Saskia sassen público cidades 24 abril 2011

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Cidades Grande Porto Lipor convida cidadãos a tratar os jardins em modo bio Pág. 6/9 Tapada das Mercês Uma babel de betão onde cabe o mundo inteiro Pág. 10/11 Págs. 4/5 Domingo, 24 de Abril de 2011 Nova Iorque Londres Tóquio Paris Hong Kong Chicago Los Angeles Singapura Sidney Seul Bruxelas São Francisco Washington D.C. Toronto Pequim Berlim Madrid Viena Boston Frankfurt Xangai Buenos Aires Estocolmo Zurique Moscovo Barcelona Dubai Roma Amesterdão Cidade do México Montreal Genebra Munique Miami São Paulo Banguecoque Copenhaga Houston Taipé Atlanta Istambul Milão Cairo Dublin Nova Deli Bombaim Osaka Kuala Lumpur Rio de Janeiro Telavive Manila Joanesburgo Jacarta Bogotá Caracas Nairobi Guangzhou Bangalore Lagos Carachi Ho Chi Min Shenzhen Calcutá Daca Chongqing Lisboa e Porto não estão na lista das cidades globais. Porquê?

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Cidades

Grande PortoLipor convida cidadãos a tratar os jardins em modo bio Pág. 6/9

Tapada das MercêsUma babel de betão onde cabe o mundo inteiro Pág. 10/11

Págs. 4/5

Domingo, 24 de Abril de 2011

Nova Iorque Londres Tóquio Paris Hong Kong Chicago Los Angeles Singapura Sidney Seul Bruxelas São Francisco Washington D.C. Toronto Pequim Berlim Madrid Viena Boston Frankfurt Xangai Buenos Aires Estocolmo Zurique Moscovo Barcelona Dubai Roma Amesterdão Cidade do México Montreal Genebra Munique Miami São Paulo Banguecoque Copenhaga Houston Taipé Atlanta Istambul Milão Cairo Dublin Nova Deli Bombaim Osaka Kuala Lumpur Rio de Janeiro Telavive Manila Joanesburgo Jacarta Bogotá Caracas Nairobi Guangzhou Bangalore Lagos Carachi Ho Chi Min Shenzhen Calcutá Daca Chongqing Lisboa e Porto não estão na lista das cidades globais. Porquê?

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a Os teóricos não se cansam de dizer que o século XXI é o século das cidades. Saskia Sassen concorda, mas diz que há ainda muito a fazer para que elas se transformem em territórios de oportunidade para todos. Para esta socióloga holandesa que foi educada em Buenos Aires e em Roma, e que hoje vive entre Nova Iorque e Londres, trabalhar o tema da globalização faz parte de um compromisso social que tem muito a ver com a palavra “igualdade” e com uma consciência política que parece ter começado a formar-se quando era ainda criança e comparava a sua vida – na sua casa não havia difi culdades e falavam-se sete línguas, se contarmos com o latim e o grego – com a dos bairros pobres da capital argentina.

“As nossas cidades globais – e as nossas cidades em geral – podem ser hoje profundamente injustas, porque são profundamente desiguais”, diz ao Cidades na sua breve passagem por Lisboa, a propósito do congresso internacional de etnologia e folclore e do lançamento da rede Global City 2.0. Tornar o espaço das cidades mais justo e com mais qualidade, explica, passa por um envolvimento político das pessoas que nele vivem, passa por mudar a forma como se usa o carro e a electricidade, por ter conta num pequeno banco regional e fazer compras na loja do bairro.

Saskia Sassen, 62 anos, esteve segunda-feira entre académicos, rodeada de 200 mil livros na Ler Devagar, para falar de movimentos cívicos na “cidade global”. Este conceito, aliás, tornou-se mais popular desde que ela escreveu The Global City: New York, London, Tokyo, no início dos anos 90, mas nem por isso esta professora da Universidade de Columbia gosta de o usar: “Uma cidade global é apenas uma cidade com mais responsabilidades. Uma cidade pequena que não faça parte da lista

das cidades globais também pode fazer história, mudar o mundo.”

