Santería und ihre Globalisierung in Kuba. Tradition und ... · PDF fileCritical Reviews...

download Santería und ihre Globalisierung in Kuba. Tradition und ... · PDF fileCritical Reviews on Latin American Research | 78 pureza de tradição torna-se um recurso discursivo fundamental.

If you can't read please download the document

Transcript of Santería und ihre Globalisierung in Kuba. Tradition und ... · PDF fileCritical Reviews...

  • Vol. 4(2) (2015): Sound and Dissonance: Music in Latin American Culture | 77

    permitem participar, com autoridade, dos dilogos transnacionais sobre a religio dos orixs.

    Rauhut abre o livro com reflexes crticas sobre alguns conceitos-chave (secularizao, religio), a partir dos quais busca construir as bases tericas para sua abordagem. Ao debater as categorias dispora e transnacionalizao, Rauhut apresenta os trabalhos de dois antroplogos renomados que lhe servem como inspirao terica principal: tanto a tese de J. Lorand Matory (1999) a respeito da gnese transnacional dos iorubs quanto a noo de poltica e potica de africanizao de Stephan Palmi (2008) expressam posies analticas que incorporam as mximas do discursive turn e buscam romper com noes como estrutura, valores e essncias, evocadas pelo conceito clssico de cultura.

    Os captulos histricos iniciam-se com uma anlise dos primeiros estudos sobre a santera, que revelam, entre outros, que o pioneiro nestas pesquisas, Fernando Ortiz, no s dialogava com cientistas que investigavam a religiosidade africana no

    Baseando-se em amplas pesquisas bibliogrficas e, acima de tudo, num minucioso trabalho de campo realizado em Havana, Claudia Rauhut prope-se a analisar como, no momento em que a santera se dispersa pelo mundo, as concepes a respeito dela so disputadas e remodeladas pelos prprios adeptos, e como a construo de redes transnacionais repercute sobre discursos e prticas, ensejando negociaes e conflitos.

    Para isso, Rauhut segue, neste estudo instigante, uma proposta metodolgica inovadora: procura avaliar processos de globalizao a partir de uma perspectiva micro. A antroploga alem mostra que processos de transnacionalizao no so obrigatoriamente resultado de processos migratrios. A santera pode ser entendida como uma forma religiosa de transnacionalizao produzida localmente por lderes religiosos que, geralmente, no tm a possibilidade de sair de Cuba. Ao integrar estrangeiros atravs de obrigaes ritualsticas peridicas sua famlia de culto, constroem redes transnacionais. Por meio delas conquistam prestgio e criam as condies que lhes

    Claudia Rauhut (2012) Santera und ihre Globalisierung in Kuba. Tradition und Innovation in einer afrokubanischen ReligionWrzburg: Ergon Verlag, 340 S.

    Resenhado por Andreas Hofbauer Universidade Estadual Paulista, UNESP

  • Critical Reviews on Latin American Research | 78

    pureza de tradio torna-se um recurso discursivo fundamental.

    Rauhut localiza, em meio elite religiosa contempornea, dois polos discursivos sobre a tradio da santera que se confrontam. O primeiro, disseminado pela Asociacin Cultural Yoruba de Cuba, entende que a santera tem suas razes na ilha caribenha e, devido s perdas culturais provocadas pelo avano do Isl e do cristianismo na frica, pode ser considerada a forma mais autntica da tradio iorubana. Sendo esta organizao a nica que possui reconhecimento estatal, ela tende a atuar como um rgo regulador oficial que vincula a defesa da santera defesa da identidade nacional.

    J o polo da lnea africana, corrente minoritria, combate, com fervor, qualquer influncia identificada com o cristianismo e pode ser dividido em duas vertentes: a primeira busca revitalizar tradies que remontam aos primrdios da colonizao cubana (Lkmzacin); a segunda procura fundamentar seu reconhecimento religioso por meio de um dilogo e trocas mais diretas com lideranas nigerianas (Yorubizacin). A anlise de Rauhut revela, entretanto, que os discursos podem mudar de acordo com os interlocutores e com os contextos.

    Para os objetivos do estudo, no importa, porm, se os discursos coincidem com as prticas ou se a santera se torna objetivamente mais africana ou no. O foco da pesquisa visa a investigar quando, como e por quem a frica e os iorubas so

    Brasil (Raimundo Nina Rodrigues, Roger Bastide), mas tambm inspirava-se em importantes obras escritas por africanos originrios da atual Nigria (Samuel Ajayi Crowther, Rev. Samuel Johnson). Muito elucidativos so os captulos 5 e 6, nos quais Rauhut mostra, com riqueza de detalhes, como a revoluo cubana lidou com as formas de religiosidade associadas aos ex-escravos. Ao recuperar a noo de folklore afrocubano cunhada por Ortiz, os lderes revolucionrios tendiam a tratar a santera como uma parte da cultura (folclore) nacional. A mudana da poltica religiosa (abandono do atesmo cientfico em favor da defesa de princpios laicos), no incio da dcada de 1990, teria aberto as portas aos processos de globalizao e revitalizao das tradies religiosas afrocubanas.

