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SO DANIEL COMBONI
ESCRITOS 1 3699
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N.o 1 - A JOSEFINA BERTOLDI
ACR, A, c. 14/1
Verona, 27 de Dezembro de 1850
Estimadssima Senhora,
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No pode certamente compreender quanto lamento no ter feito o que era meu vivo desejo, ou seja, de-
volver o mais rpido possvel o livro que a senhora fez o favor de me emprestar. Sim, minha senhora, no
mesmo dia em que seu irmo me trouxe o segundo volume das cartas escolhidas de Mme. Svign, eu havia
preparado o primeiro, com uma breve nota, para lho enviar: mas vendo que se antecipou, sinto-me na obri-
gao de lhe pedir desculpa pela minha negligncia, certo de que a sua generosa bondade a levar a perdoar-
me. Estou-lhe muito grato pelo grande favor que me fez e, vendo-me notavelmente favorecido acima dos
meus mritos, e ao mesmo tempo honrado com uma nova prova do seu bom corao, rogo-lhe que aceite a
oferta do meu, que est verdadeiramente cheio de reconhecimento para com a sua distinta pessoa, isto ,
peo-lhe que aceite o meu mais sincero obrigado, que apresento a quem generosamente se digna multiplicar
as suas gentilezas para com este que lhe ficar sempre agradecido.
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Li, quase por completo, o primeiro volume das cartas francesas e encontrei com que inebriar sobremanei-
ra o meu esprito de um inefvel prazer, acima das minhas expectativas; porque, se bem que se deva preferir
a lngua da prpria ptria s estrangeiras, no tocante a cartas, todavia, vejo-me obrigado a admitir que nunca
encontrei uma pena italiana que me tenha sido to agradvel como a francesa com a qual teve o prazer de me
honrar. Por isso, visto a lngua francesa ser muito importante sobretudo para quem, em conversaes brilhan-
tes, pretende fazer boa figura e mais ainda pela nobre elegncia que prpria desta lngua, permita-me que a
exorte a aperfeioar-se profundamente no conhecimento da mesma, dado que o estudo das lnguas hoje
uma parte necessria a uma educao distinta. Da esta sugesto do seu devoto servidor e, ao mesmo tempo,
para ser favorecido por si nesta ocasio, peo-lhe que aceite os mais sinceros sentimentos de gratido que,
desde o primeiro momento em que tive a honra de falar consigo, me preocupei muito em lhe exprimir, na
esperana de lhos renovar, na prxima vez que tiver a honra de ver a sua digna pessoa.
Conceda-me outrossim o favor de apresentar os meus melhores obsquios a seu pai, enquanto, reiterando
os meus pedidos, aproveito a feliz oportunidade para lhe testemunhar os meus respeitosos sentimentos de
estima e de alta considerao, que conservarei ao longo da minha vida.
O seu humilde servidor
Daniel Comboni, sacerdote
Original francs
Traduo do italiano
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N.o 2 (1191)
ASSINATURA NO REGISTO DA PARQUIA DE LIMONE
APL (Arq. Paroq. de Limone)
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N.o 3 (1192) - CRIA EPISCOPAL DE VERONA
ASCV, Patrimnio (1854) Comboni
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N.o 4 (2) - A PIO IX
PEDIDO DE AUTORIZAO
PARA LER LIVROS DO NDICE
ACR, A, c. 21/18 n.o 6
N.o 5 (3) - ASSINATURAS DAS MISSAS
CELEBRADAS EM ST.o ESTVO, VERONA
ASSV
N.o 6 (4) - ASSINATURAS DAS MISSAS CELEBRADAS
EM S. JOO BAPTISTA IN SACCO, VERONA
AMV
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N.o 7 (5) - ASSINATURAS DAS MISSAS CELEBRADAS
EM ST.o ESTVO, VERONA
ASSV
N.o 8 (6) - ASSINATURAS DAS MISSAS CELEBRADAS
EM S. JOO BAPTISTA IN SACCO, VERONA
AMV
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N.o 9 (7) - P.e PEDRO GRANA
ACR, A, c. 15/36
Verona, 4 de Julho de 1857
Muito rev.do e estimado sr.,
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A confiana expressa na sua carta impele-me a dar-lhe a conhecer o verdadeiro estado em que me encon-
tro. Antes, conforta-me grandemente revelar-lhe a perturbao que neste momento agita o meu esprito. Co-
mo creio ter-lhe dito outra vez, estou inclinado a percorrer o rduo caminho das misses e, concretamente,
desde h mais de oito anos, o das misses da frica Central, que tm sido objecto de parte dos meus estudos.
O superior, consciente das minhas intenes, contou sempre comigo para me utilizar na fundao da sua
misso naquelas desertas e ardentes solides; e para tal fim, decidiu j desde o ano passado enviar-me at l
com a prxima expedio, que ter lugar em finais do prximo ms de Agosto ou princpios de Setembro,
desde que consiga resolver os muitos assuntos da misso, tanto em Roma como em Viena. Em relao a
estes, j terminou quase tudo, pelo que, j quando do meu regresso de Limone, me avisou que me preparasse
para a empresa, resolvendo assuntos familiares e quanto me diz respeito. Eu h muito que suspirava por este
momento com mais ardor que um casal de namorados apaixonados suspiram pelo momento do casamento.
Mas eis que entretanto me assustam duas graves dificuldades; so enormes e sem a sua soluo eu, por certo,
no me decido a partir para a misso.
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A primeira a preocupao de abandonar dois pobres pais que nesta terra no tm outra consolao seno
a de um nico filho; mas esta fcil de superar, j que a nossa misso de tal natureza que, atendendo ao
rigor do clima e aos assuntos que a ligam Europa, nos vemos obrigados a vir aqui todos os anos ou, pelo
menos, cada dois, e, por conseguinte, no existiria um abandono total. Seria como se estivesse um ano ou
dois sem v-los; alm disso, o constante relacionamento poderia amenizar todo o afastamento. Mas isto,
como dizia, no me provoca tanto pesar, tanto mais que j me escreveram dizendo que se colocam nas mos
da Providncia e que se sujeitam, naturalmente com dor, momentnea separao. A outra dificuldade que
quero, antes de partir, que lhes seja assegurada uma cmoda existncia, a qual eu obteria com o pagamento
de todas as dvidas.
Com efeito, eu creio que, quando o meu pequeno terreno estiver livre de todos os nus resultantes das
tristes circunstncias passadas, com o primeiro salrio, com o rendimento do pequeno campo, e com as mis-
sas que eu poderei celebrar na misso, segundo as intenes de uma certa pessoa que entregar as correspon-
dentes esmolas a meus pais (e espero, includas tambm as viagens, poder celebrar duzentas ao ano), eles
podero viver comodamente.
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Mas, de momento, o que fazer para obter tudo isto? Eu, por agora, no tenho meios, nem quero arranj-
los de maneira mesquinha ou audaz. Por conseguinte, no sei que ir acontecer. Certo que, sem ter resolvi-
do tudo isto, no quero partir para a misso africana. E na minha situao est tambm o P.e Melotto; de
modo que no se sabe o que suceder. O certo que esta incerteza, e muito mais para mim a preocupao de
me afastar ainda que momentaneamente de meus pais, a viverem nas actuais circunstncias familiares, como
sabe (e especialmente pensando na minha me), produz em mim um grande transtorno.
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Resolvidas, porm, as duas ora citadas dificuldades, estou decidido a partir; mas a ideia da dor de meus
pais, o isolamento em que iro encontrar-se, eis o que me perturba. Eu no tenho medo nem da vida, nem das
dificuldades da misso, nem de nada; mas o que diz respeito aos meus dois velhos faz-me tremer. Assim, por
esta incerteza e consternao do meu nimo, decidi fazer os exerccios para implorar a ajuda do Cu. Se eu
abandonar a ideia de me consagrar s misses estrangeiras, serei mrtir por toda a vida de um desejo que
nasceu no meu esprito h mais de 14 anos, e sempre cresceu, medida que fui conhecendo a sublimidade do
apostolado.
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Se eu abraar a ideia das misses, torno mrtires dois pobres pais. Nem sequer vlido o pensamento de
que, mortos os pais, pensarei ento nas misses. Poderia eu desejar-lhes a morte? Essa ideia no de cristo
nem de sacerdote, mas de vndalo ou de canibal; e eu sempre desejei e desejarei morrer primeiro que eles.
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Por outro lado, se no se for para as misses antes dos tinta anos, melhor abandonar essa ideia, pois, avan-
ada um pouco a idade, no ser possvel aprender as diversas lnguas ainda desconhecidas das tribos de
frica para onde iremos; alm disso, a experincia ensina que aventurar-se naquelas regies com uma idade
superior mencionada traz consigo uma rpida morte.
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Portanto, no sei dizer-lhe nada ao certo nem de concreto: s que ora estou inquieto ora cheio de esperan-
a; ora me assaltam ideias sedutoras ora desencorajadoras. Se consulto quem sempre dirigiu a minha consci-
ncia, sou encorajado a decidir-me pela partida; se olho para a famlia, fico aterrorizado; se penso no mundo,
aceitando o empenho, vou contar com a maldio de quem conhece as minhas circunstncias de famlia e
pensa como o mundo; se penso no meu corao, ele sugere-me que sacrifique tudo e que corra para as mis-
ses, desprezando ditos e mexericos. Imagine a tempestade da minha alma, a luta, o conflito que me pertur-
ba.
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Assim, neste contraste universal das minhas ideias, acho oportuno o projecto de fazer os exerccios, de
consultar a religio e Deus; e Ele, que justo e tudo governa, saber tirar-me desta ansiedade, combinar tudo
e consolar meus pais, se me chamar a dar a vida sob o estandarte da cruz na frica; ou ento, se no me
chamar, saber levantar tamanhos obstculos, que me seja impossvel a realizao dos meus planos. Por isso,
o melhor exclamar com Samuel: loquere Domine, quia audit servus tuus: e, resolvido tudo conforme o
divino beneplcito, repetir com Job: sicut placuit Domino, ita factum est: sit nomen Domini benedictum.
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Lamento, por um lado, por no ter passado por Toscolano: mas, por outro lado, para Limone muito me-
lhor, porque assim esta terra participa da benfica influncia da sua presena. O retrato do superior est ainda
a ser feito: ou, por outra, h mais de um ms que nem eu nem os outros colegas sacerdotes temos dele not-
cias. Apenas seja posto disposio do inst.to, a primeira coisa que farei ser mandar-lhe uma cpia. Do
Margotti, desde que cheguei a Verona que j estavam esgotados os exemplares, pelo que j se comeou a
fazer outra edio milanesa, que de um dia para o outro vir a lume; apenas saia, mandar-lha-ei. No que res-
peita ao meu Brevirio, levar-lho-ei logo que for a Limone.
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Eis o essencial do conflito que agora se agita no meu corao. Eu no sei que partido tomar: se a Provi-
dncia se mostrar favorvel aos meus desejos, combinando tudo, assegurando a meus pais uma subsistncia
cmoda, correrei alegre para a grande empresa; se Deus no quiser de mim essa obra, baixarei a cabea e
bendirei dolorosamente a vontade do Cu. Sed hoc sub sigillo secreti, inter nos, por favor! Escreva-me algo
de belo, console habilmente os meus pobres pais e console-me tambm a mim: escreva-me. Ah, como so
agradveis as palavras de um amigo que est longe! Aqui, no inst.to, s me atrevo a falar claramente com
dois ou trs bons amigos. Eles consolam-me e fazem sentir-me pequeno! O que, porm, me d conforto ter
um companheiro preocupado com os mesmos problemas: o P.e Melloto. Este tem o mesmo desejo que eu,
qui no to ARDENTE, porque h naturalmente menos fogo na Lombardia que no Vneto... encontro-o
mais resignado que eu. Pelo que necessito de ser recordado no grande Sacrifcio, quando em Limone, na
igreja de S. Bento, levantar a hstia pacfica da consolao.
