Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o...

22
@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011 Dossiê 293 Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e unidades de internação da Fundação CASA em comunicação 1 Fábio Mallart Introdução Em maio de 2006, uma série de ações atribuídas a integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), coletivo de criminosos que atua dentro e fora do sistema penitenciário paulista, paralisou a cidade de São Paulo. Instituições de ensino, estabelecimentos comerciais e órgãos públicos fecharam as portas. Inúmeros atentados foram praticados contra agentes do Estado, sobretudo policiais civis, policiais militares e agentes penitenciários. Simultaneamente, ocorreram rebeliões em diversos presídios. A resposta policial aos Ataques do PCC, como ficaram conhecidos tais acontecimentos, foi rápida e violenta. Em menos de dez dias, o saldo dos confrontos atingiu números alarmantes: 493 mortos 2 . Vale ressaltar que determinadas unidades de internação da Fundação CASA (antiga FEBEM) 3 também participaram dos motins. Refiro-me às unidades dominadas 4 , espaços institucionais específicos localizados nos 1 O texto que segue foi inicialmente apresentado durante a 27ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de agosto de 2010, em Belém, Pará. Desse modo, agradeço aos colegas que participaram do GT - Dinâmicas criminais e dispositivos de controle, na medida em que contribuíram para a reformulação de minha proposta inicial de trabalho. 2 Dados disponíveis em Feltran (2008). 3 A mudança da nomenclatura institucional, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo em dezembro de 2006, durante o governo de Cláudio Lembo, teve como objetivo primordial a adequação do atendimento socioeducativo às diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com a mudança, um dos principais projetos institucionais passa a ser o processo de descentralização e municipalização do atendimento. Trata-se de desativar os grandes complexos da instituição, localizados na capital paulista, e construir unidades de internação em todas as regiões do estado de São Paulo, com capacidade para atender um número reduzido de internos. 4 Na fala nativa, as unidades dominadas, também chamadas de desandadas e descontroladas, se opõem às unidades conhecidas como na mão dos funcionários. Em tais unidades de internação, diferentemente do que

Transcript of Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o...

Page 1: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

293

Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e unidades de internação da Fundação CASA em comunicação1

Fábio Mallart

Introdução

Em maio de 2006, uma série de ações atribuídas a integrantes do Primeiro

Comando da Capital (PCC), coletivo de criminosos que atua dentro e fora do sistema

penitenciário paulista, paralisou a cidade de São Paulo. Instituições de ensino,

estabelecimentos comerciais e órgãos públicos fecharam as portas. Inúmeros atentados

foram praticados contra agentes do Estado, sobretudo policiais civis, policiais militares e

agentes penitenciários. Simultaneamente, ocorreram rebeliões em diversos presídios.

A resposta policial aos Ataques do PCC, como ficaram conhecidos tais

acontecimentos, foi rápida e violenta. Em menos de dez dias, o saldo dos confrontos

atingiu números alarmantes: 493 mortos2. Vale ressaltar que determinadas unidades de

internação da Fundação CASA (antiga FEBEM)3 também participaram dos motins.

Refiro-me às unidades dominadas4, espaços institucionais específicos localizados nos

1 O texto que segue foi inicialmente apresentado durante a 27ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de agosto de 2010, em Belém, Pará. Desse modo, agradeço aos colegas que participaram do GT - Dinâmicas criminais e dispositivos de controle, na medida em que contribuíram para a reformulação de minha proposta inicial de trabalho. 2 Dados disponíveis em Feltran (2008). 3 A mudança da nomenclatura institucional, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo em dezembro de 2006, durante o governo de Cláudio Lembo, teve como objetivo primordial a adequação do atendimento socioeducativo às diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com a mudança, um dos principais projetos institucionais passa a ser o processo de descentralização e municipalização do atendimento. Trata-se de desativar os grandes complexos da instituição, localizados na capital paulista, e construir unidades de internação em todas as regiões do estado de São Paulo, com capacidade para atender um número reduzido de internos. 4 Na fala nativa, as unidades dominadas, também chamadas de desandadas e descontroladas, se opõem às unidades conhecidas como na mão dos funcionários. Em tais unidades de internação, diferentemente do que

Page 2: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

294

complexos de Franco da Rocha, Raposo Tavares, Tatuapé5 e Vila Maria. Em tais

unidades, nas quais tive a oportunidade de realizar pesquisa de campo por um período de

cinco anos6, pude etnografar um conjunto de normas de conduta que orienta a

experiência cotidiana dos adolescentes. Regras que estipulam desde as vestimentas

adequadas para um dia de visita, ou impedimentos relativos ao contato entre os

adolescentes e os funcionários, até diferenciações entre os próprios jovens. Tais

prescrições, semelhantes às que operam em instituições prisionais orientadas pelas

diretrizes do PCC7, constituem o que os internos chamam de disciplina. Como sugere

meu interlocutor:

A semelhança de conduta entre a FEBEM e as cadeias é claramente observada em vários aspectos. Ex: em qualquer prédio de medidas penais onde o Partido8 atua, sua palavra vale sua vida, suas palavras nunca voltam vazias por isso deve-se tomar muito cuidado com as palavras. Dia de visita, nada de palavrões, debates ou qualquer outra coisa que seja uma falta de respeito, dia de visita é sagrado por isso é um dia de paz. A verdade aqui é a chave para a sobrevivência, mentiras não são aceitas, porque o crime não mente para o crime (Josué9, Unidade de Internação 25, complexo de Franco da Rocha).

A seguir, de modo a contextualizar como foi empreendida a pesquisa de campo,

apresento um breve relato etnográfico que permite ao leitor transpor os muros

institucionais que circunscrevem uma unidade dominada. Em seguida, ao reconstituir a

trajetória de Caio, adolescente que cumpriu medida socioeducativa na Unidade de

Internação 38, complexo Raposo Tavares, enfatizo que os disciplinas, grupo de

adolescentes que se divide em uma série de posições de lideranças, a saber, piloto,

encarregado e faxina, são os principais responsáveis pelas negociações travadas com os

ocorre nas dominadas, os adolescentes são obrigados a participar das atividades escolares, dormem e acordam de acordo com os horários estipulados pelos funcionários e andam com as mãos para trás e a cabeça baixa. No entanto, ressalto que o foco desta proposta de trabalho está centrado nas unidades dominadas. Obs.: os termos em itálico correspondem a categorias e falas de meus interlocutores. 5 É importante salientar que o complexo do Tatuapé, localizado na zona leste de São Paulo, foi desativado em outubro de 2007. Tal espaço institucional, palco de inúmeras rebeliões, contava com 18 unidades de internação e uma população que, segundo Miraglia (2001), abrigava aproximadamente 1600 adolescentes. 6 Entre setembro de 2004 e novembro de 2009 ministrei oficinas de fotografia e produção de textos aos adolescentes que cumpriam medida socioeducativa de internação nos seguintes complexos: Brás, Franco da Rocha, Raposo Tavares, Tatuapé e Vila Maria. 7 Vale ressaltar que não realizei pesquisa de campo em unidades prisionais. Portanto, valho-me de alguns estudos recentes que se debruçam sobre o sistema penitenciário paulista, em especial, as etnografias produzidas por Adalton Marques (2009) e Karina Biondi (2010). 8 Para meus interlocutores, o PCC também é conhecido como Comando, Partido e Quinze. 9 Os nomes citados ao longo do texto são fictícios. O trecho descrito acima foi extraído de uma produção textual elaborada pelo próprio adolescente. Enfatizo que não realizei correções gramaticais.

Page 3: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

295

agentes institucionais, bem como pelas relações estabelecidas com os irmãos do Comando.

Por fim, com o objetivo de refletir sobre tais relações, volto minhas atenções para o Salve

Geral, categoria nativa que aponta para a existência de conexões entre instituições

prisionais, unidades de internação para adolescentes e espaços urbanos.

É tudo nosso10

O vigilante abre a porta. Pede para que eu me sente em um banco, uma espécie de

detector de metais. Abre a minha mochila, mexe em pastas e cadernos. Faz uma rápida

revista em meu corpo e autoriza a minha entrada. Caminho por um corredor extenso até

deparar-me com uma gaiola, uma espécie de retângulo feito de grades, que limita o acesso

às unidades de internação11 e ao setor pedagógico. Além de outro segurança, que

coordena quem entra e sai, mais um detector de metais e outra revista. Chego à

coordenação pedagógica e aguardo a presença de um funcionário, responsável por

acompanhar-me. Meu destino é a Unidade de Internação Rio Negro, conhecida entre

adolescentes e funcionários como UI-25. Na entrada da unidade, mais uma revista, a

terceira desde que coloquei os pés no complexo de Franco da Rocha12.

