Samba Paulista

9
Marcelo Simon Manzatti Samba Paulista Resumo (p. 4) O trabalho aborda a história de uma modalidade de Samba surgida nas fazendas de café da região central do Estado de São Paulo em meados do séc. IXI e introduzida na capital paulistana na passagem para o séc. XX com a migração de parcelas da população negra de ascendência escrava, responsável pelo desenvolvimento do gênero musical coreográfico e poético. Pretendo descrever e apresentar uma análise preliminar sobre a manifestação, fundamental dentro do universo de nossas culturas populares, procurando entender o apagamento de suas características ao longo do processo de institucionalização do samba paulistano no contexto dos grupos carnavalescos mais importantes – cordões e escolas de samba. Introdução (p. 7) (p. 9) Tornou-se um traço distintivo do acervo o trabalho de transcrição do material coletado. O texto resultante incluía letras de música, poemas e depoimentos de brincantes. (p. 12 – grupos; ver ainda p. 22) Reconstruída parcialmente a dança, decidimos realizar o primeiro encontro dos grupos de Samba de Bumbo ainda vivos. Compareceram o Samba de Roda de Pirapora do Bom Jesus, o Samba Lenço de Mauá e o grupo de pesquisa liderado por Raquel Trindade da cidade de

description

Texto sobre um outro texto

Transcript of Samba Paulista

Marcelo Simon ManzattiSamba Paulista

Resumo (p. 4)

O trabalho aborda a histria de uma modalidade de Samba surgida nas fazendas de caf da regio central do Estado de So Paulo em meados do sc. IXI e introduzida na capital paulistana na passagem para o sc. XX com a migrao de parcelas da populao negra de ascendncia escrava, responsvel pelo desenvolvimento do gnero musical coreogrfico e potico.

Pretendo descrever e apresentar uma anlise preliminar sobre a manifestao, fundamental dentro do universo de nossas culturas populares, procurando entender o apagamento de suas caractersticas ao longo do processo de institucionalizao do samba paulistano no contexto dos grupos carnavalescos mais importantes cordes e escolas de samba.

Introduo (p. 7)

(p. 9) Tornou-se um trao distintivo do acervo o trabalho de transcrio do material coletado. O texto resultante inclua letras de msica, poemas e depoimentos de brincantes.

(p. 12 grupos; ver ainda p. 22)Reconstruda parcialmente a dana, decidimos realizar o primeiro encontro dos grupos de Samba de Bumbo ainda vivos. Compareceram o Samba de Roda de Pirapora do Bom Jesus, o Samba Leno de Mau e o grupo de pesquisa liderado por Raquel Trindade da cidade de Embu das Artes, o Teatro Popular Solano Trindade, alm, claro, do grupo Cachuera!

(p. 14 projeto de revitalizao)Desde ento, realizo junto prefeitura de Pirapora do Bom Jesus um projeto amplo de revitalizao do gnero na cidade que, dentre outros objetivos, j conseguiu uma sede para o grupo com a restaurao de um imvel antigo em runas. O mesmo grupo amadureceu seus quadros com o retorno de membros que estavam afastados e tornou-se uma associao, que aumentou tambm, em muito, o nmero de benefcios obtidos para seus membros. Mensalmente so levados cidade sambistas importantes de So Paulo que esto restabelecendo a conexo ancestral que existia entre o Samba de Pirapora e o de So Paulo. O projeto prev ainda a reconduo do Samba de Bumbo na festa do Bom Jesus, o ensino da modalidade nas escolas da rede pblica, a publicao de cds, livros e outros materiais com os resultados da investigao que vem sendo realizada junto aos praticantes mais antigos do Samba, dentre outras aes.

(p. 15 termo Samba)A exemplo dos termos Lundu, Chula, Coco e Pagode, de utilizao muito larga, a palavra Samba, provavelmente derivada do vocbulo banto semba umbigada (gesto coreogrfico onipresente na expresso corporal dos negros africanos desde a sua introduo forada no Brasil) -, veio, a partir do sculo XIX, designar uma variedade enorme de bailes populares por todo o pas.

(p. 16 poesia)Como forma de expresso hbrida que , o Samba ainda deu vazo veia potica de seus criadores, seja atravs de letras que realizavam a crnica da vida cotidiana ou do improviso desafiado, patrimnio de toda grande cultura oral como , tambm, a brasileira.

