenças, sentimentos e emoções, bem

como tendências para reagir. Podemos dizer que uma atitude se forma

quando tais componentes estão de tal modo inter-relacionados que as

tendências de reação e os sentimentos específicos se tornam

coerentemente associados ao objeto da atitude (p. 100).

A definição de atitude de Lambert e Lambert nos auxilia na compreensão do

termo, apresentando-nos a relação estrita entre atitude e crença, pois termos como

crença, atitude e avaliação podem ser facilmente confundidos devido a essa relação

existente entre eles. Tentaremos, então, deixar claro o que entendemos por cada um

deles e quais são suas relações.

Santos (1996) afirma que

Crença seria uma convicção íntima, uma opinião que se adota com fé

e certeza. Para deixar bem claro que se trata de uma apropriação do

objeto sem uma percepção clara, sem análise, sem validade científica

ou filosófica; que se trata, enfim, de uma forma de assentimento

objetivamente insuficiente, já foi usado na literatura linguística o

nome superstição (p. 8).

Seria a partir de nossas crenças sobre os usos linguísticos, sobre que

construções seriam boas ou ruins que temos determinadas atitudes em relação e elas,

pois, ainda conforme Lambert e Lambert, nossas crenças são componentes das nossas

atitudes. Lambert e Lambert também apontam os sentimentos como componentes

afetivos das atitudes, ou seja, a avaliação – que pode ser positiva ou negativa. Santos

(1996) diz que o termo atitude, num sentido amplo, teria três componentes: o afetivo, o

cognitivo e o conativo, sendo que o componente afetivo responderia pela avaliação. A

avaliação seria o componente alvo do interesse de pesquisas sobre atitude; por isso,

muitas vezes, temos esses dois termos como sinônimos nesta pesquisa.

Hora (2012) define atitude como uma

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orientação avaliativa para um objeto social de algum tipo, quer seja

um língua, ou uma nova política governamental etc. E assim, como

uma ‘disposição’, uma atitude pode ser vista como tendo um grau de

estabilidade que permite-lhe ser identificada (p.3).

O autor chama a atenção para o fato de que o modo como pensamos nossa

língua é influenciado pela ideia da existência de uma língua padrão. Ele afirma que

línguas muito conhecidas como o Inglês, o Francês, o Espanhol e o Português são

línguas de cultura da língua padrão. Nesse tipo de cultura, posições ideológicas de poder

dominariam as atitudes linguísticas do falante sem que este tivesse consciência dessas

posições. Quando pensamos em uma língua padrão, referimo-nos a uma variedade

uniforme, heterogênea, desde aspectos fonético-fonológicos a aspectos sintáticos ou

semânticos, a uma língua, portanto, invariável, imutável. A ideologia do padrão seria,

então, constituída por fatores externos ao próprio processo de padronização.

Logicamente, essa uniformidade só pode ser concebida num nível de abstração da

língua, pois, na prática, esse ideal não se concretiza.

É senso comum, pelo menos nas línguas da cultura do padrão, que se

acredite em formas variantes mais certas que outras, ou seja, em fenômenos variáveis,

uma variante é aceita como legítima enquanto a(s) outra(s) é(são) tida(s) como

errada(s), sendo, assim, rejeitada(s). Grupos sociais menos favorecidos acabam por ser

discriminados por utilizarem as variantes “erradas” ou não-padrão.

No processo de seleção do que faz parte ou não da língua-padrão, a noção

de prestígio é muito importante. O prestígio tem relação direta com o status social do

falante. Comumente, confere-se prestígio às variantes presentes nas falas da população

de classe alta, deixando clara a influência de fatores socioeconômicos na seleção de uma

ou outra variante. Contrariamente a essas formas linguísticas prestigiadas, temos as

formas estigmatizadas, normalmente formas linguísticas rejeitadas no processo de

escolarização e de uso das camadas mais pobres da sociedade.

Concordando com Hora (2012), percebemos que a padronização linguística

é umas das grandes responsáveis, se não a maior, pelas reações dos falantes em relação

a uma língua; consequentemente, é a grande responsável pelo preconceito linguístico.

Uma técnica interessante do campo da psicologia permitiu que linguistas

pudessem observar as atitudes ou representações das línguas pelos falantes. De acordo

com Calvet (2002), Wallace Lambert, no início da década de 1960, gravava dois textos

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de um mesmo falante bilíngue, cada um em uma língua (francês e inglês) e os

apresentava a um grupo de pessoas como textos produzidos por pessoas diferentes. O

grupo ouvia os textos e recebia a orientação de descrever os falantes, através das vozes,

em relação à altura, à beleza física, à aptidão para dirigir, ao senso de humor, à

inteligência, à religiosidade, à confiança em si, à confiabilidade, à jovialidade, à

bondade, à ambição, à sociabilidade, ao caráter e à simpatia. Os resultados mostraram

que, primeiramente, o grupo não percebeu que os textos eram de um mesmo falante;

depois, que o grupo não avaliava as vozes, e, sim, as línguas. Esse teste foi muito

interessante, pois nos confirmou que somos avaliados pela língua que utilizamos. A

partir disso, podemos inferir que também somos avaliados pela variedade linguística

utilizada e, em algumas vezes, essa avaliação é tão negativa que se torna preconceito.

O preconceito linguístico não é novidade na história do homem. Segundo

Calvet, há uma história que diz que, quando Carlos V (1500-1558), rei da Espanha e

imperador da Alemanha, queria falar aos homens, utilizava o francês; quando falava aos

cavalos, usava o alemão; e a Deus, falava em espanhol. Se as línguas sofrem esse tipo

de julgamento, não deixariam de sofrê-lo as variedades geográfico-sociais das línguas.

É muito comum, em todos os países, ouvir que há um lugar em que se fala melhor a

língua. No caso do Brasil, é comum ouvirmos que esse lugar seria São Luís do

Maranhão. Isso se dá pelo fato de que há, no imaginário popular, uma ideia de que há

modos de “bem falar” a língua e modos não tão bons de fazê-lo. Há, no mínimo, duas

consequências para isso: a primeira diz respeito ao julgamento que o falante faz do seu

próprio modo de falar, a segunda diz respeito ao julgamento da fala do outro. Calvet

(2002) fala ainda de segurança/insegurança linguística para referir-se ao sentimento de

valorização ou não da variedade utilizada pelo falante. Há falantes que consideram o seu

modo de falar legítimo, ao contrário de outros, que mantêm um sentimento de

inferioridade em relação a seu uso linguístico, procurando substituí-lo pelo uso de

prestígio. Essa segurança/insegurança pode influenciar as práticas linguísticas do

falante, assim como o modo como o discurso do outro é percebido.

A crença de que há um modo mais “certo” de falar leva o falante que não

prestigia sua variedade linguística a tentar mudá-la, corrigi-la, podendo levá-lo a uma

hipercorreção. Esse exagero na tentativa de usar as formas de prestígio é muito comum

na escrita e serve de estratégia para simular um falso domínio da forma de prestígio ou

esconder a real origem do falante; porém, essa estratégia pode causar um efeito

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contrário ao pretendido. A hipercorreção pode ser identificada por falantes que se

utilizam da variedade de prestígio, fazendo com que eles ridicularizem tanto a

hipercorreção quanto o falante que dela se utiliza. Essas reflexões nos levam a perceber

o quanto é importante que mantenhamos o linguístico e o social ligados na teoria e na

descrição linguística, se não queremos reforçar esse sentimento de insegurança de

alguns falantes em relação à sua língua materna.

Não é fácil combater o preconceito linguístico, assim como não é fácil

combater nenhum tipo de preconceito, mas o conhecimento mais detalhado da língua e a

consequente derrubada de alguns mitos podem ser o início dessa história.

2.3.1 Da problemática noção de erro

Quando as noções de certo e errado se referem ao uso linguístico dos

falantes, o que existe é a noção de diferença, como nas frases seguintes em que alguém

diz “nós vamos à escola amanhã” e outro diz “nós vai pra escola amanhã”. Essas

diferenças linguísticas, ao contrário dos erros, são muito fáceis de serem percebidas,

pois a língua é um fenômeno social e dinâmico e, portanto, variável. Na escola, porém,

a variação ainda é vista através das noções de certo e errado, sendo certa a variedade da

escola e erradas as outras que os alunos trazem de casa, quando estas diferem muito da

primeira.

As variedades linguísticas do aluno e a da escola são, na maioria das vezes,

bem diferentes. Isso acaba por causar dificuldades de aprendizagem e, por isso, a

avaliação dos problemas linguísticos dos alunos deve levar em consideração o

funcionamento da língua e seus usos. Muitos dos chamados "erros" dos alunos do

ensino básico em fase de aprendizado da língua padrão são influências fonéticas e

morfossintáticas da variedade linguística utilizada por eles, já que muitos dos estudantes

têm acesso restrito à norma-culta em outros contextos fora da sala de aula. Cagliari

(1992) traz uma explicação sobre os tipos de “erro” que os alunos cometem na escrita.

Ele os classifica segundo sua origem, a saber: transcrição fonética, uso indevido de

letras, hipercorreção, modificação da estrutura segmental das palavras, juntura

intervocabular e segmentação, forma morfológica diferente, forma estranha de traçar as

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letras, uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, acentos gráficos, sinais de

pontuação e, finalmente, problemas sintáticos. Se o professor conhece as variantes

linguísticas não-padrão, perceberá facilmente que muitos desses “erros” são previsíveis

e de possível sistematização. Ainda se referindo à escrita, Oliveira e Lopes (1998) assim

definem a noção de erro:

um fenômeno linguístico cujo uso não foi ainda interiorizado, cabendo

ao professor a tarefa de promover situações de uso e de reflexão sobre

a língua escrita que favoreçam ao sujeito/escritor a habilidade de

construir, paulatinamente, níveis mais complexos de representação

deste objeto de conhecimento (OLIVEIRA; LOPES, 1998 apud

OLIVEIRA, 2006, p.81).

Semelhante à classificação de Cagliari, Bortoni-Ricardo (2005) propõe um

modelo de análise e diagnóstico dos erros. O quadro das categorias de erros proposto

pela autora está reproduzido abaixo:

Quadro 1: Categorias de erros linguísticos propostas por Bortoni-Ricardo

1. Erros decorrentes da própria natureza arbitrária do sistema de convenções da escrita

2. Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas categóricas no dialeto estudado.

3. Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas variáveis graduais.

4. Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas variáveis descontínuas.

Erros decorrentes da transposição

dos hábitos da fala para a escrita.

Fonte: (BORTONI-RICARDO, 2005, p.54)

Tendo por base esse quadro, podemos dividir os erros em dois grandes

grupos, sendo um deles subdividido em mais três subgrupos. Primeiramente, temos os

erros que são resultados da falta de familiaridade com o sistema de convenções da

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escrita. A maioria desses erros decorre da relação não totalmente equivalente entre

letras e fonemas. Em português, temos letras que representam mais de um fonema,

como também temos fonemas representados por mais de uma letra. O segundo grupo

decorre da interferência de regras fonológicas na escrita e depende dos antecedentes

sociolinguísticos do aluno.

A análise e a diagnose dos erros devem se basear em um conhecimento

detalhado das variantes linguísticas que permita o estabelecimento de um perfil

sociolinguístico do aluno, para, a partir daí, serem elaborados estratégias e materiais

didáticos adequados. De posse desse material e das estratégias didáticas, o professor

poderá ter um retorno dos resultados de seu trabalho.

Cabe, então, à escola trabalhar com as variedades padrão e não-padrão em

pé de igualdade, respeitando a forma como o aluno utiliza a língua, sem discriminá-lo

por isso. O professor deve discutir com a turma o funcionamento da língua e o seu valor

social, deixando claras para o estudante as consequências sociais, políticas e

econômicas dos usos que se faz da língua.

2.4 SOCIOLINGUÍSTICA E ENSINO DE GRAMÁTICA

É muito comum que uma grande quantidade de pessoas acredite que ensinar

língua e ensinar gramática sejam a mesma coisa. Por ensino de gramática, normalmente,

se entende a soma de duas atividades: o estudo de regras de construção de estruturas,

cujo objetivo seria tentar firmar o uso de uma variedade padrão; e a análise de

determinadas construções, cujos objetivos se dão por razões culturais, externas à língua.

Podemos perceber, então, que, quando pessoas falam em gramática, ou em seu ensino,

podem estar falando em formas padronizadas em oposição a variedades populares, ou

em como a língua se estrutura. Talvez seja esta uma das razões para a distância entre

aquilo que idealizamos fazer no ensino de gramática e a prática na sala de aula: a falta

de clareza no que diz respeito a ensinar gramática e seus objetivos. Essa discussão nos

faz refletir sobre as diferentes orientações didáticas (ensino de língua a partir do uso ou

a partir da estrutura), sobre as diferentes concepções dos objetivos do ensino de língua

(domínio da língua para a comunicação ou para ascensão social), sobre os diferentes

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objetivos atribuídos à educação básica (preparar para a vida ou para o vestibular, para o

Enem...), e, finalmente, sobre as diferentes concepções de gramática. Apesar de essa

discussão ser muito antiga, ela ainda não se esgotou, porque a prática escolar continua,

em sua maioria, da mesma maneira, há muitos anos, embora os avanços no discurso

científico sejam claramente visíveis e significativos.

Para que possamos discutir sobre o ensino de gramática, é necessário que,

primeiramente, definamos o que é gramática. Vamos considerar, aqui, conforme

Possenti (1996), gramática como sinônimo de conjunto de regras, para, a partir daí,

distinguirmos duas diferentes concepções de gramática, fundamentais para a reflexão

aqui proposta.

O autor diz que a palavra gramática pode ser entendida como um “1)

conjunto de regras que devem ser seguidas; 2) conjunto de regras que são seguidas;”

(POSSENTI, 1996, p.64). Em consequência desse entendimento, há, no mínimo, duas

diferentes perspectivas de gramática, respectivamente, a gramática normativa (GN) e a

gramática descritiva (GD).

A gramática normativa, conjunto de regras que devem ser seguidas, é a mais

conhecida na comunidade escolar, pois é a definição mais adotada nos materiais

didáticos, cujo objetivo é fazer com que o leitor fale e escreva “corretamente”. Essa

concepção de gramática traz um conjunto de regras que, se dominadas, podem auxiliar,

em alguns pontos, no uso da variedade padrão da língua, tanto na modalidade escrita,

quanto na modalidade oral. Podemos utilizar como exemplo a regra que diz que não se

deve iniciar oração/período com pronome oblíquo átono, ou a regra que diz que para

uma determinada pessoa gramatical só existe uma forma verbal correspondente para

cada tempo e modo, ou seja, para a 2ª pessoa do singular (tu); o verbo cantar no

presente do indicativo só pode assumir a forma “tu cantas”, e não “tu canta”, forma

muito comum no uso informal da língua.

A gramática descritiva, conjunto de regras que são seguidas, é a definição

orientadora dos trabalhos de alguns linguistas, cujo objetivo é descrever e/ou explicar a

língua como ela é usada pelo falante, e não em ditar que tipo de construção é “certa” ou

“errada”, como faz a gramática normativa. Vejamos um exemplo muito claro no qual as

duas perspectivas de gramática já citadas divergem: as regras de colocação dos

pronomes oblíquos átonos. A GN traz regras de colocação que apontam para uma visão

equivocada do Português Brasileiro. É o caso, por exemplo, da mesóclise. A GD diria

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que, em Portugal, essa colocação é comumente utilizada por pessoas dos mais diversos

estratos sociais, econômicos, etários e geográficos; porém, no Brasil, esse padrão é raro

na escrita e praticamente não existe mais na fala. Apesar dessa realidade, a GN aponta

essa colocação como a “correta” com verbos no futuro, desde que não haja motivo para

o uso da próclise. Na perspectiva descritivista de gramática, não há pretensões

prescritivas e constata-se, por exemplo, que, no Português Brasileiro, inicia-se oração

e/ou período com pronome oblíquo átono. A GD, apesar de não estar preocupada em

apontar “erros”, vai além da descrição, atentando para o fato de que pessoas de

diferentes grupos sociais, etários, econômicos, geográficos e históricos utilizam-se de

formas diferentes de se dizer “a mesma coisa” e que um mesmo falante, em situações

comunicativas diferentes, também se utiliza de formas alternativas para comunicar-se.

De acordo com essa teoria gramatical, também se constata que há resistência ou

preconceito no uso de algumas dessas formas linguísticas alternativas se elas não forem

utilizadas por pessoas cultas; logo, o critério de avaliação dessas unidades é social, e

não linguístico propriamente.

Observamos que as concepções de gramática citadas anteriormente referem-

se a regras; porém, o conceito de regra em cada uma delas é também diferente. A regra

referida pela GN é algo que se deve seguir, obedecer como a uma lei, expressando uma

avaliação do certo e do errado. Se o falante não a segue, é avaliado negativamente nos

meios social e escolar, sendo considerado “ignorante”, uma pessoa menos capaz de

exercer determinadas funções na sociedade. Já a GD refere-se à regra como

regularidade, constância. Nesse sentido, não há avaliações de certo ou errado. Nessa

abordagem, observa-se que há regras na língua, embora algumas variáveis, como, por

exemplo, a concordância entre sujeito e verbo: podemos ouvir construções do tipo “nós

vamos” ou “nós vai”, mas não ouvimos construções do tipo “nós vou”. É fundamental

que se compreenda que o fato de uma pessoa seguir uma ou outra regra gramatical não

indica que ela é superior ou inferior intelectualmente a outra, embora sua escolha possa

produzir avaliações sociais do tipo “isso é culto/inculto”, “isso é certo/errado”, “isso é

feio/bonito”.

Não menos importante, também, é que percebamos a concepção de língua

existente por trás de cada concepção de gramática apontada anteriormente. A GN

concebe a língua como equivalente às formas linguísticas produzidas por falantes cultos

ou por pessoas de prestígio na sociedade. São, principalmente, as modalidades escrita e

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literária da língua as consideradas modelos de bom uso. Em casos extremos, chega-se a

confundir essas variedades com a própria língua, deixando-se de fora fatos linguísticos

pertencentes a outras variedades. Já a GD não deixa de fora nenhum fato linguístico

produzido pelo falante. Tanto a modalidade escrita da língua quanto a modalidade oral

são consideradas fatos dignos de descrição e explicação. A língua é concebida em suas

regularidades variáveis. A variedade culta é apenas uma das variedades da língua a ser

estudada e as outras variedades não são consideradas linguisticamente inferiores ou

incapazes de expressar o pensamento.

De acordo com as concepções apresentadas acima, já podemos antecipar o

quanto as gramáticas normativas e os estudos linguísticos de base descritivista divergem

em relação ao objeto linguístico. Quando o assunto é a colocação pronominal no

português, não é diferente: as gramáticas tradicionais normativas e os estudos

linguísticos não abordam o tema de forma consensual, chegando até, em alguns

momentos, a se oporem completamente.

É papel da escola conscientizar a comunidade e conscientizar-se de que,

assim como toda e qualquer língua natural, o português não é uma língua homogênea,

havendo, portanto, mais de uma forma de dizer “a mesma coisa” e que essas formas

diferentes de dizer são avaliadas de modo diferente dependendo da situação

interacional. À escola cabe, então, valorizar o conhecimento linguístico do aluno e

promover o aprendizado significativo das variantes prestigiadas, o que, infelizmente,

muitas vezes não acontece. Nas palavras de Bortoni-Ricardo,

não é raro que professores elejam estruturas da linguagem coloquial,

de uso generalizado, no presente ou em estágios pretéritos da língua,

e as combatam com veemência, o que às vezes implica distorções nas

prioridades pedagógicas do ensino da língua pátria e suas

manifestações literárias. A escola brasileira ocupa-se mais em reprimir

do que em incentivar o emprego criativo e competente do português

(BORTONI-RICARDO, 2005, p.16).

Para que a escola possa atingir os objetivos citados por Bortoni-Ricardo, é

preciso, primeiramente, analisar e compreender as variedades linguísticas através de um

aparato teórico-metodológico adequado à nossa realidade, pois a sociedade brasileira é

complexa em seus aspectos sociais, culturais, econômicos, históricos e tecnológicos,

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não sendo menos complexa a sua língua. Falhas no acesso ao processo de escolarização

tendem a conservar ou acentuar as diferenças linguísticas. Embora a escola seja “uma

força corretiva e unificadora da língua" (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 23), o acesso

restrito à norma-culta se contrapõe a essa força.

