Santos e Kinn- Festas Tradições Reiventadas Nos Espaços Rurais
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ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 58-71, JUL./DEZ. DE 200958
RESUMO
O TRABALHO CORRESPONDE, DE CERTA FORMA, COMPREENSO DE ALGUNS ASPECTOS DO MODO DE VIDA DOS
PRODUTORES RURAIS DO VALE DO RIO ARAGUARI, NA REGIO DO TRINGULO MINEIRO, NO ESTADO DE MINAS GERAIS.
OCUPAMO-NOS DO MODO DE SER DAS PESSOAS, COMO ESSNCIA DO PROCESSO DE ESTRUTURAO, FORMAO E
TRANSFORMAO DOS LUGARES COMUNITRIOS. POR ESSE CAMINHO, INDAGAMOS A RESPEITO DA DIREO, DO SENTIDO
E DOS IMPASSES DA MODERNIZAO E DOS PROCESSOS PRODUTIVOS QUE, AO MESMO TEMPO EM QUE ESVAZIAM OS
ESPAOS RURAIS, OS ENCHEM DE PESSOAS, DO LUGAR E DE FORA DELE, NOS MOMENTOS DE COMEMORAES. DESSE
MODO, CENTRALIZAMOS AS NOSSAS ATENES AO MODO DE VIDA RURAL E ELEGEMOS A FESTA COMO MANIFESTAO
CULTURAL PRIVILEGIADA, SOBRETUDO PORQUE AS COMUNIDADES PERMITIRAM ANALISAR E COMPREENDER, POR MEIO
DAS RELAES DE VIZINHANA, DE AMIZADES E DA RELIGIOSIDADE, AS REDES SOCIAIS E OS PROCESSOS PELOS QUAIS
FORAM SE FORMANDO AS IDENTIDADES E PERTENCIMENTOS AOS LUGARES.
PALAVRAS CHAVES: FESTA - MODO DE VIDA IDENTIDADE E LUGAR.
FESTAS: TRADIES REINVENTADAS NOS ESPAOS
RURAIS DOS CERRADOS DE MINAS GERAISROSSELVELT JOS SANTOS1, MARLI GRANIEL KINN2
No cerrado de Minas Gerais, cerca de 70%
das pessoas, at meados do sculo XX, viviam no
campo. O rural se constitua no mais rico espao
das manifestaes culturais e religiosas. Os con-
tedos ticos e morais das comunidades e vilas
rurais tinham por base a religio catlica, que por
sua vez propiciava o fortalecimento de diversas
prticas sociais, como o mutiro, a ajuda mtua,
procisses, festas, dentre outras, as quais perma-
neceram durante um bom tempo arraigadas ao
modo de vida das pessoas, especialmente dos
camponeses e dos fazendeiros.
Nos domnios do cerrado mineiro, os produ-
tores rurais viviam em grupos familiares e forma-
ram, em suas relaes sociais, comunidades, cons-
titudas por costumes e tradies que adquiriram
contedos comunitrios carregados de significa-
dos. Nas unidades de produo rural, as relaes
entre vizinhos definiram as condies de se obte-
rem produo e produtividade, principalmente na
pecuria e na subsistncia, e neste processo gera-
ram habilidades, tcnicas e compromissos sociais
mais ou menos territorializados nos domnios das
suas respectivas comunidades.
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No Vale do Rio Araguari, na regio do Trin-
gulo Mineiro, o processo de ocupao iniciou-se
no final do sculo XIX, com a chegada de pessoas
vindas das minas de ouro e diamante, da regio de
Ouro Preto e Diamantina. Desde o incio da ocu-
pao, a tica e a moral crist formaram aspectos
importantes da cultura imaterial e foram determi-
nantes na construo dos lugares e das comunida-
des rurais.
Sendo a formao religiosa catlica um funda-
mento comunitrio, na ausncia de templos reli-
giosos, as pessoas foram erguendo os Cruzeiros,
os quais acabaram por definir a localizao do sa-
grado. Os espaos onde foram fixados os cruzei-
ros logo assumiam uma condio de centralidade
na vida das pessoas. Dessa forma, os membros das
comunidades se dirigiam para esses locais com o
objetivo de cumprir com os seus compromissos
religiosos.
Nesses lugares e no entorno deles, por inicia-
tiva das comunidades, ergueram-se as capelas; ne-
las se iniciaram os encontros religiosos e as come-
moraes dos dias dos santos catlicos, principal-
mente dos padroeiros das comunidades.
A vida em comunidade acabava por gerar lide-
ranas e, com elas, iam-se promovendo acordos,
que resultavam no envolvimento dos seus mem-
bros com as obras e os eventos comunitrios. Ca-
pelas, sales de festas, festas, procisses, dentre
outros, eram justificados a partir de promessas que
se faziam cumprir, em agradecimento s graas re-
cebidas. Como principal obra, as Capelas, geral-
mente, recebiam o nome do santo padroeiro e se
tornaram, desde ento, o lugar de prticas religio-
sas e, por extenso, do encontro e do reencontro
das pessoas.
Desse modo, as festas nasceram das iniciativas
comunitrias e depois foram sendo ligadas Igreja
Catlica. Mais ou menos autnomas, as festas ti-
veram uma forte presena na organizao das co-
munidades rurais, fato que por demais evidente,
haja vista que o envolvimento comunitrio das
pessoas ocorre no processo produtivo, principal-
mente na troca de servios e produtos que se tor-
nam compromissos fortalecidos durante os encon-
tros comunitrios.
