Sade, Nietzsche Verdade e Ascetismo

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SADE, NIETZSCHE: VERDADE E ASCETISMO Aldones Nino Santos da Silva * Orientador: Prof. Dr. Paulo Jonas de Lima Piva (USJT) Resumo: Este artigo te como finalidade lançar proximidades e convergências entre os pensamentos do Marquês de Sade (1740- 1814) e do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), particularmente na critica dos autores às verdades da moral vigente em suas épocas e ao ascetismo como modo de vida. Palavras chave: Marquês de Sade, Friedrich Nietzsche, Verdade, Ascetismo, Valores. “-Bem e Mal são os preconceitos de Deus’ - disse a serpente”. A Gaia Ciência. Em 1886 é publicado o livro Psychopathia Sexualis, do psiquiatra Richard Von Krafft-Ebing, uma espécie de tratado sobre “perversões”. Nele aparece pela primeira vez o termo “sadismo”, em homenagem ao célebre Marquês de Sade (1740- 1814), que foi um filósofo do século XVIII havia gerado muita polêmica com suas obras. Os personagens de seus romances muitas vezes obtinham prazer com o sofrimento * Discente do Curso de Graduação em Filosofia da Universidade São Judas Tadeu – USJT ([email protected]). Revista da Graduação em Filosofia da UFSCar, 2013, n. 2, vol. 1, p. ??- ??.

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Este artigo te como finalidade lançar proximidades e convergências entre os pensamentos do Marquês de Sade (1740- 1814) e do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), particularmente na critica dos autores às verdades da moral vigente em suas épocas e ao ascetismo como modo de vida.

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Revista da Graduao em Filosofia da UFSCar, 2013, n.2, vol. 1, p. ??-??.

Aldones Nino Santos da Silva. Sade, Nietzsche: verdade e ascetismo.

SADE, NIETZSCHE: VERDADE E ASCETISMO

Aldones Nino Santos da Silva[footnoteRef:1]* [1: * Discente do Curso de Graduao em Filosofia da Universidade So Judas Tadeu USJT ([email protected]).]

Orientador: Prof. Dr. Paulo Jonas de Lima Piva (USJT)

Resumo: Este artigo te como finalidade lanar proximidades e convergncias entre os pensamentos do Marqus de Sade (1740- 1814) e do filsofo alemo Friedrich Nietzsche (1844-1900), particularmente na critica dos autores s verdades da moral vigente em suas pocas e ao ascetismo como modo de vida.

Palavras chave: Marqus de Sade, Friedrich Nietzsche, Verdade, Ascetismo, Valores.

-Bem e Mal so os preconceitos de Deus - disse a serpente.

A Gaia Cincia.

Em 1886 publicado o livro Psychopathia Sexualis, do psiquiatra Richard Von Krafft-Ebing, uma espcie de tratado sobre perverses. Nele aparece pela primeira vez o termo sadismo, em homenagem ao clebre Marqus de Sade (1740-1814), que foi um filsofo do sculo XVIII havia gerado muita polmica com suas obras. Os personagens de seus romances muitas vezes obtinham prazer com o sofrimento alheio, infligir dor a outrem era um ato que poderia levar ao mais extremo prazer. O gozo para seus personagens derivava quase sempre da dor de algum. O Dr. Richard reconheceu uma pratica semelhante entre alguns de seus pacientes, viu que a obteno do prazer com o sofrimento era algo que ia alm da literatura, e o termo sadismo passa ento a fazer parte do diagnstico de alguns de seus pacientes. A obra do Dr. Richard que de inicio era direcionada a um publico especializado, teve enorme repercusso na poca, e o grande pblico comeou a adotar o termo sadismo para classificar aquele que se deleitava com o sofrimento alheio.