Nova Iorque, Londres, Paris, Cairo, Tóquio, Hong Kong, Carachi, Bogotá, São Paulo, Genebra e Telavive integram a lista a que Sassen se refere. Estas e outras cidades globais são os lugares em que quase tudo é decidido. É a partir delas que se dirige a economia mundial, que se ditam políticas e estratégias que regulam as relações internacionais. As cidades globais são centros de poder, são minimundos, espaços estratégicos para o capital e para as pessoas, cujo principal desafi o é alargar a dinâmica de crescimento a todos os sectores de actividade, a todas as classes sociais. E é aqui, precisamente, que para Sassen se joga o futuro das cidades e, por isso, do mundo.

“Quando falo em igualdade, não se trata de anular distinções sociais, mas de reforçar as condições de integração das comunidades de imigrantes, de atenuar as diferenças gigantescas que existem, por exemplo, entre os centros de algumas cidades e os seus subúrbios em termos de infra-estruturas. Porque é que continuamos a admitir que haja megacidades que até estão nesta lista, com centros desenvolvidos, que têm subúrbios iguais às cidades do terceiro mundo?”

O exemplo da Praça TahirO momento que hoje vivemos, marcado pela crise económica e por revoluções no Médio Oriente, cria instabilidade nos cidadãos, mas também pode ser uma grande oportunidade de mudança.

Sassen estava em Marrocos em Fevereiro, quando se deu a revolução no Cairo e a queda do presidente Hosni Mubarak. Ficou “absolutamente fascinada” com a mobilização da Praça Tahir, epicentro dos protestos que se estendiam a toda a cidade. “Foi a cidade que tornou tudo aquilo possível. Irrita-me que as pessoas

explica a socióloga. Tudo se manteve local, porque há a consciência de que nem tudo passa pelas grandes cidades, defende, dando dois exemplos: “A manifestação de 15 Fevereiro de 2003, contra a segunda guerra do Iraque, foi verdadeiramente global [mais de 600 cidades], com um impacto enorme, e com cidades muito pequenas a participarem. E houve também aquela movimentação, quando as empresas farmacêuticas quiseram processar o Governo da África do Sul, porque os hospitais do país vendiam medicamentos para o tratamento da sida muito mais baratos do que nos EUA ou na Europa. Aí tivemos uma grande mobilização na África subsariana, mas também nas Filipinas e na Indonésia. Dois momentos extraordinários, que só foram possíveis porque as cidades se organizaram.”

Revoluções como a da Praça Tahir, no Cairo, provam que as cidades globais são mais do que “motores de crescimento dos seus países” e “portas de acesso aos recursos das suas regiões”, como escrevia a revista Foreign Policy em 2008. São pontos estratégicos para reinventar o futuro, em que nascem muitos dos acontecimentos que hoje fazem a História.

Classe média em criseAs cidades globais são, por defi nição, cosmopolitas, mas o cosmopolitismo que as caracteriza não vem apenas das elites, como no passado, mas das comunidades imigrantes, cuja grande fatia ocupa, na maioria das vezes, os níveis mais baixos da hierarquia social, defende esta socióloga da globalização que há 30 anos trabalha sobre os problemas da imigração nos Estados Unidos.

Ao contrário do que se passava entre as décadas de 1950 e 1970 – período de grande consumo na euforia do pós-Segunda Guerra Mundial –, já não é na classe

média que está a capacidade de transformar a sociedade, mas nas elites e naqueles que à partida têm menos acesso ao poder. “A classe média fez história no período keynesiano, de construção em massa nos subúrbios norte-americanos, onde podíamos encontrar grandes casas com mulheres solitárias e deprimidas – criou uma cultura, um modo de viver. Hoje é nas elites – que se relacionam de cidade para cidade, independentemente do país, e que representam um por cento da população – e nos imigrantes, que trazem uma espécie de cosmopolitismo vernacular às cidades, que muito do futuro se joga.”