Como as relaes sociais acontecem em fun-
o das necessidades impostas pelo processo pro-
dutivo, em momentos posteriores, quando os pro-
dutores rurais j se encontravam estabelecidos e
fortalecidos pelos acordos comunitrios, que as
pessoas comeam a se organizar para construir as
suas capelas. Portanto, os encontros, em um pri-
meiro momento, aconteceram fora das capelas.
Catlicos praticantes, as pessoas da bacia do
rio Araguari precisaram resolver os seus proble-
mas imediatos da vida para depois, aos poucos,
procurar estabelecer, por meio do religioso, for-
mas de transformar esses encontros em momentos
de doaes, para ento edificar, nos espaos j sa-
cralizados, as suas capelas. Portanto, os encontros
comunitrios, poca da chegada das primeiras
famlias, vindas de outras regies de Minas Gerais,
acontecem antes mesmo da edificao dos lugares
sagrados, capelas.
Com a edificao das capelas, elas passam a ser
a obra que institui mecanismos facilitadores do
controle das pessoas. No entanto, esse carter
controlador no inibiu a realizao das festivida-
des, principalmente aquelas demarcadas pelo ci-
clo da natureza. As festas continuaram e se inte-
gravam ao modo de vida das pessoas que, paulati-
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namente, instituram os seus calendrios festivos,
tendo como realizadora a comunidade.
Considerada como manifestao cultural, a festa
apareceu, nessa parte do cerrado, com uma juno
do sagrado e do profano, dando religiosidade
das pessoas um aspecto rstico. Nesta perspecti-
va, a significao e o sentido das tradies histri-
cas esto relacionadas como aquelas que vm da
religio e das comunidades rurais.
Desse modo, centralizamos as nossas atenes
ao modo de vida rural e elegemos a festa como ma-
nifestao cultural privilegiada, sobretudo porque as
comunidades permitiram analisar e compreender, por
meio das relaes de vizinhana, de amizades e da
religiosidade, as redes sociais e os processos pelos
quais foram se formando as identidades e perten-
cimentos aos lugares. Tambm, a partir das festas,
foi possvel analisar as estratgias, os arranjos co-
munitrios, fundamentados em experincias vivi-
das individualmente e em comunidade.
Os objetivos deste trabalho correspondem, de
certa forma, compreenso de alguns aspectos do
modo de vida dos produtores rurais do vale do rio
Araguari, na suas generalidade, e tambm como pro-
cesso especfico, que implicou as manifestaes cul-
turais e reinvenes das tradies dos grupos sociais.
Neste texto, no abordamos uma festa comu-
nitria. Ocupamo-nos do modo de ser das pesso-
as, como essncia do processo de estruturao,
formao e transformao dos lugares comunitri-
os. Por este caminho, indagamos a respeito da di-
reo, do sentido e dos impasses da moderniza-
o e dos processos produtivos que, ao mesmo
tempo em que esvaziam as comunidades rurais, as
enchem de pessoas, do lugar e de fora dele, nos
momentos de comemoraes.
As localidades comportavam manifestaes de
autonomia, cujos atributos demonstram tempo, ou
contextos histricos diferentes, que so parte de
um momento em que as atividades agropecurias
dependiam do auxlio dos vizinhos e familiares.
Com isso, as festas surgem como um acontecimen-
to marcado pelo encontro, criao e fortalecimen-
to de uma teia de relaes sociais, tendo nos San-
tos padroeiros seus principais mediadores.
Pensando nas interaes entre as festas do pas-
sado e os atuais festejos, os quais no so absoluta-
mente independentes, percebemos que a festa ru-
ral, no processo de formao das comunidades,
funcionava como uma entidade sociocultural mui-
to diversa, portadora de uma identidade que lhe
ia sendo atribuda pela objetividade dos proces-
sos produtivos, ou seja, do contexto da produo
que ia ocorrendo nas fazendas e nas unidades de
produo familiar.
OS CONTEDOS COMUNITRIOS DAS FESTAS _________
As festas do cerrado devem ser consideradas
como uma manifestao da comunidade, a exem-
plo das prprias necessidades dos camponeses e
fazendeiros, que lhes deram sentido. Todavia, con-
sider-las assim uma conceituao cuja especifi-
cidade exige que se encontre, paralelamente, por
meio da anlise de algumas particularidades, a pos-
sibilidade de compreend-las em vrios lugares e
em diferentes pocas do ano. Ora, as formas como
os produtores rurais foram se adaptando ao ciclo
da natureza e nele fundindo o seu ciclo agrcola
uma forma de entendimento das festas que permi-
te, ao seu trmino, a reconstituio dos sentidos
das datas comemorativas de cada comunidade.
Quanto ao modo de vida, interessa-nos verificar
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as habilidades das pessoas que, em parte, devem
poder ser analisadas a partir dos costumes e tradi-
es relacionados realizao das festas tradicio-
nais, nos espaos rurais do cerrado.
Neste sentido, entendemos que a herana cul-
tural dos grupos sociais do cerrado tambm mar-
cada pelo costume.
Segundo as argumentaes e consideraes de
(THOMPSON, 1998, p.22)
Os costumes realizam algo - no so formula-
es abstratas dos significados nem a busca de
significados, embora possam transmitir um sig-
nificado. Os costumes esto claramente associ-
ados e arraigados s realidades materiais e
sociais da vida e do trabalho, embora no de-
rivem simplesmente dessas realidades, nem as
reexpressem. Os costumes podem fornecer o con-
texto em que as pessoas talvez faam o que seria
mais difcil de fazer de modo direto[...], eles
podem preservar a necessidade da ao coleti-
va, do ajuste coletivo de interesses, da expresso
coletiva de sentimentos e emoes dentro do ter-
reno e domnio dos que deles co-participam, ser-
vindo como uma fronteira para excluir os fo-
rasteiros.
