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    ~

    I~

    I 71

    .'

    ~----- ----~,--

    CAPA DE A. PEDRO

    c O L E C O V I D A E. C U L T U R A

    R U T H B E NE D I C T

    P A D R O E S D E

    CULTURA

    TRADUODE

    ALBERTO CANDEIAS

    /

    Resvados todos as direitos peja J eaisJ aoem viaor

    Edio feita pr ~cordocom a

    ROWOHLTS DEUTSCHE ENZYK LOPADlE EDlAO ,LIVROS DO BRASIL. LISBOA

    Rua dos Caetano!, 22

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    I . -!

    INTRODUO

    Nodecorrer do sculo aetual elabora.ll

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    considerarm cada cuJtura coma, urrna unidade em si e umproblema histrico individuaI.

    Sab a influncia da intensiva anlise de culturas, a calheita.indisperusvel de fctos :refe~ a fatmaS cuJtuTais foi forte-mente estimulada. C).material aBSi.mrewnida deu"nos' intar- .lI l3iessabre a 'vida sociaJ, comose:esta.consistisse_eIlL cate-go:ia;sestiit,,;ent,;'~tamq:Ues.tais coma .vida econmica, Jc.oica; arte, argajiiaa soci:aJ, religio.. e a laO que as. uniae;radifcil de discernir. A posio. da' antropolagista parecia-secom a que Goethe satirizou: .

    Wer will was Lebe!11Xlig'serkennen und he:shrciben.Sucht erst den Geist hera'us xu treiben,Da!nn hat er die TeHe selner Hand.Fehlt leider nurdas geistige Bamd.

    Quem quer. 'conhecer e descrever !'vivente.Procura" primeiro .desembaraar-se do seu espirito.

    E depois de ter as diferentes partes na mo..Falta s6. infelizmente. a faixa espiritual que as une.

    !1 O ooupa,rm~os ~ltllrns vV'a5criou UIll1..)I1ll.i.Lfg;teI'>teresse pela tata.lid~--e_qd-OlI1t:ul!. SenJte..secada vezmw.s que qu",,", neruhurrna.feio. cultural camE~:;velquando. sepaTada da con:jJmJttatlva

    de coIi!ceber toda. ",ma cultlI!l'a como se ela fosse cOntroladapor um' nica grupo de condies 000. xerolvia a problema.O ",bord-Ia f=aJistoolente sob a polllto de vistJapUl'3lll1en,reantrapogeagrfica; ecan6mica au autra parecia famecer re.

    presootaes defolllmldas. . .. I O deseja de captalr a senti4Q~cllltura c~mo.~

    (

    n'unto leva-'l1osa COl1lSi 'Ci~wpo11tain1emaestereotiparla apevw c . .a!IY J.l:Qra'..u'seus individuos. O interesse ror estes prablemas socio-psIcol6- (" .

    .' gicos no.S;ape de moda ~gtl.I .J:..~ponito de vista hlst6rica, l",,~t-"I'. Pela can?,~!~~!:'_I'roc~.d~m.iC

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    definidas por um caracter daroiDO"Ih:, mas paireCeP-19vvel ill'!'-qiia1DJt0 maJs intimo o nosso COIlJhecinl-entodOs impjilroscudwrals que detemninOOl o compoztamen.to_--~LiJ J4iYdyo,=to mans're:oniheceremos qm: nelas dornmm cel!'tosrefrea-mentos de emoo, cel'tOS ideais de conduta, que expliQl!!l'lititudes que a,' ns se 005 lbPresenrtaancomo ~rmais-quarulo

    viStas do ponto d>evista da ~ ciyiJg.:l&o.A relatividadeooque se considera, sacia[ ou ~, OOl1I!!!ld Qu_ano!1llilJ .~ agora' a,uma nOva1m;. .

    Os casas eJOIlremOSescolhidos pela. autora tommclara aimportndQ do problema.

    PR IM EIRA PART E

    Apresentao do problema

    FRANZ BOAS

    C"'~'1'J,,{~

    r ;. y.....] " / . . L - V . . . . .' - . . oJ.'Ct.- .(k"\.A>1.s I(..-UIll~J

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    I .I!.

    1

    A CI:E:NCIA DO COSTUME

    Costumes e Comportamento

    7,

    A .a=opologia OCIlIp3.'Se,dOlS,s'~X~_huma!llOScomo pro-dutos da vida em sociedade. Fixa a sua ateno nasc"raeter5ticas fSi~ e n",,:icnicas inrl1lStrklis, nas

    convenes e valores que distinguem uma comunidade de todas' .,as outras que pe!1tencema uma tradio diferente.

    O que distingue a antropologia das outJ1ascincias sociais o ela induk no seu campo, para. as est:uda:rcuidadosamente,Sociedades que no so a nossa sociedade. PaTa os seus finsqu"lquer nom'" social de e=rrreruto e de reproduo tem..tanto significado romo aquelas que nos so prprias, mesmoque' seja a dos Dyaks do Ma.r, e no tem quaJquer possvelrelao histrica com a da nossa civilino. Parn o antropolo-gi>m, os nossos costumes e os de 1JJII1atribo da Nova Gu!llso dois esquemas socia15possveis, que traJtaImdo ll119lI lopro-

    bieml>, e cumpre ao amropologisttl enqUk1IDltoantropologista,evi1JaTtoda e qualquer apreciao de=em favor do outro.Interessa-o a condUltahuunana,~~ Iltlodelada.por umacerta ~dio, a. oossa ltiradio,mas como o foi par quaIquertradio, seja ela quarfor. Inte'essa-oa vasta gama de cost'U.mes que exiSte em culturas diferentes, e o seu objectivo

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    oompreender o modo como essas cultur

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    II -I

    do prprio homem que as mais iunportarr>tescinda an-gutnen-~1Io,nem quJaisquer dvidas sobre a OOJ tllireZadessa "alma.

    nem sequer a ciroullmtneia de o scw10XI Xno ter proc,wadoarl'mnan-a suJafratemidade com quasquer esnrai1hos ao grupo

    _ nenhum destes factbG collltairalIllcontra a magrufica eXJ a1-tao que se manifestou rapidaaneIlite ~ a inJelignidadeque a evoluo propunha contra o conceito da excepcionali-dade do homem. ser tilrico entre os seres.

    [ r6]

    Ambas "'SaISbatalhas se podem corusideraorganhas - se,no j, pelo menos (llll breve; mas a lUItas mudou de frente.Hoje estamos perfeitamerute dispo6los a admitir, que a revo-luo da terra em torno do Sol. ou a d~cendncia animal dohomem, qtra"" nada tm que ver com a excepcionalidade dasnossas realizaes humanas. Se habitamos um qualquer pla-neta dentre mirades de sistemas solares, 'tanto ml1,iorglria

    paorans. e se todas 'asheterclil'a~roas hUlIllamasesto ligadas.por evoluo, com o a rn i r r l ' a J , t a . ru t o I l 1 1 Ia l i s radicais so as

    diferenas demonstrveis entre ns e qulll1querIlI I1mal,e tanto,

    mais notvel a. uniciade da& nossas lJ 1st~tuies. Mas as /)n_q:s~gu~j?:~50:s.,_~_.)Jo s.s :g~__in~!~~;ie~t.sQ__~Unicar;l~in~o:npa~.\ ti;~'r,veis;so de uma ordem difererute das daJS..raas_inenares J .'e' tm de ser protegidas a todo o clllSto,De SOl'leque, ou seja",':'ma qesto 'de imperialismO. ou de preconceito de ~aa, Oli!~'de 'comparao entre Cristim,ismo e paganismo, e

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    l -I

    ~ I q '('.:r1.), .'

    l '1

    a lum'atS e aceita!r3l11 Ot1lt!ra5, ,muitalS vezes 'Com bem grandeincompreenso delas; mas veJm oom cIareZla que existerrnvrios a=jos da .vida hum:ma. A1il'ibllirO,por vezes, centosCail'a~reresdominanlteSdo b=co 5Ua;cancol'1'nda comercial,ou s suas instimuies milil3aireS,muito da form\1 por' que ofaJlem os antropologistas.

    -i)' O bralllco, esse, tem tidouana experincia diferente. Nunca,

    porven=, ter visto um homem de ounra civJlizao, " noser que o homem de oUitra civilizao j estiej'" eu~opejzado.Se vi"iou, muito. provavelme:rute f-lo sem nlIDCa ter .fimdofora de 'Um hotel cosmopolita. Pouco sabe de quaJsquer ma-neiras de vJver que no sejam as suas. A uniformidade decostumes, de pontos de visl3a.,que v em volta de si parecem-.lhe .suficientemente convincentes, e esconde das suas vistas ofacto de que se 'liraJta,"final, de 'Umacidente histrioo. Aceitasem mais complic"'es a equivalnci\1' da natureza human" edos seus prprios padres de c;ltura.

    E no eu.tanto, la grande expanso da civilizao branca.no uma drcunst:lncia histrica isolada. O grupo Polinsio,em pocas rela,tivaJmente recen,tes, espraiou"", desde Ontong,

    Java, at Ilha da Pscoa, de Havai at Nova Zelndia; e astribos de L ngua Bantu espalharam-se desde o Sara fricado SuL MaISlI1s em nenhum caro considemmos esses povoscomo mais do que uma va,riao local hipertrofiada da espciehllmana. A civil izao Ocidemtal teve ,todas "s suas invenesem :meios de :tr1J115porte e rtodas laS-!Suas orgam,':izaes comer-cia,is de laI'go mbito, a "poiar a sua vasta disperso, e fcilcompreender historiCaJmen,tecomo isto se deu.

