Saúde em Debate 99 Equidade

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Rio de Janeiro, v. 37, n. 99 • out/dez 2013

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  • CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SADE (CEBES)

    DIREO NACIONAL (GESTO 20132015)NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 20132015)

    Presidente: Ana Maria CostaVicePresidente: Isabela Soares SantosDiretora Administrativa: Ana Tereza da Silva Pereira CamargoEditor de Poltica Editorial: Paulo Duarte de Carvalho AmaranteDiretores Executivos: Liz Duque Magno

    Maria Gabriela Monteiro Maria Lucia Frizon Rizzotto Paulo Henrique de Almeida Rodrigues Tiago Lopes Coelho

    Diretores Adhoc: Grazielle Custdio David Heleno Rodrigues Corra Filho Lucia Regina Fiorentino Souto Pedro Paulo Freire Piani

    CONSELHO FISCAL FISCAL COUNCIL

    Aparecida Isabel Bressan Yuri Zago Sousa Santana de Paula David Soeiro Barbosa

    CONSELHO CONSULTIVO ADVISORY COUNCIL

    Albineiar Plaza PintoAry Carvalho de MirandaCarlos Octvio Ock ReisCornelis Johannes Van StralenEleonor Minho ConillGasto Wagner de Souza CamposIris da ConceioJairnilson Silva PaimJos Carvalho de NoronhaJos Ruben de Alcntara BonfimLenaura de Vasconcelos Costa LobatoLigia GiovanellaMaria Edna Bezerra da SilvaNelson Rodrigues dos SantosPedro Silveira Carneiro

    SECRETARIA SECRETARIES

    Secretria Geral: Cristina Maria Vieira de Almeida SantosPesquisador: Ludmilla Torraca de Castro

    SADE EM DEBATE

    A revista Sade Em Debate uma publicao editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    EDITOR CIENTFICO SCIENTIFIC EDITOR

    Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) Maria Lucia Frizon Rizzoto (PR)

    CONSELHO EDITORIAL PUBLISHING COUNCIL

    Alicia Stolkiner Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires, ArgentinaAngel Martinez Hernaez Universidad Rovira i Virgili, Tarragona, EspanhaBreno Augusto Souto Maior Fonte Universidade Federal de Pernambuco,

    Recife (PE), BrasilCarlos Botazzo Universidade de So Paulo, So Paulo (SP), BrasilCatalina Eibenschutz Universidade Autnoma Metropolitana,

    Xochimilco, MxicoCornelis Johannes Van Stralen Unversidade Federal de Minas Gerais,

    Belo Horizonte (MG), BrasilDiana Mauri Universidade de Milo, Milo, ItliaEduardo Luis Menndez Spina Centro de Investigaciones y Estudios Superiores

    en Antropologia Social, Mexico (DF), MxicoEduardo Maia Freese de Carvalho Fundao Oswaldo Cruz, Recife (PE), BrasilGiovanni Berlinguer Universit La Sapienza, Roma, ItliaHugo Spinelli Universidad Nacional de Lans, Lans, ArgentinaJos Carlos Braga Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP), BrasilJos da Rocha Carvalheiro Fundao Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ), BrasilLuiz Augusto Facchini Universidade Federal de Pelotas, Pelotas (RS), BrasilLuiz Odorico Monteiro de Andrade Universidade Federal do Cear,

    Fortaleza (CE), BrasilMaria Salete Bessa Jorge Universidade Estadual do Cear, Fortaleza (CE), BrasilMiguel Mrquez Asociacin Latinoamericana de Medicina Social, Havana, CubaPaulo Marchiori Buss Fundao Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ), BrasilPaulo de Tarso Ribeiro de Oliveira Universidade Federal do Par, Belm (PA), BrasilRubens de Camargo Ferreira Adorno Universidade de So Paulo,

    So Paulo (SP), BrasilSonia Maria Fleury Teixeira Fundao Getlio Vargas, Rio de Janeiro (RJ), BrasilSulamis Dain Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), BrasilWalter Ferreira de Oliveira Universidade Federal de Santa Catarina,

    Florianpolis (SC), Brasil

    SECRETARIA EDITORIAL EDITORIAL SECRETARY

    Frederico Toms Azevedo

    INDEXAO INDEXATION

    Literatura Latinoamericana e do Caribe em Cincias da Sade LILACSHistria da Sade Pblica na Amrica Latina e Caribe HISASistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal LATINDEXScientific Electronic Library - SciELOSumrios de Revistas Brasileiras SUMRIOS

    ENDEREO PARA CORRESPONDNCIA

    Avenida Brasil, 4036 sala 802 Manguinhos21040361 Rio de Janeiro RJ BrasilTel.: (21) 38829140 | 38829141

    Apoio

    Ministrioda Sade

    A Revista Sade em Debate associada Associao Brasileirade Editores Cientficos

  • Rio de Janeiro v. 37, n. 99 out/dez 2013

    RGO OFICIAL DO CEBES

    Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    ISSN 0103-1104

  • 548 EDITORIAL EDITORIAL

    ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES PESQUISAS RESEARCH

    554 Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade Evaluation of the race/color variable completeness in the national health information systems for the measuring of ethnic-racial inequality in indicators used by the Performance Index of the Brazilian Unified Health System Rui Moreira Braz, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, Afonso Texeira dos Reis, Nadia Maria da Silva Machado

    563 Narrativas dos profissionais da ateno primria sobre a poltica nacional de sade integral da populao negra Primary care professionals narratives about the national policy of black population integral health Josenaide Engracia dos Santos, Giovanna Cristina Siqueira Santos

    571 Mulheres negras e brancas e os nveis de acesso aos servios preventivos de sade: uma anlise sobre as desigualdades Black and white women and the accessibility to preventive health services: an analysis of inequalities Emanuelle Freitas Goes, Enilda Rosendo do Nascimento

    580 A percepo dos psiclogos sobre o racismo institucional na sade pblica The perception of psychologists about institutional racism in public health Natlia Oliveira Tavares, Lorena Vianna Oliveira, Snia Regina Corra Lages

    588 Percepes daqueles que perguntam: - qual a sua cor? Perceptions of those who ask: - what is your color? Jaqueline Grandi, Miriam Thais Guterres Dias, Simone Glimm

    597 A experincia de uma famlia que vivencia a condio crnica por anemia falciforme em dois adolescentes The experience of a family undergoing chronic condition for sickle cell disease in their two teens Margani Cadore Weis, Mariana Roberta C. Barbosa, Roseney Bellato, Laura Filomena S. de Arajo, Alessandra Hoelscher

    Silva

    610 Comunidade quilombola: anlise do problema persistente do acesso sade, sob o enfoque da Biotica de Interveno Quilombola community: analysis of the persistent problem in health attention under the focus of the Intervention Bioethics Ana Beatriz Duarte Vieira; Pedro Sadi Monteiro

    619 As notificaes de acidentes de trabalho com material biolgico em um hospital de ensino de Curitiba/PR Reporting on work accidents with biological materials in a teaching hospital in the city of Curitiba, state of Paran, Brazil

  • Rafaela Gessner, Liliana Mller Larocca, Maria Marta Nolasco Chaves, Suzana Dal-Ri Moreira, Elizabeth dos Santos

    Wistuba, Silvia Jaqueline Pereira de Souza

    628 A organizao do acesso aos servios de sade bucal na estratgia de sade da famlia de um municpio da Bahia The organization of the access to dental health services within the family healthcare strategy in a municipality in Bahia Roseli Pereira Tavares, Giovanni Caponi Costa, Michelle Lopes Miranda Falco, Patrcia Suguri Cristino

    ENSAIOS ESSAYS

    636 Testagem anti-HIV: indagaes sobre a expanso da oferta sob a perspectiva do acesso e da construo da demanda The HIV diagnosis: questions about the supply broadening from the perspectives of access and demand construction Neide Emy Kurokawa e Silva, Luzia Aparecida Oliveira, Leyla Gomes Sancho

    646 O sujeito implicado e a produo de conhecimento cientfico The implicated subject and the scientific knowledge production Moacir Tavares Martins Filho, Paulo Capel Narvai

    655 A gesto por meio da avaliao individualizante e competitiva como elemento comum nas polticas pblicas e gerenciais contemporneas: uma contribuio crtica a partir de Michel Foucault The management by means of the individualizing and competitive assessment as a joint element in contemporary public and management policies: a critical contribution from the work of Michel Foucault Tadeu de Paula Souza, Gustavo Tenrio Cunha

    REVISO REVIEW

    664 Adolescncia, crise e ateno psicossocial: perspectivas a partir da obra de Ren Kas Adolescence, crisis and psychosocial care: perspectives from the work of Ren Kas Melissa Pereira, Marilene de Castilho S, Lilian Miranda

    672 Perspectivas e desafios do ncleo de apoio sade da famlia quanto s prticas em sade Prospects and challenges of core support for family health as to practice in health Karla Ferraz dos Anjos, Saulo Sacramento Meira, Carla Elo de Oliveira Ferraz, Alba Benemrita Alves Vilela, Rita

    Narriman Silva de Oliveira Boery, Edite Lago da Silva Sena

    RELATO DE EXPERINCIA CASE STUDY

    681 Iniquidades raciais e sade: o ciclo da poltica de sade da populao negra Racial inequalities and health: healthcare policy cycle of the black population Lus Eduardo Batista, Rosana Batista Monteiro, Rogrio Araujo Medeiros

  • 548 Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 548-553, out/dez 2013

    EDITORIAL EDITORIAL

    A equidade como poltica

    Uma das premissas componentes do sistema pblico universal de sade sua permeabilidade para as demandas advindas da sociedade, que se formam, historicamente, na pujana das relaes sociais que estruturam e conformam a dinmica social.

