Rumos Práticos - Seminário

104
Revista do CONAPRA - Conselho Nacional de Praticagem - Edição especial

description

"O serviço de Praticagem no Brasil e a experiência internacional" foi o tema do Seminário realizado pelo Conapra nos dias 9 e 10 de maio de 2013, no Rio de Janeiro. Nas excelentes palestras e discussões realizadas nesse encontro, ao qual compareceram grandes expoentes do ramo, comprovou-se a importância desse serviço. A Praticagem está sempre realizando altos investimentos, o que contribui diretamente para a modernização do sistema de navegação, e que redunda em melhorias para todos. O seminário demonstrou, através de dados concretos, o altíssimo índice de segurança proporcionado pelo serviço da Praticagem Brasileira, fator que se traduz em excelência e confiança, influenciando diretamente na redução dos custos das apólices de seguro e na proteção do meio ambiente resguardando vidas e propriedades.

Transcript of Rumos Práticos - Seminário

Page 1: Rumos Práticos - Seminário

Revista do CONAPRA - Conselho Nacional de Praticagem - Edição especial

Page 2: Rumos Práticos - Seminário
Page 3: Rumos Práticos - Seminário

índice indexCONAPRA – Conselho Nacional de Praticagem

Av. Rio Branco, 89/1502 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-004Tel.: 55 (21) [email protected]

diretor-presidente Ricardo Augusto Leite Falcão

diretoresAlexandre Koji TakimotoCarlos Alberto de Souza FilhoLauri Rui RamosLinésio Gomes Barbosa Junior

diretor / vice-presidente sênior da IMPAOtavio Fragoso planejamento Otavio Fragoso / Flávia Pires / Claudio Davanzo

edição e redação Maria Amélia Parente (jornalista responsável) MTb/RJ 26.601

revisão Maria Helena Torres

tradução Celimar de OliveiraRoberto James Ramsay Paola Gómez Salvador

projeto gráfico e designKatia Piranda

pré-impressão / impressãoDVZ/Davanzzo Soluções Gráficas

fotosFábio Moreira Salles

As informações e opiniões veiculadas nesta publicação são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Não exprimem, necessariamente, pontos de vista do CONAPRA.

5Ricardo FalcãoApresentação

Os trabalhadores no desenvolvimento da atividade marítima e portuária 9Severino Almeida

Praticagem: atividade essencial e de interesse público. O paradigma internacional, a importância da regulação social e econômica 14

Michael R. Watson

Uma visão geral das orientações da IMO incluindo a Resolução A.960 e as regras Solas relativas à praticagem

21Gurpreet Singhota

Avaliação e expectativas da Intertanko em relação ao serviço de praticagem

26Joseph Angelo

Gerenciamento de risco nas atividades do prático 32Siegberto Rodolfo Schenk Jr.

A regulação inadequada e suas consequências: o exemplo do Reino Unido 40John Pearn

Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem nos Estados Unidos 47

Paul Kirchner

Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem na Europa

54Hans-Herman Lückert

Características econômicas da praticagem, competitividade e regulação econômica

59Ronaldo Fiani

As consequências da concorrência no serviço de praticagem: o exemplo da Argentina

62Pablo Pineda

Infraestrutura portuária e aquaviária: dragagem e levantamento batimétrico _

parâmetros e planejamento65Edson Mesquita

A simulação como ferramenta para o desenvolvimento de terminais e vias de acesso

69Eduardo Tannuri

A evolução tecnológica da navegação marítima: e-navigation e VTMIS. O prático será substituído pela tecnologia?

75Simon Pelletier

Aspectos Jurídicos do serviço de praticagem: o armador estrangeiro, suas representatividade e responsabilidades 87

Eliane Octaviano

A necessidade da estabilidade institucional, jurídica, operacional e econômica para a eficiência do serviço de praticagem

93Jaime Machado

Qualidade e eficiência no serviço de praticagem 79Jean-Philippe Casanova

Palavras Iniciais da autoridade marítima brasileira 7Vice-alte. Claudio Portugal de Viveiros

Encerramento 101Ricardo Falcão

4IntroduçãoPraticagem, a eficiência em benefício do interesse público

Page 4: Rumos Práticos - Seminário

Praticagem, a eficiência em benefício do interesse público

Práticos não estão diretamente vinculados à atividade portuária; afinal, o exercício desses profissionais aquaviários se comple-ta exatamente com a atracação do navio no porto, momento a partir do qual a atividade portuária efetivamente tem início.

Entretanto, o debate que tem como palco principal o Congresso Nacional, em torno da revisão do marco regulatório do sistema portuário, popularizado pela intensa cobertura da imprensa, tem incluído com frequência o serviço de praticagem entre os setores da infraestrutura portuária que precisam ser "modernizados" visando garantir a eficiência logística necessária para fazer frente à previsão do crescimento do comércio marítimo nos próximos anos.

Visão equivocada, gerada principalmente pela falta de informação sobre a atividade, mesmo entre aqueles que, não sendo usuários diretos do serviço, são beneficiados por sua boa qualidade e serão prejudicados se essa qualidade for comprometida.

De fato, mesmo não sendo os práticos portuários, sua atuação é fundamental para a utilização segura e eficiente dos portos e de suas vias de acesso. Os práticos, entretanto, não são a pedra no caminho para a eficiência do comércio exterior brasileiro. Ao contrário, da mesma forma que evitar as pedras e outros perigos submersos e garantir o tráfego seguro das embarcações na costa brasileira constituem sua atividade diuturna, a busca da eficiência tem sido a marca do desenvolvimento desses profissionais desde que, em 1808, em seguida à abertura dos portos às nações amigas, D. João VI regulamentou o exercício da profissão.

Nada mais oportuno, no momento em que o foco da discussão é a eficiência, do que apresentar ao público o padrão que caracteriza o serviço de praticagem nas nações marítimas tidas como referências internacionais de qualidade, padrão ao qual a praticagem brasileira nada fica a dever.

Com essa finalidade o Conselho Nacional de Praticagem realizou nos dias 9 e 10 de maio, no Rio de Janeiro, o seminário "O serviço de praticagem no Brasil e a experiência internacional", reunindo profissionais e especialistas de diversos países.

A intenção foi mostrar a realidade nos diferentes países em que esses profissionais atuam, bem como evidenciar as qualidades do modelo brasileiro, cujas características e resultado são comparáveis aos dos melhores exemplos internacionais.

Desde 1808 o serviço de praticagem foi provido ou regulado pela Marinha do Brasil, que responde pela segurança da navegação em nossas águas. Recentemente foi incorporada à estrutura de regulação a Comissão Nacional de Assuntos de Praticagem − CNAP, com representantes de outros setores do governo federal e com a finalidade de assessorar a autoridade marítima brasileira na coordenação dessa atividade estratégica para o interesse nacional.

Mais uma boa razão para a realização desse seminário que pôde proporcionar aos membros do CNAP − a maioria iniciando seu aprendizado nas questões relacionadas com a atividade de praticagem − um panorama extenso e detalhado da organização do serviço.

Os primeiros registros do serviço de praticagem remontam a tempos babilônicos. Conhecemos a importante função social de nossa atividade e a responsabilidade de garantir a movimentação segura e sem regime de preferências dos navios e, por consequência, a livre circulação de mercadorias. Estamos convictos da necessidade de aprimorar cada vez mais os serviços e oferecer nossa contribuição ao desenvolvimento sustentado do país. Esperamos, em contrapartida, que nossos legisladores e governantes tenham iguais responsabilidade e visão pública na elaboração da legislação pertinente e na gestão do serviço.

Nesta edição da Rumos Práticos o leitor terá acesso a todo o conteúdo do seminário realizado pelo CONAPRA, em maio, no Rio de Janeiro. Divulgamos a seguir os discursos e as palestras do evento a fim de que fique registrado em nosso periódico esse importante momento da praticagem brasileira, quando especialistas brasileiros e estrangeiros se debruçaram sobre uma profissão tão importante quanto silenciosa. Uma profissão que faz jus à máxima britânica “No news is good news”.

Ricardo Falcão

4

Page 5: Rumos Práticos - Seminário

5

É com imensa satisfação que dou as boas-vindas a todos!

O seminário “O serviço de praticagem no Brasil e a experiência

internacional” é evento histórico, e muito nos honra estarem aqui

reunidos distinguidos profissionais e especialistas de diversos

países para abordar, com amplitude, serenidade e isenção, este

tema tão em pauta e, infelizmente, tão distorcido no Brasil: o

serviço de praticagem.

A competitividade do Brasil é tema recorrente na mídia, e essa

discussão sempre nos remete à história da formação do país e a

dois questionamentos: por que não nos tornamos um país desen-

volvido, como a quase totalidade das nações da Europa ocidental e

da América do Norte, com os quais compartilhamos forte herança

sociocultural? E por que com um parque industrial amplo e diversi-

ficado, nossa vantagem comparativa sempre se concentrou em

matérias-primas e manufaturados de baixa tecnologia? Há diversas

teses que pretendem explicar essa diferença, que não é condição

apenas do Brasil, mas da maioria dos países latino-americanos.

Não pretendemos responder a essas questões nem nos prolongar

nessa discussão. Queremos registrar apenas que os brasileiros

Diretor-presidente do CONAPRA

Ricardo Falcão

nada tiveram de graça e que, pelo esforço de alguns setores

destacados da economia, fomos capazes de transformar muitas

das desvantagens iniciais em poderosos trunfos, à custa de muito

trabalho, dedicação e inventividade. A praticagem brasileira é

parte ativa desse processo de desenvolvimento há 205 anos.

Permanentemente disponível, estruturada com profissionais habi-

litados e qualificados, sempre teve como característica principal a

capacidade de superar desafios. Na verdade a praticagem foi mais

e além, assumindo inúmeras funções típicas de uma autoridade

portuária e substituindo com tecnologia e atuação próprias as

lacunas de levantamento hidrográfico e balizamento. A busca de

excelência na prestação do serviço tem permitido que a praticagem

brasileira se mantenha na linha de frente do contínuo desenvolvi-

mento de nosso país, muito adiante dos investimentos nos portos

e suas vias de acesso.

A importância da praticagem para a competitividade nacional

passa pela presença qualitativa e quantitativamente destacada do

serviço nos portos, rios e demais vias navegáveis, bem como pelo

papel fundamental no crescimento dos navios que frequentam

nossos portos e no volume de cargas transportadas sem que inves-

timentos proporcionais em infraestrutura tenham sido feitos. Os

maiores navios do mundo, sejam petroleiros da classe ULCC,

graneleiros valemax, navios de passageiros como o impressio-

nante Queen Mary II, enfim navios aceitos em pouquíssimos portos

do mundo, frequentam os nossos, com práticos sempre prontos a

garantir segurança e eficiência. Não estamos falando a respeito de

um projeto de futuro, pois praticagem de primeiro nível, de

excelência, é a realidade já disponível em nosso país. Não fossem

a proatividade, os investimentos próprios em estrutura e trei-

namento, a integração e, sobretudo, a capacitação e a perícia dos

práticos brasileiros, que a regulação atual tem possibilitado, o

Porto de Santos, por exemplo, não teria condições de receber

Silêncio: o som da segurança

Page 6: Rumos Práticos - Seminário

6

navios com 330 metros de comprimento, praticamente o dobro do

que sua estrutura permite. No Porto de Manaus, o terminal cons-

truído em 1907 e projetado para navios de até 35 mil toneladas

não estaria operando com embarcações três vezes maiores.

O Porto de Itaqui não estaria recebendo, com total segurança,

navios com capacidade para transportar 400 mil toneladas de

minério de ferro.

A praticagem brasileira é referência

mundial! Nosso maior problema é a

falta de manchetes anunciando o quanto

somos eficientes e eficazes. As senho-

ras e os senhores jamais lerão alguma

manchete anunciando a não ocorrência

de acidentes: o som da segurança é

o silêncio.

Reitero a importância histórica deste

seminário!

Nestes dois dias, reconhecidos

profissionais marítimos, cientistas e

intelectuais do mar, renomados juristas

e outros peritos, do Brasil e do

exterior, compartilharão uma parcela

de sua experiência e de seu conhecimento, lançando muita

luz sobre o assunto.

Como já manifestei publicamente em outras ocasiões, a criação da

Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, da qual vários

membros se encontram presentes, foi muito bem recebida pela

praticagem brasileira.

Ela representa uma nova oportunidade de desmitificar a profissão,

consolidando tudo de positivo que foi desenvolvido por mais de

200 anos de atuação regulamentada e aprimorando pequenas

imperfeições que porventura ainda subsistam.

Senhoras e senhores, um de nossos práticos é o vice-presidente

sênior da International Maritime Pilots Association − IMPA, o

segundo maior cargo na associação mundial dos práticos.

No final do ano passado, durante o Congresso Mundial da catego-

ria, ocorrido em Londres, a organização da praticagem brasileira foi

apresentada com seu atual modelo regulatório e reconhecida como

padrão de eficiência, de qualidade de prestação de serviço e prin-

cipalmente pelo baixíssimo nível de acidentes: na faixa de poucos

milésimos porcento, tal como o dos Estados Unidos, a despeito das

restrições de infraestrutura e da precária qualidade e quantidade

de ferramentas de apoio aqui existentes.

Assim, a grande questão é: “o que e

como deve ser mudado?”

O último estudo abrangente sobre a

praticagem nos Estados Unidos ocupou

170 verdadeiros especialistas durante

um ano e meio, gerando relatório final

de 500 páginas. Na Europa outros tan-

tos especialistas se debruçaram sobre a

questão durante dois anos, para uma

conclusão de 400 páginas. Ambos os

estudos, contando sempre com a par-

ticipação das praticagens nacionais,

recomendaram a manutenção do para-

digma mundial de organização da ativi-

dade, o mesmo adotado no Brasil.

Senhoras e senhores, qualquer manobra com embarcações de

grande porte em águas restritas envolve riscos enormes.

As discussões sobre o serviço de praticagem estão muito incipientes

e contaminadas por meias verdades. Nem de longe houve tempo

suficiente para alcançar o aprofundamento necessário à produção de

alterações significativas nessa área extremamente sensível.

O interesse público deve prevalecer acima de tudo.

Daí, a relevância de um evento desse porte.

Sejamos receptivos! Mantenhamos nossas mentes abertas!

Participemos dos debates! E, sobretudo, busquemos a resposta

a uma só questão: que serviço de praticagem queremos para

o Brasil?

Muito obrigado!

Page 7: Rumos Práticos - Seminário

7

Ilmo Sr. Ricardo Falcão, diretor-presidente do CONAPRA – Conselho

Nacional de Praticagem; oficiais da MB e representantes da CNAP;

Ilmo Sr. Michael Watson, vice-presidente do International Maritime

Pilots Association; Ilmo Sr. Severino Almeida, presidente do

Sindicato Nacional de Oficiais da Marinha Mercante; IImo Sr.

Gurpreet Singhota, representante da Organização Marítima

Internacional; Ilmos Srs. presidentes das associações e empresas

de praticagem; Ilmos Srs. práticos brasileiros e práticos repre-

sentantes de associações e entidades de outras nações; Ilmos

Srs. representantes de empresas, associações, sindicatos e arma-

dores; Ilmos Srs. professores; Ilmos Srs. palestrantes; bom dia!

Neste seminário e encontro com os práticos, de que participo pela

primeira vez como diretor de Portos e Costas, gostaria de inicial-

mente transmitir-lhes a minha satisfação em poder dirigir-me aos

senhores, proferindo estas breves palavras.

Agradeço a gentileza do convite do Sr. Ricardo Falcão, diretor-

presidente do CONAPRA, e quero parabenizá-lo pela idealização

deste evento, que se reveste de especial significado ao reunir tão

seleto grupo de palestrantes para abordar o serviço de praticagem

no Brasil, incluindo neste debate a valiosa experiência internacio-

Diretor de Portos e Costas

Vice-alte. Claudio Portugal de Viveiros

nal. Considero importante ressaltar a grandeza do nosso país, com

a diversidade de portos, rios e canais, segmentados em 22 zonas

de praticagem (ZP), que agrupam práticos trabalhando em cenários

distintos, e que neste evento terão a oportunidade de compartilhar

suas vivências, aprimorando ainda mais a expertise desses compe-

tentes profissionais.

O serviço de praticagem, desde sua criação oficial em 1808, com o

primeiro decreto imperial regulamentador, tem merecido especial

atenção da Marinha do Brasil, por sua vinculação direta com a

segurança da navegação, prestando assessoria essencial aos coman-

dantes das embarcações quando navegando em águas restritas.

A atividade de praticagem envolve também aspectos importantes de

cunho econômico, social e ambiental, como o comércio exterior, as

relações com o Estado e com os tomadores de serviço, a proteção do

meio ambiente, a salvaguarda da vida humana, o custo do seguro e

muitos outros que deixarei de elencar, mas que integram essa

dinâmica atuação em prol dos componentes do Poder Marítimo.

Historicamente, são incontestáveis as excelentes referências sobre

a qualidade, o profissionalismo e a sólida formação dos nossos

práticos, e acredito que a principal contribuição de todos os

agentes que atuam como representantes da autoridade marítima

para a manutenção dessa capacitação técnica é buscar,

diuturnamente: o aperfeiçoamento das Normas da Autoridade

Marítima para o Serviço de Praticagem (Normam-12); manter

em alto nível o processo seletivo e os programas de qualificação

e habilitação dos praticantes de prático; com o apoio do

Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA), realizar os

Cursos de Atualização de Práticos (ATPR) e, enfim, como

previsto em diplomas legais, regular o serviço de praticagem

com o máximo empenho, aliás, como tem sido conduzido desde

Palavras iniciais da autoridade marítima brasileira

Page 8: Rumos Práticos - Seminário

8

o reinado de D. João VI até a entrada, em 1997, da Lei 9.537,

comumente conhecida como Lesta.

A época para a realização deste seminário é também oportuna,

haja vista que se encontra em andamento a adoção de várias

medidas e ações governamentais para o setor atinente ao tema,

ensejando relevantes modificações que geram expectativas

otimistas no meio marítimo e que, certamente, contribuirão para

melhorar a eficiência de nossos portos, de forma a dar conta

da crescente movimentação de cargas e do incremento das

atividades marítimas e fluviais.

Para não me alongar na abertura deste seminário, de forma que

os senhores possam tirar o máximo proveito dos ensinamentos

que certamente aqui serão trazidos, quero concluir com a seguinte

mensagem: que a DPC e seu diretor manterão o relacionamento

franco e profícuo com o CONAPRA, com as associações de práticos

e com os práticos de forma geral. Ressalto que a expressão

máxima de um serviço de praticagem, seja em nível nacional ou

internacional, é atingida quando essa atividade se desenvolve

com maturidade e consciência profissional, de modo a que a

autoridade marítima, competente para exercer a supervisão e

o controle, possa estar tranquila e convicta, sabedora de que

a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana e a

prevenção da poluição ambiental no mar e nas hidrovias

interiores estão asseguradas.

Por fim, desejo-lhes para estes dois dias um produtivo seminário.

Muito obrigado!

Page 9: Rumos Práticos - Seminário

Bacharel em ciências náuticas. Presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – Sindmar.

Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos – Conttmaf.

Vice-presidente da International Transport Workers Federation – ITF.

Severino Almeida

9

Bom dia a todos e a todas. Para não nominar cada um, saúdo todos

os palestrantes presentes na pessoa do presidente do CONAPRA,

companheiro Ricardo Falcão, e os demais presentes neste semi-

nário na pessoa do almirante Viveiros, atual diretor de Portos e

Costas, representante da autoridade marítima brasileira. Além de

satisfação imensa em dirigir a palavra a vocês, fiquei um pouco

surpreso com o convite. Pediu-me o CONAPRA que apresentasse

uma visão de nossa organização, o que poderia significar o que

seria desenvolvimento na nossa atividade. Então vou-me permitir

expressar-me muito mais como presidente de confederação do que

como presidente do Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante.

A questão básica que se apresenta diante do desafio que me colo-

caram é como a representação dos trabalhadores do setor maríti-

mo e portuário expressa o que seus representados entendem

como desenvolvimento na atividade. Aparentemente simples, essa

questão é extremamente complexa dependendo dos interesses,

das perspectivas do que é desenvolvimento. Vou expressar nossa

visão, a do trabalhador do setor. Só faz sentido para nós dizer que

alcançamos desenvolvimento em determinada atividade quando

desenvolvimento implica aumento de eficiência, sem exclusão

social, justa distribuição de riqueza produzida, com valorização do

trabalho e contribuição para um país mais rico e justo.

Infelizmente essa visão não é consensual nem no Brasil, nem,

provavelmente, em nenhuma região do mundo, independente da

ideologia reinante. Ainda mais na relação capital/trabalho, no

sistema capitalista. O próprio sistema busca o lucro, seu objetivo

maior. Pode até haver alguma sensibilidade social ou compromisso

de distribuição de riqueza, mas fato é que há prioridade muito clara

na acumulação de riqueza, através do lucro. Assim é o sistema.

Nosso país, neste momento, nos desafia a fazê-lo crescer.

Não nos esquecendo de que o compromisso maior não

deve ser com a concentração dessas riquezas, mas com

sua distribuição.

Assim como cada um de vocês, eu gostaria que nosso crescimento

fosse maior do que o ocorrido nos dois últimos anos. Estamos

crescendo, é verdade. Mas a alegria maior é o fato de que estamos

conseguindo distribuir melhor nossa riqueza. Nosso setor é

extremamente estratégico para o país. O que eu vou dizer todos

vocês sabem; provavelmente todos lembram, mas a sociedade

brasileira de um modo geral nem sequer se lembra disso. Ao sair

de casa, ao tomar seu café da manhã – aqueles que podem – nem

sequer se lembram de que o trigo passou num porão de navio. Ao

vestir a roupa não passa pela cabeça do cidadão brasileiro que

aquele material passou efetivamente por um navio. Ao tomar um

ônibus, um táxi, não lhe passa pela cabeça que o combustível

passou pelo nosso setor.

É absolutamente impossível uma sociedade moderna se organizar

e existir sem a nossa participação. Costumo dizer que enquanto

não inventarem uma máquina que transporte uma mercadoria de

um ponto A para um ponto B através de um sistema que lhe

garanta desaparecer do ponto A e aparecer repentinamente no

ponto B, a nossa continuará sendo uma das atividades mais

Os trabalhadores no desenvolvimento da atividade marítima e portuária

Page 10: Rumos Práticos - Seminário

10

estratégicas do mundo. Podemos comprar e vender mercadorias

pela internet, dispensar a ida física a estabelecimentos bancários,

fazer negociações usando meios eletrônicos; muita coisa pode-se

fazer neste mundo de hoje sem necessariamente a presença física.

Mas ainda não inventaram uma forma de concretizar todas essas

negociações e trocas necessárias para que uma sociedade

moderna possa existir sem que nós estejamos presentes.

Isso nos faz muito especiais e responsáveis; exige que todos nós,

em nosso setor, tenhamos plena consciência do nosso papel

nesse processo. Não podemos nem devemos permitir que o

desenvolvimento nessa atividade venha favorecer grupos

específicos ou possa deixar nosso país dependente de controle

externo. O capital estrangeiro neste país − pelo menos é assim que

os trabalhadores pensam − é muito bem-vindo. Mas temos

que aceitá-lo mantendo nossa soberania e sabendo utilizá-lo da

forma que nos interessa, dando contrapartida àquele que investe.

Desde os anos 90 é evidente em nosso país o esforço de

armadores e operadores portuários em responsabilizar os

trabalhadores marítimos e portuários pelos altos custos e

ineficiência operacionais do setor. A mídia em regra amplifica

esse entendimento formando opinião nesse sentido.

Desafio qualquer um que viva em nosso país a afirmar desconhecer

que o tripulante brasileiro é extremamente caro, que o sistema

portuário é um problema grave porque, além de ineficiente, atra-

vanca especialmente através de sua organização sindical o desen-

volvimento portuário brasileiro. Duvido que alguém aqui não saiba

através da mídia que o serviço de praticagem é abusivo, extrema-

mente caro, realizado de forma absurda porque não se justifica. É

assim que nós que fazemos esse setor no Brasil somos conhecidos.

Talvez pelo fato de nossa sociedade só ver navios quando está na

praia; até o acesso a nossos portos para contato maior com

homens e mulheres desse setor é quase impossível de ser alcan-

çado pela sociedade organizada.

Ao contrário de diversos países − em mais de 14 anos de exercício

profissional como marinheiro, testemunhei no exterior que a visita-

ção a navios é até estimulada e que o trabalho desses homens

e mulheres merece reverência da sociedade. Em alguns países e

cidades portuárias muitos são os monumentos em honra a esses

trabalhadores. Aqui de um modo geral a sociedade brasileira não

nos vê, não nos conhece e tem uma ideia equivocada em relação a

nós. Vou-me ater a alguns tópicos para reflexão de todos vocês,

pois é claro que me interessa formar, naqueles que não estão na

atividade hoje, opinião favorável à importância do trabalho que

exercermos.

Comentarei o histórico da representação dos práticos e demais

trabalhadores do setor; as características das empresas no setor

de transporte marítimo no Brasil; o papel estratégico da pratica-

gem no desenvolvimento do transporte marítimo; o processo

de estigmatização da imagem do prático; o modelo da relação de

trabalho; e, finalmente; o usuário do transporte marítimo como

instrumento de pressão por mudanças e consequências.

O primeiro tópico é aquele de que sentimos falta. Nós não temos

conseguido passar para a sociedade brasileira a nossa identidade,

a nossa origem no mar. O que é lamentável, dada a importância da

atividade... Um dos primeiros atos da Coroa portuguesa quando

tangida da Europa pelo Exército de Napoleão foi tentar estabelecer

regras para a praticagem. Isso há mais de dois séculos.

Precisamente em 1808. Curioso o fato de que um dos primeiros

atos do Brasil República (no final do século 19) foi decretar uma

regulamentação para essa atividade. Estamos diretamente envolvi-

dos com o Estado e sob sua custódia no que se refere à certificação

das condições do exercício profissional desde 1926.

Será que diante de um histórico como esse é cabível que alguém

possa referir-se ao trabalho de praticagem como um trabalho com-

parável ao de um grupo de flanelinhas arrumando carros em um

estacionamento? Muitos não sabem, mas nós, aquaviários, somos

muito diferentes. Não somos melhores nem piores do que qualquer

outro trabalhador. Nós começamos no mar. Aprendemos nosso

Page 11: Rumos Práticos - Seminário

11

ofício – seja o estivador, o marinheiro, o prático na sua origem –

vivenciando, olhando e sentindo o mar. Hoje a maioria esmagadora

dos nossos práticos tem experiência de mar, seja como oficiais

mercantes, seja como oficiais da Marinha do Brasil. Mesmo

aqueles que não têm um passado diretamente ligado a essas

atividades, até mesmo sem saber, já incorporaram muito da nossa

identidade com origem no mar.

Talvez por isso seja o setor que, além de estratégico, mais tem

resistido no Brasil às mudanças prejudiciais que deslocariam o

controle de nossos portos. Outro aspecto que muitos desconhe-

cem: nós não somos antigos apenas em termos de atividades. Os

primeiros sindicatos no Brasil são da última década do século 19.

O primeiro, formalizado como associação, dos oficiais sapateiros,

foi fundado em 1896. Em nosso setor a primeira associação data

de 1903; já estamos fazendo 110 anos. Em 1905 já tínhamos três

associações. Os oficiais – numa época em que nem comando nem

chefia de navio eram exercidos por oficiais brasileiros – em 1917 já

se estavam organizando de forma unificada. Quando muitas cate-

gorias iriam organizar-se 20, 30, 40 anos depois, e algumas sequer

existiam, nós já estávamos nos organizando há muito tempo.

Talvez toda essa história de experiência, resistência e luta é que

tenha contribuído para que possamos sobreviver diante das

investidas que sofremos. Quem é do setor sabe, não é novidade

para ninguém. Por exemplo: Montevidéu e a dificuldade de fechar

acordos já há uns três anos dentro do Mercosul. Ora, 60% do

Porto de Montevidéu está reservado para carga de transbordo da

empresa Maersk. Ao não se aceitar essa carga de transbordo

dentro do acordo do Mercosul, por que a Argentina iria aceitar

um acordo como esse? Eu pergunto até mesmo por que o Brasil

aceitaria? Em tese já aceitou, o que é lamentável. Isso não é bom

para um país; nós não podemos permitir que o processo de

concentração que vou abordar logo a seguir possa tirar-nos o

controle de nossos portos.

Nós, trabalhadores, iremos contribuir para que isso não ocorra. No

próximo tópico destacarei aspectos que não podemos esquecer. A

imprensa não vai lembrar isso para vocês, mas nós hoje somos o

setor que efetivamente, em sua esmagadora maioria, existe em

função de investimentos estrangeiros. Hoje os principais emprega-

dores do marítimo brasileiro são empresas de capital estrangeiro.

A única brasileira grande hoje é, aliás, do Estado, a Transpetro,

subsidiária da Petrobras. O monopólio do transporte é algo muito

curioso. Todos vocês sabem que ninguém consegue transportar um

simples contêiner de sapatos, por exemplo, de Rio Grande a

Fortaleza, ou vice-versa, sem passar necessariamente por uma

empresa brasileira de navegação. Não existe cabotagem brasileira

sem monopólio da Empresa Brasileira de Navegação, que na sua

maioria é de capital estrangeiro.

Quem de fato vive numa realidade dessa pode reclamar de

monopólio? Por mais críticas que os senhores e senhoras tenham

em relação a monopólio, ninguém que vive num cenário desses

pode falar mal de monopólio. Por que monopólio só incomoda

quando é de alguma forma utilizado a favor dos trabalhadores? Por

que essa boca torta devido ao uso de um cachimbo indevido? Tanto

se falava em monopólio do Estado, dos sindicatos etc.... Passados

esses anos todos, desde a aprovação da Lei 8.630, em 1993, o que

nós temos hoje? Trocamos um monopólio do Estado por um verda-

deiro oligopólio privado em nossos portos. E preocupem-se com

isso. O fenômeno de concentração dessas empresas, com esse

oligopólio, vai colocar o usuário do transporte refém desse siste-

ma. Acredito que por essa razão o Estado brasileiro através de seu

governo esteja tentando impedir um controle acionário significativo

de empresas armadoras dentro dos terminais privados brasileiros.

Quanto à segurança das operações portuárias, na ampliação do

volume de carga operada e em suporte ao controle do tráfego

aquaviário, Ricardo Falcão já falou. Em relação a essas questões,

a primeira observação que eu gostaria de fazer é a respeito

do acidente que aconteceu em Gênova há um par de dias.

A imprensa internacional divulgou o fato com muito mais

Page 12: Rumos Práticos - Seminário

12

interrogações do que certezas sobre o que teria ocorrido. É

curioso que, se ocorresse esse tipo de acidente no Brasil – e a

praticagem tem orgulho de mostrar índices que afastam essa

possibilidade, e contamos que continue assim –, as manchetes

seriam: “Manobra de prático no Porto X mata seis e faz três

desaparecerem”. Seria essa a manchete, não haveria interrogação!

Contudo, segurança − além do que Ricardo muito bem disse:

“O som da segurança é o silêncio” −, eu digo a vocês: segurança

custa caro. Segurança não rima com gratuidade. E se queremos

ter operações seguras precisamos ter disposição em investir em

bons profissionais e ótimas condições de trabalho.

A segunda observação desse tópico é que nós, que conhecemos o

tráfego portuário, as manobras e como se dá nossa realidade nos

portos, sabemos que o prático não é uma figura isolada que sobe a

bordo, munido de walk-talk que provavelmente lhe foi doado na rua

e surge a bordo como geração espontânea. O prático às vezes é

tratado como se fosse a prova contundente de que Lavoisier estava

errado. A geração espontânea existe! E de repente surge o prático

a bordo, ajudando a manobra segura do navio. Não! Existe todo um

sistema, uma estrutura dando-lhe suporte. E ao adentrar o pas-

sadiço esse sistema já foi colocado em ação: desde o transporte,

desde o preparo dos homens, equipamentos para manobra da

embarcação. Isso representa custo. Só que normalmente coloca-se

o valor da praticagem como se aqueles milhões de reais fossem

diretamente para aquela figura que costuma contrariar Lavoisier,

aparecendo repentinamente no passadiço dos navios.