    A nossa cegueira perante outras culturas

    As con5equncias psicolgicas desta expanso da olllwrabranm tm sido desproporcionadaJS quando comparndas comas comsequncias materiais. Esta difuso cult'Uiraem grau

    [18]

    mundial otm

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    esl1aIrrodeada por povos que partHhamdas suas artes e inven-

    .es materiais. de Pr,~cas complicadas que se desenvolveram

    amws de lIroca5mtuas de comportalIneI1Jtoentre um povo

    e oUltro.. O homem prJmitivo n'llOOacoDl9iderouo mundo nem viu

    a Humanidade como se fosse um gmpo, nem fez causa comum

    c;nn. a sua,esp~ie. Dffideincio foi tml h"bi

    facto de termos superado a cndida infantilidade de viso,

    ou simplesmente' ao facto de a religio ter deixado de ser otablado em que se pem em cena as grandes batalhas da vidamoderna. Nas questes realmente vitais da nossa civilizaoparece estarmos ainda longe de ter adquirido a atitude desin-teressada que to largamente alcanmos no campo da religio.

    Outra circunstncia fez do estudo srio do costume umadisciplina ainda em atraso e muitas vezes cultivada com hesi-tao. e esta uma circunstncia mais difcil de vencer d o . queaquelas a que vimos de nos referir . O costume no provocou

    a ateno dos teorizadores sociais porque ele constitua a 'rprpria substncia do seu pensar: era. por assim 'dizer. a lentesem a qual nada podiam ver. Precisamente porque era funda-

    mentaI. existia fora da sua ateno consciente. Tal cegueiranada tem de enigmtico. Depois de um investigador reuniros vastos dados necessrios para o estudo de crditos inter-

    nacionais, ou do processo de aprender. ou do narcisismo comofactor de psiconeuroses, por intermdio e dentro deste corpo

    [2I ]

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    de dados que o economista, ou o psicologista, ou o psiquiatra

    operam. No toma. em considerao o facto de outros com-

    plexos sociais em que, porventura, todos os factores se dispem

    de uma maneira diferentei Isto , no conta. com o condicio-

    namento cultural. V o aspecto que est a estudar como mani-

    festando-se de modos conhecidos e inevitveis, e apresenta

    estes como sefossem absolutos, porque a eles sereduzem todosos materiais que lhe servem para trabalhar racionalmente. Iden-

    tificam-se atitudes locais da dcada de trinta, com natureza

    humana~ e a sua caracterizao, com Economia e Psicologia.

    Na prtica, isto, muitas vezes, no importa. Os nossosfilhos devem ser educados na nossa tradio pedag6gica, e oestudo do processo de aprendizagem nas nossas escolas oque realmente importa. Da mesma forma se justifica o en-

    colher de ombros com que muitas vezes se acolhe uma dis-cuss.-io de outros sistemas econ6micos que no o nosso. Afinal,temos de viver dentro do quadro do meu e do teu que a nossaparticular cultura estabelece.

    .Isto , realmente. assim. e o facto de as variedades deculturasse poderemdiscutir melhor tais como existem em

    espao, pretexto para a nossa nonchalance. Mas apenasa limitao de material histrico o que impede que se tiremexemplos da sucesso das culturas em tempo. Essa sucesso coisa a que no podemos furtar-nos. mesmo que o queiramos,

    e q~ando olhamos mesmo s uma gerao para trs que seja,entao compreendemos at que ponto foi longe a reviso, por

    vezes no nosso mais l)timo comportamento. At aqui tais

    revises tm sido no deliberadas, mas o resultado das cir-cunstncias que s retrospectivamente podemos figurar. E se

    no fosse a nossa relutncia em enfrentar mudanas culturaisem questes essenciais, enquanto elas se nos no impem, noseria impossvel assumir uma atitude ma:is inteligente e autori- .

    zada. Aquela relutncia em grande parte um resultado da

    nossa inc~mpr:enso. das convenes culturais, e especialmente..uma subhmaao daquelas que pertencem 11.nossa nao e ~

    [22]

    nossa dcada. Um conhecimento mesmo escasso de outras

    convenes e de como elas podem ser diferentes das nossas.

    contribuiria muito para promover uma ordem social racional.

    O estudo de culturas diferentes tem ainda outro alcance

    muito importante sobre o pensamento e o comportamento de

    hoje em dia. A vida moderna ps muitas civilizaes em con.tacto ntimo, e no momento presente a reaco dominante a

    esta situao o nacionalismo e o snobismo racial. Nunca~mais do que hoje, a civilizao teve necessidade deindividuos

    bem conscientes do sentido de cultura, capazes de verem objec-tivamente o comportamento socialmente condicionado de

    outros povos sem temor e sem recriminao.Desdm pelo estrangeiro no a.nica soluo possivel do

    . nossa actual contacto de raas e nacionalidades; esta: nem

    sequer uma soll1o cientificamente alicerada. A tradicio.

    nal intolerncia anglo-saxnica uma feio cultural, .local e.ttmporal como qualquer outra. Mesmo um povo to aproxima.damente do mesmo sangue e da mesma cultura como o espa-

    nhol dela no sofreu, e o preconceito de.raa nos paises decolonizao espanhola uma coisa completamente di~erentedo dos paises dominados pela Inglaterra e pelos Estado~

    Unidos. Nestes no se trata evidentemente de uma intolern-cia dirigida contra a mistura de sangue de raas biologica-mente muito distantes, porque ocasionalmente a exaltao

    to grande contra o catlico irlands em Bston, ou o italianona Nova Inglaterra, como contra o Oriental na Califrnia.

    t: a velha distino entre o grupo de.dentro e o grupo de fora,

    e se neste aspecto continuamos a tradio primitiva, temosmuito menos desculpa do que as tribos. selvagens. Ns viaj.

    mos, orgulhamo-nos das nossas vistas desempoeiradas. Mas

    no conseguimos compreendera relatividade dos hbitos cul.turais, e continuamos privados de muito proveito e de muito

    prazer nas nossas relaes humanas com povos de diferentes

    tipos de cultura, e a no ser dignos de confiana nas nossas

    relaes com eles.

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    II .

    II'

    o reconhecimento da base cultural do preCORCeitoderaa hoje uma necessidade desesperada na civilizao Oci-

    dental. Chegmos a um ponto em que alimentamos precon-ceitos de raa contra os nossos irmos.de sangue, os I rlande-

    ses, e em que a Noruega e a Sucia falam da sua inimizade

    como setambm'elesrepresentassem sanguesdiferentes. Acha.

    mada linha racial, durante uma guerra, em que a Frana e aAlemanha se batem em campos opostos, mantm-se para di.

    vidir o povo deBaden dodaAlscia, ~indaquesomaticamente

    ambos pertenam sub-raa alpina. Numa poca de movi-mentos sem embaraos e decasamentos mistos na ascendncia

    dos elementos'mais desejveis da comunidade, ,pregamos, sem

    corar de vergonha, o evangelho da raa pura.

    o.homem moldado pelo costume no pelo instinto

    A isto ,a'antropologia d duas respostas. A primeira res-

    peita natureza dacultura, ea segundanatureza daherana.A resposta respeitante natureza da cultura leva-nos at ssociedades pr-humanas. H sociedades em que a Natureza

    perpetua o mais tnue modo de comportamento por meio demecanismosbiol6gicos, mas tais sociedadesno so dehomens,so deinsectos. A formiga rainha, transportada para um ninho

    solitrio, reproduzir todas as feies do comportamento

    sexual, todos os pormenores do ninho. Os insectos sociais re-

    presentam a Natureza no disposta a correr quaisquer riscos.O padro de toda a estrutura social, confia-o ao comporta-

    mento instintivo da formiga. No h maior nmero deproba-bilidades de as classes sociais de uma sociedade de formigas

    ou de os seus padres de agricultura se perderem pela sepa-ra'odeuma formiga do seu grupo, do que de a formiga no

    vir a reproduzir a forma das suas antenas ou a estrutura do

    seu abdmen.Feliz ou infelizmente, a soluo do homem ocupa o plo

    oposto. Nada da sua organizaco social tribal, 'da sua lingua-

    gem, da sua religio local tran,!!,ortadona sua clula germi-

    nal. Na Europa, em sculos passados, quando seencontravam

    'crianas que tinham sido abandonadas e setinham conservado

    em florestas, separadas de outros seres humanos, eram de tal

    modo parecidas entre si que Lineuas classificou como uma

    e'pcie parte, Homo fems, e sups que eram uma espcie'

    de anes raros. No podia conceber que tivessem nascido dehomens, esses brutos idiotas, esses seres.-sem interesse no que

    sepassava suavolta, oscilandoritmicamente para trs e paradiante como qualquer animal dejardim zool6gico, com6rgos'

    da fala e daaudio que mal podiameducar-se, que resistiam

    ao frio apenas comuns farrapos e tiravam batatas degua aferver semo menor inc6modo. claro que no havia qualquerdvida que se tratava de crianas abandonadas na infilncia,.

    e o que a todas faltara fora a associao com os seus seme-

    lhantes, s atravs da qual as faculdades do homem se afinam

    e ganham forma.

    Hoje, na nossa civilizao, mais humanitria, j no seencontram crianas selvagens. Mas o facto ressalta comigualclareza dequalquer casodeadopo deuma criana em outra

    raa ou cultura. Uma criana Oriental adoptada por uma

    famlia Ocidental. aprenk ingls" revela para os seus paisodoptivos as atitudes correntes entre as crianas com quem

    brinca, e encarreira-se para as mesmas profisses que elas

    escolhem. Aprende todo o conjunto de feies culturais da

    sociedade que adoptou, e o grupo dos seusverdadeiros proge-

    nitores no desempenhaemtudo isto qualquer papel. O mesmo

    se passa em grande escala quando populaes inteiras ,se

    desembaraam da sua cultura tradicional em duas ou trs

    geraes e adoptam os costumes de um grupo estrangeiro.A cultura do Negro americano nas cidades do norte veio aaproximar.se em todos os pormenores da dos brancos nas

    mesmas cidades. H alguns anos, quando se fez um recensea-mento cultural em Harlm, um dos traos peculiares aos

    [251

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    Negros era a moda q)le seg)liamde apostar nos trs ltimosalgarismos dos investimentos da bolsa no dia seguinte. Pelomenos safa mais barato do que a correspondente predilecodos brancos por jogarem na prpria bolsa, e tinha a mesmaincerteza e era igualmente excitante. Era uma variante dopadro branco, mas nem por isso se afastava muito dele.

