salão-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-acção
-
Upload
jorge-malaia-goncalves -
Category
Documents
-
view
215 -
download
0
Transcript of salão-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-acção
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
1/7
Quarta-feira, 4 de Julho de 2007
arte enquanto aco | recenso crtica
Joo Fiadeiro
O real enquanto palco
O que motiva os artistas a exprimirem-se atravs da
realizao de uma aco, no fenmeno artstico
contemporneo?
Num contexto de produo artstica que se pretende hoje
democrtico, sem condicionantes nem limitaes, em que
medida a escolha da performance, da aco ou da
situao, pode ser um indicador sociolgico, de posturas
culturais, polticas ou ideolgicas dos artistas?
apontamento histrico
Ainda que no pretenda afunilar um conjunto de propostas artsticas para a definio de performance,parece-me porm relevante assinalar os factores que se revelaram mais consequentes no mbito deste
media, inclusive para a prtica artstica contempornea.
Robert Morris
Desde as primeiras vanguardas, a performance realizada por
dadastas, futuristas e surrealistas traz para a esfera da arte a aco
e o fascnio pela abolio dos formatos artsticos convencionais.
Num segundo momento, o das neo-vanguardas da dcada de
sessenta e setenta, a miscelanizao dos formatos artsticos e a
diluio das identidades de cada tipo de produo permite que em
determinadas aces, arte, dana, teatro e msica quase se diluam
enquanto entidades independentes.
Roselee Goldberg definiu performance art, no seu aspecto mais
amplo, como qualquer aco artstica que realizada perante um
pblico, num determinado espao e momento. Na dcada de
setenta, a arte conceptual (...) estava no seu apogeu e a
performance foi, frequentemente, uma demosntrao ou execuo
dessas ideias. ()Os gestos vivos foramutilizados constantementecomo uma arma contra as convenes de arte estabelecidas.[1]
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
2/7
Neste contexto, so relevantes os happenings, de
que Allan Kaprow figura carismtica; a influncia
de John Cage e das suas composies
influenciadas pelos sons do quotidiano, de Black
Mountain College, do coregrafo Merce
Cunningham e da sua tcnica de desconstruo da
dana e introduo de movimentos banais do
quotidiano.
Vitto Aconci
Imagens com bastante impacto ficaram-nos tambm de artistas da body-art que usaram o corpo para
explorar questes sociais, polticas, de identidade, de gnero, violncia e risco, sexualidade e
primitivismo, como Chris Burden, Otto Mhl, Marina Abramovic, Vitto Aconci, , Bruce Naumann, Denis
Oppenheim, Carolee Schneemann, entre outros.
O legado da action painting de Jackson Pollock foi relevante, nomeadamente para Allan Kaprow, ao
diluir os limites da tela e do campo de aco da pintura, uma vez mais contrariando as convenes pr-
estabelecidas. Novas possibilidades eram colocadas sem restrio, no sentido da desmaterializao da
obra de arte. Essa abertura total dos limites encontrou tambm na performance um meio de criaosignificativo um manifesto pblico em primeira pessoa.
Os happenings de Allan Kaprow, com a participao do pblico e, pela sua postura artstica
intrnsecamente envolvida com a vida quotidiana, estimularam a produo artstica no snos E.U.A.,
Joseph Beuys
como na Europa, com repercusses em
movimentos como Fluxus, nomeadamente na
obra de Joseph Beuys.
A espontaneidade associada aos happenings e
performance, directamente relacionava a arte
com a vida real, elo que constitua uma das
preocupaes tericas e artsticas de Kaprow.
Esta conscincia de produo artstica que
reflectia sobre os contextos sociais e polticos
reais, agia sobre e nesses mesmos contextos, viria a ser crucial para os desenvolvimentos artsticos das
dcadas seguintes, inclusive para a produo artstica contempornea.[2]
consideraes sobre o presente
A performance, no fenmeno artstico contemporneo, conflui com maior intensidade para uma
pluridisciplinaridade que integra reas to diversas como as artes visuais, a dana, o teatro, a msica e
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
3/7
o som, o cinema, entre outras. A sua definio hoje mais abrangente e heterognea, mas aborda
predominantemente questes do quotidiano e do real. No relevante aqui catalogar gneros artsticosou media, porque importa, antes de mais, reflectir sobre a aco como obra de arte.
