Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

3
7/21/2019 Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a http://slidepdf.com/reader/full/salazar-e-a-igreja-8d31d324-eb8f-47aa-a323-ea6ce941785a 1/3 Salazar e a Igreja(*) (...) FINS DA CONFERÊNCIA A Conferência destina-se a expor às forças políticas do regime certo número de problemas da actualidade portuguesa nos domínios político, social e económico; e, como primeiro acto duma campanha eleitoral, a fazer solenemente a proclamação do candidato à Presidência da República. (...) O REGIME E A IGREJA Portugal nasceu à sombra da Igreja, e a religião católica foi desde o começo elemento formativo da alma da Nação e traço dominante do carácter do povo  português. Nas suas andança pelo mundo - a descobrir, a mercadejar, a  propagar a fé - impôs-se sem hesitações a conclusão: português, logo católico. Tiveram o restrito significado de lutas políticas e não de questão religiosa os dissídios dos primeiros séculos entre os Reis e os Bispos e os que mais tarde envolveram os governos e a cúria. Na nossa história nem heresias nem cismas; apenas vagas superficiais que, se atingiam por vezes a disciplina, não chegavam a perturbar a profunda tranquilidade da fé. A adesão da generalidade das consciências aos princípios de uma só religião e aos ditames de uma só moral, digamos, a uniformidade católica do País foi assim, através dos séculos, um dos mais poderosos factores de unidade e coesão da Nação  portuguesa. Portanto factor político da maior transcendência; e por esse lado nos interessa. Em virtude daquela mútua incompreensão a que aludira Garret - nós não compreendemos o frade... - o constitucionalismo recém-nascido destruiu as ordens religiosas, e com esse golpe não só diminuiu o potencial humano de apostolado, mas as riquezas afectas ao serviço religioso e às obras de assistência. Prudentemente, decerto para que nem tudo se perdesse, alguns  bens apareceram transferidos para o património do Estado e dos políticos, mas a Igreja sofreu com o empobrecimento - que aliás é o menos - e através das restrições do princípio associativo, o mais duro golpe do século. E pode dizer- se que não mais se refez. A consequente baixa cultura católica do povo não teve nos nossos dias senão um equivalente na incultura religiosa da massa dos dirigentes. A lei de separação de 1911 é na forma e essência das disposições a tradução de um

Transcript of Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

Page 1: Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

7/21/2019 Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-e-a-igreja-8d31d324-eb8f-47aa-a323-ea6ce941785a 1/3

Salazar e a Igreja(*)(...)

FINS DA CONFERÊNCIA

A Conferência destina-se a expor às forças políticas do regime certo número

de problemas da actualidade portuguesa nos domínios político, social e

económico; e, como primeiro acto duma campanha eleitoral, a fazer

solenemente a proclamação do candidato à Presidência da República.

(...)

O REGIME E A IGREJA

Portugal nasceu à sombra da Igreja, e a religião católica foi desde o começo

elemento formativo da alma da Nação e traço dominante do carácter do povo português. Nas suas andança pelo mundo - a descobrir, a mercadejar, a

 propagar a fé - impôs-se sem hesitações a conclusão: português, logo católico.Tiveram o restrito significado de lutas políticas e não de questão religiosa os

dissídios dos primeiros séculos entre os Reis e os Bispos e os que mais tarde

envolveram os governos e a cúria. Na nossa história nem heresias nem cismas;apenas vagas superficiais que, se atingiam por vezes a disciplina, não

chegavam a perturbar a profunda tranquilidade da fé. A adesão da

generalidade das consciências aos princípios de uma só religião e aos ditames

de uma só moral, digamos, a uniformidade católica do País foi assim, atravésdos séculos, um dos mais poderosos factores de unidade e coesão da Nação

 portuguesa. Portanto factor político da maior transcendência; e por esse lado

nos interessa.

Em virtude daquela mútua incompreensão a que aludira Garret - nós não

compreendemos o frade... - o constitucionalismo recém-nascido destruiu asordens religiosas, e com esse golpe não só diminuiu o potencial humano de

apostolado, mas as riquezas afectas ao serviço religioso e às obras de

assistência. Prudentemente, decerto para que nem tudo se perdesse, alguns bens apareceram transferidos para o património do Estado e dos políticos, mas

a Igreja sofreu com o empobrecimento - que aliás é o menos - e através dasrestrições do princípio associativo, o mais duro golpe do século. E pode dizer-

se que não mais se refez.

A consequente baixa cultura católica do povo não teve nos nossos dias senão

um equivalente na incultura religiosa da massa dos dirigentes. A lei deseparação de 1911 é na forma e essência das disposições a tradução de um

Page 2: Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

7/21/2019 Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-e-a-igreja-8d31d324-eb8f-47aa-a323-ea6ce941785a 2/3

 jacobinismo atrasado de cem anos que desconhecia tanto o fenómeno religioso

em si mesmo como a importância do factor católico na consciência nacional.A mesma possibilidade da existência das missões católicas no Ultramar que

mais tarde se admitiu, foi pelo seu cunho de transigência e pela inópia de

meios a confirmação de que era adversa a finalidade geral. Numa Europa que,àparte a Espanha e porventura a Itália, perdera a unidade da fé, mas em que a

liberdade religiosa estava legalmente assegurada, o Estado atribuiu-se em

Portugal um fim teológico negativo - desenraizar o catolicismo da alma do

 povo nalgumas gerações. E lá se foi o resto dos bens.