    E a maioria das feies de Harlm conservam-se ainda maisprximas das formas correntes~'em grupos -brancos.Por toda a parte, e desde o princpio da histria do

    homem, se demonstra que certos povos puderam adoptar acultura de povos de outro sangue. No h na .estrutura bjol_

    gica do homem nada que tome isto s e < W " e r difcil. muito menos~impossY:el.Qhomem no obrigado.-j).!;las~~~s!i.tui"o

    .~iolgica,a obedecer empormenox a qualquer variedade par.ticular de comportamento. A gJ;andediversidade de solucQ.ese~J'dSpor ele em djfrentes..c.ult,~!.i~_:m~p..l~.. uniodos se~ por exemplo, ou ao comrcio, so todas ig)lili!iente

    1 I poysveisna basedos seus dotes orIginais. A ~wltura..no_.JJm

    I complexo que seja transmitido biologicamente. -O q)leseperde emgarantia desegmana dada pela Nat)l'

    reza compensado pelasvantagens de uma maior plasticidade.No animal humano no se desenvolve, como no urso, um re-

    vestimento de plos que o resguardam do frIo, com o resul.t?do de, depois de muitas geraes, se adaptar aos rigoresrcticos. Ele aprende, sim, a fazer agasalhos e a construir uma

    casa de neve. Pelo que nos diz a hiStriada inteligncia nassociedades pr-humanas, como nas humanas, esta plasticidadefo( o hmus em que o progresso humano comeou a crescereem que setem mantido vivo. Nostempos dos mamutes, esp-cies.sobreespcies sem plasticidade surgiram, ultrapassaram-see desapareceram, vtimas do desenvolvimento daquelas mesmasfeies que a adaptao ao ambiente nelas tinha produzido.Os animais carnvoros e por fim os smios superiores vieramlentamente a apoiar-se em adaptaes no meramente biol-gicas, e foi sobre a consequente plasticidade assim aumentada

    [ 26]

    que se estabeleceram, pouco a pouco, as fundaes para odesenvolvimento da inteligncia. Talvez, como m)litasvezes ses)lgere, o homem venha a destruir-sea si prprio emvirt)ldeexactamente dodesenvolvimentodasuainteligncia.Masnuncaningum selembrou deaventar quaisquer meiospor quepossa-mos voltar aos mecanismosdoinsectosocial; demodo quenonos resta qualquer alternativa.. A herana cultural humana, Ii

    !J pnranosso bem ou para nossO mal, no se transmite biologica.//

    I i mente.O corolrio que daqui deriva em poltica moderna que

    noMqualquer fundamento no argumento de que podemosconfiar as nossas conquistas espiri tuais e culturais a quaisquer

    plasmas germinais especiais hereditrIos. Na nossa civilizaoOcidental a liderana. passou, emdiferentes perodos, sucessi-vamente para os Hamitas, para o subgrupo Mediterrneo daraa bran'ca e finalmente para os Nrdicos. No h: qualquerdvida acerca da realidade do facto da continuidade culturalda civilizao, seja quem for o seu portador em dado mo-

    mento. Temos deaceitar todas as implicaesdanossaheranahumana, uma das maiores das quais a inimportncia relativado comportamento biologicamente transmitido, e o papelenorme do processo wltural da transmisso da tradio.

    A pureza racial)) uma j]u~o

    A segunda resposta dada pela antropologia ao argumentodo purista racial. respeita natureza da hereditariedade. O pu-rista radal a vtima de um mito. Porque, o que vem a ,ser

    "herana racial,,? Sabe-semais oumenoso queherana depai

    para filho. Dentro de uma linhagem familiar a importnciadahereditariedadeimensa. MashereditarIedadeuma questode linhagens familiares. Para alm disso mito. Em comuni-dades pequenas e estticas, como uma aldeia Esquim isolada,l:ereditariedade racial e hereditariedade defilho e pais so pra-

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    !-

    v

    ticamente equivalentes, e nessas condies a expresso heredi-

    tariedade racial faz sentido. Mas como conceito aplicado a

    grupos espalhados por uma rea vasta, digamos, no caso dos

    Nrdicos, no tem qualquer base real. Em primeiro lugar, em

    t~as as naes nrdicas h linhagens de familia que tambm

    sao representadas em comunidades alpinas ou .mediterrneas.

    ~alquer anlise da constituio fsica de uma populao euro-pela apresenta zonas de sobreposio: o Sueco de olhos e cabelos

    escuros representa linhagens de famlia que so mais concen-tradas para o Sul, mas ele deve ser considerado em relao ao

    que sabemos destes ltimos grupos. A sua hereditariedade na

    medida ~m que tem qualquer realidade fsica, uma qu~toda sua lInhagem de famlia, que no se confina Sucia. No

    .sabemos at que ponto tipos fsicos podem variar sem entre-

    mistura. Sabemos que o' ntracruzamento provoca o apareci-

    mentO' de um tipo local. Mas este caso quase no' se d na

    nossa cosmopolita civilizao branca, e quando se invoca a

    "hereditariedade racial, como habitual, para reunir um grupo

    de. pessoas com, aproximadamente, a mesma posio econ-mIca,..com cursos de, aproximadamente, as mesmas- escolas, eque leem os mesmos semanrios, tal categoria nada mais do

    que oun:a ver~o do grupo dentro do grrnio e do grupo forad~grrnlO, e nao se refere verdadeira homogeneidade biol-gIca do grupo.

    . . O que na realidade liga os homens a sua cultura - as,delaS e os padres que tm em comum. Se em vez de escolherum smbolo como hereditariedade de sangue comum. e de o

    arvorar em moto,. a nao dirigisse antes a sua ateno para acultura que une o seu povo, pondo em relevo os seus mritose reconhecendo os diferentes valores que se podem desenvolver

    nu~a cultura diferente, substituiria urna espcie de simbolismopengoso, por ser enganador. por um pensar realista.

    [28]

    Razo para se fazer o estudo de povos primitivos

    No pensar social necessrio um conhecimento de diferen-

    tes.forma5:e:

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    h este o nico laboratrio de formas sociais de que dispomos

    ou disporemos.Estelaboratrio temoutravantagem. Osproblemaspem.se

    aqui em termos mais simples do que nas grandes civilizaesOcidentais. Comasinvenes que tomam fceis ostransportes,com cabos ~temacionais}.telefones, rdiotransmisso, aquelasinvenes que asseguram permanncia e vasta distribuio da

    imprensa, o desenvolvimento de grupos profissionais, cultos eclasses em concorrncia e a sua uniformizao por todo o

    mundo, a civilizao moderna tomou-se demasiadamente com~

    plexa para ser convenientemente analisada, excepto quando,para isso, sefraccione em pequenas seces artificiais. E estasanlises parciais so inadequadas porque muitos factores exter.nos que se.apresentamno podemser controlados. Umarevistade qualquer grupo envolve indivduos provenientes de gruposheterogneos opostos. compadres diferentes, diferentes objec.tivos sociais, relaes familiares e moralidade. A inter.relaodestes grupos demasiadamente complicada para a avaliarmos

    com o necessrio pormenor. Na sociedade primitiva, a tradiocultural suficientemente simples para que o saber de cadaadulto a abranja, e os modos de proceder e a moral do grupoajustam.se a um padro geral bem definido. h possvel nesteambiente simples. avaliar a inter.relao de aspectos de umaforma impossvel nas corr entes que se chocam na nossa com.

    plexa civilizao.Nenhuma destas razes para insistir nos factos de cultura

    primitiva tem nada que ver com o uso que classicamente

    setem feito deste material. Esteuso visava reconstituio deorigens. Os antropologistas anteriores tentavam dispor'todos os

    aspectos de'culturasdiferentes numa sequncia evolutiva;:desdea~~:ri~.e~~asfo~.~~~~Ci Q seu desenvolvimento ltimo na civi.

    lizao Ocidental. Masno sedevesupor que ao discl!!ir a..reli.g!-Q.Aus.traliana&~()~'~~ss';;-n6;"~st;mo;'~'~evel-;; a~ligi~pri!Uitiva, ou que ao discutir a ~~ganiz~o~ocil Iroquina

    revertemos aos hbitos de acasalamento dos primeiros ante.

    passados do homem.Uma vez quesomosforados aaceitar queo homemcons.

    titui uma espcie. conclui-seda quepor toda aparte o homemtem atrs desi uma histria igualmente longa. h possvel quecertas tribos primitivas se tenham conservado mais prximasdeformas primitivas decomportamento do que o homemCivi.

    lizado. mas pode suceder que isto seja apenas relativo, e. asnossas suposies tanto podem ser verdadeir as como err neas.Nosejustifica que identifiquemosqualquer primitivo costumeactual com o tipo original de comportamento humano. No

    ponto de vista de mtodo s6 h uma maneira de atingir umconhecimento aproximado dessesestdios primitivos dahuma.nidade; pelo estudo da distribuio dessepequeno nmero defeies universais ou quase universais da sociedade humana.

    Muitas so bem conhecidas. Dentre elas todos concordam emcontar o animismo C ) e as r estries ex6gamas sobre o casa-

    mento. Mais questionveis so as concepes, que afinal mos-

    tram ser muito diferentes, sobre a alma humana e sobre urna

    vida futura. Cr enas quase universais como estas ltimas. podemjustificadamente considerar-se como invenes humanas.extraor-

    dinariamente antigas. O que no quer dizer que as consideremos

    determinadas biologicamente, poisquepodemter sidoinvenesmuito primitivas do homem, feies de berO) que se tOT-

    naram fundamentais em todo o pensar humano. Em ltima

    anlise podem ser to socialmente condicionadas como qualquer

    costume local. Mas tornaram-se desde h muito automticasno comportamento humano. So antigas e universais. Mas no

    podemos concluir da que as formas que hoje sepodem obser-var sejam as formas originaissurgidas nos tempos primitivos.'1emh qualquer processodereconstituir essasorigensa partirdo estudo das suas variedades. Podemos' isolar o ncleo uni-

    (1) Crena na' existncia do esprito em ,toda a Natureza.