Desde as primeiras décadas do século XX, pesquisas identificam e

reconhecem diversas variedades linguísticas brasileiras, porém essas variedades, muitas

vezes, são consideradas pela sociedade como desvios, erros, pois suas características

comuns não são reconhecidas. Bortoni-Ricardo (2005) propõe uma distinção dessas

variedades a partir de um continuum de urbanização, que vai desde as variedades rurais

mais isoladas geograficamente até as variedades urbanas cultas, podendo se encontrar o

falante em qualquer lugar desse continuum. Nesse continuum rural-urbano, existem dois

tipos de regras variáveis: regras variáveis descontínuas, que são características de

variedades regionais mais isoladas e que sofrem mais estigma na sociedade urbana, e

regras variáveis graduais, que pertencem ao repertório de praticamente todos os falantes

do continuum. O contínuo de urbanização pode ser representado da seguinte forma:

variedades área variedades

rurais isoladas rurbana urbanas padronizadas

Nessa linha imaginária, temos, de um lado, as variedades linguísticas mais

isoladas; na outra ponta, estão as variedades urbanas que, no decorrer do tempo,

sofreram influência da ortografia, da ortoépia, dos dicionários e das gramáticas

normativas. Entre um ponto e outro, temos a zona rurbana.

Os grupos rurbanos são formados pelos migrantes de origem rural que

preservam muito de seus antecedentes culturais, principalmente no seu

repertório lingüístico, e as comunidades interioranas residentes em

distritos ou núcleos semi-rurais, que estão submetidas à influência

urbana, seja pela mídia, seja pela absorção de tecnologia agropecuária

(BORTONI-RICARDO, 2004, p.52).

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A autora amplia a proposta para um modelo de três contínuos, e, a partir daí,

analisa episódios de fala de diversas regiões e em eventos variados da comunidade

brasileira.

O segundo continuum proposto por Bortoni-Ricardo é o de oralidade-

letramento, no qual se encontram, de um lado, práticas sociais de oralidade, e de outro,

práticas sociais de letramento. Esse continuum pode ser assim representado:

eventos de eventos de

oralidade letramento

Nesse contínuo, estão representados, numa ponta, eventos que não têm

nenhuma influência da escrita, chamados, aqui, de eventos de oralidade, e, no extremo

oposto, encontram-se os eventos orientados diretamente pela escrita, os eventos de

letramento. Bortoni-Ricardo (2005) assume que atividades de oralidade são mais

informais, enquanto atividades de letramento recebem um tratamento mais formal.

O terceiro parâmetro de análise do uso da língua é o continuum de

monitoração estilística, assim representado:

- monitoração +monitoração

Aqui são situadas, em um lado, falas espontâneas, que não exigem nenhuma

monitoração, e, do outro lado, interações previamente planejadas que exigem alto grau

de monitoração. O grau de monitoração e planejamento vai depender de alguns fatores,

dentre os quais a autora destaca quatro:

a) a acomodação do falante a seu interlocutor;

b) o apoio contextual na produção dos enunciados;

c) a complexidade cognitiva envolvida na produção linguística;

d) a familiaridade do falante com a tarefa comunicativa que está sendo

desenvolvida (BORTONI-RICARDO, 2005, p.41).

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Bortoni-Ricardo (2004) chama a atenção para o fato de que,

independentemente de onde, nos contínuos, se situa a fala de um falante nativo, ela é

bem formada, pois todo falante nativo de uma língua possui um conhecimento

internalizado das regras de produção e compreensão das sentenças de sua língua

segundo o conceito chomskyano de competência. O conceito de competência de

Chomsky foi muito utilizado em vários estudos linguísticos, sendo que alguns desses

estudos apontaram críticas e reformulações a esse conceito. A principal reformulação

foi a de Dell Hymes em 1966. Esse autor propõe o conceito de competência

comunicativa, que acrescenta ao conceito de Chomsky as normas sociais e culturais de

adequação da fala e a noção de viabilidade, que Bortoni-Ricardo associa à noção de

recursos comunicativos, como os recursos gramaticais, as estratégias retórico-

discursivas, o vocabulário etc. É a partir de suas experiências que o falante passa a

adquirir cada vez mais recursos comunicativos, e a escola é um local privilegiado para

essa aquisição, sendo

papel da escola, portanto, facilitar a ampliação da competência

comunicativa dos alunos, permitindo-lhes apropriarem-se dos recursos

comunicativos necessários para se desempenharem bem, e com

segurança, nas mais distintas tarefas linguísticas (BORTONI-

RICARDO, 2004, p.74).

Sendo assim, quando o aluno chega à escola, já conhece e utiliza as regras

do sistema linguístico, mas precisa de situações e experiências que colaborem na

ampliação de sua capacidade de adequar sua fala de acordo com o contexto situacional.

Como podemos notar, a sociolinguística tem colaborado muito com o

processo educacional. Segundo Bortoni-Ricardo (2005), no final da década de 60, a

sociolinguística variacionista acreditava que o problema no desempenho escolar de

crianças falantes de línguas ou variedades minoritárias seria resolvido se as professoras

conhecessem as regras da fala de seus alunos, e seus alunos conhecessem as regras do

dialeto usado na escola. Nessa mesma época, um grupo de sociolinguistas propôs que os

alunos aprendessem a ler em cartilhas escritas em seu dialeto para, posteriormente, de

forma gradativa, lerem em inglês padrão. Esta proposta não obteve resultados concretos;

então, a sociolinguística educacional sofreu cada vez mais críticas. Em 1987, surge um

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conceito que Bortoni-Ricardo traduz como uma pedagogia culturalmente sensível. Essa

pedagogia tem o objetivo de criar ambientes de aprendizagem nos quais sejam

desenvolvidos padrões de participação social, modos de falar e rotinas comunicativas

presentes na cultura dos alunos. É necessário que a prática pedagógica seja sensível às

diferenças sociolinguísticas e culturais dos alunos.

Bortoni-Ricardo (2005) propõe seis princípios para reflexão sobre a

implementação da sociolinguística educacional.

O primeiro princípio observado se refere à influência da escola na aquisição

da língua. Essa influência deve ser buscada nos estilos monitorados dos falantes, pois é

aí que as ações de planejamento linguístico têm influência, já que, em momentos de

descontração ou de muita pressão psicológica, o falante, independente de seu grau de

escolarização, utiliza-se de seu vernáculo. Logo, cabe à escola ajudar o estudante a

empregar com segurança os estilos monitorados da língua.

O segundo princípio refere-se à avaliação social de regras variáveis. Regras

avaliadas positivamente pela sociedade não influem muito nos estilos monitorados, pois

não são objeto de correção na escola.

Eis o terceiro princípio: a má distribuição de bens materiais e culturais no

Brasil é o principal fator da variação linguística brasileira. Em comunidades

monolíngues, como a nossa, o ensino da língua de prestígio pode ser a origem da

discriminação de crianças falantes de variedades populares. Nesse caso, o professor

deve ser sensível às diferenças sociolinguísticas, reconhecendo o aluno como um falante

legítimo e auxiliando-o a alternar seu dialeto vernáculo e a língua de prestígio quando

necessário.

No quarto princípio, observa-se, na escola, a presença da dicotomia

oralidade X letramento. Às atividades de letramento reserva-se o estilo mais

monitorado, enquanto às atividades de oralidade reservam-se os estilos mais coloquiais.

Baseando-nos nessa dicotomia, separamos a língua que utilizamos para conversar com

pessoas queridas e a língua que utilizamos em eventos de letramento, como leitura e

produção de textos escritos.

No quinto princípio, Bortoni-Ricardo aponta para uma descrição da variação

na sociolinguística educacional associada a uma análise etnográfica e interpretativa do

uso da variação em sala de aula. A sociolinguística educacional deve partir de uma

análise detalhada do processo interacional, avaliando o significado da variação para os

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envolvidos. Esses significados podem variar muito tanto para alunos, quanto para

professores e devem ser muito bem analisados e interpretados para que se possa fazer

um estudo de sociolinguística educacional.

Por último, temos o sexto princípio, o qual diz respeito ao processo de

conscientização quanto à variação e à desigualdade que ela reflete. Para conscientizar

professores e alunos, é necessário que a pesquisa acadêmica estabeleça um diálogo com

os professores a partir do qual eles reflitam sobre suas ações. A autora sugere, para isso,

a pesquisa de empoderamento e a pesquisa colaborativa, nas quais os professores são

parceiros do pesquisador na condução da pesquisa e de ações facilitadoras da aquisição

de recursos comunicativos de que a língua dispõe.

Esses princípios devem ser observados em uma pesquisa sobre a influência

da variação linguística na aquisição de estilos monitorados em que se queira encontrar

possíveis soluções na área da sociolinguística educacional atual.

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Os apontamentos feitos aqui não sugerem, de forma alguma, que não se

deva ensinar a norma gramatical da língua, mas devemos deixar claro que esse ensino

não é o mesmo que o ensino de língua materna, nem o mesmo que o ensino de língua

portuguesa. E isso deve ser dito ao aluno para que ele compreenda o porquê de, muitas

vezes, o que ele vê nas aulas de português não ser a língua que adquiriu, não é sua

língua materna. Quando ensinamos tanto a norma gramatical quanto a norma-culta,

trazemos um outro estado de língua para a sala de aula, é como se fosse uma segunda

língua que o estudante precisa conhecer. Vejam, então, que parte do problema não está

exatamente em ensinar gramática, e sim em ensinar determinados padrões como se

fossem a língua materna do estudante.

Nesse sentido, fica claro o quanto a postura do professor em relação ao ensino

de gramática é importante. A nossa proposta não é de substituição do ensino de uma

variedade pelo ensino de outra. Propomos um ensino bidialetal/multidialetal (cf.

BORTONI-RICARDO, 2004, 2005; SOARES, 1999), ou seja, um ensino que aceite as

diversas variedades linguísticas, respeitando os contextos de uso de cada uma delas.

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44

Esse tipo de ensino pode contribuir bastante para a melhoria do rendimento escolar do

aluno, pois grande parte das dificuldades dos estudantes tem como causa o conflito

entre a linguagem escolar, que privilegia uma variedade em detrimento das outras e a

impõe como única digna de uso e análise, e a linguagem da maioria dos brasileiros, que

a escola condena e estigmatiza. Para que o bidialetalismo/multidialetalismo seja

realizado na escola, é preciso que o professor conheça as variedades da língua e

reconheça que todas são bem estruturadas gramaticalmente, o que implica uma atitude

positiva e não discriminatória por parte do educador. O professor deve facilitar ao aluno

o aprendizado das variedades linguísticas para que ele as utilize (ou não) quando for

requerido. Especialmente em relação aos clíticos, devemos promover, na sala de aula,

uma reflexão sobre a colocação dos pronomes oblíquos em português, observando o que

há de semelhante e de diferente entre o que a GN aponta como “correto” e o uso que

fazemos de nossa língua, para que, então, o estudante possa ampliar seu conhecimento

linguístico e sua capacidade crítica diante de fatos da língua. O aprendizado desse

conteúdo não deve se dar apenas através de listas de regras, o professor deve possibilitar

ao estudante a leitura/escuta de textos de variedades diversas para que ele possa

observar o uso efetivo dos clíticos em situações concretas.

Apresentamos, neste segundo capítulo, os pressupostos teóricos que

sustentarão nossa análise nesta pesquisa para, no capítulo seguinte, detalharmos a

questão da variação da colocação dos pronomes clíticos em três contextos específicos.

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3 NORMAS DE COLOCAÇÃO DOS PRONOMES CLÍTICOS EM

PORTUGUÊS

3.1 INTRODUÇÃO

Conforme já foi dito no capítulo anterior, não existe uma só língua,

considerada em todas as suas dimensões e amplitudes, que se resuma a um sistema

invariável e rígido. Concepções de língua homogênea resultam de uma abstração

intencional dos fenômenos linguísticos a fim do domínio do conhecimento de sua

estrutura por parte do pesquisador.

Rodrigues (2004) afirma que as línguas sofrem variações de duas ordens:

uma em função do falante/emissor e outra em função do ouvinte/receptor

(considerando-se também, aqui, as circunstâncias em que a fala se produz). Pertencentes

à primeira ordem, teríamos as variantes dialetais: espaciais, de classe social, de grupos

de idade, de sexo e de geração. À segunda ordem, poderíamos incluir as de registro:

grau de formalismo, de modalidade, de sintonia (ajustamento do emissor ao receptor).

Ao falar de padrões, Rodrigues aponta a necessidade de se distinguir padrão

ideal de padrão real. Os padrões ideais referem-se às expectativas sobre o que as

pessoas façam ou digam, e os padrões reais referem-se a como realmente as pessoas

agem ou falam em determinadas situações. A língua, então, pode ser descrita levando

em consideração padrões reais ou ideais de uso. Ao descrevermos a língua de uma

comunidade através de textos orais e escritos diversos de seus membros, encontramos

os padrões linguísticos reais. Ao passo que, se, ao descrever uma língua, levamos em

consideração o que seus falantes consideram ser o melhor, o bom uso em cada situação,

obteremos o padrão linguístico ideal, a norma padrão. Sendo assim, o que, muitas vezes,

consideramos como língua padrão seria um caso de padrão ideal.

Para análises eficientes sobre os padrões de uma língua, é necessário,

primeiramente, distinguir as modalidades de fala e escrita. Isso porque é mais comum

que na escrita se neutralizem determinadas variações dialetais. Em relação à consciência

de um padrão, Rodrigues afirma que a literatura e o magistério são locais privilegiados

de tal consciência. É na escola que teríamos um maior consenso sobre um padrão escrito

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de língua. Praticamente todos os livros didáticos de língua portuguesa ensinam uma

única variedade de língua escrita, que tem por modelo textos portugueses dos séculos

XVI a XIX e textos brasileiros do século XIX e do início do XX. Então não haveria

heterogeneidade em textos selecionados num intervalo de tempo tão vasto? É claro que

temos, porém essa heterogeneidade é apagada, de forma muitas vezes arbitrária e

contraditória, pelos autores desses livros e de gramáticas normativas tradicionais. Para

muitos professores, o objeto do ensino de língua se reduz ao domínio desse padrão ideal

contido nos livros didáticos e em gramáticas normativas com o objetivo de fazê-lo

substituir o padrão real (leia-se errado) que o estudante domina.

Já em relação à literatura, é facilmente observável que, desde a década de

1920, grandes escritores brasileiros rompem com esse padrão ideal exigido nas escolas,

para expressar uma língua escrita cada vez mais próxima da modalidade falada,

principalmente a coloquial.

Partindo do que foi dito, fica clara a necessidade da descrição do padrão real

de nossa língua, assim como a necessidade de tornar acessível aos professores essa

descrição. Sendo assim, neste capítulo, confrontamos o padrão real de colocação dos

clíticos no português brasileiro culto – a norma culta – observado através de pesquisas

linguísticas, e o padrão idealizado de colocação – a norma gramatical –apresentado em

quatro gramáticas normativas tradicionais.

3.2 OS PADRÕES DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM TRÊS CONTEXTOS SOB

AS PERSPECTIVAS DA NORMA CULTA E DA NORMA GRAMATICAL

A língua atualmente falada e escrita no Brasil apresenta construções muitas

vezes tão distintas das da língua portuguesa falada em Portugal, que se faz necessário

nomeá-la de outra forma. Assim, temos o Português Brasileiro. Para a formação dessa

variedade do português tivemos contribuições europeias, americanas e africanas, sem

falar da contribuição indígena e da de outras etnias presentes no Brasil.

Conforme Venâncio (2007), anteriormente à chegada dos portugueses ao

Brasil, podíamos encontrar mais de 1.600 línguas indígenas faladas no nosso país. Com

a chegada da língua portuguesa, em abril de 1500, às terras brasileiras, inicia-se um rico

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processo de interação linguística entre portugueses e indígenas, que resulta numa

miscigenação das línguas desses povos.

Em agosto de 1758, o português é instituído como língua oficial do Brasil,

sendo proibido o uso da língua já falada pela população brasileira – a língua geral.

Porém, devido à influência das línguas nativas e da língua dos milhões de escravos

africanos, o português falado aqui já se diferenciava do PE. Não podemos deixar de

falar, também, da influência dos imigrantes europeus que, após a independência do

Brasil, aqui estiveram em grande quantidade.

Logo, a língua portuguesa do Brasil nunca foi a mesma língua falada em

Portugal. Por isso, querer avaliar nossos padrões linguísticos por meio de normas

portuguesas pode se tornar um grande equívoco.

Após cinquenta anos de oficialização da língua portuguesa no Brasil, a

língua geral não resiste, deixando apenas um pouco de sua herança. É justamente nesse

momento, séculos XVIII e XIX, que vários estudos apontam haver, no Brasil,

características linguísticas peculiares de uma nova gramática, a gramática do PB. E uma

das principais características que tanto diferenciam o PB do PE é a colocação dos

pronomes pessoais átonos, destacando-se, principalmente, três contextos de colocação

pronominal:

(i) o pronome oblíquo átono em início de oração/período (contexto V1) – Me empresta

o lápis;

(ii) a próclise em estruturas do tipo Sujeito clítico-Verbo (contexto SV) – Meu amigo se

foi e

(iii) a próclise ao verbo temático nas locuções verbais (contexto V1V2) – Eu tenho lhe -

encontrado sozinho.

Em relação a esses três contextos citados, nesta seção, vamos observar os

resultados de algumas pesquisas linguísticas que tratam do assunto. Nossas fontes são

Ane Schei (2003), Marco Antonio Martins (2012) e Caroline Carnielli Biazolli (2010,

2012), dentre outros. Num primeiro momento, contextualizamos as obras estudadas;

depois, dividimos a seção por contexto – V1, SV e V1V2. Para cada contexto, os

resultados dos estudos linguísticos serão comparados aos padrões de colocação

apresentados pelas gramáticas tradicionais.

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3.2.1 Contextualização sobre autores e obras estudados

Nesta seção, primeiramente traremos as considerações e os resultados de

pesquisas de três linguistas que estudam, na escrita, os padrões de colocação dos

pronomes clíticos no Brasil: Schei (2003), em A colocação pronominal do português

brasileiro: a língua literária contemporânea; Martins (2012), em A colocação de

pronomes clíticos na escrita brasileira: para o estudo das gramáticas do português; e

Biazolli (2010, 2012), em sua dissertação de mestrado Clíticos pronominais no

português de São Paulo: 1880 a 1920 – uma análise sócio-histórico-linguística e em

seu artigo Retratos da variação na posição dos clíticos pronominais em complexos

verbais no português paulista (1880 a 1920).

Segundo Schei (2003), “há muitas semelhanças entre a colocação

pronominal no PB falado e no PB literário, e ambas as modalidades diferem, por

conseguinte, do modelo de colocação apresentados pelas gramáticas” (p.155). Schei

analisa seis romances de autores brasileiros publicados nas três últimas décadas do

século XX1. Quando a análise do seu corpus se refere às formas verbais finitas, a

linguista se detém nos contextos em que há maior variação, os “contextos neutros”, são

eles: início de período, início de oração assindética, início de oração intercalada de

citação, depois de pausa, oração coordenada à oração principal, e sujeito sem fator de

próclise; e nos casos em que o verbo é precedido de advérbio e em orações

subordinadas. As formas verbais com as quais pode ocorrer mesóclise, Schei analisa

separadamente. A autora analisa também os complexos verbais, considerando-os

“construções de dois verbos com o mesmo sujeito e com um pronome clítico que é

objeto do verbo principal” (SCHEI, 2003, p. 213). Schei chama de auxiliares todos os

primeiros verbos do complexo.

Martins (2012) pesquisa sobre diferenças sintáticas entre o PB e o PE, e a

implementação da próclise em textos de brasileiros, assumindo, com outros autores, que

o século XIX marca um momento de mudanças sintáticas significativas que distanciam

as gramáticas do PE e do PB contemporâneos, embora já se atestem, desde o século

1Confissões de Narciso de Autran Dourado, publicado em 1997; Vastas emoções e pensamentos

imperfeitos de Rubem Fonseca, em 1988; Exílio de Lya Luft, em 1988; Enquanto o tempo não passa de

Josué Montello, em 1996; Dôra, Doralina de Raquel de Queiroz, em 1975; e Os voluntários de Moacyr

Scliar, em 1979.