O alemo Friedrich Nietzsche (1844-1900) dedicou grande parte da sua obra para fazer uma critica as ideias bases do cristianismo. Sua filosofia ecoou para alm dos muros da academia, tornando seu nome reconhecido por muitos. Um autor tido como difcil, porm, o pblico leigo havia simpatizado com sua filosofia. No 125 de A gaia cincia h uma a passagem que descreve a seguinte cena: um homem insensato procura Deus em meio a uma praa pblica, porm, no encontra nada alm do deboche daqueles que o veem. Ele grita ento a seguinte frase: Deus Morreu! E essa a imagem vulgarizada que uma grande parcela do pblico leigo faz de Nietzsche, ou seja, ele lembrado como o escritor que com seus livros declarou a morte de Deus.

Tanto Sade quanto Nietzsche tiveram seus nomes conhecidos, no entanto, o essencial de suas obras ignorado pela maioria do grande pblico. Sade visto muitas vezes apenas como o homenageado com seu nome em uma doena, pois, o termo sadismo a primeira coisa que vem a cabea quando dizem seu nome. Agora imaginemos como seria frustrante para um filsofo, dramaturgo e romancista ter sua imagem reduzida a uma parafilia[footnoteRef:2]. Nietzsche, por outro lado, o homem que com seus escritos matou Deus. Essas associaes ignoram que tanto um quanto o outro foram pensadores alm de seu tempo, escritores que enfrentaram a ordem vigente, e atravs de seus escritos criticaram sculos de tradio. A polmica sempre acompanhou as suas obras, pois os leitores, sempre imersos nos preconceitos de seu tempo, dificilmente conseguem apreciar uma obra deixando de lado a influencia de seus valores, valores esses que no sculo XVIII e XIX eram difundidos pela igreja, e incrustados por meio da educao. Sade e Nietzsche, por meio, das suas obras criticaram esses valores que eram tidos como verdadeiros, absolutos e universais. [2: Parafilia um padro de comportamento sexual no qual a fonte predominante do prazer no se encontra na cpula, mas em outra atividade. Em determinadas situaes o comportamento sexual paraflico pode ser considerado perverso ou anormalidade.]

No sculo XVIII houve um grande debate em torno de questes religiosas. Tanto a critica religio quanto a critica monarquia absolutista foram temas centrais do pensamento de muitos escritores do perodo. Muitos ainda eram herdeiros do medo, medo esse ocasionado pela censura absolutista e pela intolerncia da Igreja, intolerncia essa que se arrastava por sculos. Havia alguns escritores que se colocavam em oposio ao clero, porm poucos foram ao cerne da questo, ou seja, poucos questionaram a ideia da existncia de um Deus. Muitos pensadores brilhantes carregavam o fardo de medo ocasionado pelos sculos de tradio. A histria da humanidade h muito era acompanhada pela sombra do monotesmo, que, por mais que a racionalidade fosse usada, essa crena em uma entidade nica e superior ainda persistia. Para nossos escritores tratados aqui, no se levava a razo s suas ultimas consequncias at que fosse alcanada concluso de que Deus no existe. Atacar a lenda da existncia de Deus era tarefa muito mais rdua, que exigia muito mais coragem e riscos. Ser desta ento passou a ser comum entre os filsofos da poca, pois, era uma forma de desafiar a religio sem pr em xeque a existncia da divindade.

Sade foi alm do desmo que era adotado por muitos pensadores de sua poca, e seguindo as ideias difundidas pelo Baro dHolbach em seu livro O sistema da natureza, adotou o materialismo radical, e defendeu a posio da inexistncia de Deus. Podemos perceber que o atesmo gera muita oposio nos dias atuais, no sculo XVIII, porm, era muito mais forte os esteretipos em torno do ateu. Sade no apenas defendeu o atesmo como foi longe na defesa de seus ideais, a ponto de ser capaz de abrir mo at mesmo de sua liberdade em nome da defesa de suas ideias, em uma carta da priso ele diz:

Ateu at o fanatismo, eis em duas palavras como eu sou; e repito; matem-me ou aceitem-me assim, porque eu jamais mudarei[footnoteRef:3]. [3: SADE M. Cartas de Vincennes. Londrina: Eduel, 2009, p. 83.]