    (N. do T. alemo)

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    versal da crena e derivar dele as suas formas locais, mas apesardisso ainda possvel que' a feio particular tenha surgido deuma forma localpronundada e no de qualquer minimo deno-

    minador comum de todas as formas observadas.Por isto, a utiliZao de costumes primitivos no estabele-

    cimento de origens de natureza especulativa. possvel for-mular um argumento em apoio de quaisquer origens que se

    desejem, origens que se excluam mutuamente ou que sejamcomplementares. De todas as utilizaes de material antropo-lgico, este aquele em que especulao seguiu especulaomais rapidamente, e em que, pela prpria natureza da questo,

    no possvel fazer prova.1o-pouco a razo de utilizar- sociedades primitivas na dis-

    cusso de formas sociais est necessariamente, relacionada comum romintico regresso ao primitivo. Ele no se fil ia em qual-quer esprito de poetizao dos povos menos evoludos. Sobmuitm aspectos a ,cultura de um ou outro povo seduz-nos forte-mente nesta era de padres heterogneos e de, confusa agitaomecinica. Mas no num regresso a ideais conservados porpovos primitivos para nossO proveito, que a nossa sociedadecurar os seus males. O romintico Utopianismo que anseia peloprimitivo mais simples, por atraente que por vezes possa ser,constitui nos est~dos de antropologia tanto um empecilho como

    ,umfuxlio.O estudo cuidadoso das sociedades primitivas hoje, como

    dissemos, importante, mas por fornecer material para o estudo

    de formas e processos' culturais. Ajuda-nos a distinguir as res-

    postas especficas de ,tipos ou],nurraisl0ca5,das que Sogerais naHumanidade. Alm disto ajudam-nos a avaliar e compreendero papel imensamente importante de comportamento cultural-

    mente condicionado. A cultura, comos seusprocessos e funes, um assunto sobre que necessitq.IDOS todo o esclarecimentopossvel, e em nada como nos factos das sociedades pr-letradas

    ns podemos buscar colheita mais compensadora.

    2

    A DIVERSIDADE DE CULTURAS

    o vaso da vida

    ./

    UMchefe ,dos Ind,ios Digge0~)( como os habitantes da

    Califrnia lhes ,chamam, falou muito comigo a res-peito do'S-hbitos do seu povo em tempos idos. Era

    cristo e pioneiro entre os seus na cultura de pssegos e alperces

    de regadio, (mas ao fa~'aiI ' dos xalms que, vira cle co m os seus

    olhos, se tinham transformado em ursos durante a dana-dos-

    -ursos, as mos tremiam-lhe e a voz vibrava de emoo. Era uma

    .coisa extraordinria a energia do seu povo nos tempos antigos.

    Mais do que tudo gostava de falar do que o deserto lhes dva'como alimentos. Tr atava cada planta que arrancava, com amor

    e 'com uma segurana absoluta da sua importncia. Nesses

    tempos o seu povo tinha comido "da sade do deserto, diziaele, e ignorava tudo a respeito de latas de conserva e do quese vendia nos talhos. Tinham sido estas inovaes que tinham

    ",abado por faz-los egenerar.Um dia, sem tr ansio, Ramon comeou a descrever como

    (l) (l!ndios Diggerll, os autctones da Grande Bacia. (N. do T.

    aiemo)

    3 _ P. DE CULTURA

    ...

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    _ _

    s~~magava o mendobi esepreparava sopa debolota. "No prin-cpio, dizia,

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    sejam afins da nOssa resulta de tentarmos relacionar sistemas

    f~n~icos estranhos. com. o nosso prprio como ponto de refe-renCla. Ns s reconhecemos um .K. _Se outras tm cinco

    sons diferentes de Klocalizados em diferentes pontos na gar-

    ganta e, n.a boca, -nos' impossvel compreender diferenas devoc:bularro e de construo que dependem daquelas locali-zaoes enquanto .no dominarmos estas. Ns temos um d

    e um n. Entre eles pode haver um som intermedirio que seno conseguimos identific-lo. representaremos ora por u~ dora por um n, introduzindo distines que no existem. A con.

    dio prvia elementar da an)ise J inguIstica possuir a cons-.cinci~ desse incrvel nmero de sons ao nosso dispor, de quecada Imguagem escolhe uns tantos.

    ITambm em cultura temos de imaginar um grande arco

    em que alinham. o~ inte.resses possveis que o ciclo da vidahumana. ou o ambiente. ou as vrias actividades do homemfom~cem. Uma cultura que acumulasse mesmo uma proporo~onsldervel desses interesses seria to inteligvel como uma

    lmguagem que utilizasse todos os sons linguais, todas as sus-penses glticas, todas as labiais, dentais, sibilantes. e guturais~as mudas s tnicas. das orais s nasais,jL selL Cancter distin- '~ como uma cultura. depende da~col~~. de certos se;~~nt~s~essear? Toda a sociedade hum ana ,on -de ( fue r -gu e~a~Ieahzou-e.:;sa escolha n_~_:;uasinstituies culturais. Cadauma del~s. do ponto de vista de-qualquerufr~gnfa o que I

    _essencial e explora o que irrelevante. Uma cultura quasenao reconhece valores monetrios; outra tomou-s fundamen-tais em todos os campos do comportamento. Numa sociedade

    a tcnica ~acreditavelmente desdenhada. mesmo naqueles

    a~:ct?s da Vidaque parecem necessrios para garantir a sobre-

    VlVe?Cla;em outra to simples como ela, os aperfeioamentOstcniCOSso extraordinariamente complexos e admiravelmente

    adequados a cada situao. Uma erige uma enorme superstru-~ra cultural sobre a adolescncia. outra. sobre a morte, O)ltraamda, sobre a vida futura.

    o caso da adolescncia particularmente interessante, j

    porque est em foco na nossa civilizao, j porque sobre. el~dispomos de informaes suficientes relativas a outras culturas.Entre ns toda uma vasta bibliografia de estudos psicolgicos

    p; em relevo a inevitvel inquietao do penodo da puber~dade. Na nossa tradio ele . u.mestado_fisiolgico to precisa-mente caracterizado por exploses domsticas e por rebelio.

    como a tifide o pela febre. No so os-factos que faltam.Na Amrica so comuns. O problema est antes na sua inevi-

    tabilidade.

    Maneiras diferentes em diferentes sociedades

    de considerar a adolescncia ea puberdade

    o exame mais perfunctrio dos modos como diferentes

    sociedades tm considerado a adolescncia, pe em evidncia oseguinte facto: mesmo naquelas culturas que do mais impor-

    tncia a este aspecto. a idade em que fazemincidir

    a sua aten-o varia num largo i ntervalo de anos. B, pois; imediatamente

    claro que se continuamos a pensar em,termos de puberdade

    biolgica as chamadas instituies de puberdade so uma mdesignao. A puberdade que elas consideram de natureza s0-cial, e as ceri mnias corr espondentes so um" reconheCi mento,

    varivel na forma. da nova condio do estado de adulto dacriana. Esta investidura em novas ocupaes e obrigaes consequentemente to variada e culturalmente to condicionada

    como o so aquelas mesmas ocupaes e obrigaes. Seo nicodever considerado 'honroso do homem adulto so os feitos

    guerreiros, a investidura do guerreiro faz-se mais tarde e de

    natureza diferente da de uma sociedade em que o estado deadulto confere o privilgio de danar numa representao dedeuses mascarados. Para compreendermos as instituies de

    puberdade no da anlise da necessria natureza

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    I .

    desaber o que, em diferentes culturas. seidentifica com o incio

    da fase de adulto e quais os seus mtodos de admisso no novo

    estado de matjJ ridade.Maturidade na Amrica. Central significa. capacidade. de

    fazer a guerra. Honorabilidade nesta a grande.ambio de

    todos os homens. O' tema sempre repetid" da emancipao domancebo, como da preparao para a carreira das armas em

    qualquer idade, um ritual mgico do xito na guerra. Ator.

    tura no inflingida aos iniciados por outrem. mas por estesa si prprios: cortam tiras de pele nos braos e pernas, amputamdedos. arrastam grandes pesos fixados aos msculos do peito

    ou das pernas. O seu galardo exaltao de proezas em feitos

    de guerra., Na Austrlia. pelo contrrio. maturidade significa partici-

    poo num culto exclusivamente masculino cuja feio funda-

    mental a excluso de mulheres. Qualquer mulher que ouasequer o homem que solta urro do touro nas cerimnias# condenada a morrer; ela nunca deve ter conhecimento dos ritos.

