SCHRÖDER, Ulrike. Antecipações Da Metáfora Cotidiana Nas Concepções de Hans Blumenberg e...

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  • Antecipaes da metfora cotidiana

    nas concepes de Hans Blumenberg

    e Harald Weinrich

    Anticipations of the ordinary language metaphor in theconceptions of Hans Blumenberg and Harald Weinrich

    Ulrike SchrderUFMGUFMGUFMGUFMGUFMG

    Abstract

    With the publishing of Metaphors we live by in 1980, Lakoff &Johnson introduce the Cognitive Metaphor Theory, which rules outthe traditional view of metaphor as restricted to its exclusivelylinguistic use, perceived as an unusual and isolated figure of rhetoricdiscourse. In contrast, metaphor now is seen as an expression ofdeeper conceptual structures underlying cognitive capacities in generalwhich help us construct our reality and world view. However,conceptions emphasizing these prescriptive and exploring functionsof metaphor already can be found in an explicit way in themetaphorology of Hans Blumenberg as well as in the theory aboutimage fields formulated by the linguist Harald Weinrich. The articledeals with the question to what extend these two conceptions alreadyanticipate the Cognitive Metaphor Theory.

    KeywordsCognitive Metaphor Theory; Metaphorology; Image field giving/receiving.

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    Resumo

    Com seu livro Metaphors we live by, lanado em 1980, Lakoff &Johnson introduzem a Teoria Cognitiva das Metforas, na qualmetforas no so percebidas mais de forma isolada como umfenmeno exclusivo de lngua, mas, sim, como uma expresso deestruturas conceptuais e de capacidades cognitivas que servem comobase para nossa construo da realidade de forma mais ampla. Noobstante, concepes que destacam essas funes prescritiva,performativa e explorativa da metfora j se encontram de modoexplcito na metaforologia do filsofo Hans Blumenberg bem comona teoria dos campos de imagem do lingista Harald Weinrich. Serilustrado at que ponto essas duas concepes j antecipam, em boaparte, a Teoria Cognitiva das Metforas.

    Palavras-chaveTeoria Cognitiva das Metforas; Metaforologia; Campo de imagemdoador/recebedor.

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    E1. Introduo1. Introduo1. Introduo1. Introduo1. Introduo

    m geral, quando se fala da teoria cognitiva das metforas, considera-sea publicao Metaphors we live by, de Lakoff & Johnson (1980), comoo rompimento crucial com a viso aristotlica da metfora (cf.

    ARISTOTELES, 1975), predominante, por muito tempo, principalmente nocampo dos Estudos Literrios e da Retrica. Segundo essa teoria da comparaoclssica, as semelhanas postuladas por meio da metfora podem ser atribudass caractersticas inerentes dos objetos em si. Em oposio comparao, ametfora apenas se distinge pela falta da partcula comparativa, o que,sobretudo, segundo Quintilian (1986, VIII, 6, 8-9), se abate na definio concisada metfora como comparao encurtada. Nessa viso, a funo da metforalimita-se configurao retrica do discurso. Ela permanece uma figura discursivada fala imprpria, um substituto esttico de uma expresso literal, atravs doqual a metafrica, em geral, mantm um estado de uma anomalia de lngua oude uma divergncia da norma. Ora, concomitantemente com o surgimento daLingstica Cognitiva, a exclusiva reflexo impressionista de metforas foiretematizada criticamente. Destarte, Lakoff & Johnson estabelecem um novoconceito da metfora, no qual metforas no so percebidas mais de formaisolada como um fenmeno exclusivo de lngua, mas, sim, como uma expressode estruturas conceptuais e de capacidades cognitivas que servem como basepara nossa construo da realidade de forma mais ampla.

    No obstante, por trs desse aparente rompimento, observa-se uma certacontinuidade de idias j abordadas, embora a obra de Lakoff & Johnson,indubitavelmente, introduza uma mudana paradigmtica de modo mais explcito,ainda que apenas com base nos inmeros exemplos dados da fala cotidiana. Defato, tematizaes que se opem compreenso clssica da metfora por ilustrarsua fora criadora de experincia j so observadas em reflexes filosficas hmuito tempo. A elas pertencem os pensamentos de John Locke, GiambattistaVico, Immanuel Kant, Johann Gottfried Herder, Friedrich Nietzsche, Fritz

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    Mauthner, Ernst Cassirer ou Arnold Gehlen (cf. SCHRDER, 2004; JKEL,2003; BALDAUF, 1997). So reflexes que necessariamente tiveram que surgirjunto com o questionamento epistemolgico da idia objetivista, que entende alngua como espelho ou mapeamento da realidade. Todavia, a maioria dessasabordagens trata da metfora apenas de forma fragmentria, com respeito a umdesdobramento sistemtico da funo fundamental que conceitos metafricoscumprem em nossa explorao da realidade.