O outro tópico é o processo de estigmatização da imagem do práti-

co. Isso é o que mais choca e revolta. Porque não é dirigido apenas

ao prático. No nosso setor, o marítimo e o portuário brasileiros pas-

sam por isso. A menção a uma figura abjeta, porque imprópria – o

flanelinha – não é gratuita, porque quanto mais se reduz a importân-

cia desse trabalho – o papel estratégico do prático em nosso portos

– mais se torna absurdo o custo da praticagem. Mais convencem-se

as forças políticas deste país a promover mudanças em direção a

outros interesses. O serviço de praticagem é essencial por força de

lei. Está escrito na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, é

classificado como um serviço essencial. E não o é porque o redator

estava procurando palavras fortes para incluir numa legislação

ordinária. Não! Ele é essencial há mais de dois séculos. E não

pode ser aceito que seja tratado como trabalho de quinta ou

quarta categoria se pudermos classificar trabalho por categoria.

É bom perguntar sempre ao armador ou a qualquer outro que

defenda mudanças ou precarização nessa prestação de serviços se

o usuário em algum momento vai receber alguma vantagem nessa

busca de redução de custos. Já vivi o suficiente no meio dessa

armação para saber que o usuário normalmente só serve para

pagar a conta. Já negociei na minha vida milhares de acordos

coletivos de trabalho no Brasil e no exterior até porque sou

chairman desse setor para a nossa região. Para países no Caribe,

na América do Sul e em outras regiões. Cansei de sentar à mesa

de negociação. Eu nunca recebi como negociador compreensão da

armação, nem sequer nos Anos Dourados, antes de 2008, quando

o sistema levou um baque. Naquele ano, houve trimeste em que o

armador aumentou seu frete em 48%. E nem sequer, num ato de

magnitude, nos foi repassado 2%, por compreensão. O modelo

de relação de trabalho está no cerne de toda essa questão.

Outro ponto. O marítimo brasileiro tem uma organização sindical

forte? Isto não interessa à interlocução, à relação capital/trabalho.

Empregador, e não apenas o armador, gosta de subordinação.

Trabalha para isso, para obter dependência. Extrema compreensão

do trabalho em relação às necessidades do capital. Prático não é

empregado de empresa alguma. Nem de armador, nem de

operador. É um prestador de serviço, recebe pelo serviço prestado

previamente contratado e negociado. Não é a melhor relação de

trabalho deste mundo capitalista, para um tomador de serviço.

Há ausência de subordinação! O prático leva em consideração

sua consciência e competência além de seus compromissos

profissionais para tomar a decisão quanto a fazer ou não esta ou

aquela manobra porque coloca em risco a segurança das pessoas,

do navio e da carga!

Ele não está subordinado à vontade de um empregador, que pensa:

“... mas a cada hora está me custando milhares de reais”. Não

existe o “... mas, meu empregador, essa operação não é segura”,

ou o “faça ou está demitido”. Isso incomoda. A praticagem conti-

nua há mais de dois séculos estritamente ligada ao papel funda-

mental do Estado. Não é prático quem quer. Tem que se certificar

e tem que obedecer a critérios estabelecidos pelo Estado, definidos

pela autoridade marítima. Não se pode ter neste país quatro, cinco

mil práticos numa fila monstruosa de práticos desempregados

pedindo: “Pelo amor de Deus, me dá pelo menos uma ou duas das

mais de 13 mil operações anuais de Santos”. Aqui no Rio seriam

19 mil. Isso não existe, é um cenário desejado pela armação que

Page 13: Rumos Práticos - Seminário

13

não existe no Brasil e, repito, isso incomoda. O armador pensa

“Isso precisa ser mudado...”. Mas a questão é: onde fica a segu-

rança operacional, onde fica o serviço de praticagem independente,

forte e seguro? E, finalmente, quem vai efetivamente agregar os

serviços complementares da praticagem? Porque o prático não é

uma prova de contrariedade à Lei de Lavoisier.

E finalmente reservei dois ou três minutos para o nosso querido

usuário, aquele que paga a conta. Não tenho a menor dúvida de

que os usuários, de modo geral, são caldo de cultura muito apro-

priado à motivação por mudanças, até porque para o usuário

quanto menos pagar mais interessante é. Tenho bem forte na

memória, nos anos 80, quando tínhamos um outro modelo, sem

entrar no mérito de vantagens e desvantagens, o usuário pagou

muito caro pelo transporte marítimo. O usuário normalmente é um

aliado nesse processo de mudança. Agora, como vai ficar esse

usuário no futuro? Como todos sabem, talvez mais de 70% de

contêineres sejam controlados por três ou quatro grandes

empresas. Desafio vocês a listar dez empresas megacarries em

cada tipo de transporte: granel, líquidos, cargas especiais... Esse é

um setor que se concentra. Anualmente a Maersk, por exemplo,

empresa que conheço razoavelmente bem, promove um encontro

em regiões diferentes e tenta convencer de sua visão toda a malha

sindical que está envolvida. Talvez não devesse estar falando da

Maersk, talvez porque eu tenha um carinho especial por ela. Ela

gosta de me bater, e eu gosto de bater nela. Uma questão de amor

mal resolvida.

Esses eventos reúnem portuários, trabalhadores de apoio por-

tuário, marítimos, toda uma malha para discutir políticas de

integração de sua rede no mundo. Eu pergunto ao usuário se ele já

pensou em ficar dependendo de um oligopólio restrito a muito

poucas empresas concentradoras de todo esse serviço. Do

começo do serviço até a entrega no ponto B. Se já pensou nas

consequências disso. Se é interessante que nós venhamos a tirar

a voz do marítimo, tirar a independência da praticagem, eliminar a

organização dos trabalhadores portuários, destruir a nossa

identidade e a nossa capacidade de resistir. Deixo a pergunta e

agradeço a paciência de me escutarem durante esses minutos.

Bom dia e obrigado.

Page 14: Rumos Práticos - Seminário

14

É realmente uma honra dirigir-me à ilustre plateia deste seminário.

No breve tempo que terei com vocês, pediram-me que falasse sobre

o inestimável serviço que os práticos prestam ao público;

sobre a importância de se implantar um sistema de praticagem

organizado, no qual a praticagem seja obrigatória e os práticos

tenham autonomia para exercer juízo independente na execução

de suas obrigações de serviço público; sobre a importância de

haver apenas uma associação de práticos em cada zona de prati-

cagem; e sobre a necessidade de regulação governamental abran-

gente para assegurar que a praticagem – que é o melhor instru-

mento para garantir a segurança marítima – não seja deixada à

mercê de forças de mercado destrutivas e desestabilizadoras.

Antes de iniciar minha discussão sobre essas importantes questões

políticas, gostaria de dizer algumas palavras sobre o respeito que

os práticos brasileiros conquistaram na comunidade marítima

internacional. O capitão Otavio Fragoso foi recentemente reeleito

vice-presidente sênior da IMPA, um dos cargos mais importantes

do corpo executivo da Associação, e sou grato pelo fato de ter um

profissional tão motivado, qualificado e talentoso em minha equi-

pe. Os serviços prestados pelo capitão Fragoso e sua reeleição

como vice-presidente sênior demonstram que ele conquistou a

confiança e o respeito do conjunto de membros da IMPA em todo o

mundo, o que inclui oito mil práticos de mais de 50 países. Quero

igualmente agradecer ao capitão Ricardo Falcão, atual presidente

do CONAPRA, ele também um verdadeiro profissional, que rapida-

mente mereceu o respeito de seus colegas presidentes de associa-

ções nacionais de práticos. É prova da influência internacional de

ambos o fato de terem conseguido reunir um painel tão impres-

sionante de especialistas em praticagem e navegação, entre os

quais um dos diretores da Organização Marítima Internacional.

Presidente da Associação dos Práticos dos Estados Unidos da América (APA) eleito em 2000 e reeleito em 2004, 2008 e 2012. Vice-presidente da Associação Internacional dos Práticos (IMPA) eleito em 2002. Atual presidente da IMPA eleito em 2006 e reeleito em 2010.

Michael R. Watson

Vou começar minha apresentação dizendo que todo governo corre

grande risco se subestimar a importância de manter um sistema de

praticagem obrigatório abrangente, eficiente e moderno. O traba-

lho de pilotar navios oceânicos é desgastante e exige conhecimen-

tos e habilidades especializados, atenção e vigilância constantes,

além de tomadas de decisão das mais complexas. Um prático deve

estar extraordinariamente familiarizado com cada uma das carac-

terísticas das áreas de praticagem. Ele ou ela deve conhecer – e

ser capaz de enumerar instantaneamente, em todas as condições

de clima e visibilidade, e muitas vezes em circunstâncias

estressantes – cada canal, ponte, obstrução, equipamento de

auxílio à navegação, bem como as características hidrográficas e

geográficas. Um prático deve entender os efeitos das marés,

correntes, ventos e a hidrodinâmica das embarcações que se

deslocam por vias de acesso estreitas. Cada embarcação apre-

senta novo desafio, pois cada uma tem características únicas de

manobra e governo, e reage de forma diferente ao meio ambiente.

Um prático também deve estar preparado para enfrentar a

multiplicidade de equipamentos presentes no passadiço de

embarcações oriundas de portos de todo o globo, bem como para

lidar com tripulações de navios de diversas nacionalidades.

Mudanças drásticas no tamanho dos navios atuais, na indústria de

shipping e na visão da autoridade portuária também impactam as

Praticagem: atividade essencial e de interesse público. O paradigma internacional, a importância da regulação social e econômica

Page 15: Rumos Práticos - Seminário

15

atribuições do prático. O tamanho dos navios – comprimento, boca

e calado – aumenta rapidamente. Isso vai continuar. Todos nós,

que trabalhamos junto ao governo a fim de obter verbas para

dragagem, sabemos: os canais de navegação não crescem em

velocidade proporcional à do crescimento dos navios. Por conse-

guinte, as autoridades portuárias vão continuar a pedir aos práticos

que “nadem com a corrente” e aceitem menores lazeiras abaixo da

quilha, bem como a esperar que os práticos manobrem navios

imensos a metros de estruturas fixas e em vias confinadas. Essa

tendência de crescimento dos navios à frente da expansão dos

canais vai jogar ainda mais pressão sobre os práticos e sobre

nossas habilidades.

Também se evidencia que, no futuro, muitos navios vão operar com

tripulações ainda menores. Embora certamente existam alguns

armadores que são focados na segurança e trabalham em parceria

com os práticos para melhorar as práticas de navegação, alguns

armadores e alguns governos vão continuar a forçar os limites da

definição de “tripulação mínima de segurança”. Infelizmente, a

contínua diminuição no tamanho da frota vai ser acompanhada por

redução ainda maior na competência dos marinheiros. Não se trata

de reflexão sobre os marinheiros de hoje, mas sobre alguns, no

setor de navegação, que insistem em manter tripulações mal

remuneradas e mal treinadas. Isso também vai aumentar a pressão

sobre os práticos, o que me leva diretamente ao próximo ponto.

Alguns interesses da área de navegação e alguns governos acredi-

tam que qualquer problema de navegação pode ser resolvido pela

tecnologia. Essa tendência vai ajudar a solidificar a relutância de

segmentos do setor em valorizar pessoas – especialmente seus

próprios práticos. A desvalorização da função dos marinheiros já

está levando muitos no setor e alguns governos a pressionar por

mais controle das embarcações em terra. Essa obsessão, equivo-

cada e perigosa, com a navegação por “controle remoto” vai piorar.

Diante disso, faz-se ainda mais importante manter sistemas

eficazes de praticagem obrigatória, que posicionam no passadiço

de navios profissional treinado, experiente e independente para

orientar a navegação.

Os práticos de hoje prestam um dos serviços de segurança maríti-

ma mais importantes disponíveis para o setor de navegação e,

sobretudo, para o público. Todos nós, que temos responsabilidade

pela movimentação segura e ambientalmente saudável de

mercadorias e pessoas em nossas hidrovias, devemos assegurar

que os regimes regulatórios que regem a praticagem e a

qualificação e habilitação de práticos sejam abrangentes,

voltados para a segurança e efetivamente aplicados.

Um dos pontos mais importantes que desejo enfatizar neste painel

é que a praticagem não é simplesmente um negócio. Na verdade, é

bastante diferente até mesmo de outros serviços profissionais, a

maioria dos quais é normalmente prestada através de contrato

privado com consumidor voluntário. A praticagem marítima

obrigatória é uma norma de segurança de navegação – talvez sua

principal forma –, e a responsabilidade primordial do prático deve

ser proteger os interesses do governo que emite a habilitação e

regulamenta a operação de praticagem. O principal cliente do

prático não é o navio nem o armador, mas o interesse público. Ao

examinar os custos associados a um sistema de praticagem de

primeira classe, profissional e abrangente, esse aspecto de serviço

público da praticagem deve ser mantido em primeiro lugar na

mente dos formuladores de política. A praticagem jamais deve ser

vista simplesmente como mais um custo comercial da navegação.

Em todo o mundo marítimo, a experiência mostrou que os benefí-

cios máximos da praticagem obrigatória só são possíveis quando

ela é fornecida através de um regime regulatório governamental

abrangente. Como presidente da IMPA, organização que reúne

associações de práticos de dezenas de países, tenho pleno conhe-

cimento do fato de que os sistemas de praticagem compreensivel-

mente variam conforme as necessidades locais e demandas espe-

cíficas de portos e hidrovias. Existem, porém, alguns atributos

básicos que os regimes regulatórios de praticagem devem apre-

sentar, entre os quais se encontram: (1) exigência de praticagem

obrigatória; (2) exigência de disponibilidade de 24 horas/7 dias na

semana/365 dias por ano; (3) práticos livres para exercer seu juízo

Page 16: Rumos Práticos - Seminário

profissional, que deve ser totalmente independente dos interesses

econômicos da embarcação; (4) escala única de rodízio de práticos

num determinado porto ou área portuária; e (5) controle do número

de habilitações de prático emitidas. Vou falar brevemente sobre

cada um dos atributos necessários a um sistema de praticagem

profissional e moderno.

Os regimes regulatórios de praticagem devem assegurar que cer-

tas embarcações numa área portuária sejam obrigadas a se sub-

meter à orientação e ao controle de um prático devidamente certi-

ficado que tenha treinado com os demais práticos daquele porto e

que com eles trabalhe em cooperação. A área portuária em sua

totalidade e as comunidades adjacentes ficam mais seguras

quando toda a navegação de grande porte está sob esse controle

de praticagem. Num regime regulatório abrangente, os práticos

trabalham juntos para garantir o cumprimento das restrições de

navegação locais e se consideram, corretamente, parte de uma

rede de segurança maior. A exigência de praticagem obrigatória é,

de longe, o mecanismo mais eficiente disponível para um governo

proteger suas águas, garantir a segurança da população e do meio

ambiente, e facilitar o comércio marítimo. É eficiente porque coloca

no passadiço do navio um indivíduo cujo propósito de ali estar é

proteger o interesse público. A decisão de embarcar um prático

deve ser mandatória e não pode ser deixada a critério das empre-

sas de navegação. Os donos e operadores de embarcações estão

naturalmente focados nos aspectos econômicos e comerciais do

transporte marítimo. Para alguns interesses de navegação de

menor responsabilidade, a praticagem pode não ser considerada

norma de proteção ambiental e de segurança de navegação, mas

custo que se pode reduzir ou mesmo eliminar. Esse pensamento

pode beneficiar o resultado financeiro de curto prazo de uma

empresa, mas é arriscada política pública, que pode ter consequên-

cias catastróficas para um porto e sua comunidade adjacente.

Além de tornar obrigatórios os serviços de praticagem, um regime

regulatório de praticagem eficaz também deve procurar assegurar

que práticos treinados, competentes e fisicamente capazes este-

jam disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por ano e que todos os

navios sejam tratados com igualdade e sem discriminação. A fim

de alcançar isso, um sistema de praticagem deve exigir que os

práticos estejam disponíveis para atender a todos os navios que

são obrigados a embarcar um prático, e que mantenham programas

de treinamento, lanchas de prático, estação de controle para o

recebimento de pedidos e distribuição dos práticos, escalas

de rodízio e todos os demais tipos de equipamentos e serviços de

apoio necessários a uma operação de praticagem moderna,

eficiente e segura. Isso, evidentemente, requer significativo

investimento de recursos.

Um regime regulatório de praticagem eficaz também deve garantir

que os práticos estejam protegidos das pressões econômicas que

as empresas de navegação sofrem ao movimentar mercadorias e

pessoas. Como mencionei, grande parte da operação de pratica-

gem consiste em julgamento. Num sistema de praticagem real-

mente abrangente, os práticos são livres para exercer seu juízo

profissional e independente, que vai ao encontro do interesse

público. Muitas vezes um prático precisa decidir entre diferentes

procedimentos. Por exemplo, se o navio deve prosseguir sob

neblina densa ou outra condição inesperada; se o navio deve

aguardar condições de maré ou corrente específicas; se uma rota

ou manobra deve ser usada em vez de outra que pode levar mais

tempo; ou se um navio deve deslocar-se numa velocidade maior do

que a normal, a fim de manter sua programação. Ao tomar essas

decisões, é absolutamente essencial que o prático seja

independente do navio e que esteja protegido contra pressões, de

operadores de navios ou terminais, contrárias às necessidades

de segurança.

Talvez o meio mais eficaz para assegurar que o prático não seja

indevidamente afetado pelas pressões econômicas associadas

com a navegação comercial seja garantir que os práticos operem

sob regime regulatório no qual não se vejam obrigados a competir

entre si. Um prático que precisa disputar trabalho com outro

prático sabe que, para garantir seu meio de vida, deve agir NÃO no

interesse do governo e da população, mas da pessoa que controla

a escolha do prático. Quando a função de um prático está compro-

metida dessa maneira, a segurança da navegação, que é o objetivo

vinculado à exigência de praticagem obrigatória, é frustrada.

A verdade é que, trabalhando num sistema competitivo, os práticos

vão tomar atitudes que não tomariam, por razões de segurança,

num ambiente não competitivo tradicional. Num sistema em que

precisam competir entre si por trabalho, os práticos normalmente

vão preferir e buscar os clientes que oferecem o trabalho mais

regular, de maior volume, mais lucrativo ou mais fácil. Em resumo,

num sistema competitivo, alguns práticos podem querer atender só

16

Page 17: Rumos Práticos - Seminário

17

à ‘nata’. Um navio que chega a uma boia ou que está pronto para

deixar um ancoradouro pode descobrir que o prático que estava

sendo aguardado preferiu assumir um trabalho mais vantajoso ou

atender outro navio sob contrato exclusivo. Essas situações

encorajam abatimentos informais, propinas e outras ações ilegais

quando tanto práticos quanto navios buscam tratamento preferen-

cial. Essa situação seria ruim para a navegação, ruim para os

práticos, mas, sobretudo, ruim para a segurança da navegação.

Para evitá-la, na maioria dos países marítimos, no mundo inteiro, o

governo julgou que um sistema abrangente de regulação econômica

e uma supervisão atenta das atividades profissionais dos práticos é

preferível a deixar o objetivo da segurança de navegação da pratica-

gem à mercê das forças do mercado aberto. Posso afirmar que,

apesar da política nacional de longa data e da arraigada cultura nos

Estados Unidos favorecendo os mercados livres, as autoridades

governamentais em meu país reconheceram que algumas atividades,

particularmente aquelas que envolvem segurança pública, não

devem ser ditadas por quem pode oferecer o serviço mais barato,

mas que são mais bem fornecidas por operações altamente regula-

das, sujeitas a estrita supervisão governamental. Um bom exemplo

desse entendimento pode ser encontrado nos estatutos de pratica-

gem do estado da Flórida, que incluem a seguinte declaração: “A

praticagem é serviço essencial, de importância tão superior, que sua

existência contínua deve ser assegurada pelo Estado, e não ser

deixada aberta às forças de mercado.”

Importante benefício de uma operação de praticagem altamente

regulada, na qual os práticos não precisam competir entre si por

trabalho, é eles se poderem organizar numa escala única de

rodízio. Tal escala ajuda a garantir que os práticos estejam dis-

poníveis a qualquer tempo e para qualquer navio, em termos de

igualdade. Com a escala única de rodízio, cada navio leva o próxi-

mo prático da escala, quando o navio precisa de um desses profis-

sionais e não quando é conveniente para o prático. Além disso, ao

distribuir o trabalho entre os práticos, o rodízio oferece maior

garantia de que o prático estará descansado o suficiente e física e

mentalmente preparado para a tarefa. Além de os serviços de

praticagem se beneficiarem da escala única de rodízio, também as

atividades administrativas e de apoio, bem como de treinamento,

podem ser realizadas regular e ordenadamente. Por fim, a escala

de rodízio assegura que os práticos mantenham em dia sua

experiência com todos os diferentes tipos de navios e tarefas de

praticagem. Não há como cumprir exigência de disponibilidade

de 24 horas diárias 365 dias por ano e rodízio regular num contexto

em que os navios podem selecionar e escolher seus práticos.

Outra característica que os sistemas de regulação do serviço

de praticagem devem ter é um método para limitar o número de ha-

bilitações de prático emitidas. Como indiquei, ao contrário de

esquemas de habilitação simples de outras profissões, as normas

de praticagem constituem um sistema de segurança de navegação

abrangente, através do qual um governo exige que as embarcações

embarquem um prático habilitado e assegura que toda embarcação

que leva um prático receba um profissional descansado, treinado e

competente, fornecido sem discriminação nem atrasos.

Limitando o número de habilitações emitidas, a autoridade gover-

namental pode garantir que os práticos recebam a quantidade

“certa” de trabalho. A quantidade certa de trabalho consiste em

trabalho suficiente para que os práticos possam ganhar o bastante

para pagar os substanciais custos de infraestrutura de uma opera-

Page 18: Rumos Práticos - Seminário

ção de praticagem eficiente e moderna, e para que cada prático

permaneça atualizado em sua experiência com um amplo leque de

tipos de embarcações e localizações geográficas. A quantidade

“certa” de trabalho também não deve ser tal que o prático se veja

sobrecarregado e, por conseguinte, fatigado. Determinar a quanti-

dade “certa” de trabalho para um prático é um importante compo-

nente da função de supervisão regulatória do governo.

Embora a praticagem seja um serviço pessoal, prestado por um

indivíduo, as operações de praticagem configuram atividade de

capital relativamente intensivo. Dentro de uma área portuária, os

práticos precisam ter recursos suficientes para manter programas

de treinamento sólidos, lanchas de prático seguras e modernas,

com tripulações bem treinadas, redes de comunicação, distribuição

de práticos, escalas de rodízio, serviços de apoio e hoje, cada vez

mais, sofisticados equipamentos eletrônicos de navegação. Manter

a infraestrutura necessária para operar um serviço de praticagem

de primeira classe seria difícil para um prático individualmente. É,

portanto, importante que os práticos de um determinado porto ou

zona de praticagem se organizem em associação local.

Essas associações locais desempenham papel vital para garantir

praticagem eficiente e segura a determinado porto. Coletivamente,

são fundamentais para a eficiência de um sistema nacional de

praticagem obrigatória. As associações facilitam as atividades

conjuntas essenciais, tais como administrar a distribuição dos

práticos e a escala de rodízio; identificar o bom uso da tecnologia

de navegação; garantir a segurança e a eficiência das operações

das lanchas de prático; auxiliar na coordenação do tráfego por-

tuário; e executar a miríade de funções contábeis e administrativas

e os serviços de apoio necessários a uma operação de praticagem

eficiente e moderna. Além de aumentar a confiabilidade e a eficiên-

cia da praticagem e aumentar as críticas eficiências comerciais

e de apoio, as associações desempenham papel importante na

melhoria do treinamento dos práticos. Também podem trabalhar

de perto com as autoridades para ajudar a executar atividades de

praticagem de acordo com as normas governamentais. Sem as

associações locais, cada prático teria de fornecer sua própria

estrutura de apoio à praticagem e seu próprio programa de trei-

namento. Nenhuma economia de escala seria obtida, haveria

pouco investimento em novas tecnologias e poucas melhorias em

treinamento e operações, e as operações de praticagem seriam

pouco eficientes, mais caras e muito menos efetivas.

Também desejo enfatizar a importância de se ter apenas uma

associação para cada zona de praticagem. Em razão do grande

investimento de capital exigido para as operações de praticagem

modernas e com serviço completo, quando dois ou mais grupos

operam em uma zona de praticagem ocorre inevitavelmente a

duplicação de muitos custos, tais como lanchas e estações de

praticagem. Sendo o objetivo da determinação da tarifa de pratica-

gem assegurar que os preços da praticagem não sejam mais altos

do que o necessário, essa duplicação de custos é contrária aos

interesses públicos e da navegação. Nenhuma das partes com

interesse numa praticagem eficiente – nem o governo, nem a

navegação, nem os práticos – deve querer mais de um grupo de

práticos numa área portuária.

Até agora, falei sobre algumas das consequências negativas que,

conforme mostra a experiência, ocorrem quando a praticagem é

tratada meramente como outro empreendimento comercial. Quero

rapidamente discutir um aspecto diferente desse problema.

Deixando de lado por um momento os danos que as forças de

mercado causarão à independência, efetividade e eficiência da

praticagem, algumas pessoas equivocadamente acreditam que

permitir a concorrência entre os práticos pode de alguma forma

diminuir a necessidade de regulação governamental da praticagem.

A história e a experiência nos dizem que o contrário é verdadeiro.

A experiência com exemplos de concorrência na praticagem

mostrou que os ônus impostos às autoridades regulatórias são

muito maiores, particularmente nas áreas de habilitação, treina-

mento e preços de praticagem. No contexto altamente regulado de

associação de práticos única, não há incentivo para os práticos

tomarem atalhos no processo de habilitação ou treinamento, a fim

18

Page 19: Rumos Práticos - Seminário

de adicionar rapidamente outros práticos, oferecer abatimentos ou

adotar outros tipos de práticas ilegais de preços. Quando a pratica-

gem é deixada à mercê das forças do mercado aberto e os práticos

buscam vantagem competitiva sobre outros práticos, faz-se

necessário grau de supervisão governamental mais elevado,

a fim de monitorar as atividades dos práticos e assim evitar

esses tipos de abuso.

O treinamento também apresenta difícil problema regulatório num

ambiente competitivo. Apesar dos recentes avanços na instrução

com simulação e em sala de aula, o principal ingrediente no

treinamento de um prático ainda é um programa do tipo

aprendizado – treinamento prático no passadiço de um navio sob a

orientação de um prático sênior. Quando grupos concorrentes

operam numa zona, muitas vezes um praticante de prático não

consegue fazer as viagens necessárias em todos os tipos de

embarcação e em toda a área de sua zona de praticagem para

se tornar plenamente qualificado e proficiente. Ainda que fosse

possível exigir que os práticos treinassem seus futuros concorrentes,

um relacionamento baseado em cooperação e confiança necessário

ao treinamento não pode ser imposto. As autoridades da pratica-

gem nos poucos locais onde existe concorrência constataram ter

de supervisionar os detalhes do treinamento em nível que se

torna desnecessário em ambiente de associação única e não

competitivo. Em outras palavras, deixar a praticagem à mercê

das forças do mercado aberto leva à necessidade de mais,

não menos, regulação.

Como conclusão, gostaria de destacar um último ponto. Embora se

considere que os práticos alcançaram o auge da profissão marítima

e ocupam um dos cargos mais importantes no setor, grande parte

do público não está ciente da imensa contribuição desses profis-

sionais à proteção do meio ambiente marítimo, mantendo sem

sobressaltos o tráfego de embarcações em nossos movimentados

portos e garantindo o transporte seguro de milhões de pessoas e

bilhões de dólares em comércio marítimo. É através de encontros

como o de hoje que esse trabalho vital, mas difícil e perigoso,

obtém reconhecimento.

Agradeço a todos por isso e por me oferecerem esta oportunidade

de trazer meu depoimento até vocês. Estou à disposição para

responder a suas perguntas.

19

Page 20: Rumos Práticos - Seminário

8

Page 21: Rumos Práticos - Seminário

Capitão de longo curso, mestre em ciências pela Cranfield University, Inglaterra.Diretor adjunto da Divisão de Segurança Marítima e secretário do Subcomitê de Segurança da Navegação – NAV

da Organização Marítima Internacional – IMO, com responsabilidade sobre este e o Subcomitê de Radiocomunicações, Busca e Salvamento (Comsar), também da IMO.

Gurpreet Singhota

21

Bom dia a todos. Bom dia, ilustres participantes. Antes de tudo,

gostaria de agradecer ao presidente do Conselho Nacional de

Práticos, Sr. Ricardo, e ao almirante Viveiros.

É um privilégio e uma honra para a IMO estar aqui hoje, e em nome

do secretário-geral da IMO gostaria de agradecer ao CONAPRA

o convite.

Vou falar sobre a orientação que a IMO desenvolveu ao longo dos

anos sobre praticagem. Basicamente, vamos voltar a 1967, quando

pela primeira vez tivemos uma resolução da Assembleia da IMO,

referente à recomendação sobre as escadas de prático e sobre a

qualidade e os equipamentos das escadas de prático para pesca-

dores. A verdadeira recomendação sobre praticagem, porém, veio

da Resolução A.159, de 27 de novembro de 1968. Há muito tempo,

portanto; há 45 anos, e essa resolução recomenda que os governos

devem – a palavra principal aqui é “devem” – organizar os serviços

de praticagem nas áreas em que esse serviço contribuiria para a

segurança da navegação de modo mais eficaz do que outras

possíveis medidas e, onde aplicável, definir os navios e as classes

de navios para os quais o emprego de um prático seria obrigatório.

Essa foi a primeira resolução da Assembleia sobre praticagem

emitida pela IMO.

Em seguida vamos para novembro de 1973, quando tivemos a

Resolução A.263(8) da Assembleia da IMO; o número 8 entre

parênteses indica que foi a oitava sessão da Assembleia da IMO

que adotou uma emenda à Resolução A.517 sobre escadas de

prático e pilot hoists, e convidou os governos em questão a

aceitá-la o quanto antes. Em paralelo, tivemos a Resolução A.275,

que trouxe a recomendação sobre padrões de desempenho para

pilot hoists.

Avançando, tivemos a Resolução A.332 da nona sessão da

Assembleia da IMO referente à recomendação sobre os procedi-

mentos de embarque e desembarque de práticos em navios muito

grandes. Foi quando o assunto começou realmente a ficar sério. O

tamanho dos navios vinha aumentando, e a resolução recomendou

que todas as embarcações nas quais a distância do nível do mar ao

ponto de acesso do navio, a qualquer tempo, ultrapassasse nove

metros deveriam também ter uma escada de portaló de cada lado,

para facilitar o embarque do prático.

Em seguida, há toda uma série de resoluções adotadas pela IMO.

A primeira foi a Resolução A.426, que revogou a A.332, em

novembro de 1979.

E depois, na 12a sessão da Assembleia da IMO, em novembro

de 1981, adotamos uma resolução muito importante: as

Uma visão geral das orientações da IMO incluindo a Resolução A.960 e as regras Solas relativas à praticagem

Page 22: Rumos Práticos - Seminário

22

“Recomendações sobre treinamento, emissão de certificados e

procedimentos operacionais para práticos que não os práticos

de alto-mar”.

Oito anos depois, tivemos a Resolução A.667(16), sobre os proce-

dimentos para transbordo do prático, e então, em 1999, uma nova

resolução da Assembleia revogou todas as aqui mencionadas.

Finalmente, tivemos a Resolução A.1045(27), sobre os procedimen-

tos para transbordo do prático, que revogou até mesmo a anterior,

A.889(21). Foi nessa época que também adotamos, como mostrarei

adiante, as emendas ao Capítulo 5 da Solas.

A mais relevante resolução da Assembleia é a A.960(23), que revo-

gou, como mencionei, a A.485(12) e trata das “recomendações

sobre treinamento, emissão de certificados e procedimentos

operacionais para práticos que não práticos de alto-mar; em seu

parágrafo preambular informa que tem dois anexos, urge os

governos a pôr em vigor essas recomendações tão logo possível e

solicita ao Comitê de Segurança Marítima, que é o órgão técnico

máximo da IMO, que mantenha as recomendações sob exame e as

emende conforme necessário, à luz da experiência adquirida com

sua implementação.