 Neste montão de escombros materiais e morais, a Concordata de 1940 deveser considerada, no domínio religioso, como a reparação possível das

espoliações passadas e a garantia da liberdade necessária à vida e à disciplina

da Igreja, ao exercício do culto e à expansão da fé. Mantendo o princípio da

Separação como mais consentâneo com a divisão dos espíritos e a tendênciados tempos, ela dá à Igreja a possibilidade de se reconstituir e mesmo de vir a

recuperar por tempos o seu ascendente na formação da alma portuguesa. Sob

o aspecto político, a Concordata pretende aproveitar o fenómeno religiosocomo elemento estabilizador da sociedade e reintegrar a Nação na linha

histórica da sua unidade moral.

Ora bem. A Igreja não tomará, não pode tomar posição num debate político:

mas os católicos não podem manter-se indiferentes às suas consequências.

 Não vi ainda nada que expressamente se referisse ao problema religioso; mas

conhecemos os homens e as suas ideias; sabemos das lligações ecompromissos subterrâneos que mais uma vez pretenderiam impôr-se à

 Nação; vimos escrita a intenção genérica de destruir a obra realizada nos

últimos vinte anos. Não era porém necessário anunciar o propósito: nem a

questão religiosa seria reposta nos mesmos termos. Tornou-se hoje correnteem muitos países que se deixam dominar pelas chamadas forças libertadoras,

acusar Deus de conspirar contra o Estado...

(...)

O REGIME E A SUA EVOLUÇÃO FUTURA

(...)

Temos de reconhecer que não alcançámos ainda soluções satisfatórias para

todos os problemas constitucionais do regime, e só por esse motivo este deve

admitir reformas mais ou menos vastas. Isto é uma questão: outra é saber seestá sujeito a revisões sucessivas o conjunto dos seus princípios e dos seus

caracteres essenciais. Se isso pudesse ser é que o regime, em vez de saudáveltendência para progredir e aperfeiçoar-se, teria consagrado o princípio da sua

Page 3: Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

7/21/2019 Salazar e a Igreja 8d31d324-Eb8f-47aa-A323-Ea6ce941785a

http://slidepdf.com/reader/full/salazar-e-a-igreja-8d31d324-eb8f-47aa-a323-ea6ce941785a 3/3

mesma instabilidade e desenvolvido no seu seio o germe da sua própria

destruição. Todos porém estarão de acordo em que este facto criaria à vida política nacional uma série de crises lamentáveis, sempre que se devesse

recorrer ao eleitorado.

Os que, tendo servido nas organizações políticas do passado, têm persistido

em não dar ao País a sua colaboração de homens públicos através da actualsituação política, só pensam no retorno à livre organização dos partidos; e não

há dúvida de que o excessivo recurso ao eleitorado de tipo individualista lhes permite alimentar esperanças de regressão. Mas não há também dúvida de que

 por tal caminho se assistiria de novo à agitação e fragmentação partidária, àmesma desordem parlamentar, à mesma instabilidade governativa, à mesma

impotência constitucional ou efectiva do Chefe do Estado. E esta seria ainda a

melhor hipótese.

 Não. O regime não tem de destruir-se; tem de completar a sua evolução e acrise actual patenteia a todos essa necessidade. Não tem de admitir ou enxertar

na sua estrutura os princípios contrários, mas tem de desenvolver a aplicaçãodos próprios. E, não devendo ser precipitada, essa evolução terá de realizar-se

sem paragens e sem hesitações. Pelo menos deverá ser esta a última vez em

que é tecnicamente possível um golpe de Estado constitucional.

(...)

A Oposição vai fazer a sua campanha eleitoral, pregar nos termos mais pacíficos, já se vê, a sua guerra civil . Suponho que pouco dirá de questõesconcretas e instantes da Nação, porque não lho permitem a heterogeneidade

dos seus elementos constitutivos, as divergências ideológicas e o cuidado de

não pôr a descoberto o apoio dos comunistas. Vai por isso insistirespecialmente na campanha da Liberdade, como único ponto possível de

acordo, aliás provisório. Da Liberdade esperará que desabrochem depois

espontaneamente a ordem, a prosperidade, as soluções práticas dos problemas.Sendo assim, revelar-se-á que está ultrapassada pelas ideias e realidades do

nosso tempo e pertence ainda - sombras vagas, errantes - a um passado que

não pode ressuscitar.

(...)

(*) Excertos de «O Meu Depoimento» (discurso de Salazar na sessãoinaugural da II Conferência da União Nacional, no Porto, em 7 de Janeiro de

1949)