    O CEBES renova seu papel como parte integrante do movimento sanitrio, atuando na busca e construo de uma sociedade em que a sade entendida como dimenso integrante da vida e resultante da democracia baseada na igualdade das relaes em sociedade.

    Atualmente, so vvidos e crescentes o anseio e a necessidade de retomada das bases polticas e dos princpios da Reforma Sanitria como projeto para uma sociedade que promova e respeite os direitos sociais e humanos dos seus grupos e coletivos. O movimento pelos direitos sociais e humanos ressurgiu com fora nas manifestaes populares ocorridas em 2013, e o CEBES vem acompanhando e participando de perto por meio de anlises conjunturais e ao poltica.

    A construo do Sistema de Sade brasileiro enfrenta desafios crescentes na concretizao do acesso e qualidade dos servios. Nas duas ltimas dcadas, o tema da sade da populao negra tem se caracterizado pela demanda por melhoria da sade e do atendimento oferecidos a segmentos da populao em desvantagem social. Essa condio desfavorvel gerada tanto pelas relaes econmicas desi-guais como pelo racismo estrutural e simblico, ambos cultural e historicamente instalados na sociedade brasileira, permeando todas as reas de atuao humana, inclusive a da sade.

    Os artigos temticos que compem este nmero da Revista Sade em Debate trazem para a discusso pesquisas, avaliaes e experincias sobre a sade da popu-lao negra e a persistncia das desigualdades e iniquidades tnico-raciais. Mais do que um campo de investigao, a sade da populao negra no se restringe apenas questo da produo de conhecimento sobre um problema real. Configura-se numa nsia por melhoria de condies de vida e de sade que requer um siste-ma de ateno sade capaz de atender integralmente s especificidades que se manifestam na populao. Tais especificidades esto associadas a prticas e atitu-des marcadas pela excluso tnico-racial, com frequncia considerada inexistente. Entretanto, a visibilidade estrutural alcanada por tal anseio nestes ltimos anos, tanto nos movimentos sociais como na academia e nas polticas governamentais, deve ser creditada fora e organizao poltica dos seus atores.

    A racializao que o movimento negro e os grupos acadmicos incorpora-ram em suas anlises tem natureza histrica. No uma inveno transplantada de outros lugares, mas um processo histrico secular de acontecimentos e debates

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    EDITORIAL EDITORIAL

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    que hoje culminam em polticas de aes afirmativas mais factveis e amplas. Pode ser difcil comparar mais de um sculo de conquistas da populao negra brasileira com duas dcadas de ao afirmativa no Brasil, porm, a racializao, que agora atravessa a rea da sade, o caminho que segmentos da sociedade brasileira es-colheram, mesmo que no estejam isentos de equvocos ou acertos, o que justifica ainda mais a necessidade de estudar, debater e conhecer.

    H, dentre os tericos brasileiros, aqueles que sustentam posies crticas racializao da sociedade brasileira retomada nos anos 1990 com a multiplicao de polticas para populaes negras. O argumento principal o de que o modelo histrico de relaes tnico-raciais no Brasil diferente daquele vivido nos EUA ou na frica do Sul, que nossas classificaes raciais so mltiplas e no estritamente bipolares entre negros e brancos.

    A complexidade tnico-racial da sociedade brasileira, contudo, no a isentou de uma hierarquizao social perversa e de consequncias culturais duradouras, produzindo privilgios e excluses, reforando as desigualdades sociais e econmi-cas, enfim, gerando claro impacto sobre as formas de adoecimento e morte nessas populaes que hoje so bem estudadas. O acesso e a qualidade dos servios de sa-de ainda revelam tratamento diferenciado a negros e no negros, como se fossem cidados de primeira e segunda categorias.

    imperativo que se respeitem as experincias e sentidos daqueles que se au-toclassificam como negros no Brasil. No mera classificao, mas posio poltica oriunda de experincia de vida que lhes permite escolher o caminho que desejam para suas vidas e de seus coletivos. o direito autodeterminao poltica e cultu-ral para alcanarem padres de existncia mais justos. Por isso, fundamental que se construa uma agenda capaz de promover a investigao sobre a sade da popu-lao negra e o racismo institucional para que o sistema universal de sade absorva as demandas da populao.

    Alguns artigos deste nmero analisam, tambm, o acesso aos servios de sade como indicador de avaliao da equidade do sistema. Apesar dos avanos ocorridos na ltima dcada na ampliao e oferta dos servios, as condies prti-cas que favorecem o atendimento denominado acessibilidade por alguns autores continuam apresentando grande fragilidade, principalmente quanto presena de profissionais de sade, tempo de espera para atendimento, disponibilidade de exames complementares e o importante trabalho de cuidado que envolve a promo-o, preveno e recuperao. O atendimento ainda carece de polticas consistentes para sua sustentabilidade.

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    EDITORIAL EDITORIAL

    importante reafirmar que acesso no a simples abertura de novo servio; requer planejamento estrutural e epidemiolgico, capacitao da equipe do servi-o, articulao com a rede local de sade, assim como as demandas advindas do envolvimento da sociedade civil organizada. O acesso um conjunto de decises, financiamento e medidas que exigem mudana de cultura poltica e organizacional.

    O CEBES nasceu com os movimentos sociais e populares e continua a dialo-gar com a sociedade e suas demandas de forma a transformar estruturas e viabilizar o projeto de equidade para a sociedade brasileira. Em sua trajetria de construo da Reforma Sanitria, o CEBES tem analisado criteriosamente os eventos e proble-mas da sade. Com este nmero, o CEBES privilegia o tema Sade da Populao Negra, reforando, mais uma vez, a aliana com os segmentos que se encontram em situao de desigualdade e excluso em quaisquer de suas possveis dimenses histricas. Esta a democracia que perseguimos e que pode produzir reais mudan-as sociais e na sade.

    Nelson Mandela vive. Viva Mandela!

    Diretoria Nacional do Cebes

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    EDITORIAL EDITORIAL

    Equity as a policy

    One of the premises that integrate the universal public health system is its capacity of absorbing the demands arising from society, historically formed in the strength of social relations that organize and shape social dynamics.

    CEBES renews its role as integral part of the sanitary movement, working on the search and construction of a society in which health is understood as one of life dimensions and results from the democracy grounded on the society equality of relations.

    Currently, are vivid and growing the wish and the need for resumption of politi-cal bases and principles of Sanitary Reform as a project for a society that promotes and respects the social and human rights of their groups and collectives. Social and human rights movement re-emerged powerfully in the popular demonstrations occurring in 2013, and CEBES has been following and participating closely by means of the conjuncture analysis and political action.

    The construction of the Brazilian Health System faces growing challenges in the implementation of access and quality of services. During the last two decades, the issue regarding health of black population has been characterized by demands for the improvement in health and care rendered to social disadvantaged population segments. This unfavorable condition is generated also by unequal economic rela-tions as by structural and symbolic racism, both culturally and historically installed in Brazilian society, pervading all areas of human activity, including health.

    The articles that make up this thematic issue of Revista Sade em Debate bring to discussion surveys, assessments and experiences about health of the black population and the persistence of inequalities and ethnic and racial inequities. More than a field of research, health of the black population is not solely restricted to the question of knowledge production about a real problem. It is a craving for the improvement of living and health conditions that requires a health care system capable to fully meeting the specificities manifested within the population. Such specificities are associated with practices and attitudes marked by ethnic and racial exclusion, often considered as nonexistent. However, the structural visibility achie-ved by such yearning in recent years, also in social movements as in academia and in government policies, must be credited to the strength and political organization of its actors.

    The racialization that black movement and academic groups incorporated into their analyses is historical in nature. It is not an invention transplanted from elsewhere, but a secular historical process of events and debates that culminate in more feasible and broadened policies of affirmative action. It may be difficult to

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    EDITORIAL EDITORIAL

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 548-553, out/dez 2013

    compare more than a century of achievements of the Brazilian black population with two decades of affirmative action in Brazil. However, the racialization that now pervades the health area is the path Brazilian society segments chose to pur-suit, even not being free of mistakes or successes, what justifies the need for further study, discuss and learn.

    There are, among Brazilian theorists, those who hold critical positions to the racialization of the Brazilian society resumed in 1990 with the multiplication of policies pro black populations. The main argument holds that historical model of ethnic-racial relations in Brazil is different from that lived in America or in South Africa; that it embodies multiple racial classifications not strictly concerning to the duality blacks-or-whites.