Costumes envolvem articulaes de pessoas na
realizao da festa e representam a legitimao de
um modo de ser, manifestado por meio de prticas
sociais e de habilidades em se continuar organi-
zando comemoraes, eventos, encontros e re-
encontros, no entorno das tradicionais comuni-
dades rurais.
Sobre as festas, os costumes funcionam como
referenciais ticos e morais de um grupo social e,
de certa forma, estabelecem princpios e valores
para se efetivarem reivindicaes, de vrias ordens.
Para as pessoas que fazem a festa, o envolvimento
com os santos tem, nos costumes, o seu referenci-
al de aprendizado.
Nas comunidades rurais, bem antes da revolu-
o verde atingir os cerrados de Minas Gerais
(1970), as sabedorias, o saber prtico e o conhe-
cimento eram heranas transmitidas entre gera-
es, tendo nas famlias a sua principal instituio.
Em comunidades, as transmisses dos saberes pr-
ticos se diferenciavam da educao formal, prati-
cadas nas instituies de ensino.
No ncleo familiar, de forma sofisticada, a trans-
misso de conhecimento era assegurada pela fam-
lia e, principalmente, pela presena das mes e das
avs. As tradies eram socializadas e reforadas
pela transmisso oral. Tratava-se de um cultivo dos
costumes dentro de uma cultura que brotava e se
afirmava relacionada ao domnio ideolgico do
catolicismo rstico.
Desta forma, os costumes das comunidades ru-
rais estavam associados e arraigados s realidades
materiais e sociais da vida e do trabalho das pesso-
as. No que se refere ao trabalho, embora as rela-
es sociais no derivem, simplesmente, dessas
realidades, nem reexpressem fielmente as suas tra-
dies, representam uma forma de organizao das
pessoas, para enfrentarem as imposies sociais.
Nessa realidade que esto estabelecidos os cos-
tumes e, como manifestao de uma ordem, estes
podem fornecer o contexto em que as pessoas se
propunham as resolver e a satisfazer as suas neces-
sidades sociais.
Embora as relaes de produo sejam outras,
o costume de fazer doao para a festa revela con-
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tedos de uma prtica produtiva que os produto-
res rurais desenvolviam, para obter uma economia
de excedentes e, indiretamente, resultados comu-
nitrios que cobravam, efetivamente, a colabora-
o de todos. Neste sentido, a doao era uma
imposio social, que entrava nas relaes sociais
sob a forma de produtos, tempo e habilidades e
acabavam por representar uma forma de incenti-
var e preservar a ao coletiva.
Desta forma, os papis de cada membro eram
definidos, dentro da comunidade, que desenvol-
ve os seus eventos em nome do costume e das tra-
dies religiosas. As prticas sociais, mediadas pela
reciprocidade, revelam uma moral que se encon-
tra presente nas relaes sociais e que funciona
como um conjunto de normas e obrigaes rec-
procas, de idias de grupo social e de bem-estar
social; enfim, uma tica a orientar a conduta das
pessoas de comunidades com interesses e necessi-
dades semelhantes, relativamente pequenas e in-
tegradas.
No caso dos camponeses e fazendeiros do cerra-
do, a festa era um evento que se ligava aos ritos de
fertilidades, pois estava diretamente associada s suas
prticas produtivas. No perodo da festa, os costu-
mes de doar-se para os eventos eram transmitidos
por meio da famlia e da comunidade. Porm, as rela-
es sociais que sustentavam as trocas e doaes eram
mantidas, principalmente, pela reciprocidade.
Ento era assim, eu ajudava o vizinho na pre-
ciso dele. O vizinho me ajudava, trocava as
coisa me dava uma demo na minha preciso.
Se eu no tinha preciso eu no precisava que
me ajudasse. Quando era poca de festa, as
pessoa apresentava as doao e ajudava na
preparao (...). Todos parece que tinha mais
gana (...). porque era assim que tinha que s.3
Na preparao da festa, a participao implica-
va uma forma de demonstrao de envolvimento
com as coisas da comunidade. A reciprocidade era
uma construo social que representava uma troca
necessria, uma sociabilidade forada, imposta so-
cialmente, em que os sujeitos sociais se viam obri-
gados a participar dos eventos. Desse modo, a re-
ciprocidade funcionava como um compromisso
comunitrio que se ajustava s imposies sociais
e funcionava como resposta a troca obrigatria e
aos compromissos sociais de cada pessoa, para com
o grupo social.
Era mesmo assim (...). Aqui em casa todo mun-
do sabia que tinha que particip na comunida-
de, mas isso era uma coisa que ningum vinha
na casa e cobrava. Pra fal a verdade quem
no ia, os outros no vinha na casa de quem
no foi (...).4
Como manifestao de uma lgica que se ope
ao isolamento, a racionalidade dos camponeses e
fazendeiros era manifestada como sendo um acor-
do tcito, cujo contedo e sua substncia encon-
tram-se relacionados ao campo da necessidade
social das famlias, em construir e manter recipro-
cidade entre vizinhos. O princpio em jogo o
da imposio social e no o da autonomia. A im-
posio social devida a toda e qualquer pessoa,
no contexto da construo do mundo rural, que
tende a transformar parte do tempo social, dos
camponeses e fazendeiros da bacia do Rio Ara-
guari, em tempo comunitrio.