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XVIII, construções características de uma gramática vernacular brasileira, ou seja,

construções que não foram encontradas em nenhum outro momento na história do

português. Martins observa, em seu corpus constituído de vinte e quatro peças de teatro

escritas por brasileiros nascidos no litoral de Santa Catarina entre os séculos XIX e

XX2, os padrões de variação e não-variação da posição dos pronomes clíticos.

Biazolli (2010, 2012) observa a posição dos pronomes clíticos em relação a

lexias verbais simples e a complexos verbais em textos jornalísticos de São Paulo-SP e

de Rio Claro-SP produzidos entre o fim do século XIX e o início do XX (1880-1920).

Nos textos pesquisados, a autora encontra um total de 583 ocorrências de clíticos

pronominais, sendo 463 nos jornais da cidade de São Paulo e 120 nos de Rio Claro.

Além de trazermos as considerações dos três linguistas citados sobre cada

contexto de colocação pronominal estudado, observaremos o que dizem quatro

gramáticas tradicionais muito utilizadas por estudiosos em geral, a saber: a Moderna

gramática brasileira, de Celso P. Luft (2002); a Moderna gramática portuguesa, de

Evanildo Bechara (2003); a Nova gramática do português contemporâneo, de Cunha e

Cintra (2008); e a Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima (2010).

Para uma contextualização rápida dos padrões apresentados nessas

gramáticas, Luft (2002), diferenciando-se dos demais gramáticos, diz se basear na

variedade brasileira da língua portuguesa. Além das regras gerais de colocação, aponta o

que é recomendável na língua culta e na língua coloquial e mostra diferenças entre o PB

e o PE: a próclise ao verbo principal nas locuções verbais e a ausência da mesóclise na

fala do Brasil. Luft também critica a condenação da colocação pronominal brasileira em

gramáticas brasileiras.

Bechara (2003) trata o assunto em seu aspecto fonético-sintático e afirma

que apontará as normas que são observadas na linguagem culta, escrita e falada. Diz

ainda que, se não infringirmos os critérios apresentados, a colocação é uma questão de

2A casa para alugar (1867) e Quem desdenha quer comprar (1868), de José Cândido de Lacerda

Coutinho (1841-1902); Raimundo (1868), de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865); Os ciúmes do

capitão (1880), de Arthur Cavalcanti do Livramento (1853-1897); Um cacho de mortes (1881), Dolores

(1889), O idiota (1890), Fatos Diversos (1892), de Horácio Nunes (1855- 1919); Brinquedos de Cupido

(1898), de Antero Reis Dutra (1855-1911); A engeitada(19??) de Joaquim Antonio de S. Thiago (1856-

1916); Hilda, a filha do suposto traidor (1918), Waltrudes, o nauta veneziano (1918) e A filha do

operário (1942),de Ildefonso Juvenal (1884-1965); Ilha dos casos raros (1928), de Nicolau Nagib Nahas

(1898-1934); A morte de Damião (1954) de Ody Fraga (1927-1987); O dia em que os porcos comerão sal

(1978), A Estória (1970), Os Lobos (1980), Fragmentos (1991) e O que a vida fez de mim, de nós (1996),

de Ademir Rosa (1950-1997); O dia do Javali (1982), de Mário Júlio Amorim (1939-); Flores de Inverno

(1992) e As quatro estações (1998), de Antonio Cunha (1961-); Agnus Dei (1994) de SulangerBavaresco

(1969-).

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escolha pessoal. Em relação à colocação brasileira, há uma contradição na postura de

Bechara: ele reforça a urgência de combatermos a ideia de que a colocação brasileira é

inferior à lusitana, porém, quando apresenta suas regras, a situação se inverte: as regras

apontadas são relativas ao PE. Apenas num momento final de observação, ele cita

algumas tendências do PB.

Cunha e Cintra (2008) reconhecem que há casos divergentes nas variedades

portuguesa e brasileira. Em suas regras, assim como os gramáticos anteriores,

apresentam a variedade lusitana, dedicando à variedade brasileira apenas um tópico no

final da apresentação das regras recomendadas.

Finalmente, Rocha Lima (2010) descreve a língua baseado na linguagem

literária. Refere-se a autores portugueses e brasileiros indiferentemente, sem apontar

diferenças significativas entre o PB e o PE na modalidade literária.

3.2.2 Os padrões de colocação com verbos em início de oração/período (V1)

O contexto V1 – próclise em início de oração/período – é um dos contextos

neutros, ou seja, um dos contextos em que não há fator de próclise, analisado por Schei

(2003).

Comparando os índices de próclise e ênclise nos seis escritores analisados, a

autora obteve os seguintes resultados:

Tabela 1: Variação próclise/ênclise em início de período

Autor/ano de nascimento Total Próclise Ênclise

Queiroz (1910) 80 41 (51%) 39 (49%)

Montello (1917) 88 0 (0%) 88 (100%)

Fonseca (1925) 139 9 (6%) 130 (94%)

Dourado (1926) 43 32 (74%) 11 (26%)

Scliar (1937) 147 36 (24%) 111 (76%)

Luft (1938) 88 2 (2%) 86 (98%)

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Total 585 120 (26%) 465 (74%)

Fonte: (Adaptado de Schei 2003, p. 159).

Apesar de a autora encontrar um total de 74% no uso de ênclises a V1 nos

escritores pesquisados, esse contexto apresentou grande variação: a próclise em início

de período foi de 0% em Montello a 74% em Dourado. Todos os autores, com exceção

de Montello, apresentaram variação nesse contexto a depender do clítico utilizado. A

tabela abaixo mostra a frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto V1.

Tabela 2: Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto V1

Pronome Queiroz Montello Fonseca Dourado Scliar Luft Total

Me 95%

(39/41)

0%

(0/41)

11%

(9/81)

100%

(15/15)

47%

(26/55)

4%

(2/51)

42%

(91/284)

Nos – – 0%

(0/1)

100%

(2/2)

53%

(8/15) –

51%

(10/18)

O 0%

(0/2)

0%

(0/20)

0%

(0/27)

0%

(0/6)

0%

(0/21)

0%

(0/12)

0%

(0/88)

Lhe 14%

(1/7)

0%

(0/23)

0%

(0/12)

73%

(8/11)

0%

(0/11)

0%

(0/3)

14%

(9/75)

Se 3%

(1/30)

0%

(0/4)

0%

(0/18)

78%

(7/9)

4%

(2/45)

0%

(0/22)

14%

(10/128)

Fonte: (Adaptado de SCHEI, 2003, p.160).

Na análise da frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto

V1, Schei constatou que me é o pronome que mais ocorre nesse contexto. O pronome

nos foi encontrado em pouquíssima quantidade; por isso, não ficou claro se ele favorece

a próclise em início de oração ou se esse fato só ocorre em textos de alguns escritores.

Um pronome que não ocorreu, em próclise, no contexto citado em nenhum dos autores

analisados foi o pronome o. Se e lhe tiveram a mesma frequência de próclise, porém em

textos de autores diferentes: se aparece proclítico em Dourado, Queiroz e Scliar, e lhe

em Dourado e Queiroz.

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Esse mesmo contexto é incluído por Martins (2012) no grupo dos contextos

em que há variação próclise/ênclise. Martins observou, em seu corpus, a frequência da

próclise em contexto V1 (próclise em início de período) e verificou que houve uma

evolução dessa colocação de 3% em textos de brasileiros nascidos no século 19 para

34% em textos dos nascidos no século 20. O autor afirma ainda que

Há de se considerar que a maior recorrência de clV em contextos V1

está relacionada aos textos do século 20, mas esse padrão, inovador da

gramática do PB, é encontrado já na escrita brasileira do século 19

(MARTINS, 2012, p. 194).

A tabela abaixo mostra a frequência de próclise a V1, nos textos analisados

por Martins, apresentada a partir do ano de nascimento dos autores.

Tabela 3: Frequência de próclise a V1 a partir do ano de nascimento dos autores.

Autor/ano de nascimento Frequência de próclise a V1

Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865) 3% (5/144)

José C. de Lacerda Coutinho (1841-1902) 1% (1/153)

Arthur Cavalcanti do Livramento (1853-1897) 14% (5/36)

Antero dos Reis Dutra (1855-1911) 0% (0/32)

Horácio Nunes (1855- 1919) 0% (0/197)

Joaquim Antonio de S. Thiago (1856-1916) 3% (1/39)

Ildefonso Juvenal (1884-1965) 6% (5/77)

Nicolau Nagib Nahas (1898-1934) 20% (2/10)

Ody Fraga (1927-1987) 0% (0/5)

Mário Júlio Amorim (1939-) 65% (22/34)

Ademir Rosa (1950-1997) 81% (42/52)

Antônio Cunha (1961-) 46% (17/37)

SulangerBavaresco (1969-) 38% (6/16)

Total 13% (106/831)

Fonte: (Adaptado de Martins, 2012, p. 112)

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A frequência total de próclise nos dados analisados não deve ser

considerada sem uma observação mais atenta a essa frequência no decorrer do tempo,

ou seja, apesar de a frequência total ser baixa (13%), o crescimento da próclise nesse

contexto foi muito significativo se comparamos os textos dos autores do século XIX

com os do século XX, que alcançam taxas de até 81% de próclise a V1.

Em relação ao contexto V1, Biazolli (2010) leva em consideração o início

de oração e não de período, como Schei e Martins. Em sua análise, encontra resultados

bem semelhantes nos dados dos jornais das duas cidades: o uso quase categórico de

ênclise. Os exemplos encontrados de próclise em início absoluto estão todos em uma

oração que não inicia o período. Eis os exemplos apresentados na dissertação da

pesquisadora:

(257) Quer louvando, quer censurando, se esforçará sempre a

Provincia de S. Paulo por ser justa: é este um dever que ella se impõs

em virtude de suas condições de folha diária [...]. (“A Província de

São Paulo”, São Paulo, 1880 – gênero Editorial).

(258) Querendo que os habitantes desta florescente cidade do Rio

Claro e de sua immediações, participem dos preços baratissimos por

que vendem suas fazendas; resolverão lançar mão deste meio de

publicidade para que, quando forem para Campinas e tiverem de

comprar fazendas finas, ou grossas, miudezas de armario, calçado,

chapéus e com especialidade roupas feitas para homem e crianças,

assim como chapéus de sol etc., etc., sedirigãoa Grande Loja do

VEADO sita a Rua do Commercion 71 A para certificarem-se da

veracidade do que dizem. (“Correio do Oeste”, Rio Claro, 1880 –

gênero Anúncio).

(259) Finalmente no parecer da Commissão do Senado se affirmou

que a recorrente [...] ficaria impossibilitada de amortizar o capital e

juros do emprestimo que Miguel Rinaldi fez a Camara [...].

Entretanto, se verifica pelo doc. n. 5 que a amortização do dito

emprestimo está suspensa por cinco annos. (“O Rio Claro”, Rio Claro,

1905 – gênero Edital).

(260) [...] é preciso que os senhores vereadores attendam as condições

preliminares afim de que uma vez approvado o contracto, se

comprehendaa approvação d’essas mesmas condições. (“O Rio

Claro”, Rio Claro, 1910 – gênero Edital).

(261) Si a estrada de ferro diminue a distancia e o telegraphoquasi a

destróe, a caridade a desconhece, a anniquila, faz com que não exista

de forma alguma. (“A SemanaMilitar”, Rio Claro, 1920 – gênero

Artigo).

(262) Dia a dia, de toda a parte, nos chegam novas pessoas que vêm á

procura do restabelecimento de sua saude abalada por qualquer

moléstia que os atormenta. [...] (“ASemana Militar”, Rio Claro, 1920

– gênero Anúncio). (BIAZOLLI, 2010, p. 174).

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Nos exemplos acima, observamos uma predominância do clítico se (quatro

ocorrências) e as presenças dos clíticos a e nos, ambos com apenas uma ocorrência.

Biazolli, na análise da variação próclise/ênclise em lexias verbais simples,

observa separadamente as variáveis tipo de clítico e verbo em início de oração.

A pesquisadora excluiu dos dados de São Paulo a variável tipo de clítico,

nos apresentando apenas a quantidade em que eles aparecem. Essa quantidade está

representada em tabela a seguir, no qual podemos observar a grande ocorrência do

clítico se (79%), a baixíssima ocorrência de me (2%) e as ocorrências de lhe(s) (6%), de

nos (5%) e de o(s)/a(s) e suas formas variantes(8%).

Nos textos dos jornais de Rio Claro, a variável tipo de clítico é analisada e

expressa na seguinte tabela:

Tabela 4: Número de ocorrências e percentuais dos pronomes clíticos em lexias verbais

simples, de acordo com o tipo de clítico, nos jornais da cidade de Rio Claro, de 1880 a 1920

Tipo de Clítico Próclise Ênclise Total

O(s)/A(s) e FV N-37 %-58.7 N-26 %-41.3 N-63 %-13.8

Nos N-13 %-38.2 N-21 %-61.8 N-34 %-7.4

Se N-119 %-39 N-186 %-61 N-305 %-66.6

Me N-9 %-39.1 N-14 %-60.9 N-23 %-5

Lhe(s) N-12 %-36.4 N-21 %-63.6 N-33 %-7.2

Total N-190 %-41.5 N-268 %-58.5 N-458

Fonte: (Retirado de BIAZOLLI, 2010, p.151).

Observando a tabela acima, podemos afirmar que os clíticos o(s)/a(s) e as

formas variantes (FV) favoreceram a próclise, enquanto os demais favoreceram a

ênclise, porém, com diferenças pouco acentuadas. Não podemos deixar de observar que,

aqui, diferentemente dos demais textos pesquisados pelos outros linguistas citados,

temos textos de jornais.

No que se refere ao contexto V1, nas gramáticas analisadas, Luft (2002)

afirma que a ênclise é a norma nesse contexto, em linguagem culta formal, e reduz a

próclise a um traço da fala brasileira popular e familiar, utilizada apenas em textos

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escritos quando se queira “evocar a fala”(p.39), o que já vimos que não se sustenta

conforme estudos linguísticos apontados anteriormente. Após expor as regras, nas

observações finais, diz não ter nenhum sentido gramáticas brasileiras condenarem nossa

colocação, mas nem ele a assume em suas regras.

Em sua primeira regra, Bechara (2003) afirma não se iniciar período por

pronome átono: “Sentei-me, enquanto Virgília, calada, fazia estalar as unhas” (p.588).

Logo abaixo faz uma observação na qual afirma que essa regra não é respeitada em

nossa fala espontânea e que alguns escritores modernistas exageraram ao tentar estender

essa colocação a todos os pronomes clíticos, pois a próclise a V1 não ocorreria com os

clíticos o(s)/a(s). Ainda afirma que, depois disso, somente Mário de Andrade insistiu

nesse uso. Continuando nas observações, afirma que o pronome átono, em início de

período, aparece em frases populares cristalizadas, como em “T’esconjuro!...sai,

diabo!...” (p.588).

Cunha e Cintra (2008) não falam diretamente que não se deve iniciar o

período com pronome oblíquo átono, como os outros gramáticos. Porém, afirmam ser a

ênclise a posição normal de colocação e trazem como exemplo dessa afirmação um caso

de ênclise a V1: “Agarraram-na conseguindo, a muito custo, arrastá-la do quarto.”

(p.323). Após exporem as regras de colocação pronominal, os gramáticos iniciam uma

seção intitulada A colocação dos pronomes átonos no Brasil (p.330), na qual afirmam

que a próclise em início de período (e os dois outros contextos estudados) é

característica do português do Brasil e das Repúblicas africanas, especialmente com o

pronome me: “– Me desculpe se falei demais.” (p.331).

Rocha Lima (2010), assim como os demais, afirma ser a ênclise a posição

normal de colocação dos pronomes átonos, apresentando o início de período ou de

oração como um dos casos em que se deve utilizar essa colocação: “Ordeno-lhe que

saia imediatamente./ Criei-o, dei-lhe o meu nome, tornei-o um cidadão útil à

sociedade.” (p.543).

Após o exposto, podemos dizer que, na análise da variação próclise/ênclise

em início de período sem fator de próclise, observamos nos dados de Schei (2003) e

Martins (2012) um grande crescimento da próclise, embora a predominância ainda seja

de ênclise. Biazolli (2010) analisou o contexto, levando em consideração inícios de

oração e não de período; acreditamos que isso se deu devido à falta de dados desse tipo

no corpus pesquisado pela autora, pois, dos exemplos que ela apresenta, nenhum é de

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início de período. Nesse caso, a predominância também foi de ênclise, mas não há

análise de dados sobre essa variação levando-se em consideração as mudanças no

decorrer do tempo, como encontramos em Schei e Martins, além do texto pesquisado

ser o jornalístico. O tipo de clítico usado mostrou-se relevante para a análise da variação

nesse contexto, segundo as pesquisas dos três linguistas.

As gramáticas analisadas não consideram a variação no contexto citado,

aceitando apenas a ênclise como norma. Porém, a maioria delas traz alguma observação

final sobre a próclise em início de oração ou período, reconhecendo essa colocação

como típica somente da fala do Brasil, desconsiderando os usos escritos. Em relação ao

tipo de clítico, apenas Bechara e Cunha e Cintra abordam, brevemente, o assunto. O

primeiro afirma que não ocorre próclise em início de oração/período com os clíticos

o(s)/a(s). O segundo afirma que essa colocação brasileira ocorre, principalmente, com o

clítico me.

Passaremos agora para a análise da variação próclise/ênclise depois de

sujeitos.

3.2.3 Os padrões de colocação depois de sujeitos (SV)

Ao analisar o contexto SV, no qual S é um sujeito sem fator de próclise,

Schei observa os seguintes resultados apresentados na tabela abaixo:

Tabela 5: Frequência de próclise e ênclise no contexto SV

Autor Total Próclise Ênclise

Dourado 117 114 (97%) 3 (3%)

Fonseca 148 97 (66%) 51 (34%)

Luft 76 64 (84%) 12 (16%)

Montello 38 32 (84%) 6 (16%)

Queiroz 161 141 (88%) 20 (12%)

Scliar 87 54 (62%) 33 (38%)

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Total 627 502 (80%) 125 (20%)

Fonte: (Adaptado de SCHEI, 2003, p.173)

Nesse contexto, a frequência da próclise é muito alta em todos os autores e

com todos os pronomes, como podemos observar na tabela abaixo:

Tabela 6: Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto SV

Pronome Dourado Fonseca Luft Montello Queiroz Scliar Total

Me 100%

(75/75)

75%

(62/83)

100%

(40/40)

86%

(18/21)

100%

(65/65)

93%

(27/29)

92%

(287/313)

Nos 100%

(4/4)

67%

(2/3)

– 100%

(1/1)

100%

(5/5)

100%

(3/3)

93%

(15/16)

O 86%

(6/7)

71%

(10/14)

80%

(4/5)

100%

(4/4)

80%

(4/5)

19%

(3/16)

72%

(31/51)

Lhe 80%

(8/10)

67%

(2/3)

– 33%

(1/3)

94%

(16/17)

54%

(7/13)

65%

(34/46)

Se 100%

(21/21)

47%

(21/45)

65%

(20/31)

89%

(8/9)

74%

(51/69)

54%

(14/26)

71%

(135/201)

Fonte: (Adaptado de SCHEI, 2003, p.160).

A autora constata também que o tipo de sujeito interfere na colocação do

clítico: o sujeito pronominal favorece a próclise mais que o sujeito nominal. Por sujeito

nominal, a autora entende os sujeitos formados de “nome próprio; pronome

demonstrativo; substantivo precedido de artigo definido, artigo indefinido, pronome

demonstrativo ou pronome possessivo; sintagmas nominais mais pesados” (SCHEI,

2003, p. 174).