Então, basicamente, foi um período de 22 anos, desde a Resolução

A.485 até a A.960(23), e esta última foi muito bem debatida e

planejada. Tivemos algumas discussões sobre isso no subcomitê

NAV, que promove o melhor consenso possível na IMO. Meu colega

palestrante Paul Kirchner, da APA, também vai explicar a resolução

com um pouco mais de detalhes, pois era o presidente do grupo de

redação, e acho que ele merece reconhecimento. Muito reconheci-

mento, por gerenciar tarefa tão difícil.

Essa resolução adotou duas recomendações, constantes no

Anexo 1 e no Anexo 2. O Anexo 1 traz as “Recomendações sobre

o treinamento e emissão de certificados de práticos, que não os

práticos de alto-mar”, e o Anexo 2, as “Recomendações sobre

os procedimentos operacionais para práticos, que não os práticos

de alto-mar”. Portanto, ela especifica as recomendações da IMO

para os governos-membros sobre como estabelecer autoridade

da praticagem e como treinar práticos.

Na seção sobre escopo, o Anexo 1, recomenda encorajar o governo

a estabelecer ou manter autoridades competentes da praticagem

para administrar sistemas de praticagem seguros e eficientes.

Todas as resoluções das Assembleias da IMO empregam a palavra

“deve”; são, portanto, recomendações, a palavra “será” não é

empregada. “Será” é o termo usado no texto da Convenção;

então é obrigatório. A Convenção trata da autoridade competente

da praticagem. Diz que todo governo deve estabelecer uma

autoridade competente da praticagem, e o que isso significa?

Significa que o governo nacional ou regional, ou grupos e

organizações locais, por lei ou tradição, administram ou fornecem

um sistema de praticagem. Cabe aos governos informar as

autoridades competentes da praticagem sobre as disposições

desse documento e incentivar sua implantação.

A avaliação da experiência, das qualificações e da adequabilidade

de um candidato à certificação ou ao licenciamento é responsabili-

dade de cada autoridade competente da praticagem.

A resolução descreve o que as autoridades competentes da

praticagem devem fazer. Elas devem estabelecer os requisitos

de admissão e elaborar as normas para obtenção do certificado ou

da licença, exigir a manutenção das normas elaboradas, especifi-

car os necessários pré-requisitos, experiência ou provas para

assegurar que os candidatos à certificação ou ao licenciamento

como práticos sejam adequadamente treinados e qualificados, e

também providenciar para que os relatórios sobre as investigações

de incidentes estejam disponíveis e sejam levados em

consideração no treinamento dos práticos marítimos.

Page 23: Rumos Práticos - Seminário

23

Em seguida, trata do certificado ou da licença de praticagem.

Significa que todo prático deve ter um certificado ou uma licença

de praticagem adequada, emitida pela autoridade competente da

praticagem e que estabeleça para quais áreas a licença é válida.

Aptidão médica: todo prático deve provar à autoridade

competente da praticagem que tem aptidão médica e que

esta atende aos requisitos da Convenção do STCW.

Um prático que tenha sofrido ferimento ou doença deve ser

reexaminado a fim de garantir que cumpre as normas de

aptidão para retornar a suas funções.

Somente a autoridade competente da praticagem tem todas as

responsabilidades para assegurar que as normas de treinamento e

de certificação ou licenciamento sejam cumpridas. O prático deve

ser treinado em gerenciamento de recursos de passadiço, e as

autoridades competentes da praticagem devem ser encorajadas a

oferecer treinamento de atualização e aperfeiçoamento. Isso

significa que, após obter sua licença, o prático deve continuar o

treinamento ou fazer cursos de aperfeiçoamento. E a proficiência

contínua é essencial.

No Anexo 1 há um sumário sobre a certificação ou licenciamento

para praticagem. Eu não a incluí aqui, mas o presidente do

CONAPRA informou-me que cópias da Resolução A.960(23) estão

disponíveis em português e em inglês do lado de fora do salão de

conferências, então eu incentivo os distintos delegados a pegar um

exemplar, para ter uma melhor ideia dos requisitos.

O Anexo 2 trata das recomendações sobre os procedimentos

operacionais para práticos, que não os práticos de alto-mar.

Estabelece em geral quais são as diretrizes e afirma que a coorde-

nação efetiva entre prático, comandante e pessoal do passadiço é

muito necessária para operações seguras de praticagem. Detalha

as atribuições do comandante, dos oficiais do passadiço e do

prático, e, evidentemente, a regra básica é sempre composta por

ordens do comandante e conselho do prático, o que não absolve o

comandante de nenhuma de suas responsabilidades quanto a

acidentes pessoais. Aborda o ponto de embarque de praticagem

e cabe à autoridade competente da praticagem estabelecer e

divulgar a localização dos pontos seguros de embarque

e desembarque do prático. Sei que estão marcados nas cartas,

mas é responsabilidade das autoridades competentes da

praticagem informar aos oficiais em questão que os pontos estão

na carta, mas a informação também está disponível para

os armadores e para os usuários do porto.

Page 24: Rumos Práticos - Seminário

24

Depois há os procedimentos para solicitar um prático. A autoridade

competente da praticagem deve estabelecer, divulgar e manter os

procedimentos para solicitar um prático para um navio entrando ou

saindo, ou para movimentar um navio dentro de uma área portuária,

e evidentemente as horas previstas de chegada e de partida devem

ser fornecidas às autoridades da praticagem tão logo possível.

Esse é um ponto vital, a troca de informações entre comandante e

prático. Foi discutido muitas vezes nos fóruns, subcomitês e no

STW, e mesmo no subcomitê NAV, e é muito, muito importante que

o comandante e o prático troquem informações para garantir a

praticagem segura. O anexo diz que, no início da praticagem, o

comandante e o prático devem trocar informações em relação

a procedimentos de navegação, condições e regras locais,

e as características do navio. Sei que é um requisito que as

características de manobras do navio sejam exibidas no passadiço,

curvas de evolução e tudo o mais, mas pode ter havido um defeito

durante a viagem. Quando um equipamento não está funcionando,

é dever do comandante informar isso ao prático.

Outra questão muito importante é o idioma de comunicação, pois

atualmente temos tripulações de múltiplas nacionalidades. Houve

um tempo em que os países tinham companhias de navegação

estatais. Isso não era um grande problema, mas hoje é. A

resolução da Assembleia da IMO enfatiza que os práticos devem

conhecer o vocabulário-padrão de Comunicação Marítima da IMO;

é uma resolução da Assembleia e também está disponível como

livro, publicado pela IMO. Além disso, estabelece que as comuni-

cações a bordo entre o prático e o pessoal do passadiço devem ser

feitas no idioma inglês ou em outro idioma que seja comum a todos

os envolvidos na operação.

Em caso de acidente, o prático deve relatar qualquer incidente ou

acidente que tenha ocorrido durante o processo de praticagem. E

depois há a recusa de prestar serviços de praticagem. O prático

deve ter o direito de recusar a praticagem quando o navio é

considerado um perigo para o meio ambiente ou para a segurança

da navegação. Evidentemente, deve haver uma base sólida ou

uma boa razão para a recusa. Depois, há a obrigação do prático de

estar apto para o serviço.

Essas foram as resoluções da Assembleia, mas também há

as regras da Convenção Solas que concernem à praticagem. A

primeira é a Solas V/23 sobre os procedimentos de transbordo do

Page 25: Rumos Práticos - Seminário

25

prático, que foi adotada no MSC 88 em 3 de dezembro de 2010

e entrou em vigor no ano passado, em 1o de julho. A norma Solas

II-1/3-9 trata das escadas de portaló para uso no embarque e

desembarque dos navios. Foi adotada em maio de 2008 e entrou

em vigor em 1o de janeiro de 2010.

Há uma nota de rodapé nessa norma e na Resolução A.1047 sobre

os procedimentos de transbordo do prático. Existem também

circulares relevantes do MSC que oferecem diretrizes para a

administração e para as autoridades de praticagem em relação aos

procedimentos de transbordo do práticos. Em termos de hierarquia,

as resoluções da Assembleia ocupam a posição mais alta,

seguidas pela circulares do MSC, pela segurança de navegação e

depois outras circulares.

Além disso, há três circulares do MSC que são de relevância:

MSC.1/Circ.1402, sobre a segurança dos procedimentos de

transbordo do prático; depois a MSC.1/Circ.1428, sobre os

procedimentos de embarque necessários para práticos. Uma cópia

dessa circular também está disponível do lado de fora do salão

de conferências. Depois há a MSC.1/Circ.1331, sobre as diretrizes

para construção, instalação, manutenção e inspeção dos meios

de embarque e desembarque. Isso está relacionado com a regra

Solas V/23, que é uma referência cruzada com a resolução da

Assembleia A.1047.

A MSC.1/Circ.1402 é muito importante, pois trata da segurança

dos procedimentos de transbordo do prático. Essa circular encoraja

os governos a incluir, formalmente, a inspeção realizada pelo

Estado do Porto (PSCO e FSCO) nesses arranjos. Reconhecemos

que a segurança do prático é fundamental e deve ser parte

do processo de inspeção do Estado.

Conclusões

Como vocês veem, de 1967 em diante, a IMO elaborou orientações

suficientes e detalhadas para os problemas de praticagem.

Mantivemos o processo sob análise e, quando tomamos

conhecimento de preocupações de governos-membros de que

existia a necessidade de revisar determinada diretriz, nós o

fizemos; mas o processo não foi acidental. Por exemplo, a

Resolução A.960 foi revisada após quase 22 anos. Portanto, isso

não mudou da noite para o dia. A diretriz foi emendada/atualizada

como e quando necessário para atender a um novo regime

regulatório. Nessa tarefa, a IMO foi assistida a cada estágio do

processo de maneira muito construtiva pela IMPA. E devo deixar

registrado o excelente relacionamento que a IMO estabeleceu ao

longo dos anos com a IMPA. Na verdade, todas as organizações

observadoras trabalharam muito próximo à IMPA no que concerne

à praticagem.

Quero concluir dizendo que a implementação da diretriz da

IMO é, evidentemente, prerrogativa dos governos, mas também

é muito importante que os governos-membros adotem as

recomendações constantes da Resolução A.960(23).

Muito obrigado.

Page 26: Rumos Práticos - Seminário

26

Diretor-geral adjunto da Associação Internacional de Armadores Independentes de Navios Petroleiros – Intertanko, tendo sido diretor-geral (2011-2012). Diretor de Assuntos Regulatórios e das Américas (2005-2010).Primeiro diretor (1995) de Padrões de Segurança da Navegação, Salvaguarda da Vida Humana e Prevenção da Poluição Hídrica da Guarda Costeira Americana.Chefiou (1980-2004) inúmeras delegações dos EUA nas comissões de Segurança da Navegação e Prevenção da Poluição – NAV, MSC e MEPC da IMO.

Joseph Angelo

Avaliação e expectativas da Intertanko em relação ao serviço de praticagem

Muito obrigado. Em nome da International Association of

Independent Tanker Owners (Intertanko), gostaria de agradecer

ao Ricardo e ao CONAPRA o convite para falar neste seminário

tão importante.

Primeiro comentário. Trabalhei durante muitos, muitos anos, para

a Guarda Costeira dos Estados Unidos. Meu chefe era sempre o

almirante. Estou muito impressionado, almirante Viveiros. Na

Guarda Costeira, um almirante de três estrelas vem, faz o discurso

de abertura e depois vai embora, nunca permanece depois do

intervalo. Eu lhe agradeço por ficar e escutar. Isso me diz como é

importante para a Marinha brasileira lidar com essa questão.

Meu segundo comentário. Examinei a programação e descobri

ontem à noite que sou o único palestrante representando arma-

dores. Assim, a esse respeito, farei os seguintes comentários: pri-

meiro, estou aqui representando a Intertanko. Não vim falar sobre

esse assunto em nome de todos os armadores. Isso é importante.

O terceiro comentário é que – mencionei isso ao Ricardo ontem à

noite –, como sou o único representante dos armadores a falar,

espero que não tenham preparado uma cilada para mim, para que

eu sofra a ira dos armadores. Mas, mesmo que seja uma cilada, no

que concerne à Intertanko, acreditamos que o que estamos fazendo

é correto e o que vou lhes dizer é a maneira certa de lidar com

essa questão.

Com isso, vamos passar à minha apresentação. Gostaria de

dividi-la em três áreas, basicamente. Primeiro, gostaria de falar

um pouco sobre a Intertanko, para que vocês saibam quem

somos, quem representamos e qual é nosso foco. Segundo,

gostaria de falar sobre o relacionamento que a Intertanko

mantém com a IMPA, a Associação Internacional de Práticos

Marítimos. E terceiro, e o mais importante, é claro, a Intertanko

e nosso relacionamento atual com o Brasil e com várias entidades

no Brasil.

Então, primeiro, uma pequena propaganda. A Intertanko é a

Associação Internacional de Armadores Independentes de Navios

Petroleiros. Somos uma organização sem fins lucrativos, e aqui

vocês podem ver quais são nossos objetivos. Minha intenção

não é ler cada slide. Vou deixá-los ler este, mas o mais

importante é que nós trabalhamos pela segurança no mar e pela

proteção do ambiente marinho para nossos membros. Esse é

nosso foco principal.

A missão que estabelecemos para nós é oferecer liderança ao

setor de petroleiros e fornecer ao mundo transporte marítimo

seguro, ambientalmente correto e eficiente de petróleo e

produtos químicos.

Page 27: Rumos Práticos - Seminário

27

Associados a essa missão, identificamos sete objetivos que quere-

mos alcançar. Não vou falar sobre todos eles; apenas sobre o mais

importante e que nossos membros quiseram impor a si mesmos.

Isso não é para o secretário; isso é para os membros que operam

os petroleiros. Eles decidiram que queriam liderar o aperfeiçoa-

mento contínuo do desempenho do setor de petroleiros, esforçan-

do-se para alcançar os objetivos de fatalidade zero, poluição zero

e detenção zero. Houve discussões sobre se queríamos usar o

zero como objetivo, algumas pessoas poderaram que isso não é

viável. Mas a filosofia foi a de que é melhor ter o copo meio cheio

do que meio vazio, e é por isso que eles escolheram esse objetivo.

A associação reúne proprietários independentes de petroleiros.

Companhias de petróleo, operadores de proprietários de petro-

leiros estatais não são proprietários independentes de petroleiros,

e, portanto, não se qualificam para ser membros da Intertanko;

podem, contudo, ser membros associados. E, como membros asso-

ciados, temos aqueles que estão relacionados com o setor de

petroleiros. Isso pode incluir sociedades classificadoras, estaleiros,

prestadores de serviços, escritórios de advocacia, clubes de P&I

etc. Temos alguns lidando com isso. Então, se alguém tem

interesse em fazer parte da Intertanko, como membro ou como

membro associado, é claro, fale comigo, por favor.

Esta é nossa atual posição com relação aos associados. Começando

em 2013, temos pouco mais de 220 membros, mais de 3.200 petro-

leiros com mais de 280 milhões de toneladas. Estamos presentes

em 40 países. Tenho orgulho de dizer que temos membros no

Brasil, na Argentina, no Chile, no Peru, no Equador, na Venezuela e

na Colômbia, e não devo excluir o México, que também faz parte

da América Latina. Representamos mais de 70% da frota mundial

de petroleiros independentes.

No ano passado, nosso conselho, que é nosso órgão normativo,

decidiu que devíamos adotar um plano estratégico de cinco anos.

São sete os principais itens que eles adotaram como parte de

nosso plano estratégico de cinco anos, e destaco para vocês os

dois primeiros itens.

O primeiro é a sustentabilidade do setor de petroleiros. Se não

sabem, o setor de petroleiros está com problemas financeiros

bastante significativos. Existem petroleiros demais agora. Então,

estamos tentando garantir a sobrevivência de nossos membros.

O segundo item da lista é segurança e desempenho dos petro-

leiros. Para essas duas importantes questões (não vou falar sobre

todas elas, só essas duas), que resultado desejamos? O que que-

remos obter em cada uma delas? Quanto à sustentabilidade,

queremos assegurar que nossos membros tenham acesso às

ferramentas, aos modelos e às informações de que precisam para

continuar a operar com segurança. E, quanto à segurança e ao

desempenho dos petroleiros, queremos que nossos membros

sejam posicionados proativamente para um alto desempenho.

Enfatizo tudo isso porque existe um tema comum que se vê aqui.

Segurança. A Intertanko quer garantir, todos os nossos membros

querem garantir, que estejamos operando nossos petroleiros de

maneira segura em todo o mundo. Temos uma estrutura de comitês

que nos ajuda a realizar isso. Temos um comitê técnico, um comitê

ambiental, um comitê de navegação. Eu não queria entediar vocês

com todos os detalhes, ainda que pertinentes a este seminário

específico, mas temos um grupo de trabalho de praticagem.

É formado por membros que oferecem voluntariamente seus

serviços para aconselhar especificamente a Intertanko sobre

quais são as questões que devemos abordar, o que devemos fazer

com relação aos problemas de praticagem. Nosso foco está em

duas principais questões: promover os relacionamentos com as

associações de práticos, tanto nacionais como internacionais, e

também revisar e fornecer contribuições e recomendações sobre

qualquer dos mais recentes requisitos ou diretrizes emitidos

pela IMO ou em qualquer parte do mundo. Essa foi uma breve

visão geral da Intertanko.

Page 28: Rumos Práticos - Seminário

28

Vamos tratar agora do nosso desenvolvimento com a IMPA, começan-

do com alguns fatos básicos, alguns, aliás, já identificados.

Fato 1. Penso que todos vão concordar, todos queremos a navega-

ção segura das embarcações em todos os portos e vias navegáveis

das nações. Me parece que ninguém pode discordar disso.

Fato número 2 que temos de aceitar. Os práticos são obrigados,

pela legislação nacional, a dar assistência à navegação segura das

embarcações nas águas daquele país.

E o terceiro fato, já mencionado, me parece, e que não pode ser

mudado: os membros da Intertanko não escolhem o prático que vai

a bordo de seus navios.

A partir desses três fatos básicos, o que os membros da Intertanko

esperam? Bem, queremos práticos com conhecimento sólido e

treinamento adequado para assegurar que as viagens em zonas de

praticagem sejam livres de acidentes. E, devo acrescentar, a um

custo justo e razoável. Observem que eu não disse ao menor custo

possível. A um custo justo e razoável é o que consideramos o modo

certo de lidar com isso.

Evidentemente, quando tudo está correndo bem, não se vê nada na

imprensa. Quando ocorre um acidente, porém, as questões surgem.

Quais são essas questões de que falamos na Intertanko? Qual foi

a causa? De quem é a responsabilidade? Quem é o responsável

legal? Nossos proprietários estão muito preocupados com isso.

Houve treinamento apropriado tanto da tripulação quanto do

prático, e houve profissionalismo na maneira de tratar o problema?

São questões centrais que abordamos na Intertanko.

Ingressei na Intertanko há cerca de oito anos e meio. Quando com-

pareci a minha primeira reunião do comitê executivo, em fevereiro

de 2005, um dos assuntos na pauta era praticagem. Um breve

histórico de meu percurso. Frequentei a mesma escola marítima

que Mike Watson. Ele se formou muitos anos antes de mim; é por

isso que posso dizer que sou mais novo do que todos os que

falaram até agora. Mas ele era o mais inteligente. Ele se formou

como oficial de praticagem, depois foi a capitão e depois a prático.

Eu era engenheiro. Ficava na casa de máquinas do navio. Não

sabia para onde o navio se dirigia, só garantia que estivesse fun-

cionando. Então eu conhecia muito pouco, se é que conhecia

alguma coisa, de praticagem, além do que Mike me dissera. Vou

falar sobre isso num segundo. Então, fiquei ali escutando a dis-

cussão de nosso comitê executivo, e, para ser franco, a maneira

como se falava a respeito dos práticos nessa reunião era a

mesma como se fala dos piratas hoje. O relacionamento entre

a Intertanko e os práticos não era boa. Sempre havia brigas, confron-

tos e diferenças de opinião, sem que tentassem o trabalho conjunto.

Com base em minha experiência na IMO, como chefe da delegação

americana em muitas reuniões, disse que precisávamos encontrar

uma maneira melhor de lidar com isso. A primeira coisa que

perguntei a eles foi: Vocês têm certeza de que todo incidente

que ocorre com um prático a bordo é culpa dele? É uma pergunta

simples que fiz como engenheiro, um engenheiro lógico. E, é claro,

a resposta que recebi foi: Não, não temos. Então, minha primeira

proposta foi adotar nova abordagem. Acho que nossa filosofia para

enfrentar esses problemas deve ser a de que toda história tem dois

lados. Vamos saber qual é o outro lado da história e depois vamos

ver se podemos chegar a uma situação favorável a todos. E, para

fazer justiça ao nosso comitê executivo, eles têm a mente aberta,

pensaram a respeito e disseram: sim, vamos proceder dessa

maneira, Joe, com você à frente. Para isso, é preciso começar por

algum lugar, estabelecer um diálogo construtivo. E esse diálogo

construtivo tem de começar pela confiança. De onde vem essa

confiança? Eu tive sorte. Como já mencionei, chefiei a delegação

americana na IMO. Eu era chefe da delegação americana que

negociou a Resolução IMO A.960, sobre a qual todos nós tanto

ouvimos falar. E quem estava na minha delegação que me

aconselhou sobre a A.960? Mike Watson, presidente da IMPA, e

Paul Kirchner, diretor-executivo da APA. Ele era muito importante.

Era o presidente do grupo de trabalho. Confiei nele na época, como

chefe da delegação. Eu disse: “Mike, Paul, façam o que for melhor

Page 29: Rumos Práticos - Seminário

29

para os Estados Unidos em relação à praticagem. Vou confiar em

vocês.” Na época, eu era do governo. Eles confiavam de verdade

em mim? Não sei. Quem confia no governo? Mas acho que

confiaram, e chegamos à elaboração da A.960. A partir de então,

essa foi a base para a confiança. E, na verdade, foi Mike que

chegou para mim e disse: “Temos um relacionamento ruim com a

Intertanko, você e eu temos um relacionamento antigo. Talvez

possamos trabalhar juntos para tentar melhorar o relacionamento

entre Intertanko, IMPA e API.” Respondi: “Mike, essa é minha

função, vamos trabalhar juntos.” E foi assim que iniciamos esse

esforço de cooperação em 2007. Começamos com algumas

conversas informais, mas foi preciso uma demonstração de boa-fé

para dar a partida. E, na minha opinião, senti que cabia à Intertanko

dar o primeiro passo nessa demonstração.

A Resolução A.960 foi adotada na IMO, aprovada por todos os

estados-membros, mas as associações de navegação importantes,

incluindo a Intertanko, não concordavam com ela necessariamente,

porque a resolução não era abrangente o bastante. As associações

do setor puseram propostas na mesa durante as negociações para

ampliá-la mais. Essas ampliações não foram aprovadas pela IMO.

A A.960 ficou como está, mas a Intertanko e outras associações

de navegação produziram um documento contendo o que

nossa orientação achou que deveria ser, que ultrapassava

esses requisitos.

Então, como demonstração de boa-fé da Intertanko, em julho de

2007 escrevemos uma carta à IMPA dizendo que deveríamos dar

total apoio à Resolução A.960, e fomos à Câmara Internacional de

Navegação e dissemos a eles que retirassem nosso nome do Guia

de Procedimentos no Passadiço da ICS. Esse foi nosso primeiro

passo para seguir em frente, e acho que isso foi o degrau que nos

ajudou a avançar de forma positiva para obter confiança.

Concordamos em formar um grupo de discussão dali em diante e

fizemos reuniões. Alguns tópicos que debatemos em nosso grupo

de discussão foram: gestão de recursos para o passadiço, intera-

ção prático e comandante/tripulação do passadiço, Resolução A.960,

providências para transbordo seguro de práticos e e-navigation.

Quando conversamos sobre essas coisas, nem sempre concorda-

mos com tudo. A questão é que tivemos um diálogo aberto. E, por

ter um diálogo aberto, conhecíamos as ideias deles, e eles, as

nossas, sobre o que estava acontecendo. Esse foi o ponto impor-

tante do que estava acontecendo entre Intertanko, IMPA e APA.

Na minha opinião, porém, houve o que chamei de momento defini-

dor. Do lado da Intertanko, nessa reunião, estavam nosso diretor de

náutica – capitão de longo curso, com muitos anos de navegação

num navio –, o presidente de nosso grupo de trabalho de pratica-

gem – outro capitão de longo curso, com muitos anos de navega-

ção num navio – e eu, o engenheiro, tentando ser o facilitador. Para

mim, o momento definidor foi quando Paul e Mike estavam

explicando para nós o papel do prático nos EUA, e Paul explicou

que, por causa das obrigações exigidas de um prático em águas

americanas, o prático obrigatório não é um integrante da equipe

do passadiço. A essa altura, o presidente do grupo de trabalho de

praticagem e nosso diretor de náutica disseram que agora

entendiam por que a IMPA adota a abordagem que adota, e como

lidamos com essas questões.

Esse foi o momento definidor entre Intertanko, IMPA e APA, para

seguir em frente numa direção muito mais positiva. E foi muito útil

do nosso ponto de vista.

Desde então, evidentemente, a IMPA, a Intertanko e a APA assina-

ram um acordo de cooperação histórico, para aumentar a segu-

rança dos petroleiros. Seu propósito é ampliar e manter a parceria,

a cooperação e o diálogo construtivo e aberto para promover a

segurança marítima e de navegação nas zonas de praticagem. Isso

gera uma lista de objetivos que temos e que estamos tentando

alcançar por meio desse acordo. Até onde eu sei, somos a única

associação de navegação que tem um acordo dessa natureza com

a IMPA e a APA.

Quando o acordo foi assinado o capitão Mike Watson, presidente

da IMPA, disse no final de suas declarações: “Este acordo pode

servir de exemplo para todo o setor de navegação.” Nosso presi-

dente, Graham Westgarth, ficou muito satisfeito com a declaração

de Mike, porque gosta de ser proativo e preparar o terreno para o

setor. É por isso que foi muito positivo.

E, de nossa perspectiva, nosso presidente, Graham Westgarth,

expressou sua opinião, que foi a de que “esse acordo vai

demonstrar o quanto a Intertanko aprecia a função dos práticos e

o papel que eles desempenham”. Portanto, nada de críticas nega-

tivas, mas uma forma positiva de construir e lidar com a situação.

Atualmente, temos discussões contínuas nas reuniões de grupo,

Page 30: Rumos Práticos - Seminário

30

desde 2008, sobre as questões de interesse comum. Conversamos

sobre uma variedade de assuntos, incluindo a criminalização de

acidentes marítimos, falhas de motor e de condução, segurança

do prático etc.

Fizemos nossa última reunião em março. Novamente, concordamos

em todos os tópicos? Não, mas temos um diálogo aberto, e eles

compreendem de onde estamos vindo.

Uma das coisas que fizemos através desse acordo foi deixar muito

claro para nossos membros e, naturalmente, para os membros da

IMPA, que, se eles tiverem qualquer problema com qualquer

questão de praticagem, em qualquer lugar do mundo, quero que me

informem. Quando recebo esse feedback, ligo para Mike e conto a

ele o que um de nossos membros relatou. Então Mike examina

a situação e conversamos sobre o que podemos fazer para

resolvê-la. Esse diálogo aberto ajuda bastante a lidar com essa

questão. E só posso considerar isso positivo, pois, há quase dois

anos não recebo nenhuma queixa de nenhum de nossos mais de

220 membros, sobre nenhum problema de praticagem em todo o

mundo. Portanto, isso nos parece muito positivo.

Alguns exemplos do que fizemos juntos desde a assinatura do

acordo de cooperação incluem a revisão do Anexo 6 sobre emis-

sões atmosféricas, o programa de trabalho da IMO e coisas assim.

Vamos passar agora à Intertanko e ao Brasil.

Número 1. A Transpetro, da Petrobras, é um membro associado da

Intertanko aqui no Brasil. Apreciamos sua participação. Há um

cavalheiro, Elizio Neto, que comparece a nossas reuniões, bem

como alguns outros, mas Elizio começou isso, e estamos muito

orgulhosos de tê-lo presente. Vou falar sobre ele e alguns outros

em um segundo.

Número 2. Desde que assumi como secretário do painel latino-

americano da Intertanko, assegurei que viéssemos ao Rio o

máximo possível. Estivemos aqui duas vezes. Primeiro, em 2006

e depois no ano passado.

Em nosso painel latino-americano, no ano passado, convidei o

capitão Otavio Fragoso, que também é vice-presidente sênior da

IMPA, ex-presidente do CONAPRA e ex-presidente da Rio Pilots.

Page 31: Rumos Práticos - Seminário

31

Nessa reunião aqui no Rio, em 31 de outubro de 2012, Elizio Neto,

gerente executivo da Expansão da Frota da Transpetro, fez uma

apresentação sobre os planos da Transpetro para a modernização

da frota de petroleiros, que foi muito abrangente e informativa.

Otavio também falou − sobre questões de praticagem, tanto da

perspectiva da IMPA como do CONAPRA. Mais especificamente,

Otavio apresentou uma visão geral muito boa da organização do

CONAPRA, como eles estão organizados aqui no Brasil, sua

história e mandatos legais. A informação sobre os requisitos de

formação foi muito importante, porque permitiu que nossos

membros soubessem quão abrangentes eles são aqui com o

CONAPRA. Ele também falou sobre as 22 zonas de praticagem

existentes no Brasil e os planos do CONAPRA de aumentar o

número de práticos a fim de atender ao crescimento do tráfego de

embarcações no Brasil, mas entendo que também há alguns outros

motivos para esse aumento. Além disso, Otavio nos deu uma visão

geral do novo Superporto do Açu, que engloba dois terminais, com

um terminal de petróleo no TX1 e TX2 com um estaleiro. Ele

informou aos nossos membros e ao painel latino-americano a

diversidade que está ocorrendo no Brasil nesse campo. Isso, por

sua vez, resultou numa discussão muito boa a respeito no painel

latino-americano. Evidentemente, do nosso ponto de vista,

concordamos que a expansão da indústria petrolífera e do uso de

petroleiros ao largo da costa brasileira é importante para o Brasil,

é importante para o CONAPRA e é importante para os membros da

Intertanko. Significa mais negócios, supondo-se que a Petrobras

use nossos petroleiros-membros, esperamos que seja assim.

E concordamos com a ideia de que a IMPA, o CONAPRA e os

membros da Intertanko devem cooperar para evitar incidentes

nesse novo cenário brasileiro, bem como trabalhar juntos e

aprender se, ainda assim, algum ocorrer, para que possamos

evitar que ocorram no futuro.

Finalmente, concordamos que a continuação do bom relaciona-

mento de trabalho entre a IMPA, o CONAPRA e os membros

da Intertanko é baseada no respeito e apoio mútuos, o que

consideramos positivo para o setor de navegação, e devemos

manter esse diálogo.

Em conclusão, resumindo tudo isso, eu simplesmente diria que, do

ponto de vista da Intertanko, as parcerias entre os operadores

de petroleiros e práticos são essenciais para aumentar a segurança

da navegação. Uma abordagem cooperativa é a mais correta

para fazê-lo. A abordagem de confronto não foi bem-sucedida.

Aprendemos com isso e é por esse motivo que estamos adotando

uma abordagem cooperativa. Para garantir essa boa abordagem

cooperativa, é preciso garantir que se tenha confiança.

De certa forma, tivemos sorte no relacionamento com Mike, mas

isso não significa que qualquer outro setor, associação ou empresa

não possa construir essa confiança com quem quer que seja.

Quando você parte de fundamentações sólidas e está disposto a

dar o primeiro passo, boas coisas acontecem.

E, finalmente, provamos ao mundo da navegação que a confiança

pode construir um relacionamento forte de cooperação, e vamos

mantê-lo pelo máximo de tempo possível.

Com isso, deixo minha última palavra, e única em português,

obrigado.

Page 32: Rumos Práticos - Seminário

32

Autoridades presentes, senhoras e senhores. Como prático, minha

atividade cotidiana é gerenciar riscos em águas restritas. Enquanto

o comandante de um navio é um profissional treinado para manter

a embarcação o mais longe possível de qualquer obstáculo, o

prático, ao contrário, é treinado para manobrar o navio, com

segurança, muito próximo a obstáculos.