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Espero, por outro lado, dar-lhe notcias concretas at meados de Agosto. Seja o que deus quiser; devemos
adaptar-nos em tudo. Beltrame j escreveu a sua viagem atravs do Barel-Azek: um volume como o de
Tiboni e ser imediatamente impresso em [...] pelo Comit das Misses em Viena, depois em Verona.
Entretanto, receba saudaes de todos os irmos sacerdotes e especialmente os do perturbado
Seu af.mo amigo e s.
Daniel Comboni, sac.
N. B. A quinta folha da carta est um pouco deteriorada.
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N.o 10 (8) - A P.e PEDRO GRANA
ACR, A, c.15/41
Verona, 13 de Agosto de 1857
Meu reverendo P.e Pedro,
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Terminei finalmente os santos exerccios; e depois de me ter aconselhado com Deus e com os homens,
conclu que a ideia das misses a minha verdadeira vocao: o sucessor do grande servo de Deus P.e Ber-
toni, o padre Marani, respondeu-me at que, fazendo um quadro da minha vida, das circunstncias passadas e
actuais, assegura-me que a minha vocao para as misses da frica das mais claras e evidentes; e, por
isso, apesar das condies de meus pais, que nesta ocasio com toda a franqueza lhe apresentei, disse-me:
V, que eu dou-lhe a minha bno e confie na Providncia, pois o Senhor, que lhe inspirou este magnni-
mo projecto, saber consolar e cuidar de seus pais. Por isso, estou absolutamente decidido a partir no pr-
ximo ms de Setembro.
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O supracitado superior dos estigmatinos disse-me que fizesse compreender bem aos meus pais a natureza
do plano do nosso superior, a saber: 1.o, parte-se e regressa-se (si non moriemur - sile); 2.o, que, por agora,
se trata de uma experincia e que vamos tentar, a ver se resulta; se no resultar, regressa-se imediatamente.
Agora peo-lhe encarecidamente que use todo o seu engenho e diplomacia, e mais com a ajuda de Deus e de
Maria, para convencer os meus desolados pais, escolhendo a hora, o momento, em uma ou duas vezes, at se
mostrarem resignados vontade do Senhor.
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Oh, quanto me custa o sacrifcio que os meus pobres pais fazem ao separar-se de mim! A que sacrifcios
sujeita o Senhor esta vocao! Mas foi-me assegurado que Deus me chama e eu parto seguro disso. Sei que
atrairei a maldio e as imprecaes de muitos que no vem mais alm de um palmo; mas nem por isso eu
quero deixar de seguir a minha vocao. Alm do mais, confio em Deus, na Virgem Imaculada e na sua soli-
citude, Sr. Reitor; ter, por isso, larga recompensa.
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O superior anulou o projecto de nos enviar para Bolonha; no sei porqu: fiat voluntas Dei. o castigo
por eu falar e apresentar as coisas como realizadas antes que se cumpram. Tera ou quarta-feira espero ir a
Limone. O projecto de levar meus pais a Veneza assusta-me, dado que os meus companheiros e especial-
mente P.e Beltrame me asseguram que seria mais doloroso para eles e para mim; por isso tentam persuadir-
me a seguir o conselho que o senhor me deu em Limone, de no pensar em Veneza.
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No sei como fazer para me despedir deles pela ltima vez. Eu ficarei em Limone at ao dia quatro ou, o
mais tardar, at ao dia cinco de Setembro. Agora estou a preparar os trezentos tleres para meus pais; temo
bastante ir a Limone sem dinheiro, mas se for preciso, deixo em Verona quem me substitua, porque nos pri-
meiros do ms quero ter pago todas as minhas dvidas; de contrrio deixo de pensar na frica.
Entretanto, receba a minha reverncia, reze por mim ao Senhor e creia-me de corao
Seu af.mo servo e amigo
Daniel C.
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Esta manh celebrmos a cerimnia da partida para a frica com a nossa despedia dos diversos grupos do
inst.to. P.e Beltrame cantou missa, P.e Melotto fez de dicono, eu de subdicono, P.e Dalbosco de cerimo-
nirio e P.e Oliboni pronunciou o discurso. Foi uma celebrao emocionante, que fez correr as lgrimas a
todos, incluindo alguns amigos do Instituto que participaram.
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N.o 11 (9) - A P.e NICOLAU MAZZA
AMV, cart. Missione Africana
Verona, 4 de Setembro de 1857
Amat.mo sr. superior,
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A fim de seguir a minha vocao das santas misses, sendo-me necessrias 75 (setenta e cinco) peas de
20 francos para as necessidades da minha famlia, serviu-se o Senhor proporcionar-mas a ttulo gratuito,
dando-me agora 50 (cinquenta) peas de vinte francos e guardando as outras vinte e cinco peas para as fazer
chegar, dentro de um ano, a meu pai ou a minha me, que vivem em Limone, prov. de Brscia. Apresentan-
do-lhe os mais cordiais agradecimentos e pronto a passar-lhe um recibo legal no caso que o exija, subscrevo-
me
Vosso obdmo. filho
Daniel Comboni sac.
N.o 12 (10) - AO DR. BENEDETTO PATUZZI
ACR, A, c.15/167
Alexandria do Egipto, 20 de Setembro de 1857
Meu carssimo doutor,
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Embora at agora no tenha nenhuma notcia concreta sobre o Sr. Joo Baptista Massimiliano Arvedi, no
perco o grande prazer de aproveitar o correio para no deixar privado de notcias minhas o meu muito queri-
do compadre e amigo, com o qual e com cuja famlia contra uma amizade to afectuosa e uns sentimentos
fraternos to profundos, que s na sepultura tero o seu fim temporal. Eis, no entanto, as diligncias por mim
levadas a cabo para saber algo sobre o defunto Arvedi.
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Aqui, em Alexandria, contam-se pelos dedos os que conhecem os negcios do conde Scopoli. Ele um
aristocrata rude, que no revela a ningum os seus interesses; conversa sempre com pessoas de alta condio,
mas nem sequer essas sabem coisa alguma: assim o conheci na viagem de Trieste a Alexandria. Por outro
lado considerado como uma pessoa justa e de acertado conselho; e precisamente nesta actividade que em
Alexandria ganha mais que um comerciante.
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Ora as pessoas que rodeiam o conde Scopoli, por quanto entendi e eu creio, so: o Sr. Ferrighi, engenhei-
ro; o I. R. cnsul-geral austraco; Francisco Gronchi conhece-o intimamente; o conde Incio Frish creio que
o conhece muito de perto, pois ele e o cnsul so unha com carne; o P.e Cipriano, que foi quem o assistiu
continuamente na sua doena. H mais um ou outro, mas se houve alguma irregularidade, penso que ser
difcil descobri-la; os dois mdicos que assistiram mais assiduamente o defunto exageraro a assistncia
prestada. Assim, ns ficamos na mesma.
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Do conde Scopoli no consegui arrancar nada, apesar de falar com ele todos os dias no barco. Quanto ao
cnsul austraco, para falar verdade, apenas soube que era ntimo do conde, perdi a coragem para lhe fazer
alguma pergunta. A respeito de Ferrighi, tenho a dizer que recebeu de Scopoli como oferta um relgio de
ouro em recompensa pela assistncia prestada ao defunto e, por isso, no pode seno proteger o sr. conde
Francisco Gronchi, em quem ns, missionrios, temos toda a confiana, pelo muito que se preocupa pela
nossa misso; ele disse-me que sobre o assunto de Arvedi e os seus acordos com o conde Scopoli no sabe
nada. Ainda no me foi possvel falar com o conde Incio sobre este assunto, porque estivemos muito ocupa-
dos com ele por causa da nossa misso, uma vez que ele o nosso procurador no Egipto: amanh falarei
muito com ele sobre Arvedi.
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Por outro lado, ainda no pude conversar com os mdicos, dado que, nos poucos momentos livres de que
disponho ou no os encontro ou acontece alguma outra coisa. O padre franciscano que o assistiu assegurou-
me que esteve doente durante mais de um ms, que foi servido e teve uma assistncia insupervel, que rece-
beu todos os sacramentos, e morreu com uma resignao crist verdadeiramente edificante; e que, finalmen-
te, o conde Scopoli lhe fez um funeral sumptuoso, em que intervieram muitos frades e seculares. Isto , pois,
o que pude saber de Arvedi. De resto, eu fico todo este ms em Alexandria e terei talvez oportunidade de
conseguir informao mais exacta. A verdade que me tm dito que o conde Scopoli uma pessoa de gran-
de estima, probidade e justia; portanto, no tenho argumentos suficientes para acreditar que ele tenha actua-
do com dolo; certamente que um advogado ou uma espcie de advogado e, portanto, se gastou, de um mo-
do ou doutro, um cntimo com Arvedi, deve t-lo metido na conta a cargo dos irmos. Mas voltemos a ns.
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A minha viagem de Trieste a Alexandria foi muito boa: s de Trieste a Corfu que tivemos um vento
contrrio fortssimo, que provocou um enorme mal-estar em todos os passageiros que iam a bordo. O resto,
depois das ilhas Jnicas, foi muito delicioso. Eu fiquei pasmado ao contemplar a beleza das risonhas ilhas da
Grcia, Cefalnia, Zante, taca, Cndia, e milhares de outras do arquiplago; e muito mais embevecido fiquei
reflectindo nas grandes memrias que representam.
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A minha admirao cresceu espantosamente quando cheguei portentosa cidade de Alexandria, ptria de
tantos heris, terra carregada de memrias to antigas. Eu teria mil coisas para contar sobre a minha estadia
em Alexandria: sobre os costumes dos muulmanos, dos gregos, dos bedunos, dos coptas e de tantos outros
povos emigrados que povoam Alexandria e os seus arredores, etc., etc. , mas os afazeres e ocupaes cha-
mam-me ao trabalho. Sobre as minhas viagens escrever-lhe-ei algo do Cairo, de Assuo, de Cartum, de
Bahar el-Abiad. Escreva-me e console-me com as suas notcias. D por mim um beijo minha querida co-
madre Anita, a quem sempre trago no corao, ao Vtor, ao Caetano e a todos os outros filhos e filhas. Apre-
sente os meus respeitos ao P.e Battistino e ao P.e Bartolo e creia-me de todo o corao
Seu af.mo comp.o e amigo
Comb. Daniel
Eu estou de perfeita sade; no mar no tive o mnimo enjoo. Encontro-me melhor que na Europa, apesar
do calor.
N.o 13 (11) - AOS SEUS PAIS
ACR, A, c. /14/115 n. 1
Jerusalm, 12 de Outubro de 1857
Queridssimos pais,
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Vou contar-vos brevemente a minha viagem Palestina, onde permaneci cerca de duas semanas. Vs no
estveis pessoalmente a acompanhar-me nestes lugares santos, mas eu, em esprito, estava sempre convosco,
de tal maneira que, nesta minha peregrinao religiosa, no dei um nico passo sem imaginar que me encon-
trava convosco. Como sabeis, partindo de Alexandria do Egipto no passado dia 29, e uma vez atravessado o
mar que separa a sia da frica a norte do Egipto, passando Cesareia, chegmos felizmente a Jaffa, que
um porto importante da sia e o primeiro lugar na Palestina onde se pode obter indulgncia plenria.