Já Martins (2012) considera os seguintes tipos de sujeito em sua análise:

“(a) sujeitos DPs simples, (b) sujeitos pronomes pessoais, (c) sujeitos DPs complexos –

incluindo uma relativa, (d) pronomes demonstrativos e (e) uma forma de tratamento”

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(p.82). O quadro abaixo apresenta os dados obtidos por Martins relativos à próclise no

contexto SV:

Tabela 7: Frequência de próclise a SV a partir do ano de nascimento dos autores

Autor/ano de nascimento Frequência de próclise a SV

Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865) 25% (27/106)

José C. de Lacerda Coutinho (1841-1902) 28% (10/36)

Arthur Cavalcanti do Livramento (1853-1897) 44% (8/18)

Antero dos Reis Dutra (1855-1911) 38% (3/8)

Horácio Nunes (1855- 1919) 28% (20/72)

Joaquim Antonio de S. Thiago (1856-1916) 61% (14/23)

Ildefonso Juvenal (1884-1965) 56% (22/39)

Nicolau Nagib Nahas (1898-1934) 67% (26/39)

Ody Fraga (1927-1987) 100% (4/4)

Mário Júlio Amorim (1939-) 100% (9/9)

Ademir Rosa (1950-1997) 97% (32/33)

Antônio Cunha (1961-) 97% (34/35)

SulangerBavaresco (1969-) 100% (31/31)

Total 64% (240/453)

Fonte: (Adaptado de MARTINS, 2012, p. 113)

Analisando a tabela anterior, fica claro o crescimento da próclise nesse

contexto, que começa com 25% nos textos de Álvaro Augusto Carvalho e chega a 100%

nos textos de Sulanger Bavaresco.

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Sobre esse contexto, duas das gramáticas tradicionais citadas (LUFT, 2002;

BECHARA, 2003) não trazem qualquer regra específica, ficando subentendido que a

regra aplicada é a geral na qual o uso normal é a ênclise, já que sujeitos não são

elementos que justifiquem a próclise.

Assim como Luft e Bechara, Cunha e Cintra (2008) não fazem nenhuma

referência explícita a esse contexto, porém, por duas vezes, ilustram outras regras de uso

do pronome proclítico em orações iniciadas por sujeito pronominal, especificamente,

iniciadas por eu. O primeiro exemplo aparece quando os autores apresentam as três

possibilidades de colocação dos pronomes átonos. Ao afirmar que, entre outras

posições, o clítico pode vir proclítico ao verbo, eles trazem o seguinte exemplo: “Eu me

calei.” (p.323). Depois, nas suas regras gerais, quando falam da colocação com verbos

no futuro do presente ou do pretérito, trazem, entre outros, os seguintes exemplos: “Eu

me calarei./ Eu me calaria.” (p.324). No segundo caso, a próclise estaria justificada

pelo verbo no futuro, mas e no primeiro caso? Os autores não a justificam, apesar de

utilizá-la. Esse caso só aparece de forma explícita na seção A colocação dos pronomes

átonos no Brasil, na qual eles afirmam que há “preferência pela próclise nas orações

absolutas, principais e coordenadas não iniciadas por palavra que exija ou aconselhe tal

colocação” (p.331). Os três exemplos que são apresentados ilustram o contexto SV:

“– Se Vossa Reverendíssima me permite, eu me sento na rede. /O usineiro nos

entregava o açúcar pelo preço do dia... / A sua prima Júlia, do Golungo, lhe mandou

um cacho de bananas.” (p.331).

Rocha Lima (2010) é o único autor que traz, de forma explícita, uma regra

para esse caso. Diz que se o sujeito (substantivo ou pronome) vier imediatamente antes

do verbo, tanto em orações afirmativas quanto interrogativas, o uso normal é a ênclise:

“O combate demorou-se./ Deus chamou-o para si./ Desde então, ele afastou-se de

nossa casa./ Os dois amavam-se.” (p.544). A exceção seriam sujeitos de significação

negativa.

Diante do que foi dito, constatamos em Schei e Martins uma forte

predominância de próclise no contexto SV. O tipo de sujeito foi observado pelos

pesquisadores, sendo apontado como fator relevante para uso na colocação. As

gramáticas mostraram-se confusas nesse caso. Em duas delas, esse contexto não é

sequer comentado. Em outra, apesar de não aparecer, explicitamente, nas regras, ele

aparece em exemplos de outros contextos, particularmente com sujeito pronominal eu.

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Apenas uma traz, de forma clara, uma posição para esse caso: o uso normal seria de

ênclise. Diante das observações feitas, fica clara a omissão das gramáticas tradicionais

nesse caso.

3.2.4 Os padrões de colocação nos complexos verbais (V1V2)

Os complexos verbais são estruturas que se constituem de mais de um

verbo, sendo que o último deles é uma forma não finita (infinitivo, particípio e

gerúndio). O outro verbo é um verbo finito, ou seja, conjugável, que pode ser um verbo

pleno que seleciona um argumento interno infinitivo (complexo bioracional) ou um

verbo auxiliar. Segundo Perini (2002), são poucos os verbos auxiliares em português.

Seriam eles: ir (+ infinitivo); ter, haver (+ particípio); estar, vir, ir, andar (+ gerúndio);

ser, estar (+ particípio) nas construções passivas; e os modais e aspectuais poder, dever,

acabar de, deixar de, começar a, continuar a, ter de/que, haver de/que, todos seguidos

de infinitivo. Perini afirma que os auxiliares não apresentam traços próprios de

transitividade; é o verbo temático (ou principal) que vai selecionar os argumentos

verbais. Se o complexo tiver mais de dois verbos, o primeiro aparece conjugado e os

outros seguem uma ordem rígida: infinitivo – gerúndio – particípio.

Quando falamos de colocação pronominal em complexos verbais, deixamos

de ter duas variantes, como nos contextos anteriores, para termos, a depender do

pesquisador, três: antes, no interior e depois do complexo; quatro: antes e depois do

primeiro verbo, antes e depois do segundo verbo; ou cinco: antes e depois do primeiro

verbo, antes e depois do segundo verbo, e uma colocação ambígua entre depois do

primeiro verbo ou antes do segundo, conforme os exemplos abaixo:

(1) Três variantes:

(a) Eu lhe quero encontrar. (posição pré-complexo verbal)

(b) Eu quero-lhe encontrar./ Eu quero lhe encontrar. (posição intra-

complexo verbal)

(c) Eu quero encontrar-lhe. (posição pós-complexo verbal)

(2) Quatro variantes:

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(a) Eu lhe quero encontrar. (próclise a V1)

(b) Eu quero-lhe encontrar. (ênclise a V1)

(c) Eu quero lhe encontrar. (próclise a V2)

(d) Eu quero encontrar-lhe. (ênclise a V2)

(3) Cinco variantes:

(a) Eu lhe quero encontrar. (próclise a V1)

(b) Eu quero-lhe encontrar. (ênclise a V1)

(c) Eu quero muito lhe encontrar. (próclise a V2)

(c) Eu quero lhe encontrar. (construção ambígua)

(e) Eu quero encontrar-lhe. (ênclise a V2)

Sobre a realização dessas variáveis no PB, temos muitos estudos

interessantes.

Schei (2003) afirma que, em geral, temos quatro possibilidades de

colocação pronominal: próclise ou ênclise ao verbo auxiliar e próclise ou ênclise ao

verbo principal. Fogem a essas possibilidades as construções passivas com ser e

particípio, as locuções em que o clítico se é indeterminador e a construção formada de

auxiliar + particípio.

No corpus analisado, um dado interessante constatado em relação à próclise

a V1 foi o de que os elementos que a motivaram com formas verbais finitas não foram

os mesmos que motivaram a próclise a V1 nos complexos. Os elementos proclisadores,

nos dados analisados, foram segundo Schei: “negação, advérbio proclisador, pronome

indefinido, oração interrogativa iniciada por palavra interrogativa, oração subordinada e

oração coordenada a subordinada” (SCHEI, 2003, p. 216).

Sobre as posições intra-complexo, a pesquisadora afirma que a próclise ao

verbo principal é uma inovação do PB. Quanto aos casos ambíguos, não é descartada a

possibilidade de erro tipográfico; porém, a autora parte do pressuposto de que não haja

erros no corpus analisado. A maioria dos casos de ênclise ao verbo auxiliar se deu em

complexos formados de auxiliar + particípio e auxiliar + gerúndio; com auxiliar +

infinitivo, essa colocação é quase inexistente. Então, a autora conclui que é o tipo de

complexo que vai determinar se temos ênclise ao auxiliar ou não. Os complexos

formados de auxiliar + particípio e auxiliar + gerúndio favorecem o uso do clítico junto

ao auxiliar, seja encliticamente ou procliticamente, o que não ocorre com os complexos

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formados por auxiliar + infinitivo. Devido a essas particularidades da colocação dos

clíticos a depender do tipo de complexo verbal, Schei analisa algumas construções

complexas detalhadamente: as passivas formadas de ser + particípio, complexos com o

pronome se indeterminador, e os outros complexos formados de auxiliar + particípio,

auxiliar + gerúndio, auxiliar + infinitivo e auxiliar com preposição+ infinitivo.

Em relação às construções passivas com o auxiliar ser + particípio, a autora

aponta escassez de análises específicas sobre esse tipo de construção, que é comumente

incluída nas análises de locuções verbais com os auxiliares ter e haver, ou em análises

de outras locuções verbais, como se não houvesse diferença. Segundo a autora, no PB,

essas construções têm um comportamento particular: o pronome clítico está sempre

proclítico ou enclítico a V1(ser); já nas construções de ter/haver + particípio, o clítico é

comumente proclítico ao particípio, mesmo sem a presença de elementos que

justifiquem a próclise. Eis os exemplos apresentados por Schei para mostrar essas

diferenças:

(1) ser + particípio:

“[...], parte do episódio do Sindicato dos escritores já me fora contada por

Veronika ou por Gurian.” (FONSECA, 1992, p. 158 apud SCHEI, 2003, p.219).

“Mas esse me foi entregue à mão, de noite, no alpendre escuro.”

(QUEIROZ, 1989, p. 26 apud SCHEI, 2003, p.219).

(2) ter/haver + particípio:

“Será que desconfiava que eu havia me apoderado ilegalmente das gemas?”

(FONSECA, 1992, p. 42 apud SCHEI, 2003, p.219).

“Acho que ainda não tinha se recomposto, [...]” (QUEIROZ, 1989, p. 94

apud SCHEI, 2003, p.219).

Os dois últimos exemplos mostram que, mesmo com a presença de fatores

de próclise, se deu a próclise ao verbo temático e não ao auxiliar. Já nos casos de ser +

particípio, em todas as ocorrências no corpus analisado, foram encontradas somente

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próclises ao verbo auxiliar, tanto com fator de próclise como sem ele. Então é verificado

que

(a) Em casos sem nenhum fator de próclise, a próclise ao auxiliar

pode ocorrer em ser + part mas dificilmente ocorre em ter/haver +

part.

(b) Em casos com um fator de próclise, a próclise ao auxiliar é

categórica em ser + part mas nem sempre ocorre em ter/haver + part.

(c) Na construção ser + part, quando o pronome está entre os dois

verbos, está sempre ligado ao auxiliar com um hífen (p. ex. foi-me

dado e não foi me dado). (SCHEI, 2003, p.220).

Martins (2012), ao analisar os padrões de colocação pronominal em

complexos verbais em peças teatrais brasileiras, extraiu uma amostra de 553 orações

com cinco variantes para a colocação dos clíticos assim distribuídas: 155 estruturas de

próclise a V1, 33 estruturas de ênclise a V1, 219 estruturas de ênclise a V2, 88

estruturas ambíguas, ou seja, em que não há certeza se o pronome está enclítico a V1 ou

proclítico a V2, e 58 estruturas com material interveniente entre V1 e V2, o que não

deixa dúvidas de que o pronome está proclítico a V2.

Em relação ao primeiro verbo do complexo, o autor observou uma queda no

uso de ênclises e um aumento no uso de próclises nos textos dos autores do século XX.

Em relação ao segundo verbo do complexo, o autor também observou uma queda no

uso de ênclises, e um aumento na variante inovadora do PB – próclise a V2 – nos textos

dos autores do século XX; porém, afirma o autor que essa inovação já pode ser atestada

em textos do século XIX. Comparando a próclise a V2 nos complexos verbais ao

contexto de próclise em início de período, Martins considera que aquele não seria um

contexto sociolinguisticamente marcado como este. Isso justificaria a maior recorrência

de próclises a V2 nos complexos verbais que próclises em início de período. Listo, a

seguir, alguns dos exemplos que o autor encontra, em sua análise, das cinco variantes:

(1) cl V1 V2 (próclise a V1)

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a) E agora ouçam mais: o patrão fez duas viagens conosco a Lisboa e

ultimamente cai doente de bexigas, mas o Raimundo trata-o como

filho, quando todos fugiam do pobre velho, com medo da peste: morre

o velhote, que era pé de boi e nunca SE tinha atravancado com rabos

de saia, com perdão da Sora Ùrsula e do mais mulherio...

[CARVALHO, 1829]

b) Se eu não tivesse hoje comido não O estava agora aturando!

[COUTINHO, 1841]

c) A escada podia ser mais curta... Apre! Fez-me cansar! (...) Sr.

André Bastos!... Ainda não veio... Admira! Ele, tão pontual... Ter-lhe-

á sobrevindo algum embaraço... Contudo não SE pôde demorar...

Ecploremos no entanto meus futuros domínios... [COUTINHO,

1841](MARTINS, 2012, p. 174)

(2) V1-cl V2 (ênclise a V1)

c) O que posso dizer-te é que ele mostrava ter-me amizade. Fazia tudo

quanto podia para agradar-me. O meu médico tinha-MEaconcelhado

os passeios a cavalo. Como eu era muito medrosa, ele tomava-o pelas

rédeas e ia comigo, a pé, léguas inteiras. Qualquer escravo da fazenda

me poderia fazer esse serviço, mas ele não o consentia. [COUTINHO,

1841]

d) Ah, que se fosse em mim, tinha-A engolido sem achar uma

espinha! [NUNES, 1855]

e) A insaciável ambição, os perversos instinctos desse irmão

roubaram-me tudo: a honra, o futuro e a adorada esposa e, sobretudo,

a innocente filhinha! Minha filha! Em vão tenho-ME esforçado em

procurar reconher o logar certo onde a confiei a Providencia.

[THIAGO, 1856] (MARTINS, 2012, p. 175)

(3) V1 V2-cl (ênclise a V2)

a) Previno-te que o senhor D. Luis vem cumprimentar-NOS, e que

pediu-me licença para apresentar-nos um amigo. [CARVALHO, 1829]

b) Matilde – Porém... deze... Qual é o expediente que escolheste! /

Eugênia – Ei-lo; confessar-lhe tudo; dizer-lhe que não podes fazer a

sua felicidade, nem recebê-la das mãos dele... Que o não amas e que

amas a outro... Ele ama-te e tem um grande coração. Sofrerá, mas

saberá calar-se. Partirá, deixando livre para entregar-se a outro esse

coração que se fecha para ele. Bem o vês... Não pode ser mais

simples, nem mais fácil... Quanto ao resultado, creio que posso

assegurar-TO... [COUTINHO, 1841]

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c) Com que então pretendende fazer-me engulir a pillula pouco a

pouco, hein?... Não será má a pilula que vou administrar-LHES.

[LIVRAMENTO, 1853] (MARTINS, 2012, p. 176)

(4) V1 cl V2 (construções ambíguas)

a) Chegue-se pra li! Quero LHE dizer quem sou eu, já que é tão

esquecido: alembra-se do João André? [CARVALHO, 1829]

b) Nunca, impossível? Porque? Sim, porque? Isso é o que nós

veremos... Oh, que idéia! Vou escrever ao vizinho Mathias. Elle disse

que tinha um plano. Vou LHE pedir que venha quanto antes!

[LIVRAMENTO, 1853]

c) Socorro! Socorro! Querem ME casar! Querem me casar! [NUNES,

1855] (MARTINS, 2012, p. 181)

(5) V1 (X) cl-V2 (próclise a V2)

a) Mas, senhor... Isso vai ME comprometer... e eu que espero...

[COUTINHO, 1841]

b) Silvério –Diz-ME uma cousa, Turibia; como é que este menino

sahio assim ruivo, sendo eu tão moreno? / Turibia – Não posso TE

explicar! Caprichos da natureza! [LIVRAMENTO, 1853]

c) Pois bem, minha boa Clarinda. Estamos pobres. Não tenho TE dito

para poupar te desgostos. Perdoa-me se é erro occultar a desgraça a

quem amamos. [DUTRA, 1855] (MARTINS, 2012, p. 178).

Os exemplos de Martins aqui expostos só representam uma pequena parte

de seu corpus. Com eles, fica clara a distinção das cinco variantes analisadas pelo autor.

Outro trabalho importante sobre a posição dos clíticos nos complexos

verbais é o de Biazolli (2010; 2012). A pesquisadora analisa três variantes na posição

dos clíticos nos complexos verbais: clítico em posição pré-complexo verbal (cl V1 V2),

clítico em posição intra-complexo verbal (V1 cl V2) e clítico em posição pós-complexo

verbal (V1 V2 cl).

Nos textos paulistanos, 199 ocorrências são de ênclise ao complexo; 118 são

de posição intra-complexo verbal, não se separando aqui a ênclise a V1 da próclise a

V2; e 146 ocorrências de ênclise ao complexo. Os dados rioclarenses totalizam 47

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pronomes enclíticos ao complexo, 29 em posição intra-complexo e 44 enclíticos ao

complexo.

Na sequência da pesquisa, os dados são analisados a partir das seguintes

variáveis: (i) gênero textual (ii) forma verbal de V2, (iii) presença ou ausência de

elemento proclisador na oração e (iv) tipo de complexo verbal. Os gêneros textuais

analisados foram os seguintes: edital, editorial, notícia, nota, comentário, aviso, artigo,

resenha ou crítica, crônica, carta do leitor, anúncio e classificados.

Nos textos de São Paulo, os gêneros editorial, notícia, edital, artigo, carta do

leitor e comentário tiveram uma predominância de próclise ao complexo. Nos avisos e

nas notas, predominou a ênclise ao complexo. Apenas nos classificados a posição

predominante foi a intra-verbal. Já nos textos de Rio Claro, houve predominância de

próclise ao complexo nos editais e nos anúncios. A ênclise ao complexo predominou

nas notícias. As notas tiveram o mesmo percentual de próclise e ênclise ao complexo;

nas cartas de leitores a predominância foi de posição intra-complexo.

Observando a forma verbal de V2, Biazolli analisou uma amostra de 568

dados – 463 em jornais paulistanos e 105 em jornais rioclarenses (com 4 dados

excluídos). Os resultados foram os seguintes: nos dados de São Paulo, quando V2 era

um verbo no infinitivo, a predominância foi de ênclises ao complexo(42,6%); quando

V2 era um gerúndio, a predominância foi de próclises ao complexo (54,5%); e quando

V2 era uma forma verbal de particípio, a predominância também foi de próclises ao

complexo (72,5%). Nos dados de Rio Claro, V2 assumiu apenas duas formas –

infinitivo e particípio, com predominância de ênclises ao complexo com V2 no

infinitivo (46,9%) e de próclises (60%) quando V2 era um particípio. Casos de ênclises

ao complexo, quando V2 era um particípio, não foram encontrados em nenhum dos

locais pesquisados.

Esses dados analisados a partir da presença ou não de elemento proclisador

apontaram que a presença de tal elemento motivou a predominância da posição pré-

complexo verbal em ambas as localidades e a ausência desse elemento aumentou as

ocorrências das outras duas variantes – intra e pós-complexo. Apesar da presença de

elementos que justificariam a posição cl V1V2, foram encontrados dados de V1 cl V2 e

V1V2 cl, assim como foram encontrados dados em que a posição do clítico era cl V1V2

mesmo sem a presença dos proclisadores.

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Finalmente, em relação ao tipo de complexo verbal, Biazolli encontra os

seguintes resultados: quando o complexo é uma passiva do verbo ser, prevalece, com

alta frequência (87,2% nos textos paulistanos e 80% nos rioclarenses), a posição pré-

complexo verbal. A posição pós-complexo não é encontrada com esse tipo de

complexo. Em complexos formados de tempos compostos e estruturas aspectuais, os

jornais de São Paulo apontaram uma preferência por cl V1V2 (56%), enquanto, nos de

Rio Claro, predominou V1 cl V2 (42,1%). Quanto ao tipo perífrases verbais modais e

aspectuais, a predominância em ambas as localidades foi de V1V2 cl (51% em São

Paulo e 59,5% em Rio Claro). Nos complexos bioracionais, foi observado um bom

equilíbrio no uso das três variantes tanto em São Paulo quanto em Rio Claro, com leve

predominância de V1 cl V2 em São Paulo(34,3%) e de cl V1V2 em Rio Claro (41%).