Mergulhados muitas vezes em condies materiais piores do que as encontradas por seus antepassados escravos, os criadores atuais do Samba perpetuam a tradio a duras penas.

(origem do samba; estilos cariocas)No obstante [a Bahia ser geralmente aceita como a regio criadora do Samba], o gnero est, ao nvel do senso comum, associado estritamente s modalidades desenvolvidas e praticadas no contexto carioca, derivadas em mltiplos sub-gneros por fora da intensa dinmica criativa dos msicos locais. No Rio de Janeiro, Samba Cano, Samba de Breque, Partido Alto e Samba Enredo, dentre outras, so produtos da verve criativa fluminense, que acumulou notoriedade, no incio, a partir da centralidade poltica da cidade do Rio, capital federal. Depois, atravs dos jornais e das transmisses da Rdio Nacional para todo pas sendo, por fim, atravs dos desfiles das Escolas de Samba, divulgada por todo o mundo via televiso.

(p. 17 o samba)O Samba no pode ser confundido com uma forma especfica de expresso artstica, com limites formais bem definidos, seno como uma forma matricial de comunicao que envolve aspectos estruturantes que ultrapassam as fronteiras da arte e transbordam para a dimenso histrica e antropolgica de seus criadores, alcanando as raias de seus problemas de insero desajustada na realidade social.

(p. 18 samba em So Paulo)Sem prejuzo para a centralidade histrica do gnero no RJ, encontramos, no Estado de SP, uma modalidade de Samba especial denominada de acordo com a poca e a localidade, Samba Antigo, Samba Caipira, Samba Campineiro, Samba de Pirapora, Samba de Terreiro, Samba de Umbigada, Samba Leno, Samba Paulista, ou, entre seus praticantes, simplesmente Samba [...] Os estudiosos do assunto, por sua vez, preferem denomina-lo Samba Rural Paulista, na esteira do estudo clssico de Mrio de Andrade [...]

(p. 19 samba paulista como uma famlia)A noo de que estes diferentes grupos paulistas de Samba constituem uma famlia pouco entendida nos dias atuais, mesmo entre seus praticantes, que preferem acentuar as diferenas de estilo nos poucos momentos em que se d o encontro dos grupos em contextos festivos. Os autores que se dedicaram ao assunto enquanto a festa do Bom Jesus de Pirapora ainda se constitua como o grande festival deste gnero fato ocorrido pelo menos at os anos 40 do sculo XX ainda puderam perceber uma filiao comum, apesar dos diferentes sotaques empregados por cada agrupamento em suas apresentaes. Entretanto, quando olhamos o fenmeno mais detidamente, logo nos so revelados os fatores de origem histrica comum e as coincidncias dos procedimentos formais adotados por um e outro grupo.

(nomenclatura samba de bumbo vs. samba rural)[...] a ocorrncia deste Samba em grandes centros urbanos como Campinas, desde muito cedo, aconselha que abandonemos [o adjetivo rural]. Optei pelo conceito Samba de Bumbo, como forma de destacar o elemento que realmente diferencia este gnero especfico dos demais [...] Essa caracterstica, o Bumbo, seria realmente nica, compartilhando este Sambas, para alm disso, de muitos dos elementos musicais e coreogrficos que definem o gnero de um modo geral.

(p. 20 histria e importncia do bumbo, sua relao com religio e frica)

(p. 21)O registro mais antigo da presena do Bumbo no Samba paulista se d em meados do sc. XIX.

(p. 22 migrao para a cidade)A abolio da escravido, combinada com a pujana da cidade de So Paulo decorrente de sua centralidade na formao da economia cafeeria fez com que muitos negros migrassem das reas de plantio para a capital, trazendo na bagagem a esperana de uma oportunidade de vida melhor e o Samba que praticavam no interior.

(pirapora do bom jesus)Paralelamente os sambistas elegeram como ponto de encontro a cidade de Pirapora do Bom Jesus, transformada em santurio desde o sculo XVIII com a descoberta de uma imagem do santo s margens do rio Tiet. Os romeiros que para l afluam entre os dias 3 e 6 de agosto, todos os anos, eram constitudos, em grande medida, por pessoas negras. A parte profana do festejo ficava a cargo do Samba que estes promoviam ao som de Caixas, Chocalhos, Pandeiros, Cucas e outros instrumentos liderados pelo Bumbo, nos barraces onde se alojavam. Havia muita disputa entre os batalhes das diferentes cidades, onde os bambas testavam o improviso, desafiando-se.