    Ethnic and racial complexity of Brazilian society, however, did not exempted it from a perverse social hierarchy of a long lasting cultural impact, producing privile-ges and exclusions, reinforcing social and economic inequalities, generating, in the end, clear impact on forms of illness and death to these populations who are today well investigated. Access and quality of health services still reveal different treatments to non-blacks and blacks as if they were citizens of first and second categories.

    It urges to respect the experiences and senses of those who are self-classified as blacks in Brazil. Its not a mere classification, but a political position taken upon life experience that allows them choosing the path desired for themselves and their collectives. It is the right to political and cultural self-determination towards the achievement of fairer patterns. Therefore, it is essential to build an agenda capable of promoting research on health of black population and institutional racism so that universal health care system absorb the demands of the population.

    Some articles in this number also analyze the access to health services as an assessment indicator of the system fairness. Despite the advances over the past decade in the expanding and offering of services, the practical conditions favoring the attendance named accessibility by some authors still show great fragility, especially as for the presence of health professionals, attendance waiting time, avai-lability of complementary tests and the important work of care involving promo-tion, prevention and recovery. The service still lacks consistent policies to achieve sustainability.

    It is important to reaffirm that access is not the mere opening of a new servi-ce; it requires structural and epidemiological planning, service staff training, liai-son with health local network, as well as the demands arising from the involvement of the organized civil society. Access is a joint of decisions, funding and measures that require political and organizational culture changes.

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    EDITORIAL EDITORIAL

    CEBES was born in the midst of social and popular movements and conti-nues to dialogue with the society and its demands so to transform structures and enable the equity design for Brazilian society. In its path towards Sanitary Reform, CEBES has carefully reviewed the events and health problems. This issue empha-sizes the theme Health of Black Population, reinforcing, once again, the alliance with the segments living under inequality and exclusion in any of their possible historical dimensions. This is the democracy we have been after and that can pro-duce real social changes and health.

    Nelson Mandela lives. Viva Mandela!

    Cebes National Board.

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    ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 554-562, out/dez 2013

    RESUMO: Avaliou-se o preenchimento da varivel raa/cor em oito sistemas/mdulos na-cionais de informao em sade, bem como a viabilidade de clculo e uso de indicadores segundo esse quesito na avalio do Sistema nico de Sade. Somente trs sistemas/mdulos estavam adequados para validar trs dos 24 indicadores usados pelo ndice de Desempenho do SUS. Apesar dos avanos nas estratgias para sade de grupos tnico--raciais, o aprimoramento do preenchimento da varivel permitir melhor avaliao da situao de sade da populao negra. Recomenda-se monitoramento dessa varivel por meio da qualificao da coleta e alimentao dos dados. importante socializar o debate sobre equidade tnico-racial em sade, utilizando-se o referido ndice de desempenho para acompanhamento da ateno sade da populao negra pelos governos e movi-mentos sociais.

    PALAVRAS-CHAVE: Completude; Avaliao de desempenho; Populao negra

    ABSTRACT: The race/color variable was assessed in eight national systems/modules of health information. The calculation feasibility and use of indicators were also evaluated as for this same issue under the Unified Health System. Only three modules/systems could validate three out of the 24 indicators used by the SUS Performance Index. Despite advances towards health of ethnic and racial groups, the completeness of the variable is mandatory to allow for a better evaluation of the black population heath conditions. The monitoring of this variable is recom-mended by improving data collection and feed. It is important to broaden the debate on ethnic and racial equity in health by applying the mentioned performance index for monitoring the black population health care by Governments and social movements.

    KEYWORDS: Completeness; Performance assessment; Black population.

    1 Doutor em Medicina Tropical pela Universidade de Braslia (UnB) Braslia (DF), Brasil. Administrador-Sanitarista no Departamento de Monitoramento e Avaliao do Sistema nico de Sade, Secretaria Executiva, Ministrio da Sade Braslia (DF), Brasil. [email protected]

    2 Doutor em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Professor da Universidade Federal do Par (UFPA) Belm (PA), Brasil. Diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliao do Sistema nico de Sade, Secretaria Executiva, Ministrio da Sade Braslia (DF), Brasil. [email protected]

    3 Mestre em Sade Pblica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte (MG), Brasil. Coordenador Geral de Monitoramento e Avaliao, Departamento de Monitoramento e Avaliao do Sistema nico de Sade, Secretaria Executiva, Ministrio da Sade Braslia (DF), Brasil. [email protected]

    4 Especialista em Gesto de Polticas Sociais pela Universidade Paulista (UNIP) Braslia (DF), Brasil. Consultora da OPAS/OMS no Departamento de Monitoramento e Avaliao do Sistema nico de Sade, Secretaria Executiva, Ministrio da Sade Braslia (DF), Brasil. [email protected]

    Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

    Evaluation of the race/color variable completeness in the national health information systems for the measuring of ethnic-racial inequality in indicators used by the Performance Index of the Brazilian Unified Health System

    Rui Moreira Braz1, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira2, Afonso Texeira dos Reis3, Nadia Maria da Silva Machado4

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    Introduo

    A busca de contedo informacional aprimorado e capaz de incorporar as mltiplas dimenses das iniquidades em sade em diferentes contextos sociais representa um desafio (MAGALHES, 2007). No Brasil, o Minist-rio da Sade vem fortalecendo a agenda de promoo da equidade racial em sade com a implementao de diversas estratgias para identificar, prevenir e enfrentar as desigualdades e discriminaes de segmentos exclu-dos historicamente. Em 2009, foi instituda a Poltica Nacional de Sade Integral da Populao Negra (PN-SIPN), cujo objetivo geral promover a sade integral dessa populao, priorizando a reduo das desigualda-des tnico-raciais, o combate ao racismo e discrimi-nao nas instituies e servios do Sistema nico de Sade (SUS) para reduo das iniquidades (BRASIL, 2009). As diretrizes e metas para alcance desse objetivo encontram-se ratificadas no Plano Nacional de Sade 2012-2015 (BRASIL, 2011a, p. 70). No processo de implantao dessa Poltica, o MS tem garantido a ges-to transparente e participativa com os diversos atores sociais, possibilitando o acompanhamento dos resul-tados com recorte tnico-racial por meio dos grandes sistemas de informao em sade, a exemplo do que ocorre atualmente com a AIDS, Tuberculose e Hanse-nase, na Sala de Apoio Gesto Estratgica (SAGE), disponvel em: .

    A qualidade dos sistemas de vigilncia em sade definida por atributos como a completude, oportu-nidade, utilidade, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, simplicidade, flexibilidade, aceitabi-lidade e representatividade (WORLD HEALTH OR-GANIZATION, 2006, p.15). A completude dos da-dos influencia os demais atributos, pois a qualidade da informao fundamental para avaliar o desempenho dos sistemas de sade. A completude se refere propor-o de casos notificados, apropriadamente, para as au-toridades de sade, sendo importante para doenas de ocorrncia frequente e necessria para comparaes nos mbitos nacional e internacional (DOYLE et al, 2002). , portanto, a relao entre o nmero de casos registra-dos e ocorridos, mantendo conexo com a sensibilidade do sistema e assegurando se os dados foram coletados

    e registrados adequadamente, inclusive para os eventos vitais como nascimentos e bitos.

    Alguns estudos analisaram a completude dos siste-mas de informao, seja para eventos especficos, como tuberculose (MOREIRA, MACIEL, 2008), mortalida-de por suicdio (MACENTE; ZONDANADE, 2010), declarao de nascidos vivos e bito neonatal (BAR-BUSCIA; RODRIGUES-JNIOR, 2011) ou para vi-gilncia de grupos de doenas nos Estados Unidos da Amrica (JAJOSKY; GROSECLOSE, 2004), no Colo-rado-EUA (VOGT, et al., 2006) ou na Coria (YOO, et al., 2009). Avaliar os sistemas de informao im-prescindvel, pois so instrumentos para o diagnstico situacional, podendo caracterizar populaes sob risco e planejar estratgias conforme as especificidades de cada grupo populacional (ZILLMER, et al., 2010). Os siste-mas de informao podem contribuir, ainda, para pr-ticas de sade baseadas em evidncias (RODRIGUES, 2000). A apropriao das informaes em sade pelos gestores e pela sociedade deve considerar os pontos for-tes e suas limitaes, resultado de avaliaes regulares e sistemticas dos dados disponibilizados. Nesse senti-do, a qualidade da informao essencial para a anlise da situao sanitria e para a programao de aes de sade (LIMA, et al., 2009), tornando os sistemas de informao primordiais nos processos de planejamen-to, monitoramento, avaliao e tomada de deciso nos distintos nveis de competncia das polticas pblicas de sade (LAGUARDIA et al., 2004).