Com o trabalho de Biazolli, observamos o quanto as variáveis gênero textual, forma

verbal de V2, presença ou ausência de elemento proclisador na oração e tipo de

complexo verbal interferem significativamente na posição do pronome clítico.

Passemos agora para as regras apresentadas pelas gramáticas em relação aos

complexos verbais.

Luft (2002) trata a questão de forma bem sintética. Afirma que o pronome

pode apoiar-se tanto no verbo auxiliar quanto no verbo principal e que devem-se

respeitar as regras para as construções simples. Logo após, traz os exemplos das quatro

variantes:

Quadro 2: Exemplos de colocação pronominal nos complexos segundo Luft

cl V1V2 Eu lhe quero falar. Eu lhe tenho falado. Eu lhe estou falando.

V1-clV2 Quero-lhe falar. (Eu) tenho-lhe falado. (Eu) estou-lhe falando.

V1clV2 Quero lhe falar. Tenho lhe falado. (Eu) estou lhe falando.

V1V2-cl Quero falar-lhe. inviável: *Tenho falado-lhe. (Eu) estou falando-lhe.

Fonte: (Adaptado de LUFT, 2002, p.40)

O gramático afirma que as construções V1-clV2 são tipicamente do PE e as

construções V1clV2, tipicamente do PB. Nesse caso, a colocação brasileira de próclise

ao verbo temático é aceita. O autor chama essa colocação de “pronome solto entre dois

verbos” (LUFT, 2002, p. 40).

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Prosseguindo com as regras apontadas por Bechara (2003), vejamos o

quadro abaixo que as sintetiza.

Quadro 3: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos complexos verbais

segundo Bechara (2003)

COMPLEXOS VERBAIS

Auxiliar + infinitivo ou gerúndio Auxiliar + particípio

- próclise ao auxiliar;

- ênclise ao auxiliar;

- ênclise ao verbo principal.

-próclise ao auxiliar;

- ênclise ao auxiliar.

Em suas observações, o autor ainda afirma que a próclise ao verbo principal

ocorre com muita frequência na fala dos brasileiros, mas que a gramática clássica ainda

não aceita essa colocação; a exceção seria se o infinitivo for precedido de preposição.

Ainda em relação às locuções com infinitivo, diz ser possível não seguir as regras das

formas finitas simples que impossibilitam a posposição de pronome átono em orações

subordinadas e com verbos modificados diretamente por advérbios ou precedido de

palavra de sentido negativo. Traz dois exemplos para ilustrar tal afirmativa: “Eu não

quero falar-lhe./ Espero que não queira falar-lhe.” (p.590). Comenta também sobre as

construções há-se de + infinitivo e há de se + infinitivo, afirmando ser esta última mais

corrente no PB, e a primeira mais usada no PE.

Bechara ainda afirma, em um “momento” à parte intitulado Posições fixas,

que, com gerúndio precedido da preposição em e nas orações exclamativas e optativas,

com verbo no subjuntivo e sujeito anteposto ao verbo, a tradição teria fixado a próclise.

Por Cunha e Cintra (2008), as regras apontadas para as locuções verbais são:

Quadro 4: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos complexos verbais

segundo Cunha e Cintra (2008)

COMPLEXOS VERBAIS

Verbo auxiliar + infinitivo ou gerúndio Verbo auxiliar + particípio

- ênclise ao infinitivo ou ao gerúndio;

- próclise ao auxiliar;

- ênclise ao verbo auxiliar.

- próclise ou ênclise ao verbo auxiliar.

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Após exporem as regras de colocação nos complexos, em sua seção A

colocação dos pronomes átonos no Brasil, os autores afirmam que a colocação

pronominal brasileira difere da portuguesa e, em alguns casos, se assemelha ao

português medieval e clássico. Nessa seção, Cunha e Cintra explicam como exemplo de

colocação do PB três casos, exatamente os três casos analisados por nós nesta pesquisa:

a) a próclise em início de oração (nesse caso, os autores destacam

principalmente o clítico me). Os exemplos que ilustram o caso são:

“– Me desculpe se falei demais./ Me arrepio todo.” (p.331).

b) a próclise em situações em que não há elemento proclisador que

justifique tal colocação ( os exemplos são casos de próclise depois de sujeitos). Eis os

exemplos:

– Se Vossa Reverendíssima me permite, eu me sento na rede./ O

usineiro nos entregava o açúcar pelo preço do dia, pagava a

comissão e armazenagem e nós especulávamos para as praças do Rio

e São Paulo./ – A sua prima Júlia, do Golungo, lhe mandou um

cacho de bananas. (CUNHA e CINTRA, 2008, p. 331).

c) a próclise ao verbo temático nos complexos, com os seguintes exemplos:

“Será que o pai não ia se dar ao respeito?/ – Não, não sabes e não posso te dizer mais,

já não me ouves./ Outro teria se metido no meio do povo, teria terminado com aquela

miséria, sem sangue./ Tudo ia se escurecendo.” (p.331).

Ainda em relação aos complexos verbais, Rocha Lima (2010) separa as

regras de acordo com a forma nominal apresentada pelo verbo temático. Esse autor,

assim como os anteriores, não admitea colocação brasileira de próclise ao verbo

temático, a menos que o verbo temático esteja no infinitivo precedido de preposição.

Quadro 5: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos complexos verbais

segundo Rocha Lima (2010)

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COMPLEXOS VERBAIS

Auxiliar + infinitivo Auxiliar + gerúndio Auxiliar + particípio

- ênclise ao infinitivo;

- ênclise ao auxiliar;

- próclise ao auxiliar;

- próclise ou ênclise ao

infinitivo precedido de

preposição.

- ênclise ao gerúndio;

- ênclise ao auxiliar;

- próclise ao auxiliar.

- ênclise ao auxiliar;

- próclise ao auxiliar.

Assim como os demais gramáticos já citados, Rocha Lima abre uma seção,

após suas regras, intitulada Interposição do pronome átono, na qual traz seus

comentários sobre a próclise ao verbo temático nos complexos verbais. O autor afirma

ser esse um caso de interposição do pronome oblíquo. O mais interessante, nesse caso, é

que Rocha Lima diz que essa colocação “é sintaxe brasileira que se consagrou na língua

literária, a partir (ao que parece) do Romantismo” (p. 549), e traz muitos exemplos

desse tipo de colocação em grandes autores de nossa literatura, porém não a admite em

suas regras, apesar de se propor a descrever a língua literária. Trago aqui os exemplos

citados pelo autor:

O morcego vem te chupar o sangue. (José de Alencar)

(...) estava se distanciando da outra... (Visconde de Taunay)

Vais te perder! (Olavo Bilac)

E foi nos mostrar um álbum de pintura inglesa... (Rachel de Queiroz)

Estou me afogando... (Carlos Drummond de Andrade)

Como teria se comportado aquela alma de passarinho diante do

mistério da morte? (Rachel de Queiroz)

Vivia sozinho, não quisera se casar. (José Lins do Rego) (ROCHA

LIMA, 2010, p. 549).

Em suma, podemos afirmar que os complexos verbais apresentaram

diversas possibilidades de análise e uma riqueza de detalhes que, certamente, sozinhos

renderiam uma relevante pesquisa. O primeiro fato interessante na análise da variação

da colocação pronominal nesse contexto é que saímos de uma possibilidade binária de

variação. Depois, encontramos três maneiras diferentes de analisar o caso:

considerando-se três variantes – Biazolli, quatro variantes – Schei, e, finalmente, cinco

variantes – Martins. O tipo de complexo foi constatado como influente na escolha da

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colocação e a próclise ao segundo verbo do complexo é apontada como inovação do PB.

As gramáticas tradicionais, porém, analisam a questão levando em consideração apenas

o tipo de V2 e consideram um erro a colocação brasileira apontada pelos linguistas

citados: a próclise a V2.

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Contrariamente ao que dizem as gramáticas citadas, temos, pelo menos,

duas novas gramáticas que sintetizam os resultados das diversas pesquisas linguísticas

sobre o PB, confirmando, no caso da colocação pronominal, os resultados apresentados

pelos linguistas citados. São elas a Nova gramática do português brasileiro de Ataliba

de Castilho e a Gramática do português brasileiro de Mário Perini. Castilho (2010)

aponta uma predominância da próclise no PB, diferente da colocação do PE, que é

predominantemente enclítica. Aponta também que a colocação dos clíticos no decorrer

da história do português sofreu variações, com predominância da ênclise até o século

XVI, depois o domínio da próclise até o século XVIII e, posteriormente, no PE, um

retorno do predomínio da ênclise. Perini (2010) também aponta como regra geral do PB

a colocação do pronome oblíquo antes do verbo principal. Ele afirma que a posição

normal do complemento ou objeto é depois do verbo, mas, quando esse complemento

ou objeto é um pronome oblíquo, sua posição é antes do verbo. Os estudos de Schei,

Martins e Biazolli mostraram, nos séculos XIX e XX, uma grande variação entre a

próclise e a ênclise nos contextos V1, SV e V1V2, porém com significativo destaque

para o crescimento da frequência de próclise e o consequente declínio da ênclise.

Já as gramáticas analisadas, em síntese, apontam, basicamente, as mesmas

regras de colocação pronominal, apesar de Luft e Bechara se proporem a descrever o

PB, e Cunha e Cintra e Rocha Lima descreverem tanto o PE quanto o PB.

Em relação às formas verbais finitas, portanto, as gramáticas consideram a

ênclise a posição “normal”, mas apontam vários tipos de contextos sintáticos em que

deve ser utilizada a próclise. Segundo essas gramáticas, a ênclise predomina nos

seguintes contextos de oração principal declarativa: (1) verbo em posição inicial (início

de período ou início de outra oração); (2) oração coordenada e (3) oração com verbo

precedido de um sujeito sem fator de próclise. No início de período, a ênclise é

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praticamente obrigatória, mas alguns gramáticos admitem a próclise em início de outra

oração, especialmente oração intercalada de citação. A próclise ocorre quando há oração

principal declarativa em que o verbo é precedido de algum elemento que obriga essa

ordem – negação, advérbio, pronome indefinido, as palavras ambos e mesmo. Também

ocorre próclise nas orações interrogativas, exclamativas, optativas, subordinadas e

coordenadas a subordinadas. Algumas dessas gramáticas observadas dão a entender que

o modelo de colocação pronominal exposto é o modelo de uma língua culta comum a

Portugal e ao Brasil, mas quase todas acrescentam separadamente algumas

singularidades do PB. A maioria delas assinala como apenas uma possibilidade a

próclise ao verbo principal nas locuções verbais e a ocorrência da próclise no início de

período.

Embora as gramáticas analisadas apontem que há divergências entre o PB e

o PE e procurem distinguir os casos em que essas divergências ocorrem, em suas regras

gerais, os referidos gramáticos não fazem referências à linguagem literária contra a

linguagem coloquial, nem apontam diferenças entre o PB e o PE, assumindo a ênclise

como regra básica, como posição normal para o uso do pronome clítico. Depois da

exposição das regras gerais, normalmente em observações ou em notas de rodapé,

apresentam a colocação pronominal brasileira e dizem que esta difere da portuguesa

principalmente na linguagem coloquial. Mostram também os três fatos característicos

do PB estudados em nossa pesquisa: a colocação do pronome em início de oração, a

preferência pela próclise de um modo geral, e a próclise ao verbo principal nas locuções

verbais (fatos sempre reconhecidos, entretanto, não assumidos).

As regras de colocação pronominal apontadas pela gramática tradicional

podem, em alguns casos, corresponder aos usos reais que os portugueses fazem dos

pronomes; porém, pudemos perceber, após os estudos linguísticos apresentados, que

não há, muitas vezes, correspondência dessas regras aos usos que os brasileiros fazem

da colocação desses pronomes, reforçando a necessidade de conhecermos melhor as

características do PB.

Toda essa contextualização teórica sobre o conflito entre a norma culta e a

norma gramatical de colocação dos pronomes clíticos é fundamental para dar suporte à

analise das possíveis contradições que a escola enfrenta ao avaliar esses padrões de

colocação.

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4 METODOLOGIA

4.1 INTRODUÇÃO

Conforme já foi dito, nosso trabalho tem o intuito de agregar conhecimento

às pesquisas já realizadas sobre a língua em uso em Natal, na medida em que objetiva

(i) verificar, mediante um teste de correção de sala de aula, o que professores de

português, da nossa cidade, corrigem diante de padrões de colocação dos pronomes

clíticos do PB culto; (ii) identificar, por meio de um teste de atitude,que atitudes esses

professores têm em relação às variantes próclise a V1, próclise depois de sujeito e

próclise ao segundo verbo do complexo em textos escritos escolares; e (iii) identificar,

por meio de um teste de atitude, que atitudes os professores têm em relação aos alunos

que utilizam as variantes citadas.

Partimos do pressuposto de que a aceitação/rejeição por parte de professores

aos padrões brasileiros de colocação pronominal deva ser analisada à luz do problema

da avaliação linguística proposto por WLH. Para observar as atitudes e correções de

professores em relação às construções brasileiras da colocação pronominal, utilizamos

testes de atitude e de correção de sala de aula (cf. LABOV, [1972], 2008). Após a

elaboração dos testes, visitamos algumas escolas selecionadas aleatoriamente e pedimos

aos professores de Língua Portuguesa que corrigissem um texto tendo em vista seus

aspectos sintáticos; depois, pedimos que respondessem ao teste de atitudes. A partir das

respostas dadas, do que os professores corrigiram ou não, aceitaram ou não como

padrões válidos de colocação pronominal, verificamos suas atitudes e respondemos às

questões fundadoras desta pesquisa.

Hora (2012) afirma que uma pesquisa voltada para atitudes linguísticas

possui três possibilidades metodológicas: (i) análise de conteúdo, (ii) medidas diretas e

(iii) medidas indiretas. Na análise de conteúdos, incluem-se pesquisas cujos métodos

são etnográficos, observacionais, com abertura também para a observação participante e

estudos de fontes de domínio público. Na abordagem direta, o pesquisador infere as

atitudes dos falantes da língua através de suas reações comportamentais em situações

reais e da análise de documentos. Nesse sentido, o pesquisador pode medir as atitudes

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com entrevistas ou questionários, sejam eles obtidos por meio de contato pessoal com o

informante ou a partir de respostas escritas. Na abordagem indireta, também conhecida

como paradigma de avaliação do falante, o informante avalia gravações de outros

falantes sem qualquer tipo de identificação pessoal ou social. Essa foi a técnica (já

citada no capítulo 1) realizada por Lambert(1975). Nesse tipo de pesquisa é possível

perceber impressões estereotipadas que um grupo social tem de outro.

A abordagem aqui utilizada foi a direta, que nos possibilitou perceber

atitudes gerais em relação à próclise em três contextos específicos já citados de

colocação pronominal: (i) em início de oração/período; (ii) em estruturas do tipo S cl-

V,em que S é um sujeito, e (iii) ao segundo verbo dos complexos verbais.

4.2 METODOLOGIA

Estabelecemos, primeiramente, que os sujeitos participantes dos testes, nas

escolas, seriam vinte professores de português do Ensino Fundamental e/ou do Ensino

Médio. Excluímos os alunos da participação nos testes, pois, como já dissemos, além do

teste de atitudes, aplicamos testes de correção de sala de aula. Desse modo,

esperávamos ter informantes cujos conhecimentos das regras de colocação pronominal

fossem maiores. Além disso, os nossos objetivos dizem respeito à atuação do professor

na sala de aula – suas correções, suas atitudes e as implicações das mesmas no processo

de ensino de gramática na escola e, mais especificamente, da colocação pronominal.

Optamos, também, por trabalhar com professores do Ensino Fundamental II e do Ensino

Médio para verificar o reconhecimento da variação linguística no ensino fora dos muros

da universidade. Excluímos os professores do Ensino Fundamental I, por julgarmos que,

nesse nível do ensino, ainda não se trabalha, de forma sistemática, a colocação

pronominal. A escolha da cidade de Natal-RN para a realização dos testes se deu na

tentativa de contribuir com as pesquisas linguísticas já feitas sobre a cidade, efetivando-

se um trabalho voltado para o problema da avaliação linguística.

Nas pesquisas de cunho variacionista encontradas na literatura, as variáveis

linguísticas para análises sobre atitudes são, normalmente, de cunho fonético/fonológico

(pelo menos nos poucos trabalhos encontrados sobre o tema no Brasil), mas nossas

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variáveis são de cunho sintático. Além de uma afinidade especial pelos aspectos

sintáticos da língua, nos intrigava o fato de, na escola, ter de corrigir, nos textos dos

alunos, a próclise nos contextos citados, pois tínhamos de ser coerentes com o que diz a

gramática tradicional, mesmo sabendo que esse padrão de colocação já está presente em

textos cultos. Essa nossa angústia teve seu auge quando, certo dia, nos deparamos na

UFRN com um cartaz de divulgação de um rico evento da área de Letras cujo título é

“Me ensina, me explica” e, imediatamente, pensamos que, se esse título fosse de um

texto de um aluno da escola básica, ele seria, muito provavelmente, a depender do

contexto de uso, corrigido. Em decorrência disso, resolvemos nos aprofundar nessa

temática que, dentro da universidade, parece estar clara (pelo menos em pesquisas em

sociolinguística): mesmo na linguagem culta, geralmente, iniciamos períodos por

pronome oblíquo átono3; utilizamos, preferencialmente, a próclise depois de sujeitos; e

nas locuções verbais, a colocação preferida é a próclise ao verbo temático. Seria um

caso generalizado ou majoritário, nas escolas, a correção da próclise nesses contextos,

ou seria apenas uma experiência localizada?

O estilo analisado nos testes foi o “Reading style” (LABOV, [1972], 2008)

no qual os entrevistados leem, neste caso, silenciosamente, um texto e uma lista de

palavras que adaptamos para uma lista de frases. O texto foi elaborado por nós e

contempla as variáveis em análise, entretanto, dissemos aos professores que o texto é de

um aluno cursante do Ensino Médio de uma escola pública de Natal. Pedimos que o

professor corrigisse o texto, observando apenas seus aspectos sintáticos, sendo

desnecessárias, então, correções ortográficas, de pontuação e do tipo discursivo-

textuais. Feita a correção do texto por parte dos professores (teste de correção de sala de

aula), entregamos o segundo teste (teste de atitude) composto por frases isoladas

elaboradas por nós e/ou retiradas de gramáticas e pesquisas linguísticas citadas nesta

pesquisa.Com esse último teste, verificamos se, do ponto de vista dos professores das

escolas, os padrões de colocação apresentados e os alunos que os utilizam são avaliados

negativa ou positivamente.

3 Pelo menos na fala culta do PB, a próclise em início de período já é um padrão. Na escrita,

acreditamos que esse contexto ainda seja, em certo aspecto, marcado, diferentemente da próclise depois

de sujeito e ao segundo verbo dos complexos verbais que já são o padrão culto na fala e na escrita.

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4.3 O TESTE DE CORREÇÃO DE SALA DE AULA

Nesse teste, verificamos se o professor corrige a próclise nos contextos

citados – V1, SV e V1V2 – ou se ele já não é sensível a essa colocação se não for

diretamente orientado a observá-la. O teste foi o seguinte:

Leia o texto abaixo, produzido por um estudante do Ensino Médio de uma escola

pública de Natal-RN e digitado por nós tal qual foi escrito. Faça, se houver necessidade,

correções do ponto de vista sintático. Não são necessárias correções ortográficas, de

pontuação ou discursivo-textuais. O enunciado dado para a produção do texto foi o

seguinte:

Produza um texto que fale um pouco sobre você, suas relações com a escola

e seus planos para o futuro.

Sou uma pessoa muito estudiosa e consciente da importância do meu papel

na sociedade. Me vejo como alguém que tem um futuro bom pela frente. Tenho uma

boa relação com meus amigos Carlos, Mariana, Flávio e Andressa. Neste ano, vamos

nos encontrar sempre para estudar, porque meus amigos querem passar no vestibular

também. Eu e meus amigos nos entendemos muito bem, por isso dá pra estudarmos

juntos de forma prazerosa, assim, essas amizades estão me fazendo muito bem,

inclusive, um de meus amigos até ganhou um prêmio aqui na escola por dedicação aos

estudos – o prêmio foi lhe dado pessoalmente pelo diretor. [...]