Eventualmente, quando ocorre um acidente maior, a extensão dos

danos causa espanto no público, que é forçado a lembrar do risco

envolvido na navegação desses sistemas complexos, tão depen-

dentes da tecnologia e dos seres humanos. Algumas imagens nos

remetem, particularmente, ao risco representado pela navegação,

Bacharel em ciências navais pela Escola Naval – Marinha do Brasil, condecorado com o prêmio Greenhalgh, especialização em hidrografia pela Diretoria de Hidrografia e Navegação – MB, MBA em finanças pelo Ibemec-RJ.Prático da Zona de Praticagem do Estado do Espírito Santo há 15 anos, com larga experiência em projetos na área de qualidade, segurança e gerenciamento de risco no serviço de praticagem.

Siegberto Rodolfo Schenk Jr.

quando ela ocorre muito próximo da costa, nas chamadas águas

restritas. O que esses acidentes têm em comum além de sua

localização? Raramente acontecem. Mas o impacto de seus efeitos

é enorme. A magnitude dos prejuízos, sejam eles materiais,

ambientais ou sociais, chama nossa atenção.

A sociedade e seus governantes são então demandados, com

frequência crescente, a ponderar sobre os benefícios e os riscos, e

a lidar com as incertezas associadas às suas decisões. É necessário

gerenciar os riscos dessa navegação da forma mais eficiente pos-

sível. Assim, esta apresentação pretende cooperar nesse sentido

através de uma abordagem resumida de alguns conceitos de

gerenciamento de risco e através de exemplos de situações ligadas

aos práticos e à atividade da praticagem que provoquem a nossa

reflexão. E para esta breve discussão, baseio-me na norma ISO

31000 e seus complementos, uma síntese abrangente e objetiva

dos princípios e diretrizes relativos ao gerenciamento de risco.

Para começar: o que é risco? O risco é sempre negativo ou pode ser

visto como positivo? Risco é formalmente definido como o “efeito

que as incertezas podem causar sobre os objetivos”. Mesmo ine-

rente à vida e geralmente encarado como negativo, risco pode

também ser visto como algo positivo e necessário. Os grandes

saltos da conquista humana foram dados ao encarar e gerenciar

Gerenciamento de risco nas atividades do prático

Page 33: Rumos Práticos - Seminário

33

efetivamente as incertezas e os riscos envolvidos em nossas ativi-

dades. Algumas atividades, embora necessárias, são em sua

própria essência arriscadas. É esse o caso da navegação marítima,

responsável pela maior parcela da tonelagem movimentada na

matriz de transportes mundial. Ainda mais quando consideramos

que os navios estão ficando cada vez maiores. Nas últimas quatro

décadas os armadores se propuseram a assumir mais riscos, sejam

eles financeiros ou de redução de margens de segurança, obtendo

com isso grandes ganhos de escala que visam a maior e justo

retorno financeiro. Afinal, risco e retorno estão correlacionados.

Nosso primeiro problema seria então como mensurar o risco. O

risco pode ser expresso pela combinação de duas dimensões: sua

probabilidade ou chance de ocorrer (que está associada à incerte-

za) e a consequência da materialização desse risco (o efeito sobre

os objetivos). Da combinação dessas duas medidas obtemos o

nível de risco, ou seja, a magnitude do risco é dada pela chance de

ele ocorrer em relação à gravidade das consequências de sua ocor-

rência. É interessante notar que, mesmo tendo chance relativa-

mente pequena de ocorrer, as consequências de um evento podem

ser tão indesejáveis, que o nível do risco associado a ele se torna

muito elevado. Infelizmente, esse é o caso de alguns eventos

classificados como acidentes da navegação.

Outro ponto importante é a distinção entre o proprietário do risco

e as partes interessadas nele; proprietário do risco é a pessoa ou

entidade que tem a responsabilidade por um risco e a autoridade

para gerenciar esse risco; parte interessada é a pessoa ou

entidade que pode afetar, ser afetada ou perceber-se afetada

por uma decisão ou atividade.

Pois bem, se alguns riscos valem a pena ser corridos e outros não,

como fazer para diferenciar o joio do trigo? Aqui entra o conceito

de segurança, que é estar livre de riscos inaceitáveis! E isso é pos-

sível através do processo de gerenciamento de risco, que modifica,

de forma sistemática, os efeitos negativos das incertezas nos

objetivos. Ele pode ser visualizado neste fluxograma, que evidencia

seu aspecto contínuo, retroalimentado e sem fim.

Tudo começa pela comunicação e pela consulta, balizadores de

todo o gerenciamento de risco, juntamente com o monitoramento

e análise crítica. São todos os meios que o proprietário do risco usa

para compartilhar ou obter informações que irão embasar sua

tomada de decisão. Isso se dá através do diálogo com as partes

interessadas. Todas as partes interessadas devem ter a oportuni-

dade de ser ouvidas, pois podem fazer julgamentos distintos sobre

os riscos, com base em suas próprias percepções, que devem ser

identificadas e levadas em consideração.

A própria sociedade civil é, quase sempre, uma parte interessada.

Convém, então, que esteja representada, geralmente através dos

agentes do Estado, atuando no interesse público.Vale ressaltar que

a consulta às partes interessadas fornece subsídios, através da

influência e não do poder, para apoio à decisão pelo proprietário do

risco. Portanto, não se trata de tomar decisões em conjunto, mas

de fornecer subsídios adequados.

Vejamos, em um caso real, o que pode acontecer quando essa

fluidez na comunicação e consulta não funciona. Em 2001, a

Codesa, autoridade portuária de Vitória, contratou uma consultoria

que sugeriu que os calados máximos permitidos poderiam ser

aumentados, sem nenhuma dragagem, fundamentando-se no

conceito da "lama fluida". Dentro de suas prerrogativas, a Codesa

aumentou os calados máximos, baseando-se nas indicações da

consultoria, mas ignorou as recomendações técnicas para os

levantamentos de dados ambientais necessários.

Pouco depois, em julho de 2001, o navio Med Glory encalhou, em

frente ao Palácio Anchieta, sede do governo estadual. Houvesse

sido consultada, a praticagem teria sugerido a adoção da metodo-

logia da Pianc. Essa abordagem detectaria a inviabilidade de se

utilizar o conceito de lama fluida, no caso do porto de Vitória, pois

estabelece critérios de definição de densidade e métodos de levan-

tamento. Graças à falta de comunicação, ocorreu um encalhe que

poderia ter sido evitado. Felizmente sem grandes consequências.

Page 34: Rumos Práticos - Seminário

34

É essencial, nesse sentido, criar-se uma cultura de segurança de

forma que o processo de gerenciar riscos conte com a real

participação dos envolvidos e que todas as formas de contato,

formais ou informais, sejam bem-vindas. Obrigações legais ou

regulamentares para que ocorram esses contatos, como as

existentes nesses documentos balizadores do serviço de

praticagem, são de grande valia. Mas o ideal é que se construa

um clima de confiança entre os envolvidos. Isso pode levar anos.

E, de acordo com nossa experiência, é perfeitamente alcançável.

Atualmente, no Espírito Santo, todos os portos e terminais,

incluídos aqueles que ainda estão só no papel, chamam a

praticagem para opinar e participar proativamente em seus

projetos − sempre sob a coordenação da autoridade marítima.

Hoje, o encalhe do Med Glory teria pouca chance de ocorrer.

Iniciamos efetivamente o processo de gerenciamento de risco com

o estabelecimento do contexto e a definição dos critérios de risco.

Nessa fase são definidos os parâmetros e o escopo do gerencia-

mento. A definição dos critérios de risco considera os diferentes

pontos de vista das partes interessadas, para estabelecer, clara-

mente, quais riscos são intoleráveis, quais riscos devem ser trata-

dos, e quais riscos podem ser negligenciados. Infelizmente, muitas

vezes os critérios de risco não ficam claros nem definidos. Até que

um dia o risco se materializa. Então, o critério antes indefinido

torna-se claro.

Podemos exemplificar a questão do contexto e dos critérios de

risco através da forma como embarcamos nos navios e deles

desembarcamos. Muitas vezes sou questionado por pessoas fora

do meio marítimo: por que vocês não usam um cabo (ou “corda”)

de segurança quando embarcam pela escada de prático? Respondo-

lhes que esse arranjo é o resultante do aprendizado de anos de

experiências de colegas que me antecederam, alguns que perderam

a própria vida, para chegarmos até aqui. Por isso ele deve ser

rigorosamente observado. Ele consta da Convenção Solas e foi

recentemente revisado pela IMO, pois o aprendizado é contínuo.

Demonstra que, eventualmente, cair no mar, ao embarcar em um

navio ou desembarcar, é risco que enfrentamos cotidianamente na

nossa profissão. Esse risco é aceitável dada a frequência com que

ocorre, mas definitivamente deve ser gerenciado. Apenas não da

forma vislumbrada naquele questionamento.

Retornando ao fluxograma, entramos agora no núcleo do gerencia-

mento de risco. É o processo de avaliação de riscos. Em inglês,

risk assessment. Compreende a identificação, análise e avaliação

de riscos.

Na identificação deve-se gerar uma lista abrangente de todos os

riscos que possam, de uma ou de outra forma, interferir na realiza-

ção dos objetivos. Os riscos devem ser descritos considerando-se

as fontes de risco, os eventos possíveis, suas causas e consequên-

cias. O perigo nessa fase é deixar de identificar algum risco,

fazendo com que não seja trabalhado nas fases posteriores. Para

isso é interessante a discussão de possíveis cenários de risco e

cadeias de eventos, bem como o brainstorming com as partes

interessadas, com análise do histórico de acidentes e dos quase

acidentes, a consultoria de especialistas e o emprego de simula-

ções. Outra ferramenta, em nível de execução, são os checklists,

como os nossos conhecidos pilot cards e formulários de MPX.

Uma vez identificados os riscos, passamos então à sua análise, à

sua mensuração, a fim de determinar o nível dos riscos. Isso envolve

estimar as probabilidades das consequências que podem ocorrer.

Analisam-se todos os riscos identificados e descritos na etapa

anterior, que podem, então, ser visualizados facilmente numa

matriz de risco. As consequências precisam ser expressas em ter-

mos de seus impactos tangíveis, como em números financeiros.

Mas também devem ser considerados os impactos intangíveis,

como, por exemplo, os custos sociais das consequências. O termo

"probabilidade" pode ser utilizado tanto para análises qualitativas,

quantitativas ou em uma combinação das duas, conforme as cir-

cunstâncias e os recursos disponíveis. Organizações menores e

com menos recursos tecnológicos terão sempre mais dificuldade

em produzir uma análise quantitativa dos riscos. Mas isso, de

Page 35: Rumos Práticos - Seminário

35

forma alguma, deve impedir que um processo de gerenciamento de

risco seja estabelecido e traga resultados satisfatórios, com base

em análises apenas qualitativas, desde que bem conduzidas.

A terceira e última etapa do risk assessment é a avaliação de ris-

cos propriamente dita. Essa é a fase da decisão. Significa comparar

o nível de risco, medido durante a análise, com os critérios de risco

estabelecidos quando o contexto foi considerado. Com base nessa

comparação, é o momento de dizer se um risco deve ou não ser

tratado. E com qual prioridade.

Toda essa terminologia parece complexa, mas é simples. Para

mostrar isso, vejamos o maior acidente ambiental de todos os

tempos envolvendo navegação e praticagem. Ou a ausência desta

última. Trata-se do famoso desastre do Exxon Valdez. Prince

William Sound, no Alaska, é uma área transitada por navios petro-

leiros que transportam o óleo extraído na região. Havia ali uma

zona de praticagem obrigatória até meados da década de 1980.

Certo dia, as autoridades responsáveis reduziram substancial-

mente a área de praticagem compulsória, tornando-a facultativa.

Em março de 1989, o petroleiro americano Exxon Valdez após car-

regar 1.236.000 barris de petóleo cru no Porto de Valdez desviou-se

da rota ideal e encalhou no Recife Bligh, situado na região que

havia sido tornada de praticagem facultativa. Assim, não havia

prático a bordo. Do total da carga vazaram ‘apenas’ 258.000 barris.

Mas o óleo chegou a mais de 600km de distância do acidente. E

dada à geografia acidentada da costa, poluiu uma extensão de

milhares de quilômetros causando danos catastróficos ao meio

ambiente e, principalmente, à fauna da região, inviabilizando o

sustento de vários habitantes. Os danos ao navio e a perda da

carga somaram pouco mais de 28 milhões de dólares. Mas a lim-

peza e recuperação do meio ambiente, que levaram anos, chega-

ram à casa dos dois bilhões de dólares, isso em valores de 20 anos

atrás. Como se pode imaginar, depois do acidente a praticagem

voltou a ser obrigatória na região, ou seja, as autoridades, antes do

sinistro, entenderam que dar ao armador a oportunidade de ‘econo-

mizar’ o custo do prático era um risco que valia a pena ser corrido.

A fase de avaliação de risco pode utilizar várias ferramentas de

apoio à decisão. Uma delas é a matriz de risco, identificando-se

aqueles que se encontrem na região de níveis de risco intoleráveis,

de acordo com os critérios de risco estabelecidos no contexto.

Esses riscos devem ser tratados, trazendo-os para a região de nível

de risco tão baixo quanto razoavelmente possível.

Também muito importantes são as análises de custo x beneficio,

em que se comparam, de um lado, os custos representados pela

implementação das medidas de controle do risco e, de outro, as

possíveis perdas evitadas.

Aqui devem ser levadas em conta as externalidades. Externalidade

é um conceito da economia. São os efeitos que certas atividades

geram para terceiros, não envolvidos na atividade, sem que esses

tenham oportunidade de impedir ou obrigação de pagar, por

esses efeitos. Externalidades podem ser negativas, quando geram

custos para os não envolvidos; ou positivas, quando geram benefícios.

Estamos nos referindo, então, ao impacto de uma decisão sobre

aqueles que, mesmo sendo partes interessadas, não participaram

da decisão. Percebe-se que os acidentes de navegação têm grande

potencial de gerar externalidades negativas para a sociedade e

para o meio ambiente e a economia como um todo. Por outro lado,

um serviço de praticagem bem estruturado e eficiente, além de

contribuir para evitar externalidades negativas agrega valor à

economia, pois gera externalidades positivas. Ao agilizar o fluxo da

cadeia logística e maximizar as possibilidades de utilização de

canais de acesso e berços de atracação, em segurança, gera

benefícios para toda a sociedade, muitas vezes intangíveis. Isso

explica o porquê da importância social da praticagem e da

necessidade de sua regulação pelo Estado. Existe uma expressão

popular no mercado de seguros em Londres: "Se você acha que

praticagem é caro, experimente um acidente...".

A fase de tratamento do risco envolve a seleção e a implementa-

ção de uma ou mais opções para modificar os riscos. Em seguida,

é necessário avaliar sua efetividade e, se for o caso, agir para

implementar medidas adicionais, realimentando o processo.

Existem quatro estratégias básicas de tratamento de risco: evitar,

transferir, reduzir ou reter.

Evitar: trata-se simplesmente de remover a fonte do risco. Evita-se

o risco ao não iniciar ou interromper a atividade que daria origem

ao risco. Exemplo: as autoridades chinesas vinham agindo dessa

forma com relação aos valemax. Os chineses alegam que seus

portos não estão preparados para receber com segurança navios

desse porte. Simplesmente proibiram a atracação de navios dessas

dimensões, evitando o risco representado por eles.

Page 36: Rumos Práticos - Seminário

36

Outro exemplo. O prático, no Brasil, pode valer-se de prescrições,

contidas nas normas da autoridade marítima, que lhe permitem

solicitar ao representante local da autoridade, o capitão dos

portos, que declare a impraticabilidade de uma manobra − sempre

que as condições de tempo e mar, ou mesmo do navio, não

aconselhem sua execução com nível de risco aceitável. Outra

forma de evitar o risco de operar com margens de segurança

insatisfatórias é estabelecer calados e dimensões máximos para o

acesso dos navios, como preconiza a nossa legislação em revisão

no Congresso. Ideal é quando esse processo ocorre não de forma

empírica, mas observando-se normas técnicas consagradas, como

ABNT, Pianc e Usace.

Outra estratégia para tratar riscos é transferir. Transferir risco não

significa diminuí-lo ou eliminá-lo, mas compartilhar o ônus

advindo das consequências com outro ator. Geralmente envolve

contratos financeiros, seguros, clubes de proteção mútua ou

instrumentos financeiros derivativos.

É uma estratégia rotineiramente usada pelos armadores, conhece-

dores que são dos riscos da "aventura marítima”. Geralmente os

riscos específicos e quantificáveis da navegação, tais como, casco,

máquinas e carga, são cobertos por seguradoras convencionais.

Porém, as seguradoras relutam em cobrir riscos mais amplos e

indeterminados, como aqueles que podem ser gerados por um

grande acidente. Para essas coberturas, os armadores recorrem

aos clubes de P&I, Protection and Indemnity, que são associações

cooperativas de proteção mútua, das quais os próprios armadores

são mutuários.

Bem, nada é perfeito, e até mesmo os clubes de P&I só cobrem

custos de acidentes até certos limites. Assim, são cada vez mais

comuns navios que ostentam o emblema de algum grande

armador, mas nos quais esse armador atua apenas como

afretador. Quando se procura verificar quem é o proprietário do

navio e portanto, o responsável por alguma eventual reparação,

não se encontrará o armador famoso, mas alguma empresa

bem menos conhecida, muitas vezes registrada em um paraíso

fiscal e operando sob bandeira de conveniência. Provavelmente

operando um único navio! É uma estratégia de blindagem do

armador contra, entre outros, possíveis reparações por danos

não cobertos pelo clube de P&I, uma forma de gerenciar seu

próprio risco.

Mas a estratégia de tratamento de risco mais comumente em-

pregada é reduzir o risco. Isso envolve tomar medidas e ações para

diminuir a probabilidade de um risco se materializar. Para diminuir

as consequências negativas de um eventual risco, quando ele se

materializa. Ou ambas as coisas. Aqui se dá a grande possibilidade

de contribuição da praticagem no gerenciamento de riscos.

Com o restabelecimento da praticagem obrigatória na Baía

Príncipe William no Alaska, ficou consideravelmente diminuída a

possibilidade de ocorrer um novo Exxon Valdez.

Outro exemplo: o já famoso acidente do Costa Concordia, que colidiu

com uma rocha e naufragou na Ilha de Giglio, Itália. Duas medidas

teriam reduzido, em muito, o risco de um acidente como esse. A

primeira é se o gerenciamento da equipe do passadiço (o bridge

team management) houvesse funcionado a contento. Um tripulan-

te, dada a cultura de decisões verticais, pode se sentir pouco à

vontade de questionar uma decisão do comandante. Mas esse é o

papel da equipe do passadiço. A outra: se na Itália fosse obrigatória

a presença de um prático a bordo, num cruzeiro navegando tão

próximo da costa. Por exemplo, a Columbia Britânica, no Canadá,

destino turístico que recebe mais de 200 navios de cruzeiro por

ano, requer que todos os grandes navios que naveguem a menos

de três quilômetros da linha da costa tomem práticos. As autori-

dades italianas acenam com providências semelhantes a partir

desse acidente.

A presença de um prático a bordo pode não ser suficiente para se

evitar um acidente. Mas pode minimizar as suas consequências.

Um caso emblemático, em que a correta atuação do prático não

evitou, mas reduziu em muito as consequências de um acidente,

aconteceu, em 1996, em Nova Orleans, Estados Unidos. O car-

gueiro Panamax Bright Field, descia o Rio Mississipi, quando uma

falha numa bomba de lubrificação cortou automaticamente a ali-

mentação da máquina principal, parando-a. Sem máquina, o navio

perdeu governo, em meio a uma curva fechada do rio, dirigindo-se

diretamente a um cassino flutuante atracado na margem, em que

havia 800 pessoas. Na trajetória do navio estavam, ainda, dois

navios de cruzeiro, além de um shopping center e um complexo

hoteleiro construídos junto à margem. O prático a bordo atuou

prontamente. Comunicou-se com o controle de tráfego solicitando

a evacuação da área e realizou uma hábil manobra de emergência,

utilizando os ferros do navio. Com isso, conseguiu que o navio

Page 37: Rumos Práticos - Seminário

37

‘atracasse’ na vaga entre os cruzeiros e o cassino, evitando o

abalroamento dessas embarcações. Não houve fatalidades. Não

fosse pela pronta e correta atuação do prático, as consequências

teriam sido bem mais trágicas.

São várias as ferramentas que podem contribuir para a redução

de risco na navegação em águas restritas. O uso de rebocadores de

escolta. Melhorias na sinalização náutica. O correto gerenciamento

de recursos do passadiço. Do lado regulamentar, nas normas locais

da autoridade portuária e/ou da autoridade marítima, a adoção de

janelas de condições ambientais, com correntes de marés

favoráveis e observação de período diurno para certas operações.

Assim como a adoção de novas áreas de praticagem obrigatória,

pela autoridade marítima, quando alguma situação nova assim

recomendar. O próprio emprego de práticos pode ter seu alcance

ampliado com treinamento em simuladores de passadiço e em

modelos tripulados. E com a utilização de novas tecnologias, como

os PPUs, que agregam maior quantidade de informações de apoio

à decisão. Além de atalaias bem equipadas e treinadas para coor-

denar as operações com eficiência e para fornecer informações

relevantes aos práticos, em tempo real.

Finalmente, a última estratégia de tratamento é reter o risco. Reter

significa aceitar o possível benefício ou consequência daquele

determinado risco. É impossível, a menos que se evite o risco,

reduzi-lo a ponto de se considerar que não haja mais risco algum.

Apesar de todo tratamento, sempre haverá algum risco residual,

que pode estar identificado ou não.

Vejamos o caso do Sea Diamond. O Arquipélago de Santorini é um

destino turístico nas ilhas gregas, para onde acorre um grande

número de navios de cruzeiro. Entretanto, não existe ali uma zona

de praticagem. Apesar da proximidade de terra, os navios são

manobrados pelos próprios comandantes. Em abril de 2007 o navio

Sea Diamond encalhou em Santorini, num recife vulcânico. Os pas-

sageiros foram evacuados em cerca de quatro horas. O navio aca-

bou indo a pique no dia seguinte com todo o seu óleo combustível

ainda nos tanques, e esse perigo potencial de poluição perma-

nece ainda hoje a mais de 100 metros de profundidade. Embora o

turismo represente uma das principais fontes de renda da Grécia,

Santorini continua sendo área sem praticagem. Isso indica que as

autoridades gregas, nos cenários que visualizam em suas análises

de risco, continuam considerando aceitável o risco de os cruzeiros

navegarem por ali sem prático a bordo, retendo o risco de aciden-

tes como o do Sea Diamond.

Enfim, na hipótese de reter riscos, as ferramentas muitas vezes são

subjetivas. Passam pela conscientização e cultura de entidades, de

organizações e das pessoas envolvidas, a fim de que tomem

decisões conscientes e muito bem embasadas.

É bom lembrar que o tratamento de risco, independente da estra-

tégia utilizada, pode, por sua vez, gerar novos riscos. O monitora-

mento desse processo, então, é fundamental. E fecha o ciclo de

tratamento, reiniciando o processo.

O processo é contínuo e deve ser seguidamente realimentado e

revisado, através do monitoramento e da análise crítica. As ferra-

mentas a serem empregadas devem considerar como objetivos

principais do monitoramento: detectar mudanças nas circunstân-

cias; verificar se as medidas de controle de risco estão funcionando

a contento; revisar as estratégias de comunicação; e criticar as

premissas utilizadas nas análises.

Poderão ser criados indicadores para medir os resultados. É impor-

tante a documentação não só dos acidentes, mas também e princi-

palmente dos quase acidentes, conhecidos em inglês como near

misses. São aquelas situações em que todas as condições para a

ocorrência de um acidente estavam presentes. Mas medidas de

controle ou até mesmo o próprio acaso impediram que o acidente

ocorresse. Esse tipo de documentação é importante, pois muitas

vezes a realidade está mais próxima de nós do que imaginamos.

Menos de um mês antes de ocorrer a tragédia do Costa Concordia,

o cruzeiro Costa Pacifica quase abalroou o MSC Orchestra, em

Búzios, no litoral do Rio de Janeiro. O monitoramento dos riscos

pode vir a recomendar que, no futuro, se estabeleça ali uma zona

de praticagem.

Finalmente, mas não menos importante, deve-se destacar que o

elo principal dessa cadeia é o ser humano. O fator humano é um

dos mais importantes elementos que contribuem tanto para causar

como para evitar acidentes. Todas as atividades que envolvem ris-

cos, assim como as medidas propostas para gerenciar esses

riscos, dependerão, em última análise, dos seres humanos.

Felizmente, nossa autoridade marítima sempre esteve atenta à

Page 38: Rumos Práticos - Seminário

38

qualificação dos práticos. Em 2004, quando a Organização Marítima

Internacional publicou a Resolução A.960, contendo recomenda-

ções para treinamento, certificação e procedimentos operacionais

para práticos, a autoridade marítima brasileira foi uma das primei-

ras do mundo a cumprir integralmente os preceitos ali constantes.

Inclusive implantando, em colaboração com o CONAPRA, o ATPR,

um moderno programa de atualização de práticos, totalmente

aderente às recomendações daquela resolução.

Tentando fazer um fecho sobre tudo o que foi dito, podemos dizer

que, dentro de cada contexto, o proprietário do risco deve ter a

consciência de buscar gerenciá-lo de acordo com os critérios de

risco aceitos por todas as partes interessadas, através das estraté-

gias que estão à sua disposição.

Assim, no contexto da faina de praticagem, o prático é o proprie-

tário do risco. Deve zelar por estar descansado, manter-se

atualizado, executar a manobra com atenção, lançando mão de

todos os conhecimentos e recursos disponíveis para esse fim.

No contexto do serviço de praticagem, a organização de práticos é

a proprietária do risco. Isso envolve administrar a escala de serviço

e prover os meios necessários ao apoio dos práticos, tais como

lanchas, atalaia, sistemas de comunicação, logística, despacho e

monitoramento do tráfego.

No contexto do complexo portuário, a autoridade portuária é a

proprietária do risco. A ela cabe regular o tráfego, definir calados

e dimensões máximas, bem como regras de utilização de berços e

canais de acesso etc.

E, finalmente, no contexto da segurança do tráfego aquaviário, a

autoridade marítima é a proprietária do risco, que envolve geren-

ciar a segurança do tráfego, no interesse de toda a sociedade.

Os critérios de risco devem ser muito bem definidos dentro de cada

contexto. É importante definir quais riscos são intoleráveis, quais

riscos devem ser tratados para que sejam mantidos em nível

razoável e quais podem ser negligenciados. Porém, um risco acei-

tável para uma parte interessada pode não o ser para outra. E por

isso é importantíssimo desenvolver a cultura de comunicação e

consulta em que se busque um processo franco e de confiança

mútua entre os proprietários de risco e as partes interessadas.

Sempre que se detectar um nível de

risco maior que o critério de risco,

deve-se tratar esse risco. Não sendo

possível, em nenhuma hipótese,

ignorá-lo. E, nesse caso, quais são as

nossas opções?

A primeira é evitar o risco. Geral-

mente, só é considerada quando o

nível de risco for inaceitável.

Postergar uma atividade até que me-

lhores condições estejam presentes é

viável. Já impedir a vinda de determi-

nados navios, como a China vem

Page 39: Rumos Práticos - Seminário

39

fazendo com os valemax, talvez não. Até que ponto evitar é eco-

nomicamente justificável? É a única opção disponível?

A segunda é transferir o risco. Uma opção frequentemente adotada

pelos armadores, que compartilham os maiores riscos da aventura

marítima com os clubes de P&I, que, entretanto, só cobrem os

danos até certos limites. E quando as externalidades negativas se

avolumam, quem paga a conta excedente? Acabará sobrando para

a sociedade?

A terceira é reter o risco. Nesse caso, todas as outras opções foram

consideradas? As organizações e os indivíduos, estão preparados

para exercer de forma consciente e bem embasada essa opção? E

arcar com as consequências caso o risco se materialize?

E por fim, reduzir o risco, situação em que certamente temos mais

possibilidades de tomar atitudes para diminuir a probabilidade de

que o risco se materialize e ou para diminuir suas consequências

negativas. Qual o alcance dos meios que já são empregados em

nosso país, com sucesso, para reduzir o risco da navegação

em águas restritas? Uma possibilidade para esse fim, no interesse

público, e que está sempre ao alcance dos governos bem

intencionados é, certamente, contar com um serviço de praticagem

bem estruturado.

Colocando-se a bordo dos navios práticos capacitados, bem treina-

dos, descansados, independentes de pressões comerciais e provi-

dos da estrutura de apoio necessária, há condições objetivas de

reduzir as chances de acidentes ou de mitigar suas consequências

quando, de todo, não for possível evitá-los.

Felizmente, esse parece ser o caso do Brasil. Que tem índice de

acidentes, com participação de erro do prático, comparável ao

de países como Estados Unidos, Bélgica e Austrália, por exemplo.

Ainda que muito baixo, esse valor demonstra que sempre restará

algum risco residual. Que deve permanecer sempre dentro de

limites razoavelmente aceitáveis.

Muito obrigado pela atenção! Coloco-me à disposição para

outros esclarecimentos.

Page 40: Rumos Práticos - Seminário

40

Capitão de longo curso, mestre em direito ambiental e bacharel em gestão portuária pela Academia Marítima Lloyds.Presidente da Praticagem de Milford Haven, Inglaterra, na qual ingressou em 1992 e foi prático instrutor durante cinco anos.Vice-presidente da Associação de Práticos do Reino Unido de cujo comitê executivo foi membro durante oito anos.

John Pearn

Muito obrigado pela apresentação. Infelizmente, não a entendi.

Espero que tenha sido positiva. Em primeiro lugar, gostaria de

expressar meus agradecimentos a Ricardo, Otavio, Marcelo e

Flávia pela organização de um seminário cinco estrelas, em

instalações cinco estrelas, realizado por uma instituição cinco

estrelas, que é o CONAPRA dos práticos brasileiros.

Minha carreira começou em 1979. Fui praticante de prático em

Liverpool, no Reino Unido. Depois de concluir meu aprendizado,

fui para o mar numa variedade de navios, e minha última viagem

foi do Rio de Janeiro exportando frutas para a Antártica, porque

eles não cultivam muitas frutas por lá.

A regulação inadequada e suas consequências: o exemplo do Reino Unido

Depois de receber minha licença de capitão, tornei-me prático em

outubro de 1992, no porto de Milford Haven, no Reino Unido.

Hoje vou examinar a legislação de praticagem no Reino Unido,

pela perspectiva de um acidente, o do Sea Empress, navio-tanque

que, em 1996, encalhou com efeitos catastróficos. Gostaria de

explicar as consequências do acidente, principalmente para

que vocês possam avaliar como o efeito de um desastre desse

porte pode afetar uma ampla variedade de pessoas e

interessados. Em seguida, vou falar sobre a legislação que

estava em vigor na época e também a que foi desenvolvida

desde então.

Page 41: Rumos Práticos - Seminário

41

OK. Esse é o porto de Milford Haven. Na parte inferior esquerda do

mapa, vocês podem ver duas boias. É a entrada do porto de Milford

Haven. Em 15 de fevereiro de 1996, o Sea Empress estava marcado

para atracar às 20h, imediatamente antes da maré baixa, na

refinaria de petróleo da Texaco, seis milhas para dentro da entrada.

Ao se aproximar das boias de entrada do porto, a embarcação

sofreu um forte e inesperado deslocamento para estibordo. O

timoneiro relatou perda de direção. Quase que de imediato, uma

forte vibração foi sentida por todos a bordo, e o navio desenvolveu

inclinação de 21 graus a estibordo. O cheiro de petróleo bruto

foi percebido por todos a bordo. Os motores do navio foram

imediatamente desligados na popa e duas âncoras foram lançadas

dentro da distância de uma milha. Além disso, a embarcação

encalhou ainda mais na entrada.

Na verdade, o encalhe inicial causou apenas danos mínimos.

Menos de aproximadamente 1.000 toneladas, creio, o que ainda é

uma quantidade considerável. Isso porque, além de um tanque de

carga, o tanque de carga número 1 lateral de estibordo, o dano

principal foi no tanque de lastro segregado, que sofreu ruptura,

causando a súbita invasão de água, o que aumentou o calado de

15,7 metros para 21 metros.