    O ndice de Desempenho do SUS (IDSUS) um programa institudo pelo MS com o objetivo principal de avaliar o desempenho do SUS quanto ao cumpri-mento de seus princpios da universalidade do acesso, integralidade da ateno, regionalizao e hierarquiza-o; nos municpios, regies, estados e no Brasil, tem como objeto o SUS que atende o residente em cada municpio brasileiro e, como linhas avaliativas, as difi-culdades do acesso e os resultados segundo as melhores respostas esperadas. Objetiva, tambm, detectar defi-cincias, visando implementao de melhorias e no apenas classificao dos nveis de desempenho (BRA-SIL, 2011b). No clculo do IDSUS, so utilizadas as notificaes de casos de doenas, internaes, atendi-mentos ambulatoriais e eventos vitais constantes dos

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. xxx-xxx, out/dez 2013

    BRAZ, R.M; OLIVEIRA, P. T. R.; REIS, A. T.; MACHADO, N. M. S. Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

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    BRAZ, R.M; OLIVEIRA, P. T. R.; REIS, A. T.; MACHADO, N. M. S. Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 98, p. 373-387, dezembro 2013

    diversos sistemas de informao utilizados pelos trs n-veis de gesto (municipal, estadual e federal). Visando a melhorar a avaliao das equidades entre grupos popu-lacionais, o MS props avaliar a incluso de recorte t-nico-racial nos indicadores do IDSUS com vistas me-lhoria das informaes voltadas para a poltica nacional de sade integral da populao negra. Para que o ID-SUS represente a realidade desse grupo populacional, necessrio que a coleta de dados relativos raa/cor seja qualificada para no fragilizar a construo de indica-dores que melhor avaliem a ateno sade quando se trata de um segmento especfico. Nessa perspectiva, este estudo objetiva analisar a completude do campo raa/cor em oito sistemas/mdulos de informao em sade para verificar a possibilidade de aferio da equidade tnico-racial nos indicadores usados pelo IDSUS.

    Mtodo

    Trata-se de estudo de abrangncia nacional, compreen-dendo todos os municpios e estados que alimentam os sistemas de informao objeto desta avaliao. Foram analisados os seguintes sistemas de informao: 1) Sis-tema de Informaes sobre Nascidos Vivos (SINASC); 2) Sistema de Informaes de Agravos de Notificao (SINAN) mdulos: a) Sfilis congnita; b) Hansena-se; c) Tuberculose; 3) Sistema de Informaes Ambula-toriais do Sistema nico de Sade (SIA/SUS) mdu-los: a) Autorizao de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade (APAC); b) Boletim de Produo Ambulatorial Individualizado (SIA-BPAI); 4) Sistema de Informaes Hospitalares (SIH/SUS); 5) Sistema de Informaes sobre Mortalidade (SIM). De acordo com o percentual de preenchimento do campo raa/cor, os sistemas de informao foram classificados em: adequado (> 90% de preenchimento) ou inadequado (< 90% de preenchimento), em relao possibilida-de de clculo dos indicadores do IDUS, com recorte tnico-racial. Para que o sistema fosse considerado adequado, cada um dos trs anos mais recentes deveria apresentar pelo menos 90% de preenchimento do cam-po raa/cor. Foram considerados somente os trs anos mais recentes disponveis em cada srie histrica por ser

    este o perodo definido para construo dos indicadores do IDSUS. Os demais anos anteriores foram utilizados para anlise da evoluo temporal do preenchimento do campo avaliado.

    A possibilidade de validao com recorte tnico--racial dos 24 indicadores do IDSUS foi verificada adotando-se dois critrios: 1) com possibilidade de validao quando o indicador tinha como fonte de dados um dos sistemas de informao avaliado como adequado, segundo a classificao acima; 2) sem possi-bilidade de validao quando o indicador teve como fonte de dados um dos sistemas de informao avalia-do como inadequado, ou, ainda, quando o indicador no utilizava, como fonte de dados, os sistemas de in-formao avaliados.

    A completude da varivel foi avaliada utilizando--se os programas de tabulao de dados de sade (TA-BWIN e TABNET) do Departamento de Informtica do SUS (Datasus), Secretaria de Gesto Estratgica e Participativa, Ministrio da Sade. Todos os dados utilizados so pblicos e disponibilizados na inter-net pelo Datasus em (dados do SINAN) e (demais dados). Por envolver apenas o uso de dados secund-rios agregados, sem identificao de indivduos, este estudo no acarretou risco s pessoas ou aos animais, dispensando os requisitos da Resoluo 196/1996, do Conselho Nacional de Sade.

    Resultados

    Os resultados apurados para o SINASC demonstraram a disponibilidade de uma srie histrica de nascidos vivos de 1994 at 2012. O preenchimento do campo raa/cor teve incio em 1996 com um percentual de 1,3%, alcanando 95,6% em 2010. Quando analisados somente os trs anos mais recentes, de 2010 a 2012, verificou-se que em 2011 o percentual de preenchi-mento desse campo teve queda vertiginosa para 41,1%, sendo maior em 2012, quando decaiu para 3,5%. (Fi-gura 1A). A srie histrica de Sfilis congnita estava disponvel no SINAN no perodo de 2001 a 2010.

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    H SIMG SIH/SUS

    A SINASC B SINAN Sfilis congnita

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    C SINAN Hansenase B SINAN Tuberculose

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    F SIA/BPAI

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    2008

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    2008

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    E SIA-APAC

    Fonte: MS/SVS/SAS SINASC, SINAN, SIA/SUS, SIH/SUS e SIM.

    Figura 1. Percentual de preenchimento do campo raa/cor em oito sistemas/mdulos de informao do SUS, em diferentes perodos. Brasil, 1994 a 2012

    100

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    BRAZ, R.M; OLIVEIRA, P. T. R.; REIS, A. T.; MACHADO, N. M. S. Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

    Nesse perodo, observou-se incremento contnuo do percentual de preenchimento do campo raa/cor para essa doena, iniciando em 2001 com 6,8% de preen-chimento, passando para 82,6% em 2010. Em todos os anos, o percentual de preenchimento do campo raa/cor manteve-se abaixo de 90% (Figura 1B).

    Os casos de Hansenase esto disponveis para an-lise no perodo de 2001 a 2012. O percentual de pre-enchimento do campo raa/cor iniciou com 18,6%, em 2001, e ultrapassou 90% em 2004, mantendo-se acima desse valor nos anos seguintes. Nos trs anos mais recen-tes da srie, 2010 a 2012, o percentual de preenchimento desse campo variou entre 94,6% e 95,1% (Figura 1C). A srie histrica dos casos de Tuberculose abrange o per-odo de 2001 a 2012. O preenchimento do campo raa/cor iniciou-se em 2001, com percentual de 11,8%. Ape-sar de o preenchimento desse campo ter aumentado gra-dualmente durante todo o perodo, somente ultrapassou os 90% em 2010, mantendo-se acima desse referencial no perodo de 2010 a 2012 (Figura 1D).

    Em relao ao mdulo de autorizao de proce-dimentos ambulatoriais de alta complexidade - SIA/APAC, no houve muita variao no percentual de

    preenchimento do campo raa/cor, analisado no perodo de 2008 a 2012. O preenchimento desse campo man-teve-se abaixo dos 30% em todos os anos, variando de 19,6% em 2008 a 28,8% em 2012 (Figura 1E). O per-centual de preenchimento do campo raa/cor no Boletim de Produo Ambulatorial Individualizada SIA/SUS--BPAI tambm apresentou pouca variao no perodo de 2008 a 2011. O preenchimento do campo manteve-se um pouco acima de 50% em todos os anos, variando de 52,4%, em 2008, a 54,2%, em 2012 (Figura 1F).

    No sistema de internaes hospitalares - SIH/SUS, o percentual de preenchimento do campo raa/cor apresentou-se estvel no perodo de 2008 a 2012, com valores variando entre 64,3%, em 2012, e 65,9%, em 2011 (Figura 1G). Os dados temporais sobre mor-talidade SIM foram analisados no perodo de 1997 a 2010. Nesse perodo, o percentual de preenchimento do campo raa/cor iniciou-se com 43,2%, em 1997, e apresentou incremento progressivo at alcanar 90,6% em 2004, mantendo-se acima dos 90% no restante do perodo. Nos trs anos mais recentes, 2009 a 2011, o percentual de preenchimento desse campo variou de 92,8% a 94,0% (Figura 1H).

    Tabela 1. Classificao de oito sistemas/mdulos de informao do SUS em relao completude do campo raa/cor. Brasil, 2008 a 2012

    SISTEMA/MDULO DE INFORMAO

    PERODO TRS ANOS MAIS RECENTES

    % PREENCHIMENTO

    CAMPO RAA/COR

    (MDIA TRS ANOS )

    CLASSIFICAO

    SINASC 2010-2012 46,7 Inadequado

    SINAN-Sfilis congnita 2008-2010 80,6 Inadequado

    SINAN-Hansenase 2010-2012 94,8 Adequado

    SINAN-Tuberculose 2010-2012 91,7 Adequado

    SIA/SUS-APAC 2010-2012 24,4 Inadequado

    SIA/SUS-BPAI 2010-2013 52,5 Inadequado

    SIH-SUS 2010-2012 65,1 Inadequado

    SIM 2009-2011 93,5 Adequado

    Fonte: MS/SVS/SAS SINASC, SINAN, SIA/SUS, SIH/SUS e SIM.