Dan Graham
Obras que se podem designar de instalaes
ou esculturas como o trabalho de Dan Graham:
Public Space/ Two Audiences (1976), mas que
convocam participao do espectador e ao
confronto consigo prprio como,
simultaneamente, emissor e receptor de uma
aco, podero conter um carcter de
performatividade? As duas salas cada qual com
entrada mas com um vidro semi-reflector entre
elas, permitem, simultaneamente, colocar o
espectador no papel de actor, ao confrontar-se com o grupo de espectadores da outra sala e com a sua
imagem semi-reflectida no vidro.
No trabalho de Sophie Calle Hotel Room no. 28 (1981), em que a artista trabalha durante um perodo
como empregada de quarto de um hotel em Veneza e regista fotograficamente as imagens dos quartos
depois de usados pelos seus hspedes, haver uma componente performativa no processo desta obra?
No contraria esta afirmao o pressuposto de que a performance exige um pblico consciente do seu
Cindy Schermann
papel de receptor?
Na obra de Cindy Schermann e Jeff Wall,
dado o recurso encenao registado
atravs da fotografia, poder a performance
ser entendida como palco de imagens
construda em torno do corpo do artista ou de
outros?
A obra Street Museum do colectivo
Cambalache (1998-2002) em que o grupo de
artista escolhe o espao pblico como local
de mostra das suas obras considerada uma
aco, uma vez mais, como forma de protesto
contra convenes estabelecidas.A obra de
arte regressa tambm rua, em muitos
casos, com propsitos de alerta para questes sociais e polticas, quando os outros media so
insuficientes ou inadequados para esse determinado projecto artstico.
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
4/7
Uma aproximao ao contexto portugus, sem que nos detenhamos muito em abordagens histricas,
permite constatar a existncia de alguma prtica performativa realizadas por artistas plsticos, desde a
dcada de oitenta, nomeadamente Gerardo Burmester, Albuquerque Mendes, Antnio Olaio, Fernando
Aguiar, entre outros. Nos anos noventa, estas aces tiveram seguimento no trabalho de vrios artistas
como Pedro Tudela, Francisco Tropa, Paulo Mendes e, simultaneamente mas, no mbito da dana
contempornea, assitiu-se ao surgimento da chamada nova dana portuguesa.
Um grupo de jovens coregrafos portugueses
sediados em Lisboa, mas com formao que
passou pela internacionalizao, como Vera
Mantero, Joo Fiadeiro, Francisco Camacho, Paulo
Ribeiro, Olga Roriz, entre outros, deram corpo a umtrabalho muito reconhecido, bastante consciente
dos campos-de-fora que rodeiam e (in)formam os
diferentes corpos que cada um encena. (...) Quer
trabalhem com o seu corpo prprio, quer com o
corpo de outrm, o corpo lucidamente entendido
como intensivamente preso aos, e construdo e
destrudo pelos, mltiplos e variadssimos discursos
que atravessam a sociedade portuguesa de hoje.
Discursos de nao, de modernidade, de periferia,
de Europa, de filiaes dramatrgicas e
performativas (...)[3].
Esta gerao de performers e coregrafos surge num contexto
internacional igualmente frtil, de personagens com um trabalho j
consistente como o caso de Trisha Brown, Merce Cunningham,
William Forsythe, ou Pina Bausch e Raimund Hoghe e de uma
nova gerao de performers de que citarei s alguns: Mathilde
Monnier, Emmanuelle Huynh, Meg Stuart, Jrme Bell, Xavier Le
Roy, La Ribot, Boris Charmatz, DV 8, Fura del Baus, etc.
Analisar este tipo de filiaes (ou desvinculaes) entre a
performance art, as aces de artistas com a dana
contempornea e o Tanztheater ou outro tipo de artes
performativas para mim uma temtica complexa, porm, a
desenvolver numa fase posterior.
