SAÚDE ESCOLAR NO PARANÁ NOS ANOS DE 1920/30 · do Paraná, especialmente aos caboclos e...

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SAÚDE ESCOLAR NO PARANÁ NOS ANOS DE 1920/30 VALQUIRIA ELITA RENK PPGB- PUCPR Resumo Neste artigo objetiva-se analisar a importância da educação e da saúde na formação da população paranaense, nas primeiras décadas do século XX manifestado na ‘Revista Médica do Paraná’. As fontes de pesquisa são: a Revista Médica do Paraná e os Relatórios de Governo, que trazem os registros dos discursos dos médicos e das autoridades, sobre a educação e saúde, para os professores nas escolas do Paraná. As fontes primárias de pesquisa constituem-se de indícios que publicizaram o discurso médico para a infância e as ações do Estado para higienizar, disciplinar e homogeneizar a população. O uso de fontes documentais na pesquisa em História da Educação possibilita ampliar o entendimento de objetos, a dimensão do tempo e sua relação histórica e sociocultural. Os aportes teóricos da História Cultural orientam a análise do corpus documental, na discussão com Foucault (2002, 2012) e Vidal (2005). No período em análise, a atenção e vigilância das autoridades estavam em ensinar os cuidados pessoais com a boca, os piolhos e as mãos, e também a sexualidade recebia atenção especial, pois a sífilis era um problema de saúde individual e pública. Também se tornaram objeto das políticas o álcool, tabagismo e os vícios, que degradavam os valores morais e deveriam ser prevenidos e debelados pela escola. A educação e a saúde foram consideradas as molas propulsoras do progresso e inseridas numa proposta mais ampla de redimir a nação e consolidar a República nas primeiras décadas do século XX. No período em análise, a atenção e vigilância dos professores estavam em fiscalizar, examinar e ensinar os cuidados pessoais, a higiene, a alimentação, debelar e prevenir os vícios e ensinar o amor ao trabalho. Palavras chave: Educação, Saúde, Medicina escolar, Higiene Introdução No Brasil, a educação e a saúde tinham a missão de redimir a nação e consolidar a República, nas primeiras décadas do século XX. A partir dos anos 1910, os cuidados com a saúde do povo brasileiro passaram a compor as discussões sobre a formação da nação brasileira incluindo as políticas educacionais. A saúde e a educação foram consideradas as molas propulsoras do progresso e, portanto, consolidaram-se como objeto das políticas públicas

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SAÚDE ESCOLAR NO PARANÁ NOS ANOS DE 1920/30

VALQUIRIA ELITA RENK

PPGB- PUCPR

Resumo

Neste artigo objetiva-se analisar a importância da educação e da saúde na formação da população paranaense, nas primeiras décadas do século XX manifestado na ‘Revista Médica do Paraná’. As fontes de pesquisa são: a Revista Médica do Paraná e os Relatórios de Governo, que trazem os registros dos discursos dos médicos e das autoridades, sobre a educação e saúde, para os professores nas escolas do Paraná. As fontes primárias de pesquisa constituem-se de indícios que publicizaram o discurso médico para a infância e as ações do Estado para higienizar, disciplinar e homogeneizar a população. O uso de fontes documentais na pesquisa em História da Educação possibilita ampliar o entendimento de objetos, a dimensão do tempo e sua relação histórica e sociocultural. Os aportes teóricos da História Cultural orientam a análise do corpus documental, na discussão com Foucault (2002, 2012) e Vidal (2005). No período em análise, a atenção e vigilância das autoridades estavam em ensinar os cuidados pessoais com a boca, os piolhos e as mãos, e também a sexualidade recebia atenção especial, pois a sífilis era um problema de saúde individual e pública. Também se tornaram objeto das políticas o álcool, tabagismo e os vícios, que degradavam os valores morais e deveriam ser prevenidos e debelados pela escola. A educação e a saúde foram consideradas as molas propulsoras do progresso e inseridas numa proposta mais ampla de redimir a nação e consolidar a República nas primeiras décadas do século XX. No período em análise, a atenção e vigilância dos professores estavam em fiscalizar, examinar e ensinar os cuidados pessoais, a higiene, a alimentação, debelar e prevenir os vícios e ensinar o amor ao trabalho.