(p. 23 declnio)Com o tempo, avultando-se a festa paralela dos negros, a igreja decidiu interditar os barraces, que lhe pertenciam e, mais tarde, demoli-los, com justificativas de toda ordem, mas, sobretudo, impondo uma moral conservadora e de fundo racista. Tal fato contribuiu para o declnio da festa de Pirapora e para a suspenso deste momento de encontro entre os grupos, que nunca mais ocorreu, empobrecendo a manifestao do Samba de Bumbo como um todo.

(p. 24 trilogia das manifestaes culturais negras)Juntamente com o Batuque de Umbigada e o Jongo, o Samba de Bumbo compe a trilogia das manifestaes culturais negras de terreiro originadas no tempo da escravido que ainda permanecem sendo praticadas em So Paulo. Ao lado dos Z Pereiras, Boizinhos, Caiaps e Cordes, representam as matrizes culturais formadoras do Carnaval paulista.

(p. 25 matriz Batuque-Samba)Como as adaptaes foram inevitveis [...] diferentes regies do pas realizaram esta transio [para o Brasil/escravido] de forma no homognea, resultando em diversos gneros regionais relativamente distintos, mas ainda assim identificveis como pertencendo matriz original.

(o que pretendo analisar)Neste momento [de migrao do Samba de Bumbo para a periferia de SP] que se deu a formao das primeiras agremiaes carnavalescas que geraram a forma do Cordo. Sua passagem para o padro Escola de Samba foi relativamente bem definida, mas resta ainda analisar o momento anterior, quando o Samba de Bumbo e Cordo pertenciam a uma mesma realidade cultural da comunidade negra de So Paulo.

Captulo I Dos batuques aos sambas (p. 26)

(termo Samba)No h, presentemente, uma palavra de aceitao universal para designar, em conjunto, as danas populares nacionais tecnicamente, bailes derivadas do batuque africano. Englobadas, nas notcias mais antigas, sob o nome genrico de batuques, assim mesmo no plural, j nos fins do sculo XIX passaram a ser conhecidas como samba, mas, nos nossos dias, a crescente individuao das suas variedades locais e a voga do samba carioca tm contrariado essa tendncia. H boas razes para a preferncia por samba. (Edison Carneiro) ver data!

(surgimento do samba contemporneo)No precisa mais ser comprovada a tese de que o Samba contemporneo o resultado de um processo multissecular de transformaes e amlgamas pelo qual passaram os gneros musicais e coreogrficos trazidos pelos africanos para o Brasil desde o incio da escravido, identificados genericamente como Batuques.

(p. 30 manifestaes culturais Bantu)Localizadas geograficamente na parte mdia e meridional do continente africano, foi de l que veio a maioria dos negros trazidos como escravos para o Brasil, sobretudo para a regio Sudeste, onde nasceria o gnero Samba de Bumbo [...] Transportados em massa para uma mesma regio do Brasil, as condies de reconstituio de seus principais fundamentos seriam bastante favorveis, at o momento em que se inicia o processo que ficou conhecido como trfico interno, onde haver uma grande insero de negros de procedncias tnicas bastante distintas, mais numerosos em outras regies do pas. (ver fundamentao terica na mesma pgina)

(p. 31)O porto de entrada principal desta enorme massa de escravos Bantu chegados ao Brasil era o RJ, sendo de l transferidos para o interior da regio Sudeste e para as regies mais ao sul do pas. Entre o final do sc. XVIII e meados do sc. XIX (fim do trfico de escravos africanos ver data!) assistimos acelerao na quantidade de africanos entrados no pas, pelo aumento da produo de acar e pelo incio do cultivo macio de caf na regio compreendida entre o sul de MG e o Vale do Paraba carioca e paulista.

(p. 32 padres culturais africanos)A concentrao de negros Bantu nessa regio foi tal que, sugerem alguns autores, criou-se um contexto indito para a reproduo de padres culturais africanos em funo da grande concentrao de escravos em unidades produtivas gigantescas, fenmeno jamais visto em tais propores na histria do Brasil. (ver mesma pgina a respeito da proto-nao)

(p. 33 elos mais profundos que a pura lingustica)