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Na concepo dos produtores rurais, sobretu-
do do campons, a comunidade tambm fora
produtiva e se refere contribuio que cada um
pode dar ao conjunto, a reciprocidade constru-
da por pessoas morais em sua relao com os ou-
tros membros dessa comunidade. No espao rural
do cerrado, que estamos examinando, a reciproci-
dade delimita compromissos entre seus membros,
em que as prticas so impostas, pois o que, real-
mente, precisa ser considerado a comunidade, a
produo e os acordos entre produtores.
No uma coisa difcil de se explic, mais acho
que difcil de compreend e de aceit. Se eu recebo
uma ajuda ningum precisa me cobr (...). a
gente v a situao e faz pro outro o que o outro
fez pros outro, nem precisa s pra gente. Ento
assim as vez eu nem vo receb de volta aquilo
que eu ajudei, mais se eu ajudo isso j uma
presena, uma coisa de inteno pra gente fic
respeitado.5
Se os acordos impem reciprocidades, isso quer
dizer que todos cobram, uns dos outros compor-
tamentos que inibam o descompromentimento de
alguns, que podem afetar a todos os membros da
comunidade.
O povo sempre participa. Acho que o povo
pensa como a gente. Como no sabe do dia de
amanh ento participa da comunidade. L a
gente t junto, pode resolv muita coisa junto A
gente sabe o que acontece com o povo. Se eu fico
em casa, fico sem sab e dai qualqu coisa fica
s com os que foi l. Por isso que particip
gostoso.6
Para que possa haver a reciprocidade de um para
com os outros, os acordos supem, tambm, a cons-
truo de um confiana que se contrape s incer-
tezas.
Na minha maneira de pensar a gente vive meio
desconfiado, nem sempre as coisa vo no rumo
que a gente qu, ento parece que o povo antigo
sabia que fic sozinho pior, dai a gente tem que
pensa direitinho e v quando confia(.. ). A con-
fiana uma coisa de amizade de gente que a
gente conhece.7
Esses acordos so constitudos por vizinhos de
um mesmo lugar ou que mantm relaes e, possi-
velmente identidades com os lugares. Desse modo,
a confiana no outro se realiza no interior de uma
comunidade que , tambm, um lugar que se repro-
duz a partir de relaes sociais que podem gerar, entre
as pessoas, identidades e pertencimentos.
A confiana gerada no interior da comunidade
opera, ento, no contexto da identidade. Mas tra-
ta-se de identidades que se estabelecem de fato,
ainda que envolvam pessoas que estejam clivadas
por diferenas econmicas ou sociais.
Ento no com qualqu pessoa que a gente pode
faz compromisso. A gente se junta com pessoa
que seja boa, que trabalha, que a gente conhece.
O melhor jeito de conhec uma pessoa pelo
trabalho dela. Ento fica mais fcil a gente
confi e desconfi da pessoa que a gente conhece
e que participa da comunidade.8
Entre pessoas que mantm identidades com um
mesmo lugar, o pertencimento uma construo
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social que implica relaes que estabelecem e
mantm vnculos com o lugar. Assim, mesmo que
no entorno das capelas no existam moradias,
nos seus ptios que os encontros so realizados e
se mantm repletos de simbolismos religiosos e
comunitrios.
bem assim, eu lhe conheo, vejo a sua forma
de proced, ento vejo que o senhor tem procedn-
cia que a gente v que boa pessoa que vem na
festa, que mostra devoo, respeito com nossas
coisas.9
As pessoas que, dentro da comunidade, se des-
tacam pelas suas habilidades em fazer as festas e
exercitar, a partir dos costumes e tradies, suas
identidades e pertencimentos com os lugares, vo-
se reunindo e estabelecendo vnculos sociais, nu-
tridos pela solidariedade, que tendem a permane-
cer como motivadores dos encontros e reunies
comunitrias.
Como a maioria das pessoas no vive no entor-
no das capelas, mas mantm, entre os seus mem-
bros, alguns costumes em comum, estes fornecem
as substncias para que elas se envolvam na orga-
nizao dos festejos.
Uma coisa importante, a pessoa vem na festa,
se dedica, faz as coisa tudo como a gente sempre
fez, faz com amor, a gente fica satisfeito com o
companheiro e da vem os comentrio, da um
fica sabendo do outro (...). Pode faz coment-
rio, mais de coisa boa.10
A socializao dos conhecimentos e habilida-
des acontece nas reunies e encontros comunit-
rios. Nesses eventos, o importante, para essas pes-
soas, ter condies de administrar seu tempo,
sem o que seria difcil preparar de modo mais ou
menos autnomo, as festividades na comunidade.
Neste sentido, o costume dessas pessoas de
dedicar parte do seu tempo para circular pelos lu-
gares onde acontecem as festas, uma maneira de
preservar o interesse pela comunidade e pelos lu-
gares. Os encontros, como ao espontnea, que
vm do interior dos modos de ser, permitem s
pessoas ajustes pontuais e que potencializam a ex-
presso coletiva de sentimentos e emoes, den-
tro das festas.
Atualmente, os grupos de festeiros so iden-
tificados pelas suas habilidades e capacidades
de juntar pessoas. Cada grupo de festeiro ca-
racterizado pela sua dedicao aos festejos. As
festas tornaram-se resistentes porque a histria
oral dessas pessoas muito presente nos seus
falares e remontam a experincias vivenciadas
pelos pais e avs.
As prticas sociais que sustentam as festas, oral-
mente transmitidas e exercitadas, nos espaos dos
festejos, revelam, ao mesmo tempo em que expres-
sam, os contedos sociais do envolvimento das
pessoas com as divindades catlicas e como elas
foram se tornando protetoras da produo e das
pessoas.
