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4 PLANETA TERRA JANEIRO 2011 LIXO NA baía, na altura da Zona Portuária: 40 anos de descaso e despejo de detritos na bacia hidrográfica

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4 PLANETA TERRA JANEIRO 2011 JANEIRO 2011 PLANETA TERRA 5

LIXO NA baía,na altura daZona Portuária:40 anos de descasoe despejo dedetritos na baciahidrográfica

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4 PLANETA TERRA JANEIRO 2011 JANEIRO 2011 PLANETA TERRA 5

A vidano lixo

Estudo revelabiodiversidadesurpreendente

na Baía deGuanabara

RENATOGRANDELLE

Em 1818, quando se dedicava à des-coberta de novas espécies no Riode Janeiro, o naturalista francês Jo-

seph Paul Gaimard confidenciou a ami-gos que não gostava de trabalhar na Baíade Guanabara. Tinha medo de que asmuitas baleias que nadavam por ali afun-dassem o seu barco. Hoje, a baía aindaprovoca temor — não devido aos cetá-ceos, há muito desaparecidos. O queafasta boa parte das 8 milhões de pessoasvizinhas desse ecossistema é a poluição.Em certas regiões, como a mais próximaà Refinaria Duque de Caxias (Reduc),qualquer forma de vida parece imprati-cável, tamanha é a quantidade de lixo.Mas uma nova pesquisa mostra que abaía, apesar das 20 toneladas diárias deesgoto ali despejadas, abriga uma biodi-versidade exuberante.

O levantamento é assinado pelo Cen-tro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes),em parceria com 70 profissionais de em-presas e universidade fluminenses. A pri-meira fase da “Avaliação ambiental daBaía de Guanabara”, como o projeto foibatizado, rendeu o mais extenso diagnós-tico do ecossistema. São 1.500 páginas deanálises de sedimentos, identificação decompostos químicos despejados na água,inventário ecológico e análise de costõese manguezais, entre outros.

Até o início do projeto — que, agora,entra em uma nova etapa —, os traba-lhos sobre a baía eram dispersos e pon-tuais. A análise do Cenpes ratificou es-tudos mais antigos e aprofundou discus-sões. Um dos enigmas destacados é porque aquele ecossistema, embora tão ata-cado, permanece vivo. A resposta estáno intercâmbio mantido entre ele e oOceano Atlântico. A cada 11 dias, me-tade da água da baía é “trocada”: sai dalirumo ao mar aberto, sendo prontamentesubstituída por outras correntes.

— A baía é um estuário tropical. Aágua salgada entra diariamente pelaforça das marés, por baixo, e a corren-te que já estava lá é expulsa por cima— explica Marcelo Vianna, professordo Departamento de Biologia Marinhada UFRJ e participante do projeto doCenpes. — Por isso, encontramos espé-cies oceânicas no meio da baía, comobagre africano e tilápia.

A mudança de águas transforma abaía em um berçário natural. Corvinas,linguados e camarões crescem ali e sóapós adultos buscam o Atlântico. Amaioria concentra-se logo na aberturado golfo, até a altura de Paquetá. Trata-

se da região mais funda — chega aos 55metros de profundidade — e mais in-fluenciada pelas correntes oceânicas.Até o tubarão-anjo, que atinge poucomais de um metro de comprimento, en-contra ali as suas presas.

O fundo da baía, porém, tem seus ha-bitantes, a maioria concentrada na Áreade Proteção Ambiental (APA) de Guapi-mirim. A região, ao nordeste da baía,conserva formações originais de man-gue. Esta vegetação repleta de raízes ser-ve de proteção para peixes e siris jovens,entre outros animais, impedindo que setornem alvos fáceis.

A baía que se revela nos estudos émais plural do que julgam os seus vi-zinhos. Vendo-a do litoral, é difícilacreditar que, em seu centro, há re-giões onde a profundidade pouco pas-sa de 5 metros. Parece impossível queali cheguem rios ainda limpos — elesexistem, embora venham de áreas ru-rais. Soa impossível a afirmação depesquisas de que as praias banhadaspela baía, em geral, têm areia mais lim-pa do que suas vizinhas oceânicas — odado, porém, é comprovado por diver-sas análises. E é justamente o pequenonúmero de banhistas nas praias daBaía de Guanabara que explica comoelas conseguem ser mais preservadas.