Para completar a polmica em torno de seu nome Sade ainda causava grande notoriedade pelos escndalos envolvendo sua vida pessoal; ele era alvo de acusaes de tentativas de assassinatos e envolvimentos sexuais com prostitutas. Entre seus personagens podia se achar prticas sexuais pouco comuns como, por exemplo, a cropofagia e a necrofilia. Ele ainda ia mais alm, era feito por meio de suas narrativas -com base no materialismo radical- discursos que so entendidos por alguns como uma apologia ao crime. Muitos que desconhecem sua obra destacam apenas o seu lado mais polmico. Sade reduzido, ora como um doente mental e ora como um simples escritor de livros erticos.

Nietzsche por sua vez ainda hoje muitas vezes reduzido condio de assassino de Deus por pessoas que desconhecem sua vasta obra. O pblico leigo, na dificuldade de entender sua obra, pega frases soltas e as transforma em teses esdrxulas tidas como do autor. Nietzsche sofreu sabotagem at da prpria irm Elisabeth Frster-Nietzsche, que ao fundar o Nietzsche-Archiv em 1894 dizia ter como foco a misso de trazer a luz importncia decisiva de sua obra para o pensamento mundial. Sua irm, na verdade, acabou deturpando suas ideias para fins particulares, e ainda publicou um livro apcrifo chamado A vontade de poder, que deveria conter segundo o Nietzsche-Archiv a essncia e a verdade do pensamento definitivo de Nietzsche. O nome de Nietzsche acabou sendo usado para fins polticos, teve por vrios anos suas ideias deturpadas, inclusive como uma das fontes inspiradora do nacional-socialismo[footnoteRef:4]. [4: GIACOIA J. O. Nietzsche. So Paulo: Publifolha, 2000, p.42.]

Sade e Nietzsche so dois autores polmicos e injustiados, e podemos achar ainda outros pontos em comum, at mesmo entre suas ideias. Sade supe a existncia momentnea de Deus, para em seguida poder no apenas mata-lo como feito por Nietzsche, mas Sade admite a existncia de Deus para em seguida poder confront-lo. Na argumentao sadeana a ideia de Deus admitida como real para em seguida ser desafiada pelo homem que h tanto tempo se ajoelha diante desta quimera, mas com base na racionalidade o homem capaz ento de perceber que Deus no passa de uma lenda, lenda esta que pode ser confrontada sem medo, para exemplificar essa espcie de desafio a Deus eis um trecho dos escritos sadeanos:

Vamos, aparece se existes e no admitas que uma frgil criatura ouse te insultar, afrontar, ultrajar como fao, renegando tuas maravilhas e rindo de tua existncia, feitor de pretensos milagres! Faz um s para provar que existes![footnoteRef:5] [5: SADE M. Dilogo entre um padre e um moribundo: e outras diatribes e blasfmias. So Paulo: Iluminuras, 2009, p. 15.]

Deus suposto como existente para poder em seguida ser destrudo pela filosofia explosiva do Marqus. Nietzsche d o golpe em um Deus que j estava morto, Deus era uma ideia que comeou a ruir muito antes que Sade ou Nietzsche decretassem sua morte, porm, estes autores assinaram sua certido de bito.

As virtudes que so tidas como verdades absolutas e universais tambm so alvo dos ataques destes dois singulares pensadores. Os dois eram adeptos da arte do deboche, que consiste no apenas em criticar, mas em ridicularizar as crenas; essa forma de critica visa mostrar o quo ridculo a submisso a esses preceitos, o deboche usado por eles para poder apontar as falhas do pensamento vigente que adota a existncia de uma verdade universal, Nietzsche, por exemplo, escreve:

O homem da verdade, o pesquisador, o filsofo, trabalha e constri, provm, se no de Cucolndia das Nuvens, em todo caso, no da essncia das coisas[footnoteRef:6]. [6: NIETZSCHE F. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. In: Nietzsche Vol. 1 (Os Pensadores). So Paulo: Nova Cultural, 1991, p.34.]