O nosso padroeiro So Sebastio, ele padro-
eiro do criador de gado. Ento quem mexe com
gado acredita no santo. A festa ento fica pra
gente se encontr com o povo que mexe com aqui-
lo que a gente trabalha. Mas hoje, tambm tem
as pessoa que s devota do santo(...). , no
produz gado e nem vive aqui.11
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Como os Santos foram sendo inscritos nas co-
munidades, os objetivos dos festeiros a incluso
de pessoas devotas dos padroeiros nos preparati-
vos dos festejos. Na verdade, so rituais que ten-
dem a permanecer e a se reproduzir baseados na
religiosidade e, tambm, na incluso das crianas.
Neste particular, a incluso das crianas parece
gerar certezas em relao continuidade das fes-
tas comunitrias. A introduo da criana pensa-
da e a sua presena se efetiva como sendo parte
importante do modo de ser das pessoas, bem como
das suas estruturas morais e ticas. Nesse proces-
so, cabe aos pais fornecer aos seus filhos, desde a
mais tenra idade, os contedos e as formas que, no
cotidiano, realizam-se, articulam-se, ou se con-
frontam entre grupos sociais, cuja funo a de
promover sociabilidades a partir do vivido das
pessoas envolvidos com os festejos. Seguramente,
trata-se de transmitir, s crianas, conhecimentos
histricos, idias, habilidades, as quais continuam
influenciando e transformando a conscincia e os
processos que redefinem os festejos e as relaes
com as vizinhanas, os lugares, os grupos sociais e
as festas rurais.
REINVENTANDO COSTUMES E TRADIES ___________
Agir, para continuar com as festas, significa jun-
tar pessoas e negociar espaos, bem como uma
forma de manuteno das caractersticas religio-
sas, dos rituais e das procisses, que implicam tra-
dies, e costumes no uso de vrios contedos
culturais.
Uma festa com leilo bem uma festa, daquelas
do tempo antigo. Sabe, com leilo festa fica com
emoo. A pessoa doa um bezerro dela, foi ela
que criou, da sua fazenda. Ento ela doa o seu
produto. Se for pra ela d dinheiro ela no doa
porque tem que faz o bezerro em dinheiro. Ento
precisa da prenda pra sai leilo. um costume,
uma felicidade, coisa da gente, da famlia, dos
antigo.12
O grupo social, enquanto coletividade que se
constitui nos encontros, que reafirma costumes e
faz questo de trazer prendas para os leiles, os
quais dividem tempo e espao com os bailes da
comunidade, soma de contedos culturais, es-
foros individuais e comunitrios, que vo se con-
firmando na reciprocidade entre pessoas que acre-
ditam umas nas outras, mesmo que elas vivam em
espaos de vrios lugares.
A gente vem na festa preparado. A gente traz as
prenda. Com o leilo a gente sabe que vai arre-
cad fundo pra ajeit a capela e faz a despesa
da festa. Ento o que a gente continua fazendo
uma doao pra que a gente continue tendo um
lugar pra se reuni e se diverti.13
Se, no passado, a festa era para que as pessoas
reatassem os seus acordos, os quais estavam forte-
mente relacionados produo, neste momento
eles tambm esto relacionados ao lazer o qual
depende da manuteno e reproduo dos luga-
res comunitrios. Desse modo, entendemos que
os costumes e as tradies de se fazer a festa, ne-
cessariamente, no precisam apresentar uma con-
tinuidade com o passado.
Hoje o povo no mantm tudo como era antiga-
mente, nem d pra gente fazer as coisa que o
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povo fazia. A pessoa que no vive na roa, no
deixa de traz a sua prenda, mas ela traz uma
coisa que no daqui. A gente aceita bom, mas
diferente. O povo e nem as prenda so de
antigamente.14
A festa, nos domnios da comunidade, entre
outras vises, explicada por situaes que impli-
cam a suspenso das distncias entre as pessoas, na
produo de um estado de efervescncia coletiva
e nas maneiras com que os grupos sociais transgri-
dem as normas comunitrias. Trata-se de uma ca-
pacidade de juntar, no grupo, pessoas identifica-
das por meio das prticas sociais e relaes de tro-
ca, que se transformaram em costumes, e que con-
tinuam acontecendo, lastreadas pela reciprocida-
de. Nos leiles, a reciprocidade aparece constan-
temente, e pouco importa se nela est implcita
uma doao simplria ou descontextualizada. O
importante sempre foi o gesto, mesmo que seja
como irreverncia que se ope s diferenas soci-
ais. A reciprocidade, que opera no interior da fa-
mlia ou de outras instituies sociais, aparece nas
festas como tradio porque ela, sendo um ato sim-
blico, tambm um costume.
A doao aquilo que eu do e se eu do porque
no vai me faz falta(...), vai me faz bem. Eu
tenho uma coisa que eu avalio que pode s impor-
tante pra outra pessoa, eu ento fao uma doao
pra comunidade. Quando a gente doa, o festeiro
no precisa sai pedindo e o que ele arrecada serve
pra gast com as obra da comunidade.15
O costume de trazer doaes atravessa gera-
es e vai-se concretizando como prtica que se
preserva, em que os bens arrecadados se transfor-
mam em fundos para as capelas e comunidades e
repercutem, no grupo, como uma conquista, o que
leva as pessoas a se reconhecerem como aceitas
no lugar e participantes de uma rede social que
contribui para a remoo e/ou amenizao de v-
rias carncias sociais, tais como: tempo, espao,
lazer, segurana, dentre outros. Como o costume
de fazer doao tambm uma exposio, um
momento em que a doao leiloada, o doador se
sente importante, pois o leilo um momento em
que todos avaliam, admiram, contemplam, dispu-
tam o envolvimento das pessoas com a comunida-
de, ao mesmo tempo em que assistem a ele.