Logo que o vigilante abre o último portão de aço, noto a presença de alguns

adolescentes. Um deles está com um pedaço de madeira em mãos, parecido com um

cabo de vassoura. Há também um interno sentado em uma cadeira. Com um pedaço de

papel e caneta, parece anotar algo. Os outros jovens apenas conversam. O adolescente

sentado na cadeira se levanta e pede a lista com o nome dos participantes do curso de

fotografia. Entrego-a em suas mãos. Ele, então, desloca-se até o centro do pátio e chama

os jovens para o início da atividade. Trata-se de um faxina do esporte.

Aos poucos, os internos inscritos no curso se aproximam. Nos dirigimos à sala de

aula. Não há cadeiras para todos. No entanto, torna-se evidente que uma das poucas

10 Expressão utilizada pelos internos que cumprem medida socioeducativa nas unidades dominadas. 11 De maneira geral, as unidades de internação, também conhecidas como UI's, podem ser divididas em dois grupos distintos: unidades de circuito leve e médio, caracterizadas por abrigar jovens que cometeram furtos e assaltos sem armas, ou seja, atos infracionais considerados leves, e unidades de circuito grave, locais que abrigam internos considerados mais perigosos. Estes, em sua maioria, cometeram sequestros, latrocínios, homicídios, etc. Trata-se de uma classificação informal adotada pelos agentes institucionais. 12 O complexo de Franco da Rocha possui três unidades de medida socioeducativa de internação. Entre 2006 e 2008, período no qual realizei a pesquisa de campo em tais unidades, também conhecidas como circuito grave, a UI-21 abrigava adolescentes mais novos, com idade mínima de 12 anos. Por sua vez, as unidades 25 e 29 abrigavam internos com idades entre 16 e 18 anos. Vale ressaltar que o Internato de Franco da Rocha, apesar de fazer parte do complexo em termos administrativos, não está localizado no mesmo espaço institucional.

Page 4: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

296

deve ser destinada ao professor. Quando já estamos quase acomodados, o faxineiro

responsável por reunir os participantes do curso se aproxima, devolve a lista e pergunta

se preciso de algo. Enquanto isso, o funcionário do setor pedagógico permanece ao meu

lado sem esboçar reação.

Inicio a atividade, mostro algumas imagens publicitárias, outras jornalísticas. Em

determinado momento, ouço um grito que vem do lado de fora da escola, alto o

suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. Assusto-me com a

movimentação. Aproveito para sair da sala e acompanhar o que acontece. Aos poucos,

todos os adolescentes da unidade, aproximadamente 100 jovens, reúnem-se no pátio

interno. Formam um círculo, todos de mãos dadas. No centro, alguns internos

caminham sem parar, falam alto, gesticulam. São os disciplinas. Estão ali para transmitir

orientações à população14. Quando algum adolescente da população deseja expor o seu

ponto de vista, levanta a mão e espera que algum disciplina o autorize.

Paulo, um dos pilotos da unidade, demonstra insatisfação. Enquanto fala, caminha

no centro da roda. Os encarregados andam ao seu lado, acompanham o ritmo de seu

corpo. O jovem discorre sobre a falta de privacidade. Enfatiza que a partir daquele

momento nenhum adolescente está autorizado a entrar no barraco [quarto] de outros

jovens sem ter o aval [autorização] de seus respectivos moradores. João, faxina da limpeza,

também se posiciona. Afirma que a unidade está muito suja. Pede a colaboração de

todos os adolescentes. Os jovens da população argumentam. A conversa dura

aproximadamente trinta minutos. A discussão termina. Começa a reza15:

- Pai Nosso, que estais no céu... - Ave Maria, cheia de graça... - Se Deus é por nós, quem será contra nós? - Se a GIR16 imbica17, nóis mata - Guerrear sempre, vencer às vezes, desistir jamais - Um por todos, todos por um - Unidos venceremos - Sem luta, não há vitória

13 Os disciplinas costumam reunir todos os adolescentes da unidade para transmitir alguns comunicados. Para tanto, utilizam expressões como pombo branco, salve, sintonia e cola cadeia. 14 A população é constituída por adolescentes que não fazem parte do grupo de disciplinas. 15 Em geral, os adolescentes que cumprem medida socioeducativa nas unidades dominadas rezam duas vezes ao dia, sendo a primeira na parte da manhã e a segunda no início da noite. As frases proferidas durante a reza, além de enfatizarem o domínio do espaço institucional por parte dos internos, apontam para uma possível vinculação entre os adolescentes e o Primeiro Comando da Capital. 16 O GIR (Grupo de Intervenções Rápidas), vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP), é composto por homens treinados que buscam evitar tumultos e rebeliões. 17 Imbicar, nesse caso, significa entrar na unidade.

Page 5: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

297

- Falaremos todos em uma só voz -Aconteça o que acontecer, sempre haverá um de nós - Revolucionários do 15, somos terroristas - Na 25 é tudo nosso, se não for nosso nóis destrói - Nosso lema é: paz, justiça, liberdade - Não somos o 14 nem o 16, somos o 15 - Não somos o segundo nem o terceiro, somos o primeiro - 153318, PCC, 1533, PCC, 1533, PCC - O 15 prevalece

O relato descrito acima, extraído de meu caderno de campo, aponta para algumas

questões sobre as quais gostaria de debruçar-me: é possível afirmar que os internos das

unidades dominadas são integrantes do PCC? Quais as funções desempenhadas por pilotos,

encarregados e faxinas no cotidiano da internação? Quais os atributos necessários para que

um adolescente se torne disciplina ou, em outras palavras, como se dá o processo de

constituição do disciplina?

Com o intuito de refletir sobre tais questionamentos, volto minhas atenções para a

narrativa de Caio, tendo como objetivo central a reconstituição de sua trajetória. Vale

ressaltar que a noção de trajetória, tal como pretendo mobilizá-la, difere

consideravelmente do que Bourdieu denomina como história de vida, “uma dessas

noções do senso comum que entraram de contrabando no universo do saber” (1996, p.

74).

O autor, ao distanciar-se das abordagens que descrevem a vida como “um

conjunto coerente e orientado” (1996, p. 74), salienta que a narrativa autobiográfica, ao

selecionar acontecimentos específicos e estabelecer conexões que fundamentam a sua

existência, encontra a cumplicidade do biógrafo, uma vez que ambos, entrevistado e

entrevistador, aceitam “essa criação artificial de sentido” (1996, p. 76):

Tentar compreender uma vida como uma série única e, por si só, suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outra ligação que a vinculação a um 'sujeito' cuja única constância é a do nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diversas estações (Bourdieu, 1996, p. 81).

De fato, a noção de trajetória tal como proposta por Bourdieu, “uma série de

posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo), em um

18 Como bem observa Biondi, “este número segue o 'Alfabeto Congo', segundo o qual as letras são numeradas de acordo com sua posição no alfabeto. Nesse sistema, o P corresponde à décima quinta letra e o C, à terceira letra. Desta forma, o número 15.3.3 é o equivalente numérico à sigla PCC” (2010, p. 74).

Page 6: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

298

espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes” (1996, p. 81;

grifos do autor), me permite deslocar o foco do sujeito e “situar acontecimentos

biográficos em alocações e deslocamentos no espaço social” (Kofes, 2001, p. 24). Desse

modo, enfatizo que o fato de debruçar-me sobre a narrativa de Caio não implica tratá-lo

como indivíduo. O esforço que empreendo consiste em caracterizá-lo como ocupante de

distintas posições de liderança no contexto das unidades dominadas.

O disciplina em sua trajetória

Quinze de março de 2010. Trânsito caótico na quebrada. Como de costume,

carros, caminhões, motos, bicicletas e pedestres disputam um pequeno espaço pelas ruas

da favela, localizada na zona sul da cidade de São Paulo. Para aqueles que procuram um

determinado endereço há uma dificuldade extra: a numeração confusa das casas. Três

números distintos estampam as paredes de boa parte das residências. Ao procurar pela

casa de Caio, enfrento a desordem numérica que, obviamente, afeta as pessoas que não

possuem familiaridade com as ruas da quebrada. Peço informações. Apesar das

dificuldades, após trinta minutos de caminhada, chego ao endereço esperado. Toco a

campainha. Um garoto aparece. Pergunto por Caio. Em poucos minutos, vejo-o

caminhando em minha direção. Nos cumprimentamos. De fato, não esperava uma

recepção tão calorosa. Aproveito para entregar algumas fotografias ao adolescente,

referentes ao período em que o jovem ainda estava cumprindo medida socioeducativa na

Unidade de Internação 38, complexo Raposo Tavares19.