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Logo que ns, os dezasseis religiosos, demos graas ao Senhor na Igreja de S. Pedro, cantando o Te
Deum, entrmos no convento dos Franciscanos, que nos proporcionaram uma caritativa hospitalidade. Esta
hospitalidade concedida indistintamente a todos os europeus, sejam catlicos ou no, e a todos os ortodo-
xos orientais de qualquer rito. Pelo que nestes conventos se acolhem prncipes e pobres, seculares e regula-
res, no havendo na Terra Santa nenhuma hospedaria nem lugar seguro para acolher os viajantes; tudo fru-
to das piedosas esmolas dos catlicos da Europa que costumam recolher-se na Semana Santa.
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Enquanto os padres franciscanos estavam ocupados para nos arranjarem um meio de transporte para a Ci-
dade Santa, eu ia meditando sobre os acontecimentos que tornaram clebre esta cidade, que a antiga Joppe
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da Sagrada Escritura. Era aqui que Salomo fazia desembarcar das jangadas os cedros do Lbano, que devi-
am servir para a construo do Templo; aqui onde o profeta Jonas embarcou para Tarso em vez de ir para
Nnive pregar a penitncia; aqui teve S. Pedro a clebre e misteriosa viso do lenol; aqui ressuscitou a cari-
dosa Tabita; aqui recebeu os embaixadores de Cornlio que o convidavam a ir a Cesareia para o baptizar a
ele e a toda a sua famlia; aqui embarcou nossa Senhora com S. Joo quando, depois da morte de Jesus, na-
vegou para feso; aqui esteve algum tempo S. Lus, rei de Frana; aqui atracaram muitos milhares de santos,
que acudiam a venerar os Lugares Santos.
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Depois do almoo, tendo-nos despedido dos missionrios que ficavam em Jaffa, bem como de um prnci-
pe polaco, que encontrmos no barco e com quem almomos, ns, em companhia de um missionrio da
China, um outro das ndias Orientais, dois missionrios da Companhia de Jesus e Mons. Ratisbonne, de Pa-
ris, que, convertido do judasmo nossa f em Roma, por obra do Sumo Pontfice, se dirige a Jerusalm para
fundar um instituto gratuito de educao crist, samos s duas horas para Ramle com a ideia de, a cavalo,
chegar a Jerusalm durante a noite do dia seguinte. Eu estava maravilhado ao pensar que, pela primeira vez
que viajava a cavalo, me cabia em sorte percorrer os montes da Judeia. Por isso, como novato a cavalgar,
pedi o cavalo mais velho e lento, sendo imediatamente atendido.
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Ao sair de Jaffa, caminha-se ora por estradas flanqueadas aqui e ali por densas sebes de sicmoros, que
escondem laranjais, limoais, bem como plantaes de romzeiras, bananeiras, damasqueiros e outras rvores
de fruto, ora por campos sem vegetao alguma, ora atravs de pequenas colinas que tm aqui e alm uma
oliveira meio queimada pelo sol. Sempre sob um cu que, durante o dia, queima com o seu calor o pobre
viandante. Atravessados estes lugares, encontrmo-nos diante das agrestes charnecas dos filisteus, de onde
tivemos oportunidade de contemplar os montes da Judeia, que vo esquerda juntar-se com os da Samaria,
os quais oferecem um aspecto triste a quem pensava que estava a viajar na Terra Prometida, onde corre leite
e mel.
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Antes da noite, no meio da plancie, fomos alcanados por dois bedunos a cavalo armados de lana e de
pistolas. Mas, ao verem-nos em maior nmero, no nos atacaram. Interrogados por ns sobre quais eram as
suas intenes, responderam-nos que estavam a vigiar o caminho por ordem do Governo turco, a fim de as-
segurar a passagem aos peregrinos.
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Mons. Ratisbonne, assustado, procurou conquist-los com um generoso bacchiss (gorjeta) de 20 piastras.
Chegmos j noite avanada a Ramle, segundo S. Jernimo a Arimateia do Evangelho, terra de Jos de Ari-
mateia, isto , aquele decurio que pediu a Pilatos o corpo crucificado de J. C. e o enterrou num sepulcro
novo escavado na rocha, que ele havia preparado para si mesmo num jardim que possua no Glgota. Esta foi
a primeira cidade conquistada pelos cruzados na Palestina; era fortssima. Agora vem-se apenas torres der-
rubadas e runas antigas, entre as quais sobressai a torre dos 40 mrtires de Sebaste e a casa de Nicodemos,
na qual conto celebrar missa quando voltar de Jerusalm.
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Recebida uma generosa hospitalidade, na manh seguinte, pelas quatro, samos de Ramala e, atravessada
a belssima e frtil plancie de Saron, chegmos ao sop das montanhas da Judeia; para as atravessar gast-
mos um dia inteiro sob um Sol ardente. Esta viagem , com efeito, muito fatigante, seja porque, sendo aque-
las montanhas speras, escarpadas e estreis, o Sol castiga continuamente, sem possibilidade de defesa de-
baixo de uma rvore qualquer, seja porque a estrada pssima, cheia de calhaus por toda a parte e de quando
em quando rochas.
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Mas a ideia de que ia para Jerusalm punha-me asas nos ps e no corao e no me fazia sentir o cansao
da viagem. A meio do caminho encontram-se: o castelo do Bom Ladro, aquele que mereceu o Paraso por
ter compaixo de J. C. na cruz; o deserto de Abu-Gosci, um assassino que por estes stios fez muitas vtimas,
acabando finalmente por ser morto; a Igreja de Jeremias; o cimo do vale de Terebinto; a cidade de Colnia e
os restos de muitos lugares famosos nas Escrituras. Finalmente, ao anoitecer, depois de atravessadas cinco
cadeias de montanhas, chegmos vista de Jerusalm. Ento Mons. Ratisbonne mandou que todos desmon-
tssemos dos cavalos e, prostrados por terra, adormos o Senhor e venermos aqueles santos lugares tantas
vezes pisados por J. C. Depois, deixmos os cavalos em poder dos miior, ou guias, e descemos Cidade
Santa.
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Oh! Que grande impresso me fez Jerusalm! O pensamento de que cada palmo daquele terreno sagrado
representa um mistrio fazia-me tremer e ocorriam-me estas ideias: aqui talvez tenha estado J. C.; aqui, a
Virgem Maria; por aqui passaram os Apstolos, etc.
Depois de cumpridas as formalidades com o Reverend.mo da Terra Santa e com os cnsules francs e
austraco, retirmo-nos para o convento, onde repousmos. Para falar verdade, estvamos todos mortos de
cansao pela viagem. Eu admirava-me em relao aos outros missionrios, habituados fadiga. Quanto a
mim, j esperava, pois nunca tinha andado a cavalo, e a primeira vez que andei tocou-me logo viajar dia e
meio, sem parar, pelas plancies dos Filisteus e pelas montanhas da Judeia!
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Na manh seguinte, dia 3 do corrente, comecei a visitar os Lugares Santos. Primeiramente fui ao templo
do Santo Sepulcro. Este templo, construdo por St.a Helena, me de Constantino, o primeiro santurio do
mundo, porque encerra o Santo Sepulcro de J. C. e o monte Calvrio em que morreu. Cheio destas ideias
religiosas, fiquei assombrado ao ver o trio deste templo ocupado pelos turcos, que fazem a mercado, a por-
ta e o primeiro recinto guardado por turcos que fumam, comem e se maltratam uns aos outros; os gregos e os
armnios ortodoxos que gritam, que se agarram, se batem e praticam ali mil irreverncias.
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O templo do Santo Sepulcro compreende: 1.o) O Santo Sepulcro; 2.o) A coluna da flagelao, que foi le-
vada at l desde a casa de Pilatos; 3.o) A Capela de St.a Helena; 4.o) A Capela da Inveno da Cruz, isto ,
onde a Cruz foi encontrada, e foi identificada entre as dos dois ladres crucificados com J. C. mediante o
milagre da ressurreio de um morto; 5.o) A Pedra da Uno, onde foi ungido e embalsamado por Jos e
Nicodemos o Corpo de Jesus Cristo, antes de o meterem no Santo Sepulcro. 6.o) A capela onde foi crucifica-
do J. C. 7.o) O lugar onde foi levantada a Cruz, no qual existe o buraco onde ela foi colocada; ao beij-la,
como a todos estes lugares erigidos em capelas, ganha-se indulgncia plenria. 8.o) O lugar ou capela onde
estava a V. Maria, quando J. C. se achava na cruz, e recebeu em seus braos o seu divino filho morto. 9.o) A
capela onde estava a V. M. quando J. C. foi pregado na cruz; 10.o) o crcere onde J. C. esteve na noite que
antecedeu a sua morte; 11.o) A capela da diviso das vestes; 12.o) A coluna dos improprios, onde J. C. foi
cuspido, batido, etc., antes de ser condenado morte, a qual estava na casa de Caifs e depois foi trazida para
a aqui; 13.o) A capela da apario a St.a Madalena; 14.o) A capela onde, segundo a tradio, J. C. ressusci-
tado apareceu Virgem Maria, como diz S. Jernimo. Cada vez que se visita estes Lugares Santos ganha-se
indulgncia plenria.
39
Este magnfico templo abarca todo o monte Calvrio, ao qual est anexo o sepulcro de S. Nicodemos,
que este mandou escavar depois de ceder o seu a J. C. No tenho palavras para exprimir a grande impresso,
os sentimentos que em mim despertaram todos estes preciosos santurios que recordam a paixo e morte de
J. C. O Santo Sepulcro fez-me ficar extasiado e a pensar comigo mesmo: aqui, portanto, esteve 40 horas Je-
sus Cristo?! Esta a sagrada tumba que teve a sorte de encerrar em si o Criador do Cu e da Terra, o Reden-
tor do mundo?! Esta a tumba que beijaram tantos santos, diante da qual se prostraram tantos monarcas,
tantos prncipes e bispos em todos os sculos depois da morte de J. C.?!
40
Eu beijei e voltei a beijar vrias vezes aquela sagrada tumba, prostrei-me repetidamente a ador-la e sobre
aquela tumba, ainda que indigno, rezei por vs e pelos nossos amados parentes e amigos; tive a consolao
de rezar l duas missas: uma por mim, por vs e pela minha misso; a outra por vs, queridos pais.
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Depois desta visita, que foi breve a primeira vez, porque um grego ortodoxo me fez sair, subi ao monte
Calvrio, trinta passos mais acima do Santo Sepulcro, beijei aquela terra sobre a qual esteve a cruz, sobre a
qual esteve estendido e pregado J. C. ; evoquei na minha mente aquele momento doloroso em que neste lu-
gar, assinalado por uma laje de mrmore em mosaico, esticaram e deslocaram os braos a J. C., a fim de as
mos chegarem aos furos dos pregos em que foi crucificado; fiquei com o corao comovido por muitos
sentimentos, amor, etc.
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A um passo e meio do lugar da crucifixo, esquerda, fica o lugar onde esteve a V. Maria, quando J. C.
gemia na cruz; tambm isso fez em mim grande impresso; quando, depois, a dois passos de distncia, che-
guei ao stio onde foi levantada a cruz e o superior dos franciscanos do S. Sepulcro me disse que aquela era a
cavidade em que fora erguida a cruz, desatei a chorar copiosamente e afastei-me por um pouco; em seguida,
-
quando os outros j haviam beijado, aproximei-me tambm eu e beijei muitas vezes aquela cavidade bendita;
e vieram-me mente estes pensamentos: ento este o Calvrio!