O aumento do calado significou grande limitação nas opções para

movimentar a embarcação. Com aquele calado, ele não conseguia

deslocar-se mais para dentro do porto e, para sair e afastar-se do

perigo, havia apenas uma passagem, pequena demais.

A operação de salvamento subsequente causou o derramamento

de 72 mil toneladas de carga, o que gerou consequências

tremendas para todos os envolvidos. Demorou quase uma semana

para que a embarcação fosse levada para o porto e o canal de

navegação fosse liberado. Muitos navios ficaram presos no porto

porque não podiam sair, e muitos ficaram parados do lado de

fora, com carga para as refinarias, sem poder entrar. Além disso,

houve graves consequências para muitos outros usuários

do porto.

Agora eu gostaria de discutir algumas das consequências para o

pessoal envolvido. Não podemos nos permitir pensar que um

acidente é simplesmente um conceito acadêmico, uma considera-

ção política ou um conceito teórico. Pessoas de verdade, tanto

aquelas envolvidas no acidente como aquelas totalmente

inocentes, podem ter a vida arrasada e, nos casos mais graves,

morrer, como fomos hoje informados: dez mortos em Gênova.

Em geral, imediatamente após um acidente há intensa cobertura

da mídia. Os jornais e a televisão vão seguir todos os

protagonistas, vão acampar diante de suas casas, vão seguir o

prático, o capitão do porto, vão seguir sua família, tentando

garantir entrevistas exclusivas. Vão lançar mão de suborno,

chantagem, qualquer coisa para conseguir uma reportagem

exclusiva a ser apresentada no telejornal.

A atenção da mídia não termina logo depois do acidente. Ela

ressurge quando a investigação é anunciada, quando os resultados

da investigação são anunciados, quando o processo judicial

começa, no resultado do processo judicial e, com bastante

frequência, no aniversário do incidente. Além disso, quando

ocorrem outros incidentes, a mídia quer falar com o protagonista

para saber seu ponto de vista.

Page 42: Rumos Práticos - Seminário

42

Obviamente, após qualquer acidente há uma investigação. No

Reino Unido, a Agência de Investigação de Acidentes Marítimos

conduziu uma investigação independente. A conclusão foi que

houve erro do prático, má gestão da equipe do passadiço,

relacionamento ruim entre o prático e o porto, e graves problemas

administrativos com a administração do porto e os práticos.

Depois, é inevitável que haja culpa. Com frequência, uma

autoridade portuária ou um regulador, num esforço para se desviar

das críticas, busca punir publicamente as pessoas envolvidas.

Nesse caso, o prático. Ele foi investigado. Disseram-lhe

claramente que não levasse um advogado, pois seria considerado

culpado. Quando isso aconteceu, ele se defendeu com o apoio dos

colegas, e o processo disciplinar movido contra ele, com base na

Lei de Praticagem de 1987, tentou condená-lo por incompetência

ou negligência. Com o apoio dos colegas, ele conseguiu

defender-se dessas acusações, mas os custos legais – estamos

falando de 17 anos atrás – para as duas partes foi provavelmente

de meio milhão de dólares, e tratava-se apenas de mera

investigação disciplinar interna.

O estresse pessoal dos protagonistas e suas famílias não deve ser

subestimado. Muitos envolvidos receberam ameaças anônimas por

telefone e por carta. Alguns, até 15 anos depois do incidente, ainda

estavam recebendo ameaças anônimas do tipo “sabemos onde

você mora, sabemos que escola seus filhos frequentam. Se algo

acontecer, vamos atrás de você”.

Assim, muitas pessoas, especificamente os práticos e o capitão

do porto, precisaram de muitos níveis de proteção, vigilância e

investigação policial. Isso não sai no jornal, infelizmente.

Quanto às consequências para o porto, as autoridades do Reino

Unido, por meio da Agência Ambiental, realizaram minuciosa

investigação de todos os aspectos do incidente. Na conclusão de

suas investigações, o prático não foi acusado formalmente.

Decidiu-se, no entanto, processar a autoridade portuária e o

capitão do porto. As acusações contra a autoridade portuária de

Milford Haven foram feitas de acordo com a Lei de Recursos

Aquáticos de 1991, que cria um conceito legal de responsabilidade

civil objetiva. Efetivamente, não existe defesa. A autoridade

portuária não teve opção a não ser declarar-se culpada, e recebeu

multa de quatro milhões de libras. Não se esqueçam de que isso

foi há 17 anos. Esse valor foi subsequentemente reduzido mediante

apelação, porque a autoridade portuária conseguiu demonstrar

que havia rebatido muitas críticas e que tinha um procedimento

operacional muito mais robusto e rigoroso. Felizmente para o

capitão do porto, as acusações contra ele foram retiradas. O porto

também teve de lidar com seus grupos de interessados. Na época,

Milford Haven contava com três refinarias de petróleo. Tinha

também uma frota de pesqueiros, um terminal de balsas e um

terminal de cargas gerais. Muitas dessas pessoas, pescadores,

proprietários locais de barcos de lazer, todos buscaram indenização

da autoridade portuária, especificamente depois que ela foi

considerada criminalmente culpada.

Milford Haven está localizado num parque nacional. Alguns

de vocês talvez tenham estado lá. É uma parte muito bonita do

sudoeste do País de Gales. Depende altamente do turismo. Logo

depois do incidente, que felizmente aconteceu no inverno, os

hotéis da área receberam muitos clientes: a imprensa, a mídia,

os investigadores, pessoas que simplesmente iam dar uma olhada.

Entretanto, depois que as fotografias do petróleo na praia

chegaram à mídia, todas as reservas para as férias de verão

desapareceram, e a praia passou de um local com gente surfando

e nadando para a imagem que vocês veem, de pessoas limpando

o petróleo da praia. Essa era a impressão que o resto do país

tinha agora de Milford Haven.

Milford Haven também era um importante porto de pesca. Muitas

frotas pesqueiras da Bélgica, França e Espanha pegam seus peixes

naquele porto, devido à sua proximidade dos bancos de pesca do

Atlântico. Entretanto, após o incidente, ninguém queria que sua

pescaria fosse associada com essa área, e muitos levaram seu

negócio para outro lugar. Os pescadores locais não podiam mais

Page 43: Rumos Práticos - Seminário

43

ganhar a vida. A área imediatamente adjacente à entrada do porto

ficou fechada para pesca por três meses. A pesca da lagosta e do

caranguejo foi interrompida por mais seis meses depois disso, o

que teve terrível efeito sobre muitos dos pequenos operadores, que

encerraram seus negócios. Além disso, provavelmente mais

famosas são as consequências para o meio ambiente. Mais da

metade da carga foi derramada de uma posição uma milha ao largo

da costa. O resultado imediato foi uma limpeza em larga escala.

Mesmo assim, 15 mil toneladas de emulsão alcançaram mais de

200 quilômetros do litoral. Como resultado da grande operação

de limpeza e da dispersão natural – como eu disse, era inverno, o

tempo estava muito ruim –, no fim do verão havia apenas 500

toneladas desaparecidas.

No auge da resposta, mais de 50 embarcações, 19 aeronaves e 25

organizações encontravam-se diretamente envolvidas. Isso incluiu

mais de 250 pessoas no mar e 950 em terra. A disposição dos

resíduos em si foi uma grande dificuldade, e esperava-se que o

custo total ultrapassasse, em estimativas conservadoras, 60

milhões de libras. Essa cifra não reflete o impacto financeiro do

turismo nem da pesca comercial, que podem ser calculados em

outras dezenas de milhões. Mais uma vez, lembro que isso

aconteceu há 17 anos. O custo hoje seria muito maior.

Eu poderia prosseguir durante horas falando sobre os fatores que

contribuíram para o incidente com o Sea Empress, mas hoje vou

concentrar-me na legislação, nos fatores regulatórios que estavam

em vigor na época.

Primeiro, vou falar sobre a mudança na legislação antes do Sea

Empress. Desde que venho ao Brasil acho que existem alguns

paralelos notáveis entre o que aconteceu, o que está sendo

considerado agora para os práticos brasileiros e o que aconteceu

com os práticos do Reino Unido em 1987.

No Reino Unido, os registros da praticagem resultam daqueles

elaborados no século 12, muito antes de a existência do Brasil

passar pela imaginação de alguém. Os habitantes da Ilha de

Oleron, na França, haviam elaborado um sistema para a

praticagem. Naquele tempo, se um prático perdesse seu barco, sua

punição era ser levado até o guincho e ter a cabeça decepada.

Felizmente, os direitos humanos intervieram, e essa punição foi

reduzida a ser enforcado no mastro!

Em 1514, o rei Henrique VIII, famoso por ter seis mulheres, formou

uma guilda chamada Trinity House e, pelos 450 anos seguintes,

essa guilda, junto com diversas comissões de praticagem locais,

manteve a norma de praticagem no Reino Unido. Com muito

poucas exceções, a maioria dos práticos era autônoma; eles

trabalhavam individualmente ou em cooperativas para o porto.

Após intenso lobby político dos interesses comerciais, sobretudo

autoridades portuárias e a indústria de navegação, em 1987, o

governo introduziu a Lei de Praticagem, que transferiu a

responsabilidade da Trinity House e dos comissários da praticagem

local para o controle direto dos portos comerciais. O resultado,

porém, é que, hoje, o Reino Unido não tem uma legislação nacional

de praticagem. Existem cerca de 70 organizações de praticagem.

Todos os portos são independentes uns dos outros e podem atuar

com autonomia. Muitos deles concorrem mutuamente. Por

exemplo, no Tâmisa temos Medway, Londres e Felixstowe, todos

importantes portos de contêineres, todos exercendo a praticagem

na mesma área. Esses portos estão em concorrência mútua direta,

e parte dessa estrutura portuária envolve o custo de praticagem.

Portanto, obviamente, hoje os portos consideram a praticagem um

centro de custos.

O principal propulsor econômico dos portos é a obtenção de lucro.

Desde 1987, os portos consideram a praticagem uma fonte de

renda mais do que um serviço a ser prestado. Esse foco nos lucros

tem o efeito de distrair a atenção dos tipos de navios e de comércio

em desenvolvimento que podem exigir adaptações na prestação do

serviço e no treinamento da praticagem. Um exemplo disso é a

introdução de fundos duplos nos tanques de lastro segregados. O

último palestrante fez uma boa demonstração disso, mostrando

que foi um excelente desenvolvimento. E é muito bom. No entanto,

como consequência involuntária, certas embarcações são fisica-

mente maiores do que os portes brutos sugeririam. Devido à

introdução do fundo duplo nos tanques de lastro segregados, não

se pode mais determinar o tamanho da embarcação com base

puramente em seu porte bruto.

No porto de Milford Haven, os práticos eram tradicionalmente

designados para as embarcações com base na tonelagem líquida.

Quando isso foi revogado em 1987, essa prática foi mudada para

porte bruto. Como consequência imprevista, o Sea Empress passou

de uma embarcação que exigia um prático de primeira classe e um

Page 44: Rumos Práticos - Seminário

44

assistente, com restrição de só entrar no porto duas horas antes da

maré alta, para a exigência de apenas um prático de segunda

classe, com permissão de entrar naquele porto a qualquer tempo.

Investigações feitas após o incidente mostraram conclusivamente

que uma embarcação daquele porte jamais entrara antes no porto

naquelas condições de maré, ou seja, uma hora mais ou menos

antes da maré baixa. Isso está mais relacionado com a direção da

baixa de maré na entrada do que com quaisquer restrições

de profundidade.

Após o incidente, várias opções foram consideradas sobre como

eliminar essa dificuldade, e descobriu-se que a solução era

simplesmente trabalhar em tonelagem bruta. Por conseguinte,

hoje, em Milford Haven, toda embarcação com mais de 65 mil

toneladas brutas é considerada um VLCC, que requer dois práticos,

com restrições de horário de entrada. Além disso, deve ter

reboques de escolta. O Sea Empress pesava 77.500 toneladas

brutas. Coincidentemente, Milford Haven é hoje o maior

importador do norte da Europa de LNGs. Agora manobramos navios

dos tipos Q-Max e G-Flex de até 345 metros de comprimento. Por

causa disso, o porto mudou a maneira de carregar os navios,

de porte bruto para tonelagem bruta, convenientemente

aumentando sua fonte de renda da praticagem.

A resposta legal após o caso veio de Justice Steel. Ao resumir o

caso para o processo contra a autoridade portuária de Milford

Haven, ele fez a seguinte declaração: “Os armadores e

comandantes devem contratar um prático. Eles devem incluir no

valor nominal o treinamento, a expertise e a experiência do

prático.” E prosseguiu: “A autoridade portuária impõe uma cobran-

ça pela praticagem, mas ao mesmo tempo tem a vantagem

adicional de que o prático é tratado como um empregado do

armador para fins de responsabilidade civil. Tudo isso demanda as

normas mais rígidas possíveis da parte da autoridade portuária.”

É preciso dar crédito à autoridade portuária de Milford Haven pela

maneira como reagiu àquele julgamento. Eles aceitaram os comen-

tários do juiz, sujeitaram-se a muitos estudos de gestão e aceita-

ram muitas críticas que receberam, e sua administração da prati-

cagem desenvolveu-se de modo a incorporar as lições aprendidas.

Por exemplo, a progressão dos práticos está mais rigorosa. São

necessários cinco anos e meio para passar de praticante de prático

a prático de primeira classe. Isso é baseado nas classes de tonela-

gem bruta, como já explicado. Antes demorava três anos. Agora,

nenhum prático pode avançar para a classe de embarcação

seguinte sem que todos os demais práticos daquele porto aprovem,

dizendo que estão satisfeitos com o progresso.

Foi estabelecida uma norma de treinamento rigorosa e robusta.

Envolve um curso de simulador de uma semana entre cada classe,

antes que se possa ser promovido. Faz-se um curso com modelo

tripulado no início da carreira de praticagem e, depois que se é

prático de primeira classe, faz-se uma atualização a cada cinco

anos. Fazemos o treinamento com reboque de escolta a cada

dois anos num simulador, fizemos cursos de gestão de recursos

marítimos, cursos de ECDIS, todos operamos com um PPU e, para

um prático de primeira classe, existe um sistema robusto de

desenvolvimento profissional contínuo. E tenho de dizer que, se

procurarmos nossa autoridade portuária e acreditarmos que há

uma boa justificativa para um programa de treinamento, se

pudermos convencê-la, vamos conseguir.

Além disso, o reboque de escolta é agora obrigatório para todos os

LNGs, VLCCs e também embarcações menores. O porto de Milford

Haven é muito bem considerado pelo modo como dirige a pratica-

gem e os sistemas de gestão de segurança, e com frequência

recebemos visitantes do mundo inteiro para conhecer nossas

operações, em particular com relação ao comércio de LNG.

Podemos dizer que é uma pena que eles não tenham aprendido

a lição antes do acidente. Teria sido bem mais barato.

Agora vou fazer uma comparação com os desenvolvimentos

regulatórios no Reino Unido. Como resultado do Sea Empress, o

Departamento de Transportes do Reino Unido desenvolveu um

código de segurança marítima dos portos. Ele estabelece o

princípio de uma norma nacional para todos os aspectos da

segurança da navegação no porto e visa aumentar a segurança

de seus usuários ou trabalhadores. Isso se aplica às operações de

navegação do porto, os bem-estabelecidos princípios da avaliação

de risco e dos sistemas de gestão de segurança. O código fornece

uma medida pela qual as autoridades portuárias podem ser

responsabilizadas pelos poderes e pelas obrigações legais que têm

para dirigir o porto de maneira segura e ajudar a executar suas

obrigações com eficiência. É um excelente documento, muito

completo. Tem, entretanto, uma grande falha. Devido à pressão

comercial das autoridades portuárias, ele não é obrigatório. São

Page 45: Rumos Práticos - Seminário

45

simplesmente diretrizes. É um pouco como os Piratas do Caribe, o

código de conduta dos práticos, estando mais para diretrizes do

que para código.

Alguns portos, porém – isso tem de ser dito –, são muito atentos

aos requisitos. Outros optam por cumprir apenas algumas seções,

e alguns mal prestam atenção ao código.

Os portos, por sua vez, precisam escrever ao regulador, ou seja, a

Agência da Guarda Costeira Marítima, a cada três anos, para

declarar que estão em conformidade com o Código de Segurança

Marítima dos Portos. É sua única obrigação. É impressionante que

cerca de 60% dos portos do Reino Unido não o fazem.

Infelizmente, a guarda costeira não tem recursos nem inclinação

para policiar o código. Os portos inspecionam-se uns aos outros.

Alguns deles de fato convidam um porto local para inspecioná-los,

e em troca o inspecionam.

Em resposta a algumas críticas, os portos desenvolveram o Guia de

Boas Práticas, que tem por finalidade complementar o Código

de Segurança de Navegação dos Portos e contém informações

úteis, diretrizes mais detalhadas sobre várias questões relevantes

para as autoridades portuárias e diretrizes gerais sobre como uma

autoridade portuária deve cumprir seus compromissos em termos

de conformidade com o código.

Para evitar confusões, em sua página introdutória há este conselho

extremamente útil: como o código, este guia não tem valor jurídico.

Mas, a mensagem para os portos é bem clara.

Por sua vez, o Departamento de Transportes declarou que gostaria

de ver uma norma ocupacional nacional para os práticos. Os

práticos do Reino Unido trabalham em estreita colaboração com as

associações dos portos para desenvolver normas ocupacionais

nacionais. Essas normas, que as associações dos portos ajudaram

a desenvolver, estão anexadas ao Código de Segurança Marítima

dos Portos e, lembro a vocês, não são obrigatórias. Então, as

associações dos portos que receberam a tarefa de introduzir tais

normas, não as estão aplicando, na maior parte. Muitos práticos do

Reino Unidos se defrontam com autoridades portuárias

competentes, mas só fazem o mínimo do treinamento, com base

no argumento de custos.

Embora os práticos do Reino Unido tradicionalmente sejam

recrutados para capitães de longo curso, na verdade não existe um

requisito nacional que defina as normas de entrada. Cada porto

pode estabelecer as próprias normas. Como expliquei, cada

porto é, efetivamente, sua própria autoridade de praticagem

independente.

Um grande operador de portos possui 21 portos no Reino Unido. Em

um deles, o porto de Southampton, é exigida a qualificação de

capitão de longo curso. No porto de Humber, um dos maiores

da Grã-Bretanha, o anúncio para o recrutamento de práticos

simplesmente menciona experiência recente em alto-mar e o

direito de residir no Reino Unido, o que pode significar qualquer

pessoa dos 27 países da União Europeia.

Outro porto, Cardiff, no sudeste do País de Gales, está atualmente

tentando treinar um timoneiro de lancha de prático por um período

de cerca de seis meses. Então, espera-se que ele adquira a

experiência e o discernimento de alguém que anteriormente

tivesse uma carta de capitão. Isso é algo que não consideramos

particularmente adequado, e que estamos levando ao

conhecimento das autoridades regularmente.

O mais recente golpe na praticagem veio há menos de duas

semanas. O Reino Unido já dispõe de um dos regimes de isenção

de praticagem mais liberais. Com a Lei de Praticagem de 1987,

qualquer pessoa de boa fé, o comandante ou imediato de uma

embarcação podem candidatar-se a um certificado de isenção se

sua embarcação visita regularmente o porto. Isso significa que,

em geral, pequenas embarcações costeiras, uma vez tendo

feito meia dúzia de viagens saindo e chegando, poderão fazer

um teste e assim ficar isentas. Devido às normas trabalhistas

Page 46: Rumos Práticos - Seminário

46

europeias relativas a horários de trabalho, balsas e dragas

oceânicas agora têm seu horário de trabalho controlado.

Então, em vez de embarcarem um prático para guiar seu navio

através da parte mais perigosa da viagem, as zonas de

praticagem congestionadas, com fortes correntes e rochas, e

tráfego intenso, eles fizeram um lobby bem-sucedido por

mudanças na lei. Assim, desde duas semanas atrás, qualquer

oficial de convés pode conduzir seu navio em zonas de praticagem.

Concluindo, a política de portos do Reino Unido é impulsionada

pelo lobby comercial por meio da Associação de Portos Britânicos,

do Grupo dos Maiores Portos do Reino Unido e da Câmara de

Navegação. A principal motivação é o lucro, e as preocupações

com a segurança e a proteção ambiental ocupam posição

bastante secundária.

Gostaria apenas de resumir o que vimos até aqui.

As autoridades devem tomar muito cuidado ao elaborar normas

para sistemas de praticagem. O propósito fundamental da

praticagem é a segurança da navegação e a proteção dos portos e

do meio ambiente. Qualquer legislação referente à praticagem

deve garantir que isso continue a ser sua finalidade principal.

Normas ineficazes em si mesmas não produzem operadores

ineficazes, mas permitem que eles funcionem. A regulação e a

prestação dos serviços de praticagem não devem estar sujeitas às

pressões comerciais. A regulação focada nos aspectos comerciais

da praticagem pode ser prejudicial aos melhores interesses da

segurança e da praticagem eficiente. Se você acredita que a

prestação de um serviço de praticagem robusto e eficiente custa

caro, considere o custo de um acidente − para a pessoa não só em

termos financeiros, mas para a vida dos envolvidos, para o porto

e seus clientes; para a economia local, para o meio ambiente

costeiro e, não menos importante, para a reputação e credibilidade

daqueles considerados responsáveis por permitir que o acidente

acontecesse, o que poderia facilmente recair sobre os reguladores

ou legisladores.

Normas rigorosas e treinamento eficiente evitam acidentes. Corte

de custos, não. O fornecimento de práticos marítimos altamente

treinados, que podem fazer uso de suas habilidades e experiência

de forma independente, livre de pressões comerciais, é a melhor

salvaguarda que se pode dar à infraestrutura dos portos e do meio

ambiente costeiro. Acidentes não acontecem apenas com os

outros. Eu era o prático a bordo do Sea Empress. Ninguém vai

trabalhar buscando sofrer um acidente, nem cria deliberadamente

uma legislação para diminuir a segurança. Há na legislação em

vigor as consequências involuntárias de se criar um ambiente no

qual o foco da operação e dos prestadores de serviço se afasta

da segurança.

Em suas palavras de abertura, Ricardo perguntou: “Por que não

somos uma nação desenvolvida?” Sugiro que vocês têm uma

vantagem: podem aprender com nossos erros, em vez de repeti-los.

Muito obrigado por sua atenção.

Page 47: Rumos Práticos - Seminário

Advogado em Washington-DC, especializado em direito marítimo desde 1978.Diretor executivo e diretor jurídico da Associação dos Práticos Americanos.

Representante dos práticos e seus interesses junto ao Congresso Americano, agências federais, órgãos legislativos e administrativos e à IMO.

Paul Kirchner

47

Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem nos Estados Unidos

É uma grande honra estar aqui, ter sido convidado a juntar-me a

esses importantes especialistas e palestrantes.

Vou falar sobre o sistema de praticagem nos EUA. Há dois artigos,

que os organizadores colocaram numa bela capa, que acompa-

nham minha apresentação no powerpoint. Eles estão disponíveis

do lado de fora da sala, na mesa à direita da porta. Um deles é um

artigo de revisão de lei sobre a regulação da praticagem nos

Estados Unidos. Não vou lê-lo, mas tudo que falaremos aqui está

explicado no artigo com mais profundidade e detalhe. Há também

um artigo de uma página sobre o papel e a responsabilidade de um

prático nos EUA. Vou ler alguns trechos adiante.

Existem dois pontos principais sobre o sistema de praticagem nos

Estados Unidos que desejo destacar, sendo o primeiro referente à

sua extrema regulação. Na verdade, temos duas instâncias de

regulação de praticagem: a do governo federal e, mais importante,

a dos governos dos estados. Como vocês devem saber, os Estados

Unidos têm 50 estados; 24 deles têm costa, e navios oceânicos

chegam e partem de seus portos.

A segunda característica relevante do sistema de praticagem

americano – e me parece importante que este grupo entenda – é

que os práticos nos Estados Unidos são cidadãos particulares, mas

com responsabilidades públicas. Isso se liga ao que o capitão

Watson mencionou hoje mais cedo, quanto ao fato de a praticagem

obrigatória integrar a regulação de segurança da navegação.

Trata-se de um serviço público. Isso une esses dois pontos: sendo

um serviço público, é totalmente apropriado e correto que o

governo o regule fortemente.

O sistema de praticagem estadual

Uma das primeiras leis de nosso primeiro Congresso foi a

Lighthouse Act, de 1789. Nessa lei, depois de examinar as

atividades marítimas do país, o Congresso fixou quais atividades

seriam de responsabilidade do governo federal e quais caberiam

aos governos estaduais. Como vocês podem imaginar com base no

nome da lei, o Congresso considerou primeiro os faróis. E decidiu

que o novo governo federal deveria assumir a operação de todos

os faróis do país. Na seção 4 da lei, porém, os congressistas

analisaram a praticagem e chegaram à conclusão oposta: que

a praticagem deveria continuar a ser regulada pelos estados.

Essa decisão baseou-se em dois fatos. Naquela época, os estados

(as antigas colônias) tinham sistemas de praticagem próprios havia

pelo menos 100 anos, e tais sistemas pareciam funcionar bem. O

Congresso decidiu que o novo governo federal já tinha trabalho

suficiente sem se envolver em algo de que os estados já estavam

cuidando.

Além disso, e mais importante, o Congresso determinou que, devi-

do à sua natureza, a praticagem seria mais bem regulada no

âmbito estadual; por causa das variações nas condições de um

porto para o outro, uma abordagem nacional não seria a melhor

solução, e sim manter a regulação em nível local. Com isso, foi

criado, em 1789, o Sistema de Praticagem Estadual, que está em

vigor desde então.

Esse é, hoje, o sistema de praticagem predominante nos Estados

Unidos. Em qualquer discussão sobre práticos de embarcações

Page 48: Rumos Práticos - Seminário

48

comerciais internacionais, sabe-se que, nos Estados Unidos, eles

são estaduais. São indivíduos que têm licença emitida por um

governo estadual. Cada um dos 24 estados costeiros tem um esta-

tuto de praticagem e um conjunto de normas de praticagem

próprios. E em 23 deles, a entidade responsável pela regulação

dos práticos é uma “comissão de práticos”. Sua composição e

responsabilidades variam de estado para estado. O modelo de com-

posição mais comum é a representação cross-sectional de grupos

interessados. Em geral, há um número igual de usuários de

práticos (interesses dos operadores de navios); há os chamados

membros públicos; pode haver representantes de entidades

ambientais e funcionários do governo. Em alguns estados,

conforme seus estatutos, não há práticos na comissão de práticos.

Nos Estados Unidos, cada comissão de práticos estadual corres-

ponde à definição internacional de autoridade de praticagem

competente, ou CPA. A tarefa mais fundamental, essencial, de uma

comissão de práticos estadual ou de qualquer outra autoridade de

praticagem é administrar a exigência de praticagem obrigatória.

Resumindo o que as autoridades de praticagem competentes

fazem, é isso. Todo o resto dá suporte a esse trabalho. O sistema

de praticagem que a autoridade supervisiona está na natureza de

um pacto que diz a um operador de navio: “Vamos exigir que você

leve um prático habilitado, mas, em troca, nós (o governo) vamos

assegurar que você tenha um prático sem demora e sem discrimi-

nação. Esse prático será treinado, competente, estará descansado,

habilitado e completamente preparado para prestar serviços

especializados de praticagem. Não só isso, o prático terá o apoio

operacional que dispõe de tudo que uma operação de praticagem

eficiente e moderna deve ter. Terá, por exemplo, lanchas de prá-

tico de primeira categoria, sistema de distribuição de práticos,

escalas de rodízio, equipamentos de comunicação, PPUs, rádios

e estrutura administrativa bem dirigida.”

Em termos ideais, todas as atividades de uma comissão de práticos

devem estar ligadas a essa tarefa fundamental. Nos Estados

Unidos, uma típica comissão de práticos estadual emite as licenças

de prático, supervisiona o treinamento e faz cumprir a exigência de

praticagem obrigatória. Com relação a este último aspecto, é

importante reconhecer que uma comissão de práticos não regula

apenas os práticos, mas a praticagem. Deve, portanto, lidar tanto

com os operadores de navios como com os práticos.

No Sistema de Praticagem Estadual, o estado supervisiona os

preços da praticagem. Cada estado americano com um sistema de

praticagem estabelece os preços. As taxas de praticagem não são

uma questão de acordo privado entre o prático e o operador do

navio. O processo de precificação, porém, estimula que práticos e

operadores de navios se reúnam e cheguem a um acordo sobre os

preços quando possível. Esses acordos, porém, devem ser aprova-

dos e adotados pela entidade de fixação de preços e publicados

como preços públicos.

Os estados também supervisionam as operações de praticagem.

As comissões de práticos querem assegurar que a operação de

praticagem seja mantida atualizada e que os usuários recebam

serviço de qualidade. Isso está relacionado à função estadual de

fixação de preços. O objetivo da fixação dos preços é garantir não

só que eles sejam justos e razoáveis para os usuários, mas que

produzam receita suficiente para pagar os custos do tipo de

operação que o estado determina que quer e de que necessita

para proteger suas águas e manter o comércio funcionando sem

problemas. Em outras palavras, os preços não devem ser altos

demais nem baixos demais.

Finalmente, a regulação do estado inclui a responsabilização

profissional. Se um prático tem desempenho deficiente, se ocorre

um acidente resultante do erro de um prático, se um prático

apresenta conduta imprópria, a comissão de práticos vai analisar

as queixas sobre os práticos, vai investigar os acidentes e, se

necessário, tomar providências para responder a problemas no

desempenho dos práticos.

Em resumo, o Sistema de Praticagem Estadual é abrangente. As

amplas atividades das autoridades de praticagem competentes dos

estados fazem parte da responsabilidade governamental de

garantir que o interesse público na segurança da navegação, na

Page 49: Rumos Práticos - Seminário

49

proteção ambiental e no comércio aquaviário eficiente esteja

resguardado e que os operadores de navios recebam serviço de

praticagem de primeira categoria e especializado, em troca de sua

obrigação de solicitar o serviço do prático.

Regulação federal da praticagem

Como mencionei, existe também uma instância de regulação

federal nos EUA. A Guarda Costeira dos Estados Unidos emite as

licenças federais de prático. No entanto, as normas para essas licen-

ças são muito menos rígidas do que para as estaduais, porque a

federal serve a diversos propósitos. Cada um dos 1.200 práticos

estaduais nos Estados Unidos também tem licença federal que

serve, nesse aspecto, como norma mínima nacional.

Existe um sistema de praticagem dos Grandes Lagos, configurando

uma operação restrita, para a qual há 32 práticos americanos. Por

causa de suas águas internacionais, é necessário um sistema

regulatório federal. De acordo com a Constituição dos Estados

Unidos, nenhum estado pode estabelecer acordos com um governo

estrangeiro; portanto, para celebrar acordos com o Canadá sobre

as operações de praticagem nos Grandes Lagos, precisamos de

uma entidade federal encarregada da praticagem na região.

Quando o sistema St. Lawrence Seaway foi expandido, em 1960,

para que grandes – na época – navios oceânicos pudessem usar os

portos dos Estados Unidos e Canadá nos Grandes Lagos, o

Congresso aprovou a Lei de Praticagem dos Grandes Lagos. Essa

lei, de 1960, criou um sistema de praticagem inteiramente novo

para a região, inspirado no sistema estadual. Na época, um

escritório do Departamento de Comércio dos Estados Unidos foi

designado para dirigir o sistema de praticagem na região, seme-

lhante ao Sistema de Praticagem Estadual. Por conseguinte, os

práticos dos Grandes Lagos têm licença federal, mas também um

“registro”, análogo a uma licença estadual, com normas mais

rígidas e treinamento adicional, além e acima da licença federal.

Os preços são regulados e existem limites para o número de práti-

cos registrados. O sistema de praticagem dos Grandes Lagos,

atualmente administrado pela Guarda Costeira dos Estados Unidos,

tem a maioria dos atributos do Sistema de Praticagem Estadual,

embora seja dirigido de maneira um pouco diferente.

Finalmente, na praticagem federal, existe isenção da regulação

estadual para as operações de navios de cabotagem de bandeira

americana. Essas operações não são numerosas e requerem

apenas um prático portador da licença federal. No entanto, a maio-

ria desses navios – muitos, hoje, são petroleiros – vai embarcar um

prático com licença estadual, pois ele também tem licença federal,

e o operador de navios reconhece as vantagens de levar um prático

que atenda às normas estaduais mais rígidas.