Caio me convida para entrar, afinal, conversar em frente à porta de sua residência

não lhe parece uma atitude sensata. Nos dirigimos à laje do pequeno prédio de

apartamentos de seu avô, antigo morador da favela. O local, repleto de entulho por todos

os lados, configura-se como um importante ponto de fuga caso haja uma invasão por

parte da polícia. Noto que Caio está preocupado. A presença de policiais à paisana pelas

ruas da quebrada o inquieta. Tal receio mostra-se justificável. Após o período de

internação na Fundação CASA, que durou aproximadamente dois anos, o jovem está de

19 Ressalto que entreguei três retratos fotográficos que foram produzidos ao longo das oficinas de fotografia desenvolvidas em tal unidade de internação. Tais fotos enquadravam o jovem dos pés à cabeça. Caio agradeceu diversas vezes pelas imagens. Dentro dos limites desta proposta de trabalho, na qual não pretendo problematizar questões referentes ao uso da imagem fotográfica na pesquisa antropológica, apenas saliento que tais fotografias constituíram um importante meio de aproximação do adolescente.

Page 7: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

299

volta, ocupando a mesma posição que havia preenchido antes de ser preso, a saber,

gerente do tráfico20. Nesse contexto, a ameaça de uma nova prisão torna-se evidente.

De fato, as preocupações referentes às constantes investidas policiais vêm de longa

data, mais especificamente, desde os 11 anos de idade, período que marca o retorno do

garoto à comunidade, bem como o início de seu envolvimento com os traficantes da

região, ligados ao Primeiro Comando da Capital:

Eu nasci aqui. Daí meu pai e minha mãe se separaram. Aí ele foi pra Barueri. Aí eu peguei e fui morar com ele em Barueri. Aí foi indo, foi indo. Aí é o seguinte: meu pai faleceu, tá ligado? Meu pai morreu e eu peguei e voltei pra morar com a minha mãe. Isso com 11 anos, aí vim morar pra cá e com onze em diante foi o bagulho loco. O meu envolvimento [com o crime] foi o seguinte mano: foi a escola, a escola foi o começo de tudo. Era eu e outro lá, o Jean, o Neguinho, hoje tá preso, tá lá em Osasco lá. Eu e esse moleque é o seguinte mano, nóis era o capeta na escola. E da escola ele já colava com os cara [traficantes ligados ao PCC]. Isso com 11 anos. Aí nóis já começou. Eu vou ser sincero. Eu não passava necessidade, não passava fome, não passava porra nenhuma, nada, não precisava de nada, minha família é estruturada. Eu sempre tive os bagulho, não tive o que eu queria, mas o que minha família pôde me dar sempre deu mano, minha mãe principalmente sempre deu, depois que meu pai morreu e pá, tá ligado? Eu fui mais por querer ganhar dinheiro, fama. Entrei [no tráfico] porque queria comer muita mulher, queria andar de moto, queria andar de carrinho, queria ter um pano [roupa] da hora. (...) comecei ali no tráfico ali. Não ganhava nada. Aí começou: não, fica ali tal, não, vamo usa droga, vamo e tal, tal. E eu molecão querendo me envolver tá ligado, fazia de tudo pra me envolver com os cara bandido. Aí foi indo, aí depois começou e tal, aí já comecei a ficar fixo na boca, aí já virei fixo e já comecei a ganhar um salário, aí comecei a ganhar R$ 100, depois de um tempo, aí aumentou pra R$ 200 por semana, aí quando eu comecei a ganhar R$ 200 por semana na campana, o dono da favela [o patrão] saiu pra rua.

Entre as atividades escolares e as brincadeiras cotidianas ao lado de inúmeras

crianças que se divertem pelas vielas da quebrada, Caio, através de um colega de escola,

trava os primeiros contatos com os cara bandido. Aos onze anos de idade, imagina as

vantagens de tal envolvimento. Aos olhos do garoto, entrar para o tráfico significa ter

fama, ser reconhecido na quebrada. Junto com a fama, o jovem almeja o dinheiro, que

possibilita a aquisição imediata de inúmeros objetos de consumo, tais como motos,

roupas e celulares. O desejo de comer muita mulher também o estimula.

20 Os dados obtidos na quebrada em que Caio atua, em especial, os que se referem ao tráfico de drogas, fazem parte de uma pesquisa que venho realizando sob a coordenação do Prof. Dr. Ronaldo de Almeida, pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

Page 8: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

300

Apesar de tantos anseios e expectativas, no início de suas atividades junto à

biqueira21, o garoto não recebe nenhuma recompensa financeira. No entanto, torna-se

evidente que para o jovem que fazia de tudo pra me envolver com os cara bandido, o dinheiro,

naquele momento, não era tão relevante. Ao se aproximar do comércio de drogas, Caio

passa a conviver com os traficantes, utiliza os produtos vendidos na biqueira e atenta para

a movimentação ao redor dos pontos de venda.

Com o passar dos dias, o garoto ganha a confiança de seus novos companheiros,

passa a ficar fixo na boca e fortalece o seu vínculo com o movimento22. Torna-se um dos

campanas da biqueira, momento que configura-se como o início de seu deslocamento pelas

posições do tráfico de drogas. Suas atividades passam a ser remuneradas. Comecei a

ganhar R$ 100, depois de um tempo, aí aumentou pra R$ 200 por semana.

Os campanas, também conhecidos como olheiros, são os responsáveis pela

vigilância da biqueira, avisando aos traficantes caso haja uma possível ação policial ou

movimentação de pessoas suspeitas ao redor da boca. Na quebrada, permanecem em

pontos estratégicos, locais próximos aos pontos de venda, mas dos quais procuram

manter certa distância. Em geral, não utilizam armas, suas ferramentas de trabalho são

os radinhos [espécie de walk-talk]23.

A possibilidade de deslocar-se pelas posições, isto é, de ascender na hierarquia do

tráfico, apresenta-se como viável. No limite, para que Caio possa tornar-se vapor,

também designado pelo termo pacote, é preciso que algum membro do movimento seja

promovido, seja preso ou, na pior das hipóteses, seja morto. Segundo meu interlocutor:

Quando o dono da favela saiu pra rua [deixou uma unidade prisional localizada no interior do estado de São Paulo], ele pegou uma afinidade com o traficante e o traficante [vapor] subiu pra gerência, que era aquele fulano lá, o Túlio. Aí, ele subiu pra gerência, aí eu peguei e fiquei no tráfico, aí já fiquei responsável pela boca, já virei vapor. Aí trabalhei quatro anos, não, uns três anos e pouco...

Momento de passagem. Túlio sobe para a gerência e deixa um espaço em aberto.

Caio, que tinha entre doze e treze anos de idade, assume a posição de vapor,

21 Os pontos de venda de drogas também são conhecidos como biqueiras e bocas. 22 Para meus interlocutores, o tráfico de drogas também é chamado de movimento. 23 Dois traços centrais que marcam a posição de campana são a pouca remuneração (em comparação com as outras posições do tráfico) e a alta responsabilidade. César, interno da UI-29, complexo de Franco da Rocha, parece corroborar com minhas suposições. A função do olheiro é ver se vem polícia. Se vier ele tem que avisar. O olheiro é meio devagar [pouca remuneração], eu ganhava só quarenta por dia. Mas a responsabilidade era muito grande, se os bota [policiais] entrasse na favela e eu não avisasse eu podia até perde minha vida.

Page 9: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

301

acontecimento que acarreta o aumento de suas responsabilidades e estreita ainda mais os

seus laços com os integrantes do movimento.

Os vapores travam contato direto com os usuários. Permanecem em pontos

territoriais específicos, carregando consigo pequenas quantidades de drogas guardadas

em sacos plásticos. Também conhecidos como pacotes, vendem maconha (trouxinhas de

R$ 5), cocaína (cápsulas de R$ 10) e crack (pequenas porções de R$ 5). Ao longo de suas

atividades, permanecem atentos aos informes transmitidos pelos campanas. Em caso de

uma invasão por parte da polícia, devem esconder as drogas rapidamente24.