Palavras chave: Educação, Saúde, Medicina escolar, Higiene

Introdução

No Brasil, a educação e a saúde tinham a missão de redimir a nação e

consolidar a República, nas primeiras décadas do século XX. A partir dos anos

1910, os cuidados com a saúde do povo brasileiro passaram a compor as

discussões sobre a formação da nação brasileira incluindo as políticas

educacionais. A saúde e a educação foram consideradas as molas propulsoras

do progresso e, portanto, consolidaram-se como objeto das políticas públicas

para a infância. Acabar com o analfabetismo e levar a saúde tornaram-se

sinônimo de levar o processo civilizatório e as luzes do saber a todos os cantos

do Paraná, especialmente aos caboclos e sertanejos, símbolos do atraso.

Pretende-se analisar a importância da educação e da saúde na

formação da população paranaense, manifestado na Revista Médica do

Paraná- RMP, nos anos de 1930. No período em análise, a atenção e vigilância

das autoridades estavam em ensinar os cuidados pessoais com a boca, os

piolhos e as mãos, e também a sexualidade recebia atenção especial, pois a

sífilis era um problema de saúde individual e pública. Também se tornaram

objeto das políticas o álcool, tabagismo e os vícios, que degradavam os valores

morais e deveriam ser prevenidos e debelados pela escola.

Deve-se considerar que o Paraná recebeu milhares de imigrantes

europeus, desde o século XIX, que substituíram as “classes baixas”, com seus

costumes representativos da barbárie (PEREIRA, 1996, p. 91). Isto denota que

a questão racial trazia a representação do imigrante que iria tonificar o

organismo nacional. Nilo Odália (1997) afirma que o branqueamento da

população brasileira caracterizava-se pelo ideal de uma população branca e

européia como representação do trabalho e da civilização. No campo teórico e

político teorias eugênicas e de branqueamento da população brasileira

ganhavam espaço no Paraná, no início do século XX, com a pretensão de

melhorar a constituição física e mental da população (BERTUCCI, 2007;

MARQUES, 1994; SCHWARCZ, 1993). A eugenia pode ser entendida como o

“estudo dos meios de controle social que podem beneficiar os prejudicar as

qualidades raciais das gerações futuras, tanto física quanto mentalmente’

(GALTON, 1988, p. 27- tradução livre).

As fontes de pesquisa são os Relatórios de Governo (1920-1924) e a

Revista Médica do Paraná- RMP1, publicada pela Sociedade Médica do

1 Órgão da Sociedade Medica dos Hospitaes do Paraná (grafia original), fundada em dezembro de 1930, iniciou suas atividades em dezembro de 1931 tendo como editor o médico Milton Macedo Munhoz. A

Paraná. Foram localizados oito exemplares desta Revista, dos anos de 1931 a

1933, com publicação trienal. A RMP registrou o discurso eugênico dos

médicos, em uma versão mais ‘suavizada’, que foi a de higiene e medicina

escolar (profilática). Apresenta o protagonismo social dos médicos engajados

na cruzada pela melhoria da sociedade. As fontes se constituem em indícios

como diria Farge (2009), para se compreender o discurso eugênico, a começar

pela infância na perspectiva de regeneração da raça/nação (LAROCCA, 2009).

Para Certeau (2002, p. 82), “o estabelecimento das fontes solicita, também,

hoje, um gesto fundador representado como ontem, pela combinação de um

lugar, de um aparelho e de técnicas“. O uso de fontes documentais na

pesquisa em História da Educação possibilita ampliar o entendimento de

objetos, a dimensão do tempo e sua relação histórica e sociocultural

(CELLARD, 2008). Neste sentido, Corsetti e Luchesi (2010, p. 473), inferem

que os documentos são “plenos de relações de poder, de jogos de sentido e

significação, construídos e preservados no tempo.

Foucault (2012) discute que, a partir do final do século XIX, o poder

representa uma “grande medicina social” que se aplica a população a fim de

controlar a vida, denominado de biopolítica. Foucault (2002) permite analisar

que o Estado por meio da biopolítica controla os corpos sociais, normatiza e

controla as ações e a “vida e seus mecanismos entram no domínio dos

cálculos explícitos, fazendo do poder-saber um agente de transformação da

vida humana”. Assim, consideram-se as políticas de higiene e medicina escolar

como biopolíticas.