Isto não quer dizer, no entanto, que a classe média tenha perdido a sua importância estrutural na orgânica urbana, explica esta mulher, que momentos anos víramos fazer uma conferência em espanhol – o “espanhol esquisito” de Buenos Aires –, gesticulando como uma latina e organizando o discurso como uma holandesa que dá aulas nas universidades da Ivy League, tem dezenas de livros publicados e escreve habitualmente para publicações como o Guardian, o New York Times, a Newsweek, o Financial Times e a Foreign Policy.

O melhor que pode acontecer a uma cidade, sobretudo em termos económicos, continua, é ter uma classe média gigantesca, porque ela gastará a maior parte do seu dinheiro na cidade, “coisa que os ricos não fazem, porque não querem, e os pobres não fazem, porque não podem”, e assegurará que as empresas terão um lucro médio constante. “O problema da classe média é que é a menos internacionalizada, tende a ser instalada, a manter o mesmo tipo de empregos, a arriscar pouco, a ter uma vida previsível. É por esse motivo que nela é tão importante o uso da tecnologia, como vimos no Cairo.” Mas até isso, reconhece Sassen, está a mudar, devido à

“Todas as cidades têm micro-histórias que podem fazer delas cidades globais”Como podemos mobilizar cidades com a escala de Lisboa ou do Porto? A socióloga Saskia Sassen diz que não devemos fi car obcecados com os lugares nas listas globais, mas procurar as particularidades que tornam as cidades atraentes. Uma cidade pequena pode fazer história, se souber arriscar.

A lista de cidades que aqui publicamos na capa deste suplemento Cidades é do ano passado e foi feita pela consultora A.T. Kearney no âmbito de um projecto com a revista Foreign Policy. Incluído no documento The Urban Elite, este index de 65 cidades globais foi feito com base em 25 parâmetros, distribuídos por cinco indicadores de globalização: negócios, capital humano, troca de informação, cultura e envolvimento político. Neste estudo, a globalização é definida como “a capacidade de atrair, manter e geral capital global, pessoas e ideias”. A lista está por ordem decrescente.

A elite urbana

insistam que foi uma coisa do Facebook. A tecnologia ajudou, mas não fez tudo. Só na cidade se pode formar uma multidão. Podemos ter o mesmo número de pessoas numa fábrica, numa plantação, mas nunca teremos uma multidão. Uma multidão exige pessoas diferentes, contextos diferentes, sem hierarquias. No campo ou na fábrica a hierarquia persiste.”

O exemplo da Praça Tahir – “uma multidão transformadora que deitou abaixo um governo com mais de 30 anos” – é um interessante ponto de partida para a refl exão sobre o papel que podem ter os movimentos cívicos num contexto urbano, tenham motivações políticas ou sociais, e prova que os países têm muito a aprender com a capacidade de mobilização das cidades.

Quando começou a mais recente crise laboral nos EUA, houve muitas cidades no Middle West que se manifestaram sem começar a marchar para Washington DC, como teriam feito no passado,

Por Lucinda Canelas (texto) e Pedro Cunha (fotografi a)

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Saskia Sassen fotografada em Lisboa

global, ao contrário do que se passava nos velhos impérios, em que uma capital bastava, é dar poder a várias cidades, porque elas são as pontes entre um sistema global standardizado e os formalismos das economias e das culturas nacionais”, explica. “Neste momento, as especifi cidades das cidades têm muito mais importância. É por isso que não se trata de olhar para o lugar que Lisboa ocupa na lista, nem para o seu tamanho. O que temos de fazer é procurar a sua particularidade, as diferenças que a tornam atraente para os investidores e as pessoas.”