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Ah! eis o monte da mirra, eis o altar da Cruz, onde se consumou o grande sacrifcio. Eu encontro-me
mesmo no cimo do Glgota, mesmo no lugar onde foi crucificado o Filho Unignito de Deus: aqui se efec-
tuou o resgate humano; aqui foi dominada a morte, aqui vencido o Inferno, aqui fui eu redimido. Este mon-
te, este lugar tingiu-se com o sangue de J. C.; estas penhas ouviram as suas ltimas palavras; este ambiente
acolheu o seu ltimo suspiro: ao morrer abriram-se os sepulcros, rasgaram-se os montes; a poucos passos do
lugar onde foi levantada a cruz v-se uma enorme abertura duma profundidade incalculvel que, segundo
uma constante tradio, se produziu quando da morte de J. C.
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Venerei igualmente a Coluna da Flagelao, a Pedra da Uno, a priso de J. C., a Coluna dos Improp-
rios, a Capela da Inveno Cruz, etc. E para dizer-vos algo sobre o templo do Santo Sepulcro, ele est em
poder dos turcos, dos gregos ortodoxos e dos Padres Observantes Franciscanos.
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Os turcos tm as chaves do templo, que abrem, a pedido do intrprete europeu ao servio dos catlicos e
ortodoxos, duas vezes ao dia, ou seja, s 6 da manh, ficando aberto at s 11, e s 3, ficando at s 6; e para
que o abram h que dar ao porteiro turco, por ordem do Governo turco, duas piastras, que equivalem a 60
cntimos. Os turcos ocupam-se apenas da guarda e das chaves do templo. O Santo Sepulcro est nas mos
dos gregos e dos armnios ortodoxos; os catlicos podem apenas celebrar trs missas, uma delas cantada, e
estas das quatro s seis. Se a missa cantada no estiver terminada antes das seis, entram no Sepulcro os gre-
gos e, aos murros e bastonadas, expulsam o sacerdote celebrante, tenha ou no terminado a missa; por essa
razo foram tantas vezes feridos e at mortos no Santo Sepulcro os padres catlicos.
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No Calvrio, a capela onde foi levantada a cruz domnio exclusivo dos gregos ortodoxos: l nenhum ca-
tlico pode celebrar missa, sob pena de morte. O lugar onde esteve a Virgem Maria, que fica dois passos
esquerda da cavidade, e o lugar da crucifixo, que dista um passo e meio da Capela da Virgem, a trs passos
e meio da supradita cavidade, so domnio exclusivo dos catlicos e aqui celebrei duas missas: a primeira, no
lugar onde Nossa Senhora esteve durante as trs horas de agonia, celebrei-a por vs, querida me; a segunda,
no lugar da crucifixo, foi por vs, querido pai.
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Na capela onde Maria esteve quando J. C. era estendido e pregado na cruz, que fica a cinco passos es-
querda da cavidade cruz, celebrei pelo Eustquio, pelo tio Jos, Csar, Pedro e toda a sua famlia, especial-
mente pelo Eugnio, para que M.a Ssma. o proteja na sua perigosa educao. Todos os outros lugares esto
na mo dos catlicos: todos, porm, esto abertos venerao, seja dos gregos seja dos catlicos. Por isso
todas as tardes, s quatro, os padres franciscanos fazem procisso, recitam oraes em pblico e incensam no
Santo Sepulcro, no Calvrio e em todos os lugares acima referidos. Eu tambm participei na procisso e,
como sacerdote, ofereceram-me a vela do Santo Sepulcro, que eu vos mando dividida em trs partes, como
direi mais adiante.
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Para celebrar missa no Santo Sepulcro, fiquei fechado duas noites inteiras dentro do templo, para estar
pronto para s 4 iniciar a missa. Estas duas noites foram para mim muito agradveis, porque tive oportunida-
de de venerar todos os santurios deste santo templo, de fazer as minhas preces, indignas mas fervorosas,
pela minha misso, por vs e por todos aqueles que de algum modo me so chegados.
verdade que se est sujeito a um ou outro insulto, especialmente da parte dos gregos, que nos so mais
hostis que os turcos; mas o que um insulto neste lugar onde J. C. recebeu tantos e foi crucificado? Devo
dizer que o templo do S. Sepulcro, que o primeiro santurio do mundo, tambm o mais profanado do
mundo: de facto, todos os anos h feridos e mortos; todos os dias h gritos, escndalos e pancadaria; e os
gregos, cujos sacerdotes so casados, chegam at ao ponto de consumar o matrimnio junto ao Sepulcro e ao
Calvrio, e cometem as maiores irreverncias que eu calo por pudor e por no poder exprimir por palavras
das quais ningum pode fazer uma ideia, se as no vir com os prprios olhos. Mas basta.
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Depois de visitar o S. Sepulcro e o Calvrio, a minha primeira ideia foi percorrer e visitar a Via Dolorosa,
que comea no pretrio de Pilatos e termina no Calvrio. Esta a via percorrida por J. C. quando, depois de
condenado morte, carregou a cruz para o Glgota. Nesta fiz a via crucis, detendo-me a recitar as estaes,
como esto naquela que comea com a palavra Crucifigatur, nos mesmos lugares onde aconteceram os 14
mistrios que se contemplam na Via Crucis. O trajecto tem cerca de 820 passos. O pretrio de Pilatos, situa-
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do sobre o monte Acra, foi primeiramente convertido numa igreja, depois passou a quartel militar, funo
para a qual ainda hoje serve; mediante uma gorjeta pode visitar-se: nesse pretrio eu vi o lugar onde J. C. foi
condenado morte, o lugar onde foi flagelado e l celebrei missa pela minha misso, por vs e pelos nossos
parentes; por estas intenes apliquei todas as outras missas celebradas na Terra Santa.
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Vi o Lithostrotos e todos os lugares onde, neste palcio, sofreu J. C. Esse est agora dividido nas seguin-
tes partes: 1.o) O lugar onde J. C. foi sentenciado morte. 2.o) A sala dos improprios, na qual J. C. foi acu-
sado de blasfemador, criminoso, desobediente a Csar, usurpador do nome de Deus; quantas acusaes, ig-
nomnias, calnias, humilhaes, vituprios, insultos e tormentos no suportou aqui J. C.! Aqui cobriram o
seu rosto de escarros, despojaram-no das suas vestes e revestiram-no de um surrado trapo de prpura; aqui
foi condenado s mais cruis flagelaes, foi coroado de pungentssimos espinhos, puseram-lhe na mo uma
reles cana em vez dum ceptro real; fazendo chacota, saudaram-no como um rei, e foi preferido a Barrabs.
3.o) O palcio de Pilatos compreende a Igreja da Flagelao, o lugar onde o Senhor foi amarrado a uma co-
luna e cruelmente flagelado; 4.o) O Lithostrotos, ou seja, a galeria de onde Pilatos apresentou ao povo Jesus
coroado de espinhos e coberto com um farrapo de prpura, proferindo as palavras: Ecce homo; esta galeria
hoje atravessa a Via Dolorosa guisa de ponte e est reduzida a um quartel de soldados. Deste palcio eu
parti para fazer a via crucis; desce-se daqui para a rua, onde se faz a 2.a estao, isto quando J. C. recebeu
a cruz sobre os ombros. A escada que do Pretrio de Pilatos conduz rua foi levada para Roma.
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Continuando a Via Dolorosa, chega-se ao lugar da 1.a queda, que assinalada no cho por duas colunas.
Dois passos adiante fica a Igreja do Espasmo, que foi erigida no stio em que a V. Maria se encontrou com
seu divino Filho que carregava a cruz s costas. Os turcos transformaram-na em casa de banho. At aqui a
rua plana; comea a subir no lugar em que J. C. foi ajudado pelo Cireneu a levar a cruz.
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A casa da Vernica indicada por uma porta que d para um estbulo. Diz-se que era onde ela vivia, mas
os escritores mais crticos dizem que o lugar onde a Vernica limpou o rosto de Jesus. Andando um pouco
adiante, chega-se porta judiciria que d para o Calvrio que, no tempo de Xto. ficava cerca de 400 metros
fora de Jerusalm, enquanto hoje fica dentro. Por esta porta passou J. C. quando foi morrer por ns, e chama-
se precisamente judiciria porque por ela passavam os condenados morte; nesta mesma porta foi fixada a
sentena de morte emanada contra ele da parte de Pncio Pilatos. Vrias vezes foi destruda; mas ainda
aqui conservada de p, perto da porta, a coluna onde tradio que esteve fixada a inqua sentena.
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O lugar da segunda queda no se conhece com exactido. Por isso, faz-se esta estao da via crucis entre
a porta judiciria e o lugar onde se encontrou com as mulheres de Jerusalm, que fica a cem passos dessa
porta; a terceira queda sucedeu 10 passos antes do lugar da crucifixo e assinalado por um penedo da rocha
do Calvrio, o qual, por desprezo aos cristos, cuspido pelos muulmanos.
As outras estaes fazem-se dentro do templo, no Calvrio, como podeis deduzir do que vos disse sobre o
Calvrio. Esta via crucis disseram-mo em Jerusalm os padres franciscanos f-la tambm o arquiduque
Maximiliano, governador do reino Lombardo-Vneto; e f-la de joelhos, derramando lgrimas de ternura,
para edificao da toda a cidade de Jerusalm.
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Depois da Via Dolorosa, visitmos o monte de Sio, sobre o qual se encontra o Santo Cenculo. Quo
sublime o monte de Sio! Sublime pela sua excelsa posio, sublime pelos seus profundos mistrios; fica
situado a sudoeste de Jerusalm e domina o vale de Geena, a Aceldama e o vale dos Gigantes. Foi para o
monte de Sio que David transportou a Arca do Aliana, trazendo-a desde a casa de Obededon; aqui foi
sepultado o prprio David; aqui J. C. celebrou a sua ltima Pscoa, lavou os ps aos Apstolos, instituiu o
sacramento da Eucaristia; aqui ordenou os primeiros sacerdotes e os primeiros bispos da sua Igreja.
55
Era neste monte que se encontrava o palcio de Caifs, aonde foi levado Jesus na noite em que foi preso;
aqui Pedro renegou trs vezes o seu Divino Mestre, estremeceu ao canto do galo, chorou amargamente a sua
culpa; aqui passou Jesus a sua ltima noite no fundo de uma priso; aqui foi acusado por falsas testemunhas,
acusado de blasfemo, cuspido no rosto e esbofeteado e julgado ru de morte; e tendo sido depois crucificado,
aqui, aps a sua Ressurreio, apareceu pela primeira vez aos Apstolos reunidos no Cenculo e conferiu-
lhes o poder de perdoar os pecados, instituindo o sacramento da Penitncia; aqui lhes apareceu de novo, es-
tando as portas fechadas, oito dias depois e fez tocar as suas sacratssimas chagas ao incrdulo Tom. Aqui
fez a sua ltima apario sobre a Terra antes de subir aos Cus no dia da Ascenso.