    Em virtude do desenvolvimento da Lingstica Antropolgica norte-americana, so retomadas as idias dos proponentes alemes Kant, Herder eHumboldt, para provar a hiptese do princpio da relatividade lingstica emestudos empricos. Nisso, j Edward Sapir (1949, p. 10) menciona o aspectocriativo e, ao mesmo tempo, recursivo do falar metafrico na construo de umaviso do mundo culturalmente fixado. Finalmente, Benjamin Lee Whorf (1973)aprofunda esse aspecto, analisando as metforas e sua relatividade cultural nocontexto do seu conhecido e polmico estudo sobre os ndios Hopi, no qual elerevela alguns conceitos metafricos que se encontram na maioria das lnguas doSAE (Standard Average European), mas que, segundo ele, de modo algum souniversalmente vlidos.

    No campo da Lingstica, na Europa, entender o metafrico como umprincpio onipresente em qualquer tipo textual preparado pela obra Cours delinguistique gnrale, de Saussure (1916), cuja inovao essencial consiste natransformao do significado de uma cpia pr-lingstica e natural do objeto emuma parte do signo em si. A arbitrariedade e convencionalidade que a tradioocidental desde Aristteles concede aos significantes como imagens acsticasdas lnguas diferentes estende-se, aqui, tambm aos significados: a idia que sefaz de algo no aparece mais como entidade natural, cpia da coisa em si, mas,sim, determinada pelo que foi nomeado em uma metfora ps-estruturalistacomo jogo dos significantes.1

    Como veremos adiante, nos anos sessenta do sculo passado, surgem ostrabalhos de dois alemes, o filsofo Hans Blumenberg e o lingista HaraldWeinrich, que antecipam a teoria cognitiva das metforas em muitos aspectospor uma dedicao exclusiva metfora como um fenmeno-chave para aexperincia humana e no restrita ao reino da lngua.

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    2 .2 .2 .2 .2 . A explorao da realidade cotidiana por meio de conceitosA explorao da realidade cotidiana por meio de conceitosA explorao da realidade cotidiana por meio de conceitosA explorao da realidade cotidiana por meio de conceitosA explorao da realidade cotidiana por meio de conceitosmetafricos na teoria cognitiva de Lakoff & Johnsonmetafricos na teoria cognitiva de Lakoff & Johnsonmetafricos na teoria cognitiva de Lakoff & Johnsonmetafricos na teoria cognitiva de Lakoff & Johnsonmetafricos na teoria cognitiva de Lakoff & Johnson

    Seguindo a verso holstica da Lingstica Cognitiva, Lakoff & Johnsonobservam a metfora como um fenmeno cotidiano onipresente no qual seuslados lingstico e cognitivo so entrelaados de modo inextricvel. Desta forma,em expresses como frases vazias, palavras abertas ou papo furado, a FALA fixada pela imagem de um CONTAINER; em expresses como batalha daseleies, guerra de partidos ou embate da oposio, POLTICA fixada pelaimagem da GUERRA. Entretanto, no se trata meramente de um fenmenolingstico, mas, sim, do modo de processamento da cognio humana que, pormeio de metaforizaes diferentes, sistematiza experincias, atribuindo sentidoa elas. Essa ancoragem da descrio metafrica do mundo na experincia denominada pelos autores como experientalism (LAKOFF; JOHNSON, 1980,p. 226). Nesta perspectiva, o processo da formao da metfora descrito comoum processo de seleo e predicao, isto , h um acoplamento de dois domniosde lngua significativos por projetar uma parte das caractersticas do domniooriginal ao domnio destinatrio, ainda no estruturado. Para Lakoff & Johnson,a conexo entre esses dois domnios torna-se eixo da sua compreenso de metfora.Isto leva os autores concluso de que a maior parte da nossa experincia cotidianaapenas se torna coerente por estabelecer correspondncias entre uma rea deexperincia j deduzida conceptualmente e uma outra ainda no estruturada.Destarte, h uma interligao entre dois domnios conceptuais, o domnio fontee o domnio alvo, que serve transferncia metafrica como expresso de umprocesso cognitivo submetido (cf. LAKOFF; JOHNSON, 1980, p.5).

    Recorrendo Psicologia da Gestalt, que serviu como base para a formaoda variante holstica da Lingstica Cognitiva, Lakoff transfere a noo de gestalt lingstica, salientando que

    thought, perception, the emotions, cognitive processing, motoractivity, and language are all organized in terms of the same kind ofstructures, which I am calling gestalts. Gestalts are at once holisticand analyzable. They have parts, but the wholes are not reducibleto the parts (LAKOFF, 1977, p. 246).