O papel do prático

Nos materiais disponíveis na mesa no saguão de entrada, há uma

explicação de uma página sobre o papel do prático e as respectivas

responsabilidades de práticos e comandantes sob a lei americana.

Vocês vão perceber que a explicação inclui a declaração de que o

prático obrigatório não é um membro da equipe do passadiço. Essa

declaração recebeu muita atenção desde que a explanação foi

formalmente adotada pela APA, em 1997. A finalidade da declara-

ção foi conseguir que as pessoas reconheçam que a praticagem

obrigatória, ao menos nos Estados Unidos, e na verdade em muitos

outros países, é um serviço público e que os práticos precisam

exercer seu juízo independente.

Isso significa que há momentos em que o prático tem de dizer

“não”. Se o operador de um navio quer partir sob condições nas

quais o navio não deve partir, o prático tem de dizer “não”. Se o

operador quer fazer algo que o prático julga ser inseguro, o prático

deve ter liberdade e autoridade para dizer “não”. O prático não

está ali simplesmente para fazer o que o comandante ou a compa-

nhia operadora do navio lhe diga para fazer. Felizmente, os exemplos

desse tipo de conflito são extremamente raros, mas acontecem. Os

práticos estaduais são avisados de que, se não se mantiverem

firmes e não fizerem o que é necessário e viável para defender os

interesses do estado, serão responsabilizados. Tivemos casos em

Page 50: Rumos Práticos - Seminário

50

que isso ocorreu, quando um acidente resultou de uma decisão do

comandante do navio com a qual o prático não concordou, e este

foi punido por não manter sua posição e não agir para fazer valer

os interesses do estado e evitar um acidente.

Costumava-se dizer que o papel do prático é proteger o navio dos

perigos apresentados em um porto. Hoje, por outro lado, o papel do

prático é proteger o porto dos perigos que o navio representa. O

público espera que os práticos evitem acidentes. Obviamente, os

práticos têm de equilibrar isso com sua obrigação de prestar bons

serviços ao navio − esse é um dos aspectos singulares a seu

respeito. Os práticos têm posição muito firme sobre o transporte

comercial. São marítimos, fazem parte do setor de navegação;

sentem-se responsáveis pela saúde e bem-estar econômico de seu

porto, querem manobrar navios. No fundo de todas as suas

decisões, porém, está a responsabilidade básica de evitar um

acidente, se puderem.

Portanto, se vocês lerem essa explanação de uma página, verão

como se busca conciliar esses dois aspectos. O texto começa com

o princípio básico de que a navegação é responsabilidade compar-

tilhada por prático, comandante e tripulação do passadiço. Quando

preparamos uma primeira minuta, com a assessoria dos operado-

res de navios, em 1997, eles ficaram muito contentes com a decla-

ração. Consideraram que se tratava de uma grande concessão por

parte dos práticos. Não pensamos isso. Pensamos, é claro, na época

e ainda agora, que a tripulação do passadiço e os práticos têm de

compartilhar a responsabilidade e que cada um tem uma função

importantes para desempenhar na navegação do navio. Eles

precisam respeitar suas respectivas funções e trabalhar juntos.

A declaração seguinte é que o prático dirige a navegação da

embarcação sujeito às ordens gerais do comandante. Isso está

totalmente fora da jurisprudência nos EUA há mais de 100 anos.

Esse é o relacionamento real do comandante e do prático. Vocês

podem perceber que evitamos usar o termo “conselheiro” para

descrever o prático. Esse termo é enganoso. O prático faz mais do

que simplesmente aconselhar, e o público e a lei esperam dele

mais do que isso. Ao nos opormos ao uso de “conselheiro”, reco-

nhecemos que referir-se aos práticos como conselheiros é parte da

tradição marítima. Pessoas que respeito muito vão citar a tradicio-

nal entrada no diário de bordo: “ordens do comandante, conselho

do prático”. Alguns práticos se sentem confortáveis com o rótulo

de conselheiro. No entanto, não vamos tentar varrer do mapa o

clichê prático-como-conselheiro fora de nossa tradição marítima.

Simplesmente queremos evitá-lo em discussões sérias sobre

o que os práticos fazem e quais são suas responsabilidades e

obrigações legais.

Como seu estado espera que o prático exerça seu juízo profissional

independente no interesse público, existem diversas característi-

cas do Sistema de Praticagem Estadual que buscam proteger o

prático de pressões que podem comprometer sua segurança e seu

julgamento. Falarei sobre essa característica a seguir.

Concorrência

Somos frequentemente indagados a respeito de concorrência.

Tenho o prazer de informar que, nos Estados Unidos, adotamos a

praticagem não competitiva. Cada estado e o escritório da Guarda

Costeira que regula os práticos dos Grandes Lagos limitam o

número de licenças que emitem. O capitão Watson falou esta

manhã sobre o objetivo dos reguladores da praticagem de determi-

nar e manter o número “certo” de práticos.

Nos Estados Unidos e nos Grandes Lagos não existe um lugar no

qual os práticos estaduais e os práticos dos Grandes Lagos concor-

ram por trabalho. Só no estado de Connecticut, principalmente nas

águas do estuário de Long Island, existem vários grupos de práti-

cos que operam dentro da mesma área. Entretanto, todos devem

participar de uma escala de rodízio conjunta, e o objetivo disso

é evitar que concorram por trabalho. Em Connecticut, portanto, é

possível haver diversos grupos de práticos, mas a escala de rodízio

obrigatória evita os efeitos nocivos da concorrência. Nesse siste-

ma não há incentivo para que existam vários grupos de práticos.

Na verdade, o incentivo é para que eles se unam e operem como

uma unidade, a fim de reduzir despesas e atingir economias de

escala. Acredito que isso vai acontecer com o tempo.

A praticagem não competitiva nos EUA é resultado de uma deter-

minação política específica por parte dos estados, segundo a qual

a regulação econômica, mais do que as forças de mercado, é a

melhor maneira de manter a praticagem de interesse público e

proteger a segurança da navegação. O estatuto da Flórida mencio-

nado pelo capitão Watson pela manhã explica essa determinação.

A legislação da Flórida sentiu que era importante dizer, antes de

Page 51: Rumos Práticos - Seminário

51

tudo, na primeira disposição de seu estatuto de praticagem, por

que eles acreditam que a praticagem não deve ser deixada à mercê

das forças de mercado.

Seleção e treinamento de práticos

De onde vêm e como são treinados os práticos nos Estados

Unidos? Assim como para outras perguntas sobre praticagem

americana, a resposta breve é que cada estado tem um sistema

próprio. As qualificações e o processo de seleção para novos práti-

cos mudam de estado para estado. Alguns deles, em particular os

da costa leste, tradicionalmente têm usado pessoas sem experiên-

cia de navegação. No entanto, quanto menor a experiência ou

formação marítima exigida na seleção, mais longo o período de

treinamento. Esses grupos de práticos vão treinar essas pessoas

“do zero”. Outros locais exigem experiência anterior, em alguns

casos como comandante de navio de longo curso.

Um bom exemplo das variações nos critérios de seleção e

programas de treinamento nos EUA pode ser encontrado no Rio

Columbia, no Oregon. Dois grupos de práticos operam lado a lado.

Todos os práticos da barra do Rio Columbia são ex-comandantes

de navios de longo curso. Eles levam o navio através da barra e,

assim que entram, o entregam a um prático do Rio Columbia.

Todos os práticos do Rio Columbia são oriundos do setor local de

rebocadores-barcaças fluviais. Os dois grupos de práticos têm

formações completamente diferentes, mas ambos operam no

mesmo estado e são habilitados pela mesma comissão de práticos.

Seus programas de treinamento, devido às diferenças de formação

dos aprendizes, são completamente diferentes.

Embora os práticos da barra e os práticos do rio no Oregon se

respeitem mutuamente e respeitem suas respectivas habili-

dades, cada um acredita que seu sistema é o melhor. Esse é um

sentimento bastante universal entre os diferentes grupos de

práticos nos EUA e, imagino, em todo o mundo. Cada grupo

acredita firmemente que seu sistema é o melhor. E o interessante

sobre isso é que todos têm razão. Cada um tem o melhor sistema

para suas condições e necessidades específicas. Ao longo dos

anos, os requisitos de qualificação e programas de treinamento

em cada estado se desenvolveram e produziram os melhores

práticos possíveis, dadas as demandas específicas da zona

de praticagem.

Muitas vezes observamos que não é tão importante o tipo de pes-

soa que entra no sistema de seleção e treinamento, mas sim a

pessoa que dele sai. O objetivo de todo sistema é produzir, ao fim

do programa de treinamento, um prático que tenha as habilidades

e o conhecimento necessários aos trabalhos de praticagem

naquela zona. Nos EUA, os estados são encorajados a focar sua

regulação de praticagem nas necessidades locais. Portanto, as

variações entre os programas estaduais não constituem um ponto

fraco do Sistema de Praticagem Estadual; são antes um grande

ponto forte do sistema.

Cada estado tem requisitos para o treinamento contínuo. O modelo

mais comum é um ciclo, em geral de três ou cinco anos, de

treinamento contínuo em áreas como manobras de emergência,

navegação eletrônica, BRM para práticos (BRM-P), prevenção/

mitigação da fatiga e segurança pessoal. O treinamento é

fornecido por meio de métodos tais como simuladores Full Mission

Bridge, modelos tripulados e instrução em sala de aula.

Recentemente estabelecemos diretrizes para treinamento em

ECDIS para práticos, por exemplo, e temos um programa de

treinamento em BRM desde 1993. Naquele ano, a APA recomen-

dou formalmente que os práticos recebessem treinamento em

BRM e o renovassem a intervalos regulares, hoje estabelecidos

em cinco anos. Aprovamos os cursos de BRM de acordo com as

diretrizes que elaboramos com a assessoria do Conselho Nacional

de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos.

Nossas diretrizes para o treinamento em BRM conceberam cursos

significativamente diferentes dos cursos de BRM oferecidos para

as tripulações de navios – porque as tarefas e os desafios da

navegação para os práticos são bastante diferentes daqueles para

as tripulações de navios. Os práticos encontram ambiente dife-

rente quase a cada vez que embarcam num navio. Enquanto o BRM

para tripulações de navios enfatiza rotinas e práticas padronizadas,

os práticos precisam ser flexíveis em sua abordagem, dependendo

do que encontram em cada navio. Por conseguinte, a ênfase num

curso de BRM-P está em duas tarefas essenciais para um prático

– avaliar e adaptar. Embora os práticos venham fazendo isso há

centenas de anos, um dos objetivos do curso é fazê-los pensar

sobre como, ao chegar, avaliam os recursos do navio, tanto em

termos de pessoal como de equipamentos, e depois como devem

adaptar suas práticas para utilizar da melhor maneira o que encon-

tram. Por exemplo, se um prático vê um navio de primeira classe

Page 52: Rumos Práticos - Seminário

52

com tripulação engajada e muito profissional, ele vai manobrar de

uma determinada maneira. Se o trabalho seguinte envolve um

navio mal equipado e mal conservado, cujo comandante parece

pouco profissional e não interessado no que vai acontecer durante

o trabalho de praticagem (e frequentemente os práticos deparam

com essa circunstância), o prático terá de adaptar sua ação.

Como nosso BRM-P existe há 20 anos, muitos práticos americanos fre-

quentaram cinco ou seis cursos de BRM-P ao longo de suas carreiras.

Situação profissional dos práticos americanos

Em geral, os práticos estaduais são profissionais autônomos.

Pertencem a uma associação com o objetivo de dividir despesas e

serviços de apoio, a fim de atingir eficiências de operação e econo-

mias de escala. A esse respeito, eles operam de maneira seme-

lhante a um escritório de advocacia ou grupo de médicos. Cada

prático estadual tem um grande investimento financeiro de risco na

operação do grupo. Eles não são empregados; não recebem salário.

Na maioria dos lugares, têm de pagar para entrar no grupo. Depois

que se tornam práticos plenos, precisam comprar uma participação

no negócio. A justificativa para isso é que eles estão obtendo a

vantagem da infraestrutura pela qual os práticos que são integran-

tes do grupo já pagaram.

Nos Estados Unidos há apenas um porto diferenciado, Los Angeles,

cujos práticos são funcionários municipais. É uma situação espe-

cífica. Nem o porto de Los Angeles nem o porto vizinho de

Long Beach fazem parte do Sistema de Praticagem Estadual.

Os práticos desses dois portos não têm licença estadual. Em

Long Beach, uma empresa privada, a Jacobson Pilots, recebeu

do porto concessão por muitos anos.

Responsabilização profissional

Um prático estadual num navio que se envolve em acidente marí-

timo vai ser investigado. Se ficar constatado que um erro seu foi

a causa do acidente, podem ser tomadas providências contra a

licença do prático, tanto pelo governo estadual quanto pelo

federal. As opções básicas são: a licença pode ser revogada ou

suspensa. Algumas das autoridades habilitadoras vêm-se

mostrando um tanto criativas ao aplicar outras medidas, tais como

exigir treinamento adicional, viagens de observação etc.

Há também penalidades civis e multas aplicadas pelos governos

estadual e federal − não necessariamente relacionadas a

acidentes com navios. Se o desempenho de um prático foi

negligente, se ele violou alguma regra ou apresentou conduta

inadequada, pode haver multa substancial.

Cada vez mais – e esse é o constrangimento aqui – existe o risco

muito real de ação penal para um prático infeliz o bastante para

estar num navio que se envolveu num acidente do qual resultou

morte ou, ainda pior, derramamento de óleo. Não tenho tempo para

discutir isso em detalhe, mas a realidade hoje é que, se houver

óleo na água ou morte, alguém deverá sofrer uma ação penal. Isso

também se aplica aos práticos, e há alguns anos vimos um deles

ser processado.

Os processos civis também constituem grande preocupação. Por

diversas razões que estão além do escopo dessa discussão,

normalmente os práticos não são processados pelos danos resul-

tantes de um acidente. Isso, no entanto, está mudando. Os práticos

estão sendo processados com mais frequência. Para tratar essa

questão, dez dos 24 estados adotaram alguma forma de limitação

de responsabilidade civil estatutária. Embora sejam apenas dez,

eles são os estados com os maiores números de práticos − então

bem mais de 50% dos práticos nos EUA operam em zona que

dispõe de um sistema de limitação de responsabilidade civil.

Tais sistemas assumem uma de duas formas. Alguns estados têm

teto para o valor dos danos recuperáveis de um prático. Por

exemplo, esse teto é de US$ 1.000 no Texas e de US$ 5.000 no

estado de Washington. Existe outra forma de limitação de

responsabilidade civil que consiste num sistema relativamente

complicado. É com frequência chamado de sistema de preço duplo.

Em troca de um preço de praticagem mais baixo, que é na verdade

o preço de praticagem habitual, um navio concorda em retirar

todas as queixas contra o prático e em indenizar e isentar de

responsabilidade o prático contra queixas de terceiros. Esse é o

sistema, por exemplo, que está em vigor em São Francisco. Foi

aplicado no caso do acidente com o Cosco Busan em 2007, e o

prático de São Francisco que se achava a bordo do navio estava

coberto por esse sistema.

Em todos esses sistemas, a limitação de responsabilidade civil não

se estende à suposta negligência ou conduta dolosas. Portanto,

Page 53: Rumos Práticos - Seminário

53

qualquer limitação que conste do estatuto não se aplicará no caso

de um prático considerado gravemente negligente ou culpado de

conduta dolosa.

A limitação de responsabilidade civil existe há muito tempo. É

aceita pelos estados e, na maioria dos lugares, pela comunidade

de operadores de navios, porque é economicamente eficiente. Não

existe seguro capaz de cobrir um prático pelo risco potencial de

responsabilidade civil – de muitas centenas de milhões de dólares

– em que incorre a cada vez que embarca num navio. Considerado

esse risco, uma tarifa de praticagem num contexto de responsabi-

lidade civil ilimitada teria de cobrir o custo do seguro de respon-

sabilidade civil para o prático, se disponível (que seria proibitiva-

mente caro em relação ao preço normal de praticagem), ou o risco

econômico que o prático está assumindo toda vez que vai trabalhar.

Isso não só seria prejudicial ao setor de navegação, como não

serviria a nenhum propósito válido. Os navios já têm seguro contra

erros dos práticos; portanto, faz sentido que a responsabilidade

civil do prático seja limitada ou transferida para o navio, que está

segurado. Isso evita o duplo seguro ineficaz.

A questão importante ao se considerarem as diferentes conse-

quências de um erro ou mau desempenho de um prático nos EUA é

que existe responsabilidade. Mais do que isso, a carreira de um

prático está em jogo toda vez que ele vai a bordo de um navio.

Benefícios do sistema de praticagem americano

A regulação da praticagem no sistema americano não é perfeita.

Mas é claramente bem-sucedida. Está em vigor há muito tempo e

tem benefícios significativos – para os operadores de navios, para

o público e para os práticos.

Primeiro, é um verdadeiro sistema do tipo “quem paga é o usuário”.

Não há subsídios do governo. Os contribuintes não são

responsáveis pelo pagamento dos práticos. O custo da praticagem

recai sobre os usuários do serviço. Não obstante, o público dele

muito se beneficia.

Segundo, existem duas instâncias de supervisão regulatória. Às

vezes isso pode ser complicado, e às vezes os sistemas regulatórios

estaduais e federal podem entrar em conflito. Nenhum prático,

todavia, vai passar despercebido na regulação governamental.

Terceiro, no Sistema de Praticagem Estadual os práticos são

protegidos das pressões econômicas que poderiam comprometer

a segurança. O sistema estadual é concebido para oferecer

aos práticos essa proteção.

Quarto, os práticos têm interesse profissional e financeiro no

sucesso da operação de praticagem em seu porto. Isso porque eles

não são empregados nem recebem salário. O que eles ganham –

sua renda – baseia-se no trabalho que fazem. Se sua operação de

praticagem e seu porto estiverem bem financeiramente, eles

também estarão.

Quinto, há compensações financeiras para os práticos nos EUA.

Essas compensações atraem pessoas de alta qualidade e

motivadas. Ser prático é atingir o auge da profissão de marítimo,

e os práticos são remunerados de acordo.

Finalmente, a regulação da praticagem nos EUA é um processo

democrático. É transparente. Nos EUA, os práticos, os usuários da

praticagem e o público participam do sistema; podem dirigir

petições ao governo. A praticagem é totalmente direta e aberta;

não há acordos de bastidores.

Essa é uma breve descrição da praticagem nos EUA. Terei prazer

de responder às perguntas e agradeço a atenção de todos.

Page 54: Rumos Práticos - Seminário

Capitão de longo curso.Prático do Canal de Kiel e do Báltico Ocidental desde 1993.Presidente da Associação de Práticos do Canal de Kiel e Báltico Ocidental desde 2005.Presidente da Associação Alemã de Práticos desde 2009.Vice-presidente da Associação Internacional de Práticos – IMPA.

Hans-Herman Lückert

54

Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem na Europa

OK. Antes de tudo, quero dizer obrigado e que é uma grande

honra para mim, senhoras e senhores, ser convidado a vir aqui

e fazer uma rápida palestra. Agradeço especialmente ao Otavio,

ao Marcelo e a vocês. Muito obrigado a todos.

Gostaria de falar um pouco sobre o sistema de praticagem alemão

e um pouco sobre os sistemas de praticagem europeus que

temos aqui.

Primeiro, volto rapidamente ao pas-

sado, à história. Existem diferen-

tes nações na Europa, com diferentes

idiomas, e, portanto, vamos nos referir

a loods, ludsman em russo; lotsman,

em sueco; piloto. Piloto, por exemplo:

antigamente, há dois séculos, especial-

mente na região do Mediterrâneo, os

armadores possuíam navios e deseja-

vam ser os comandantes desses navios, mas não tinham

conhecimento algum. Então, contratavam pessoas que

tinham conhecimento para conduzir um navio. Esses homens eram

chamados de pilotos. Acho que esse foi o primeiro relacionamento

de confiança entre armadores e práticos.

A primeira vez que encontramos praticagem, ou alguma

regulamentação de praticagem, foi durante o período hanseático.

No século 14, pescadores locais atuavam como práticos do mar.

Duzentos anos depois, as Normas de Praticagem de Hamburgo

existiam, mas um comentário sobre os hanseáticos: atualmente

circula uma piada em meio a cidadãos, comerciantes e negociantes

hanseáticos. Eles dizem que os hanseáticos venderiam a avó e

os hamburgueses, que também são hanseáticos, de fato a

entregariam! E, apenas para sua informação, a Hamburg Süd

está localizada em Hamburgo.

A primeira estação de práticos situava-se na costa báltica, perto de

Kiel. Naquela época, o canal de Kiel não existia. Sou prático

do Canal de Kiel, e aquela foi a primeira estação sob supervisão

governamental. A primeira Federação Alemã de Práticos foi

fundada em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial, e na época

foram estabelecidas algumas diferentes avaliações de práticos. Há

algumas frases muito importantes, por exemplo, a do poeta Joseph

Conrad: “Os práticos são a personificação da confiabilidade”; e

acima vocês veem a charge “Dropping the Pilot”, sobre a demissão

do chanceler Otto von Bismarck.

Não seria a Alemanha se tudo não fosse regulamentado por

normas e algumas leis. De uma, porém, tenho muito orgulho. É a

Lei Alemã de Praticagem, que entrou em vigor em 1954 e descreve

tudo que se relaciona à praticagem. Zonas de praticagem, como

vemos aqui no mapa muito claramente, temos sete, diferentes,

Page 55: Rumos Práticos - Seminário

mas todas sob as mesmas normas. Temos a parte oeste, próximo à

fronteira com a Holanda, o Rio Ems, depois temos o Rio Weser, o

Rio Elbe, o Porto de Hamburgo, o Canal de Kiel, parte leste e parte

oeste, e os Países Bálticos. Ao todo, somos cerca de 900 práticos

em todas as zonas.

A Lei de Praticagem também descreve como formar os jovens

práticos, como calcular os preços e o rendimento do prático, o

tempo de trabalho, a supervisão, os sistema de transbordo, respon-

sabilidade civil, gestão da qualidade, organização e administração

etc. Tudo está de fato contido na Lei de Praticagem.

Agora vamos examinar a praticagem alemã. Podem ver que em

2008 tivemos mais de 200 mil manobras de praticagem na

Alemanha, e depois, devido à crise financeira em 2009, esse

número caiu para 130 mil, e, no final de 2012, nos aproximamos

do correspondente ao ano de 2005 novamente.

E quanto à formação e ao treinamento avançado? Pelo menos,

aqueles que gostariam de se tornar práticos devem ser aprovados

na escola pública, com a graduação, e depois devem trabalhar no

mar durante pelo menos dois anos como aprendizes. Em seguida,

devem ir para a escola de navegação e concluir o STCW; precisam

no mínimo de um bacharelado. Depois de passar pelo STCW

ilimitado, trabalham novamente no mar para completar três anos

de experiência. E, então, podem tornar-se práticos, e a

Administração de Águas e Navegação vai examinar se todos

os requisitos estão preenchidos. Eles têm mais oito meses de

formação em alguma zona de praticagem específica, e só depois

vem a prova. Aprovados, começam como práticos juniores, durante

três anos, com limite quanto ao tamanho do navio. Depois disso

tornam-se práticos seniores, sem limite algum.

É, portanto, um caminho muito longo, e agora temos tido pro-

blemas para encontrar jovens, homens e mulheres, que queiram

tornar-se práticos. Começamos a discutir o novo sistema, mas são

necessários dois anos para estabelecer um sistema tão grande.

Aqui, vocês podem comparar o número de manobras e o

número de práticos. Vejamos o ano de 2008. Temos um

grande número de práticos, um menor número de práticos e

muitas manobras de praticagem, e depois exatamente o oposto.

55

Page 56: Rumos Práticos - Seminário

56

Essa crise foi boa para os práticos, que fizeram muitas horas

extras. Tínhamos atravessado um deficit de pelo menos 40% de

práticos; foi bom para pensar na vida, relaxar um pouco. O período

anterior à crise foi realmente muito difícil para nós.

Agora, quanto ao sistema de transbordo do prático, antigamente,

essa parte era do governo; uma parte muito cara. Então, o governo

transferiu isso para o Bundeslotsenkammer, que estabeleceu,

em 1964, uma empresa chamada Lotsbetriebsverein. A

Lotsbetriebsverein é responsável por todo o transporte dos

práticos e emprega 450 pessoas. Nosso orçamento anual é

de 60 milhões de euros. O sistema é o seguinte: todos os

equipamentos, todas as lanchas pertencem ao governo, mas

toda a manutenção cabe a nós. Portanto, é um bom sistema.

Os práticos também estão à frente do sistema de transbordo

e de transporte. Usamos diferentes tipos; usamos helicópteros;

nessa foto podem ver a tecnologia SWATH, é um sistema

novíssimo, muito bom, mas muito caro.

Chegamos à gestão da qualidade. É a coisa mais importante na

Alemanha. Adotamos o seguinte sistema: a associação dos práti-

cos e a supervisão do governo são ambas responsáveis pela gestão

da qualidade. A associação dos práticos deve investigar e fazer o

treinamento de segurança regularmente, a análise de acidentes,

novos desenvolvimentos. Cabe-lhe também o ônus da prova,

conforme o parágrafo 26 da Lei Alemã de Praticagem. E a

supervisão do governo vai trabalhar em paralelo, especialmente no

sistema de serviços de tráfego de embarcações.

Às vezes, porém, temos problema. O prático tem de reportar-se o

tempo todo à Administração de Águas e Navegação, mas nossa

orientação é: primeiro nos contate para informar ao presidente da

associação de práticos local, ou aos advogados, e depois então

reporte-se à autoridade.

Assim, a supervisão legal é uma questão central na Alemanha.

Todas as sete zonas de praticagem alemãs têm a mesma

supervisão legal da Administração de Águas e Navegação.

Consideramos muito importante ter um sistema comum para todo

o país.

E de onde vem o dinheiro? Existe uma tarifa de praticagem.

Ela é paga por todo navio acima de 300AB, e é cobrada pela

administração. Primeiro tiramos o dinheiro para o transporte dos

práticos, ou seja, 60 milhões por ano, depois distribuímos para

cada associação de práticos e deduzimos o custo de nossa

administração. O resto é enviado a cada prático em partes iguais;

trata-se do último sistema comunitário em toda a Europa, acredito.

Como eles definem a tarifa? Todo ano discutimos com o ministro

dos Transportes. Ele define o preço da praticagem, e todo ano

temos uma discussão sobre isso, mas o contrato é que o rendi-

mento do prático vai aumentar de acordo com o aumento médio

Page 57: Rumos Práticos - Seminário

57

do rendimento do empregado alemão. Esse é o acordo. Precisamos

ter conversas especiais quando queremos algo importante, como,

por exemplo, estabelecer um sistema PPU, ou algo assim.

A Resolução IMO A.960 está integralmente implementada na

Lei de Praticagem. Assim, de acordo com essa norma, todos os

práticos alemães fazem o treinamento avançado.

Temos um problema especial com o tamanho dos navios. Por

exemplo, essa é a eclusa de Kiel, e o tamanho dos navios que usam

o canal de Kiel só está aumentando. No Rio Weser e no Rio Elbe,

nos últimos cinco anos, o tamanho aumentou cerca de oito mil

toneladas brutas. No canal de Kiel, aproximadamente duas

mil toneladas brutas. Então precisamos fazer um treinamento

especial para os práticos no simulador, para que eles possam

manobrar navios tão grandes.

Agora vamos ver um pouco da Europa. Em geral, a Europa é

um problema, devido às diferentes nações. Somos 26 membros

na UE agora. Duas semanas atrás, o mais novo membro era a

Croácia. Então, 26 nações, e cada nação teve um desenvolvimento

diferente no passado. O principal problema relativo à praticagem

está nos diferentes sistemas usados. Por exemplo, os práticos

são autônomos na Alemanha, França, Holanda; são empregados

dos portos, ou supervisionados pelos portos, no Reino Unido;

empregados pelo governo na Bélgica, Noruega e Dinamarca. A

maioria dos práticos europeus é empregada pelo governo.

Page 58: Rumos Práticos - Seminário

58

O principal problema, que já mencionei, é que ao longo dos últimos

20 anos, depois da queda da Cortina de Ferro, a maioria dos novos

membros da União Europeia veio da antiga parte comunista da

Europa. Na Europa, estamos perto de cinco mil práticos.

O problema para o sistema é que, na Europa Oriental, eles tiveram

uma atividade absolutamente regulada, e agora as pessoas oriun-

das desses países gostariam de ter total desregulamentação.

Existem muitas áreas nas quais é perigoso estar totalmente

desregulamentado, e a praticagem na Europa é uma delas. Deve

ser regulamentada. Temos a Comissão Europeia, temos o Conselho

Europeu e temos o Parlamento Europeu. E agora o caminho é a

Comissão Europeia; o comissário para a DG MOVE, da Estônia, faz

algumas propostas e vai para o Conselho, formado pelos

primeiros-ministros ou presidentes de cada estado-membro, e

depois para o Parlamento Europeu. E a questão é que, por exemplo,

o Sr. Kallas fez uma proposta de desregulamentação total e

estabelecimento de um sistema competitivo, e assim por diante.

Sabemos, porém, pela nossa experiência na Europa Ocidental, que

não podemos lidar com isso. A praticagem deve ser um sistema

estritamente regulamentado. A competição é como se você

comparasse com uma brigada de incêndio: há um incêndio e real-

mente não dá tempo de fazer uma oferta, só dá tempo de chamar

um único número, e a partir daí a operação seguir em frente.

É um grande erro.

A posição alemã é muito clara. Não é apenas a minha posição, é a

posição do Parlamento alemão. Teremos um sistema de praticagem

regulamentado. Somos contra a competição e precisamos da

praticagem obrigatória em todos os portos, e é absolutamente

inacreditável para a Alemanha que a ordem venha de Bruxelas

sobre o que temos de fazer em águas alemãs, por exemplo.

Portanto, somos estritamente contra a proposta do Sr. Kallas, mas

estamos em meio a uma discussão, e o Sr. Kallas e a União

Europeia vão fazer propostas durante o verão. Estou otimista

de que poderemos defender a praticagem e manter um sistema

regulado na Europa.

Trata-se de um grande problema para nós, mas acho que, se

estivermos unidos, seremos fortes e bem-sucedidos também em

Bruxelas. Esse é nosso principal objetivo.

OK, é isso. Estou à disposição para perguntas, obrigado pela

atenção.

Page 59: Rumos Práticos - Seminário

Doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de JaneiroProfessor-associado do Instituto de Economia da UFRJ.

Foi assessor do Ministério da Fazenda, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

Ronaldo Fiani

59

Em geral os benefícios para a sociedade aumentam com a

introdução de competição. A razão disso é que, com a competição,

a quantidade ofertada aumenta, e os preços declinam, permitindo

que mais pessoas possam consumir os bens ou serviços ofertados,

e, assim, o bem-estar da sociedade aumenta. No serviço de prati-

cagem, contudo, a introdução de competição pode provocar danos

à sociedade, que superam em muito os benefícios oriundos de

eventuais reduções nos preços. Isso se explica pelo fato de que a

praticagem é afetada por significativas ‘externalidades’. Diz-se

haver externalidades quando as decisões de um agente afetam

outros agentes, sem que o agente que afetou os demais negocie

esses efeitos em um mercado. As externalidades podem ser nega-

tivas ou positivas. Há externalidades negativas quando as ações de

um indivíduo ou empresa geram custos para outros indivíduos ou

empresas, sem que o agente que adotou as ações seja cobrado por

isso. Diz-se haver externalidades positivas no caso de um agente

gerar benefícios para outros, que não pagam por esses benefícios.

Vamos ilustrar o problema das externalidades com dois exemplos.

Suponhamos que uma fábrica de produtos químicos se instale às

margens de um rio onde vive uma comunidade de pescadores. A

fábrica faz uso das águas do rio para lançar dejetos industriais,

resultantes de sua atividade produtiva, os quais possuem impacto

adverso sobre a fauna que habita o rio, incluindo-se aí os peixes

dos quais os pescadores extraem seu sustento.