Após um longo período como vapor, aproximadamente quatro anos, surge uma

nova oportunidade de ascensão. Outro momento de deslocamento. Túlio, que ocupava a

posição de gerente, é preso em uma emboscada realizada pela polícia. Foi quando eles

forjaram ele e ele entrou em cana que eu subi pra gerência. No tráfico, a fila anda com certa

rapidez. Uns vão, outros vêm. As posições, no entanto, permanecem as mesmas. Os

indivíduos são intercambiáveis. Com a prisão de Túlio, Caio, que tinha cerca de 15 anos

de idade, passa a ocupar a posição de gerente de todas as biqueiras da quebrada:

Meu trampo é o seguinte mano, deixar o bagulho redondo, eu tá acompanhando os cara da boca, não deixar os cara ficar moscando25. Eu passo no tráfico o cara tá moscando ali eu já: “e aí maluco”, tá ligado? Resolvo os problemas. [Fábio] Tipo...se um morador discute com outro, o que você faz? Chamo os dois pra entrar numa linha de raciocínio, pra ficar tranquilo, pra não ter essa de o outro ficar: “não, então, eu vou chamar a polícia pra você então e pá e pum”. Nóis já tá ali pra isso, eu e o outro [Lucas, que também é gerente]. E pá, eu e ele é essa função, receber droga e passar dinheiro pra frente. Eu e ele nóis passa o resumo pros cara, os cara passa pra nóis, nóis passa pra frente, o que chega em nóis, nóis passa pros cara. (...) tem um terceiro mano que fica mais tranquilo de fora [da favela]. Ele é gerente também, mas a função dele é mais contabilidade. Esse bagulho de conta, mexer com dinheiro, não é comigo não.

Outro cargo26, novas funções. O gerente é o principal responsável pelo

funcionamento das biqueiras. É ele que mantém contato direto com o patrão, também

24 Segundo Caio, atualmente, os jovens que ocupam a posição de vapor recebem uma média de R$ 2.000 por semana, o que totaliza algo em torno de R$ 8.000/mês. Vale notar que cada biqueira conta com quatro vapores, que estabelecem entre si uma espécie de rodízio. Ao todo, existem quatro pontos de venda operando na favela. 25 Expressão que caracteriza a falta de atenção. O oposto de ficar esperto, ficar ligeiro. 26 Como gerente, o jovem recebe R$ 800 por semana, em média, R$ 3.500/mês. Apesar de receber menos dinheiro do que os vapores, o gerente ocupa uma posição de maior prestígio. Ao questionar meu interlocutor sobre a possibilidade dele atuar novamente como vapor, Caio enfatizou que a sua intenção é subir mais um

Page 10: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

302

conhecido como dono27. Posição de grande prestígio, o gerente caracteriza-se por ser uma

espécie de mediador entre o patrão e os vapores. Nóis passa o resumo pros cara, os cara passa

pra nóis, nóis passa pra frente, o que chega em nóis, nóis passa pros cara28. Vale ressaltar que os

indivíduos que ocupam tal posição também arbitram conflitos entre moradores, a fim de

evitar que estes recorram à polícia. Em caso de uma possível negociação com a força

policial, é o gerente que conduz a situação29.

Apesar de deslocar-se rapidamente pelas posições do tráfico de drogas, tornando-

se um dos gerentes da favela aos 15 anos de idade, a trajetória de Caio no movimento seria

interrompida:

Eu tava na gerência e aí os cara de uma quadrilha ali, uns cara que rouba mansão, me ligava direto [entrava em contato] porque nóis tinha uns armamentos. Aí os cara me ligava: não, vamo embora, vamo metê um B.O e pá, tem umas armas, nóis vai virar um dinheiro e pá. E eu nem pá, tá ligado? Dinheiro pra caralho no tráfico. E eu: não mano, meu negócio é tráfico tio, não gosto de roubar e pá. Aí é o seguinte, teve um dia que nóis foi. Peguei umas armas e nóis foi, aí foi onde eu tomei a cana [foi preso]. Nóis pegou umas 15 barrinha de ouro escrito banco Itaú mano. Se nóis vem embora nóis tava suave. Várias assim, bem umas 15, só escrito banco Itaú, banco Itaú. Aí, eu falei: “já era, vamo embora”. E os cara: “não, tem mais”. Os cara já de uns dia sabia que o bagulho tinha mais, mas não tinha. Aí na hora de sair, o vigilante da rua chamou os cana [policiais], aí

degrau e não ficar subindo e descendo. Vamo imagina que o véio [o patrão] morre, se Deus quiser isso não vai acontecer, mas se ele morre quem assume é o braço direito dele [o gerente]. 27 Responsável pelas negociações travadas com os fornecedores das drogas e das armas utilizadas. Em seu território, detém a palavra final sobre quaisquer conflitos. Segundo Caio, há três patrões distintos na quebrada, todos filiados ao Primeiro Comando da Capital. Junior, patrão de Caio, gerencia os seus negócios de dentro do sistema penitenciário. Além dele, há outras duas figuras, um mano que tá solto e outro que tá preso. Vale notar que os três patrões estabelecem um rodízio. De dois em dois meses ocorre a troca de comando, de tal modo que, se Junior opera na comunidade entre os meses de maio e junho, os outros dois patrões, que constituem um núcleo, gerenciam os negócios do tráfico entre julho e agosto. Dowdney, ao discorrer sobre a estrutura do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, aponta para a existência de duas posições que não operam dentro das favelas. Segundo o autor, os donos “não poderiam agir sem os atacadistas, que organizam a importação da cocaína, nem sem os matutos, que levam a cocaína para o coração das favelas que os donos controlam (…)” (2003, p. 42; grifos do autor). Na quebrada de Caio, não tenho informações acerca de tais posições. De qualquer forma, acredito que o tráfico de drogas propicia a existência de distintas estruturas organizacionais que variam conforme o tamanho da comunidade, a localização geográfica, o volume de drogas vendido, etc. Por exemplo, os soldados, que aparecem como figura importante nas comunidades do Rio de Janeiro, na medida em que, entre outras coisas, defendem os pontos de venda da invasão de quadrilhas rivais (cf. Dowdney, 2003, p. 50), na favela em que Caio atua, não fazem parte da estrutura do tráfico. Ao questionar meu interlocutor sobre a inexistência de tal posição, o jovem enfatizou que aqui não precisa disso, o bagulho é tranquilo. Com tal assertiva, o adolescente aponta para uma espécie de hegemonia do PCC no que concerne ao comércio de drogas em São Paulo, dando a entender que o risco de invasões por parte de quadrilhas rivais é mínimo. 28 Passar o resumo significa, entre outras coisas, o recebimento das drogas e o fornecimento das mesmas aos vapores, bem como o recebimento do dinheiro gerado pelas vendas e a respectiva entrega dos valores. 29 Caio contou-me que certa vez um vapor foi pego por policiais militares que o prenderam próximo ao ponto de venda de drogas. O adolescente enfatizou que tentou negociar a liberação do jovem, mas ressaltou que não teve ideia com os verme [policiais].

Page 11: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

303

foi uma troca de tiro da porra mano. Cena de filme, bagulho loco. Aí, eu fui pro hospital baleado, tá ligado? Aí do hospital os cara [os policiais] falou que não ia me deixar lá porque os cara [os parceiros de Caio] ia me resgatar e pá. Aí, daqui a pouco me levaram pra delegacia, aí não me deixaram muito tempo na delegacia e me levaram pra UAI. Aí da UAI já era, é aquele ritmo: UAI, Fórum, UIP, aí da UIP veio as audiência e aí a internação30.

Após um assalto frustrado em uma mansão localizada no bairro do Morumbi,

zona sul de São Paulo, Caio foi encaminhado para a Fundação CASA. Em meados de

2008, depois de uma audiência em uma das Varas Especiais da Infância e Juventude

(VEIJ), decidiu-se que o adolescente deveria cumprir medida socioeducativa de

internação. O jovem, que durante alguns dias aguardou a decisão judicial na Unidade de

Internação Provisória (UIP-10), localizada no complexo Brás, foi transferido para a

Unidade de Internação 38, complexo Raposo Tavares31: (…) na Raposo, quando eu cheguei

lá, já tinha uns cara na frente da cadeia32.