Enquanto Sade em sua critica aos universais escreve:

No derrubeis seus dolos com clera: pulverizai-os brincando, e a opinio cara por si mesma. (...) convenhamos, seria um absurdo palpvel desejar prescrever leis universais[footnoteRef:7]. [7: SADE, 2009, p. 78-79. ]

Sade e Nietzsche argumentam a favor da insignificncia do homem perante o universo, homem esse que para eles no passa de um minsculo ser que tem a pretenso de dominar tudo. O homem com a sua fraca racionalidade pretende alcanar o verdadeiro, busca superar a sua insignificncia ao estabelecer a ideia de um Deus, um alm-mundo e valores a priori. Para esses pensadores o homem um animalzinho medocre que tenta abarcar o absoluto. Ao se prostrar diante de um Deus, o homem presta um culto apenas a si mesmo, dito de outro modo, o homem cria Deus e se coloca como seu servo, mas, na verdade Deus apenas uma criao de sua frtil e desesperada imaginao. Para nossos autores qualquer um que use a razo pode perceber as falhas desse raciocnio, por exemplo: o homem cria a ideia de um ser perfeito e criador de todas as coisas, em seguida diz que esse personagem o criou a sua imagem e semelhana, criar uma ideia ligada perfeio, e em seguida assemelhar-se a ela s pode ser resultado de egosmo e prepotncia de alguns, j que a existncia do homem pouco se difere da existncia dos outros seres da natureza.

Para Sade, as verdades morais, por exemplo, so apenas convenes, tudo esta de acordo com os nossos costumes[footnoteRef:8]; aquilo que condenamos como crime aqui pode ser louvado como virtude algumas milhas adiante. Uma moral no pode ser tida como universal j que o homem difere muito entre si. A natureza para Sade amoral e indiferente a qualquer ao humana. A existncia do ser humano indiferente diante da natureza, dito para uma de suas personagens: Eh! Que lhe importa que a raa dos homens se extinga ou se aniquile na terra! [footnoteRef:9]. Para Sade no h verdades morais, portanto; existe apenas movimento na natureza. [8: SADE M. A filosofia na alcova, So Paulo: Circulo do Livro, 1995, p.48.] [9: Idem, p. 124.]

Nietzsche em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral demonstra entre outras coisas que a verdade pode ser encarada como um acordo comum, uma conveno humana. Verdades absolutas so apenas aqueles princpios adotados pela maioria, a verdade passa a ser encarada como uma iluso como dito no trecho a seguir:

As verdades so iluses, das quais se esqueceu que o so, metforas que se tornaram gastas e sem fora sensvel, moedas que perderam sua efgie e agora s entram em considerao como metal, no mais como moedas[footnoteRef:10]. [10: NIETZSCHE, 1991, p. 34.]

Em A genealogia da moral, na primeira dissertao, Nietzsche investiga a origem do conceito de bom e mau. Ele confirma o que foi dito por Sade anteriormente, que no existe bom e mau a priori, j que tudo advm do homem. Uma ao sempre uma ao, sem um valor intrnseco em si mesmo, atribuir um juzo de valor a uma ao humana simplesmente querer sair da realidade e se render a iluses.

Sade diz que Os lobos nunca comem um ao outro [footnoteRef:11], que um homem no se coloca acima de seus iguais, apenas os homens apegados s quimeras da tradio podem ser enganados, e na sociedade alguns adotam a postura de lobo. Atribuir valor de bom ou mal apenas uma questo de ponto de vista, para nossos autores em questo. Existe apenas uma inverso de papis, ou seja, sempre quem est oprimido quer tomar o lugar de seu opressor. Nessa mesma direo, Nietzsche afirma que a nossa sociedade atribui o valor de bom ao miservel e ao fraco graas a uma revolta dos escravos na moral [footnoteRef:12]. A vingana dos fracos foi inverter os valores e colocarem-se como bons e os mais poderosos como os maus: [11: SADE, 1995, p. 83.] [12: NIETZSCHE, 2001, p. 23.]