— Também foi impressionanteconstatar como não há registro de es-pécie extinta entre as que habitavam abaía — ressalta Vianna. — Há, sim, al-gumas cuja população está diminuin-do. É o caso dos botos, que se envol-vem em acidentes com redes e inge-rem muitos poluentes.

O cetáceo é um retrato da Baía deGuanabara mais lembrada: aquelacomparada a uma lixeira, e não a ber-çários. O ambientalista Mário Mosca-telli, que sobrevoa a Baía de Guanaba-ra há 13 anos, reconhece avanços noprograma de saneamento básico im-plementado pelo governo estadual,mas reivindica novos investimentos.

— O poder público não fez nada emquatro décadas. Agora, será obrigadoa compensar essa ausência nos próxi-mos cinco anos, até as Olimpíadas —decreta. — A ocupação desordenadae a ausência de políticas de habitaçãocontribuíram para o despejo de lixo nabaía. O Caju, onde desaguam os riosJacaré, Irajá, São João de Meriti, Sara-puí e Iguaçu, é particularmente crítico.As melhorias no saneamento farão di-ferença a médio e longo prazo. Agoraprecisamos de anúncios de medidasmais imediatas. ❁

Custodio Coimbra

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Normalmente lembradapor sua poluição, a Baíade Guanabara conservauma biodiversidadeexuberante, especialmenteem sua abertura (até aIlha de Paquetá) e nonordeste, próximo à APAde Guapimirim. Muitasespécies saem dali apenasna idade adulta.

O mapa ao lado mostra aconcentração de coprostanole colesterol em diversasregiões da Baía deGuanabara. O coprostanol éum marcador usado hádécadas para avaliar apoluição de ambientesaquáticos provocada pormateriais domésticos.Quanto maior a suapresença, mais sujo édeterminado setor

Cop/colesterol

0,32 - 0,50

0,50 - 1,0

4,5 - 6,04,

1,0 - 3,7

Sardinha Corvina Pescado

Bagreafricano

Tilápia LinguadoSiricapeta

Camarão rosa(camarão lixo) Maçarico

REDUC

RioMar

acan

ã

RioFar

ia

Rio Timbó

Rio

Faria-Timbó

Rio Irajá

Rio Sarapuí

Rio Iguaçu

Rio Estrela

Rio

Iri

ri

Rio Macacu

Rio Guaraí

Rio Caceribu

Rio

Alcânt ara

RioGuaxindi ba

Rio Imboassu

Rio das Pedras

Rio Jacaré

RioJoã

o Mendes

APA deGuapimirim

PONTE RIO-NITERÓI

PAQUETÁ

AS ESPÉCIES MAIS COMUNS NA BAÍA

BAÍA DEGUANABARA

BAÍA DEGUANABARA

INDICADOR DE CONTAMINAÇÃO POR ESGOTOS EM SEDIMENTOS ÍNDICE DE QUALIDADE DOS SEDIMENTOS

NITERÓI

SÃO GONÇALO

MAGÉ

GUAPIMIRIM

DUQUE DECAXIAS

SÃO JOÃODE MERITI

RIO DE JANEIRO NITERÓI

SAIBA MAIS SOBRE O ESTUDO NA BAÍA DE GUANABARASAIBA MAIS SOBRE O ESTUDO NA BAÍA DE GUANABARA

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Os sedimentos sãoavaliados de acordo comdiversos critérios, comoecotoxicidade econcentração desubstâncias químicas.Quanto maior o índice,menos danosos são ossedimentos ao meioambiente

IQS

3,0 - 44 (pobre)

45 - 59 (marginal)

60 - 79 (regular)

80 - 94 (bom)

95 - 100 (excelente)