Ao ingressar na UI-38, Caio trava os primeiros contatos com os faxinas. Em um

primeiro momento recebe algumas orientações sobre o funcionamento da cadeia. Nas

unidades dominadas é comum os faxineiros adotarem tal procedimento. Sua caminhada33

também é avaliada. Os faxinas sempre procuram obter informações acerca do histórico do

novo interno. Esse modo de atuação faz com que os adolescentes indesejáveis, também

conhecidos como vermes ou pilantras, sejam mantidos longe do convívio34, de preferência,

no seguro35. Além disso, é nesse momento que os faxinas, ao tecerem considerações sobre

30 Após ser detido pela polícia, o adolescente é levado à delegacia, local em que seus pais são contatados. Em seguida, o jovem é encaminhado à Unidade de Atendimento Inicial (UAI), espaço institucional no qual realiza seu primeiro cadastro e permanece por até 48 horas. Nesse período, o caso passa para a responsabilidade das Varas Especiais da Infância e Juventude (VEIJ). O jovem, então, é atendido por integrantes do Ministério Público que podem liberar o adolescente ou solicitar ao juiz a sua internação provisória. No último caso, o adolescente é encaminhado para uma Unidade de Internação Provisória (UIP) e aguarda a decisão judicial acerca da medida socioeducativa que lhe será imposta (informações concedidas por adolescentes e funcionários da instituição. Agradeço especialmente a Celso Yokomiso, psicoterapeuta que atua na unidade de internação 38, complexo Raposo Tavares). 31 O complexo Raposo Tavares possui cinco unidades de medida socioeducativa de internação (UI-22; UI-27; UI-28; UI-37 e UI-38). Na época em que realizei a pesquisa de campo em tal complexo, entre outubro de 2008 e novembro de 2009, apenas a UI-38 era considerada uma unidade dominada. As unidades 28 e 37 passavam por um momento conturbado, já que os adolescentes tentavam retomar o controle de tais espaços institucionais. Por sua vez, as UI's 22 e 27 eram conhecidas como unidades que estavam na mão dos funcionários. 32 Os disciplinas também são conhecidos como os frente da cadeia. 33 Nesse caso, caminhada refere-se ao histórico do adolescente no crime. 34 Espaço destinado àqueles que correm pelo certo, ou seja, que seguem as diretrizes do PCC. 35 Os seguros são espaços institucionais mantidos fora das unidades. Ao mesmo tempo, essa categoria remete aos internos que cometeram atos considerados inaceitáveis pelos outros jovens, tais como estupro e desrespeito à visita alheia. No que concerne ao modo de atuação dos faxinas, vale notar que Biondi aponta para a existência de um movimento semelhante em unidades prisionais nas quais os irmãos atuam. “Para

Page 12: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

304

a caminhada dos recém-chegados, selecionam aqueles que poderão somar com a disciplina36.

Tais adolescentes passam a ser observados, sendo que muitas vezes mudam-se para o

quarto dos faxineiros.

De fato, nota-se que o conhecimento sobre o modo de operação do Comando, o

crime praticado37 e os contatos estabelecidos no mundão38 caracterizam-se como

elementos centrais no que concerne ao histórico do futuro disciplina39. No caso de Caio,

por exemplo, é preciso atentar para o fato de que o adolescente, mesmo tendo sido preso

durante um assalto, ocupava a posição de gerente do tráfico em uma quebrada controlada

por integrantes do Comando40. Desse modo, torna-se evidente que o jovem já conhecia as

diretrizes do PCC antes mesmo de sua inserção na Fundação CASA. Além disso,

mantinha relações com membros do Partido. Caso fosse necessário, poderia entrar em

contato com seus parceiros. Como sugere um de meus interlocutores, o adolescente da

população que possui contatos com os irmãos ganha um ponto a mais (Jonas, ex-interno da UI-

29, complexo de Franco da Rocha).

Com tal reflexão, não pretendo sugerir que o processo de constituição do disciplina

esteja vinculado apenas às considerações tecidas sobre a sua caminhada. Afinal, há todo

um sistema interno de aprendizagem. O possível disciplina, ao mesmo tempo em que

recebe instruções, é incessantemente avaliado por todos aqueles que estão na frente da

cadeia: Às vezes, eles [os disciplinas] destacavam um adolescente [da população] pra presenciar a

ideia da cadeia, dar a sua opinião. Aí os caras avaliavam qual era a sua visão do certo (Jonas).

Caio, após ser avaliado durante três meses, recebe o convite para somar com a

disciplina. Torna-se um dos faxinas da campana. Os adolescentes que ocupam tal posição

garantir que nenhuma das pessoas não aceitáveis no convívio habite as Cadeias de Comando, os irmãos fazem uma espécie de triagem com os presos recém-chegados” (2010, p. 94; grifos da autora). 36 Somar com a disciplina, nesse caso, significa tornar-se disciplina. 37 Vale salientar que os adolescentes das distintas unidades de internação adotam uma espécie de sistema classificatório em relação aos crimes praticados. Delitos como sequestro, assalto a banco e roubo de carga são valorizados pelos jovens. De fato, aquele que rouba para consumir drogas, também conhecido como nóia, assim como um simples batedor de carteira, tem poucas probabilidades de tornar-se disciplina. 38 O outro lado dos muros institucionais, isto é, o lado de fora das unidades de internação. Além de opor o lado de dentro ao lado de fora, vale notar que tal categoria é empregada pelos adolescentes para designar tudo aquilo que não pertence ao universo institucional (roupas, alimentos, objetos, etc). Como bem observa Paula Miraglia, a expressão “'fiz isso no mundão', marca acontecimentos anteriores à internação” (2001, p. 114). Da mesma forma, os alimentos levados pelos familiares dos adolescentes no dia de visita são chamados pelos internos de comida do mundão. 39 Caso o adolescente seja reincidente, isto é, tenha outras passagens pela instituição, sua trajetória dentro da Fundação CASA também é um elemento importante a ser considerado. 40 Sobre as recentes transformações que afetaram as periferias de São Paulo nos últimos anos, incluindo a entrada de integrantes do Primeiro Comando da Capital em determinadas regiões, acontecimento que, entre outras coisas, provocou a reorganização do narcotráfico local e instituiu novos códigos de conduta no que concerne às relações entre ladrões, sugiro os estudos de Gabriel Feltran (2007 e 2008).

Page 13: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

305

permanecem em locais estratégicos, espaços de onde têm uma visão privilegiada.

Estabelecem uma espécie de rodízio, de maneira que a entrada da unidade esteja sempre

vigiada. Avisam aos outros disciplinas41 caso haja uma invasão por parte do Choquinho42.

No período noturno, a segurança de todos os adolescentes da unidade está sob

responsabilidade dos campanas: Se dormir e os cara [do Choquinho] entrar, ele tá na bosta. Por

exemplo, tem um campana ali e os cara tá fazendo um tatu [túnel] lá no barraco e o cara dorme. E

se os cara [do Choquinho] entra e pega o tatu? (Jonas).

O fato de Caio ocupar a posição de faxina da campana não o isenta de avaliações.

Pelo contrário, os faxineiros são constantemente observados pelos encarregados. A conduta

do adolescente passa a ser decisiva. Suas ações, ao mesmo tempo em que podem

determinar o afastamento da faxina43, podem proporcionar a mudança de posição. Com o

passar do tempo, Caio desloca-se pelas posições: Quando eu cheguei eu já subi pra campana.

Aí fui subindo de setor, porque tem os setores, tá ligado? De baixo pra cima, na Raposo, tinha o

loceiro, o campana, o limpeza, o esporte, o bóia, o encarregado e o piloto (Caio).

O depoimento acima aponta para algumas questões sobre as quais gostaria de

discorrer. Em primeiro lugar, vale notar que Caio, após alguns meses de internação,

torna-se faxina da campana. O adolescente não chega a ocupar a posição de loceiro. Os

internos que ocupam tal posição são os responsáveis pela limpeza de copos, pratos e

talheres. De maneira geral, os loceiros cuidam do refeitório. É importante salientar que

tais adolescentes não são reconhecidos como disciplinas. Certa vez, em uma rápida

conversa que tive com Carlos, piloto da UI-38, o jovem fez questão de afirmar que o

loceiro é quase um faxina. Nesse sentido, é possível supor que os loceiros ainda não estão

preparados para somar com a disciplina. Trata-se de uma posição na qual os seus ocupantes

estão em processo de aprendizagem. No entanto, isso não significa que todos os faxinas

tenham sido loceiros. Alguns internos, como é o caso de Caio, seja pela caminhada antes

de ingressar na unidade de internação, seja pela conduta adotada nos primeiros meses da

medida socioeducativa, transpõem essa posição. 41 O número de disciplinas varia conforme a unidade de internação. Na UI-38, na época em que realizei a pesquisa de campo, existiam três faxinas da campana, cinco faxinas da limpeza, três faxinas do esporte e quatro faxinas da bóia. Ao mesmo tempo, haviam dois encarregados e dois pilotos. 42 Grupo de homens treinados que permanece nos grandes complexos da Fundação CASA. Seus integrantes são os principais responsáveis pelas revistas periódicas realizadas nas unidades, bem como pela contenção de pequenos tumultos. Vale notar que o termo Choquinho é uma alusão à Tropa de Choque da Polícia Militar. 43 Certa vez, um interno da UI-29 contou-me que havia sido temporariamente afastado da faxina por ter xingado um funcionário. Disse ao jovem que não estava entendendo o seu argumento. Ele, então, respondeu que os faxinas não devem perder o controle e brigar com os funcionários. Devem manter-se calmos e negociar com eles.