Saúde e Medicina Escolar

Nas primeiras décadas do século XX, intelectuais e médicos afirmavam

que, para modernizar o Brasil, era necessário sanear, higienizar e educar o

povo. “Vitalizar pela educação e pela higiene”, como queria Miguel Couto

Revista mantém sua periodicidade até os dias atuais, agora sob a chancela da Associação Médica do Paraná. Os números pesquisados encontram-se na Biblioteca Pública do Paraná

(1927, p. 14). Neste sentido, intelectuais como Afrânio Peixoto, Fernando de

Azevedo, Belisário Penna e outros, associavam a brancura da pele à força,

saúde e virtude, valores preservados e reforçados na escola (RENK, 2014).

Considerando que a degeneração era adquirida, portanto era remediável e os

indivíduos podiam escapar da categoria social de negritude por meio da

melhoria da saúde, da educação e da cultura (DÁVILA, 2006). Assim, a

degeneração racial também era entendida como fonte de degeneração moral,

pois as classes pobres, consideradas perigosas, não controlavam seus

instintos, aumentando a miserável prole. Assim, haviam alternativas para

‘melhorar’ a população, como vigiar, controlar a sexualidade, inculcar novos

hábitos de higiene, a começar pela infância, no espaço escolar. Assim, as

teorias eugênicas passaram a ser uma possibilidade de reabilitar a nação e

melhorar a raça (MARQUES, 1994, SCHWARCZ, 1993, SKIDMORE, 1976,

SEYFERTH, 1996).

As principais preocupações com a saúde dos escolares nas primeiras

décadas do século XX eram os cuidados com a higiene, a vacinação, a falta de

bons hábitos de saúde e alimentares, a prevenção de moléstias contagiosas,

doenças sexualmente transmissíveis e de vícios. Os primeiros serviços de

saúde escolar foram criados em Bruxelas (1874), Paris (1879), Japão (1903).

Posteriormente foram incorporados em outros países, como nos Estados

Unidos, Argentina e Brasil, com estruturas e planos semelhantes: atendimento

aos alunos, especificações da arquitetura e mobiliário escolar para atender os

preceitos de ergonometria e higiene, avaliação e complementação nutricional,

triagem e problemas de visão (SANCHO RAMIREZ, 1981).

A saúde na escola brasileira acompanhou as tendências mundiais da

educação e da saúde. Inicialmente, no início do século XX o movimento

higienista, seguindo o modelo alemão, de controle e fiscalização, para evitar

que as doenças contagiosas alcançassem o ambiente escolar, com a inspeção

e fiscalização escolar, sendo parte de uma política mais ampla de

enquadramento das camadas populares (IERVOLINO, 2000). No sentido

eugenista-higienista, a saúde era pensada em termos físicos, mentais e morais.

Os médicos defendiam que o povo deveria ser informado, e salvo da

ignorância, assim como deveria haver a incorporação de hábitos e práticas de

vida saudáveis (STEPHANOU, 1998). A educação em saúde objetivava o

desenvolvimento da raça sadia, a partir do disciplinamento da infância,

corrigindo desvios de condutas. Nesta perspectiva, médicos, professores,

enfermeiros, dentistas e outros tinham a missão de higienizar e moralizar

individualmente cada sujeito e também a cidade, em uma perspectiva

civilizatória.

O espaço escolar tornou-se o ‘laboratório’ de formação dos futuros

cidadãos, neste sentido, a Constituição Federal de 1934, no Art 138

estabelecia que a União, os Estados e os Municípios deveriam estimular a

educação eugênica, cuidar da higiene mental e social e adotar medidas para

restringir a moralidade e a morbidade infantil. A escola era considerada como

o centro irradiador das políticas de formação de sujeitos saudáveis, higiênicos

e educados, culminando com as políticas sanitárias e eugênicas e as políticas

de formação da nação (MARQUES, 1994).

As primeiras décadas do século XX foram de expansão da educação

escolar e também da formação do sentimento de brasilidade (VIDAL, 2005;

BENCOSTTA, 2005). Considerando que no Paraná, a maioria da população

era descendente de imigrantes europeus, com a cor da pele branca, as

políticas eugenistas traduziam-se em políticas de higiene e de saúde. Para

tornar esta situação real, várias medidas foram implantadas nas escolas, como

a criação do Serviço de Inspeção Médico Escolar em 1921, (lei 2.095, de 31 de

março), que deveria atender “[...] as escolas e grupos, examinando a miúdo

seus alunos e professores” (PARANÁ, 1921 (a), p. 24).