    As celimnias de puberdade so repudiaes simblicas e com-plicadas dos ligaes com a fmea; os homens so simbolica-mente promovidos a seres que se bastam a si prprios e ele-

    mentos completamente responsveis da comunidade. Para alcan-

    arem esse fim empregam-se drsticos ritos sexuais e confe-

    rem-se ao iniciado garantias sobrenaturais.Os factos fisiolgicos claros da adolescncia so, pois, prin-

    cipalmente, interpretados socialmente, mesmo onde eles sopostos em relevo. Mas uma revista das instituies de puber-dade torna evidente uma coisa: a puberdade , no ponto devista

    fisiolgico, uma coisa diferente no ciclo vital do macho e dafmea. Se o aspecto cultural acompanhasse o aspecto fisiolgico,

    as cerimnias no caso das raparigas seriam mais fortementecaracterizadas do que no dos rapazes; isso, porem, no oque se d. As cerimnias celebram um facto sodal: as prerro.

    gativas do homem tm mais largo alcance do que as das

    mulheres, seja qual for a cultura, e por' consequncia. como

    nos casos acima citados, mais comum nas sociedades darem

    ateno a este perodo nos rapazes do que nas raparigas.A puberdade de rapazes e de raparigas pode, porm, ser

    celebrada na tribo da mesma maneira. Onde, como no interior

    da Colmbia Britnica, os ritos de adolescncia so um treino

    mgico para todas as ocupaes, os rapazes e as raparigas so.

    sujeitos aos mesmos tipos de procedimento. Os rapazes fazem

    rolar pedras pelas montanhas empurrando-as encosta abaixo.para serem rpidos na corrida, ou arremessam varas.de-arre..

    messo para serem bem sucedidos nos jogos; as raparigas trans-portam gua de fontes distantes ou deixam cair pedras .entre

    as roupas e o corpo, para que os seus filhos nasam com tanta

    facilidade como as pedras caem.Numa tribo como a Nandi. da regio dos lagos da Africa

    Oriental, rapazes e raparigas partilham em comum num rito depuberdade uniforme. ainda que, atendendo ao papel dominantedo homem na cultura, o seu perodo de treino juvenil seja mais

    intenso do que o das mulheres. Neste caso os ritos so uma

    provocao infligida pelos j admitidos situao de adultos.aos que eles agora so forados a admitir no seu seio; E,,:igemceies o mais complexo estoicismo perante engenhosas torturas.

    relacionadas com a circunciso. Os ritos para os dois sexos

    so separados mas seguem o mesmo padro. Em ambos, osnovios envergam para a cerir n6nia' os vesturios dos seus

    namorados. Durante a operao espiam-se-Ihesos mais ligeiros

    sinais de sofrimento, e a retribuio da coragem . conferidacom grande regozij~pelo namorado, que se adianta' para receber

    qualquer dos seus adornos. Para ambos, rapariga e rapaz, osritos marcam a sua entre numa nova situao de~exo:.o rapaz

    agora um guerreiro e pode ter uma namorada, a rapariga

    pode casar-se. Os testes de adolescncia so para.ambos os sexosuma provao pr-marital. em que a palma conferida pelos

    respectivos namorados. .Os ritos de puberdade podem tambm assentar nos factos

    da puberdade da rapariga. sem admitir extenso aos rapazes.

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    Ii.

    :;

    Um dos mais ingnuos deste gnero 'a instituio dac-asa-de-,engorda para raparigas, na frica Central. Na regio em que abeleza quase se identifica com aobesidade, a rpariga na puber-dade segregada, s vezes durarite anos, alimentada com gor-duras e substncias doces, eno desenvolve qualquer actividade,e fricciona-se-Ihe o corpo repetidamente com leos. Duranteesseperodo ensinam-se.lhe os seusfuturos deveres, e a reclusotermina com uina exibio da sua coryulncia a que se segue ocasamento com o noivo. orgulhoso. Quanto ao homem no se

    considera necessrio que ele atinja semelhante forma de apa-re'nte beleza.

    As ideias usuais em torno das quais as instituies de pu-berdade gravitam, e que no se alargam naturalmente' aosrapazes, so as relacionadas com a menstruao. A impurezada mulher menstruada uma ideia muito espalhada, e emcertasrcgi.esa primeira menstruao tomou-se o foco em qu~COll- .

    vergem todas as atitudes com ela relacionadas. Os ritos de pu-'berdade nestes casos tm um carcter completamente diferente

    dos daqueles de que j~ falmos. Entre os ndios Camer daColmbia Briclnica, o temor e o horror da puberdade de umarapariga a~giu o grau mximo. Os seus trs ou quatro anosde isolamento designavam-se pela expresso ."enterramento emvida", e durante todo esse tempo ela vivia sozinha na selva,numa cabana de ramos afastada de todas as veredas frequen-tadas. Constitua uma ameaa para todo aquele que sequera visse, mesmo. s de fugida, e as suas meras pegadas poluamum carreiro ou um rio. Andava coberta com uma grande capade pele curtida que lhe escondia a cara e os peitos e por trslhe caia at aos ps. Os braos e pernas estavam carregadoscom tiras de tecido tendinoso, para a proteger do esprito mau

    de,que estava possessa. Em perigo, .ela mesma, constituia paraos outros uma fonte de ameaas.

    As cerimnias de puberdade' das raparigas, fundamentadasnas ideias que se associam ao mnstruo, so facilmente conver-tiveis no que, do ponto de vista do indivduo em questo, o

    comportamento exactamente oposto. H sempre. dois. aspectospossveis do sagrado; ele pode se r uma fonte deperigos ou.umafonte de bnos. Em certas tribos a primeira menstruaoda rapariga uma grande bno sobrenatural. Assim, entreos apaches, vi osprprios padres.passarem, dejoelhos, .diantedafileira de solenes rapariguinhas, para delas receberem a bnode os tocarem. Todas as criancinhas e os velhos acorrem taro'

    bm' at elas. para que os aliviem dos seu~males. As adoles-centes no so segregadas' como fontes de peri gos. mas rende-se4

    -lhes preito

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    Samoa. Ai a vida da rapariga passa por perodos bem .caracte-

    rizados. Os seus primeiros anoS depois da infincia, passa-os em

    pequenos grupos vizinhos de compariheir'!.s da mesma idade,

    de que os rapazes so estritamente excludos. O cantinho daaldeia a que ela pertence o que realmente importa, e os rapa-

    zitos so seus inimigos tradicionais. O seu dever tratar da

    criana de idade infantil, mas em vez de ficar em casa a cuidardela, leva-a consigo, e assim os seus divertimentos no so

    seriamente prejudicados. Alguns anos antes da puberdade.

    quando j ganhou foras suficientes para selhe poderem exigir

    tarefas mais pesadas e se tomou. suficientemente sensata para

    aprender tcnicas que exigem mais habilidade, o seu grupo,

    em que cresceu e brincou, dispersa-se. Passa a usar trajes de

    .mulher e cabe-lhe cooperar na lida da casa. Para ela este pe-

    rodo l: bem pouco interessante, e no passa de calma rotina.

    A puberdade no altera nada.Passados anos, depois de ser mulher feita, comeam os

    tempos ~K!veis de am1noricnscasuais e irresponsveis q'llieeb

    prolongar tanto quanto possa at ao momento em que con-siderada j capaz de casar. Nenhuma manifestao social re-

    conhece expressamente a sua puberdade, nem mudana deatitude nem expectativa. Tudo se passa como se a sua timidez

    de pr-adolescente continuasse durante alguns anos. A vida derapariga, em Samoa, absorvida por outras consideraes que

    no a de maturao fisiolgica do sexo, e a puberdade passa

    como um perodo particulannente apagado e calmo durante

    o qual no se manifestam quaisquer conflitos de adolescente.

    A adolescncia, por consequncia. no s no celebrada por

    qualquer cerimonial. como no tem qualquer espcie de impor-lincia na vida emocional da rapariga e na atitude da aldeia

    para com ela.

    [42] .

    Povos que nunca ouviram falar de 8uerra

    A guerra outro tema social que pode ser ou no consi-

    derado em cada cultura. Onde se lhe liga grande imporlincia,

    pode ter objectivos diferentes. diferente organizao relativa-

    mente ao Estado. e arrastar consigo sanes diferentes. Pode ser

    um meio de obter cativos para, sacrifcios religiosos, como

    sucede entre os Astecas. Como os espanhis combatiam, segundoo modo de ver Asteca, para ma"tar,faltavam s regras dojogo.

    Os astecas perderam a coragem, e Corts entrou vitorioso na

    capital.H, at, em diferentes partes do mundo, noes a respeito

    da guerra que so, do noSSOponto de vista, ainda mais singu-

    lares. Para o fim que n"s propomos basta notar o que sepassa

    naquelas regies em ..queno se encontram meios organizados de

    matana mtua entre grupos sociais. S a nossa famili aridadecom a guerra torna inteligvel que um estado de guerra alterne

    com um estado de paz nas relaes de uma tribo com outra.

    Esta ideia,. , naturalmente, perfeitamente vulgar em vriaspartes do mundo. Mas, por um lado, para certos povos, incon-cebvel um estado de paz, o que para a sua maneira de ver,

    seria equivalente a admitir tribos inimigas na categoria de seres

    humanos que, por definio, eles no so, mesmo que a triboexcluda possa ser da mesma raa e ter a mesma cultura que

    as outras.Por outro lado, pode ser igualmente impossvel a um povo.

    conceber um estado de guerra. Rasmussen fala-nos da perplexi-

    dade com que o. Esquim reagiu sua exposio do nosso .

    costume. Os esquims compreendem perfeitamente que se mateum homem. Se ~le se lhe atravessa no caminho, deita contas

    sua prpria fora e, se se sente capaz deO.

    fazer, mata-o.Se o que matou forte, no h,interveno social. Mas a ideia

    de uma aldeia esquim atacar outra aldeia esquim em ar deguerra, ou de uma tribo atacar outra tribo, ou. at, de outra

    aldeia poder ser legitimamente atacada de emboscada, para.

    [43]

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    eles completamente estranha. Matar sempre matar, e no se

    distinguem, no acto, categorias, como ns fazemos: ser.o matar,

    num caso coisa meritria e noutro ofensa capital.

    Eu prprio tentei falar de guerra aos ndios da Misso, daCalifrnia, mas era coisa impossvel. A. sua incompreenso de

    um estado de guerra era irredutvel. No havia na sua cultura

    base em que assentasse tal irleia, e as suas tentativas de pro-curar interpret-la racionalmente reduziam as grandes guerras.

    a que ns estamos prontos a entregar-nos com fervor moral.a meras desordens de vielas. No tinham na sua cultura padronada que lhes permitisse distinguir uma coisa da outra.