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    BRAZ, R.M; OLIVEIRA, P. T. R.; REIS, A. T.; MACHADO, N. M. S. Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

    A avaliao da completude do campo raa/cor dos oito sistemas/mdulos de informao em sade, volta-da para a viabilidade de recorte tnico-racial dos indica-dores do IDSUS, permitiu classificar trs (37,5%) siste-mas/mdulos como adequados e cinco (62,5%) como inadequados (Tabela 1). Foi possvel verificar, tambm, que, dos 24 indicadores utilizados para construo do IDSUS, apenas trs (12,5%) foram considerados como tendo possibilidade de validao em relao ao campo raa/cor: 1) Proporo de acesso hospitalar dos bitos por acidente; 2) Proporo de cura de casos novos de tuberculose pulmonar bacilfera; e 3) Proporo de cura dos casos novos de hansenase. Os demais indicadores (87.5%) foram considerados como sem possibilidade de validao por apresentarem menos de 90% de pre-enchimento do campo raa/cor (Tabela 2).

    Discusso

    Enfatiza-se, inicialmente, que o propsito aqui no foi avaliar a qualidade dos sistemas de informao em sa-de contidos neste estudo, porquanto sabido da impor-tncia desses sistemas no direcionamento das aes de ateno sade no SUS. Pretendeu-se verificar, concre-tamente, a possibilidade de aferio da equidade tnico--racial no SUS conceito que considera as desigualda-des sociais como injustas e evitveis (BRASIL, 2013). Nesse sentido, a presente avaliao de completude de-monstrou que a maioria dos sistemas de informao es-tudados no possibilitou a validao dos indicadores do IDSUS em relao ao atributo raa/cor. Isso implica a dificuldade atual de se dimensionar o desempenho do SUS em relao ao princpio da equidade da ateno sade com recorte tnico-racial. Especificamente, da-quele grupo alcanado pela Poltica Nacional de Sade Integral da Populao Negra.

    Alguns sistemas de informao como SIM, SI-NAN-Hansenase e SINAN-Tuberculose mostraram--se adequados, enquanto os demais sistemas apresen-taram limitaes evidentes quanto ao preenchimento do campo raa/cor. Os achados do presente estudo so corroborados por Soares-Filho (2012), que conside-rou satisfatria a proporo de, no mnimo, 90% de

    preenchimento do campo raa/cor ao analisar a comple-tude dessa varivel nos sistema de informao SIM, SI-NASC e SINAN (mdulos AIDS, hansenase, tubercu-lose, doena de chagas e sfilis em gestantes). Por outro lado, nos demais mdulos do SINAN e no SIH/SUS, o preenchimento do atributo raa/cor no foi satisfatrio. Felix et al. (2012), em um estudo sobre mortalidade por cncer de mama, categorizaram como excelente e bom o fato de a varivel raa/cor, na declarao de bito, ter apresentado at 10% de preenchimento incompleto, ou seja, um mnimo de 90% de preenchimento. O mesmo critrio foi utilizado por Macente e Zandonade (2010) ao avaliarem a mortalidade por suicdio no SIM.

    Um aspecto a ser observado em relao ao SINASC que houve um declnio abrupto no preenchimento do campo raa/cor nos anos de 2011 e 2012, diferentemen-te dos anos anteriores, quando esse preenchimento foi considerado satisfatrio, tanto nas anlises de Soares--Filho (2012) quanto neste estudo (Figura 1A). Esse fato poder inviabilizar o clculo de um dos indicadores do IDSUS Proporo de nascidos vivos de mes com sete ou mais consultas de pr-natal em relao ao enfoque tnico-racial (Tabela 2). A introduo do recorte tnico--racial no clculo do IDSUS importante, porque esse ndice pode melhorar a pontuao de desempenho do SUS naqueles entes federados que apresentarem me-lhor execuo da Poltica Nacional de Sade Integral da Populao Negra. Contrariamente, aqueles com baixo desempenho alcanaro menores notas. Este aspecto primordial no direcionamento das polticas pblicas de sade. Por isso, relevante a qualificao do campo raa/cor nos grandes sistemas nacionais de informao em sade para identificar as diferenas e as necessidades reais, possibilitando melhor acerto nas polticas de promoo da equidade. Ressalta-se que, apesar do entendimento de que no se estabelece uma relao de causalidade entre o quesito raa/cor e o surgimento de doenas, essa infor-mao pode dar significativas indicaes sobre as condi-es de vida e sade da populao negra (APARECIDA--PINTO; SOUZAS, 2002).

    Deve-se salientar a importncia do IDSUS no s para mensurar as desigualdades e classificar as ins-tncias de gesto no SUS, mas, principalmente, para detectar as deficincias e subsidiar o planejamento das

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    Tabela 2. Indicadores do ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade segundo fonte de dados e possibilidade de validao do indicador a partir do campo raa/cor. Brasil, 2013

    N INDICADOR FONTE DE DADOS

    POSSIBILIDADE DE VALIDAO DO INDICADOR

    1 Cobertura populacional estimada pelas equipes bsicas de sade CNES e IBGE Sem possibilidade

    2 Cobertura populacional estimada pelas equipes bsicas de sade bucal CNES e IBGE Sem possibilidade

    3 Proporo nascidos vivos de mes com no mnimo sete consultas de pr-natal

    SINASC Sem possibilidade

    4 Razo de exames de mamografia de rastreamento realizados em mulheres de 50 a 69 e populao da mesma faixa etria.

    SIA-BPAI Sem possibilidade

    5 Razo exames citopatolgicos do colo do tero em mulheres de 25 a 59 anos e populao da mesma faixa etria.

    SIA-BPAI Sem possibilidade

    6 Razo de procedimentos ambulatoriais selecionados de mdia complexidade e populao residente.

    SIA/SUS e IBGE Sem possibilidade

    7 Razo de internaes clnico-cirrgicas de mdia complexidade e populao residente.

    SIH/SUS e IBGE Sem possibilidade

    8 Razo de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade sele-cionados e populao residente.

    SIA/SUS e IBGE Sem possibilidade

    9 Razo de internaes clnico-cirrgicas de alta complexidade e populao residente.

    SIH/SUS e IBGE Sem possibilidade

    10 Proporo de procedimentos ambulatoriais de mdia complexidade para no residentes.

    SIA/SUS Sem possibilidade

    11 Proporo de internaes de mdia complexidade realizadas para no residentes.

    SIH/SUS Sem possibilidade

    12 Proporo de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade realizados para no residentes.

    SIA/SUS Sem possibilidade

    13 Proporo de internaes de alta complexidade para no residentes. SIH/SUS Sem possibilidade

    14 Proporo de acesso hospitalar dos bitos por acidente. SIM Com possibilidade

    15 Cobertura com a vacina tetravalente. SI-PNI e SINASC Sem possibilidade

    16 Proporo de cura de casos novos de tuberculose pulmonar bacilfera. SINAN-TUBERCULOSE

    Com possibilidade

    17 Proporo de cura dos casos novos de hansenase. SINAN-HANSENASE

    Com possibilidade

    18 Taxa de Incidncia de Sfilis Congnita. SINAN-SFILIS CONG e SINASC

    Sem possibilidade

    19 Proporo de internaes sensveis ateno bsica (ISAB). SIH/SUS Sem possibilidade

    20 Mdia da ao coletiva de escovao dental supervisionada. SIA/SUS e IBGE Sem possibilidade

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    BRAZ, R.M; OLIVEIRA, P. T. R.; REIS, A. T.; MACHADO, N. M. S. Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

    N INDICADOR FONTE DE DADOS

    POSSIBILIDADE DE VALIDAO DO INDICADOR

    21 Proporo de exodontia em relao aos procedimentos. SIA/SUS e IBGE Sem possibilidade

    22 Proporo de parto normal. SINASC Sem possibilidade

    23 Proporo de bitos, em menores de 15 anos, nas Unidades de Terapia Intensiva UTI.

    SIH/SUS Sem possibilidade

    24 Proporo de bitos nas internaes por infarto agudo do miocrdio (IAM). SIH/SUS Sem possibilidade

    Fonte: Elaborao prpria. Notas: CCSAP: Condies Cardiolgicas Sensveis Ateno Primria; HAS: Hipertenso Arterial Sistmica; IC: Insuficincia Cardaca.

    aes para enfrentamentos das situaes tnico-raciais adversas. certo que existem vrios documentos que abordam estratgias relacionados melhoria da sade de grupos tnico-raciais, a exemplo da PNSIPN, de-notando grandes avanos a serem considerados, pois se trata da construo de uma poltica setorial, com re-corte racial, geradora de processo de diferenciao e de busca de legitimao, no mbito da sade pblica, dos agravos sofridos pela populao negra (MAIO; MON-TEIRO, 2005). A existncia de polticas avanadas no papel um grande passo, mas no suficiente para ga-rantir avanos sociais de fato, tanto em relao aos im-pactos da poltica quanto em relao ao direcionamento de recursos e esforos governamentais, pois a no ado-o de medidas estatais de combate s desigualdades raciais contribui para sua manuteno (FAUSTINO, 2012), principalmente, em sociedades como a brasi-leira, na qual relaes de classe so racializadas e rela-es raciais so dependentes da classe social (CHOR; ARAUJO-LIMA, 2005). Para que o IDSUS possa ser o indutor das polticas de sade com recorte tnico--racial, torna-se fundamental o preenchimento adequa-do do campo raa/cor nos sistemas de informao que fornecem dados para a construo de seus indicadores.