A elite intelectual brasileira adotou a noção de o ‘branqueamento’ da

população poderia ser através dos modos e da educação. A degeneração era

adquirida, portanto remediável e os indivíduos podiam escapar da categoria

social de negritude por meio da melhoria da saúde, da educação e da cultura

(DÁVILA, 2006). A eugenia e a higiene passaram a ser políticas de Estado

cujas ações foram desenvolvidas para os professores e os estudantes, através

da medicina escolar, desenhada pelos médicos, para ‘salvar’ a infância e a

juventude dos males, das doenças e dos vícios (MARQUES, 1994). A escola

atuou de forma preventiva para tirar os estudantes do caminho dos vícios e

torná-los sujeitos produtivos, moldando-os socialmente dos estudantes. Assim,

foi fundamental a ação do Estado na implantação do serviço médico escolar,

das aulas de educação moral e cívica, educação física escolar e do trabalhos

manuais.

A escola, por sua vez, incorporou o discurso médico

higienista/sanitarista e implementou medidas que acreditava formariam o

cidadão saudável, tais como a inspeção médico escolar, a vigilância dos

aspectos físicos e higiênicos dos prédios escolares, dos estudantes por meio

dos exames antropométricos, exames fisiológicos e exames físicos

(MARQUES, 1994). Foucault (1983) analisa que a escola tornava-se uma

espécie de ‘aparelho de exame ininterrupto’ aliando as técnicas do exame

pedagógico àquelas do exame de saúde, reforçando as técnicas de hierarquia

que estabelece vigilância àquelas da sanção normatizadora. A antropometria e

a psicometria se constituíram nas ciências “por excelência da educação e as

fichas e os exames antropométricos, junto com as cadernetas sanitárias, no

instrumento a partir do qual se toma toda e qualquer decisão sobre o futuro do

escolar” (BAÑUELOS, 2002, p. 76).

O Serviço de Inspeção Médica Escolar no Paraná encontrava

defensores entre os educadores e intelectuais da educação, como o Professor

Belisário Penna, que foi defensor da educação eugênica nas escolas e nos

lares (PENNA, 1928). A circulação destas idéias e a implantação do Serviço

Médico Escolar permitem compreender as políticas do Estado, enquanto

políticas de medicina social, de formação e controle de população, a biopolítica.

O Estado por meio da biopolítica controla os corpos sociais, normatiza e

controla as ações e a “vida e seus mecanismos entram no domínio dos

cálculos explícitos, fazendo do poder-saber um agente de transformação da

vida humana” (FOUCAULT, 2002, p. 154).

A criança e o jovem eram os depositários do porvir. Era necessário

formar “o cidadão saudável, desde o caboclo do litoral até o colono do interior”,

no dizer do Inspetor de Ensino, César P. Martinez (PARANÁ,1920, p. 223). O

governo preocupava-se com as condições sanitárias e os vícios que viviam os

'caboclos' do litoral e do interior do Paraná, pois eram acometidos por doenças

decorrentes da falta da higiene, da subnutrição e de bons hábitos de vida que

comprometiam a aprendizagem dos estudantes.

Os médicos e a educação na Revista Médica do Paraná - RMP

A RMP, publicada pela Sociedade Médica do Paraná, nos anos de 1930,

divulgava as novidades na área científica, os discursos sobre a medicina

escolar e a discussão do binômio “saúde/doença – sociedade”. Foram

localizados oito exemplares desta Revista, dos anos de 1931 a 1933. Esta

Revista é importante fonte, pois divulgava as relações entre médicos e

professores no ensino, na vigilância e na formação saudável da infância. A

seguir serão analisados alguns artigos que abordam esta questão.

Na RMP (1933, n. 7) o artigo “Ensaios de Puericultura”, assinado pelo o

médico Dr. Mário Gomes, instruía pais e mestres na educação dos filhos

pequenos e em idade escolar. A preocupação com a infância desde a tenra

idade ultrapassava a área médica e incluía lições morais sobre o papel da

família, valor do trabalho, da obediência e dos cuidados com a higiene.