Page 14: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

306

Outro ponto importante a ser mencionado é o fato de que os limpezas, os esportes e

os bóias, assim como os campanas, também são conhecidos como faxinas. Os faxineiros,

apesar de desenvolverem algumas atividades em comum no cotidiano da internação44,

exercem funções específicas:

O limpeza já é a higienização da cadeia inteira, geral, tudo em matéria de higiene é com o limpeza. O esporte é aquele que é o responsável por não deixar a cadeia parada, tá ligado? Curso, futebol, tudo que é esporte é com ele. Escola, essas fita é tudo com ele. Aí o bóia já vem a matéria da alimentação, ele só mexe com comida (Caio).

Além dos apontamentos sugeridos por meu interlocutor, faz-se necessário alguns

esclarecimentos. No que concerne aos faxinas da limpeza, vale ressaltar que tais

adolescentes, além de limparem toda a unidade, são os principais responsáveis pelas

negociações que envolvem os acessórios e os produtos de limpeza45. Por sua vez, os

faxinas do esporte organizam os campeonatos de futebol e os torneios de dominó.

Solicitam brindes aos funcionários para a premiação dos vencedores. Além disso, são os

responsáveis por reunir os internos que frequentam a escola, assim como os adolescentes

que participam dos cursos culturais e profissionalizantes oferecidos por Organizações

Não Governamentais. São conhecidos pelos internos como o motor da cadeia. Em relação

às refeições, a responsabilidade recai sobre os faxinas da bóia. Os jovens que ocupam tal

posição recebem os alimentos das mãos dos funcionários e os transportam até o

refeitório. Após vestirem aventais e luvas, distribuem a alimentação para todos os

internos da unidade. Caso haja alguma reclamação a ser feita sobre a comida, são os

bóias que conduzem a situação.

Como dito anteriormente, os faxinas são constantemente observados pelos

encarregados. Os adolescentes que ocupam tal posição atuam como uma espécie de braço

direito dos pilotos. Além disso, nota-se que os encarregados circulam pelo pátio interno

durante todo o dia, tendo como objetivo principal a avaliação acerca do funcionamento

44 Além de orientarem os recém-chegados e instruírem os internos que poderão somar com a disciplina, os faxinas atuam como uma espécie de canal de comunicação entre os adolescentes da população e os funcionários. Se algum interno precisa de um lápis para escrever uma carta aos seus familiares, deve solicitar o objeto ao faxina que, por sua vez, transfere o pedido ao funcionário. O agente institucional segue a mesma lógica, ou seja, entrega o lápis ao faxina para que este o repasse ao jovem da população. Segundo meus interlocutores, tal procedimento, além de evitar conflitos desnecessários entre adolescentes da população e agentes institucionais, impossibilita possíveis delações de planos de fuga. 45 Os adolescentes costumam reclamar da pouca quantidade e da má qualidade dos acessórios e produtos de limpeza oferecidos pela instituição, fato que causa constantes embates entre os faxinas da limpeza e os funcionários. Ao se referirem a tais produtos, os jovens utilizam o termo badarosca [sem qualidade].

Page 15: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

307

da cadeia. Da última vez em que nos encontramos, no interior da Unidade de Internação

38, Caio ocupava tal posição: (…) o encarregado é ele que avalia tudo. Os bico [funcionários]

do fórum chega, ele vai e chama o piloto pra ele e o piloto trocar ideia. Ele avalia os cara pra ver se

os cara tá capacitado pra tá na faxina (Caio).

Ao mesmo tempo em que avaliam os faxinas, os encarregados são observados e

instruídos pelos pilotos. Vale notar que quando um dos pilotos é transferido de unidade, a

posição deixada em aberto é preenchida por um dos encarregados.

Por sua vez, os pilotos, como ressaltam meus interlocutores, resolvem as fitas de mil

grau [situações mais complicadas]. São os responsáveis pelas negociações travadas com o

diretor da unidade46. Negociam o horário de abertura e fechamento dos barracos,

questionam o procedimento adotado pelos seguranças nos dias de visita, solicitam

melhorias na infra-estrutura da unidade, reivindicam a entrada de alguns benefícios para

todos os internos (roupas trazidas pelos familiares, novos aparelhos de som, etc):

(…) ele é responsável por rebelião mano, rebelião, fórum, negociação, é tudo no peito dele. Negociação com diretor, com o Choque, com bico do fórum, com juiz, é tudo ele. Ele tá com a cabeça dele na mesa, com o facão no pescoço. Ele assumiu o toque da Febem ou de cadeia ou de qualquer coisa, ele tá com a cabeça na faca mano (Caio).

Também conhecidos como toques47, os pilotos, ao negociarem com o diretor da

unidade, atuam como representantes de toda a população. Durante as rebeliões, são os

responsáveis pelos acordos firmados com os policiais da Tropa de Choque da Polícia

Militar, também conhecida como Chocão. De fato, nota-se que uma das características

centrais daqueles que ocupam tal posição é a habilidade nas negociações48:

46 Em algumas ocasiões, pude observar que os pilotos chamavam os encarregados para que estes atores também participassem de tais negociações. Atitude que aponta para mais um processo de aprendizagem. 47 No início de minha pesquisa, apareciam duas figuras distintas: o toque da cadeia, responsável pelo funcionamento de uma unidade de internação específica e o toque geral, responsável por todas as unidades existentes em um mesmo complexo. No caso do Tatuapé, por exemplo, o toque geral cumpria medida socioeducativa na UI-12: Se tiver 10 unidades ali ele é toque geral de tudo. Ele que fala se vai ter uma rebelião, ele que planeja uma fuga em massa (Jonas). Com o passar do tempo, tal distinção desapareceu das narrativas de meus interlocutores. Além disso, os campanas e os limpezas, atualmente conhecidos como faxinas, entre 2006 e 2008, eram chamados de setores. Segundo os adolescentes, tais mudanças são decorrentes de algumas alterações que ocorrem em unidades prisionais orientadas pelas diretrizes do PCC: Muda lá, muda aqui. Porque pra te falar a verdade, a Febem é uma cadeia só que em menor grau, entendeu? (Jonas). 48 No limite, todos os disciplinas possuem essa característica, mesmo porque faxinas e encarregados são pilotos em potencial. Acredito que a habilidade nas negociações seja adquirida ao longo tempo, conforme os adolescentes se deslocam pelas posições de liderança. Biondi, ao discorrer sobre o funcionamento das unidades prisionais do Comando, enfatiza que “a política exercida pelos irmãos, (…) é legitimada pelo respeito conquistado por meio de sua habilidade nas negociações” (2010, p. 127; grifos da autora).

Page 16: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

308

Bem no finalzinho de 2005 pra 2006 eu consegui roupa do mundão, consegui comida do mundão, um domingo por mês, mas consegui. Tinha que começar assim, se você chegar lá e falar: ó senhora [diretora] eu quero uma TV de plasma. Ela não vai te dar (Jonas, piloto da UI-29 à época). [Fábio] Como você conseguiu isso? É...numa negociação com a diretora. Eu falei: Jonas: a senhora quer o quê? Diretora: eu quero o barraco trancado à noite. Jonas: ó, e se os caras [do Choquinho] invadir? Diretora: não, não invade. Jonas: tá bom. Daí conversa com os faxineiro aqui, conversa com os faxineiro lá49. Os cara tava: “não e pá e pum. Não, tá bom, dá o barraco pra ela à noite”. Jonas: senhora é o seguinte. A partir de hoje a senhora pode começar a trancar o barraco, mas a partir da próxima visita nóis quer nossa roupa. Se a senhora não der, nada feito. Diretora: não, beleza. Jonas: A partir do outro dia foi dito e feito, começaram a ligar lá [para as famílias dos adolescentes] que podia trazer uma peça [de roupa].

O relato acima evidencia que os pilotos não atuam sozinhos. Por mais que a última

palavra seja deles, é preciso consultar os outros disciplinas. Da mesma forma, todos

aqueles que ocupam posições de liderança devem atentar para as opiniões emitidas pelos

adolescentes da população. O fato dos disciplinas atuarem como líderes não significa, de

modo algum, que possam abusar da autoridade. Pelo contrário, os adolescentes que

ocupam tais posições não devem impor as suas vontades aos outros internos. Devem ser

humildes50 e levar a sério as reivindicações trazidas pelos jovens da população. No limite, é

possível afirmar que a autoridade exercida pelos disciplinas é obtida pela própria negação

do exercício de autoridade. Certa vez, conversava com Pablo, piloto da UI-25, complexo

de Franco da Rocha, quando um faxina do esporte se aproximou e disse: porra mano, já

mandei os cara da população fazer aquele bagulho lá e até agora nada. Pablo, após demonstrar

certo desconforto com a formulação do faxineiro, respondeu imediatamente: que história é

essa de mandar mano? Você não tem que mandar, você tem que pedir.