    A guerra,vemo-nos forados a admitir, mesmo perante Olugar enomie que ocupa na nossa civilizao, um aspectoassociaI. No caos que se seguiu Segunda Grande Guerra Mun.dial, todos 05argumentos que lio decorrer dela se apresentavampara explicar o alto preo da coragem, do .altrusmo, dos va-

    lores espirituais, soavam desagradavelmente a falso. Guerra, na

    nossa civilizao, o melhor exemplo dos excessos de destrui-

    o at que pode conduzir o desenvolvimento de uma feiocultura.lmente escolhil:b. Se justificaJmos .a guerra parquetodos os povos justificam os aspectos de que se sentem possui.

    dores, no porque a guerra resista a um exame objectivo dosprprios mritos.

    Costumes relacionados com .Q casamento

    A guerra no um caso isolado. Em todas as partes. do

    mundo e em todos 05nveis decomplexidade tultural possvel

    encontrar. exemplos da elaborao presunosa e, afinal decontas, associai de uma feio da cultura. Esses casos so damhima clareza onde, como por exemplo, emnormas de regime

    alimentar ou de acasalamento, a tradio vai contra 05impulsosbiolgicos. A organizao social, em antropologia, tem um sig-

    nificado inteiramente especializado, devido unanimidade, exis-

    tente em todas as sociedades, em acentuar os grupos de paren-

    teSco em que o casamento proibido. No h nenhum povo

    em que toda a mulher seja considerada .como uma esp~sa

    possvel. Isto no um meio de, como mUltas vez~ .sesupoe;evitar unies consanguneas, no sentido. em que ISto nos efamiliar, porque em muitas partes do mundo a esposaprevista uma prima, muitas vezes a filha de um tio matemo. aspa-

    rentes a que a proibio serefere variam radicalmente de povop

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    da sua gerao com quem reconhecem ter qualquer parentesco.

    A categoria primo ou qualquer coisa que lhe corresponda no

    existe; todos os parentes da gerao de um individuo so seus

    irmos e irms.Este modo de avaliar o parentesco mais comum do que

    pode julgar-se, mas na Austrlia h, alm disso, um horror sem

    igual pelo casamento com uma irm, e um desenvolvimento

    sem paralelo de restries exgamas. Assim os K urnai, com oseu sistema de classificao de parentesco levado ao extremo,

    sentem o horror caracterstico do australiano pelas relaes

    sexuais com todas as sua~irms, isto , com as mulheres da

    sua gerao que de qualquer modo com eles so aparentados.Alm disto, os K urnai tm regras locais estritas que presidem escolha de uma companheira. Por vezes duas localidades das

    quinze ou dezasseis que pertencem mesma tribo, so obrigadas.

    a trocar as mulheres, e no escolher esposas em qualquer outrogrupo. Mais ainda, como sucede em toda a Austrlia, os velhos

    so um grupo privilegiado, eos seus privilgios vo at poderem

    casar com as raparigas j0vcns e atraentes. Resulta destas regrasque, claro, em todo o grupo local que deve por prescrio

    absoluta fornecer a um mancebo uma esposa, no h raparigaque no caia dentro do campo destes tabus. Ou uma das quepor p:rentesco com a me daquele sua irm, ou foi j nego-

    ciada por um velho, ou por qualquer razo menos importante

    vedada ao pretendente.Isto no leva os K umai a reformular as suas r egras de

    exogamia. Insistem em que elas sejam respeitadas, por todas

    as formas de violncia. Por consequncia, o nico.meio por queconseguem casar-se levantando-se francamente contra as-re-

    gulaes, recorrendo ao rapto. Logo que a aldeia tem conheci-

    mento do que se passou, lana-se em perseguio. dos fugitivos,e se o par apanhado, matam os dois. No i mporta que. como

    pode suceder, os perseguidores se tenham casado tambm por

    rapto. A indignao moral enorme. H, porm, uma ilha que considerada refgio seguro, e seosfugitivos conseguem chegar

    l e a se conservarem at que lhes nasa um filho, quando de

    volta sii,o ainda recebidos com pancadas, certo, mas podem

    defender-se. Depois de aceitarem o repto e de passarem entrefilas de homens, e de.serem por eles aoitados e espancados;

    assumem ento o estado de pessoas casadas na tribo.

    Esta maneira deosKurnai resolverem o seu dilema cultural

    bem tipica. Alargaram e complicaram um aspecto particular

    de conduta at ao ponto de o tornar um impedimento. Ou tmde o modificar, ou o r odeiam por subterfgio. Ao. recorrer ao

    subterfgio evitam a extino, e mantm a sua tica sem alte-

    roo patente. Este modo de tratar o mores nada perdeu com

    o progresso da civilizao. A gerao antecedente da nossa

    civilizao defendeu a prostituio, e nunca os 10uv>res"da

    monogamia foram to fervorosos como nos grandes tempos. dos

    bairros da lanterna vermelha s portas. As sociedades justificam

    sempre as frmulas tradicionais favoritas. Quando estas so

    excedidas e se recorr e a alguma. nova forma de comportamento

    suplementar, presta-se preito frmula tradicional como se este

    no existisse.

    Entretecimento de feies culturais

    .Esta rpida revista de formas culturais humanas pe a

    claro vrios falsos conceitos comuns. Em primeiro lugar as insti-

    tuies que as culturas humanas erigem sobre as indicaes

    dadas pelo ambiente ou em virtude das necessidades fsicas do

    homem, no se mantm sem se desviarem do impulso origina!,

    to integralmente como facilmente sejulga. Aquelas indicaes

    so, na realidade, meros esboos grosseiros, uma lista de factos

    crus. So potencialidades nfimas, e a elaborao que em voltadelas se borda ditada por muitas consideraes estranhas

    questo. A guerra no a expresso do instinto da belicosidade.

    A belicosidade do homem uma caracterstica to nfima no

    carcter humano que pode nem ter qualquer expresso nas

    [47]

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    relaes entre as tribos. Quando institucionalizada, a frmula,

    que assume segue outras 'linhas de pensamento diferentes das

    implcitas no impulso original. Belicosidade no passa de umleve porito de contacto na bola do' costume, e um ponto, alm

    disso, que pode no ser tocado.Este modo de ver os processos culturais exige uma rectifi.

    cao de muitos dos nossos argumentos correntes em defesa

    das nossas instituies tradicionais. Esses argumentos assentamordinariamente na impossibilidade de o homem funcionar, naausncia dessas particulares formas tradicionais. Mesmo feiesmuito especiais intervm nesta espcie de validao, como,por exemplo, a forma particular de mbil econ6mico que surge

    no nosso sistema particular deposse de bens individuais. esta

    . uma motivao, especialssima, e h provas de, que mesmo nanossa gerao est a sofrer fortes modificaes. Seja pormcomo for, no temos de tomar confuso o problema discutindo"

    como sese tratasse de ~ma questo devalores desobrevivncia

    biol6gica. Manuteno do indivduo um. motivo de que a

    nossa civilizao tirou proveito .."Se a nossa estrUtur a I11:udardemodo que este motivo perca o valor de mbil to forte como ofoi na era da gran,defronteira e do industrialismo em expanso.h muitos outros motivos que seriam adequados a uma nova

    organizao econ6.mica. Cada cultura, cada era, explora apenas

    p.ouc'ls de entre um grande nmero de alternativas possveis.As transformaes podem ser muito inqui.etantes e envolverem

    grandes perdas, mas isso resulta das dificuldades de tudo o que mudana em si, no do facto dea nossa poca, e o nossO pas

    terem acertado na nica possvel motivao pe!

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    lei social geral os resultados de uma fuso local de feies, ou

    tomamos a sua unio como uin fenmeno universa!. O gran-

    dioso perodo da arte plstica da Europa foi motivado religiosa-

    mente. A arte. pintou e tomou propriedade comum as cenasreligiosas e os dogmas, fundamentais no ponto de vista desseperodo. A esttica europeia moderna teria sido absolutamente

    outra se a arte medieval tivesse sido puramente decorativa e

    no tivesse feito causa comum com a religio.No ponto de vista puramente histrico tm-se, no campo

    da arte, dado grandes acontecimentos notavelmente alheios motivao e utilizao religiosa. A arte pode manter-se defi-nitivamente alheia religio, mesmo onde uma e outra atin-giram alto desenvolvimento. Nos povos do Sudoeste dos EstadosUnidos, as formas de arte da olaria e dos tecidos provocamgrande respeito nos artistas de qualquer cultura, mas os seusvasos sagrados usados pelos padres ou prprios dos altares soinferiores, e as decoraes, rudes e no estilizadas. Nalgunsmuseus tm-se posto de parte objectos religiosos do Sudoeste

    por estarem muito abaixo do nvel tradicional de habilidade.Os. Indios Zuiiis dizem, querendo significar que as exignciasreligiosas eliminam toda a exigncia de perfeio artstica:Temos de representar aqui uma r." Esta distino entre artee religio no um carcter exclusivo dos Pueblos. Certas tribosda Amrica do Sul e da Sibria fazem a mesma distino, aindaque a manifestem de maneiras diferentes. No utilizam a habi-lidade artstica para servir a religio_ Em vez, pois, de buscar-mos fontes da expresso artstica em um assunto localmente

    importante; a religio, como os velhos crticos dearte por vezest'mfeito, devemos antes investigar at que ponto arte e religio

    mutuamente se interpenetram, e as consequncias de tal inter-

    penetrao para a arte e a religio.