-
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Foi ao monte de Sio que regressaram os discpulos, depois de hav-Lo acompanhado na sua viagem glo-
riosa at ao cimo do monte das Oliveiras; aqui perseveraram todos em orao durante mais de dez dias a fim
de se prepararem para receber dignamente o Divino Parclito, o Esprito Santo; aqui se juntou Matias ao
colgio apostlico em lugar do traidor Judas; aqui, ao terminarem os dias de Pentecostes, desceu sobre eles o
Esprito Santo em forma de lnguas de fogo; aqui foram eleitos os primeiros sete diconos; aqui se realizou o
primeiro conclio da Igreja, presidido por S. Pedro; aqui foi nomeado S. Tiago Menor primeiro bispo de Je-
rusalm; aqui os apstolos dividiram entre si o mundo que iriam evangelizar; aqui, segundo a opinio mais
corrente, teve lugar a passagem de Nossa Senhora desta vida para a outra; aqui repousaram por muito tempo
os ossos do protomrtir St.o Estvo; aqui, finalmente, dormem o sono da morte muitos cristos de Jerusa-
lm e muitos mrtires da Igreja que neste lugar testemunharam com o seu sangue a origem divina da nossa
religio.
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Visitei quase todos os lugares notveis que h no monte de Sio, e o primeiro de todos foi o Santo Cen-
culo, onde J. C. instituiu o sacramento da Eucaristia; fica perto do tmulo de David, o qual, com a sua parte
superior, chega ao Cenculo. Este sublime santurio est j h trs sculos em poder dos muulmanos, que o
utilizam para dormitrio dos soldados; no se pode l entrar, mas ns, com boas maneiras e generoso
bacshish, entrmos com um missionrio da Terra Santa; e eu pude adorar aquele sagrado legado da antigui-
dade, sem porm descer ao fundo do mesmo para ver o tmulo de David, porque h pena de morte para
quem l entrar. No pude celebrar l a missa, para no correr o risco de receber um gracioso beijo de alguma
bala muulmana, que me teria sido to agradvel. No Cenculo h indulgncia plenria.
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Outras indulgncias ganham-se noutros lugares do mesmo Cenculo e fora dele, a saber: onde foi prepa-
rado o cordeiro pascal para a ceia do Senhor; onde J. C. lavou os ps aos seus apstolos; onde desceu o Esp.
Santo sobre os apstolos; no alto do Sepulcro de David que d para o Cenculo; no lugar onde a sorte recaiu
sobre Matias; onde o apstolo S. Tiago foi eleito bispo de Jerusalm; onde os apstolos se separaram para
irem pregar o Evangelho por todo o mundo. Tudo isto se obtm no Cenculo.
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Visitei tambm o palcio de Caifs, que esteve quase completamente em runas mas foi reconstrudo pe-
los turcos. Aqui h quatro indulgncias, ou seja, no lugar onde o Senhor passou a sua ltima noite na priso,
onde Pedro o renegou, onde o mesmo apstolo ouviu o canto do galo e onde permaneceu Nossa Senhora
aps ter tomado conhecimento da priso do seu divino Filho. Oh, quantos insultos e ignomnias no suportou
J. C. neste palcio, alm de Pedro O ter renegado, de o terem cuspido, de lhe terem vendado os olhos, etc. ;
aqui os que o haviam aoitado incitavam-no a adivinhar quem que de entre eles o tinha feito, etc., etc.
Do palcio de Caifs passa-se ao lugar para onde foi transferido o corpo de St.o Estvo, ao lugar onde
tradio ter S. Joo Evangelista celebrado a santa missa na presena da Virgem Maria, ao lugar onde Nossa
Senhora morou, depois da ascenso de Jesus ao Cu e depois de, com S. Joo, ter voltado de feso; aqui
morreu e os hebreus, enquanto ia a sepultar, tentaram roubar o seu corpo; aqui obtm-se indulgncia plen-
ria. Alguns passos depois, est o palcio de Ans, onde, com uma luva de ferro, lhe deram um tremendo bo-
feto.
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Que sentimentos despertaram em mim estes lugares sagrados, agora to profanados, s Deus e aqueles
que visitam Jerusalm podem compreend-lo. Existe ainda em Jerusalm a Igreja do Santo Salvador, onde
habitam os padres franciscanos, que contm trs antiqussimos retbulos que foram para aqui trazidos do
Cenculo, quando este se tornou quartel dos turcos.
61
O palcio de Herodes fica sobre o monte Abisade; embora esteja quase destrudo, gostei de o visitar, por-
que recorda a paixo de Nosso Senhor. Alm destes stios, em Jerusalm visitei a priso onde esteve S. Paulo
quando apelou a Csar, a Igreja de S. Tiago, que uma das mais esplendorosas de Jerusalm. Est em poder
dos armnios ortodoxos e nela me foi mostrado o lugar onde o apstolo foi decapitado por ordem do rei
Agripa. Visitei igualmente a casa de Maria, me de Joo Marcos, que est nas mos dos srios ortodoxos, a
qual celebre porque nela se venera o lugar onde S. Pedro foi bater quando foi libertado da priso pelo anjo.
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Entrei ainda no crcere onde S. Pedro esteve encerrado por ordem do rei Agripa; e foi precisamente aqui
que, no silncio da noite, foi libertado pelo anjo. Os cristos dos primeiros sculos haviam-na convertido em
igreja. Agora podem ver-se l bastantes restos que servem de oficina a alguns curtidores de peles: aquilo
exala um tal cheiro que s por esprito religioso se consegue l entrar. A casa do Fariseu fica sobre o monte
-
Abisade: consiste nos muros de uma igreja dedicada a S. Maria Madalena em memria da sua converso, que
teve lugar nesta casa; agora est em poder dos turcos.
63
O templo da Apresentao da Nossa Senhora tinha sido construdo em memria deste mistrio no lugar
onde Salomo erguera o palcio com madeira das florestas do Lbano; hoje uma mesquita. E que direi do
Templo do Senhor? Foi construdo no mesmo stio que ocupou o Templo de Salomo e dele no resta nem
uma pedrinha; indicado, contudo, o lugar exacto onde ficava e h a indulgncia plenria. Sobre ele edifi-
cou um magnfico templo o califa Omar, segundo sucessor de Maom, depois da conquista de Jerusalm. Os
cruzados, no sculo XI, converteram-no numa igreja; porm, Saladino declarou-o de novo mesquita (templo
de Maom) e assim continua at hoje. o edifcio mais majestoso que existe em Jerusalm e de estilo mou-
risco. proibido entrar l dentro sob pena de morte, porque, alm de ser templo de Maom, encerra o harm
das concubinas do pax de Jerusalm.
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Eu, porm, consegui passar todo o trio na companhia de dois padres missionrios da Companhia de Je-
sus; mas, apesar de um forte muulmano seguir os nossos passos, pusemo-nos imediatamente em fuga,
quando vimos os soldados armados. Abaixo do Templo de Salomo, h uma piscina probtica que um das
runas mais antigas que existem em Jerusalm; data nem mais nem menos do tempo de Salomo; embora
muito deteriorada, o seu nome basta para recordar a prodigiosa cura daquele paraltico que jazia doente havia
38 anos e que aqui foi curado pelo Redentor.
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Antigamente servia para lavar as vtimas que se iam imolar no Templo. Actualmente est cheia de
sicmoros e de outros arbustos; comunica com o templo da Apresentao de Nossa Senhora de que vos falei
acima. Este tem enormes pedras que, segundo os eruditos escritores da Terra Santa, serviram certamente para
os muros da antiga Jerusalm. volta destas pedras, os hebreus vo lamentar-se todas as sextas-feiras, ao
pr-do-sol; um espectculo digno de ser visto!
Estes so os lugares notveis que visitei em Jerusalm. H muitos outros; porm, a alguns deles muitos
esclesisticos de devoo pouco esclarecida [beatices?] querem dar-lhes celebridade, e como eu no acredito
nela, pois no tenho conhecimento fundamentado, prefiro pass-los em silncio. Aos que vos descrevi e des-
creverei dou todo o crdito, uma vez que a sua autenticidade se baseia na mais antiga tradio reconhecida
pelos maiores escritores e pela autoridade da Igreja, que outorga indulgncia plenria cada vez que se visi-
tam.
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Agora saiamos de Jerusalm, e contemplai comigo os lugares dignos da considerao de um cristo. E
primeiro, saindo pela porta de St.o Estvo, deixa-se 40 passos esquerda a porta urea, que est fechada
com um muro. Chama-se porta urea por excelncia em memria da entrada solene que J. C. fez no dia de
Ramos.
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Tambm Herclio, depois de vencer Cosroe, rei da Prsia, entrou por essa porta com o reconquistado tro-
fu do lenho da cruz. a mais bela e arquitectnica que existe em Jerusalm; e eu nunca vi uma melhor. Mas
os turcos fecharam-na e muraram-na porque existe entre eles uma antiga tradio, segundo a qual os francos
(assim se chamam no Oriente os europeus) conquistariam Jerusalm e entrariam triunfantes por essa porta.
Depois, descendo para o vale (de Josafat) pela ladeira do monte Moria, antes de chegar ao fim da descida, h
uma rocha muito informe, onde foi lapidado St.o Estvo; treze passos mais acima fica o lugar onde estava
Saulo (que mais tarde foi o apstolo S. Paulo) a guardar as roupas dos lapidadores; e mo esquerda se mos-
tra o lugar onde a imperatriz Eudxia mandou edificar um templo ao glorioso protomrtir. Uma vez no fundo
do vale, atravessa-se a torrente de Cedron, que divide o vale de Josafat, e entra-se em Getsmani.
68
Eu lancei o meu olhar para este vale, contemplando vrias vezes o seu comprimento e largura; ser aqui
perguntava a mim mesmo que um dia serei julgado pelo Eterno Juiz? Ser aqui que se juntaro todos os
povos da Terra no Juzo Final? Ditar-se- aqui a inapelvel sentena da vida ou da morte eterna para todos
aqueles que existiram, existem e existiro? Aqui a Terra abrir os seus profundos abismos para tragar os
rprobos destinados ao inferno, e daqui voaro os eleitos para o Cu?
69
vale, terribilssimo vale! Estende-se entre o monte das Oliveiras e o Moria e no se gasta nem um quar-
to de hora a percorr-lo em comprimento; comea no Sepulcro da Virgem e vai terminar no tmulo de Josa-
fat, rei de Jud, a qual se conserva intacto por estar escavada na rocha viva. O vale de Josafat percorrido
-
pela agora seca torrente de Cedron e est todo cheio de runas de Jerusalm. O seu comprimento , mais ou
menos, o alcance de um tiro de espingarda.
70
A norte deste vale, h o sepulcro de Nossa Senhora, o qual faz parte do Getsmani; esse sepulcro um
templo quase todo debaixo da terra, ao qual se desce por uma majestosa escadaria de 47 degraus. Neste se-
pulcro esteve Maria Virgem trs dias, antes da sua assuno ao cu com o corpo. Tendes conhecimento do
facto dos Apstolos e de Tom, que no teve a graa de ver Maria morta. O sepulcro aproximadamente
como o de J. C., e est em poder dos gregos ortodoxos, que todos os dias celebram longos ofcios. Neste
mesmo templo subterrneo encontram-se ainda os sepulcros de S. Jos, de St.a Ana e de S. Joaquim; enquan-
to nestes ltimos h indulgncia parcial, no de Nossa Senhora h indulgncia plenria.
71
Passado este lugar e entrando em Getsmani, encontra-se a gruta da agonia, porque a se retirou o Senhor
a rezar ao eterno Pai na noite que precedeu a sua morte; a se sentiu oprimido por uma tristeza to mortal que
entrou em agonia e suou sangue vivo. distncia de uma pedrada desta gruta, fica o horto de Getsmani
propriamente dito; tanto a gruta da agonia como o sepulcro de Nossa Senhora e outro lugar de que falarei
pertencem a Getsmani; mas os frades fecharam com um muro parte de Getsmani, que eles chamam horto
de Getsmani, para proteger oito oliveiras antiqussimas, cujos troncos reza a tradio existiam no tempo
de J. C. No sei se isso verdade; certo que tm um tronco mais [...] vezes maior que o das nossas olivei-
ras.