    A partir de um tal realismo encarnado, ele desenvolve sua teoria dos ICM,Idealized Cognitive Models (LAKOFF, 1987), que se referem a modelos da

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    realidade como estruturas, representando de modo idealizado experinciasrecorrentes e vlidas intersubjetivamente. Por conseguinte, tais modelos formamo pano de fundo do nosso conhecimento e entendimento de conceitos singulares.Assim, um conceito como tera-feira apenas obtm seu significado comoconstruto humano carregado por todas suas conotaes culturais perante o ICMsemana. Dessa forma, conceitos so partes de ICMs e podem ressaltar econfigurar um conceito concreto perante um pano de fundo como um todo.2 Porsua vez, ICMs representam coeses estruturais que juntam conceitos metafricos,formando, desse modo, teorias cotidianas, isto , padres especficos de culturapara a explicao do mundo que residem implicitamente nas estruturasmetafricas, determinando o pensamento e os atos dos falantes. Com isso, ateoria cognitiva das metforas, em boa parte, explica o funcionamento deestruturas cognitivas e sua contribuio nossa organizao do conhecimento.

    3. A metfora na concepo de Hans Blumenberg3. A metfora na concepo de Hans Blumenberg3. A metfora na concepo de Hans Blumenberg3. A metfora na concepo de Hans Blumenberg3. A metfora na concepo de Hans Blumenberg

    Durante os anos sessenta, o filsofo Hans Blumenberg comea a dedicar-seao desenvolvimento da sua metaforologia em dois ensaios fundamentais:Paradigmen zu einer Metaphorologie,3 publicado em 1960, e Beobachtungenan Metaphern,4 de 1971.5 Focalizando os paradigmas que conduzem e conduziamas grandes reflexes filosficas, ele reconstri os modelos metafricossubmetidos s idias de uma certa corrente. Destarte, o acesso de Blumenbergao fenmeno da metfora tambm parte de uma perspectiva construtivista,substituindo, com isso, a idia de que metforas estabelecem analogias com ummundo externo:

    Was bleibt dem Menschen? Nicht die >Klarheit< des Gegebenen,sondern die des von ihm selbst Erzeugten: die Welt seiner Bilder undGebilde, seiner Konjekturen und Projektionen, seiner >Phantasieclareza< do dado, mas sim, a do prprio construto:

    o mundo das suas imagens e composies, das suas conjecturas e projees, dasua >fantasia< no novo sentido produtivo que a Antigidade no tinha conhecido.7 Como orientaes, seu contedo determina um comportamento, elas do estrutura

    ao mundo, representando o todo da realidade que nunca pode ser experimentado evisto inteiramente. Ento, ao olhar compreensivo histrico, elas indicam as certezas,

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    suposies e valorizaes fundamentais e sustentveis a partir das quais seregulavam as atitudes, expectativas, atividades e inatividades, saudades e decepes,interesses e indiferenas de uma poca.8 Metafrica do pano de fundo

    9 A metaforologia procura aproximar-se da subestrutura do pensamento, do

    subterrneo, o frutfero das cristalizaes sistemticas. [...] Pois, aqui, encontramosorientaes que so decifradas em idias modeladas de forma inteiramente elementarque passam, sob a forma de metforas, at a esfera de expresso.10

    Investigao do contedo da linguagem.11

    Moeda e palavra: Pesquisas sobre um campo de imagem.12

    Semntica da metfora ousada.13

    Semntica geral da metfora.14

    Briga por metforas.15

    Lngua em textos.16

    Teoria do campo de imagem.17

    Assim que dois domnios de sentido representarem partes de um campo deimagem, (com os termos de Jost Trier) os denominamos como campo de imagemdoador e campo de imagem recebedor. Em nossos exemplos, o campo de imagemrecebedor formado pelo domnio de sentido lngua, o campo de imagem doadorpelo domnio de sentido da economia; queremos denominar o campo de imagemque se constitui no acoplamento dos dois domnios de sentido moeda de palavra,segundo sua metfora central.18

    [...] a, impe-se a certeza de que nossas metforas no espelham similaridadesreais ou pr-pensadas, mas, sim, que, de todo, elas criam suas analogias, elas criamsuas correspondncias, sendo, assim, instrumentos demirgicos.19

    Con-determinao.20

    Qualquer palavra pode ser usada de forma isolada, por exemplo, numa pesquisahistrico-lexical, ento, de modo metalingstico. Quem tenta, porm, desnudaruma metfora de todo seu contexto, destri, com isso, a metfora. Portanto, umametfora nunca apenas uma palavra simples, sempre um pedao de um texto,mesmo pequeno.

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