    Na sequncia, Rauhut foca processos locais e globais que fizeram com que surgisse um interesse transnacional pelo lado africano de Cuba, que incentivaria tambm o turismo e traria importantes divisas para o governo revolucionrio. Com muita habilidade, a autora analisa como, neste contexto marcado por tenses entre foras propensas mercantilizao da santera e o controle estatal sobre ela, emergem atores locais que constroem redes transnacionais com o objetivo de disseminar suas vises sobre a santera e de atrair clientes (muitos deles, turistas). Acusaes mtuas, desde falta de autenticidade at interesses meramente econmicos na execuo dos rituais, marcam as disputas internas e transnacionais nas quais a questo da

  • Vol. 4(2) (2015): Sound and Dissonance: Music in Latin American Culture | 79

    social ao mesmo tempo em que abre mo de identificar fatores estruturantes em processos histricos e culturais, Rauhut sustenta que a noo de sincretismo precisa ser repensada. Assim, sincretismo, como categoria analtica, s far sentido se o foco da anlise for voltado para os interesses, falas e projetos dos adeptos religiosos, com o objetivo de estudarmos como estes agentes, em contextos concretos marcados por relaes de poder, buscam ampliar ou defender suas fronteiras religiosas.

    No ltimo captulo, Rauhut resume as teses principais do seu valioso trabalho, que no apenas reatualiza os estudos sobre a santera, mas os inova de duas maneiras: primeiro, ilumina as disputas e os discursos locais sobre a tradio no momento em que a santera conquista reconhecimento para alm do contexto cubano. Segundo, ao revelar no somente ligaes e trocas histricas, mas sobretudo as redes contemporneas, Rauhut comea a preencher uma lacuna nos estudos sobre o Black Atlantic que tem negligenciado como a autora critica a perspectiva cubana em suas anlises. Os resultados da pesquisa instigam a pesquisadora, inclusive, a apresentar uma sugesto final, de certa maneira provocativa: ao invs de olharmos para Cuba como uma parte da dispora africana, poderamos conceber a ilha caribenha como centro discursivo gerador de prticas iorubanas globais.

    Recomenda-se a leitura do livro tanto a especialistas em religiosidade afro-diasprica quanto a todos aqueles

    evocados para legitimar certas prticas (187). Congruente com sua perspectiva terica, a pesquisadora defende a ideia de que a busca pelas razes e a construo sistemtica de redes transnacionais e pontes para a frica devem ser entendidas tambm como prticas empricas, uma dimenso que esta, uma crtica importante da autora tem sido at agora ignorada pelos especialistas (197).

    Rauhut no nega que as tendncias de africanizao disponham de um potencial capaz de dar relevo ao tema raa. No entanto, opta por no abordar a questo da cor e dos fentipos em sua obra, o que deixa sem resposta questes interessantes como: at que ponto, por exemplo, a pureza ritualstica relacionada ou no e por quem cor/raa dos sacerdotes? Ser a africanidade/iorubanidade imaginada sempre incolor? Mesmo que o discurso nacionalista sobre a identidade mestia possa ter abrandado a ideologia colonial da supremacia branca algo que precisaria ser demonstrado , para os no-cubanos que entram em contato com a santera (norte-americanos, europeus e nigerianos), a cor/raa negra constitui um importante marcador de diferena que, no raramente, tambm acionado como critrio de hierarquizao.

    Com base no vasto material emprico levantado, a autora volta-se, no fim do livro, para o debate terico sobre sincretismo e segue, em plena sintonia com suas posies anteriores, as reflexes de Charles Stewart e Rosalind Shaw (1994). Numa perspectiva que concebe os discursos como ao

  • Critical Reviews on Latin American Research | 80

    interessados em antropologia e histria das populaes que foram transplantadas da frica para o Novo Mundo.

    Bibliografia

    Matory, James Lorand (1999): Afro-Atlantic Culture: on the Live Dialogue between Africa and the Americas, in: Appiah, Anthony; Gates, Henry Louis (eds.): Africana: the Encyclopedia of the African and African American Experience, New York: Basis Civitas Books, pp.93-104.

    Palmi, Stephan (2008): Introduction: on Predications of Africanity, in: Palmi, Stephan (eds.): Africas in the Americas: Beyond the Search for Origins in the Study of Afro-Atlantic Religions. Leiden: Brill, pp. 1-37.

    Stewart, Charles & Shaw, Rosalind (eds.) (1994): Syncretism / Anti-Syncretism: the Politics of Religious Synthesis, London: Routledge, pp. 7-35.