Ao mesmo tempo em que a população depende da atuação dos internos que

exercem o papel de liderança, na medida em que tais adolescentes falam em nome do

grupo perante os agentes institucionais, nota-se que a legitimidade dos disciplinas provém

do reconhecimento concedido pela população. Pelo fato de atuarem como representantes

49 Segundo Jonas, nessa época ainda não existiam encarregados em Franco da Rocha. 50 Como bem observa Karina Biondi, “a humildade é considerada ao mesmo tempo característica, habilidade, postura e atitude que todo irmão deve ter” (2010, p. 101; grifos da autora). O mesmo pode ser dito em relação aos disciplinas.

Page 17: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

309

dos interesses de todos aqueles que cumprem medida socioeducativa em um mesmo

espaço institucional, em geral, pilotos, encarregados e faxinas permanecem internados por

um longo período de tempo.

As constantes transferências promovidas pelos diretores das unidades de

internação, que têm como objetivo central a desestruturação de tal sistema de posições,

atrasam o cumprimento da medida socioeducativa. Apesar dos funcionários acreditarem

que as transferências eliminam o que eles chamam de lixo, nota-se um movimento

inverso. Após a transferência de alguns disciplinas, aqueles que ficaram se reorganizam.

Desse modo, vê-se que os agentes institucionais enfrentam os efeitos de uma hierarquia

de posições que, em si mesmas, são vazias. Os atores sociais, assim como no tráfico de

drogas, apenas transitam, vão e vêm, as posições permanecem51.

O Salve Geral e a disciplina do Comando

Até o momento, além de debruçar-me sobre o processo de constituição dos

disciplinas, procurei demonstrar que os ocupantes de tais posições de liderança são os

principais responsáveis pelo funcionamento da cadeia, atuando como representantes de

todos os internos perante os agentes institucionais. Vale ressaltar que os jovens da

população confiam na atuação dos disciplinas. Afinal, sabem que eles não operam em

benefício próprio, e sim, em nome da disciplina do Comando:

Ah, a disciplina é o dia a dia da cadeia, as regras impostas que têm que ser seguidas, é o que mantém a ordem. É respeitar o próximo pra você ser respeitado. É fazer o negócio andar, o negócio tem que andar certo52. É não deixar acontecer injustiça (…). É uma união (Jonas). A disciplina é uma palavra comum, tá ligado? É uma palavra que qualquer pessoa usa, mas dentro da Fundação a disciplina é tudo mano, a disciplina é o respeito, é a humildade, é a igualdade pelo geral (Caio).

Os depoimentos citados evidenciam o caráter norteador atribuído à disciplina do

Comando. Nota-se que as prescrições condensadas em tal categoria orientam a

51 Movimento semelhante é apontado por Biondi. A autora enfatiza que “na dinâmica do PCC existem posições políticas específicas que exacerbam e colocam em evidência as habilidades dos irmãos. Trata-se das funções do piloto, do faxina e a figura da torre que, longe de constituírem postos vitalícios ou atributos definitivos, (…), são ocupadas de forma transitória, o que lhes confere certa instabilidade e maleabilidade” (2010, p. 109-110; grifos da autora). 52 Para meus interlocutores, o certo é o Comando. Como ressalta Jonas, correr pelo certo é correr pelo Comando, ou seja, é estar lado a lado dos irmãos e seguir as suas orientações.

Page 18: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

310

experiência cotidiana dos adolescentes. Trata-se de um conjunto de códigos partilhado

por todos aqueles que correm com o Comando. A disciplina é o que assegura o respeito e a

igualdade entre aqueles que estão privados de liberdade. É o que possibilita a união entre

os internos. “A disciplina do Comando existe como estratégia que almeja o estabelecimento

da paz entre ladrões (…)” (Biondi, 2010, p. 171; grifos da autora).

Apesar dos disciplinas ocuparem posições de liderança no contexto das unidades

dominadas, é preciso atentar para o fato de que algumas decisões ultrapassam os muros

institucionais. Determinadas atitudes devem ser tomadas com o aval dos irmãos53. Certa

vez, Jonas contou-me que os disciplinas das unidades 1 e 12, complexo do Tatuapé, ao

saberem que os internos da UI-07 haviam sido agredidos por funcionários, entraram em

contato com integrantes do PCC:

Foi quando chegaram e explicaram o que tava acontecendo lá e os irmãos falou: quer virar54 essa porra pode virar. Manda vê. Não adianta, tem que ter alguém mais estruturado e com um poderio maior pra avaliar suas ideias. (…) a maioria das coisas, das atitudes que tem que ser tomadas ali [nas unidades de internação] você vai chegar em um irmão.

Tal procedimento demonstra que os disciplinas não atuam sozinhos. Sempre que

possível, entram em contato com integrantes do Partido. De fato, são eles os principais

responsáveis pelas relações estabelecidas com os irmãos, o que não significa que tais

internos sejam membros batizados do Comando55. Como sugere Caio:

Nóis é a sintonia dos cara (…). Eu sou sintonia dos cara. Corro com os cara [do Comando], mas tô do lado de fora, de fora [não sou batizado], mas seguindo a doutrina de dentro.

A narrativa do adolescente, ao mesmo tempo em que aponta para a inexistência

de irmãos no interior das unidades dominadas, evidencia que os internos seguem as

53 Os irmãos são os membros batizados do Comando. “A entrada no PCC só pode ser feita mediante convite e indicação de dois irmãos” (Biondi, 2010, p. 99). 54 Virar é o mesmo que provocar uma rebelião. Para pressionar a direção do complexo, os adolescentes de uma determinada unidade de internação, ao saberem que internos de outras unidades estão sendo oprimidos por funcionários, ameaçam virar a própria cadeia. 55 Ao enfatizar que os internos que cumprem medida socioeducativa nas unidades dominadas não são irmãos, isto é, não são batizados, distancio-me das abordagens, sobretudo jornalísticas, que insistem em afirmar que os adolescentes são membros do PCC. Algumas publicações chegam a sugerir a existência de uma espécie de PCC Mirim, tal como a matéria veiculada pelo jornal Agora São Paulo em 16 de maio de 2010: “Facção tem ala mirim dentro da Fundação CASA”.

Page 19: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

311

instruções do Comando. Tais orientações, quando precisam ser amplamente divulgadas,

são transmitidas por meio do Salve Geral:

O Salve Geral é uma comunicação do Comando. Quando revoluciona alguma caminhada, por exemplo, em 2006 teve os atentado. Em 2007, veio o salve geral da paz, a bandeira branca56. O salve da paz foi comunicado a todo mundo (Caio).

Ao questionar meus interlocutores sobre a procedência de tais comunicados, os

adolescentes enfatizam que o Salve Geral parte de algumas penitenciárias, sendo enviado

pelos final do bagulho, pelas torres. Tal afirmação corrobora com os dados obtidos por

Karina Biondi. Segundo a autora, “as torres são as posições políticas das quais partem as

diretrizes, comunicados e recomendações do Partido para todas as suas unidades, os

chamados salves” (2010, p. 123; grifos da autora). Contudo, isso não significa que os

disciplinas estabelecem relações diretas com os presos que ocupam a posição de torre. Os

salves57 que chegam às unidades dominadas são transmitidos por irmãos que atuam dentro e

fora do sistema penitenciário paulista. Os disciplinas, como ressalta Caio, mantêm

relações:

(...) com o Comando na rua e o Comando na cadeia, CDP [Centro de Detenção Provisória], penitenciária, nóis tem essa sintonia. Com os cara que tão aqui fora, que passa o que que tá acontecendo aqui fora, o que que nóis tem que fazer lá dentro58 e os cara que tá em outras cadeia, que nóis não tá no mesmo ritmo que eles, eles passa o ritmo pra nóis (…).