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
5/7
A partir do final da dcada de noventa, as mais recentes geraes de artistas portugueses tm vindo a
desenvolver e promover performances e exposies informais, que encontram lugar em espaos, de si
tambm experimentais, mais ou menos independentes e efmeros. Refiro-me ao contexto particular da
cidade do Porto que, embora descentralizada no panorama nacional, tem revelado uma vontade
efervescente destes jovens artistas em intervir na construo das suas prprias condies de produo
e mostra de arte.
Entre os principais exemplos de lugares informais
criados por artistas em Portugal constam: a Z dos Bois
(1994, Lisboa), os espaos Art Attack (1996, Caldas da
Rainha), o W.C. CONTAINER (1999-2001, Porto),
Caldeira 213 (1999, Porto), PSSEGOprSEMANA(2001, Porto), IN.TRANSIT (2002, Porto), Salo Olmpico
(2003-2006, Porto), o Mad Woman in the Attic (2005,
Porto), o Projecto Apndice (2006, Porto), A Sala (2006,
Porto) [4] e Senhorio (2006, Porto).
Afirmam-se como alternativa aos espaos
institucionalizados das galerias e dos museus, cujaAndr+Guedes
selecco se rege via legitimao de crticos de arte e galeristas e por imposies de mercado. Nestes
novos espaos, o estmulo e a liberdade criativa conquistam condies mais favorveis, sem as
condicionantes programticas e as exigncias burocrticas dos espaos convencionais.
A esta espontaneidade de apropriao dos lugares, os artistas respondem com propostas tambm elas
interventivas pela sua no convencionalidade: o desenho, mas tambm a performance, adquirem uma
visibilidade considervel.
No Salo Olmpico, a mostra de performances denominada Quando um minuto se arrasta, ()
pretende tornar visveis as criaes na rea das artes performativas, possibilitando a sua realizao e
discusso, e constata ela prpria um corpo de trabalho emergente na actual produo artstica
portuguesa e tambm a diversidade de artistas provenientes das mais diversas reas artsticas a
trabalhar na rea.[5]
O espao A Sala um projecto de mostra de criaes performativas
que tem lugar na sala de habitao na baixa do Porto. Uma vez por
ms apresenta projectos performativos de autores de diversas
reas (artes plsticas, msica, dana, teatro, entre outras).
programado por Antnio Lago e Susana Chiocca.[6]
A Sala recebeu as propostas deAntnio Lago, Carla Filipe, Dandy,
Nuno Ramalho, Arminda Sousa Reis e Francisco Dinis, ManuelAntnio Lago
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
6/7
Santos Maia, Rogrio Nuno Costa, Julien Saglio, Carla Cruz e ngelo Ferreira de Sousa, Ana Ulisses e
Gustavo Sumpta. Outros espaos acolheram trabalhos performativos de muitos outros artistas e, citando
s alguns que me recordo: Susana Chiocca, Andr Sousa, Vera Mota, Guilherme Garrido, Miguel
Pereira, entre muitos, muitos outros.
De volta ao domnio do espao do real/espao pblico, alguns artistas realizam aces artsticas, com o
seu corpo, com o de outros ou propondo o corpo do traseunte. Reflectem uma clara vontade de intervir
ali, artsticamente, num determinado momento do seu processo de trabalho, justificando-se como sendo
o media que melhor transmite o que desejam e que lhes d a visibilidade que o projecto exige.
Carla Cruz
Alargando a esfera da performatividade a
propostas artsticas que dela se servem
para criar imagens que so posteriormenteregistadas sob formato vdeo ou
fotogrfico, ou de artistas que criam
objectos que implicam a aco de outros
em contextos mais ou menos pblicos,
arrisco citar os exemplos de artistas como
Carla Cruz, ngelo Ferreira de Sousa,
Andr Guedes, Isabel Carvalho, Edgar
Martins, Ricardo Jacinto, Sancho Silva,
Francisco Tropa, entre tantos outros.