A festa assim, rene o povo, cria um envolvimento
com as coisa que a gente gosta(...). Ento se a gente
gosta daquilo que faz e faz bem feito, o povo vai
e aceita, acredita no que a gente fez e continua
vindo e trazendo coisa pra comunidade.
Portanto, recorrer a tais fundamentaes cria
expectativas de encontrar, nas festas rurais, um
movimento que no nega o passado, nem o repe-
te. Em verdade, os encontros continuam, mas con-
tinuam fundamentados em costumes e tradies
que sofrem, a todo o momento, adaptaes, ajus-
tes, rejeies e incluses, as quais esto diretamen-
te relacionadas aos novos comportamentos das
pessoas que j no tm mais os seus tempos vincu-
lados aos ciclos determinados pela produo agro-
pecuria, mas ao tempo e ao espao decorrentes
da vida urbana.
No universo que estamos examinando, a tradi-
o evoca o passado, delimita um campo especfi-
co, que passa a ser revisto pela comunidade, prin-
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cipalmente na prtica dos eventos. Nesse embate,
institui-se uma reflexo, tomando por referncia
aquilo que permitido ou reprovado.
Como o povo no vive na roa, fica difcil
cobrar deles a prenda da roa. Ento hoje o
povo aceita mais o pessoal da cidade. Mas a
maioria so pessoa que era daqui e foi viv na
cidade(...), ento quem gosta volta pra festa.
Os da cidade, so tambm daqui, so da casa
e quando traz os outro j traz sabendo que vai
partip daquilo que a gente faz.16
No momento do sagrado, a comunidade ten-
ta, mas nem sempre consegue, cobrar de toda e
qualquer pessoa respeito aos seus costumes e tra-
dies. O ritual envolvendo as santidades, entre
os visitantes, nem sempre seguido risca, de-
monstrando que preciso ser tolerante com aque-
les que, por no conhecerem os seus costumes e
tradies, acabam promovendo estranhamentos
e desconfortos.
Na concepo dos festeiros, o comportamento
de trazer mais gente para um determinado festejo,
sem ter cuidado com os rituais, nem sempre to-
mado como sendo uma afronta s tradies. A festa
se refere manifestao de costumes e tradies
que se expressam como um processo que adota,
como referncia, a reciprocidade na reinveno das
tradies. Desse modo, os novos comportamentos
no se desvinculam do respeito aos que fazem a fes-
ta e aos devotos dos padroeiros comunitrios.
Isso aqui antigo, vem l do tempo do meu av
(...). uma tradio de famlia, a gente foi
criado nesse sistema de respeit os que homena-
geia os santo e quando chega a vez da gente faz
a devoo a gente espera participao do povo.17
A devoo, muitas vezes, ocorre sobre aspectos
caractersticos de uma santidade. Dependendo da
situao, h momentos em que a devoo se redefi-
ne, a ponto de criar acrscimos e ou redues aos
rituais, incluindo, minimizando ou retirando home-
nagens a um determinado Santo. As mudanas ocor-
rem no interior das comunidades e aparecem, nos
espaos dos festejos, como uma adaptao, pois, em
certos casos, era tradio homenagear um santo por
data. Como h carncia de tempo e isso atinge a
todos, as festas passam a homenagear, praticamente,
todos os santos de uma comunidade, de uma s vez.
Embora os festejos aconteam uma vez por ano,
mais especificamente durante a data do padroei-
ro, neste momento que todos so observados.
Quando os festeiros e devotos esto fazendo suas
louvaes aos Santos, nas festas, existem momen-
tos em que a tradio se impe e, em comum acor-
do, no mais do que trs santos passam a ser ho-
menageados, em uma mesma data.
Isso de homenagear dois santo de uma vez no
era comum. Mas isso acontece porque a gente
no consegue faz tanta festa e reuni o povo. As
pessoa no vive mais aqui, o povo tem compro-
misso na cidade.18
Juntar vrios santos permitido, pois o uso do
mesmo evento negociado e tende a superar al-
gumas carncias, principalmente de tempo e es-
pao. Na tradio das festas populares, quem lou-
va os santos tem esse momento respeitado, mes-
mo que o ritual seja dividido com outra santidade.
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Portanto, no dia da festa, quando os devotos de
vrios santos se juntam, em um mesmo espao co-
munitrio, geralmente no ptio da capela, as tra-
dies passam a ser adaptadas e este processo, nem
sempre, significa romper com as tradies.
A adaptao dos costumes uma forma que os
devotos encontram para realizar algo importante
em relao ao sagrado, pois quando eles promo-
vem reformulaes, tambm anunciam outras ques-
tes, que esto relacionadas ao modo de vida das
pessoas. Neste sentido, preciso compreender as
prticas scio-espaciais dos devotos, pois as pes-
soas que fazem os rituais vivem em vrios lugares,
inclusive na cidade.
O povo vive mais na cidade, eles vm pra festa.
Alguns tm fazenda, stio (...). Agora eles so
parente, amigo, filho, neto dos antigo morador,
ento nis gosta da festa da roa e aqui tem uma
coisa que deixa a gente emocionado.19
A histria dos festejos e manifestao de per-
tencimento aos lugares singular, pois o espao a
que pertencem no representa uma nica totalida-
de scio-espacial. Sendo assim, as representaes,
nos espaos comunitrios, no esto isoladas das
experincias do vivido, ou seja, se preciso fazer
algumas adaptaes, para manifestar as suas devo-
es aos Santos, as pessoas vo redefinindo as suas
posies e recriando os festejos, levando em con-
siderao a lgica que concebe a vida urbana.