72
O lugar onde Cristo se separou dos seus discpulos est indicado fora da cerca do Getsmani propriamen-
te dito; a sete passos de distncia, fica o lugar onde Judas com um beijo atraioou J. Cristo. Voltando depois
ao vale, quase ao fundo, e caminhando pelas margens da torrente seca de Cedron, v-se um sinal de um joe-
lho impresso num duro penedo no meio do leito da torrente. Diz-se que este sinal impresso na pedra foi dei-
xado por J. C. na noite em que, preso no horto de Getsmani, empurrado a golpes pelos soldados, caiu nesse
lugar. Quem beija este sinal do joelho de J. C. obtm indulgncia plenria, o mesmo acontecendo no horto de
Getsmani e na gruta da Agonia, onde eu celebrei missa mesmo no lugar onde J. C. suou sangue, onde h um
belssimo altar que est em poder dos catlicos.
73
A pouca distncia do sinal do joelho de J. C. h uma grande caverna, onde, depois da morte do Divino
Mestre, se retirou S. Tiago apstolo, com o firme propsito de no mais comer nem beber at que O no
visse ressuscitado. Antes de chegar a esta caverna, h o sepulcro do rei Josafat, que feito de uma s pea, e
como a Igreja de S. Roque, em Limone; tambm ali o sepulcro do rebelde Absalo, que ele mandou cons-
truir para si em vida com a esperana de l repousar quando morto; mas enganou-se. uma maravilha: eu
estive l no meio; est a seguir a urna de Zacarias e mil lpides sepulcrais que guardam as cinzas daqueles
infelizes judeus que, de todas as partes do mundo, vieram terminar seus dias a Jerosolima, a fim de que os
seus ossos descansassem sombra daquele templo que no existe, nem existir nunca, a no ser na sua ima-
ginao.
74
Tudo isto se situa no vale de Josafat, que est no sop do monte das Oliveiras. Oh! Que querido o monte
das Oliveiras! Quo esplndida vista se goza do cimo do seu elevado cume! Que consoladores so os mist-
rios onde tudo est assinalado! Este monte foi o oratrio do Senhor, a ctedra dos seus divinos ensinamentos,
o testemunho das suas profecias sobre Jerusalm e serviu-Lhe de escada para subir ao cu. Agora eu condu-
zir-vos-ei como pela mo a contempl-lo com a vossa imaginao, pois digno da contemplao de um fer-
voroso cristo.
75
O monte das Oliveiras eleva-se a leste de Jerusalm em frente do Moria, pelo que domina o vale de Josa-
fat. Atravessada, pois, a torrente de Cedron junto ao sepulcro de N. Senhora, e passando a norte rente ao
horto de Getsmani, encontra-se, no incio da subida, um penhasco durssimo, o qual recorda o lugar onde se
sentava triste e meditabundo o inconsolvel Tom, quando a divina Me, j subida ao Cu, lhe atirou a sua
faixa, como contam, entre outros, Nicforo e Juvenal, bispo de Jerusalm.
A meio do monte e voltando mo direita um tiro de fuzil, chega-se ao lugar onde J. C. chorou sobre Je-
rusalm, o qual est assinalado por uma torre derrubada, outrora campanrio de um templo aqui construdo
em memria do pranto que J. C. derramou sobre a cidade prevaricadora. Daqui v-se Jerusalm inteira: eu
contemplei-a; oh, como me pareceu desolada, triste, esta cidade que era a mais clebre do mundo! Oh! Como
perdeu a sua beleza esta filha de Sio! Caiu em tamanha desolao, que leva at s lgrimas os coraes mais
duros, pensando naquilo que era no tempo da redeno.
-
76
Subindo um pouco mais, h uma caverna perfurada na rocha dentro das entranhas do monte das Oliveiras,
que serve de vestbulo a uma fila de sepulcros subterrneos chamados dos Profetas. Mais acima destes se-
pulcros est o lugar onde J. C. esteve sentado quando predisse a seus discpulos as muitas tribulaes, as
guerras sangrentas, as perseguies de toda a espcie, a abominao e a desolao que precederiam o ltimo
dia, o do Juzo Universal. Detive-me aqui por uns instantes e, contemplando o aspecto do subjacente vale de
Josafat, imaginei o imponente espectculo que oferecer todo o gnero humano reunido neste vale para rece-
ber a sentena final. Cinquenta passos antes de chegar ao cimo, fica o lugar onde os Apstolos se retiraram
para compor o Credo, antes de se dispersarem pelo mundo; neste lugar h uma cisterna, dentro da qual esta-
vam escavadas 12 pequenas abbadas, em memria dos 12 apstolos congregados.
77
A pouca distncia encontra-se o stio onde J. C. ensinou o Pai-nosso aos doze apstolos e onde em tempos
houve uma igreja. Finalmente, eis-me no cimo do monte das Oliveiras; mas onde est o lugar donde J. C.
subiu ao Cu? H aqui muitas casitas pobres e no meio um templo bastante bem conservado. No meio deste
templo fica o stio da ascenso.
Mediante generosa gratificao, um asceta turco abriu-nos a porta de um ptio, no meio do qual est este
templo sem portas. No pavimento vi um pequeno quadrado de pedra, que rodeia um duro penhasco, no qual
est impressa a planta do p esquerdo de um homem, voltada para ocidente. Esta marca deixou-a J. C. quan-
do subiu ao cu. Eu beijei e voltei a beijar reverentemente este ltimo vestgio que imprimiu na Terra o Di-
vino Redentor, para ganhar a indulgncia plenria que concedida. A 70 passos deste lugar, caminhando
pelo cimo do monte das Oliveiras, visitei o lugar chamado Viri Galilei, que corresponde ao stio onde esta-
vam os Apstolos, quando, regressando desse monte e tendo parado estticos a olhar para o cu, lhes apare-
ceu um anjo.
78
Pelo outro lado, direita, est Betfag, povoao em runas, situada no lugar onde o Senhor mandou a
seus discpulos que desatassem o potro que estava junto a um castelo vizinho, para fazer a sua entrada triun-
fal em Jerosolima no dia de Ramos. Daqui contempla-se perfeitamente o monte onde J. C. jejuou quarenta
dias, a vastssima plancie de Galgala, o rio Jordo, o mar Morto, onde surgia a Pentpolis, o monte dos
Francos, as alturas de Ramatzaim Sophim (Jeric) e muitos outros lugares famosos na Escritura, que depois
visitarei mais de perto.
79
Queria mandar-vos uma garrafa de gua do Jordo com os teros; mas como estes vo chegar cerca de um
ms depois da Pscoa, como vos direi mais adiante, e se estragaria, mudo de ideia e levo-a a uma pessoa de
Alexandria que me pediu uma pequena garrafa.
Tomando agora o caminho do sepulcro de Josafat em direco ao sul de Jerusalm, chega-se piscina de
Silo, famosa porque J. C. curou nela o cego de nascena; eu bebi dela e admirei o fluxo e refluxo de suas
guas sem conseguir absolutamente perceber porqu. No muito longe da piscina de Silo, subi pelas razes
de uma antiqussima amoreira situada no meio do caminho, que indica o stio onde foi serrado ao meio o
profeta Isaas com uma serra de madeira, por ordem do rei Manass.
80
Vinte passos mais abaixo deste lugar, vi o poo de Neemias que tem mais de 300 ps de profundidade e
uma gua fresqussima. Chama-se assim porque Neemias, depois da escravido de Babilnia, mandou tirar
deste poo gua densa com a qual aspergiu a lenha e as vtimas j colocadas sobre o altar para o sacrifcio, as
quais se incendiaram prodigiosamente ao nascer o Sol, como diz a Escritura.
81
Neste poo esconderam os sacerdotes o fogo sagrado, quando da destruio da Cidade Santa por Nabu-
codonosor. Aqui o vale de Silo une-se com o de Ben Hinnom, que a Geena do Evangelho. Este vale
escuro, profundo, solitrio, triste e melanclico, pavoroso; Jesus Cristo f-lo smbolo do Inferno; eu percorri-
o todo e vi o stio onde foi erigido o dolo de bronze, Moloc, que tinha no cimo um buraco, onde se lanavam
as crianas vivas para queim-las em honra de Moloc. Neste vale h lojas cavadas na rocha viva, onde os
Apstolos se esconderam quando viram o seu Divino Mestre feito prisioneiro no horto de Getsmani.
82
Depois fui a Aceldama, aquele campo que foi comprado com o preo do sangue de J. C. um espao on-
de cabem duas oliveiras. Saindo pela porta de Efraim, encontra-se a gruta de Jeremias, onde se retirou o
compungido profeta depois da destruio de Jerusalm por Nabucodonosor, a chorar sobre as crepitantes
cinzas da sua querida cidade, e chorando comps aquelas patticas lamentaes e profecias que se lem na
Semana Santa.
83
-
Abaixo desta, encontra-se o crcere do mesmo Jeremias: uma cisterna, para onde tradio que o profeta
foi atirado por ordem do rei Sedecias, por castigo de ter falado livremente ao povo de Israel da parte de
Deus. Dirigindo-me a ocidente, subi o monte Gion, memorvel porque sobre ele foi ungido e sagrado o rei
Salomo. Descendo por detrs da muralha de Jerusalm, v-se um tanque muito grande e magnfico de 240
passos de comprimento, 105 de largura e 50 de profundidade, todo cavado na rocha viva. Chama-se piscina
de Betsab, porque Salomo a mandou construir em honra dela e para seu servio.
84
Muitas outras coisas vos poderia contar sobre Jerusalm e arredores, mas j chega, porque estou cansado
de escrever. Citei-vos s alguns monumentos religiosos autenticados e confirmados pela Igreja, que fez de
todos os que vos descrevi fontes das mais amplas indulgncias. Jerusalm, hoje, no maior que duas vezes
Brscia. As suas ruas so estreitas, ngremes, sujas: faz pena! sede de muitos bispos ortodoxos, de um
pax turco e do patriarca que nos acolheu muito gentilmente. Est fortificada, mais que Verona, e permite
fazer uma grande ideia do que foi em tempos.
85
H oitenta missionrios catlicos e mais de cem entre gregos e armnios ortodoxos. Agora chegaram os
russos protestantes e os judeus; os primeiros tm at um bispo. No meio desta confuso de cultos, no se
pode fazer nada pela converso; porque se trata dos turcos, h pena de morte para quem se converter; e os
outros hereges, com abundncia de dinheiro, impedem os seus seguidores de se tornarem catlicos. Por isso,
acontece que alguns infelizes catlicos, quando no conseguem dos missionrios o dinheiro ou sustento que
pretendem, convertem-se ao protestantismo, como aconteceu este ano.
Todos os catlicos da Palestina so pobres e a maior parte so mantidos pelos conventos dos franciscanos.
Mais frente, falar-vos-ei de outros lugares que visitei na Palestina, que merecem a vossa ateno e conside-
rao.
(P.e Daniel Comboni)
N.o 14 (12) - A EUSTQUIO COMBONI
AFC
Jerusalm, 12 e Outubro de 1857
Meu querido primo,
86
Oh, j me parece que h mil anos no falo contigo, que no converso contigo, de ti, do Eugnio e dos
meus carssimos primos! Quantas vezes entre o bramido dos ventos e o flutuar das ondas sinto no corao o
peso da separao de vs! Quantas vezes, subindo as ngremes e escarpadas montanhas da Judeia, me vinha
mente quando contigo, com os carssimos Eugnio e Hermnio, etc., subamos as encostas de Dalco e as
suaves rochas de Prealzo! Neste momento encontro-me na Cidade Santa e digo-me a mim mesmo: oh, se eu
tivesse aqui os entes queridos que me esto ligados pelos vnculos mais sagrados do sangue! Quando escre-
veres ao Eugnio, no te esqueas de recomendar-lhe o que eu lhe disse antes da minha partida; se tiver tem-
po, vou escrever-lhe.