Tubarãoanjo

BotoRaia Biguá Socó

Tilápia LinguadoSiricapeta

Camarão rosa(camarão lixo) Maçarico

REDUC

RioMar

acan

ã

RioFar

ia

Rio Timbó

RioFaria-Tim

Rio Irajá

Rio Sarapuí

Rio Iguaçu

Rio EstrelaR

ioIri

ri

Rio Macacu

Rio Guaraí

Rio Caceribu

Rio

Alcânt ara

RioGuaxindi ba

Rio Imboassu

Rio das Pedras

Rio Jacaré

RioJoã

o Mendes

APA deGuapimirim

PONTE RIO-NITERÓI

PAQUETÁ

RRRR

m

R

R

Suruí

São Joãode Meriti

Sarapuí

Iguaçu

Macacu

BAÍA DEGUANABARA

BAÍA DEGUANABARA

INDICADOR DE CONTAMINAÇÃO POR ESGOTOS EM SEDIMENTOS ÍNDICE DE QUALIDADE DOS SEDIMENTOS

RIO DE JANEIRO NITERÓI

SÃO GONÇALO

MAGÉ

GUAPIMIRIM

DUQUE DECAXIAS

SÃO JOÃODE MERITI

RIO DE JANEIRO

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Desconhecimentosobre fauna é grande

Maria de Fátima Guadalupe Menico-ni, consultora da área de Avaliação eMonitoramento Ambiental do Centrode Pesquisas da Petrobras (Cenpes),diz que os três anos de duração do pro-jeto permitiram realizar uma análiseinédita sobre a dinâmica da fauna quehabita a Baía de Guanabara.

— Sabemos agora, por exemplo,que a quantidade de espécies encon-tradas no inverno é mais expressivado que no verão — ressalta. — Emnosso levantamento, encontramos112 espécies de aves, sendo 45 aquá-ticas e 67 terrestres. Quinze eramameaçadas de extinção.

Algumas populações estão em fran-co processo de crescimento. O biguá éa espécie mais abundante. Seus sobre-voos têm sido flagrados com frequên-cia cada vez maior pelos realizadoresdo censo visual.

O monitoramento, no entanto, não

se restringiu aos animais. Uma área de-gradada já passou por um programa derevitalização: o Rio Estrela, um dosprincipais na porção noroeste (a maispoluída da baía) ganhou cerca de 26mil mudas entre 2005 e 2008.

Além do Estrela, os pesquisadoresacompanharam rios de outras zonas ur-banas e rurais. Na próxima etapa do es-tudo, a meta é traçar atividades em dezdeles. Também serão ampliados os tra-balhos em praias e costões rochosos.

— A relevância da baía não é devidaapenas às numerosas atividades eco-nômicas nas suas margens, mas tam-bém por suas características peculia-res do ponto de vista ambiental — opi-na o pesquisador Marcelo Vianna, doDepartamento de Biologia Marinha daUFRJ. — A riqueza na biodiversidadeda baía deve-se à quantidade dos ecos-sistemas encontrados. Há manguezais,ilhas, costões rochosos, praias, substra-

tos artificiais, fundos de lama, desem-bocaduras de riachos...

A riqueza de espécies, no entanto,tem sido negligenciada ao longo dosanos. A primeira ameaça é a própriafalta de conhecimento sobre as formasde vida presentes ali. A literatura dis-ponível sobre a fauna de peixes é par-ticularmente escassa — uma falha gra-ve, ainda mais considerando que o Riode Janeiro foi capital do país e a Baíade Guanabara é sua porta de entrada.

Outro problema é a devastação dosmangues, algo constatado na maioriados rios que desembocam na baía.Trata-se da vegetação que mais con-centra espécies.

— Várias iniciativas já foram propostaspara reduzir a poluição nas bacias hidro-gráficas, inclusive a instalação de peque-nas estações de tratamento — revela Ma-ria de Fátima. — Porém, não se pode re-petir erros como o da Estação Alegria. Só

descobriram que ela não tinha tubula-ções quando já estava pronta.