Que as ovelhas tenham rancor s grandes aves da rapina no surpreende: mas no motivo para censurar s aves de rapina o fato de pegarem as ovelhinhas[footnoteRef:13]. [13: Idem, p. 32.]

Atribuio de juzos de bondade e maldade est ligada apenas a posio que ocupamos, posio esta que pode ser a de vitima ou do carrasco. Para uma ovelha um lobo que est prestes a devor-la mau, enquanto que para o lobo a ovelha apenas uma refeio. A ovelha sendo fraca e incapaz de lutar com o lobo vinga-se atribuindo lhe um valor de maldade. Esses juzos advm apenas da incapacidade de lutar como igual. Bastaria uma inverso de papis para inverter os valores. Vamos supor que uma ovelha seja forte e capaz de destruir o lobo, logo, o lobo atribuiria ovelha o conceito de maldade, e ai estaramos tendo a ovelha como mau e o lobo como bom. Toda essa atribuio de valores obra daquele que atribui os valores, ento uma questo subjetiva e parcial.

Para Nietzsche, o homem no merece ser colocado em nenhum patamar superior na natureza pelo seu conhecimento, j que o conhecimento no seria nada mais do que uma antropomorfizao do mundo ao seu redor. Uma barata caso fosse produzir conhecimento, reduziria todo o mundo ao seu redor a uma viso de barata. Em suma, o conhecimento seria uma particularidade humana que em nada o tornaria superior, j que apenas a viso do homem diante da complexidade do mundo.

Sade tambm coloca o homem em p de igualdade com os outros seres que compe a natureza. Tudo reduzido matria. Hoje homem, amanh verme, depois de amanh mosca [footnoteRef:14]. Para Sade, o homem seria apenas uma forma particular de organizao da matria; nada de divino pode ser visto ao encararmos o homem. A matria que compe a natureza a origem de tudo, do homem, do elefante e da mosca[footnoteRef:15]. [14: SADE, 2009, p. 26.] [15: Idem, p. 194.]

Como se pode perceber na histria, o homem sempre gostou de se colocar como parte importante no cosmos, o homem prepotente e cheio de si, mas, Sade e Nietzsche feriram o orgulho humano, vendo-os como prximos aos outros animais; rebaixaram o orgulho humano para assumir pontos de vistas que os homens sempre relutaram a aceitar, se colocar em p de igualdade com a natureza nunca foi foco do pensamento humano, a inteno geralmente por meio da racionalidade se distanciar da natureza e buscar control-la.

O que Nietzsche denomina virtude brutal, a virtude dos santos, so aqueles que no suportam a vida e desprezam a si prprios[footnoteRef:16]. Essa virtude brutal o que Sade tambm busca combater com seus escritos. Na sociedade muitos aspiram ao divino, e em busca do divino estes renegam o seu corpo e sua existncia. No se pode renegar a vida, para Sade: a vida a soma dos movimentos de todo o corpo [footnoteRef:17]. A vida a soma de todas as nossas relaes com o mundo. S vivo a partir da minha relao com o meu exterior, portanto, renegar o meu corpo em nome do invisvel odiar a vida. Em A genealogia da moral, em sua terceira dissertao, Nietzsche define o que so os ideais ascticos: So aqueles que querem o nada, preferem querer o nada ao nada querer [footnoteRef:18]. [16: NIETZSCHE, 2001, p. 160.] [17: SADE, 2009, p. 31.] [18: NIETZSCHE F. Genealogia da moral. So Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 80.]

Ao atacar todas as crenas do alm-vida, Sade e Nietzsche afirmam a vida e a vontade, cada um ao seu modo. Reconhecem que a vida a nica coisa que temos, ento temos de aproveit-la ao mximo. Ambos reconhecem que somos seres humanos, que podemos ser livres dos dogmas sociais, e que temos o corpo e os sentidos como nico meio de fruio da vida em sua totalidade. Ao gozar, afirmo-me como humano. Adotando essa postura, assumo o meu papel. E dirijo a minha vida sem me importar com o que a tradio afirma.