As festas rurais so uma manifestao social que
continua existindo nas comunidades, pois a essn-
cia est na sua capacidade de adaptao das tradi-
es, e provavelmente vo exercer influncias nos
lugares e nas identidades de seus praticantes.
Antes o povo vinha montado, vinha todo mun-
do com os animal, o cerrado ficava cheio de
carroa. Ficava uma semana acampado, tra-
zia mantimento. Hoje quando venho pra festa
aqui na roa, me sinto diferente. Parece que a
gente volta no tempo, a gente fica lembrando as
coisa l da nossa meninice. (...) parece que a
gente se sente criana correndo atrs de foguete.20
Desse modo, os costumes no so formulaes
abstratas e dissociadas das prticas e significados
sociais, nem desvinculados do modo de ser das
pessoas. Mesmo que as adaptaes estejam resul-
tando na continuidade das festas, os eventos no
juntam apenas pessoas, mas geram possibilidades
de, nos encontros, redefinirem as identidades e
pertencimentos aos lugares. Dessas situaes pode-
se entender que se trata, mais do que de uma adap-
tao, de algo que est posto como desafio para as
tradies, mas que dificilmente representar ame-
aas insolveis para os seus participantes continu-
arem com os seus encontros.
Claro est que a urbanizao atingiu as comuni-
dades rurais, que os desencontros ocorrem, princi-
palmente quando estes so promovidos por aque-
les que no conseguem entender que as tradies
tambm sofrem redefinies e que estas, dependen-
do das transformaes scio-espaciais, so rapida-
mente reinventadas, possivelmente continuando a
gerar outros tipos de sentimentos e pertencimen-
tos com os lugares onde se realizam os eventos.
Com relao ao costume de reunirem-se em datas
marcadas, este revela, tambm, a forma com que as
pessoas realizam o uso dos espaos comunitrios.
A partir das argumentaes de Hobsbawm
(1985, p.23), possvel perceber por meio dos
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processos sociais as contradies que movimen-
tam as invenes das tradies:
Espera-se que as invenes de tradies ocorram
com mais freqncia: quando uma transforma-
o rpida da sociedade debilita ou destri os
padres sociais para os quais as velhas tradi-
es foram feitas, produzindo novos padres
com os quais essas tradies so incompatveis;
quando as velhas tradies, juntamente com os
seus promotores e divulgadores institucionais,
do mostras de haver perdido grande parte da
capacidade de adaptao e da flexibilidade, ou
quando so eliminadas de outras formas. Em
suma, inventam-se tradies quando ocorrem
transformaes suficientemente amplas e rpi-
das tanto do lado da demanda quanto do lado
da oferta.
Mesmo que os costumes e tradies estejam
sendo redefinidos, no interior das comunidades
rurais, esse movimento indica que a vida urbana e
as formas de fazer a festa, no rural, fizeram com
que aspectos da solidariedade e da reciprocidade
comunitria prevalecessem entre seus membros.
A gente faz a festa, porque a nossa vez. A festa
do ano passado foi feita por outras pessoa. O
grupo dedic e a festa saiu, junt o povo, ganh
as coisa, todo mundo ajud e nis aproveit
tudo que o festeiro feiz, ento quando chega a
nossa vez, a gente vai tambm receb dos outro
ajuda e faz do melhor jeito que d.21
A reciprocidade entre as pessoas cria tolern-
cias e um sentimento de envolvimento, participa-
o e solidariedade. Desse modo, as festas rurais
tendem a ser marcadas pela negociao e no ape-
nas pela fartura e pela doao. Essa reciprocidade
pode ser analisada como um costume que se mani-
festa e se fortalece em um ambiente em que man-
ter-se prximo dos membros das comunidades vem,
seguramente, de uma necessidade social, decor-
rente das atividades rurais, em um tempo em que a
reciprocidade era tambm uma imposio social.
Neste momento, as dificuldades existentes
no se resolvem imediatamente no lugar, so
tambm negociadas com os que vivem fora dos
lugares comunitrios. Na perspectiva dos festei-
ros, garantir a realizao dos festejos implica
considerar a organizao comunitria, a ajuda
mtua, a reciprocidade e a doao, principal-
mente de tempo e de saberes, de cada pessoa.
Tudo isso torna-se uma garantia para que conti-
nuem com os seus eventos.
Por tais razes, entendemos que as comunida-
des rurais, sem dvida, eram poderosas instituies
que se organizavam por meio de uma ordem mo-
ral, de valores ticos, os quais faziam com que elas
mantivessem vivas as suas identidades com o lugar
e com cobranas de reciprocidade, naquilo que
era comum a todos.
Desse modo, na perspectiva das rupturas co-
munitrias ou do grupo social com os costumes
de se fazer a festa, entendemos que quando se
rompe com certas prticas tradicionais, nem sem-
pre se est rompendo com as tradies, pois pre-
cisamos lembrar sempre que as tradies tambm
so reinventadas.
As reinvenes das tradies, a partir das fes-
tas rurais, seguramente desempenham um papel para
a continuidade das comunidades rurais. A partir
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de suas organizaes formais, as pessoas cultivam
a necessidade de agir coletivamente e, neste pro-
cesso do coletivo, percebem a importncia de
negociar os espaos comunitrios, principalmen-
te quando conseguem juntar, no processo de fa-
zer a festa, pessoas de vrios lugares.