Ensinava o autor como os pais e professores deveriam proceder nos cuidados

com a alimentação, a higiene, as vacinas, sono, impor a disciplina e o respeito.

Ensinava também o papel da mãe, como fonte da humanidade, ser a primeira

educadora, bem como a educação moral, respeito, organização, zelo,

princípios como (honestidade, respeito, pátria, ordens dadas deveram ser

cumpridas sem demora) e dignificação ao trabalho. Em consonância com as

políticas estaduais de educação, ele justificava a importância da ficha escolar

que deveria ser preenchida pelo Serviço de Inspeção Médico Escolar. Neste

artigo, o autor aborda a importância do professor em fiscalizar a higiene do

aluno (vestes, cabeça, corpo, dentes, lavar as mãos, lavar os alimentos),

higiene da escola, do pátio, da privada e também indica que a escola deve ser

iluminada, arejada e limpa. As atividades físicas escolares deveriam ser

praticadas. O médico assumia o papel de educador e a RMP o dispositivo

educativo. Isto significa entender que a escola não age apenas intra-muros, e,

sim tem uma ampliada atuação social na medida que funciona como uma

instituição que produz, divulga e legitima identidades, competências e modos

de vida, ao mesmo tempo que deslegitima outros (FARIA FILHO;BERTUCCI,

2009, p 14).

A saúde pública e doenças sexualmente transmissíveis foram alvo da

preocupação dos médicos. No artigo O Saneamento do Litoral (1933), o Dr.

Marceliano de Miranda, alertava sobre os males causados pelo impaludismo,

verminoses, tuberculose e sífilis. Estas doenças também eram consideradas

males sociais que deveriam ser combatidos, no sentido mais amplo do conjunto

da população. Este artigo mostra o protagonismo dos médicos sanitaristas

atuando no projeto de construção da nação, através da vacinação, da

prevenção das doenças e do saneamento básico. Assim, era favorável a

educação sanitária considerando a escola o lugar ideal para sua aplicação.

Invocava Maurício Medeiros e Afrânio Peixoto afirmando que ‘o melhor

saneador é o alfabeto’ (RMP, 1933, p.82). A medicina adquiria a confiança da

população ao engendrar e legitimar novos comportamentos, combater

eficazmente inúmeras patologias físicas e sociais, além de auxiliar na

eliminação da pobreza extrema, da criminalidade e até mesmo do alcoolismo,

revertendo a degeneração do povo brasileiro (DONES, 2011).

A ação do médico na escola era justificada pelo artigo ‘O Médico nas

escolas’ (1933, p. 213), em que o Professor José Pereira Macedo analisava a

necessidade da saúde no espaço escolar e abordava as relações entre a

família, o médico e professor na educação. O médico ensinaria os professores

higiene e educação higiênica, propugnava pela medicina escolar, pela

educação sanitária e pela medicina profilática. Trazia argumentos de Jonh

Dewey, Anísio Teixeira, Maria Montessori em favor da escola como um

ambiente próprio para as crianças, anunciando que um ambiente escolar

saudável deveria compreender a higiene do ambiente (salas de aula, pátio,

banheiro e outros) cujos objetivos eram os de atingir toda comunidade escolar

de forma preventiva.

O artigo intitulado ‘A saúde pela Educação’ (1933) do Professor da

Faculdade de Medicina, Milton Munhoz, aborda a parceria entre médico,

professor e higienista e tece seus argumentos em favor da Educação Sanitária

e da Educação Higiênica. Trazia argumentos de Afrânio Peixoto acerca da

importância social do médico, discursava a favor da higiene social e da

medicina preventiva. Indicava que o médico adentrava o espaço escolar, para

justificar as medidas de higiene e prevenção aos males e ensinava aos

professores como proceder. Defendia a atuação dos Pelotões de Saúde (RMP,

1933, p. 11 – 15). Tornava-se necessário moldar e formar o cidadão através da

educação física escolar, da higiene e da educação moral. Neste sentido, a

educação escolar deveria preparar a criança para “a vida social: pela educação

física tornando-a um ente forte e robusto; pela instrução transmite-lhe

conhecimentos e pela educação moral e habitua à atenção, reflexão e força de

vontade (RMP, 1933, p. 124). Foucault (2002) discute as biopolíticas como

políticas sociais para combater as doenças que são persistentes e que quando

não tratados, subtraem a energia, diminuem o rendimento do trabalho, tem

custo econômicos e invocam a necessidade de aprendizado da higiene e de

medicalização da população.