Algumas consequências da polui-ção, diagnosticadas durante a primeirafase do levantamento, serão detalha-das a partir da próxima etapa. A meta éencontrar soluções para problemas co-mo a redução do espelho d’água, cau-sada pelo assoreamento, e a perda decapital ambiental. Uma baía poluídasignifica menos um espaço de turismo,recreação, produção de alimentos ebiodiversidade. ❁

MANGUEZALMORTO por lixo eesgoto: falta devegetação queprotege rios éameaça àbiodiversidade

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Custodio Coimbra

Emboraconcentreumdosmaioresdistritosindustriaisdopaís—comdoisportoseduasrefinarias—,o lixoprovenientedessaatividadeeconômicanãoéomaisvolumosodaBaíadeGuanabara.Opiorproblemaéolixodoméstico.

Assobrasresidenciais tornam-seaindamaisperigosasse forconsideradaafaltadeplanejamentourbano.Entreascrescentesocupações irregulares,ainexistênciadecanaisadequadosparatratamentodelixoeesgotoéevidente.

—Oproblemadabaíaestá foradela,nabaciahidrográfica—alertaÂngelaWagener,participantedoestudodaPetrobraseprofessoradeQuímicaAmbientaldoCentroTécnicoCientíficodaPUC-Rio.—Éprecisoreplantaramargemdosriosdesdeacabeceira, imporumcontrolesobreousocorretodossolos.

Ângelaeoutrospesquisadores fizeramaanálisefísico-químicadosedimentoedaáguaemváriospontosdabaía,medindosuaqualidadeambiental.Foipossívelidentificar,porexemplo,ondeémais fortea

contaminaçãoporhidrocarbonetos,esteróisemetaisnossedimentos.

Nosmapasdaprofessoradequímica,épossívelverclaramentecomooscompostoscontaminantesmovem-sedooeste(o ladodaReduc)parao leste(parcialmenteocupadopelaAPAdeGuapimirim).

Atrajetóriadosdetritos,porém, jáeraconhecida.Surpresamesmofoiacomposiçãodoquesaidascasasdiretamenteparaabaciahidrográficadabaía.

—Oesgotomunicipalébemmaiscomplexodoquecalculávamos,e issovemseagravandonasúltimasdécadas—avaliaÂngela.—Hoje temosumasériedevenenosemcasaquesãodespejadosdiretamentenosesgotos,dedetergenteapesticida.TudoescoaparaaBaíadeGuanabara.Afaltadeumsistemaeficientedetratamentoparasubstânciastãoperigosasseria inimaginávelempaísesdesenvolvidos.

Outroproblema,deacordocomapesquisadora,éa faltaderigorda legislação,noqueserefereà

concentraçãodepoluentesnabaía.—Asleissãobrandase,emsuasdeterminações,não

caracterizamumsistemadereproduçãosadiaparafaunaeflora—critica.—OConselhoNacionaldeMeioAmbientedeveriase inspirarnos limites impostosporpaíseseuropeus.Precisamosdemetasdedespoluiçãomaisambiciosas.

OmapadedetritoséumdosdestaquesdoCentrodePesquisasdePetrobras,emseuprojetoparaaBaíadeGuanabara.A iniciativapodeseradaptadaparaacompanharpolíticasgovernamentais.

—Omapaéútil comoinstrumentodegestãoporfacilitaravisãodoqueestábomedoqueaindaécrítico—explicaÂngela.—Épossível recalcularnossosíndices, introduzirnovas informações,verificaroestágiodeevoluçãodostratamentos.Essaatualizaçãoéimportante,atéporqueosquímicossãocriativos.Hásemprenovassubstânciasparaavaliarmos—inclusiveos fármacos,quenãoforamincluídosnoprimeirotrabalho. (R.G.) ■

Lixo doméstico é o problema mais grave

DUAS BAÍAS: biguá sobrevoaregião próxima à APA de

Guapimirim, e o sujo canalque liga a Reduc à

Baía daGuanabara

Fotos de Custodio Coimbra