    Torna-se necessria, ainda, a discusso permanente so-bre o alcance de indicadores selecionados a partir de sua repercusso na sade e, tambm, de sua capacidade de dar visibilidade s dinmicas de interao de grupos populacionais especficos (MAGALHES, 2007).

    A realidade demonstrada neste estudo eviden-ciou que ainda existe um longo caminho a se percorrer em relao ao preenchimento do campo raa/cor nos grandes sistemas nacionais de informao em sade, de forma a possibilitar a adequada avaliao do SUS nas trs esferas de gesto, com recorte tnico-racial. Em virtude dessa situao, recomenda-se que os ges-tores desenvolvam aes para superar essa limitao, possibilitando melhores opes de acompanhamento da PNSIPN. Um aspecto importante o monitora-mento permanente do preenchimento da varivel raa/cor nos sistemas de informao para detectar as fragilidades e propor capacitao para os responsveis pela coleta e alimentao dos dados. importante, tambm, socializar o debate sobre o IDSUS referente equidade tnico-racial em sade, possibilitando aos movimentos sociais melhor acompanhamentos das polticas governamentais especficas.

    Referncias

    APARECIDA-PINTO, E.; SOUZAS, R. Etnicidade e sade da popula-o negra no Brasil. Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 18, n. 5, p.1144-1145, set-out, 2002.

    BARBUSCIA, D.M.; RODRIGUES-JNIOR, A. L. Completude da in-formao nas declaraes de nascido vivo e nas declaraes de bito neonatal precoce e fetal, da regio de Ribeiro Preto, So

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    BRAZ, R.M; OLIVEIRA, P. T. R.; REIS, A. T.; MACHADO, N. M. S. Avaliao da completude da varivel raa/cor nos sistemas nacionais de informao em sade para aferio da equidade tnico-racial em indicadores usados pelo ndice de Desempenho do Sistema nico de Sade

    Paulo, Brasil, 2000-2007. Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 27, n. 6, p. 1192-1200, jun., 2011.

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    Recebido para publicao em novembro de 2013 Verso final em dezembro de 2013 Conflito de interesse: no houve Suporte financeiro: inexistente

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    ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 563-570, out/dez 2013

    1 Mestre em Sade Coletiva pela Universidade de Braslia (UnB) Braslia (UnB), [email protected]

    2 Graduanda em Terapia Ocupacional pela Universidade de Braslia (UnB) Braslia (UnB), [email protected]

    RESUMO: O Conselho Nacional de Sade aprovou, no dia 10 de novembro de 2006, a Po-ltica Nacional de Sade Integral da Populao Negra (PNSIPN). Objetivo compreender os sentidos atribudos pelos profissionais de sade da ateno primria a respeito da PNSIPN. Metodologia. Construcionismo social, com entrevista semiestruturada. Anlise por meio do mapa de associao de ideias. As narrativas dos profissionais trouxeram a tona que a poltica para populao negra no deve representar responsabilidade social. vista como desnecessria e promotora da discriminao. Observou-se que as temticas apresentadas pelos profissionais da ateno primria esto relacionadas ao mito da democracia racial.

    PALAVRAS-CHAVES: Populao Negra; Poltica de sade; ateno primria a sade.

    ABSTRACT: The Brazilian National Health Council, on november 10th, 2006 approved thePoli-cy of Integral Health of the Black Population.The objective of the research is perceive the mean-ing attributed by the care workers of primary care about thePolicyof Integral Health of the Black Population.Methodology: Social Construccionism, with a semi-structured interview. The analy-sis was made throughthe map of association of ideas.The narratives of professionals brought up that the black population policy should not represent social responsibility and is taken as unnecessary and as discriminations promoter.We observed that the issues showed by primary care professional are relatedto theracial democracy myth.

    KEYWORDS: Black Population; Health Policy; Primary Health Care.

    Narrativas dos profissionais da ateno primria sobre a poltica nacional de sade integral da populao negra

    Primary care professionals narratives about the national policy of black population integral health

    Josenaide Engracia dos Santos1, Giovanna Cristina Siqueira Santos2

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    SANTOS, J. E.; SANTOS, G. C. S. Narrativas dos profissionais da ateno primria sobre a poltica nacional de sade integral da populao negra

    Introduo

    A Constituio Federal de 1988, no artigo 196, diz que A sade direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1988). Embora seja um avano incontestvel como direito do cidado, no o quando o Estado no assegura a todos a mesma qualidade de ateno sade, seja do ponto de vista regional ou tnico-racial.

    A sade da populao negra tem sido objeto de polticas, pois possui caractersticas que conferem disparidades no que diz respeito s condies de sade, seja do ponto de vista individual ou coletivo. A fim de promover a equidade no que diz respeito efetivao do direito humano sade dessa populao, o Conse-lho Nacional de Sade aprovou, no dia 10 de novembro de 2006, a Poltica Nacional de Sade Integral da Popu-lao Negra (PNSIPN). Instituda pela portaria n 992, de 13 de maio de 2009, tem como objetivo a promoo da equidade em sade, em funo de situaes de risco, com vistas ao maior cuidado com a sade da populao negra. Lopes (2004) afirma que o cuidado se estabe-lece quando so consideradas as necessidades, o perfil socioeconmico, o gnero e a raa de uma populao. A dificuldade em contemplar essa diversidade e plurali-dade enfrentada pelos cuidadores pode comprometer a resolutividade de suas aes, principalmente na ateno primria sade.

    A ateno primria sade, segundo Lago e Cruz (2001), uma estratgia flexvel caracterizada por meio do primeiro contato entre usurios e equipe de sade, que garante uma ateno integral oportuna e sistem-tica em processo contnuo; est organizada em coorde-nao com a comunidade e concatenada com os demais nveis da rede sanitria para proteger, restaurar e reabili-tar a sade do indivduo, famlia e comunidade, em um processo conjunto de produo social de sade.

    Produo social entendida a partir da comple-xidade do sujeito que se relaciona ao desenvolvimento econmico, social, subjetivo, de gnero e tnico-racial. Um aspecto importante da ateno primria a vincu-lao dos profissionais com a comunidade e com essas diversidades, o que fundamental para a implemen-tao de polticas pblicas, com destaque s polticas de promoo de igualdade racial. Polticas de promoo

    de igualdade racial so compreendidas como polticas pblicas que pretendem corrigir iniquidades decorren-tes de discriminao, histrica e atual, vivenciada pela populao negra. Desse modo, a PNSIPN se caracteriza como uma poltica pblica de promoo de igualdade racial em sade que tem como objetivo atender s desi-gualdades que acometem a populao negra, por meio de garantias de maior grau de equidade no que diz res-peito efetivao do direito humano sade, em seus aspectos de promoo, preveno, ateno, tratamento e recuperao de doenas e agravos, dando nfase que-les de maior prevalncia entre essa populao.

    No Brasil, a sade da populao negra, segundo Oliveira (2003), um campo de estudos, pesquisas e assistncia reconhecida do ponto de vista da legitimi-dade poltica, cujas bases cientficas so inegveis, ainda com pouca divulgao entre a populao e os profissio-nais de sade, para produzir sentido junto sociedade. Esse sentido aqui compreendido como um compo-nente do contexto social construdo e reproduzido que se articula, influenciando as aes dos sujeitos, aspecto importante quando diz respeito aos profissionais que trabalham na ateno primria, na medida em que necessrio conhecer as barreiras que, eventualmente, possam existir no acesso e entendimento dessa polti-ca para atendimento de sujeitos que historicamente so tratados de maneira inqua. Assim, o objetivo deste es-tudo explicar e descrever os sentidos atribudos pelos profissionais de sade da ateno primria PNSIPN. Desse modo, faz-se necessrio compreender as narra-tivas dos profissionais da rea e como se posicionam diante dessa poltica.

    Metodologia

    O presente estudo trata de uma pesquisa exploratria qualitativa. As pesquisas qualitativas so entendidas como aquelas capazes de incorporar a questo do signi-ficado e da intencionalidade como inerentes aos atos, s relaes, e s estruturas sociais, sendo essas ltimas to-madas como construes humanas significativas, tanto no seu advento quanto na sua transformao. Segundo Minayo (1993), o material primordial da investigao

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    SANTOS, J. E.; SANTOS, G. C. S. Narrativas dos profissionais da ateno primria sobre a poltica nacional de sade integral da populao negra

    qualitativa a palavra que expressa a fala cotidiana, seja nas relaes afetivas e tcnicas ou nos discursos intelec-tuais, burocrticos e polticos.

    Optou-se, como teoria conceitual metodolgica, pelo construcionismo social. De acordo com Kenneth Gergen, (apud Spink, 2004. p.26):

    A investigao social-construcionista preocu-pa-se com a explicao dos processos por meio dos quais as pessoas descrevem, explicam ou do conta do mundo (incluindo a si mesmos) em que vivem.