A educação física era indicada pelos médicos como objeto de

fortalecimento e regeneração corporal. Assim, os Jecas Tatus, sifilíticos,

alcoólatras devem colocar em evidência o homem ideal a ser construído, mas

que precisam ser curados, disciplinados, normatizados, para só então ladear as

práticas físicas sistemáticas, os jogos e atividades ginásticas (SILVA, 2009).

Assim, o pensamento medicalizado utiliza meios de correção que são meios de

transformação dos indivíduos e toda uma tecnologia do comportamento do ser

humano está ligada a eles. Portanto, mudar comportamentos era premissa

básica para ‘regenerar’ a nação.

O biopoder objetiva regulamentar e conformar a população. Foi exercido

pelo Estado, através de mecanismos bio-reguladores e também pelas

instituições médicas, que adentraram o espaço escolar com o objetivo de

‘moldar’ o cidadão. Assim, além da escola, conheceu-se neste período um

conjunto de ações coordenadas na construção da cidade, na arquitetura

escolar, na imposição de normas de condutas e ação sobre o espaço,

normatizando comportamentos

As fontes documentais se constituem em registros que evidenciam como

a medicina atuou além do espaço escolar, tornando a higiene e a profilaxia

ações social. A escola foi a instância das práticas e das representações que

ampliam, projetam e recriam a cultura escolar (VIÑAO FRAGO, 1995). Os

professores ensinavam e fiscalizavam a higiene, a formação física e moral dos

seus alunos, construindo cidadãos mais aptos e trabalhadores, num projeto de

nação desenhado na esfera política.

Considerações Finais

A medicina escolar estava inserida em um projeto maior, que fazia parte

da política de homogeneização e higienização da população. A escola,

enquanto o espaço de difusão do saber, incorporou o discurso e as normativas

da medicina escolar, ensinada pelos médicos e implementadas pelos

professores. O movimento em prol da educação e da saúde, nas primeiras

décadas do século XX, deveria regenerar a nação. A escola foi o espaço da

ação estatal para a implantação dos serviços médicos de saúde, os

professores eram os disseminadores das boas novas que deveriam ser

inculcadas nos estudantes, produzindo mudanças na cultura.

Os documentos e as políticas que norteiam a educação no país são

elaborados pelo Estado. O espaço escolar, no período em análise, tornou-se o

‘laboratório’ de formação dos futuros cidadãos. A escola incorporou o discurso

médico higienista/sanitarista e implementou medidas para a formação do

cidadão saudável, tais como o Serviço de Inspeção Médico Escolar, a vigilância

dos aspectos físicos e higiênicos dos prédios escolares e a vigilância aos

estudantes por meio dos exames antropométricos, exames fisiológicos e

exames físicos. O discurso médico adentrou a escola através da fiscalização,

pela mão do governo, esquadrinhando o espaço e os corpos, acompanhados

por exames, fichas, estatísticas e indicadores de saúde.

O protagonismo médico na medicina social e sobre medicina escolar foi

disseminado pela Revista Médica do Paraná, objetivando a regeneração da

população. O discurso médico escolar delineava as práticas para proteger e

cuidar dos alunos das escolas primárias como para a profilaxia de doenças

escolares e as práticas de atividades físicas e estabelecia nova conformação

para o espaço escolar.

O conjunto das fontes documentais pesquisadas possibilitou analisar a

importância das fontes para a historiografia da educação e também para

entender o alcance das políticas de educação, que no período analisado

objetivavam a redenção da nação pela saúde, higiene e civismo

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PARANÁ. Relatório do Serviço de Inspeção Médico-Escolar. Curitiba: DEAP, 1921 (a) PARANÁ. Decreto Estadual nº 779. "Dispõe da criação do Serviço de Prophylaxia Rural do Paraná". In: Decreto nº 779 de 8 de outubro de 1918 do Regulamento Sanitário Rural. Estado do Paraná. Typ. A Republica, 1918.

REVISTA MEDICA DO PARANÁ. Curitiba: Sociedade Médica do Paraná. Ns. 1 a 7, anos 1933 e 1935.

ARCHIVOS PARANAENSES DE MEDICINA. Curitiba, ano 1, 1920.