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3.3 OS TESTES DE ATITUDE

Nos testes de atitude, pedimos que o professor explicitasse seu julgamento,

por meio de uma escala de diferencial semântico de sete pontos (cf. AL-HINDAWE,

1996), tanto das variantes estudadas nesta pesquisa, quanto dos alunos que as utilizam.

As escalas são compostas de características, selecionadas previamente em um pré-teste,

e seus antônimos. Com esse teste, nosso intuito era verificar, do ponto de vista dos

professores das escolas, se os padrões de colocação apresentados são aprovados ou

reprovados, ou seja, se eles avaliam positivamente ou negativamente as construções

apresentadas e em que medida essa avaliação se reflete na avaliação do estudante. Como

já foi dito, as frases contemplaram a próclise nos seguintes contextos: V1, SV e V1V2.

Verificamos o julgamento dos professores em relação ao estudante usando

as categorias de status (de nível alto de escolaridade – de nível baixo de escolaridade, de

classe social média/alta – de classe social baixa, instruído –sem instrução) e de

competência (atento – desatento, competente – incompetente, inteligente – menos

inteligente, esforçado – não esforçado). Para o julgamento das variantes, utilizamos a

categoria solidariedade (feia – bonita, desagradável – agradável, incorreta – correta,

adequada – inadequada, cuidada – descuidada).

Eis os testes:

É comum fazermos julgamentos em relação às pessoas por meio da

observação de seus usos linguísticos; isso inclui o julgamento que fazemos de nossos

alunos. Suponha que as frases abaixo foram utilizadas por diferentes estudantes em seus

textos escolares escritos e, tendo em vista a colocação pronominal, aponte suas

impressões sobre esses alunos. Abaixo de cada frase produzida por um estudante você

encontrará sete características seguidas de uma escala numérica de 1 a 7 e de seus

antônimos. Marque uma nota de 1 a 7 para cada aluno a partir das características

expressas. As impressões mais positivas devem apontar para os números 1, 2 e 3;

impressões neutras devem ser expressas pelo número 4; e as impressões negativas se

localizam à direita e são expressas por meio dos números 5, 6 e 7.

Ressaltamos que não buscamos respostas certas ou erradas, mas, sim, as

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suas impressões formadas sobre o aluno, por meio da observação de sua colocação

pronominal; sendo assim, pedimos que seja o mais sincero e que não troque opiniões

com outros participantes da pesquisa.

JULGAMENTO EM RELAÇÃO AO ALUNO

Aluno 1, que utiliza a seguinte colocação:

Eu quero lhe falar.

De nível alto de escolaridade( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De nível baixo de

escolaridade

De classe social média/alta ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De classe social baixa

Instruído( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Sem instrução

Competente( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Incompetente

Atento ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desatento

Inteligente ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Menos inteligente

Esforçado ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Não esforçado

Aluno 2, que utiliza a seguinte colocação:

Se eu não gostasse de ti, não estava te aturando.

De nível alto de escolaridade( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De nível baixo de

escolaridade

De classe social média/alta ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De classe social baixa

Instruído( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Sem instrução

Competente( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Incompetente

Atento ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desatento

Inteligente ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Menos inteligente

Esforçado ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Não esforçado

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Aluno 3, que utiliza a seguinte colocação:

Paulo se esquece facilmente de nomes de pessoas.

De nível alto de escolaridade( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De nível baixo de

escolaridade

De classe social média/alta ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De classe social baixa

Instruído( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Sem instrução

Competente( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Incompetente

Atento ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desatento

Inteligente ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Menos inteligente

Esforçado ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Não esforçado

Aluno 4, que utiliza a seguinte colocação:

Nos encontraremos à tarde.

De nível alto de escolaridade( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De nível baixo de

escolaridade

De classe social média/alta ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De classe social baixa

Instruído( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Sem instrução

Competente( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Incompetente

Atento ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desatento

Inteligente ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Menos inteligente

Esforçado ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Não esforçado

Aluno 5, que utiliza a seguinte colocação:

Eu tenho te encontrado sozinho.

De nível alto de escolaridade( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De nível baixo de

escolaridade

De classe social média/alta ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) De classe social baixa

Instruído( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Sem instrução

Competente( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Incompetente

Atento ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desatento

Inteligente ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Menos inteligente

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Esforçado ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Não esforçado

Apresente, também, seu julgamento em relação à colocação pronominal

utilizada. As impressões mais positivas devem apontar para os números 1, 2 e 3;

impressões neutras devem ser expressas pelo número 4; e as impressões negativas se

localizam à direita e são expressas por meio dos números 5, 6 e 7.

Ressaltamos que não buscamos respostas certas ou erradas, mas sim, as suas

impressões formadas sobre a próclise nos contextos apresentados; sendo assim,

pedimos que seja o mais sincero e que não troque opiniões com outros participantes da

pesquisa.

JULGAMENTO DA PRÓCLISE

Colocação 1 – próclise ao infinitivo da locução verbal:

Aquele senhor veio nos cumprimentar.

Bonita( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Feia

Certa( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Errada

Adequada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Inadequada

Agradável( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desagradável

Cuidada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Descuidada

Colocação 2 – próclise ao gerúndio da locução verbal:

Eu venho me esforçando muito no trabalho.

Bonita( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Feia

Certa( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Errada

Adequada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Inadequada

Agradável( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desagradável

Cuidada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Descuidada

Colocação 3 – próclise ao particípio da locução verbal:

O meu médico tinha me aconselhado a descansar.

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Bonita( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Feia

Certa( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Errada

Adequada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Inadequada

Agradável( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desagradável

Cuidada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Descuidada

Colocação 4 – próclise depois de sujeito:

A professora nos ensinava com carinho facilmente de nomes de pessoas.

Bonita( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Feia

Certa( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Errada

Adequada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Inadequada

Agradável( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desagradável

Cuidada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Descuidada

Colocação 5 – próclise em início de período:

Lhe ordeno que saia.

Bonita( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Feia

Certa( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Errada

Adequada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Inadequada

Agradável( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Desagradável

Cuidada( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) ( 6 ) ( 7 ) Descuidada

Para a interpretação dos testes de atitude, foi necessária a aplicação de

alguns testes estatísticos. Estes podem ser divididos em dois grandes grupos: os

paramétricos e os não-paramétricos. A estatística paramétrica, em geral, possui testes

mais poderosos; porém, para que esses sejam utilizados, é necessário que o objeto de

estudo (população) possua certas características, ou seja, é preciso ter distribuição

normal, ou aproximadamente normal, e que a amostra não seja muito pequena.

Nesta pesquisa, para a leitura dos dados, fizemos testes não-paramétricos,

que são usados quando os dados não atendem às condições exigidas pelos testes

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paramétricos. As estatísticas dos testes não-paramétricos não dependem diretamente dos

valores das observações, mas sim de outras características, como por exemplo, a relação

de ordem e a graduação das observações.

Seja na estatística paramétrica ou na não-paramétrica, há testes

especificamente destinados a amostras independentes entre os fatores de variação e

outros para amostras pareadas entre esses mesmos fatores. Entre os testes não-

paramétricos, fizemos uso do de Wilcoxon e do de Friedman, ambos usados para testar

se há diferença significativa entre os tratamentos (ou grupos). É necessário que a

variável testada seja quantitativa ou medida em escala ordinal.

O teste de Friedman (análise de variância de um fator para grupos

dependentes) é a versão não-paramétrica, ou seja, uma alternativa à ANOVA (teste

paramétrico) para amostras dependentes. É utilizado para testar a hipótese nula, que

afirma que as médias populacionais são as mesmas para três ou mais grupos,sendo

assim, uma generalização do teste Wilcoxon. No nosso caso, a hipótese nula seria a de

que as atitudes às variantes de colocação pronominal e aos alunos que as utilizam

seriam, em geral, as mesmas. Com o teste de Friedman, encontramos o valor-p, que é a

probabilidade de os resultados observados serem verdadeiros, sob a hipótese nula, ou

seja, é a probabilidade de os resultados estatísticos terem ocorrido caso a hipótese nula

fosse verdadeira. Para que o valor-p seja significativo, é necessário que seja menor que

o nível de significância, que, neste caso, será de 0,05 (5%). Encontrado esse resultado, é

aplicado o teste de Wilcoxon, que, comparando os grupos dois a dois, objetiva

identificar entre quais houve diferença. Ele é usado quando temos medições repetidas de

uma amostra, mas a população original não tem necessariamente o formato de uma

normal. Neste trabalho, serão usados os testes não-paramétricos pelo fato de o tamanho

da amostra ser pequeno.

Os softwares usados foram o Excel 2007 para organização e o SPSS versão

17.0 para execução dos testes. Todos os resultados obtidos nos testes possuem nível de

confiança estatística de 95%.

Após a exposição da metodologia da pesquisa, apresento a descrição e a análise

dos resultados no próximo capítulo.

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5 ATITUDES LINGUÍSTICAS EM ESCOLAS POTIGUARES

5.1 INTRODUÇÃO

Apresentaremos, neste capítulo, a descrição e análise dos dados relativos ao

teste de correção de sala de aula, ao teste de atitude em relação à próclise em início de

oração – V1 –, à próclise depois de sujeito – SV – e à próclise ao segundo verbo dos

complexos verbais – V1V2 –, e ao teste de atitude em relação ao aluno que utiliza as

variantes citadas de colocação pronominal.

5.2 RESULTADOS DO TESTE DE CORREÇÃO DE SALA DE AULA

Retomando o que foi dito na introdução de nossa pesquisa, este teste teve

por objetivo verificar se os professores de português corrigem a próclise em início de

período, a próclise depois de sujeitos e a próclise ao verbo temático nos complexos

verbais; ou seja, verificar se a próclise, nesses contextos, é aceita. Objetivo este que

buscou responder à nossa questão inicial aqui retomada: diante do uso,

preferencialmente, da próclise em textos cultos e coloquiais, falados e escritos no Brasil,

os professores de português corrigem a próclise em início de oração/período, a próclise

depois de sujeitos e a próclise ao verbo principal nas locuções verbais, aceitando como

válida apenas a colocação referente aos usos do português europeu? Ou seja, apenas o

uso da ênclise nesses contextos é referido como norma culta?

Nossa hipótese para esse teste era a de que, provavelmente, na escola, a

próclise nos contextos SV e V1V2 seria uma variante do tipo indicador. Então, estes

não iriam corrigir a próclise depois de sujeitos, nem a próclise ao verbo temático nos

complexos verbais. Já com V1, esperávamos um comportamento diferente. Acreditamos

que a próclise em tal contexto, nos textos escritos escolares, seria uma variante

marcada; logo, os professores iriam corrigi-la. Enfim, esperávamos que, no contexto

V1, a norma aceita fosse apenas a ênclise, enquanto em SV e em V1V2, a próclise ao

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verbo simples e a próclise ao verbo temático fossem aceitas como norma. Nesses dois

últimos contextos (SV e V1V2), esperávamos que as correções fossem de encontro ao

que dizem as gramáticas tradicionais.

Este teste confirmou, em parte, nossas expectativas e nos apontou situações

não esperadas. Nossos resultados foram os seguintes:

Gráfico 1: Frequência de correção da colocação pronominal nos contextos pesquisados

a) Dos contextos de próclise pesquisados, apontados como erros pelas

gramáticas normativas, a próclise em início de oração/período, conforme esperávamos,

foi o mais corrigido: 50% dos professores o corrigiram, ou seja, metade dos professores

de Português (10/20) considerou errada, no quesito colocação pronominal, a frase “Me

vejo como alguém que tem um futuro bom pela frente”.

Isso mostra que, apesar de a mudança, nesse contexto, já ter sido

implementada, há uma resistência em aceitar a próclise em início de oração/período em

textos escritos escolares. Atitudes negativas a essa colocação contribuem para que esse

índice de correção seja alto, porém, são necessárias outras pesquisas para uma

explicação mais detalhada do fato.

b) No caso da próclise depois de sujeito, não houve correção por parte dos

professores informantes da pesquisa, todos (20/20) consideraram correta a frase “Eu e

meus amigos nos entendemos muito bem”. Isso nos confirmou que, mesmo para

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professores de Português, quando não há elemento proclisador e nenhuma restrição à

próclise, esta é a regra e não a ênclise, como afirmam as gramáticas normativas. A

avaliação desse contexto foi bem diferente da avaliação do contexto V1. Aqui também

percebemos a forte influência da atitude do professor na decisão de não corrigir a

próclise. Este é um caso de mudança já implementada e, perfeitamente, aceita em textos

escritos escolares, apesar de orientações contrárias de gramáticas normativas.

c) A próclise nos complexos verbais recebeu correções diferenciadas não

previstas nas hipóteses a depender do tipo do segundo verbo do complexo, se infinitivo,

gerúndio ou particípio. A próclise ao segundo verbo, quando este era uma forma

infinitiva (... vamos nos encontrar...), apresentou 20% de correção. Já no complexo cujo

segundo elemento foi um verbo no gerúndio (... estão me fazendo...), a frequência de

correção foi de apenas 10%. Quando o segundo verbo foi um particípio (... foi lhe

dado...), a próclise foi apontada como erro por 25% dos professores. Embora esses

índices de correção sejam muito baixos (quatro de vinte professores corrigiram a

próclise no complexo de infinitivo, dois corrigiram o de gerúndio e cinco, o de

particípio), é necessário chamar a atenção para o fato de a correção da próclise nesse

contexto não ter sido homogênea, embora a gramática normativa trate os três casos

praticamente da mesma forma, indicando essa colocação como errada. Cabe aqui um

estudo mais detalhado.

Esse teste confirmou nossa hipótese de que a próclise no contexto V1 seria

mais corrigida que nos outros contextos e de que a próclise no contexto SV não seria

corrigida. Apenas a correção da colocação nos complexos verbais mostrou-se pouco

distinta do que esperávamos, já que não acreditávamos encontrar correções a esse

contexto.

5.3 RESULTADO E ANÁLISE DOS TESTES DE ATITUDE

5.3.1 Resultado e análise do teste de atitude em relação às variantes

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Na busca por saber como os professores avaliam os padrões de colocação

pronominal nos contextos sintáticos citados, este teste teve o seguinte objetivo:

identificar que atitudes os professores de Português têm em relação aos padrões de

colocação citados.

Como esperamos que a próclise a V1 seja uma variante marcada na escola e,

portanto, corrigida, acreditamos que encontraríamos atitudes negativas a tal colocação.

Nos contextos SV e V1V2, esperávamos atitudes positivas à próclise depois de sujeitos

e à próclise ao verbo temático nos complexos, independentemente do tipo do segundo

verbo dos complexos.

5.3.1.1 Distribuição percentual das notas do julgamento das variantes

A tabela abaixo mostra os percentuais obtidos sobre o julgamento da próclise

em início de oração/período. Na linha horizontal, temos os adjetivos por meio dos quais

os professores avaliaram a variante. Na linha vertical temos a escala de notas atribuídas

a cada adjetivo, sendo que as menores notas são as mais positivas.

Tabela 8: Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise em início de oração/período

Nota Bonita Certa Adequada Agradável Cuidada

1 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0

2 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0

3 ,0 10,0 10,0 10,0 ,0

4 15,0 15,0 25,0 15,0 20,0

5 30,0 30,0 25,0 30,0 20,0

6 10,0 ,0 5,0 15,0 25,0

7 45,0 45,0 35,0 30,0 35,0

Como podemos perceber, os professores julgaram negativamente a próclise

em início de oração/período. Aos cinco adjetivos, a maioria dos professores se

posicionou de forma negativa, dando a nota mais negativa possível – 7. Observe-se que

para todos os adjetivos, mais de 65% (13/20) dos professores deu notas de 5 a 7,

julgando, assim, de forma negativa essa colocação pronominal. Dentre todos os

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adjetivos por meio dos quais a colocação foi julgada, as impressões menos negativas

foram observadas quanto a ser certa, adequada e agradável, para os quais apenas 10%

dos professores deram notas de 1 a 3. O adjetivo que teve maior porcentagem de notas

com impressões negativas foi o relativo à beleza, para o qual 85% dos professores

deram notas de 5 a 7. Assim, confirmamos nossa hipótese de que, em geral, os

professores de Língua portuguesa têm atitudes negativas em relação à próclise em início

de oração/período, o que deve ter influenciado as correções no texto escolar escrito.

Passemos agora para o julgamento da próclise depois de sujeito. A tabela

abaixo, da mesma forma que a anterior, sintetiza nossos resultados.

Tabela 9: Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise depois de sujeito

Nota Bonita Certa Adequada Agradável Cuidada

1 40,0 45,0 40,0 40,0 35,0

2 25,0 15,0 25,0 30,0 30,0

3 5,0 5,0 ,0 10,0 5,0

4 25,0 20,0 25,0 10,0 15,0

5 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0

6 ,0 10,0 5,0 5,0 10,0

7 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0

De forma contrária à colocação anterior, os professores julgaram

positivamente a próclise depois de sujeito. Aos cinco adjetivos, a maioria dos

professores se posicionou de forma positiva, dando a melhor nota possível, 1. Para

todos os adjetivos, mais de 65% (13/20) dos professores deu notas de 1 a 3, julgando de

forma positiva essa colocação pronominal. Entre todos os adjetivos por meio dos quais

a colocação foi julgada, as impressões mais positivas foram observadas quanto a ser

agradável: 80% dos professores deram notas de 1 a 3. Os adjetivos que tiveram maior

porcentagem de notas mostrando impressões negativas foram quanto a variante ser

correta e cuidada; em ambas, 15% dos professores deram notas de 5 a 7, isto é, apenas

três dos vinte professores informantes avaliaram negativamente a próclise ao contexto;

desses três, apenas um deu nota 7. A hipótese de que a próclise nesse contexto seria

bem avaliada foi confirmada e corroborada no teste de correção de sala de aula.

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As próximas três tabelas referem-se à próclise ao segundo verbo dos

complexos. Os resultados foram diferenciados a depender do tipo do segundo verbo dos

complexos. A primeira delas mostra os resultados do julgamento da próclise ao

infinitivo da locução verbal.

Tabela 10: Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao infinitivo da locução verbal

Nota Bonita Certa Adequada Agradável Cuidada

1 30,0 35,0 35,0 45,0 30,0

2 30,0 20,0 25,0 25,0 30,0

3 15,0 10,0 5,0 5,0 10,0

4 20,0 10,0 10,0 20,0 15,0

5 ,0 5,0 10,0 5,0 ,0

6 5,0 15,0 5,0 ,0 5,0

7 ,0 5,0 10,0 ,0 10,0

O julgamento da próclise ao infinitivo da locução verbal também foi

positivo. Os cinco adjetivos avaliados receberam nota 1 da maior parte dos professores.

Para todos os adjetivos, mais de 65% dos professores deram notas de 1 a 3, julgando de

forma positiva essa colocação pronominal. Entre todos os adjetivos com que a

colocação foi julgada, as impressões mais positivas foram observadas quanto à beleza e

a ser agradável, para os quais 75% dos professores (15/20) deram notas de 1 a 3. Os

adjetivos que tiveram maior porcentagem de notas mostrando impressões negativas

foram quanto a variante ser correta e adequada. Em ambos, 25% dos professores deram

notas de 5 a 7, o que representa um número de 5 professores em 20. Esses resultados

corroboram a hipótese de que a próclise ao segundo verbo dos complexos seria avaliada

positivamente. As avaliações menos positivas, que foram quanto a variante ser correta e

adequada, foram coerentes com o pequeno índice (20%) de correção da colocação nos

textos escolares.

Prossigamos para o julgamento da próclise ao gerúndio da locução verbal.

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Tabela 11: Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao gerúndio da locução verbal

Nota Bonita Certa Adequada Agradável Cuidada

1 15,8 10,5 15,8 21,1 10,5

2 21,1 15,8 15,8 26,3 26,3

3 26,3 31,6 31,6 21,1 26,3

4 31,6 31,6 31,6 26,3 21,1

5 5,3 5,3 ,0 5,3 5,3

6 ,0 ,0 ,0 ,0 5,3

7 ,0 5,3 5,3 ,0 5,3

Por meio da leitura da tabela, percebemos que os professores julgaram, em

sua maioria, de forma positiva e neutra a próclise ao gerúndio da locução verbal.