    Essa abordagem possibilita capturar o processo da produo de sentidos nos contextos sociais. Spink (2010) define sentido como: uma construo social, um empre-endimento coletivo, mais precisamente, interativo, por meio do qual as pessoas na dinmica das relaes so-ciais, historicamente datadas e culturalmente localizadas constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com situaes e fenmenos sua volta.

    A linguagem em ao focaliza as maneiras pelas quais as pessoas produzem sentidos e posicionam-se em relaes sociais cotidianas. As prticas discursivas tm como elementos constitutivos a dinmica, as formas e os contedos, e os repertrios lingusticos. Os repert-rios lingusticos, para Spink (2004), so termos, concei-tos, lugares comuns e figuras de linguagem que demar-cam o rol de possibilidades de construes de sentidos. So repertrios que circulam na sociedade de formas variadas. O cenrio da pesquisa foi o Centro de Sade 8, cuja equipe formada por profissionais da ateno primria mdico, enfermeiro, odontlogo, assistente social, tcnico de higiene dental e agente comunitrio de sade que compem a Estratgia de sade da fa-mlia (ESF) localizado em Ceilndia (DF). Os sujeitos da pesquisa foram dez profissionais da ESF, dos quais um mdico, seis enfermeiros, uma assistente social e um agente comunitrio de sade.

    No que diz respeito ao nmero de pessoas entre-vistadas, Duarte (2002) afirma que o procedimento que se tem mostrado mais adequado ir realizando entrevis-tas a prtica tem indicado um mnimo de 20, varian-do em razo do objeto e do universo de investigao ,

    at que o material obtido permita uma anlise mais ou menos densa das relaes estabelecidas naquele meio e a compreenso de significados, sistemas simblicos e de classificao, cdigos, prticas, valores, atitudes, ideias e sentimentos (DAUSTER, 1999, p.2). Os critrios de incluso foram: indivduos com idade superior a 18 anos de ambos os sexos, com vnculo empregatcio de mais de um ano e que aceitassem participar voluntaria-mente da pesquisa.

    A coleta de dados constituiu-se de uma entrevista semiestruturada. Pinheiro (2004) considera a entrevis-ta como prtica discursiva, ou seja, entend-la como ao inteno situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem verses da realidade. A entrevista materializa atravs da lingua-gem a experincia do indivduo. O termo experincia utilizado historicamente por Heidegger e explicado por Minayo (2012, p.622): O sentido da experincia a compreenso: o ser humano compreende a si mesmo e ao seu significado no mundo da vida. Por ser cons-titutiva da existncia humana, a experincia alimenta a reflexo e se expressa na linguagem.

    A anlise dos dados foi realizada por meio do Mapa de Associao de Ideias que, de acordo com Spink (2010, p.38),

    so instrumentos de visualizao do proces-so de interanimao que possibilitam, entre outras coisas, mostrar o que acontece quando perguntamos certas coisas ou fazemos certos comentrios.

    O Mapa nada mais que uma tabela onde as co-lunas so definidas tematicamente e os temas refletem as trs perguntas norteadoras da entrevista. Conforme Spink e Lima (2004), esse um recurso para produ-zir sentido e compreender determinadas passagens das entrevistas.

    As normas e diretrizes do Conselho Nacional de Sade, Resoluo n 466 de 12 de dezembro de 2012, que regulamentam a pesquisa envolvendo seres huma-nos, foram obedecidas e atendidas. A pesquisa foi auto-rizada pelo Comit de tica em Pesquisa da Fundao

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    de Ensino e Pesquisa em Cincias da Sade FEPECS, de nmero 239.796/2013.

    Resultados

    Neste estudo, foi possvel conhecer os sentidos atribu-dos pelos profissionais PNSIPN a partir de suas narra-tivas. Para Ricoeur (1997), a narrativa seria uma opera-o mediadora entre a experincia viva e o discurso que se abre interpretao, ao mesmo tempo em que esta-belece condies para sua circulao, recepo e pro-duo que se articula, consoante Lyotard (2006), com as relaes de poder, polticas, identitrias, contextuais, percebidas tanto diacrnica quanto sincronicamente, o que denota a relao das narrativas com os discursos so-ciais, aspectos importantes para entendimento dos sen-tidos que os profissionais de sade atribuem PNSIPN. Na anlise, identificaram-se os atributos relacionados explicao da poltica:

    No exigncia social: a poltica para populao ne-gra no deve representar responsabilidade social.

    Os relatos mostram que no deve existir responsabilida-de social com a PNSIPN, na medida em que a popula-o negra no apresenta desigualdades que impliquem poltica especial. O que pode se perceber dos repert-rios que no aceitam a iniquidade racial, como se v abaixo:

    A gente sabe que o idoso tem que ter um aten-dimento especfico, n? Agora pro negro no, porque pra mim branco e negro so iguais, n? No tem essa diferenciao em relao sade. (E2)

    Mas para a populao negra, por qu? Porque so melhores? Porque so piores? Porque se hoje brigam tanto por igualdade porque vai fazer esse, trazer esse abismo de novo? (E3)

    Para Trad e Brasil (2012), a PNSIPN justificada por meio da necessidade de se repensar a igualdade de

    aes e servios, adotando a lgica de que a igualdade no pode ser justa: este o primeiro passo para tal acei-tao da iniquidade racial como fenmeno amplo que precisa ser combatido em todas as esferas.

    Acho que no tem necessidade disso, no. Prio-rizar, no. (E4)

    Os discursos revelam que as polticas de promoo da igualdade racial ferem o princpio constitucional da igualdade e que as polticas universalistas contemplam a todos igualitariamente, no ponderando que tais po-lticas no levam em conta a posio relativa de cada sujeito ou grupo dentro da sociedade, no atendendo, desse modo, ao princpio de igualdade.

    Ento acho que no cabe sentido, at que t todo mundo brigando por direitos iguais, tem direito na universidade, direito disso, direito daquilo. Quer ficar junto com todo mundo, no todo mundo igual perante a lei, porque voc vai discriminar na rea da sade? (E3)

    No tinha que ter que brigar por uma causa. Porque negro, porque tem mais dificuldade ento vamos conseguir essa imposio para al-canar aquele objetivo. Acho que deveria ser no geral. A sade no para todos? (E5)

    As narrativas explicam que no h sentido em uma poltica especfica, pois todos so iguais. Esse re-conhecimento privilegia, antes de tudo, a figura de um indivduo abstrato que se tornou o denominador co-mum universal. Retrata, tambm, uma dificuldade de compreenso, como afirma Arendt (2007), de que os homens no nascem iguais e no so iguais. As falas revelam que a exigncia da igualdade, quando se vale da ideia de cidado na sua formulao contemplativa, pode incorrer em acomodao de importantes dispa-ridades em termos de raa, sexo, entre outros fatores. Este entendimento nos remete, ainda, a Malta (2001), que sinaliza que as desigualdades entre as pessoas no so dadas naturalmente, mas construdas pelo processo

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    histrico e pelo modo de produo e organizao da sociedade.

    Racismo ao contrrio: a poltica para populao negra deriva de uma discriminao

    Os repertrios aparecem repletos de contedos que veem a politica para populao negra como fruto da discriminao e do racismo, e no da necessidade his-toricamente deteminada de sade social. Nascimento

    (1994) denomina esse fenmeno como uma forma contundente de intolerncia social.

    Agora me deu uma lembrana do Apartheid (risos). Por qu, n? Essa diferenciao. (E2)

    Porque isso a seria uma discriminao. At com quem no iria ser favorecido com aquilo, se todo mundo tratado igual, se todo mundo tem as mesmas condies de atendimento, pre-cria, mas tem. (E3)

    Quer ficar junto com todo mundo, no todo mundo igual perante a lei, porque voc vai discriminar na rea da sade? (E4)

    Nesse contexto dos relatos, importante refletir sobre as polticas pblicas voltadas ao desafio da redu-o das desigualdades raciais que no so consideradas nas narrativas, pois, para os entrevistados, a PNSIPN provoca uma nova desigualdade, ou seja, existe nos dis-cursos espao privilegiado dos negros ao se confirmar a poltica especfica. Cunha (2012) credita essa resistncia crena de racismo na sociedade brasileira opinio de que, no Brasil, se vive uma democracia racial e que, ao enfocar esse recorte analtico, fomentar-se-ia um racis-mo inexistente. bom ressaltar que racismo, segundo Lopes (2004), uma programao social e ideolgica s quais todos esto submetidos; no questo de opi-nio. Uma vez envolvidas nessa programao social, as pessoas reproduzem, consciente ou inconscientemente, atitudes racistas que, em certos casos, so inteiramente opostas sua opinio.