56 Como ressaltam meus interlocutores, quando a bandeira branca tá de pé significa que a paz deve reinar dentro da cadeia, isto é, os internos devem evitar os motins e as rebeliões. Tal orientação, segundo os adolescentes, teria sido transmitida por integrantes do Primeiro Comando da Capital entre meados de 2006 e o início de 2007, após os acontecimentos que ficaram conhecidos como os Ataques do PCC. Dias, ao discorrer sobre a vigência da bandeira branca nos estabelecimentos prisionais, salienta que “uma questão interessante, mencionada por vários entrevistados, diz respeito a um suposto período de paz nos presídios paulistas, os quais estariam com uma 'bandeira branca hasteada' em função de um acordo feito com o governo do estado, após numerosos ataques do PCC contra as instituições de segurança pública – polícia, judiciário e sistema prisional” (2008, p. 257). Ainda segundo a autora, durante a vigência da bandeira branca, os presos procuram evitar as brigas, as confusões e os motins. No que concerne à Fundação CASA, entre os últimos meses de 2006 e meados de 2009, período em que estive em campo, enfatizo que não presenciei a ocorrência de nenhum motim. 57 É importante atentar para a plasticidade de tal categoria. Em algumas ocasiões, ao entrar na unidade, os adolescentes diziam: salve professor. Outras vezes, quando os jovens sabiam que eu estava indo para outra unidade, perguntavam: tem como mandar um salve lá pros mano? 58 No dia 15 de maio de 2006, durante os Ataques do PCC, os disciplinas da unidade de internação 29, complexo de Franco da Rocha, receberam um salve de um irmão que atuava em uma quebrada localizada no município de Jundiaí, o que evidencia que os contatos não são travados apenas entre indivíduos que estão no interior das instituições de controle social. Desceu uma ordem pra arrebentar o bagulho [a unidade]. Os cara falou: se vocês fecha com nóis, pode arrebentar (Jonas).

Page 20: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

312

Diante de tais considerações, argumento que os disciplinas, por meio dos salves,

obtêm informações sobre o modo de operação do Comando. A seguir, apresento um salve

enviado para as unidades dominadas em setembro de 2008. Em tal comunicado, os irmãos

discorrem sobre as medidas que devem ser adotadas em relação àqueles que

abandonarem o convívio:

Salve Geral

A sintonia deixa todos cientes que a partir dessa data 26-09-08 fica decidido que todos em geral que vier a correr da cadeia59 seram analisados caso a caso e teram o seguinte critério.

1º item - no caso de ser irmão ou irmã de inicio o mesmo já será automaticamente excluído sem direito nenhum para retornar, em seguida seram colhidas as opiniões de todos os irmãos que convivem no mesmo pavilhão juntamente com os pilotos geral das faculdades [prisões] para ser decidido que possa a quem correu da cadeia acabe [tendo] uma oportunidade de vida e de retornar para o convívio [mesmo sendo excluído do PCC, dependendo do caso, o ex-irmão poderá retornar para o interior da unidade prisional].

2º item - no caso de ser companheiro [não ser irmão] seram colhidas as opiniões de todos os irmãos e companheiros que convivem no mesmo pavilhão para o companheiro que correu [ter] a mesma oportunidade de vida [e] de retorno para o nosso convívio. Deixamos bem claro para todos que o salve que já foi passado anteriormente foi elaborado nos intuitos de estar acabando e revertendo todas essas situações mas infelizmente não acabou e sabemos que isto não vai acabar entretanto não podemos nos esquecer das decisões e atitudes anteriores que foram tomadas pois quem correu [da cadeia] foi de livre espontânea vontade, o intuito desses novos salves é para deixar bem claro para todos que somos a favor da oportunidade e da vida, e só não seram tolerados casos irreversíveis.

Ass.: Sintonia Geral

O conteúdo das mensagens enviadas por meio dos salves permite que os disciplinas

tenham acesso aos procedimentos adotados pelos irmãos nas instituições prisionais em

que o Partido atua. Ao questionar Carlos, piloto da UI-38, sobre a importância dos salves

para os internos que cumprem medida socioeducativa nas dominadas, o jovem enfatizou

que: é pra nóis saber a doutrina atual, as mudança e pá.

De fato, é possível constatar que os disciplinas colocam em prática, não sem

adaptações, as recomendações sugeridas pelo Comando. No salve descrito acima, vale

lembrar que os irmãos enfatizam que são a favor da oportunidade e da vida. Aqueles que 59 Correr da cadeia é o mesmo que pedir para sair da unidade prisional, isto é, sair do convívio. Em alguns casos, seja por dívidas contraídas no interior da prisão, seja por desrespeitar a visita de um outro interno, o preso pede proteção à administração prisional, sendo enviado para o seguro da unidade.

Page 21: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

313

abandonarem o convívio serão analisados caso a caso. O trecho que apresento a seguir,

escrito em meados de 2009 por um dos pilotos da Unidade de Internação 37, complexo

Raposo Tavares, aponta para possíveis conexões:

Fortalecemos para evitar os erros, e se acontecer de errar, que todos somos sujeitos aos mesmos, analisaremos o cotidiano da pessoa e se ele vem de uns dias errando nas mesmas situações talvez não será merecedor de oportunidade, agora se o mesmo vem demonstrando ser uma pessoa disciplinada e interessada em absorver visões, receberá oportunidade (Eduardo).

De fato, é possível estabelecer aproximações entre os procedimentos adotados

pelos irmãos e o modo de operação dos disciplinas. No contexto das unidades dominadas,

assim como nas unidades prisionais e nas quebradas em que os irmãos atuam, aqueles que

cometem erros são avaliados de acordo com as suas respectivas caminhadas, afinal, cada

caso é um caso. Ainda que o adolescente tenha cometido diversos erros, caso ele incorra

em nova falha, a punição não será imediata. Seu histórico será reavaliado. Se o interno

estiver disposto a rever o seu comportamento e absorver as instruções fornecidas pelos

disciplinas, ele provavelmente receberá oportunidade. Segundo Caio, a semelhança no modo

de operação adotado por todos aqueles que fecham com o Partido, seja em unidades de

internação para adolescentes, seja em unidades prisionais ou mesmo em determinadas

áreas urbanas, deve-se ao fato de que tais territórios são atravessados pela doutrina do

Comando. É por esse motivo que a dinâmica de funcionamento das unidades de

internação dominadas, ainda que haja especificidades, não se restringe ao lado de dentro

dos muros institucionais.

Tendo em vista tais considerações, enfatizo que os comunicados e as orientações

transmitidos por meio do Salve Geral são destinados a todos aqueles que seguem as

diretrizes do Comando. Não importa se os receptores estão em penitenciárias, Centros de

Detenção Provisória, determinadas unidades de internação para adolescentes ou áreas

urbanas. O Salve Geral implode tais fronteiras, conectando territórios. Alcança os espaços

em que atuam todos aqueles que correm lado a lado com o Comando.

Fábio Mallart Mestrado em andamento, PPGAS/USP

Page 22: Salve geral: áreas urbanas, instituições prisionais e ... · trajetória de Caio, ... alto o suficiente para que todos os jovens saiam correndo da sala de aula13. ... Aproveito

@ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.1, jan.-jun., p.293-314, 2011

Dos

siê

314

Resumo: A atuação de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) dentro e fora do sistema penitenciário paulista configura-se como fenômeno social recente. No texto que ora apresento, tendo como ponto de partida os “ataques do PCC”, realizados em maio de 2006, pretendo refletir sobre as relações estabelecidas entre membros do Comando, também conhecidos como irmãos, e adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação na Fundação CASA. Para tanto, discorro sobre o Salve Geral, categoria “nativa” que aponta para a existência de conexões entre áreas urbanas, instituições prisionais e unidades de internação para adolescentes. Palavras-chave: PCC, Fundação CASA, Salve Geral.

Abstract: The action of members from Primeiro Comando da Capital (PCC) inside and outside the state of São Paulo's penitentiary system is a recent social occurrence. The PCC attacks, which occurred in May 2006, are the starting point for this text, which intends to consider the relations established among the members of the Comando, also known as irmãos, with the teenagers confined in the Fundação CASA under social-educational intern measures. For that, considerations are made about the Salve Geral, a “native” category which points towards the existence of connections among urban areas, prisons and confinement units for teenagers. Keywords: PCC, Fundação CASA, Salve Geral.

Referências bibliográficas

BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2010. 245 p.

BOURDIEU, Pierre. Por uma ciência das obras. In: Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996. 231 p.

DIAS, Camila Caldeira Nunes. A igreja como refúgio e a bíblia como esconderijo: religião e violência na prisão. São Paulo: Humanitas, 2008. 294 p.

DOWDNEY, Luke. Crianças do tráfico: um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003. 270 p.

FELTRAN, Gabriel de Santis. Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos. Revista Temáticas, ano 30, v.15, p.11-50, 2007.

_________________________. Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, 2008.

KOFES, Suely. Itinerário, em busca de uma trajetória. In: Uma trajetória, em narrativas. Campinas: Mercado de Letras, 2001. 192 p.

MARQUES, Adalton. Crime, proceder, convívio-seguro: um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, 2009.

MIRAGLIA, Paula. Rituais da violência: a febem como espaço do medo em São Paulo. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, 2001.

Recebido em: 02/09/2011 Aceito para publicação em: 02/09/2011