    [50 ]

    Espritos Buardies e vises

    A interpenetrao de diferentes campos da experincia,

    e a consequente modificao que para eles dai resul~, ,po~eexemplificar-se por factos de todas as fases da exJStenc~a:economia, reiaes entre os sexos, folclore, cultura matenal

    e religio. O processo pode ser ilustrado por uma das fei~

    religiosas largamente espalhadas dos Amerndios do Norte. Portodo o continente, em todas as reas de cultura. excepto a dos

    povos do Sudoeste, o poder sobrenatural obtinha-se atravs deum sonho ou viso. O xito na vida, segundo as suas crenas,.

    resultava de I .lI D contacta pessoal com o sobrenatural. A viso

    de cada um conferia-lhe poder para durante toda a vida, e em

    certas tribos r e n o v a v aMse constantemente o contacta com os

    espritos buscando novas vises. Fosse o que fosse que ele viss~,

    um animal ou uma estrela, uma planta ou um ser sobrenatural,

    fazia de quem o visse um protegido pessoal, e aquele que assimficava sob a sua proteco, podia a isso recorrer quando o ne-cessitasse. Ele tinha deveres a cumprir para com o seu patrono

    em viso, oferendas a dar-lhe e obrigaes de toda a espcie.Em troca, o espirito conferia-lhe os poderes especficos que lhe

    prometera no momento da viso. .Em cada grande regio daAmrica do Norte este complexo

    esprito guardio tomava formas diferentes segundo as o~tras

    feies da cultura com que estava mais intimamente assoClad~.Nos planaltos da Colmbia Bri tnica associava-se com as cen-

    mnias de J .dolescncia a que nos referimos. Rapazes e rapa.

    rigas, nessas tribos, iam, na adolescncia, p~ra a:' montanhas,para realizarem um treino mgico. As cenmmas de puber-dade esto largamente espalhadas ao longo de toda a Costa do

    Pacfico, e no maior parte dessa regio so completa~en:edistintas das prticas do esprito guardio. Mas na Colu:nb~aBritnica confundiam-se. O clmax do treino de adolescenCla

    para os rapazes era a aquisio de um espirito guardio ~ue

    pelos seus dons ditava a profisso do jovem para toda a VI da.

    [srJ

    . '"

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    Seria. guerreir~, _sacerdo;e; caador, jogador, segundo o quelhe ditasse a VlSaOsobrenatural. As raparigas tambm recebiamos seus espritos guar

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    --

    cl. As cerim6nias de adolescncia e a organizao social rece-

    bem tambm coloridos especiais pela sua interpenetrao com

    a busca da viso. A interaco mtua. O complexo da viso,

    os ritos de pubCrdade, a organizao em cl, 'e muitas outrasfeies que entram tambm em relao com a viso, so fios

    que se entrelaam em muits combinaes. As consequncias

    das diferentes combinaes que resultam desta interpenetrao

    de feies so extraordinariamente' importantes. Em ambas asregies que acaMmos decitar, tanto onde a experincia religiosa

    se associou com os ritos de puberdade como onde se associou

    com a organizao em cl, todos os indivduos. da tribo. comocorolrio natural das' prticas que se se tinham associado,' po-

    diam recebei" o poder proveniente da viso, de alcanar xito

    em qualquer empreendimento. O xito, fosse qual fosse aocupao, era atribudo a reivindicao do indivduo de uma

    experincia de viso. Tanto um jogador com sorte corno um

    caador com sorte derivavam daquela o seu poder, exactamente

    como um xam bem sucedido na sua profisso. De acordo

    com o seu dogma todos os caminhos do xito estavam vedadosa quem no conseguisse um patrono sobrenatural.

    Na Califrnia, porm, a viso era a garantia profissional do

    xam; Marcava-o como pessoa parte das outras. Era exac.

    tamer.te a, por consequncia, que se tinham desenvolvido osaspectos mais aberr antes desta experincia. A viso j no era

    uma ligeira alucinao para a qual sepodia montar a cena por

    meio do jejum, d tortura e do isolamento. Era uma experin-cia de transe que sob,evinha aos membros excepcionalmente

    instveis, da comunidade, e especialmente s mulheres. Entre

    os Shasta admitia-se que s as mulheres eram assim abenoadas.

    J > . , experincia requerida era decididamente de natureza catalp-\ica e ataC'a

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    3

    I NTEGRAO DE CULTURAS

    Todos os. padres de comportamento so relativos

    diversidade de culturas pode dacumentar-se indefini-damente. Pode um campa da camportamenta humanaser, em certas sociedades, ignorada at aa pont(>de

    quase na existir; pode at, em certos casas, na se ter dele amais simples noo. Ou ento pode ele quase manopolizar todao comportamenta arg31!izada da saciedade, e as mais estranhase inesperadas situaes serem tratadas em termas dele. Certasfeies sem mtuas relaes intrfnsecas e historicamente inde-pendentes, associam-se inextricavelmente, acasianando um cam-portamento sem carrespondente em regies que na fazem'tais, identifices. Daqui resulta cama caralria que os padres

    de camPortamenta, seja qual far' a aspecta deste, va, emdiferentes culturas, de um pla pasitivo para um negativa.

    POdfamassupor que na questa de privar algum da vida todas

    as povas cancardariam na sua candenao., Aa contrrio, naquesta de hamicdia pode afirmar-se que ele na censurvel,

    se se romperam as relaes diplomticas entre dais povos vizi-nhas, .ouque costume matar os primeiras dais filhas, .ouquea marida tem a direita de vida .ou de marte, .ou que dever

    da filha matar as pais antes de serem velhos. Pode suceder que

    se mate o que rouba uma galinha, ou aquele a quem nasam

    primeiro os dentes superiores, ou que nasa numa quarta-feira.

    Entre certos povos sofrem-se tormentos por se ter causadaacidentalmente uma morte; entre outros o facto coisa semimportncia. O suicdio pode, tambm, ser uma questo ftil,

    a recurso de algum que tenha sofrido qualquer leve censura,

    um acto que

    frequente numa tribo. Pode ser o acto mais ele-vado c nobre que um homem pode cometer. Mas pode suceder

    que s6 a prpria referncia a ele sej motiva da mais incrdula

    chacota, e propriamente o acta em si ser incancebvel como

    caisa passvel. Pode, porm, ser um crime punvel por lei, ou

    considerado coma pecado contra os deuses.

    Estandardizao das culturas

    A diversidade do costume no mundo na , parm, uma

    questo que possamas limitar-nas aregistar. Autatartura aqui,

    caa-de-cabeas ali, castidade pr-nupcial numa tribo, adales-cncia licenciosa noutra, no constituem uma lista de factos

    independentes de quaisquer .outras circunstncias, cada um dosquais se possa enfrentar cam surpresa ande quer que ocarra .ouonde quer que na exista. Analagamente as tabus de algumse matar a si prpria ou de matar .outrem, apesar de na ,Secanfarmarem cam qualquer padro absaluto, nem por issOsa

    fartuitos. Q.j;ignificado da camportamenta em cultura no se

    Iesgata cam a compreender claramente que um facta local,criada pela hamem e enarmemente varivel. Ele tambm

    susceptvel de integraa. Uma cultura, coma um indivduo,

    um modelo mais ou meno~_..s9!!S.t~_t~.n~~_deJ.:~~~mento e deacaa. I Jeitr-deccla,:;it;:'ra surgem abjectivas caractersticas

    na necessarl~IIl_e?:tep-.I1:Uhadas_parQug.9ill>Qsde sociedade.Em aiiedincia a estes objectivos, cada ,povo cansolida cada

    vez mais a sua experincia, e em prapora cam a urgncia

    I

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    daqueles, leva os. heterogneos aspectos de comportamento aassumirem forma cada vez 'mais congruente. Adoptados poruma. cultura bem mtegrada.....os aems. mais diversos torna~ciiXeteristicos ds=!ins-pec:uliares_daquel,_frequentementeatravs das mgisjnesperadas jJ 1"tam()J ;(),ses'A forma

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    Insufici2ncia da maioria dos trabalhos antropo16sicos

    Os trabalhos antropolgicos tm-se, porm, devotado domi-nantiilente anlise SkJeiPJ:s-d_e...cu!11!Iil,m~is que;;;; estudode L5]l11..urascomo._todos_amculadQ~. Isto tem resultad-;-emgrande parte da natureza das primitivas descries etnolgicas.Os antropologistas clssicos no escreveram com conhecimentode primeira mo a respeito de povos primitivos. Eram eruditosde gabinete que tinham ao seu dispor as anedotas de viajantese missionrios e os relatos formais e esquemticos dos primeiros

    etnologistas. Era possvel, a partir desses pormenores, concluirda distribuio do costume de arrancar os dentes ou de ler nasvsceras; mas'no era possvel ver como essas feies se tinhamentranhado em diferentes tribos em configuraes caracterfsti-casque davam forma e significado a esses procedimentos.',',:,'""ptudos de cultura como The Golden BouS (') e os usuaistrablhos sobre etnografia comparada, so discusses analticasde feies culturais e desprezam todos os aspectos de integrao

    qIltral. Prticas de unio dos sexos ou demorte so exempli-ficadas por fragmentos decomportamento escolhidos semdiscri-mina,o de entre, as culturas mais diferentes, e a discussoconstri uma esPcie 'de monstro mednico de Frankenstein (')com um olho direito das Fij i, um olho esquerdo da Europa,uma perna da Terra do Fogo, a outra do Taiti, e todos os dedosdas mos e dos ps de outras provenincias. Figuras como essasno correspondem a qualquer realidade do passado ou do pre-sente, e a dificuldade fundamental a mesma que seria se, di-gamos" a psiquiatria se resolvesse num catlogo dos smbolosque os psicopatas utilizam, e ignorasse o estudo de padres decomportamento sintomtico - esquizofrenia, histeria, e per-turbaes manaco-depressivas - sob que se' mnifestam,

    (') De J . G. Frazer, 1. Londres 1890. (N da 'rad. alem).(3) Figura dos fi lmes americanos; corresponde ao conheddo C0-

    lem do fil-me do mesmo nome. (N. da trad. alem)

    [62]

    o papel da feio particular no comportamento do psicopata,o grau at que eIa exerce influncia na personalidade toUu,e a sua relao para com todos os outros elementos de expe-rincia, diferem completamente. Se o que noS interessa sOO~rprocessos mentais, s podemos dr-nos por satisfeitos quandotenhamos reJ"ionado o S.J !lboloparticular com a configura

    ~dl,)I1.