    Atendimento prioritrio como privilgio

    A PNSIPN descrita como concesso de privilgio que favorece a um grupo em especial. De certa forma, silenciam-se as evidncias empricas da excluso do ne-gro em todas as reas e reafirmam-se as prticas discri-minatrias que perpassam o cotidiano dos profissionais legitimadas pelo discurso abaixo:

    O negro quem vai ter prioridade pra pegar a medicao. (E2)

    De informar que eles tm um risco maior de ter essas doenas, esses problemas, anemia, doenas crnicas, hipertenso, diabetes, mas sincera-mente... (E2)

    Nas narrativas, possvel perceber o mito da de-mocracia racial, ou seja, de que no existe racismo no Brasl e, portanto, uma poltica especfica seria privil-gio. Ao entrar no mrito de critrios raciais na rea da sade, a mxima biolgica de que no existem raas, principalmente em nosso pas, onde a miscigenao te-ria fundado, segundo Bernardino (2002), uma essncia biolgica nica, usada, muitas vezes, como escudo para qualquer tentativa de se refletir sobre polticas que tentam corrigir iniquidades raciais. Ainda segundo o autor, essa recusa em se reconhecerem raas seria estra-tgica e ocorreria somente em momentos onde se discu-tem concesses de eventuais benefcios queles que so identificados como grupo de menos status.

    Poltica como privao de direitos

    A poltica descrita como um instrumento de privao do direito constitucional igualdade. E as polticas com-pensatrias para a populao negra implicariam a redu-o dos direitos constitucionais da parcela da populao que no alvo dessas polticas. Segundo Rocha e Gttems (2009), nas polticas de promoo de igualdade racial, a igualdade formal em que todos so iguais perante a lei sede lugar igualdade material e seu ideal de justia so-cial e distributiva, adotanto, para reconhecimento dessa igualdade, o critrio racial ou outros mais.

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    SANTOS, J. E.; SANTOS, G. C. S. Narrativas dos profissionais da ateno primria sobre a poltica nacional de sade integral da populao negra

    Se voc colocar uma poltica anemia falcifor-me, vamos designar esse tratamento s pra po-pulao negra, e se o cara chegar l morrendo de anemia e for um branco? Voce no vai ser assistido? (E3)

    Mas, assim, voc acha que a cor da pele vai influenciar em alguma coisa? O que diferencia meu estado de sade, porque eu sou mais clara, do outro que negro? Ns temos a mesma ida-de, estamos com o mesmo problema de sade, a porque ela negra ela vai receber, vai ser imposto que ela vai receber o atendimento e o outro, s porque ele de pele clara, ele vai ter que ficar de fora... Assim, vai ter que correr atrs do direito que ele... Entendeu? (E5)

    As falas evidenciam que aes que visam igualda-de racial no so justificveis, ou seja, que no existem desigualdades raciais que fundamentem um tratamento diferenciado para a populao negra.

    A tem a poltica s pra negro, s pra branco, ah no, vou contratar um mdico s pra ne-gro, num pode ser um branco, tem que ser um negro, e a enfermeira no, tem que ser uma negra, a branca vai me atender? (E3)

    Se diferenciar um atendimento especfico a certa populao, a que o trem no funcio-na mesmo. Pra todo mundo j no t funcio-nando, se voc adequar isso pra uma parte da populao e outra poltica s pra outra parte, acho que a que vai travar o sistema, que no vai funcionar mesmo. (E3)

    O descaso com relao necessidade de investi-mento na sade da populao negra tem sido uma das faces mais perversas do racismo, pois, segundo Figue-roa (2004), nega a possibilidade de promover e manter condies dignas de sade a esse grupo, perpetuando a presena da populao negra nos piores ndices nacio-nais em termos de preservao da sade.

    Contrariamente ao que as falas evidenciam, as polticas de promoo da igualdade racial no signifi-cam um deslocamento das aes universais como es-tratgia central da interveno na vida social. Segundo Jaccoud (2008), preciso reconhecer seu papel como instrumento de melhorias nas condies de vida da po-pulao brasileira, inclusive da populao negra. Mas necessrio notar que os fatores histricos e os contran-gimentos raciais que ainda imperam no pas impedem que as polticas universais sejam suficientes ao objetivo de enfrentar a discriminao e a desigualdade racial.

    Discusso

    Para registrar, ou melhor, colocar o preto no branco, as explicaes da PNSIPN contidas nos discursos dos pro-fissionais da ateno primria so endereadas ao mito da democracia racial, que perpassa todas as narrativas. Essa compreenso acerca do tema remete, tambm, discriminao racial como um complexo sistema velado de programao social, presente em todas as maneiras em que as pessoas conscientemente ou no , por meio de suas prticas discursivas, produzem realidades sociais e psicolgicas (DAVIES; HARR, 1900, p.43). Ficou evidente que o profissional tende a no perceber a discriminao ou a insistir em sua inexistncia, con-tribuindo, assim, para a inao do sistema frente dis-criminao e, consequentemente, para sua manuteno e ampliao.

    Segundo Veloso (2006), uma sociedade que dis-crimina e nega a discriminao procura deixar claro que as polticas de igualdade racial so um equvoco e no um mecanismo reparador da igualdade. Assim, a questo vista como desnecessria e promotora da discriminao. Ruas apud Xavier (2012), entende que, para se compreender o fenmeno sade-doena em uma abordagem social e epidemiolgica, necessrio considerar a referncia racial e tnica como elemento bsico determinante das desigualdades e iniquidades no acesso sade. A ateno primria deve se caracterizar por um atendimento que considere o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e insero

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    sociocultural, o que no foi contemplado no discurso dos profissionais.

    Consideraes

    temos o direito a ser iguais quando a nossa di-ferena nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos desca-racteriza. Da a necessidade de uma igualdade que reconhea as diferenas e de uma diferena que no produza, alimente ou reproduza as de-sigualdades (SANTOS, 2003, p.56).

    Nesta pesquisa, observou-se que as temticas para explicar e descrever o sentido da PNSIPN atribudas pelos profissionais da ateno primria so as mesmas

    que circulam e so compartilhadas pelos que vivem e interagem no dia a dia. Tal discurso repetidamente reforado e cristalizado pela mdia, pelo universo em-prico, acadmico, e reproduzido por pessoas como um caleidoscpio de aes e interaes que as situam no mundo. Ao refletir acerca da temtica abordada, per-cebe-se que o sentido majoritrio atribudo PNSIPN , em um primeiro momento, corroborado pelo mito da democracia racial discriminatria que busca dar sen-tido quilo que no faz sentido, pois no contempla a realidade e a lgica. De certa forma, um coro de profissionais que entoam as dissonncias e fazem emer-gir falsa igualdade de uma populao desigual. No se pode esquecer que, segundo Almeida (2007), somente tratando diferentemente os desiguais, segundo a pr-pria regra da justia, poder-se- alcanar uma maior igualdade entre os grupos.

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    Recebido para publicao em dezembro de 2013 Verso final em dezembro de 2013 Conflito de interesse: no houve Suporte financeiro: inexistente

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    ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

    Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 571-579, out/dez 2013

    RESUMO: O racismo institucional um fator determinante no acesso aos servios de sa-de, principalmente para as mulheres negras que sofrem com o impacto das interseces das desigualdades de gnero e raa. O objetivo deste estudo determinar os diferenciais das caractersticas scio demogrficas e os nveis de acesso aos servios preventivos de mulheres na Bahia, segundo raa/cor. Os resultados revelam que, para o nvel de acesso considerado bom, as mulheres brancas representam 15,4%, enquanto as negras respon-dem por 7,9%. O estudo demonstrou que as desigualdades raciais e o racismo institucional so uma barreira no acesso aos servios preventivos de sade para as mulheres negras.

    PALAVRAS-CHAVE: Desigualdades em sade; Racismo; Acesso aos servios de sade; Sade da mulher

    ABSTRACT: Institutional racism is a determining factor for accessing health services, mainly for those black women who suffer the impact of gender and race inequalities intersections. This study aims to ascertain the differences among socio-demographic characteristics and access levels to preventive services for women in Bahia as for race/color. The results noted that from those entitled to the good access level 15.4% were white women while 7.9% were black ones. The study showed that racial inequalities and institutional racism are barriers against the access to preventive health services regarding black women.

    KEYWORDS: Inequalities in health; Racism; Access to health services; Womens health

    1 Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Salvador (BA), Brasil. Professora Substituta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Salvador (BA), [email protected]

    2 Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Professora do Programa de Ps-graduao em Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Salvador (BA), Brasil. [email protected]

    Mulheres negras e brancas e os nveis de acesso aos servios preventivos de sade: uma anlise sobre as desigualdades

    Black and white women and the accessibility to preventive health services: an analysis of inequalities

    Emanuelle Freitas Goes1, Enilda Rosendo do Nascimento2

  • Sade em Debate Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 571-579, out/dez 2013572

    GOES, E. F.; NASCIMENTO, E. R. Mulheres negras e brancas e os nveis de acesso aos servios preventivos de sade: uma anlise sobre as desigualdades

    Introduo

    A desigualdade no decorre da diferena individual, mas do modo como as pessoas esto organizadas so-cialmente, em uma estrutura hierarquizada por valores simblicos e materiais produzida pelas variadas relaes sociais e que tem como consequncia a repartio no uniforme de todos os tipos de vantagens e desvanta-gens. As desigualdades sociais so, portanto, resultado de processos sociais, demogrficos, econmicos, cultu-rais e polticos desenvolvidos em contextos determina-dos social e historicamente.

    Para Barata (2009), a disc