Seria aqui pertinente para esta reflexo debruar-me sobre alguns dos trabalhos apresentados nestes
espaos pblicos, semi-pblicos ou privados. Porm, esse desenvolvimento segue num captulo
seguinte. Por agora, deixo que a palavra do artista fale pelo seu trabalho, atravs de respostas que me
foram sendo dadas a algumas questes que pude levantar e que apresento de seguida.
Nuno-ramalho
medida que mais contactos forem estabelecidos no sentido de
uma compreenso alargada desta panplia de intervenes
artsticas, os registos sero aqui inscritos.
Deixava somente um breve comentrio: este recurso vivo e cada
vez mais presente de aces que so a proposta artstica em si,
reflecte a meu ver, alm da vontade de infringir os limites do
convencional, a vontade de agir no espao que a realidade social,
cultural e poltica, com recurso ao corpo-manifesto como meio mais imediato de fora e afirmao,
porque o contexto nacional, que tambm o dos artistas, assim os estimula. a condio de um pas
onde a modernidade se foi inscrevendo parca e tardiamente e que viveu margem das grandes guerras
do sculo, momentos esses motores em si de transformaes e movimentos sociais.
Pas que no viveu a convulses de um Maio de 68 e se liberta de uma ditadura de dcadas e de
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html
-
7/28/2019 salo-de-baile.blog - 2007-07-arte-enquanto-aco
7/7
isolamento claustrofbico somente em 1974. Talvez estas geraes recentes mostrem um
desprendimento consciente (ou no) de constrangimentos de um passado que Jos Gil chamou o medo
de existir nessa vontade de intervir, num pas que insiste numa passividade angustiante de no
questionamento.
[1] GOLDBERG, Roselee Performance Art. Desde el futurismo hasta el presente. Barcelona: EditionesDestino, S.A., 2001, pp. 7.
[2] HOFFMANN, Jens; JONAS, Joan Perform. London: Thames and Hudson, 2005, pp. 12.
[3] LEPECKI, Andr Corpo Atravessado, Corpo Intenso in Theaterschrift Nr. Extra, Dezembro, 1998, pp15, 16.
[4] JRGENS, Sandra Vieira Salo Olmpico in Catlogo exposio Salo olmpico 2003-2006.Fundao de Serralves, Centro Cultural Vila Flor, 2006, pp. 77.
[5] Idem, pp. 78.
[6] In Pressrelease do espao A Sala (cortesia Susana Chiocca).
Referncias Bibliogrficas:
BANDEIRA, Pedro - Projectos especficos para um cliente genrico. Porto: Dafne Editora, 2006.
CARLOS, Isabel - Helena Almeida Dias quasi tranquilos. Lisboa: Editorial Caminho, S.A., 2005.
Catlogo Andr Guedes. Outras rvores, outro interruptor, outro fumador e uma pea preparada.
Fundao de Serralves, 2005
Catlogo Comer o corao uma obra de Rui Chafes e Vera Mantero
Instituto das Artes, Agosto de 2004
Catlogo Documento 10+10. Contributo para uma cartografia de Dana Contempornea em
Portugal.Lisboa: Frum Dana/RE.AL, Abril 2001.
Catlogo Exposio Salo olmpico 2003-2006. Fundao de Serralves, Centro Cultural Vila Flor, 2006.
FAZENDA, Maria Jos - Momentos presentes Aspectos de dana independente em Portugal. Lisboa:
Livros Cotovia/Danas na Cidade, 1997.GOLDBERG, Roselee Performance Art. Desde el futurismo hasta el presente. Barcelona: Editiones
Destino, S.A., 2001.
HOFFMANN, Jens; JONAS, Joan Perform. London: Thames and Hudson, 2005
LEPECKI, Andr Corpo Atravessado, Corpo Intenso in Theaterschrift Nr. Extra, Dezembro, 1998.
Pressreleases das apresentaes d' A Sala - cortesia da artista Susana Chiocca.
salo de baile: alexandra balonahttp://salao-de-baile.blogspot.pt/2007/07/arte-enquanto-aco_04.html