Trata-se, assim, de uma externalidade negativa, pois a produção da

fábrica gera um custo para os pescadores: a redução na população

de peixes e o consequente aumento nas horas de trabalho para

obter quantidade de pescado igual à que recolhiam antes da insta-

lação da fábrica. Contudo, como não há um ‘mercado’ para as

águas do rio, os custos de operação da fábrica não incorporam os

custos da utilização da água, que é um recurso produtivo da socie-

dade (pois serve para lançar os dejetos da fábrica, assim como é

dela que são obtidos os peixes consumidos).

Assim, os custos da fábrica serão menores do que deveriam, pois

não incluem os peixes que não são mais pescados, em função da

diminuição de sua população, ocorrida como resultado da atividade

fabril. Em decorrência, dados os preços dos produtos químicos

produzidos pela nossa hipotética fábrica, seus lucros serão maio-

res do que deveriam ser se incorporassem os custos que gera para

a sociedade, por conta da redução no volume de peixes. Sua

produção será superior àquela que seria interessante do ponto de

vista social (considerando-se a redução na satisfação dos pescado-

res e dos consumidores de peixe pela diminuição da quantidade

de pescado).

É fácil identificar que esse tipo de problema ocorreria também no

caso de um serviço de praticagem inadequado que retardasse os

fluxos comerciais ou mesmo provocasse acidentes com embarca-

ções. Os prejudicados seriam todos os envolvidos nas atividades

de exportação e importação no país, mais as populações das

proximidades dos portos ou dos rios navegados, mas esses vários

Características econômicas da praticagem, competitividade e regulação econômica

Page 60: Rumos Práticos - Seminário

agentes não seriam ressarcidos pelos responsáveis pelo provi-

mento do serviço. Teríamos a geração de externalidades negativas.

Um eloquente exemplo foi o encalhe do navio-tanque Exxon Valdez,

em 1989, no Alasca, ocasionado por falha de navegação. O navio

carregava 1.263.000 barris de petróleo, e o acidente causou

prejuízo de US$ 25 milhões em reparos do navio, perda de carga

avaliada em US$ 3,4 milhões e danos ambientais catastróficos,

cuja reparação teve custos finais que excederam US$ 2 bilhões.

Não havia prático a bordo, pois a praticagem na região tinha

sido considerada desnecessária. Esse processo foi revertido, e a

praticagem reestabelecida na área do acidente.

Esse risco, por si só, justifica a regulação na forma de limitação e

controle em relação a quem está autorizado a exercer o serviço de

praticagem. Uma liberalização do serviço incorreria no risco

de atrair profissionais sem o preparo adequado, com o que o

risco de externalidades negativas aumentaria perigosamente.

Vistos exemplos de externalidades negativas, passemos agora a

um caso de externalidades positivas. Nessa situação, o próprio

serviço de praticagem oferece mais um exemplo direto. Um serviço

de elevada qualidade, de modo que as manobras, além de seguras,

sejam rápidas, eficientes e bem coordenadas, resulta em ganhos

não apenas para a empresa proprietária da embarcação, mas para

todos os demais agentes envolvidos indiretamente naquela ativi-

dade – por exemplo, o exportador e ou importador das mercadorias

embarcadas, que ganham com a agilização do transporte ou ainda,

os portos e terminais, que contam com os benefícios cumulativos

dessa mesma agilização, sob a forma de maior disponibilidade de

berços de atracação. Além disso, serviços de praticagem eficien-

tes, bem coordenados e de boa qualidade aceleram o fluxo comer-

cial e afetam positivamente toda a rede logística ligada ao comér-

cio exterior. Dessa forma, os lucros de um serviço de praticagem

eficiente se difundem pela economia. Entretanto, como os práticos

não serão remunerados pelos vários agentes beneficiados,

estariam sendo geradas externalidades positivas para todos

esses agentes favorecidos.

Por conseguinte, em decorrência da não remuneração dos benefí-

cios gerados, os práticos poderiam não se sentir inclinados a incor-

rer no custo e no risco de investir no longo prazo em sua atividade,

embora isso fosse do interesse da sociedade. Assim, o volume de

investimento nesse tipo de atividade seria inferior ao nível dese-

jado do ponto de vista da sociedade, um resultado que é típico da

presença de externalidades positivas. Contudo, essa tendência é

contrabalançada pela presença de ‘quase rendas’ no serviço de

praticagem. Quase rendas são rendas que se originam do fato

de que, sendo os ativos envolvidos em uma atividade muito

específicos, há grande diferença entre o valor do serviço para quem

o demanda – que é muito elevado – e seu custo operacional – este

último muito reduzido. Vejamos como isso ocorre.

Essas quase rendas (q) seriam dadas pela expressão: q = y - c - t,

em que y é a receita total do serviço de praticagem, c é o custo

operacional esperado do serviço (o gasto com combustível e

manutenção das lanchas, energia elétrica etc.), e t é seu custo de

oportunidade esperado, isto é, o valor que se pode obter do serviço

de praticagem em seu melhor uso alternativo. Ocorre que devido à

especificidade da formação do prático, cujos conhecimentos e

habilidades são úteis apenas para uma zona de praticagem (ZP)

específica, seu custo de oportunidade t é muito baixo (o valor de

seus conhecimentos e habilidades em outras atividades é pratica-

mente nulo). Como o custo operacional c também é muito baixo em

relação ao valor do serviço, a receita que expressa esse valor do

serviço y é muito maior do que a soma dos custos operacionais e

de oportunidade. O resultado é que as quase rendas que resultam

da diferença y - c - t são muito elevadas.

Ocorre que é possível, no curto prazo, manter a oferta do serviço de

praticagem apenas remunerando o custo de oportunidade e o custo

operacional, pois eles cobrem o custo imediato do serviço de

praticagem. Resulta daí que há um incentivo para o comprador do

serviço tentar capturar a quase renda para si, tentando reduzir o

valor do serviço apenas a c + t. Esse incentivo produz ameaças de

60

Page 61: Rumos Práticos - Seminário

61

hold-up, que nada mais é do que a suspensão ou apenas a ameaça

de disputa em relação aos termos anteriormente contratados,

afetando o desenvolvimento esperado da transação, em função de

demandas de revisão das condições originalmente estipuladas em

acordo ou contrato. Em casos mais radicais, pode haver a pura e

simples interrupção da transação, até que uma das partes tenha

seu pleito atendido.

A ameça de hold-up torna-se particularmente grave quando uma

das partes, que realizou investimento em um ativo específico com

poucas possibilidades de uso alternativo – como é o caso do apren-

dizado de um prático em uma ZP –, fica vulnerável a ameaças da

outra parte de encerrar a relação. Essa ameaça pode permitir a

uma das partes obter condições mais vantajosas do que as do

início da transação. Obviamente, se as ameaças de hold-up

obtêm sucesso, há o risco de desestímulo à prestação do serviço

de praticagem no longo prazo. Daí a necessidade também da

regulação como forma de solucionar conflitos, garantindo

adequada oferta do serviço de praticagem ao longo do tempo.

Page 62: Rumos Práticos - Seminário

Capitão de longo curso. Diretor (desde 2006) da Praticagem do Rio da Prata, na qual ingressou em 2001.

Pablo Pineda

62

Caros colegas, autoridades presentes, ilustres senhores, é uma

grande honra estar com vocês, e quero agradecer o convite das

autoridades do CONAPRA para participar deste seminário.

Faz tempo que praticamos com colegas do CONAPRA, no âmbito de

fóruns e congressos, intensa troca de informação sobre a situação

da praticagem em nossos países; e hoje tenho a oportunidade de

contar-lhes a forma com que, segundo meu ponto de vista, nos

últimos 20 anos tem avançado ou retrocedido a praticagem na

Argentina. Em minha exposição vou fazer referência à pilotagem

no Rio da Prata, que é a região em que trabalho; o Prata é um rio

longo, de 100 milhas náuticas, mas o canal é muito estreito, pouco

profundo e com fluxo cruzado.

A praticagem, desde o início da desregulação, vem experimentan-

do muitas mudanças, e, para falar a seu respeito, temos que nos

situar temporalmente e conhecer o contexto naquele momento. Se

falamos sobre desregulação, temos que nos remeter a dezembro

de 1991. A globalização começava a nos deslumbrar, e um governo

neoliberal na Argentina tentava nos convencer de que um negócio

nas mãos do Estado não era um bom negócio.

Em dezembro de 1991 o governo lançou seu decreto com cinco

pontos fundamentais.

• Os práticos habilitados pela autoridade puderam ser contratados

livremente pelos usuários para prestar serviços com o status de

profissionais independentes.

• Abre-se o registro para a habilitação, incorporação de novos

práticos, sem limite de número, a todo profissional que tenha

as condições.

• Os serviços ligados a praticagem, embarque e desembarque

puderam ser cumpridos livremente pelos usuários e pelos práticos.

• O valor dos serviços de praticagem, até então decidido entre os

práticos e o cliente, foi fixado pelo Estado na tarifa máxima.

• A praticagem constitui serviço público de interesse para a

segurança na navegação.

Qual foi o principal objetivo do decreto segundo as autoridades?

Obter mais economia para os usuários de maior agilidade operativa

e administrativa. Sem dúvida, o principal objetivo foi reduzir custos

ou, como se diz comumente, diminuir o custo argentino. Era lógico

pensar que a competição entre colegas e a livre contratação pelos

usuários iriam desencadear uma guerra entre práticos, e que a

estratégia seria a redução da tarifa. O que, porém, não aconteceu.

A tarifa, cujo valor poderia ser estabelecido entre os funcionários

e usuários, não mudou; manteve-se igual. E qual foi o papel dos

práticos nos primeiros anos da competição?

As consequências da concorrência no serviço de praticagem: o exemplo da Argentina

Page 63: Rumos Práticos - Seminário

63

Antes da desregulação, os práticos eram profissionais que traba-

lhavam sob o regime da Prefeitura Naval Argentina, recebendo

todos remuneração igual, fixada pelo Estado, e todos faziam igual

quantidade de trabalho. Como todo serviço público a navegação

tinha um número limitado de práticos, e o Estado respondia a

processo jurídico por responsabilidade civil.

A abertura do Rio da Prata acontece dois anos depois do decreto

da desregulação. Com o apoio da maioria dos práticos jovens e

com a promessa de ganhar mais dinheiro, um prático se converte

em empresário e cria a primeira empresa com práticos emprega-

dos, que logo se apodera de 60% do mercado para dividir entre

apenas 30% dos práticos. Dessa forma, poucos colegas, donos

de 60% do mercado, deviam realizar, cada um, até 20 manobras

de praticagem por mês.

A empresa original, que chamaremos de Cooperativa IMPA, ficou

com 70% dos práticos e apenas 40% do mercado, fazendo, cada

um, quatro ou cinco manobras por mês, ou seja, muito pouco

trabalho. Quando mencionamos práticos no Rio da Prata fazendo

20 manobras ao mês, é necessário informar que a praticagem na

região leva não menos de 15 horas, considerando transporte ter-

restre e aquático. Temos aqui a grande diferença econômica entre

as duas empresas. Isso gerou o seguinte fato: outros colegas,

com as mesmas ambições, criaram novas empresas. O curioso é

que todas as empresas foram desmembramentos da cooperativa

original não pela falta de serviço, mas pelo abuso dos empresários,

gerando insatisfação por parte dos empregados, que reagiram e

criaram outras.

Acrescente-se a questão da segurança, porque fazer mais de 20

viagens por mês significa trabalho sem descanso e quase sem

retorno ao lar. Logo, para fazer uma síntese da primeira etapa da

competição devemos incluir:

• fracasso do Estado; as tarifas mantiveram-se, assim como o

custo que só se repartiu de outra forma;

• enorme desigualdade entre rendas referentes ao trabalho

realizado por colegas empregados e pelos que continuaram

vinculados a uma empresa IMPA.

Segunda etapa da competição

Ao longo de anos os práticos continuaram sua luta visando obter

maior mercado. A situação começou a mudar com a entrada de

práticos jovens na Cooperativa; sem nada a perder, como último

recurso, ameaçaram o sistema com a possibilidade de oferecer o

serviço diretamente a armadores e carregadores no exterior por

tarifa mínima. Estamos falando do ano 2000, e, agora sim, parecia

Page 64: Rumos Práticos - Seminário

64

que depois de seis anos de competição no Rio da Prata, o objetivo

do Estado estava quase por se cumprir, já que dessa forma as

tarifas se reduziriam drasticamente.

O que aconteceu, no entanto? Os intermediários, ante a clara pos-

sibilidade de sua extinção, acalmaram as águas e eles mesmos

começaram a partilhar mais equitativamente o mercado, para

evitar o fim do negócio.

Até agora, só falei da praticagem como negócio que foi bom para os

intermediários, mas não tão bom para o Estado, os práticos e os clien-

tes. Não fiz referência às diferenças mais importantes desse sistema

com alto impacto negativo sobre a profissão do prático, a segurança

da navegação, o cuidado do ambiente e nossas vias navegáveis.

O sistema tem um número limitado de práticos. Não existe um

padrão que estabeleça a relação ideal entre as quantidades de

trabalho realizado e de descanso. Por isso a tradicional antinomia

fadiga versus conhecimento adequado continua sem ser resolvida.

Isso, entretanto, não é tudo; hoje a Marinha argentina, depois

de um processo de recuperação, tem um número significativo de

comandantes de navios em condições de atuar como práticos,

bastando-lhes somente fazer alguns exames.

Como consequência, talvez em curto prazo haja muitos práticos

novos sem emprego − quero dizer que provavelmente teremos

de compartilhar o trabalho de hoje com muito mais pessoas e,

com certeza, por pagamento menor. Podemos perceber que se trata

de uma situação sem controle. E todos sabem que o número

limitado de práticos é o pilar para manter o sistema em equilíbrio

estável entre práticos, garantidos o descanso necessário e o

conhecimento adequado. Depois de muitos anos de negociação e

mesmo com o apoio recebido da IMPA, ainda não pudemos

mudar essa situação.

Falemos agora sobre responsabilidade civil. Com o novo decreto,

nós, os práticos, não temos limite quanto à responsabilidade civil.

De acordo com nossa lei, o prático é culpado até que se prove o

contrário. Temos uma grande quantidade de demandas milionárias.

Refiro-me, certamente, a simples varações ou colisões contra cais.

Com relação a calados excessivos, não há, na regulamentação

argentina, limite de calado máximo para determinado porto ou

canal. Existem apenas “recomendações da autoridade marítima” e

do concessionário do canal − simples recomendações, entretanto.

“O calado máximo recomendado é de 34 pés”, mas ninguém pode

impedir que os carregadores e charteadores fechem seus contratos

por mais de 36 pés, que é o que está acontecendo. No entanto, as

agências recomendam aos clientes carregar os navios menospre-

zando os práticos, já que também elas competem entre si.

Quando um navio está com excesso de carga deve esperar uma

preamar de magnitude para poder sair do Rio da Prata. Trata-se de

marés que, em geral, em presença de um vento sul, acontecem

periodicamente, provocando atrasos nos navios, que, no entanto,

raramente superam quatro ou cinco dias.

Não apenas a passagem em canais estreitos, com folga abaixo da

quilha reduzida, é arriscada, mas além disso o prático tem que ser

mágico em vez de prático para conhecer os dados relativos à

maré, posto que o sistema carece de indicadores (marégrafos).

A maioria dos marégrafos está fora de serviço. Então o prático

deve iniciar a navegação contando apenas com o dado da tabela

mais uma avaliação pessoal sobre a influência que possa ter o

vento na região. Bem, assim funciona a coisa, e lembro que não

temos limite quanto à responsabilidade civil.

A navegação em grande parte do Rio da Prata se faz com corrente

cruzada. “O comprimento máximo autorizado para cruzamento de

navios no trecho é de 150 metros com um calado de 34 pés." Com

a chegada de navios pós-panamax, o eventual cruzamento de

embarcações gera uma situação de risco máximo, já que a soma

das duas bocas aparentes se aproxima da largura máxima do

canal – situação, aliás, que se repete diariamente.

Fato também cotidiano diz respeito às pressões comerciais no

início da competição. Nenhum colega estranhava ter que

embarcar num navio que se achava fazendo bunker sem poder

evitar o embarque na faixa de barlavento, já que, na outra faixa,

encontrava-se amarrada a barcaça. A premissa não era a

segurança do prático, mas que ele não atrasasse o navio depois

de finalizada a operação do bunker. Também não nos podíamos

opor a navegar sem agulha giroscópica, ainda que o navio saísse

carregado com calado máximo.

Senhores, essa é a história de nossa convivência com a

competição em mais de 20 anos. Muito obrigado.

Page 65: Rumos Práticos - Seminário

Bacharel em ciências náuticas, pós-graduado em análise de sistemas, mestre e doutor em ciências da hidrodinâmica do navio pelo COPPE-UFRJ.

Professor-associado do Magistério Superior da Marinha do Brasil desde 1990.

Edson Mesquita

65

“Professional pilots controls ships in a way that makes the

traditional channel width with division illogical” (manual de

engenharia do Exército americano 1110-2-1100, parte V).

Devido ao aumento do tamanho dos navios, tem-se verificado não

só no Brasil, mas em todo o mundo, o problema da limitação

geométrica dos canais de acesso. Esse problema é de solução

complexa e esbarra em condições críticas que não se limitam

apenas à dragagem (mesmo quando ela é admissível).

Os critérios técnicos de segurança que definem os padrões para

entrada e saída de navios em portos e terminais são preliminar-

mente definidos por:

- Análise das condições náuticas, em que a geometria do canal, a

bacia de evolução, os fundeadouros etc. são avaliados em função

da conformidade com normas de segurança.

- Análise da manobrabilidade do navio no ambiente previamente

definido na análise das condições náuticas.

A análise das condições náuticas de um canal de acesso é feita

através do emprego das normas brasileira ABNT – 13.246, de

fevereiro de 1995, da Associação Permanente Internacional de

Congressos da Navegação (Pianc) – PTC II-30, de julho de 1997,

e americana – manual de engenharia número 1110-2-1613, de

31 de maio de 2006, do Exército americano (Usace).

A padronização para referências bibliográficas, quando tratando

do relacionamento entre o navio e o porto, é dada pela

Organização Marítima Internacional (IMO), órgão da Organização

das Nações Unidas (ONU), através do Comitê de Facilitação,

na circular Fal. 6/14, de 2 de março de 2006, recomendando que

todos os países-membros levem em consideração uma lista de

publicações indexadas. Nessa circular, as normas que tratam

de canal de acesso, bacia de evolução, berços e atracadouros,

incluídos os flutuantes, estão, em sua maioria, associadas às

normas da Pianc.

As normas do Corpo de Engenheiros do Exército Americano aten-

dem aos padrões Pianc e recebem adaptações para configurações

locais. A norma ABNT está desatualizada e já se encontra em

processo de revisão, mas, de forma geral, atende aos principais

critérios de segurança prescritos na norma da Pianc.

No Brasil, em portos organizados, a responsabilidade pela

manutenção de canais de acesso, bacias de evolução, fundeadou-

ros é da autoridade portuária sob coordenação da autoridade

marítima, de acordo com a nova Lei dos Portos, Lei n. 12.815, de

05 de junho de 2013.

Infraestrutura portuária e aquaviária: dragagem e levantamento batimétrico – parâmetros e planejamento

Page 66: Rumos Práticos - Seminário

66

De acordo com as Normas da Autoridade Marítima para Tráfego

e Permanência de Embarcações em Águas Jurisdicionais

Brasileiras (Norman-08/DPC), o capitão dos portos pode, para

estabelecer parâmetros aceitáveis de segurança da navegação

em águas restritas, recorrer às normas Pianc PTC II 30 e da

ABNT 13.246.

É importante ressaltar que a sistematização do projeto de canais

de acesso a áreas portuárias definido pelas normas tem como

escopo apresentar recomendações e informações que permitam

formular o projeto conceitual de um canal para um navio-tipo ou

conjunto de navios.

O propósito das normas técnicas é fornecer aos engenheiros em

exercício, gerentes de tráfego portuário, comandantes de navios e

práticos, diretrizes e dados que lhes permitam projetar e avaliar a

segurança de um canal para um dado navio ou misto de tipos

de navios ou, alternativamente, possibilitar a avaliação da

compatibilidade de um canal existente com uma proposta de

mudança no tipo de navio ou de operação. A intenção é fornecer

diretrizes práticas que sejam prontamente utilizáveis e de

fáceis entendimento e justificativa.

Através das recomendações é possível analisar a adequação de

um canal existente, em função das definições dadas para o

conceito de segurança da navegação para um canal, permitindo

assim, melhor avaliação de trechos em que possam existir

condições de risco maior.

Page 67: Rumos Práticos - Seminário

67

Podem existir dúvidas, principalmente junto à autoridade marítima,

quanto aos riscos à segurança da navegação. Em casos de

dúvida quanto ao risco envolvido e de conflitos é recomendável

o emprego de simuladores de manobra.

Cabe ainda lembrar que a simples adequação às normas de

projeto não contempla diversos outros fatores associados à

segurança da navegação em um canal de acesso, tais como

características do casco, potência da máquina, variação de

empuxo do propulsor, governabilidade e ação do leme, respostas

do movimento à excitação de forças de governo e ambientais,

ação do prático etc.

Na própria publicação Pianc, pode-se constatar:

“Os clientes podem querer que a segurança e o risco sejam demons-

trados de maneira tangível e mensurável de modo que fiquem

convencidos de que a largura (e o alinhamento) do canal e áreas de

giro e atracação a ele associadas sejam satisfatórias. A ferra-

menta de projeto que auxiliará a satisfazer essas exigências de

Projeto Detalhado é o modelo de simulação de manobra de navios...”

A mesma metodologia de segurança também é adotada pelo

Usace, que, aliás, dispõe de um simulador de manobras próprio,

para fins de otimizar custos e recursos federais empregados em

obras de dragagens.

Existem casos em que o estudo em simuladores e em modelos

reduzidos não é suficiente, e dúvidas com relação ao comporta-

mento do navio ficam pendentes. A solução só é conquistada com

a avaliação da manobrabilidade do navio real, em águas rasas,

fazendo-se testes-padrão de controlabilidade, como já feito no

Brasil, em conjunto com práticos, com o navio Login Tambaqui,

quando de sua entrada no estreito do Bacabal. As informações

sobre a resposta do navio deixaram de ser suposições para ser

dados concretos, que, no caso, demonstraram que o navio estava

apto a manobrar em condições-limite inferiores às prescritas nas

normas técnicas.

Page 68: Rumos Práticos - Seminário

68

As normas técnicas de projeto de canais de acesso são conserva-

tivas e limitadas com relação à definição de manobrabilidade do

navio. Por exemplo, um navio que tenha boa manobrabilidade em

águas profundas pode apresentar índices ruins em águas rasas, e

vice-versa. De modo geral, as normas são estabelecidas visando ao

projeto das obras, ou seja, fixar as dimensões (profundidades,

larguras, áreas etc.) em função do navio-tipo, e não o contrário.

Assim sendo, as normas devem ser devidamente adaptadas às

situações de canais existentes.

A controlabilidade do navio é muito dependente do fator humano,

e a chave do sucesso da entrada e saída de um navio em um dado

porto é função da habilidade dos operadores, no caso, o prático e

o comandante do navio, como citado pelo Dr. Brard, na clássica

publicação Princípios de arquitetura naval. Como comparação,

um prático pode garantir condições ótimas de controle em um

canal de acesso, assim como um bom piloto de Fórmula 1

pode obter do carro muito mais resultado do que o planejado

por engenheiros.

Page 69: Rumos Práticos - Seminário

Engenheiro mecânico graduado em automação e sistemas pela Escola Politécnica da USP (1998), onde cumpriu doutorado (2002), pós-doutorado (2003) e livre-docência (2010).

Professor-associado do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da USP e coordenador do Tanque de Provas Numérico.

Membro do Comitê de Manobras do 270 ITTC (2012-2014).

Eduardo Tannuri

Introdução

O projeto de vias de acesso e áreas de manobras de navios baseia-

se em normas e recomendações que definem suas dimensões e

configuração geométrica básica. Dentre elas destacam-se as reco-

mendações da Permanent International Association of Navigation

Congresses (Pianc) − Approach Channels, A Guide for Design), a

ROM 3.1-99 (Proyecto de la Configuracion Maritima de los Puertos,

Canales de Acceso y Areas de Flotacion), do US Army Corps of

Engineers (Usace) e a norma brasileira ABNT-NBR 13246

(Planejamento portuário − Aspectos náuticos).

A enorme variabilidade das condições de cada porto, entretanto,

demandam muitas vezes estudos mais aprofundados e adaptados,

devendo-se para tanto utilizar ferramentas de análise e dimensio-

namento mais complexas. Esses estudos podem apontar a neces-

sidade de adicionar margem de segurança ao recomendado pela

norma ou a possibilidade de reduzir as margens recomendadas,

dependendo do caso.

A norma brasileira ABNT-NBR 13246 explicita em seu item 2.5 que

“podem ser adotados critérios mais restritos de dimensionamento,

desde que justificados pelo projetista” ou, em seu item 2.4, que “O

dimensionamento geométrico feito com base nos critérios mínimos

recomendados nesta Norma deve ser verificado para as condições

de uso requeridas na instalação”.

Nesse contexto, os simuladores de manobra são as ferramentas

mais adequadas para esse estudo das condições locais do porto,

pois permitem sua representação visual, a aplicação de complexos

modelos matemáticos para os fenômenos físicos e a inclusão do

elemento humano no controle da manobra. A Figura 1 apresenta o

simulador marítimo hidroviário desenvolvido pelo Tanque de Provas

Numérico (TPN-USP). Descrição completa dos modelos matemáti-

cos e componentes de um simulador de manobras pode ser encon-

trada em Tannuri (2013).

A simulação como ferramenta para o desenvolvimento de terminais e vias de acesso

69

Page 70: Rumos Práticos - Seminário

Assim, a Figura 2 ilustra a forma de trabalho para a correta

definição de terminais e vias de acesso portuários. Os simuladores

de manobra, em conjunto com a experiência prévia de práticos, são

usados em dois momentos do projeto. Inicialmente, devem ser

realizados estudos preliminares que definirão os parâmetros de

entrada para a aplicação das normas e recomendações, tais como

movimento em ondas e grau de manobrabilidade dos navios-tipo.

Em seguida à aplicação das normas, define-se a configuração do

terminal ou via de acesso, que compreende a profundidade e parâ-

metros geométricos, como largura, raios de concordância, distân-

cias de segurança e comprimentos. Utiliza-se, então, novamente o

simulador de manobras para uma validação do arranjo proposto,

em que é possível ao prático identificar riscos à segurança da

navegação em função das particularidades das condições ambien-

tais e operacionais do local. Com isso pode-se realizar um refina-

mento do projeto.

Tipos do simulador de manobras

Para a execução dos estudos mencionados, dispõe-se de dois tipos

de simuladores de manobras. Os simuladores fast-time são contro-

lados pelo computador, através de algoritmos de posicionamento

automático semelhantes aos usados em pilotos automáticos ou

sistemas de posicionamento dinâmico (DP). Com esses simula-

dores, as manobras são realizadas em tempo acelerado, pois não

há elemento humano no comando. Uma manobra de uma hora é

realizada em menos de um segundo, dependendo da capacidade de

processamento do computador utilizado. Com simuladores fast-

time podem ser realizados estudos prévios das condições ambien-

tais críticas (as que exigem maior capacidade dos rebocadores),

bem como uma pré-análise de viabilidade e segurança. Esses

simuladores não exigem sistema de visualização realista e

requerem recursos computacionais mais modestos. Os modelos

matemáticos, entretanto, devem ser tão validados e abrangentes

como os usados nas simulações real-time.

As simulações real-time são executadas na escala de tempo real,

e um prático ou comandante executa efetivamente a manobra. Um

sistema de visualização tridimensional e realista é necessário para

que o ambiente portuário seja representado de forma adequada,

provendo a resposta visual necessária para o comando da mano-

bra. Instrumentos, cartas náuticas e radares devem estar dis-

poníveis também. Em função da realização em tempo real, só é

possível ser feito um número reduzido de manobras, limitado aos

FIGURA 1 − SIMULADOR MARíTIMO HIDROVIÁRIO DO TANQUE DE PROVAS NUMÉRICO (TPN-USP)

70

FIGURA 2 − ETAPAS PARA A DEFINIçÃO DO ARRANJO PORTUÁRIO E VIAS DE ACESSO

Page 71: Rumos Práticos - Seminário

1 “A limited number of simulations using a less-than-perfect simulator, a few select (design) ship types, a few select environmental conditions over extreme ranges charac-teristic of the local area, and a few pilots with representative local expertise and shiphandling proficiency are sufficient to obtain a useful appraisal of waterway design.”

casos críticos definidos na fase de simulações em fast-time. Como

o elemento humano está presente nesse estudo, questões como

tempo de reação são incluídas nos resultados.

A Figura 3 ilustra manobra realizada em fast-time e em real-time.

Logicamente, no caso do controle por computador, as trajetórias

são em geral mais próximas da ideal, dado que o tempo de

resposta aos desvios é menor.

Aplicações do simulador de manobras

Os simuladores de manobras são utilizados para a previsão da

segurança da navegação em áreas abrigadas (portos e canais) e

para o treinamento. O foco principal deste artigo é relativo à pri-

meira dessas aplicações. O parágrafo a seguir, retirado de Webster

(1992), resume os conceitos que serão aprofundados.

“Um número limitado de simulações utilizando um simulador não

perfeito, alguns navios-tipo, condições ambientais extremas carac-

terísticas do local, e alguns práticos com perícia e proficiência em

manobras no local são suficientes para se obter uma útil avaliação

do projeto portuário.”1

Alguns pontos devem ser ressaltados dessa afirmação e ilustram

de maneira concisa as vantagens e a forma adequada para o uso

dos simuladores. Os simuladores nunca são perfeitos, pois os

modelos matemáticos são simplificações da realidade. Logo,

devem ser usados sempre em conjunto com a experiência de práti-

cos e operadores com conhecimento e experiência das condições

locais. Como mencionado, a utilização de normas e recomendações

também deve acompanhar os estudos portuários.

Profundidade

A definição da profundidade recomendada de um porto ou do

calado máximo dos navios é exemplo da aplicação da metodologia

proposta na Figura 2. O aprofundamento de um canal não reflete

diretamente o aumento do calado permitido para navegação. Deve-

se realizar estudo com auxílio de ferramentas numéricas e simula-

dores, uma vez que se altera a manobrabilidade do navio com esse

novo calado, bem como os outros fenômenos físicos que definem o

calado máximo, tais como o squatting (afundamento do navio

durante a navegação), movimento em ondas e correnteza no canal.

A Figura 4 apresenta a metodologia aplicada ao presente caso, de

estudo de profundidade mínima ou calado máximo. Inicialmente,

procede-se estudo hidrodinâmico do campo de ondas na locação,

complementado por medidas de campo e de preferência que envol-

vam longo tempo de amostragem (representatividade de aproxima-

damente dez anos). Em seguida, para os navios-tipo calculam-se os

movimentos máximos da quilha quando sob ação dessas ondas,

utilizando-se programas de comportamento em ondas que podem

ser considerados simuladores do tipo fast-time, pois não necessi-

tam do elemento humano no controle. Estima-se também o afunda-

mento do navio em avanço (squatting), aplicando-se formulações

matemáticas previamente validadas. A norma NBR-13246 é então

aplicada, prevendo-se as margens de segurança necessárias em

função do tipo de solo e assoreamento.

Ao final, é necessária a realização de simulação do porto na nova

configuração, dado que o navio com maior calado possuirá diferen-

tes características de manobrabilidade.

FIGURA 3 − SIMULAçÃO DE MANOBRA: (ESQ.) EM FAST-TIME (DIR.) EM rEAL-TIME

FIGURA 4 − METODOLOGIA DE PROJETO ADEQUADA PARA ESTUDO DE DRAGAGEM/CALADO

71

Page 72: Rumos Práticos - Seminário

Geometria do arranjo portuário e canais de acesso

O simulador permite a execução de diversas manobras em

condições extremas, com diversos navios-tipo e em condições de

avaria e/ou falhas de comando. Com isso, obtém-se a envoltória da

trajetória do navio em condições ambientais e operacionais que na

realidade acontecem poucas vezes durante o ano e é possível

dimensionamento mais adequado de canais, bacias de evolução e

áreas de escape.