Apenas quanto ao cuidado, a nota mais frequente não foi 4. Os adjetivos certa e

adequada tiveram a mesma porcentagem de notas 3 e 4. Para todos os adjetivos, mais

de 55% dos professores deu notas de 1 a 3, julgando de forma positiva essa colocação

pronominal. Dentre todos os adjetivos por meio dos quais a colocação foi julgada, as

impressões mais positivas foram observadas quanto a ser agradável, para o qual mais de

68% dos professores deu notas de 1 a 3. O adjetivo que teve maior porcentagem de

notas mostrando impressões negativas foi quanto a ser certa, para o qual,

aproximadamente, 16% dos professores deram notas de 5 a 7. Isso significa que apenas

três professores do total de vinte não avaliaram positivamente a próclise nesse contexto.

Nossa hipótese foi confirmada e os dados também mostram relação com o teste de

correção de sala de aula, no qual apenas 2 professores corrigiram a colocação citada.

Em relação ao julgamento da próclise ao particípio do complexo verbal,

encontramos os seguintes resultados:

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Tabela 12: Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao particípio da locução verbal

Nota Bonita Certa Adequada Agradável Cuidada

1 5,0 15,0 10,0 20,0 10,0

2 30,0 20,0 35,0 30,0 15,0

3 20,0 10,0 10,0 20,0 20,0

4 40,0 35,0 25,0 25,0 40,0

5 ,0 10,0 10,0 5,0 5,0

6 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0

7 5,0 10,0 10,0 ,0 10,0

Esse teste também mostrou resultados coerentes com a correção dos

professores, que foi de 25% (5/20) para essa colocação e confirmou nossa hipótese de

que a próclise nos complexos não teria avaliação negativa no contexto escolar. De um

modo geral, por meio de três dos cinco adjetivos (bonita, certa e cuidada), os

professores julgaram de forma neutra a próclise ao particípio da locução verbal; por

meio dos outros dois (adequada e agradável), a variante foi avaliada de forma positiva.

Para todos os adjetivos, pelo menos 45% dos professores deram notas de 1 a 3, julgando

de forma positiva essa colocação pronominal. As impressões mais positivas foram

observadas quanto à colocação ser agradável: 70% (14/20) dos professores deram notas

de 1 a 3 ao adjetivo. A maior porcentagem de notas mostrando impressões negativas foi

quanto a ser certa e adequada; em ambos, 20% dos professores deu notas de 5 a 7.

Conforme esperávamos, somente a próclise em início de oração/período

recebeu uma avaliação – negativa – bem diferenciada das outras variantes, embora todas

sejam consideradas “erros” pelas gramáticas normativas em textos escritos. Isso só

reforça o que apontam as pesquisas linguísticas, que a próclise depois de sujeito e a

próclise ao segundo verbo das locuções verbais já são um padrão culto tanto na fala

quanto na escrita. Apenas a próclise em início de oração/período se consolidou na fala,

mas, na escrita, ainda é, aparentemente, avaliada de forma negativa em alguns casos. É

importante ressaltar, também, que os complexos verbais merecem mais atenção ao

serem analisados, pois, além de deixarmos de ter uma variação binária, é possível

analisá-los levando em consideração não só o segundo tipo de verbo; podemos observar

a influência do tipo de complexo e dos elementos proclisadores, além de outras

variáveis independentes comumente observadas em pesquisas variacionistas.

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92

5.3.1.2 Teste de Friedman na comparação da colocação pronominal utilizada quanto aos

adjetivos

Esse teste estatístico4 comparou as cinco variantes estudadas – V1, SV,

V1V2(inf.), V1V2(ger.), V1V2(part.) – por meio de cada um dos adjetivos utilizados na

escala de julgamentos, com o objetivo de verificar se houve diferenças estatísticas entre

elas. Caso seja encontrada alguma diferença, é necessário aplicar outro teste, o teste de

Wilcoxon, comparando as colocações duas a duas, para encontrar entre quais variantes

houve a diferença.

Começamos comparando os resultados do julgamento das variantes quanto à

beleza por meio do par de adjetivos bonita-feia.

Tabela 13: Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a ser bonita

Colocação Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 2,42 1,43 1 6

,000

V1V2(ger.) 2,89 1,20 1 5

V1V2(part.) 3,00 1,00 1 4

SV 2,32 1,63 1 7

V1 5,79 1,18 4 7

De acordo com o valor-p observado no teste de Friedman, há diferença

significativa no julgamento das próclises estudadas quanto à beleza;ou seja, para os

professores, há diferenças quanto à “beleza” dessas colocações pronominais. Para saber

entre quais colocações há a diferença, foi aplicado o teste de Wilcoxon, comparando as

colocações duas a duas. No gráfico e na tabela, é possível observar que a próclise em

início de oração/período difere das demais quanto à beleza, no julgamento dos

professores entrevistados; isso quer dizer que essa colocação foi, em geral, considerada

“feia” por eles, o que não aconteceu com as outras variantes.

4 Para maiores detalhes sobre os testes estatísticos aplicados, conferir a metodologia.

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Gráfico 2: Comparação entre as colocações quanto a serem bonitas

Tabela 14: Valor- do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais utilizadas

quanto a serem bonitas

Colocação Valor-p

V1V2(inf.) V1V2(ger.) V1V2(inf.) SV V1

V1V2(inf.) - 0,248 0,071 0,681 0,000

V1V2(ger.) - - 0,564 0,144 0,000

V1V2(inf.) - - - 0,052 0,000

SV - - - - 0,000

V1 - - - - -

Em relação ao par de adjetivos certa-errada, os resultados estão expressos

na tabela abaixo:

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94

Tabela 15: Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem

corretas

Colocação Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 2,95 2,12 1 7

,000

V1V2(ger.) 3,26 1,41 1 7

V1V2(part.) 3,42 1,80 1 7

SV 2,58 2,01 1 7

V1 5,47 1,47 3 7

Observamos que houve diferença significativa no julgamento das próclises

estudadas quanto a serem corretas. Ou seja, houve diferença no julgamento das

variantes quanto ao fato de elas serem consideradas corretas ou não. No gráfico e na

tabela abaixo, é possível observar que a próclise em início de período difere, mais uma

vez, das demais quanto ao fato de ser considerada correta no julgamento dos professores

entrevistados. Nesse sentido, podemos dizer que, dos três contextos de próclise

pesquisados (V1, SV e V1V2), a próclise a V1 é a única considerada incorreta.

Gráfico 3: Comparação entre as colocações quanto a serem corretas

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Tabela 16: Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais

utilizadas quanto a serem corretas

Colocação Valor-p

V1V2(inf.) V1V2(ger.) V1V2(part.) SV V1

V1V2(inf.) - 0,428 0,202 0,623 0,000

V1V2(ger.) - - 0,586 0,266 0,001

V1V2(part.) - - - 0,270 0,001

SV - - - - 0,000

V1 - - - - -

Comparando as variantes de colocação por meio do par de adjetivos

adequada-inadequada, encontramos os seguintes resultados:

Tabela 17: Estatísticas descritivas e teste de Friedman na comparação das colocações pronominais

utilizadas quanto a serem adequadas

Colocação Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 2,89 2,16 1 7

,000

V1V2(ger.) 3,05 1,43 1 7

V1V2(part.) 3,26 1,79 1 7

SV 2,47 1,84 1 7

V1 5,37 1,46 3 7

Conforme o teste, houve diferença estatística significativa no julgamento

das próclises estudadas quanto a serem adequadas ou não;ou seja, para os professores,

há diferenças quanto ao fato de essas colocações serem consideradas adequadas. No

gráfico e na tabela abaixo, é possível observar que a próclise em início de período difere

das demais quanto ao julgamento dos professores entrevistados ao fato de serem

adequadas ou não.

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Gráfico 4: Comparação entre as colocações, quanto a serem adequadas

Tabela 18: Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem

adequadas

Colocação Valor-p

V1V2(inf.) V1V2(ger.) V1V2(part.) SV V1

V1V2(inf.) - 0,621 0,339 0,654 0,000

V1V2(ger.) - - 0,618 0,243 0,001

V1V2(part.) - - - 0,255 0,001

SV - - - - 0,000

V1 - - - - -

Observemos agora, por meio da tabela abaixo, os resultados da comparação

das variantes em relação ao par de adjetivos agradável-desagradável.

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Tabela 19: Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem

agradáveis

Colocação Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2((inf.) 2,11 1,37 1 5

,000

V1V2(ger.) 2,68 1,25 1 5

V1V2(part.) 2,58 1,22 1 5

SV 2,26 1,73 1 7

V1 5,47 1,35 3 7

Constatamos novamente que a próclise em início de oração/período difere

das demais quanto a sua utilização ser considerada agradável no julgamento dos

professores entrevistados.No gráfico e na tabela abaixo, é possível observar que houve

diferenças entre as colocações pronominais quanto ao fato de serem agradáveis ou não.

Gráfico 5: Comparação entre as colocações, quanto a serem agradáveis

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Tabela 20: Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais

utilizadas quanto a serem agradáveis

Colocação Valor-p

V1V2(inf.) V1V2(ger.) V1V2(part.) SV V1

V1V2(inf.) - 0,136 0,101 0,888 0,000

V1V2(ger.) - - 0,720 0,127 0,000

V1V2(part.) - - - 0,337 0,000

SV - - - - 0,000

V1 - - - - -

Comparando as colocações em relação ao par de adjetivos cuidada-

descuidada, os seguintes resultados foram encontrados:

Tabela 21: Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem

cuidadas

Colocação Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 2,79 2,02 1 7

,000

V1V2(ger.) 3,21 1,58 1 7

V1V2(part.) 3,53 1,65 1 7

SV 2,58 1,92 1 7

V1 5,84 1,12 4 7

Para os professores entrevistados, há diferenças quanto ao fato de a

utilização dessas colocações pronominais serem cuidadas ou não. Comparando as

colocações, é possível observar que a próclise em início de período difere das demais

quanto a ser considerada cuidada no julgamento dos professores.

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Gráfico 6: Comparação entre as colocações quanto a serem cuidadas

Tabela 22: Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais

utilizadas quanto a serem cuidadas

Colocação Valor-p

V1V2(inf.) V1V2(ger.) V1V2(part.) SV V1

V1V2(inf.) - 0,267 0,105 0,677 0,000

V1V2(ger.) - - 0,153 0,232 0,000

V1V2(part.) - - - 0,147 0,001

SV - - - - 0,000

V1 - - - - -

5.3.2 Resultado e análise do teste de atitude em relação ao aluno

Este teste, conforme foi explicado na introdução desta pesquisa, visou a

responder a seguinte questão: que atitudes linguísticas os professores podem ter em

relação aos estudantes que se utilizam da próclise nos contextos sintáticos citados?

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Diante dessa questão, nosso objetivo é identificar que atitudes os

professores têm em relação aos estudantes que utilizam a próclise nos contextos citados.

Acreditávamos que as atitudes dos professores, nesse caso, em relação aos

alunos, seria um reflexo das atitudes em relação às variantes estudadas, ou seja, aos que

utilizam a próclise no contexto V1, a atitude seria negativa, porém, aos que utilizam a

próclise nos contextos SV ou V1V2, a atitude seria neutra ou positiva.

Vejamos, a seguir, nossos resultados.

5.3.2.1 Distribuição percentual das notas do julgamento em relação aos alunos

Iniciamos com o julgamento do aluno que utiliza a próclise em início de

oração/período. Os resultados estão expressos na tabela abaixo.

Tabela 23: Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise em

início de oração/período

Nota Escolaridade Classe Social

Instrução Competência Atenção Inteligência Esforço

1 20,0 15,0 21,1 25,0 25,0 15,0 20,0

2 25,0 10,0 10,5 20,0 20,0 15,0 20,0

3 ,0 5,0 10,5 5,0 10,0 10,0 10,0

4 20,0 40,0 26,3 20,0 20,0 35,0 25,0

5 10,0 10,0 10,5 25,0 5,0 20,0 15,0

6 10,0 10,0 21,1 5,0 10,0 ,0 5,0

7 15,0 10,0 ,0 ,0 10,0 5,0 5,0

Interessante observar que os professores, em geral, não julgaram mal os

alunos que utilizam a próclise em início de oração, embora 50% deles tenham-na

corrigido. Nos quesitos classe social, instrução, inteligência e esforço, a maioria dos

professores se posicionou de forma neutra. Já quanto à escolaridade, à competência e à

atenção, a maioria deu notas 1 ou 2, as quais demonstram boa impressão de quem usa a

colocação citada. Observa-se, ainda, que, entre aqueles que não se posicionaram de

forma neutra, apenas no quesito classe social a maioria julga de forma negativa as

pessoas que usam essa colocação. Dentre todos os itens por meio dos quais os alunos

foram julgados, o que teve maior porcentagem de notas mostrando impressões que

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101

fugiram à neutralidade foi a escolaridade. A ela, 35% dos professores deram notas de 5

a 7. O quesito que teve as impressões mais positivas foi a atenção, com 55% dos

professores dando notas de 1 a 3. Salientamos que não encontramos correspondência

entre esse resultado e os testes anteriores (correção de sala de aula e teste de atitude em

relação à variante). Nossa hipótese previa que os alunos seriam, em sua maioria,

avaliados negativamente, o que não aconteceu. Isso nos mostrou a necessidade de

pesquisar melhor a relação entre o preconceito à língua e o preconceito ao falante, mas

esse não é nosso objetivo neste trabalho.

A próxima tabela refere-se ao julgamento do aluno que utiliza a próclise

depois do sujeito. Vejamos os resultados.

Tabela 24: Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise

depois de sujeito

Nota Escolaridade Classe Social

Instrução Competência Atenção Inteligência Esforço

1 30,0 30,0 31,6 30,0 30,0 30,0 30,0

2 15,0 10,0 10,5 15,0 20,0 20,0 20,0

3 20,0 20,0 26,3 30,0 20,0 10,0 15,0

4 30,0 40,0 26,3 20,0 20,0 35,0 30,0

5 5,0 ,0 5,3 5,0 5,0 5,0 ,0

6 ,0 ,0 ,0 ,0 5,0 ,0 5,0

7 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0

Novamente, os resultados encontrados em relação ao contexto SV diferem

muito dos encontrados em relação ao contexto V1. Os professores, em sua maioria,

julgaram positivamente os alunos que utilizam a próclise depois de sujeito. Em todos os

quesitos, mais de 60% dos professores deram notas de 1 a 3, que são as que demonstram

impressões positivas quanto a quem usa essa colocação. Aos quesitos instrução,

competência e atenção, a maioria dos professores se posicionou de forma positiva,

dando a nota mais positiva possível, 1 . À escolaridade e ao esforço, 30% dos

professores deram nota 1, mesma porcentagem daqueles que se posicionaram de forma

neutra. Já em relação à classe social e à inteligência, a maioria, 40%, se posicionou de

forma neutra a quem usa essa colocação. Entre todos os itens por meio dos quais os

alunos foram julgados, as impressões mais positivas foram observadas na avaliação da

competência, à qual 75% dos professores deu notas de 1 a 3. O quesito que teve maior

porcentagem de notas mostrando impressões menos positivas foi a atenção; a ela 10%

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102

dos professores deram notas de 5 a 7, mas esse é o julgamento de dois professores

apenas. Ficou evidenciado que os alunos não são avaliados de forma negativa se usarem

a próclise depois de sujeito, o que já era esperado depois de constatarmos que nenhum

dos professores corrigiu esse contexto no texto escolar escrito.

Passemos para os resultados do julgamento do aluno que utiliza a próclise

ao infinitivo do complexo.

Tabela 25: Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise ao

infinitivo do complexo verbal

Nota Escolaridade Classe Social

Instrução Competência Atenção Inteligência Esforço

1 5,0 5,0 10,0 15,0 5,0 ,0 10,0

2 15,0 25,0 30,0 25,0 25,0 25,0 30,0

3 30,0 20,0 20,0 15,0 25,0 25,0 20,0

4 35,0 30,0 25,0 35,0 15,0 40,0 25,0

5 5,0 10,0 5,0 5,0 20,0 5,0 10,0

6 5,0 ,0 5,0 ,0 ,0 5,0 ,0

7 5,0 10,0 5,0 5,0 10,0 ,0 5,0

De um modo geral, os professores julgaram positivamente os alunos que

utilizam a próclise ao infinitivo do complexo verbal. A nota 4 – neutro – foi a que teve

a maior concentração de escolhas nos quesitos escolaridade, classe social, competência,

inteligência e esforço, mas somando-se as notas positivas, o resultado é maior: em todos

os quesitos, mais da metade dos professores deu notas de 1 a 3. Já quanto à atenção, a

maior concentração foi nas notas 2 e 3, mostrando uma boa impressão de quem usa essa

colocação. Observa-se que, entre aqueles que não se posicionaram de forma neutra, a

maioria julga de forma positiva as pessoas que usam essa colocação. Dentre todos os

itens por meio dos quais o aluno foi julgado, a que teve maior porcentagem de notas

mostrando impressões menos positivas foi a atenção. A ela, 30% dos professores

deram notas de 5 a 7. Os quesitos que tiveram as impressões mais positivas foram

instrução e esforço, cada um com 60% dos professores dando notas de 1 a 3. Esses

resultados corroboram a hipótese de boa avaliação dos alunos que utilizam a colocação

citada.

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103

Em relação ao aluno que utiliza a próclise ao gerúndio do complexo, os

resultados estão expressos abaixo.

Tabela 26: Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise ao

gerúndio do complexo

Nota Escolaridade Classe Social

Instrução Competência Atenção Inteligência Esforço

1 35,0 5,0 40,0 40,0 30,0 20,0 35,0

2 5,0 25,0 10,0 20,0 25,0 20,0 20,0

3 15,0 20,0 10,0 5,0 5,0 10,0 15,0

4 25,0 40,0 20,0 20,0 15,0 40,0 15,0

5 5,0 ,0 10,0 5,0 10,0 5,0 5,0

6 15,0 5,0 10,0 10,0 5,0 5,0 10,0

7 ,0 5,0 ,0 ,0 10,0 ,0 ,0

Dentre todos os itens por meio dos quais o aluno foi julgado, considerando-

se o uso da próclise ao gerúndio do complexo, as impressões mais positivas foram

observadas na avaliação da competência, à qual 75% dos professores deram notas de 1 a

3. Constatamos que, em geral, os professores julgaram positivamente o aluno que utiliza

a colocação citada. Em relação aos quesitos escolaridade, instrução, competência,

atenção e esforço, a maioria dos professores se posicionou de forma positiva, dando a

nota mais positiva possível, 1 . Quanto à classe social e à inteligência, 40% deram nota

4, posicionando-se de forma neutra a quem usa essa colocação. Em todos os itens, pelo

menos metade dos professores deu notas de 1 a 3, julgando de forma positiva o aluno

que usa essa colocação. O quesito que teve maior porcentagem de notas mostrando

impressões menos positivas foi a atenção, a ela 25% dos professores deram notas de 5 a

7. Esses resultados foram coerentes com o teste de correção de sala, no qual apenas dois

professores corrigiram a colocação e com a avaliação positiva da mesma, confirmando

nossa hipótese.

Finalmente, o julgamento do aluno que utiliza a próclise ao particípio do

complexo verbal está expresso na tabela seguinte.

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Tabela 27: Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise ao

particípio do complexo

Nota Escolaridade Classe Social

Instrução Competência Atenção Inteligência Esforço

1 15,0 10,0 10,0 15,0 15,0 10,0 10,0

2 25,0 15,0 25,0 20,0 30,0 20,0 20,0

3 15,0 30,0 15,0 25,0 25,0 25,0 30,0

4 35,0 35,0 35,0 30,0 15,0 40,0 25,0

5 5,0 5,0 10,0 5,0 5,0 5,0 10,0

6 ,0 ,0 ,0 ,0 5,0 ,0 5,0

7 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 ,0 ,0

Olhando-se cada nota individualmente, com exceção à atenção e ao esforço,

para os quais as notas que mais se repetiram foram 2 e 3, respectivamente,o maior

índice de escolha dos professores foi a nota neutra – 4; porém observa-se que, entre

aqueles que não se posicionaram de forma neutra, a maioria julga de forma positiva o

aluno que usa a próclise ao particípio do complexo. Em todos os quesitos, pelo menos

metade dos professores deu notas de 1 a 3, que são as que demonstram impressões

positivas quanto ao aluno que usa essa colocação. Dentre todos os quesitos por meio

dos quais o aluno foi julgado, o que teve as impressões mais positivas foi a atenção,

com 70% dos professores dando notas de 1 a 3. A maior porcentagem de notas

mostrando impressões negativas foi observada em instrução, atenção e esforço, a cada

uma delas 15% dos professores deu notas de 5 a 7.