Se vivesse em Lisboa e estivesse a conceber estratégias para a cidade, Sassen começaria por ler muito sobre o seu passado – “Algo que nem todos os urbanistas fazem”, diz – e depois procuraria perceber de que redes internacionais faz parte. “Lisboa tem um porto importante para o país e isso diz-me de imediato que é uma cidade com conhecimento acumulado, que sabe lidar com a realidade complexa de um porto. Esse conhecimento é um capital importante. Basta ver o exemplo de Singapura – um território pequeno, com um porto historicamente importante que ajudou a incluí-la no top ten das cidades globais.”

Uma cidade pequena, conclui, pode fazer história, se souber arriscar. Há 30 anos, Curitiba, no Brasil, pôs em curso um programa radical de protecção ambiental que fez dela um paradigma do planeamento urbano. “Todas as cidades têm micro-histórias que podem fazer delas cidades globais.”

É caminhando pelas ruas e conversando com as pessoas que Saskia Sassen gosta de ir à procura destas micro-histórias. Para esta mulher que passa boa parte do ano a viajar para dar aulas e participar em conferências, a noção de pertença a um lugar é ainda muito importante, mesmo que não consiga dizer onde é que ele fi ca: “Sou uma nómada contemporânea. A minha casa é onde monto a minha tenda, por um dia ou umas horas. E isso pode ser simplesmente num bom café, com uma bela vista para uma rua movimentada e confusa.”

crise económica. Hoje há uma nova geração na classe média que é menos instalada, porque tem mais difi culdades do que a dos pais, menos empregos qualifi cados, menos poder de compra. “E é essa classe média descontente que está a fazer as praças Tahir por todo o lado. É um grande grupo de pessoas, com formação e sem futuro, que está a fazer a mudança nas cidades.”

Ainda assim, esta especialista em globalização garante que falta envolvimento político e que um compromisso social

abrangente poderia melhorar signifi cativamente a vida nas cidades: “Acredito que há aspectos cruciais para o bem-estar na cidade – como a questão ambiental, por exemplo, a qualidade do ar – que serão mais importantes no futuro do que as nossas diferenças. E as pessoas que vivem nos grandes centros urbanos terão de arregaçar as mangas e resolver os seus problemas. As cidades são territórios impacientes, exigem respostas rápidas, porque são sistemas abertos. Tudo na

cidade é urgente e mais informal. Ela tem em si a capacidade de gerar consensos, porque é mais concreta e os seus problemas mais específi cos do que os do país.”

Mais um exemplo norte-americano. Quando há uns anos 600 governos municipais pediram ao governo federal que criasse leis mais fortes de controlo das emissões de CO2, a resposta foi negativa. E que fi zeram esses poderes locais? Juntaram-se e processaram o governo. Resultado? Em seguida, cidades como Los Angeles adoptaram por si mesmas

regulamentos capazes de garantir uma melhor qualidade do ar.

O que fazer com Lisboa?Alguns problemas parecem mais fáceis de resolver, quando se trata de cidades globais, mas como podem mobilizar-se cidades com a escala de Lisboa ou do Porto? Saskia Sassen não conhece bem estas cidades, mas garante que o tamanho não é tudo e que os centros urbanos competem muito menos entre si do que à partida pode parecer.

“O que interessa nesta economia

Perceber em que redes determinada cidade se insere e tirar delas benefícios pode ser um dos primeiros passos para o seu desenvolvimento, diz Saskia Sassen. O projecto Global City 2.0, apresentado segunda-feira, a par do lançamento do livro Sociologia da Globalização (Saskia Sassen, Artmed Editora, Brasil), é uma iniciativa da sociedade civil que “vale a pena apoiar”, defende. Quem visitar o link globalcity.blogs.sapo.pt pode aceder a uma série de sites e blogues nacionais e estrangeiros promovidos por cidadãos que gostam de pensar as cidades e os seus problemas. O objectivo, explica João Seixas, geógrafo e investigador do Instituto de Ciências Sociais, é reunir num mesmo espaço virtual diversas iniciativas e “aprender com a experiência dos outros”. L.C.

O projecto Global City 2.0