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    I :r -iiI

    I

    tipos observados, cada um com os.seUsarranjos caractersticosna esfera econ6mca, religiosa e domstica.

    O estudo do comportamento cultural, porm, j hoje no

    e tratar-se equaciOnando arranjos locais com o primitivoera!. Os'antropologistas esto a substituir o estudo da culturarimitiva pelo estudo das culturas primitivas, e o que esta

    Iudana do singular para o plural implica 56agora comea aeVidenciar-se. ..

    A. viso de conjunto

    .A ~a-da-estuG-..las_prtee....Lhoje posta.emrelevo em cada .vez.maior nmero de~_~'p':!!?~...~a cincia

    moderna. Wilhelm Stern considerou isto fundamental em filo-~ofi1~ psicologia, Stern insiste em que - to~idade indivisv~l

    1 ~a pessoa deve ser o ponto de partida. Critica os estudos ato-!;fsticos tomados ouase universais tant..1!,,-_~j!gi g,tros-pectiva como na experimental, e substitui-os pela investigaoda configurao da personalidade. Toda a escola da Estruturasededicou a esta espcie detrabalho emvrios campos. Worrin-ger mostrou como esta maneira de abordar as questes im-portp-te no campo da esttica. Pe em contraste a ::rte ~ta.mente desenvolvida de dois perodos, o Grego e o B,zantno. velha crtica, insiSteele, que definia arte em temIOSabsolutose a identificava com os padres clssicos, era impossvel com-preender os processos da arte como os representam a pinturae o mosaico Bizantinos. O xito, num caso, no pode ser jul-gado em termos do outro caso, porque cada um deles tentavaatingir fins ompletamente diferentes, Os Gregos, na sua arte,tentavam dar expresso ao prazer que sentiam na aco; pro-curavam corporizar a sua identificao da pr6pria vitalidadecomo mundo objectivo. A arte Bizantina, por seu turno, objec-tificava a abstraco, um profundo sentido de alheamento pe-

    rante a natureza exterior. Todo o estudo compreensivo dosdoiscasos.tem de ter em considerao no s comparaes de capa-cidade artstica, como, em muito mais elevado grau, diferenasde inteno artstica. As duas formas eram configuraes inte-gradas, contrastantes, cada uma das quais podia utilizar formase padres inconcebveis na outra.

    A psicologia do GestaIt (cQnfjgurao) lev."::..."-_S!l.U_ cla;ig, ...rn.as.tamhm--a..sua-\'eI:dad

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    ,.

    I ..-

    I

    -,

    sidade da vida. moos, Lebensstimmungen, atitudes integradas

    cujas categorias .fundamentais no podem resolver-se umas

    noutras. Pro!esta vigorosamente contra o admitir-se que qual.

    quer delas possa ser definitiva. No considera de natureza cul.

    tural as diferentes' atitudes que discute, mas, pois que nelaaborda para"ns discutir grandes configuraes filosficas e pe-

    dedos histricos, como o de Frederico o Grande, a sua obra

    conduziu naturalmente' ao reconhecimento cada vez mais cons-ciente do papei da cultura.

    o Declnio do Ocidente". de Spengler

    Este reconhecimento recebeu a sua mais elaborada ex-presso com Oswald Spengler. O seu ODeclnio do Ocidente foi

    buscar o ttulo no ao seu tema. das ideias de destino, como elechama estandardizao dominante de uma civil izao, mas

    a uma tese, que no importa nossa presente discusso, nomea.

    damente, tese segundo a qual configuraes culturais tm.

    como qualquer organismo, um mbito de vida que no podemultrapassar. Esta tese do deperecimento fatal das civil izaes

    discutida a partir da transgresso dos centros culturais. na

    .civilizao Ocidental e da periodicidade do ponto culminante de

    realizao cultural. Escora esta exposio n analogia, que no

    pode passar de uma analogia, com O ciclo vital, de nascimento,

    vida e morte dos organismos vivos. Cada civilizao, admiteo autor, tem a sua j uventude vigorosa, a sua viri lidade forte, e

    a sua senectude em desintegrao.

    .O homem Fustico eO

    homem Apolfneo

    ~ nesta interpretao da histria que se pensa quando se

    cita o Declnio do Ocidente, mas a anlise muito mais valiosa e

    original de Spengler a que pe em contraste as diferentes

    [66]

    configuraes na civilizao 'Ocidental. O autor distingue duas.

    grandes ideias do destino: o A polneo, do mundo clssico e o

    Fustico, do mundo moderno. O homem Apolneo concebia a

    sua alma como um cosmos ordenado num grupo de partes

    excelsas). No seu. universo no havia lugar para o querer, e.o

    conflito era um mal a que filosoficamente no ligava grande

    importncia. A ideia de um aperfeioamento da personalidade

    UC fora IXl ra dentro era-lhe estranha, c considerava a vida sem-pre sujeita sombra da catstrofe que do exteri or a ameaava

    brutalmente. Os seus trgicos desenlaces eram destruies irres~

    ponsveis do agradvel panorama da existncia norml.

    O mesmo acontecimento podia caber em sorte a um ou outro

    indivduo, sob a mesma forma e com os mesmos resultados.

    Ao contrrio, a sua representao Fustica como de uma

    fora que infindavelmente combate obstculos. A sua verso do

    curso da vida individual a de um desenvolvimento interno,

    e as catstrofes da existncia so a culminao inevitvel das

    suas volies selectivas e das suas experincias. O conflito

    a essncia da existncia. Sem ele a vida individual no temsignificado e s os valores mais superficiais da existncia se

    podem atingir. O homem Fustico anseia pelo infinito, e a sua

    arte tenta aproximar.se dele. As interpretaes Fustica e

    Apolnea so i nterpretaes opostas da existncia, e os valores

    que surgem numa so alheios e insignificantes para a outra.

    A civilizao do mundo clssico apoiou-se nOponto devista

    Apolneo, e o mundo moderno tem vindo a desenvolver em

    todas as suas instituies as implicaes do ponto de vista

    Fustco. Spengler tambm cnsidera de relance o Egpcio,

    que se vf!. a si prprio como descendo. um carreiro na vida,

    estreito e inexoravelmente prescrito, at acabar por compa-recer perante os juzes dos mortos, e o mgico, com o seu

    estrito dualismo de corpo, e alma. Mas as suas grandes con-

    cepes so o A polneo e o Fustico, e considera que a mate.

    mtica, a arquitectura, a msica e a pintura do express.o a

    [67]

    ,'..i

    4

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    ,-

    estas duas grandes filDsDfiasDpOstasde periodDs diferentes da

    civilizao, Ocidental. .A impresso, cDnfusa que DSlivrDSde Spengler nDSdeixam

    s em parte. devida ' sua fDnua de exposio" e em grau.muito, mais elevado, cDnsequncia das no, resDlvidas cDmple~

    xidades das civilizaes de que se ocupa. As civilizaes Oci-dentais .~Dm.a sua diversidade histrica; a sua estratificao,

    em prDfiSSese classes, a sua incDmparvel riqueza de por.menDr, ainda no, so,suficientemente bem cDmpreendidas parase res~rniremem algumas expresses incisivas. FOi a de certosdrcul~ intelectuais e artsticDs muito, restritDs, o,hDmemFus-tico se' l2xiste, n~faz o que quer perante a nossa civilizao.H os homens fortes-.os homens de aco-e os Ba1>bits('),

    assim como os FusticDs. e nenhuma representao etnolgicasatisfatria pode ignorar esses tipos sempre presentes. E, domesmo modo, to completamente convincente caracterizar o,

    nDSSOtipo cultural CDmo inteiramente extrDvertidD, mo"

    ve-ndo-sede um lado, para outro, em incessante actividade mun-

    dana, inventando" gDvernandD, e, CDmDEdward Carpenter diz,

    incessantemente corr endo para chegar a horas ao comboio,CDmDcaracteriz-lo CDmDFusticD, CDmum anseio, de infinito,.

    A civilizao Ocidental, demasiadamente

    complexa para objecto de estudo

    An9'0pologicamente, a representao de Spengler das civi.

    lizaes do mundo, sofre da necessidade, sob que trabalha, de. tratar a moderna sociedade estratificada como"se ela tivesse a

    homogeneidade essencial de uma cultura de povo. No nDSSD

    actual estado de cDnhecimentDs, DSdados histricos da culturaEuropeia Ocidental so demasiadamente cDmplexDs e a dife----------_._-_._-~- . _ - _ ._.... . ... , .._.-.--- -- ._ -

    (') Babbit, personagem central de uma novela de Sinclair L eWis

    com esse nome. .

    [68]

    renci~.~D.sDci.~L(kmasiadamente geral~paJ:-seprestar anlisenecessria. PDr sugestiva que a discusso, do,hDmemFustico

    sej--pra'~m estudo, da filDsofia e da literatura Europeia, epor justa que seja a sua insistncia no, relativismo, dos valores,a sua anlise no, pode ser definitiva porque 'Dutras represen-

    taes igualmente vlidas so possveis. Retrospectivamente'pode ser possvel caracterizar adequadamente um extenso e

    !cDmplexDtodo, CDmDa civilizao, Ocidental;' mas a despe~todaimportncia e da verdade do,postulado, de Spengler relatlvosideias de destino, entre si incomensurveis, presentemente atentativa de interpretar o mundo Ocidental em termos de umqualquer aspecto nico que' se escolha, resulta em confuso.

    Um atalho,yiatribos primitivas

    U_m_a_

    podem esclarecer factos"sOcii{

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    " .

    IA maneira mais econmica de chegar a compreender como

    convm os nossos processos culturais, lanando 'mo de umrodeio. Quando as. relaes histricas dos seres humanos e dos

    seus imediato~ antep~ssados .eram demasiadamente complicadaspara serem utilizadas no estabelecimento do facto da evoluo

    "I' biolgica. Darwin, em vez