4.2.2.2 Teste de Friedman no julgamento em relação ao aluno quanto aos adjetivos

Assim como no teste de atitude em relação às variantes de colocação

pronominal estudadas, o teste de Friedman foi aplicado para verificar se houve alguma

diferença estatística no julgamento dos alunos em relação a cada um dos quesitos

analisados no teste de atitude.

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Os alunos foram representados por meio de siglas das variantes de

colocação pronominal usadas. O aluno V1V2(inf.) é o que utiliza a próclise ao infinitivo

do complexo verbal;o aluno V1V2(ger.) é o que utiliza a próclise ao gerúndio do

complexo;o aluno SV é o que utiliza a próclise depois de sujeito; o aluno V1 é o que

utiliza a próclise em início de oração;e o aluno V1V2(part.) é o que utiliza a próclise ao

particípio do complexo verbal.

Em relação à escolaridade encontramos os resultados abaixo.

Tabela 28: Teste de Friedman na comparação do julgamento dos alunos quanto à escolaridade

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,55 1,39 1 7

,760

V1V2(ger.) 3,05 1,85 1 6

SV 2,65 1,35 1 5

V1 3,65 2,18 1 7

V1V2(part.) 3,10 1,52 1 7

De acordo com o valor-p do teste de Friedman, não houve diferença

estatística significativa no julgamento dos alunos que utilizam as colocações estudadas

quanto ao nível de escolaridade. Ou seja, para os professores não há diferenças quanto

ao nível de escolaridade entre os estudantes que utilizam as colocações pesquisadas. O

gráfico abaixo permite uma melhor visualização dos resultados.

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Gráfico 7: Comparação entre as colocações quanto à escolaridade

Em relação ao julgamento dos alunos quanto à classe social, obtivemos os

seguintes resultados:

Tabela 29: Teste de Friedman na comparação das colocações, quanto à classe social

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,55 1,61 1 7

,173

V1V2(ger.) 3,40 1,43 1 7

SV 2,70 1,30 1 4

V1 3,90 1,83 1 7

V1V2(part.) 3,30 1,38 1 7

De acordo com o valor-p observado, para os professores não há diferenças

quanto à classe social dos alunos que utilizam essas colocações. Não houve diferença

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107

estatística significativa no julgamento dos alunos que utilizam as colocações estudadas,

quanto à classe social. Vejamos a figura abaixo:

Gráfico 8: Comparação entre os alunos quanto à classe social

Observando o julgamento dos alunos em relação ao nível de instrução, os

resultados foram os seguintes:

Tabela 30: Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao nível de instrução

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,33 1,61 1 7

,544

V1V2(ger.) 3,00 1,81 1 6

SV 2,61 1,38 1 5

V1 3,72 1,78 1 6

V1V2(part.) 3,33 1,53 1 7

O valor-p mostra que não houve diferença significativa no julgamento dos

alunos que utilizam as colocações estudadas quanto ao nível de instrução. Ou seja, para

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108

os professores não há diferenças quanto ao nível de instrução dos alunos que utilizam as

colocações citadas.

Gráfico 9: Comparação entre os alunos quanto ao nível de instrução

Observando o julgamento dos alunos por meio do quesito competência,

encontramos os resultados abaixo.

Tabela 31: Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto à competência

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,10 1,52 1 7

,775

V1V2(ger.) 2,60 1,76 1 6

SV 2,55 1,28 1 5

V1 3,15 1,73 1 6

V1V2(part.) 3,10 1,48 1 7

De acordo com o valor-p observado no teste de Friedman, não houve diferença

significativa no julgamento dos alunos que utilizam as colocações citadas quanto à

competência dos mesmos. Ou seja, para os professores de Português, o fato de o

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estudante usar uma das colocações pesquisadas não é indício para que seja feito um

julgamento de sua competência.

Gráfico 10: Comparação entre os alunos quanto à competência

Já em relação ao nível de atenção dos alunos, os resultados estão expressos na

tabela e no gráfico seguintes.

Tabela 32: Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao nível de atenção

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,60 1,67 1 7

,571

V1V2(ger.) 3,05 2,06 1 7

SV 2,65 1,50 1 6

V1 3,30 2,05 1 7

V1V2(part.) 3,00 1,62 1 7

Conforme o valor-p encontrado no teste estatístico, os professores não

observam diferenças quanto ao nível de atenção entre os alunos que utilizam essas

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colocações. Não houve diferença significativa no julgamento dos alunos que utilizam as

colocações estudadas quanto ao nível de atenção.

Gráfico 11: Comparação entre as colocações quanto ao nível de atenção

No julgamento do quesito inteligência, temos os seguintes resultados:

Tabela 33: Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto à inteligência

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,40 1,10 2 6

,501

V1V2(ger.) 3,05 1,47 1 6

SV 2,65 1,39 1 5

V1 3,50 1,61 1 7

V1V2(part.) 3,10 1,12 1 5

Para os professores de Português consultados, não há diferenças quanto à

inteligência dos alunos que utilizam essas colocações, de acordo com o valor-p

observado no teste de Friedman. Não houve diferença significativa no julgamento dos

alunos que utilizam as colocações estudadas quanto à inteligência.

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Gráfico 12: da comparação entre os alunos quanto à inteligência

Comparando os resultados do julgamento dos alunos em relação ao seu

esforço, obtivemos os seguintes resultados:

Tabela 34: Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao esforço

Aluno Média Desvio Padrão

Mínimo Máximo Valor-p

V1V2(inf.) 3,15 1,50 1 7

,354

V1V2(ger.) 2,65 1,69 1 6

SV 2,65 1,46 1 6

V1 3,30 1,78 1 7

V1V2(part.) 3,20 1,32 1 6

Conforme constatamos com o valor-p observado no teste de Friedman, não

houve diferença significativa no julgamento dos alunos que utilizam as colocações

estudadas quanto ao nível de esforço. Ou seja, para os professores, um estudante não é

mais esforçado que outro pelo fato de usar esta ou aquela colocação pronominal.

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112

Gráfico 13: Comparação entre os alunos quanto ao esforço

Observamos que, no julgamento sobre o aluno, por meio de todos os pares

de adjetivos usados para a avaliação do professor de Português da Educação Básica,

nem sempre encontramos correspondência com o julgamento sobre as variantes. No

caso do estudante que utiliza a próclise em início de oração/período, a avaliação foi, em

geral, neutra, porém com muita oscilação de notas. Já com os estudantes que utilizam a

próclise depois do sujeito, a avaliação foi, em geral, positiva. Os estudantes que utilizam

a próclise ao segundo verbo do complexo tiveram avaliações em torno de positiva e

neutra. Ao observamos os resultados do teste de Friedman, não constatamos diferenças

estatísticas significativas em torno dos estudantes em nenhum dos quesitos analisados;

porém, se observamos atentamente os gráficos, podemos visualizar que os estudantes

V1 e SV são os que mais se diferenciam: V1 com notas tendendo mais para o negativo,

e SV tendendo mais para o positivo. Alunos que utilizam os complexos tiveram,

geralmente, uma posição intermediária entre os contextos anteriores. Percebemos,

assim, uma “hierarquia” no julgamento sobre as variantes e os estudantes que as

utilizam. O contexto V1 é mais marcado, enquanto os complexos, embora bem

avaliados, chamam a atenção de forma discreta; e o contexto SV é muito bem avaliado.

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113

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Por meio do teste de correção de sala de aula, do teste de atitude em relação

às variantes de colocação pronominal V1, SV, V1V2(inf.), V1V2(ger.) e V1V2(part.) e

do teste de atitude em relação ao aluno que utiliza as variantes citadas, concluímos o

seguinte:

a) Em relação a V1 – próclise em início de oração –, obtivemos resultados

interessantes. Primeiramente, não encontramos um índice tão alto de correção da

próclise nesse contexto. Esperávamos que a maioria dos professores a corrigisse; porém,

percebemos um verdadeiro impasse na correção, com quantidades iguais de professores

que a corrigiram e que não a corrigiram (50%). Isso nos sugere que a próclise a V1, nos

textos escritos escolares, não é mais considerada um dos grandes erros gramaticais

quando o professor corrige textos de alunos, e não é levado, explicitamente, a monitorar

a colocação; porém, V1 ainda não passa despercebida por todos, como pode ser o caso

de outros contextos. A situação fica diferente quando levamos o professor a observar

somente a colocação pronominal, como foi o caso do teste de atitude. Nesse caso, a

variante mencionada recebe valor social negativo. Dos professores pesquisados,

nenhum deu a ela notas 1 ou 2 nos quesitos apontados. Considerando-se todos os

adjetivos da escala, mais de 65% dos professores atribuiuram notas ruins a essa variante

e 85% deles a consideraram feia. Essa atitude negativa à variante não se refletiu na

atitude em relação aos alunos que a utilizam, pois a maioria dos professores se

posicionou de forma neutra quando pedidos a julgar os estudantes nos quesitos

escolaridade, classe social, instrução, competência, atenção, inteligência e esforço. O

item que apresentou um pouco de atitudes negativas foi a escolaridade (35%).

b) Em relação ao contexto SV – próclise depois de sujeito –, o resultado das

correções foi unânime: nenhum dos professores a corrigiu no texto indicado. Isso

significa que a escola não é sensível à norma-padrão nesse contexto; a norma aqui

adotada é a culta. O resultado do teste de atitude à variante foi coerente com as

correções, apontando atitudes muito positivas para o contexto SV: mais de 65% dos

professores deram as melhores notas da escala. Apenas 15% dos professores afirmaram

não considerar a colocação correta e cuidada. Observando as atitudes aos alunos que

utilizam essa colocação, constatamos também atitudes positivas, pois mais de 60% dos

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professores atribuiram notas de 1 a 3 em relação a todos os quesitos julgados. Em

relação à competência, esse percentual positivo subiu para 75%.

c) Em relação ao contexto V1V2 – próclise ao segundo verbo do complexo – os

resultados foram diferenciados a partir do tipo do segundo verbo do complexo.

Em um complexo cujo segundo verbo é uma forma infinitiva, tivemos 20% de

correção no texto escolar indicado. Esse baixo índice de correção foi coerente com a

atitude em relação à variante. Os professores julgaram de forma positiva essa colocação,

com 65% de notas de 1 a 3. As impressões negativas foram de apenas 25% quanto a

serem corretas e adequadas. No julgamento dos alunos, a maioria se posicionou de

forma neutra ou positiva. As maiores impressões negativas se referiram ao item atenção,

ao qual 30% dos professores deram notas de 5 a 7.

Em um complexo cujo segundo verbo é um gerúndio, a correção foi a menor do

contexto: apenas 10% dos professores corrigiram a próclise a essa forma verbal. Em

geral, as atitudes a essa colocação foram neutras ou positivas. Quanto a ser agradável, a

colocação recebeu 68% de notas positivas. As maiores impressões negativas foram

quanto a ser correta, à qual de apenas 16% dos professores deram notas negativas. O

julgamento aos alunos foi positivo ou neutro, com 75% de notas de 1 a 3 no quesito

competência. As impressões negativas, em geral, recaíram sobre o quesito atenção, com

25% de notas de 5 a 7.

Já com os complexos formados de particípio, a próclise recebeu 25% de

correção. Esse baixo índice também foi coerente com as impressões neutras e positivas

dos professores informantes desta pesquisa. As impressões mais positivas foram

relativas ao quesito agradabilidade, com 70% de notas de 1 a 3. As impressões

negativas ocorreram mais no julgamento da variante quanto a ser correta e adequada,

com 20% de notas de 5 a 7. Aos alunos que utilizam essa colocação, o julgamento foi

neutro ou positivo. Todos os quesitos receberam, pelo menos, 50% de notas de 1 a 3.

Instrução, atenção e esforço concentraram as poucas notas negativas, com 15% de notas

de 5 a 7.

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115

CONCLUSÕES

Tema que não tem recebido a merecida atenção em pesquisas científicas, a

avaliação linguística nos auxilia a perceber as influências do falante à própria língua e

às mudanças nela ocorridas. Essas influências podem se dar tanto no curso da realização

de uma mudança, quanto na retroação da mesma.

No contexto escolar, especialmente, a relevância do tema se expande ao

auxiliar no esclarecimento da origem de certas incoerências no ensino de Língua

Portuguesa, principalmente, entre o que impõe a gramática tradicional, as diretrizes

educacionais nacionais e o que é, efetivamente, ensinado.

Conforme esclarecemos no segundo capítulo, há certa disparidade entre a

prescrição gramatical e usos que fazemos da colocação de clíticos nos contextos

pesquisados. As normas apresentadas para os contextos pesquisados, segundo Luft

(2002), Bechara (2003), Cunha e Cintra (2008) e Rocha Lima, 2010, são, geralmente, as

mesmas (norma padrão): a próclise não é aceita, contrariando as tendências de uso

(norma culta) apontadas em pesquisas linguísticas, como as de Martins (2012), Schei

(2003) e Biazzoli (2010; 2012).

A próclise em início de oração é condenada por todas as gramáticas

pesquisadas, desconsiderando-se a variação no contexto citado; porém aparece nas

pesquisas linguísticas com um grande crescimento de sua frequência de uso. Em suas

observações finais, a maioria das gramáticas analisadas traz algumas informações sobre

a próclise em início de oração ou período, reconhecendo essa colocação como típica

somente da fala do Brasil, desconsiderando os usos escritos.

Como a ênclise é considerada a posição normal pelas gramáticas

tradicionais, em orações com verbos precedidos de sujeito sem fator de próclise, a

próclise também não é aceita. Contrariamente, as pesquisas linguísticas mostraram altas

frequências no uso dessa colocação.

Em relação à próclise ao verbo temático nos complexos verbais, a situação

não foi diferente; as possibilidades são de próclise ou ênclise ao verbo auxiliar ou

ênclise ao verbo temático; apenas Luft se diferencia dos demais gramáticos ao aceitar a

próclise ao segundo verbo do complexo. Já as pesquisas mostram que a próclise ao

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116

verbo temático é uma colocação em uso cada vez maior. Na escolha da colocação, foi

constatado que o tipo de complexo é significativo. A próclise ao segundo verbo do

complexo é apontada como inovação do PB nas pesquisas e como um erro pelas

gramáticas tradicionais.

As gramáticas não ignoram que a variação ocorra, pois, geralmente,

expõem, em momentos finais ou em notas, o uso da próclise em início de

oração/período, depois de sujeito e ao segundo verbo dos complexos; entretanto, esses

usos não são reconhecidos. A norma legitimada é a padrão.

Pelo menos duas novas gramáticas, a Nova gramática do português

brasileiro, de Ataliba de Castilho, e a Gramática do português brasileiro, de Mário

Perini, reconhecem em suas regras a próclise nos contextos citados. Essas gramáticas

apontam uma predominância da próclise no PB, assumindo como regra geral a

colocação do pronome oblíquo antes do verbo principal. Os estudos de Schei, de

Martins e de Biazolli mostraram, nos séculos XIX e XX, uma grande variação entre a

próclise e a ênclise nos contextos V1, SV e V1V2, porém com significativo destaque

para o crescimento da frequência de próclise e o consequente declínio da ênclise.

Fica evidenciado com os resultados desta pesquisa que o conflito entre a

norma culta e a norma padrão de colocação dos pronomes clíticos se reflete no ensino

de Língua Portuguesa. A postura e o conhecimento do professor diante desse conflito é

fundamental no processo ensino-aprendizagem. É preciso diferenciar essas normas,

assim como diferenciá-las de outras variedades da língua, inclusive da do aluno. São

estados diversificados da língua, nem melhores, nem piores. Sendo assim, não há

necessidade de se discutir se devemos ou não ensinar gramática, porque a questão não é

essa. A questão é como ensinar gramática, o que é relevante para ampliar as capacidades

comunicativas do estudante e suas reflexões metalinguísticas. Acreditamos que um

ensino multidialetal seja interessante e produtivo no meio escolar, pois parte das

dificuldades de aprendizagem na escola é oriunda do conflito entre as variedades que

nela circulam. Para que possamos efetivar esse ensino multidialetal, é necessária uma

formação docente adequada e atualizada no conhecimento das variedades da língua e no

reconhecimento de que todas são bem estruturadas gramaticalmente, o que implica uma

atitude positiva e não discriminatória por parte do educador.

Sobre o ensino dos padrões de colocação dos pronomes clíticos, sugerimos

que a sala de aula seja o local privilegiado para promovermos a reflexão dos estudantes

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sobre a variação próclise/ênclise. Substituir a lista enfadonha de regras a serem

memorizadas pela observação do uso dos clíticos em textos orais e escritos pode ser o

início de um ensino gramatical mais eficiente.

Os testes aqui apresentados nos auxiliaram a constatar que a próclise em

início de oração/período (V1) recebe avaliação diferenciada da próclise depois de

sujeito e ao segundo verbo do complexo, confirmando, assim, nossa hipótese de que

esse ainda parece ser um contexto marcado (no sentido de Labov) na escrita escolar.

Interessa, porém, deixar claro que o índice de correção não foi maior que o índice de

não-correção. A quantidade de professores que apontaram como um erro a colocação

“Me vejo” foi a mesma dos que não a consideraram erro. Isso pode sinalizar para uma

possível aceitação próxima da próclise em início de oração/período também na escrita,

já que, na fala, seu uso já é um padrão.

A avaliação que V1 recebe, na escrita escolar, fica mais clara nos testes de

atitude, nos quais os professores foram levados a julgar conscientemente essa colocação

e o aluno que a utiliza. Nenhum dos vinte informantes deu notas 1 ou 2 a essa

colocação. A maioria dos professores julgou a variante como feia, errada, inadequada,

desagradável e/ou descuidada. Aos estudantes que utilizam essa variante, a avaliação

foi, em geral, neutra, evidenciando que não houve correspondência entre o julgamento

da variante e o julgamento do estudante.

Outra constatação foi a de que, diferentemente a V1, a próclise depois de

sujeito (SV) é perfeitamente aceita. Nenhum dos professores apontou como errada a

colocação “Eu e meus amigos nos entendemos muito bem” no texto escolar corrigido.

Quando levados a julgar a colocação citada, apenas três professores a consideraram

errada e descuidada. Quanto a ser agradável, dezesseis dos vinte professores a julgaram

de forma positiva. Apenas um dos informantes julgou essa variante da forma mais

negativa possível. Os alunos que usam a próclise depois de sujeito também receberam

avaliações positivas. Isso só confirma que a mudança nesse contexto já se consolidou. O

padrão de uso aqui já não é mais a ênclise.

A próclise ao segundo verbo dos complexos verbais recebeu poucas

correções no texto escolar. A próclise ao gerúndio foi corrigida apenas duas vezes; a

próclise ao infinitivo, quatro vezes; e a próclise ao particípio, cinco vezes. Vejamos que

o maior índice de correção nos complexos foi de 25%, um percentual bem pequeno. Os

alunos que utilizam a próclise ao segundo verbo dos complexos receberam avaliações

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positivas ou neutras nos três casos. A mudança, nesse contexto, também pôde ser

evidenciada nos testes aplicados. Esse contexto de próclise mostrou-se muito complexo

e rico para pesquisas futuras mais detalhadas, que faremos no doutorado.

Nossa pesquisa sociolinguística variacionista, com foco no problema

empírico de avaliação, além de constatar se os professores de Língua Portuguesa

corrigem a próclise em início de oração/período, a próclise depois de sujeitose a próclise

ao verbo principal nas locuções verbais, contribuiu para o esclarecimento das atitudes

do professor de Língua Portuguesa, em Natal – RN, em relação a esses contextos de

próclise, assim como para o esclarecimento das atitudes em relação aos alunos que usam

tais colocações. Sem dúvida, pesquisas sobre avaliação e atitude linguísticas precisam

ser retomadas devido a sua importância para reflexões sobre preconceito e prestígio

linguísticos e para auxiliar na compreensão de como se dão as mudanças na língua.

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