87
Fica a saber que no monte Calvrio celebrei missa por ti, pelo Eugnio, pelo tio e por toda a famlia cha-
mada irmos Comboni e celebrei-a naquele lugar onde estava a Virgem Maria quando o seu divino Filho era
estendido e pregado na cruz; igualmente tive o prazer de fazer o Memento por todos vs, especialmente pelo
Eugnio, em todos os santurios de Jerusalm e de Belm e em todos os lugares da Terra Santa, pelo que, no
futuro, no poderei nunca esquecer-vos sempre que celebrar; digo-vos isto, no para que vs devais ter muito
em conta as minhas oraes, pois conheceis a minha insignificncia diante do Senhor; mas digo-vo-lo para
obrigar-vos a rezar uma ave-maria, especialmente pelo bom xito da minha misso. Depois da Pscoa, rece-
bereis de Jerusalm algumas lembranas, que mando para ti, para a Hermnia e para os demais.
88
Agora que hei-de dizer-vos? meu grande desejo, meu querido e amvel Eustquio, que tu e todos os
meus primos, etc., vos esforceis por salvar a vossa alma. Deus cobriu-te de bnos, fazendo prosperar a tua
casa; Deus concedeu-te outrossim um bom nmero de filhos para educar e orientar pelas sendas da virtude;
-
Deus deu-te tambm uma me, a minha querida falecida tia Paula, que, desde que nasceste, te ensinou sos
princpios religiosos, pelo que entre os comerciantes te distingues pela honestidade, justia e rectido.
89
Permite-me, porm, que te fale como verdadeiro irmo. Louvo o esforo que fazes para conquistar e asse-
gurar uma condio cada vez melhor, tanto mais que tens uma famlia numerosa; mas parece-me que esse teu
af excessivo: primeiro, tens uma alma a salvar, a qual tem muito a perder com a demasiada agitao pelas
coisas do mundo; tens uma sade corporal a conservar, que ainda muito preciosa para o bem dos teus fi-
lhos; portanto, moderao nas tuas actividades! No te peo mais. Desejaria, isso sim, que os trs tivsseis
sempre gravado na mente que se salvardes a alma, salvareis tudo, que, se a perderdes, perdereis tudo, e que
em breve nos encontraremos diante do tribunal de Deus, o mais tardar dentro do breve espao de cinquenta
anos; mas estou certo de que o fareis.
90
Quero recomendar-te algo mais: os meus pobres pais. Tu sempre ajudaste a minha pobre famlia; disso te
fico grato at morte, e nem queria estar a lembrar-te o que ests sempre disposto a fazer sem recomenda-
es; mas o carinho que coloca na minha boca esta recomendao; e tu, que s filho e pai, sabers descul-
par: olha pelos meus pais e muito obrigado por tudo. Deus far de maneira que participes tambm do bem
que Ele far provir da nossa grande misso. Peo-te que me escrevas muitas vezes, como eu farei tambm;
mantm-me informado acerca de meus pais, do Eugnio, da Hermnia, do bom do Henrique, do Csar, do
Pedro, do tio e de todos vs, bem como de como correm os teus negcios, etc., etc.
Sada da minha parte a todos os que me so queridos e recebe um afectuoso beijo deste que se declara de
todo o corao
Teu af.mo primo
Daniel C.
N.o 15 (13) - AO P.e PEDRO GRANA
ACR, A, c. 15/37
Jerusalm, 12 de Outubro de 1857
Meu carssimo e amvel P.e Pedro,
91
No quero partir da Cidade Santa sem fazer-lhe saber que eu guardo doce e grata recordao de quem
com tanta diligncia apascenta a multifacetada grei de Limone e que tanto me ajudou. Quando chegar ao
Cairo talvez no tenha tempo de escrever. Saiba, portanto, que trs de ns viemos aqui a beijar, prostrados
por terra, o tmulo do Salvador e venerar os lugares do seu nascimento, da sua vida e da sua morte, enquanto
P.e Beltrame e P.e Oliboni foram ao Cairo preparar as muitas coisas que no conseguimos em Alexandria.
92
Partimos de Alexandria rumo a Jaffa, cidades que distam 42 horas de vapor. Das runas da antiga Joppe,
seguimos em direco a Jerusalm, empregando dia e meio a cavalo; passmos por montanhas que nada tm
que ver com as nossas de Limone, enquanto, porm, nalguns stios so mais escarpadas e ngremes e h que
transp-las a cavalo. Uma vez aqui em Jerusalm, a dizer a verdade, quem vem com a ideia de ver a antiga
Jerusalm, com vontade de admirar os monumentos profanos, certamente que fica desiludido; porm, quem
chega com inteno de venerar os mais preciosos monumentos e lugares onde tiveram lugar os grandes acon-
tecimentos da Redeno, asseguro-lhe que encontra uma satisfao inimaginvel, porque cada passo assinala
um mistrio.
93
Entre outras coisas observei nesta santa e maldita cidade, cmplice e autora do maior dos delitos, uma
tristeza, uma taciturnidade que deprimem o esprito quando se entra. Enquanto noutras cidades e especial-
mente no Egipto, os turcos, os gregos, os armnios, os coptas fazem muito rudo, gritam, vociferam, aqui, ao
invs, cada um est fechado em si mesmo, trabalha, vende, faz tudo sem falar; enfim, parece que esta cidade
ainda sente o remorso de ter dado a morte a um Deus.
94
No acontece o mesmo em Belm, que inspira uma indescritvel alegria em quem chega. Pode dizer-se
que ainda se conservam quase todos os monumentos da nossa religio e, em relao aos que j no existem,
-
conhecem-se muito bem os lugares; isto porque em todos eles, desde a pregao dos Apstolos, se erigiram
igrejas, santurios, monumentos; e, em caso de destruio, foram edificados de novo; e tambm porque aqui
tem muita importncia a tradio dos maometanos, dos judeus, dos gregos e dos autctones, que pode
dizer-se a primeira coisa que aprendem, para poderem mostrar essas coisas e informar os peregrinos e via-
jantes que aqui afluem aos milhares, coisa incrvel.
95
Queria fazer-lhe uma pequena descrio do que vi e observei; mas dar-lhe-ei notcia disso a partir do
Egipto, quando estiver mais livre. Como est entretanto o meu carssimo reitor? Espero encontrar no Cairo
alguma das suas ansiadas cartas. Naturalmente que tanto eu como o senhor devemos ser pontuais em cumprir
o que reciprocamente prometemos. Desejo-lhe muitas felicidades e recomendo-lhe os meus velhos, a quem
nada interessa a no ser a religio. Aqui em Jerusalm deixei uma pequena lembrana para si, para sua me,
sua irm, bem como para o Sr. Pedro e seu tio, o sr. B.o Carboni; consiste num tero de Jerusalm, benzido
no tmulo de N. S. e no Calvrio, que permite ganhar indulgncia plenria cada vez que se recita, e outra
indulgncia plenria cada vez que se beija o respectivo crucifixo.
96
Entretanto apresento-lhe as minhas cordiais saudaes; apresente os meus cumprimentos mais sinceros ao
amvel sr. Pierino, ao sr. Jos e a Jlia Carettoni, ao velho P.e Ognibene, famlia do sr. L. Patuzzi e especi-
almente ao sr. arcipreste, para o qual vai tambm um desses teros.
Aceite os saudaes e os sentimentos mais cheios de afecto
Do seu af.mo P.e Daniel
Cumprimentos de todos os meus companheiros.
N.o 16 (14) - AO DR. BENTO PATUZZI
ACR, A, c. 15/168
Jerusalm, 12 de Outubro de 1857
Meu carssimo e amvel doutor,
97
Ento haveria eu de deixar Jerusalm sem escrever uma linha e exprimir os meus sentimentos de afecto
para com a sua estimada famlia? Isso nunca. Mas antes faamos uma digresso.
Sobre o falecido G. B. Maximiliano Arvedi escrevi-lhe alguma coisa de Alexandria. Agora quero contar-
lhe mais coisas que vim a saber. A doena dele durou mais de um ms; e antes desta, que foi a ltima, teve
uma outra, que o levou s portas da morte. Em ambas as doenas foi assistido com um desvelo e ateno que
classificaria de hericas; tanto que o P.e Cipriano, que o assistiu longamente at morte, me assegurou ter
ficado maravilhado e me disse: Descobri ento que os autnticos italianos so verdadeiros irmos. A sua
resignao em receber a morte das mos de Deus foi admirvel; por isso diz-me o mesmo P.e Cipriano que,
em tantos anos de missionrio no Egipto, nunca sentiu tanto contentamento como ao assistir este, a quem
antes julgava meio perdido.
98
As condies do acordo com o conde Scopoli so desconhecidas; sei que era simples agente de firma, no
de comrcio, porque o conde Scopoli no se dedica aos negcios, mas faz de advogado apoiando-se apenas
na boa-f que Alexandria inteira tem dele.
Por outro lado, estou firmemente convencido de que todas aquelas despesas que o conde Scopoli apresen-
tou ao irmo do falecido so verdadeiras; antes, segundo posso deduzir, so at inferiores s que ele pagou.
Efectivamente, durante mais de dois meses de doena, o conde Scopoli prestou uma assistncia mais que de
irmo, no olhando a gastos. Em Alexandria um medicamento custa quatro vezes mais que na Europa; s o
gelo, que trazido de barco da Grcia e da Inglaterra, custa trs francos cada oca, ou seja, um pouco mais de
trs libras; e todos os dias eram necessrias muitas ocas. Ele consultou muitos mdicos e ningum pode
calcular quanto custa uma doena em Alexandria, j que todos correm atrs da fortuna, servindo-se de todos
os meios para arranjar dinheiro.
99
-
Por conseguinte, eu aconselharia o irmo do falecido Arvedi a viver em paz, sem proceder a mais inda-
gaes, de modo a no levar Scopoli a aperceber-se da sua secreta desconfiana; porque se quisesse tirar
tudo a limpo atravs de um ofcio ou de outro meio governamental, enganar-se-ia por certo, pois o Governo
no dispe de outro meio alm do cnsul-geral, o qual tem como primeiro conselheiro o conde Scopoli.
Efectivamente no se realiza uma sesso sem a presena de Scopoli, como pude verificar nos 15 dias que
estive em Alexandria. Tambm um seu amigo, que visitava Arvedi todos os dias, e que no simpatiza propri-
amente com o conde Scopoli, por o cnsul preferir os servios deste aos seus, me assegurou que do conhe-
cimento que ao longo dos anos teve dele lhe advieram os mais slidos argumentos para provar a sua honesti-
dade e justia; fazia at muitas coisas, como a visita quele doente, por sentimento religioso e para agradar
ao conde Scopoli, o qual agia verdadeiramente como um pai. Sobre isto no lhe digo mais nada, porque,
quando me asseguraram aquilo que lhe expus, eu no me preocupei muito em investigar sobre os outros as-
suntos contidos na carta que Arvedi me entregou, coisas difceis de compreender sem falar em termos tcni-
cos.