Se aps a morte no devo esperar por nada; ento tenho que aproveitar ao mximo o meu breve perodo de permanncia no tempo. Ao colocar o homem em seu devido lugar, ou seja, ao comparar o homem com um animal qualquer jogado na natureza, a inteno no rebaixar o homem e sim de reconhec-lo como um ser livre e capaz de viver a sua existncia como um animal, que vive sem ligar para pretensos valores a priori, absolutos e universais. Animal entendido apenas como aquele que vive plenamente suas vontades, j que o homem se diferencia dos animais especialmente por suprimir as suas vontades, por meio da racionalidade tentando alcanar o ideal asctico da negao. Ao negar o corpo, nego tudo que tenho e, sobretudo nego aquilo que sou.

No geral, o que Sade e Nietzsche nos dizem que, os que vivem de acordo com a tradio so apenas covardes que no fazem uso de sua condio de homem. Existem dois momentos para se afirmar como senhor de si. O primeiro o de se reconhecer como algo surgido no mundo, sozinho e merc da deteriorao causada pelo tempo. Nesse primeiro momento onde muitos se apegam s religies, s fabulas e as quimeras ditadas pela cultura. Ao seguirmos o que ditado por essa cultura sem refletir no conseguimos perceber que so apenas criaes tolas. Assim, acabamos fazendo parte de uma moral de rebanho [footnoteRef:19]. Em um rebanho todos so iguais, e a moral visa nos colocar num rebanho sujeito a preceitos nicos e universais. Estes nada mais so do que uma forma de controle, uma forma de negar a individualidade e rotular uns aos outros negando toda a singularidade humana. [19: NIETZSCHE, 2001, p. 142.]

O segundo momento que alcanado por poucos, o de superar esse niilismo e chegar a viver de acordo com suas vontades e desejos. Aps o niilismo que a desvalorizao de todos os valores, ou seja, sua perda de autoridade reguladora [footnoteRef:20], o homem deve enfrentar o nada, e ento, deve aproveitar ao mximo sua existncia. As realizaes particulares e subjetivas so a afirmao de cada um enquanto ser no mundo. Devemos nos livrar dos dolos e renegar o ideal asctico apenas assim podemos superar o nosso instinto de rebanho e alcanarmos a plenitude da existncia. Em suma, estes seriam os denominadores comuns entre a filosofia radical de Sade e o pensamento iconoclasta de Nietzsche. [20: WOTLING P. Vocabulrio de Friedrich Nietzsche. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.49.]

Bibliografia:

GIACOIA J. O. Nietzsche. So Paulo: Publifolha, 2000.

NIETZSCHE F. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. In: Nietzsche Vol. 1 (Os Pensadores). So Paulo: Nova Cultural, 1991.

______. A Gaia Cincia. So Paulo: Companhia das Letras, 2001.

______. Genealogia da moral. So Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SADE M. A filosofia na alcova, So Paulo: Circulo do Livro, 1995.

______. Cartas de Vincennes. Londrina: Eduel, 2009.

______. Dilogo entre um padre e um moribundo: e outras diatribes e blasfmias. So Paulo: Iluminuras, 2009.

______. Os infortnios da virtude. So Paulo: Iluminuras, 2009.

WOTLING P. Vocabulrio de Friedrich Nietzsche. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

Abstract: This article will aim to launch nearby and convergences between the thoughts of the Marquis de Sade (1740 - 1814) and the German philosopher Friedrich Nietzsche (1844-1900), particularly in the author criticizes the truths of moral force in their times and asceticism as lifestyle.

Keywords: Marquis de Sade, Friedrich Nietzsche, Truth, Asceticism, Values.

Revista da Graduao em Filosofia da UFSCar, 2013, n. 2, vol. 1, p. ??-??.

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