A capacidade de convivncia dos membros
das comunidades com as pessoas de fora do lu-
gar, relao que vem-se apresentando nos feste-
jos, tem revelado vrias habilidades, dependen-
tes, porm das possibilidades de negociaes
anunciadas a partir do prestgio poltico que os
festeiros e festejos assumem, em relao co-
munidade. Desse modo, relacionar-se com as
pessoas de diversos lugares no significa um
peso, uma dificuldade ou mesmo uma imposi-
o, para os festeiros.
A partir das comunidades rurais da bacia do rio
Araguari, consideramos que as negociaes comu-
nitrias promovem arranjos e estratgias sociais e
por meio delas que as pessoas continuam fazen-
do, das festas rurais, uma tradio reinventada.
Aprendemos, tambm, que os processos de for-
mao destes lugares revelam um dinamismo de
prticas sociais que propem objetivos e sentidos
fundantes, que vo-se tornando suporte do modo
de vida das pessoas. Na verdade, as festas rurais
apresentam um movimento, seguramente dialti-
co, que resulta das transformaes das suas prti-
cas sociais, as quais se movem apresentando de-
sencontros em relao substncia do espao ru-
ral. Por isso, possvel entender que, nas festas
rurais, h um relacionamento comunitrio impli-
cado no movimento prprio da forma scio-espa-
cial dos lugares, bem como dos contedos cultu-
rais reeditados nos festejos.
Notas1 Professor e pesquisador do Instituto de Geografia da
Universidade Federal de Uberlndia.2 Professora - Mestre em Geografia Humana pela Univer-
sidade de So Paulo USP.3 Nas transcries das entrevistas optou-se por respeitar os
falares dos entrevistados. Pesquisa de campo comunida-de do Salto Araguari - MG Junho de 2005.
4 Pesquisa de campo comunidade do Fundo Araguari -MG Junho de 2005.
5 Pesquisa de campo comunidade de Martinsia Uberlndia - MG Novembro de 2005.
6 Pesquisa de campo comunidade de Martinsia Uberlndia - MG Novembro de 2005.
7 Pesquisa de campo comunidade do Salto Araguari -MG Junho de 2005.
8 Pesquisa de campo comunidade do Fundo Araguari -MG Junho de 2005.
9 Pesquisa de campo comunidade do Salto Araguari -MG Junho de 2005.
1 0 Pesquisa de campo comunidade do Cruzeiro dosPeixoto Uberlndia - MG Junho de 2006.
1 1 Pesquisa de campo comunidade do Salto Araguari -MG Junho de 2006.
1 2 Pesquisa de campo comunidade do Fundo Araguari -MG Junho de 2006.
1 3 Pesquisa de campo comunidade do Salto Araguari -MG Junho de 2005.
1 4 Pesquisa de campo comunidade de Martinsia Uberlndia - MG Novembro de 2005.
1 5 Pesquisa de campo comunidade de Martinsia Uberlndia - MG Novembro de 2005.
1 6 Pesquisa de campo comunidade do Martinsia Uberlndia - MG Novembro de 2005.
1 7 Pesquisa de campo comunidade do Martinsia Uberlndia - MG Abril de 2006.
1 8 Pesquisa de campo comunidade do Fundo Araguari -MG Junho de 2006.
1 9 Pesquisa de campo comunidade do Fundo Araguari -MG Junho de 2006.
2 0 Pesquisa de campo comunidade da Tenda Uberlndia- MG Maio de 2006.
2 1 Pesquisa de campo comunidade do Cruzeiro dosPeixotos Uberlndia - MG Novembro de 2005.
BIBLIOGRAFIA ______________________________BORDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simblicas. SoPaulo: Perspectiva, 1974.
FERNANDES, Florestan. Comunidade e sociedade: leiturassobre problemas conceituais, metodolgicos e de aplicao.So Paulo: Editora Nacional e Editora da USP.1973.
Hobsbawm, Eric. Inveno de Tradies. Rio de Janeiro: Paze terra, 1985.
THOMPSON, E.P. Costumes em comum. So Paulo:Companhia das Letras, 1998.
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ABSTRACT
THIS RESEARCH STUDY ANALYZES SOME ASPECTS OF THE WAY OF LIFE AND CUSTOMS OF THE AGRICULTURAL PRODUCERS
OF THE ARAGUARI RIVER VALLEY IN THE REGION OF THE TRINGULO MINEIRO, WHICH IS A REGION LOCATED IN THE
STATE OF MINAS GERAIS, BRAZIL. THE RESEARCH STUDY SPECIFICALLY ANALYZES THEIR BEHAVIOR AND HOW IT PLAYED
A VITAL ROLE IN THE PROCESS OF STRUCTURING, FORMING AND TRANSFORMING THE COMMUNITY. MOREOVER, THE
RESEARCH STUDY ALSO EXAMINES THE DIRECTION IN WHICH MODERNIZATION IS GOING AND HOW IT HAS EMPTIED THE
RURAL AREAS, BUT FILLED IT UP WITH PEOPLE DURING THE YEARLY CELEBRATIONS. IN VIEW OF THAT, THE RESEARCH
FOCUSES ON THE RURAL WAY OF LIFE, IN ADDITION TO SELECTING THE CELEBRATIONS AS A PRIVILEGE, FOR THE REASON
THAT THESE CELEBRATIONS GIVE THE COMMUNITY AN OPPORTUNITY TO ANALYZE AND COMPREHEND THROUGH
RELATIONSHIPS WITH NEIGHBORS, FRIENDS, AND RELIGIOUSNESS, THE SOCIAL NETWORKS AND THE PROCESSES BY
WHICH THE IDENTITY AND BOND TO PLACE WAS CREATED.
KEY WORDS: CELEBRATION - WAY OF LIFE IDENTITY AND PLACE