100
Mas agora falemos de ns. Quereria fazer-lhe uma descrio da minha viagem Palestina, mas agora no
tenho tempo. Aqui em Jerusalm deixei algumas pequenas lembranas para a sua famlia, para os seus tios
padres, para o Lus e para as sr.as Faccioli, Salvotti, etc.; mas das margens do Nilo voltarei ao assunto noutra
carta, tanto mais que essas pequenas lembranas, que consistem nalguns teros e crucifixos benzidos no San-
to Sepulcro, chegaro j depois da Pscoa.
Apresente as minhas melhores saudaes minha muito estimada sra. Anita, Vitria, Caetano, P.e Battis-
tino, P.e Bortolo, sr. Lus e famlia, enquanto com todo o afecto me subscrevo
P.e Daniel
N.o 17 (15) - AOS SEUS PAIS
ACR, A, c. 14/115 n.o 2
A bordo do Marsey, vapor francs,
que me transporta de Jaffa a Alexandria do Egipto,
16 de Outubro de 1857
Queridos pais,
101
Fiquei cerca de sete dias em Jerusalm; os outros empreguei-os em viagem por diversas partes da Judeia,
sempre a cavalo, geralmente sob um sol abrasador, pelo que se tornou uma viagem muito fatigante. Visitei
muitos lugares, mas os mais importantes e de edificao so aqueles de que falei. De Emas existe apenas o
lugar, mas sem o castelo, em que entrou J. C. depois da ressurreio e se deu a conhecer a dois discpulos na
fraco do po.
102
Fiz um passeio a Betnia, saindo pela porta de St.o Estvo; atravessado o vale de Josafat a sul, fomos ao
monte do Escndalo, onde se enforcou o desgraado Judas, depois de vender o seu Divino Mestre. Chama-se
monte do Escndalo devido aos gravssimos escndalos que Salomo deu ao seu povo, ao mandar construir
sobre ele altares em honra de todos os dolos das suas mulheres estrangeiras. Este monte, que recorda a apos-
tasia do mais sbio dos homens, surge defronte do Templo de Jerusalm; e Salomo escolheu este monte
precisamente em frente do Templo quase para comparar a adorao dos dolos que prestava ao Deus vene-
rado no Templo.
103
A pouca distncia, num pequeno campo, encontra-se o lugar da figueira que J. C. amaldioou, porque no
tinha frutos mas s folhas. Nestas paragens, como em Belm, no h seno figos, que tm metade do tama-
nho dos nossos. Mas h feno em Betnia. Da casa de Marta, de Maria Madalena e de Simo, o Leproso, no
existem nem sequer as runas; apenas o que resta de um magnfico mosteiro de beneditinas, que aqui viveram
muito tempo, em honra de St.a Maria Madalena.
104
-
O sepulcro de Lzaro ressuscitado consiste numa profunda cavidade, qual se desce atravs de vinte e oi-
to degraus. Est dividida em dois pequenos aposentos, no primeiro dos quais se deteve Jesus quando disse:
Lazare, veni foras; o outro o sepulcro propriamente dito. Ns entrmos todos luz da vela; lemos o
Evangelho de S. Joo que fala da ressurreio de Lzaro e encontrmos as coisas to idnticas que, mesmo
que no tivssemos a garantia da tradio de tantos sculos, dos autores e da Igreja, que concede indulgncia
plenria a quem o visitar, teramos entendido a veracidade do facto por termos visto o lugar. Deste sepulcro
recebereis uma pequena pedra, como tambm uma outra do lugar situado a uns duzentos passos do sepulcro
de Lzaro, onde J. Cristo, quando ia ressuscitar Lzaro, se deteve, antes de entrar em Betnia e onde foram
cham-Lo Marta e St.a Maria Madalena. Actualmente, Betnia no tem mais que 200 habitantes.
105
Descemos de Betnia para ver o Jordo e o mar Morto; a este ltimo porm, no pudemos chegar, porque
est cheio de rabes bedunos, que roubam e matam quase sempre; entre outras coisas, assaltaram h pouco
uma caravana de franceses e ingleses e mataram, entre outros, dois missionrios franceses; e tendo um ingls
sido roubado por um beduno, este apercebeu-se depois de que ele tinha dentes postios de ouro; atirou-o
ento ao cho, abriu-lhe a boca, arrancou-lhos, estragando-lhe o resto da dentadura para ver se encontrava
mais. Em Jerusalm falei com o chefe dos bedunos e, razo de 100 piastras (30 esvncicas) por cabea, ele
ofereceu-se para nos conduzir sem perigo ao mar Morto; mas tinha um par de olhos que me agradavam pou-
co e, por isso, respondemos-lhe que voltasse quinze dias depois, que talvez combinssemos algo. Ao cabo
desses quinze dias, porm, eu estarei no Cairo.
106
Fiz outra excurso, na qual empreguei dois dias. Saindo de Jerusalm pela porta de Belm, chegmos ao
vale do Abismo, famoso porque a o Anjo matou 185 000 soldados de Senaquerib. Em cima, antes de descer
a este vale, est o monte do Mau Conselho, assim chamado porque nele se reuniram os prncipes dos sacer-
dotes com os ancios do povo e decretaram a morte de Jesus. No sop deste pequeno monte, comea uma
vasta plancie chamada nas sagradas pginas vale de Rafaim ou dos Gigantes. Foi neste vale onde acampa-
ram duas vezes os filisteus, travando batalha com David, o qual, aps consultar o Senhor, os derrotou. A uma
milha de distncia h uma rvore de terebinto que marca o lugar onde descansou a Sagrada Famlia quando
ia para Jerusalm; mas a no se ganha indulgncia.
107
Depois de outros cem passos, encontra-se a cisterna dos trs Magos, denominada assim em memria da-
queles trs reis que foram os primeiros entre os gentios que acorreram a adorar o Menino Jesus. Os quais,
chegados a este lugar, viram aparecer sobre eles a brilhante estrela que lhes havia servido de guia na sua
viagem at Jerusalm e que tinha desaparecido. Nesta cisterna, como em todos os lugares de que vos falarei,
h indulgncia quase sempre plenria. Quatro milhas mais frente, encontra-se o mosteiro dedicado ao pro-
feta St.o Elias; est nas mos dos gregos.
108
Cerca de meia milha direita deste, encontram-se as runas de uma antiga igreja, que foi construda no s-
tio onde se encontrava o profeta Abacuc, quando um anjo o agarrou pelo cabelo e o transportou a Babilnia
sobre o covil dos lees, na qual estava encerrado Daniel; em seguida trouxe-o de volta a este mesmo lugar.
Caminhando cerca de meia hora, aparecem os restos de uma antiga torre, chamada Torre de Jacob, onde se
deteve este patriarca quando do seu regresso da Mesopotmia.
109
Ali tambm estiveram Abrao e Isaac. J me esquecia de vos dizer que no Moria mostrado o lugar onde
Abrao recebeu ordem de Deus para sacrificar seu filho Isaac. Uma hora antes de chegar a Belm, vi o se-
pulcro de Raquel, no qual os lavradores guardam agora os seus bois. J perto de Belm, visitei a cisterna de
David, de cujas guas teve sede esse rei, quando, encerrado na espelunca de Odolan, desejava um copo de
gua da cisterna que estava junto das portas de Belm e, depois de a receber, vendo sedentos os seus solda-
dos, quis lan-la fora para partilhar das suas necessidades. Aqui observei tambm os alicerces da casa de
Jess, pai de David, e os lugares onde David passou a sua juventude dedicado pastorcia.
110
Antes de entrar em Belm, fomos tambm cidade de Betgialla para visitar o patriarca de Jerusalm, que
aqui se encontra, no seu seminrio, a passar um pouco o Outono. Recebeu-nos amavelmente e queria reter-
nos com ele alguns dias; porm, como ramos oito, declinmos o convite. Entre outras coisas, disse-me que
conhecia bem o bispo de Brscia, com o qual fora sagrado bispo em Roma em 1850.
111
Finalmente, tardinha chegmos a Belm. Meu Deus! Mas onde quis nascer J. C.? Contudo eu quis nessa
mesma tarde descer afortunada gruta que viu nascer o Criador do mundo. Entrei, e embora o nascimento
-
seja mais alegre que a morte, fiquei mais comovido que no Calvrio ao pensar na complacncia de um Deus
que se humilhou at ao ponto de nascer num estbulo. A gruta de Belm onde nasceu J. C. mede de compri-
mento uns dez passos e cerca de metade dela to larga como o vosso corredor, a outra metade como a vossa
cozinha. H trs altares: um, onde a Virgem Maria deu luz o divino Menino e que est ao cuidado dos ar-
mnios e dos gregos ortodoxos; outro, dois passos mais abaixo, que o lugar da santa Manjedoura, onde a
Virgem Maria reclinou o Menino e cujo governo cabe aos catlicos; o outro, a um passo de distncia, que o
stio onde se ajoelharam em adorao os trs Reis Magos e que est nas mos dos frades.
112
Eu celebrei l missa na noite seguinte e foi-me muito grato ficar at de manh nessa bendita gruta que a
delcia do Cu. Como me deliciei nessa gruta, no meio do silncio da noite, repetindo muitas vezes a orao
que comps S. Jernimo e que rezava amide: Oh, alma minha, nesta pequena abertura da Terra nasceu
aquele que criou o Cu; aqui foi envolto em pobres paninhos; aqui foi colocado sobre um pouco de palha
numa manjedoura de animais; aqui chorou a Criancinha no rigor da estao invernal; aqui foi aquecido pela
vaca e pelo burro; aqui o encontraram os vigilantes pastores; aqui foi assinalado por uma estrela; aqui foi
adorado pelos Magos; aqui cantaram pela primeira vez os Anjos: Gloria in excelsis Deo et in Terra pax ho-
minibus bonae voluntatis.
113
Mil vezes ditoso tu, que, embora miservel pecador, te tornaste digno de ver o que desejaram ardentemen-
te e no viram os Patriarcas e os Profetas e contemplas com teus olhos este inefvel lugar cuja viso no
concedida a tantas almas justas que se encontram agora no mundo, etc. Assim falava S. Jernimo. Entre o
stio dos Magos e o da manjedoura (que se encontra em Roma) est o lugar onde se sentou a Virgem Maria
depois de recostar o Menino na manjedoura. Eu tambm me sentei e depois beijei mil vezes aquele lugar.
Beijei quase toda a gruta e no conseguia sair dela, pois, na verdade, fazia-me reviver aquele feliz momento
em que tiveram lugar nesta gruta os mistrios da Natividade de N. S. J. C.
114
Atravs de uma pequena abertura, a gruta de Belm continua noutro subterrneo muito comprido, que
termina na gruta de S. Jernimo, conhecida como Oratrio de S. Jernimo e que onde ele explicava a Escri-
tura e fazia penitncia batendo no peito com uma pedra. Nela celebrei e rezei o ofcio nocturno. Entre a gru-
ta de S. Jernimo e a de J. C., ao longo de uma espcie de corredor, encontram-se o altar de S. Jos, onde
aquele santo estava enquanto a Virgem Maria dava luz J. Cristo, o sepulcro dos Inocentes, onde se encon-
tram os ossos das crianas a quem, por ordem de Herodes, mataram em Belm, o sepulcro de St.o Eusbio,
os de St.a Paula e St.o Eustquio e o de S. Jernimo.
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Perto da gruta h outras duas igrejas muito grandes, mas esto nas mos dos ortodoxos. A vinte compri-
dos passos da gruta, fica a escola de S. Jernimo, na qual esto cavalos turcos. A cidade de Belm no tem
mais de quatro mil habitantes, dos qua