As normas e recomendações definem algumas propriedades geo-

métricas básicas da área navegável, tais como largura de canais,

diâmetro das bacias de evolução e raios de concordância entre

canais de acesso. Alguns parâmetros, entretanto, não são discuti-

dos e devem ser estudados por meio de simulação. Um exemplo é

apresentado na Figura 5, referente ao canal de acesso ao Porto do

Suape (PE). Embora a largura e profundidade do canal tenham sido

devidamente projetadas por normas e recomendações, a pratica-

gem alertou para o problema da geometria ao final do canal. Em

função de condições ambientais, muitas vezes é necessária

navegação com velocidade de cinco a sete nós para garantir a

manobrabilidade e o rumo do navio dentro do canal. Assim, ao se

aproximar da área abrigada, é necessário dar máquina a ré com

meia força ou toda força, e o navio, por efeito pá, muitas vezes

guina fortemente para boreste. Há portanto o risco de encalhe no

limite norte do canal. Através de exaustivo estudo por simulações

fast-time e real-time da manobra desde o canal até a região

abrigada, foi possível definir uma expansão da área dragada (com-

primento e largura adicional) no trecho final do canal, de forma a

acomodar as trajetórias do navio quando em redução de velocidade.

Obras civis

O simulador deve também ser usado para a verificação do impacto

de obras civis, tais como a construção de novos berços e quebra-

mares. Muitas vezes, a simulação de manobras deve ser associada

a um estudo hidráulico para prever a alteração do campo de ondas

e correnteza devido a essas obras. A Figura 6 apresenta estudo de

caso correlacionado a esse tópico, no Porto de Salvador (BA).

Com a futura construção de um novo terminal de contêineres,

realizou-se o projeto da expansão norte do quebra-mar, para abri-

gar os navios atracados nesse terminal. A proposta original de

expansão (esquerda) foi estudada em termos de difração de ondas

e verificou-se ser adequada por garantir operacionalidade integral

aos navios ali atracados. O estudo mostrou-se incompleto,

entretanto, pois não avaliou o impacto dessa expansão na manobra

dos navios. Com a expansão, os navios de maior porte devem

72

FIGURA 5 − SIMULAçÃO DE MANOBRA PARA DEFINIR LARGURA ADEQUADA DE CANAL E ÁREA DE ESCAPE

Page 73: Rumos Práticos - Seminário

73

realizar o giro na região desabrigada, onde ocorre, durante o

inverno, a incidência de ondas que impedem a ação adequada dos

rebocadores. O simulador de manobras mostrou que apenas com

meios próprios não é possível realizar o giro do navio para atraca-

ção de boreste. Propôs-se então alteração da expansão do quebra-

mar, tal como mostrado na figura à direita. Essa alteração foi veri-

ficada por meio de estudo de abrigo e difração de ondas, e também

garantia a atenuação necessária para a região do novo terminal.

Além disso, com a nova expansão, é possível abrigar também a

bacia de evolução, e o giro do navio passa a ser executado com

auxílio de rebocadores. Essa solução permitirá a entrada de navios

conteineiros de porte de até 400m no Porto de Salvador (BA).

Operações especiais

Operações não convencionais, tais como atracação a contrabordo

e manobras de cascos de futuras plataformas FPSO, também

devem ser analisadas previamente por simulação. A Figura 7 apre-

senta dois estudos por simulação de operações especiais desses

tipos. Os estudos permitem definir os riscos associados a tais

operações, definição das janelas ambientais mais adequadas e

testes da sinalização náutica necessária.

FIGURA 6 − PORTO DE SALVADOR: (ESQ.) PROPOSTA ORIGINAL DE EXPANSÃO DO QUEBRA-MAR (DIR.) REVISÃO DA EXPANSÃO EM FUNçÃO DO ESTUDO DE MANOBRABILIDADE

FIGURA 7 − OPERAçõES ESPECIAIS: (ESQ.) ENTRADA DE VLCC (CASCO NU) EM ESTALEIRO NA BAíA DE GUANABARA (RJ) (DIR.) IMPACTO DE NAVIOS A CONTRABORDO NO PORTO DE ITAQUI (MA)

Page 74: Rumos Práticos - Seminário

74

Outras aplicações

Além disso, quando canais e curvas de acesso estiverem com

dimensões muito próximas ou inferiores às recomendadas pelas

normas, é fundamental a execução de simulações que verifiquem

os riscos associados às condições operacionais extremas e, pos-

sivelmente, a definição de janelas ambientais para a operação.

A análise dos resultados das simulações pode também ser usada

para a definição do projeto de sinalização (localização e tipo de

boias) e planos de contingência. Número, disposição e bollard-pull

de rebocadores para garantir o posicionamento seguro dos navios

podem também ser avaliados com o uso dos simuladores.

Conclusões e considerações finais

Este artigo descreveu as diversas aplicações de um simulador de

manobra como ferramenta para projeto portuário em conjunto com

as normas e recomendações. O simulador de manobras é ferra-

menta disponível para a avaliação da segurança da navegação, que

não prescinde da opinião de práticos e comandantes quando à

avaliação de riscos e condições inseguras. O simulador pode e

deve ser usado para a quantificação desses riscos e/ou definição

de condições operacionais-limite, sempre em conjunto com o

julgamento humano.

Considera-se, portanto, que o projeto portuário adequado é aquele

feito contemplando as normas e recomendações, embasado por

estudos técnicos e por simulações, e com o apoio e participação de

práticos experientes e conhecedores das condições locais e dos

riscos inerentes ao local.

Referências

WEBSTER, W.C., 1992. Shiphandling Simulation: Application to

Waterway Design. Washington DC: National Academies Press.

TANNURI, E.A., 2013. “Uso de simuladores para avaliação de

manobras”, rumos Práticos, ano XIV, n. 38.

Page 75: Rumos Práticos - Seminário

Capitão de longo curso.Prático do Rio St. Lawrence desde 1996, importante liderança na Corporação de Práticos de St. Lawrence,

de que foi presidente (2004-2007).Presidente da Associação Canadense de Práticos – CMPA desde 2009.

Vice-presidente da Associação Internacional de Práticos – IMPA desde 2008.Na Organização Marítima Internacional – IMO concentra-se em tecnologia e desenvolvimento de e-navigation.

Simon Pelletier

Obrigado, senhor presidente.

Estou muito contente por estar mais uma vez com meus amigos e

colegas do CONAPRA, e por ter a oportunidade de compartilhar

algumas ideias sobre praticagem e tecnologia com um grupo tão

ilustre, representando quase todos os setores da comunidade de

transporte marítimo no Brasil e em toda a América Latina.

Parabéns ao CONAPRA por convocar esta conferência sobre prati-

cagem e envolver tantas partes interessadas do setor. A pratica-

gem é da maior importância para a segurança, mas, em última

análise, a segurança é responsabilidade compartilhada e só pode

ser alcançada com todas as partes interessadas do setor de

navegação – e com os práticos – trabalhando juntos. Estou certo

de que este encontro só vai aprofundar as linhas de comunicação

e o senso de fraternidade necessário para que todos nós possamos

manter o transporte marítimo seguro.

Pediram-me que falasse em termos gerais sobre tecnologia e o futuro

da praticagem. Trata-se de tópico fascinante e muito importante.

Durante os últimos anos, passei muito tempo, tanto no Canadá

como internacionalmente, discutindo esse assunto. Ele está na

base de quase todas as análises de práticas de navegação atual-

mente em curso, sejam dirigidas pela Guarda Costeira Canadense,

pela Organização Marítima Internacional (IMO), pela Associação

Internacional de Autoridades de Faróis ou diversos órgãos e

agências governamentais de todo o mundo.

Como presidente da Associação Canadense de Práticos Marítimos

e também vice-presidente da Associação Internacional de Práticos

Marítimos, responsável por garantir a plena participação da

associação nas deliberações da IMO sobre a e-navigation, tive

muitas oportunidades de discutir tecnologia no contexto da

navegação e da praticagem. Fico feliz de compartilhar com vocês,

hoje, algumas de minhas ideias sobre o tema.

É evidente que a tecnologia desempenha papel central em nossa

vida. Ela permeia praticamente tudo que fazemos. A velocidade

com que os avanços tecnológicos surgem nunca foi tão grande.

E, muito provavelmente, essa aceleração na inovação tecnológica

vai continuar.

Usamos a tecnologia para ‘ampliar nossas habilidades’. Usamos a

tecnologia para facilitar e aumentar a produção, para nos comuni-

car com mais facilidade, para viajar mais depressa ou transportar

mais mercadorias por distâncias maiores, com mais segurança

e eficiência.

Mas, como acabo de dizer, usamos a tecnologia ‘para ampliar nos-

sas habilidades’, e não para as substituir. A meu ver, isso significa

que o elemento humano – as pessoas – continua a ser o compo-

nente mais importante de qualquer sistema tecnológico.

Começo, portanto, respondendo primeiro à grande pergunta: serão

os práticos substituídos pela tecnologia?

Numa palavra, não.

Se quiserem uma resposta mais longa, vou citar um homem muito

sábio, o juiz Yves Bernier, que escreveu um relatório para o governo

do Canadá há 45 anos. Esse relatório continua a ser a base do

A evolução tecnológica da navegação marítima: e-navigation e VTMIS.

O prático será substituído pela tecnologia?

75

Page 76: Rumos Práticos - Seminário

sistema canadense de praticagem até hoje. Ele disse: “Práticos

com mais conhecimento do que eles têm hoje serão necessários

para manobrar com agilidade navios maiores e mais rápidos, pois

todos os instrumentos e auxílios à navegação serão tão eficientes

quanto aqueles que os utilizarem.”

Considero essas palavras tão verdadeiras hoje quanto o eram

na época.

A tecnologia sempre teve papel importante na navegação segura

do tráfego marítimo. Hoje, esse papel é mais sofisticado e mais

importante do que nunca.

A tecnologia de navegação – cartas eletrônicas, portable pilot

units (PPUs), radares, sistemas de gerenciamento de tráfego

de embarcações, boias meteorológicas avançadas –, porém,

só pode desempenhar seu papel adequadamente quando usada

para complementar, validar e incrementar a expertise e o

julgamento de práticos devidamente qualificados na condução

de embarcações.

Nada pode substituir as habilidades, o conhecimento local espe-

cializado e o julgamento dos práticos para garantir a passagem

segura de embarcações em águas difíceis e condições desafiadoras.

Por causa disso, os práticos sempre apoiaram o desenvolvimento

e a inclusão de novas tecnologias de navegação que possam

promover trânsitos seguros e eficientes.

Os práticos acolhem toda inovação tecnológica prática e útil

disponível. É por esse motivo que estamos ativamente engajados

na implantação da e-navigation, particularmente em nível

internacional, através da IMO.

A e-navigation tornou-se uma espécie de fenômeno mundial. Tem

significado bastante preciso e não devemos perder essa definição

de vista.

Deixem-me lembrá-los do que se trata: coleta, integração, inter-

câmbio, apresentação e análise de informações marítimas, a bordo

e em terra, por meios eletrônicos, tudo devidamente harmonizado.

O que a IMO está fazendo, o que na verdade está sendo feito em

muitas jurisdições do mundo, é desenvolver e implantar estraté-

gias que vão estabelecer sistemas eletrônicos de navegação,

abrangentes e totalmente integrados, baseados na mais recente

tecnologia disponível e flexíveis o bastante para mudar quando

necessário.

A iniciativa internacional da e-navigation está indo bem. A IMO

desenvolveu e aprovou estratégia e plano de implantação que

devem ser adotados no próximo ano.

Os principais componentes da estratégia são:

1. determinação das necessidades do usuário – para entender

melhor as demandas dos usuários baseados em terra e a bordo;

2. análise da arquitetura do sistema existente – para avaliar o

escopo das tecnologias atualmente disponíveis;

3. análise de lacunas entre as tecnologias existentes e as

necessárias – para identificar que adições devem ser feitas para

atender às demandas dos usuários; e, finalmente,

4. análise de custos e riscos – para avaliar melhor o impacto e o

benefício das mudanças propostas.

A IMO é composta de 169 estados-membros, 61 organizações

intergovernamentais e 80 organizações não governamentais inter-

nacionais, todas com interesses, pontos de vista e prioridades

diferentes. Por causa disso, a IMO é norteada pelo consenso e

assegura que haja tempo e espaço para considerar todas as

opiniões e levar em conta todos os interesses. Isso significa forte

ênfase na consulta e na discussão, o que ajuda a explicar o

processo que vou descrever agora.

Três subcomitês da IMO formaram grupos de trabalho relacionados

76

Page 77: Rumos Práticos - Seminário

ao desenvolvimento dos quatro componentes estratégicos que

acabei de mencionar. Esses subcomitês são os seguintes:

• Segurança da Navegação (NAV);

• Radiocomunicações e Busca e Salvamento (Comsar);

• Normas de Treinamento e Serviço de Quarto (STW).

Para coordenar o trabalho desses três subcomitês, foi criado outro

coletivo, conhecido como Grupo de Correspondência, coordenado

pela Noruega.

O Grupo de Correspondência – do qual a IMPA é membro – está

atualmente examinando o trabalho efetuado pelos subcomitês e

realizando outras análises para fornecer atualização consolidada

sobre os avanços, com recomendações para decisões finais.

Supondo-se que tudo corra bem, o Comitê de Segurança Marítima

(MSC) da IMO vai aprovar o Plano de Implantação de Estratégias

em 2014.

Práticos marítimos de todo o mundo continuam a apoiar firme-

mente a e-navigation e a desempenhar papel construtivo no

desenvolvimento de estratégias de implantação.

Por exemplo, no Canadá, a Guarda Costeira Canadense promoveu

uma mesa-redonda nacional para oferecer aconselhamento sobre

sua implantação. Os participantes incluem quase todas as partes

interessadas, entre as quais a Associação Canadense de Práticos

Marítimos.

O processo está dando certo. Nos últimos dois anos foi desen-

volvida uma visão canadense da e-navigation, bem como objetivos

e princípios para sua implantação. As partes interessadas traba-

lharam juntas a fim de definir as necessidades dos usuários e um

conceito de operações. O próximo passo é determinar como dados

e serviços devem ser fornecidos aos marítimos. Em seguida, o

processo de implantação.

Ao fazer isso, a meta dos práticos canadenses se equipara

àquela articulada na declaração da posição formal da IMPA sobre

e-navigation, que contém três princípios básicos:

1. Predominância do elemento humano

A e-navigation deve refletir o fato de que os marinheiros são o fator

mais crítico na navegação segura. Isso quer dizer que o especia-

lista no passadiço deve estar no centro das tomadas de decisão.

2. Atendimento às necessidades da equipe do passadiço e

do prático

A e-navigation deve – em primeiro lugar e acima de tudo – ter

como prioridade responder às necessidades da equipe do

passadiço e do prático, e facilitar as tarefas que eles executam.

3. Olhar pela vigia continua a ser essencial

A e-navigation deve reconhecer o valor das informações obtidas

por outros meios. Para garantir uma navegação segura, os

dados da e-navigation devem ser complementados e validados

por todos os outros métodos tradicionais disponíveis para

os práticos.

Nas zonas de praticagem compulsória, a presença no passadiço de

práticos habilitados e livres para exercer seu juízo profissional

de especialistas continua a ser a maior garantia de navegação

segura e a melhor proteção possível para o meio ambiente e o

interesse público.

Com a e-navigation, a ideia não é descartar nossa abordagem

de navegação segura, mas aprimorá-la. O objetivo certamente

não é ter embarcações navegando os sete mares ‘berço a berço’

com base apenas em equipamentos eletrônicos. Ao contrário, é

77

Page 78: Rumos Práticos - Seminário

aperfeiçoar a navegação por meio de um melhor uso das

ferramentas eletrônicas.

A iniciativa da e-navigation é, sem dúvida, a melhor alternativa. É

o assunto no qual todo o mundo marítimo está focado. Mas não

é a única questão de tecnologia que merece nossa atenção.

Vale a pena dedicar um momento para pensar sobre alguns desses

outros avanços tecnológicos e no que eles significam para a praticagem.

Em geral, a tecnologia de navegação aper-

feiçoada deve reduzir a necessidade de

sistemas de tráfego de embarcações basea-

dos em terra. Estamos vendo isso no Canadá.

O comissário da Guarda Costeira Canadense

anunciou recentemente uma consolidação dos

centros de Serviço de Tráfego e Comunicações

Marítimos (MCTS) e Serviço de Tráfego de

Embarcações (VTS).

Isso vai resultar na eliminação de quase

metade desses centros em todo o Canadá.

Serão reduzidos de 22 para 12, sem nenhum

impacto sobre a prestação dos serviços ou sobre a segurança.

Essa redução no Canadá contrasta com sugestões que ouvimos em

outros lugares que tornariam o gerenciamento do tráfego de

embarcações mais dependente desses centros. Fato é que as

melhorias na tecnologia de navegação, como, por exemplo, os

PPUs, podem fortalecer a capacidade a bordo de garantir a

passagem segura de navios e diminuir a dependência de instala-

ções baseadas em terra.

Outro exemplo de tecnologia usada para fins relacionados

à praticagem é o papel dos simuladores como ferramenta

de treinamento, como estipulado na Resolução A.960 da IMO,

que trata do treinamento, da certificação e dos procedimentos

operacionais para práticos marítimos. Como a maioria de

vocês sabe, essas simulações de navegação geradas por

computador, mas altamente realistas, são de enorme valor no

treinamento necessário na qualificação dos indivíduos para

a obtenção das habilitações de prático. Também são inesti-

máveis para o treinamento avançado em novas tecnologias

e procedimentos de práticos habilitados.

Muitos grupos de práticos de todo o mundo agora possuem e

operam centros de simulação. Esse é o caso no Canadá, mas

também tenho conhecimento de grupos de práticos nos Estados

Unidos, na Alemanha e na França, entre outros.

O fato de os práticos estarem na vanguarda da tecnologia de

simulação é um ótimo exemplo de como seu conhecimento

de especialistas das águas locais tem papel significativo na

obtenção do máximo valor de um avanço

tecnológico, no melhor interesse tanto do

público quanto do setor.

Acredito que, até agora, só tocamos a super-

fície do que essa tecnologia representa para

a nossa profissão e acho que os práticos do

mundo inteiro precisam explorar mais como

podem extrair um valor ainda maior dessa

tecnologia não só em termos de treinamento,

mas também para facilitar o desenvolvi-

mento da infraestrutura marítima futura.

Minhas ideias finais sobre a praticagem e o futuro da tecnologia de

navegação são sobre processo. Vocês me ouviram discutir o papel

que os práticos estão desempenhando na IMO e no Canadá com

relação às iniciativas de e-navigation.

Em todos esses casos, os práticos não são observadores passivos

de novos desenvolvimentos e novas tecnologias. Estamos envolvi-

dos ativamente na definição do papel que essas tecnologias terão

na navegação marítima e assegurando que nossa profissão seja

proficiente no uso das novas tecnologias, com todo o seu potencial.

Portanto, minhas últimas palavras a vocês são de incentivo.

Envolvam-se nessas iniciativas; assegurem-se de que seu grupo de

práticos esteja atualizado quanto às novas tecnologias e de que

sua voz seja ouvida onde são tomadas as decisões sobre como

a tecnologia será usada. Se fizerem isso, será bom para os

práticos, mas, sobretudo, teremos a garantia de um transporte

marítimo seguro.

Obrigado!

78

Page 79: Rumos Práticos - Seminário

Capitão de longo curso, atua desde 2002 na Praticagem de Marselha, França.Responsável desde 2006 pela Gestão da Qualidade na Federação Francesa de Práticos,

da qual é secretário-geral desde 2012.Vice-presidente tesoureiro da Associação Europeia de Práticos.

Jean-Philippe Casanova

79

Obrigado pelas palavras gentis. Obrigado, Simon, por me conceder

mais tempo. Como minha apresentação será longa e muito chata,

terei 15 minutos a mais. Muito obrigado por tudo. Bem, senhoras e

senhores, é uma grande honra e um grande prazer dirigir-me a

vocês com esta apresentação, em nome da Associação Francesa

de Práticos.

Antes de tudo, quero fazer um agradecimento muito sincero ao

CONAPRA pelo convite e pela perfeita organização deste evento, e

também a Otavio, Marcelo, Ricardo, e a Flávia, por toda a paciência

que ela teve comigo.

Peço que aceitem minhas desculpas pelo meu considerável

sotaque franco-corso. Nasci na Córsega, onde infelizmente o

idioma de Shakespeare não é o primeiro dialeto; lamento.

Agora tenho que apertar o botão… É claro que, neste distinto lado

da família, todos sabem o que é um prático marítimo. Por via das

dúvidas, entretanto, apenas um slide para mostrar sobre quem

vou falar.

O prático é um marítimo altamente qualificado, que embarca nos

navios por uma escada de prático ou talvez por um helicóptero. Ele

toma a frente da equipe do passadiço e garante a segurança da

manobra. Para quê? Para a proteção ambiental, para a segurança

marítima e para a fluidez do tráfego econômico do porto. Ele é o

sujeito que vocês veem no meio do passadiço, indicado pela seta

vermelha. Apenas algumas palavras sobre os práticos marítimos

na França. No momento, somos 338 práticos autônomos, em 31

distritos independentes, na França e territórios ultramarinos.

Temos também 400 empregados e mais ou menos 100 lanchas de

prático e três helicópteros. Nossa autoridade de praticagem

competente é o Ministério dos Transportes. Existem normas rígidas

nos níveis nacional e regionais para a organização como um todo,

mas vamos mostrar isso mais tarde. Há um controle estrito da APC

todos os anos – APC é a Autoridade de Praticagem Competente.

E, além disso, desenvolvemos um SGQ, um Sistema de Gestão

da Qualidade.

Como o organizador me pediu que falasse sobre a qualidade na

praticagem, essa será a primeira parte de minha apresentação.

Esse assunto é considerado um bom sonífero, então vou fazer

o possível para torná-lo mais aceitável para todos. Vou fazer o

possível, mas não sei se terei sucesso. Durante a palestra, vou

tentar resumir nosso SGQ. Foi o único sistema que a Associação

Francesa de Práticos considerou satisfazer os requisitos do STCW

95. Quero afirmar que não tenho nada para vender esta tarde. Na

verdade, minha apresentação hoje pretende mostrar a nossa

experiência, e não convencê-los a endossar um ou outro sistema.

Na segunda parte vamos examinar rapidamente a organização e

regulação dos práticos franceses.

Por que os práticos franceses escolheram implementar um SGQ,

embora a praticagem continue obrigatória, sem concorrência

e com regulação muito forte? Essa é a pergunta a que vou

tentar responder.

Desde 1995, a Federação francesa buscava uma ferramenta que

atualizasse regularmente o conhecimento dos práticos; o sistema

precisava ser aceito pelas administrações de praticagem e ser

robusto o suficiente para garantir que os práticos encontrassem

uma ferramenta nova e confiável para melhorar continuamente sua

proficiência. Nesse sentido, deveria estar de acordo com a IMO

A.485, antes da chegada, mais tarde, da A.960.

Qualidade e eficiência no serviço de praticagem

Page 80: Rumos Práticos - Seminário

80

No início, a opção de iniciar essa jornada no SGQ deveu-se

à demanda de nossas autoridades no sentido de estar em

conformidade com o STCW 95, porque elas não queriam acres-

centar uma nova norma na legislação francesa para a praticagem

marítima. Nessa época dos anos 1990, era também uma forma

de comunicar a total confiabilidade da praticagem francesa e de

convencer a administração disso, num clima hostil devido a

acidentes recentes, que mencionamos ontem.

Vamos começar com a escolha das normas do SGQ. Para atender

a nossos requisitos, a primeira opção era um sistema produzido

internamente, projetado por práticos, para práticos. Não tinha

reconhecimento internacional algum e, ainda hoje, não tem

credibilidade.

A segunda opção era implementar o código ISM, o que poderia ter

atendido aos requisitos da Federação francesa. Era, entretanto, um

código focado unicamente em metas de segurança que os práticos

franceses consideraram muito limitadas. A escolha dessa solução

teria definido a posição da praticagem como um serviço do Estado,

longe da vontade dos clientes e longe das necessidades do mercado.

A terceira era a implementação de uma norma de SGQ externa.

Esse sistema atende a todos os requisitos, cobre o campo da rela-

ção cliente/prestador de serviços e permite a atualização dos

conhecimentos do prático e a proficiência contínua.

De fato, na França, o contrato de praticagem é chamado de sui

generis, pois é muito específico e estabelece obrigações para

ambas as partes. Trata-se, portanto, de um contrato comercial,

mesmo que os práticos não sejam vendedores; esse aspecto

comercial, contudo, é componente de uma abordagem adequada

do processo de qualidade que leva à satisfação do cliente.

A solução eleita pelos franceses foi a norma de certificação ISO.

Como diversos fornecedores estavam aptos a oferecer várias

vantagens em diversas empresas, a Federação francesa comparou

esses fornecedores e selecionou a ISO 9002, por ser mundialmente

conhecida e utilizada por indústrias e órgãos de navegação. Além

disso, a abordagem do sistema ISO era uma oportunidade para a

praticagem aperfeiçoar aspectos comerciais ao lado da melhoria

da prestação de um serviço seguro.

Apenas um slide sobre o histórico do processo. Esse é o calendário

da entrada em vigor do SGQ francês na organização de práticos.

Começamos essa jornada em 1995. Vemos que a primeira

certificação foi em 1997. Na época, acho que fomos os primeiros

no mundo a obter essa certificação. Não é como no esporte, não é

como no futebol.

O que é um SGQ aplicado à organização de práticos? O sistema de

gestão da qualidade é relevante para o que está no slide: geren-

ciamento das ordens dos agentes marítimos e organização e

prestação de serviços de praticagem, incluindo o monitoramento

da aproximação dos navios do local de embarque do prático e as

operações de transbordo do prático (embarque e desembarque).

Como fizemos? Devido ao fato de a organização nacional de

praticagem não ser uma empresa, o esquema de certificação foi

baseado em duas entidades: a Federação francesa, como a parte

central do órgão, e ao lado as estações de práticos aplicando

a norma.

A implantação do processo levou dois anos, devido a dificuldades

encontradas durante o estabelecimento da arquitetura, relativas

principalmente à percepção negativa do código ISM por parte dos

práticos que o haviam experimentado por si mesmos, e também

porque os práticos, como trabalhadores independentes, mostra-

vam-se às vezes relutantes em adotar um comportamento de

grupo, bem como em função de complicações burocráticas para a

redução dos documentos da qualidade.

Princípios e operação do SGQ

O eixo central do SGQ ISO nos ajuda a manter o foco na abordagem

de prestador de serviços ao cliente, preparando-nos para

desenvolver um esquema de monitoramento da satisfação do

Page 81: Rumos Práticos - Seminário

81

cliente. Não cabe aqui falarmos em detalhe da arquitetura. Vou

apenas esboçar o arranjo geral do design do sistema, a seguir.

A base da política geral de qualidade é a antecipação dos requisi-

tos de qualidade e a confiabilidade das ações de praticagem. O

manual de qualidade, organizado pela Associação Francesa de

Práticos, é comum a todas as estações de práticos, e cada grupo

de práticos adiciona ao primeiro seu próprio manual de qualidade,

no qual se encontram explicadas as particularidades da estação.

Evidentemente, o objetivo do sistema inclui um mínimo de seis

procedimentos obrigatórios e uma descrição exata do processo.

Existem seis processos, que vou mostrar em alguns slides. Como

funciona? É muito simples. O processo é naturalmente o centro

do sistema. Descreve como as entidades são reunidas no SGQ

e conduz as diferentes atividades envolvidas na organização

de praticagem.

Na condição inicial, temos os requisitos do cliente. A embarcação

se aproxima e, para atracar, precisa de um prático. Na condição

final, o navio está atracado, atracado pronto para se deslocar ou

está do lado de fora. Então, do que precisamos? Processo número

3, precisamos solicitar um prático. Processo número 2, precisamos

ir a bordo. Processo número 1, precisamos manobrar a embarca-

ção. Essas são as atividades centrais do nosso sistema. O SGQ

estabelece a diferença entre os processos de recursos (4) e os

processos que levam à satisfação do cliente (5).

A Federação não presta nenhum serviço de praticagem. Trata-se de

associação que protege os interesses globais da profissão; uma

associação responsável pelo SGQ encarregada do sistema global e

que tem delegados locais em cada grupo de práticos.

O esquema de gestão está centrado na revisão da gestão. É

organizado uma vez por ano em cada estrutura de praticagem

francesa, a Federação incluída, a fim de analisar resultados,

promover a melhoria dos resultados e programar o planejamento

de qualidade.

A política é decidida pelo Congresso de Práticos Franceses durante

o qual o presidente se compromete por atos escritos. O sistema de

qualidade garante que em todas as estruturas e em cada atividade

haverá metas de melhoria relativas a pessoas e recursos.

As ferramentas de avaliação, tais como não conformidades,

proporções, auditorias, pesquisas ou observações da empresa de

certificação, são altamente consideradas. A auditoria interna é

também ferramenta de educação usada pelos auditores, bem

como define a política uma vez por ano.

Objetivos e metas são definidos anualmente numa revisão da

gestão da qualidade; essa reunião é realizada em cada grupo e

durante o congresso anual da Federação. A revisão monitora a

melhoria necessária para atender à norma concebida pelo órgão

externo que está certificando o grupo.

Por exemplo, um de nossos objetivos é a implementação da

resolução A.960.

Além da arquitetura global do SGQ e da previsão de gestão anual,

a Federação e cada grupo se comprometem oficialmente numa

Carta da Qualidade, expressando vontades e objetivos locais. Ela

materializa a direção do comportamento desejado pelo grupo.

Trata-se de compromisso forte.

Quais são os pontos-chave dessa política de carta? Antes de tudo,

a observação e conformidade com os documentos da quali-

dade; a prestação segura de serviços e a troca de informações

entre comandante e prático; o envolvimento na regulação do

tráfego do porto de acordo com os requisitos de segurança e a

cortesia, é claro; um dos mais importantes, a independência dos

práticos; a informação aos agentes de navegação; a comunicação

de acidentes, incidentes ou deficiências; e por que fizemos o

sistema de gestão da qualidade, é claro, a atualização contínua

do conhecimento.

Vamos dar uma olhada nas ferramentas. Depois que o SGQ foi

escolhido, o design e a revisão da gestão foram feitos, e a Carta da

Qualidade foi publicada, o SGQ pode iniciar sua vida, e precisa

de ferramentas para vincular todas as entidades.

Essas ferramentas são os registros que alimentam o ciclo de

monitoramento, tais como não conformidades ou a comunicação

de deficiências, as quais foram informadas às autoridades.

Incluem também a pesquisa de satisfação do cliente, que pode

ser realizada para corrigir um ou outro ponto fraco no grupo;

auditorias internas ou externas, realizadas para avaliar o nível

Page 82: Rumos Práticos - Seminário

82

de competência; e, evidentemente, os objetivos que devem ser

indicados diariamente.

Essa é uma das ferramentas que acabei de mencionar. Vocês

podem ver nesse slide uma folha da pesquisa de satisfação

do cliente quanto à operação de praticagem em quatro anos

diferentes. A pesquisa é respondida pelo comandante durante sua

escala em nossos portos.

Isso indica a filosofia de realimentar o sistema com alguns

documentos de rastreamento que monitoram tendências sobre

objetivos como cortesia, segurança e confiabilidade dos serviços

de praticagem prestados aos clientes.

No âmbito da organização global, a fim de melhorar o serviço e o

sistema de relatórios, a Associação Francesa desenvolveu uma

ferramenta de relatórios chamada Risap. Trata-se de um banco de

dados que armazena todas as deficiências registradas em todo o

país. Todos os práticos podem acessar o banco de dados e adaptar

a prestação de serviços ao histórico de eventos do navio. Nesse

slide, vocês veem a versão desenvolvida para smartphones.

Em seguida, se você é um bom aluno, deve passar por testes. Os

testes do SGQ são as auditorias realizadas pela empresa de certi-

ficação do SGQ. Para nós, consistem na ISO através da LRQA e no

teste global, que é a renovação da pesquisa de certificado condu-

zida a cada três anos. Praticamente a cada seis meses o auditor vai

a três ou quatro distritos franceses a fim de conferir toda a

organização francesa durante o período de validade do certificado

(três anos). E uma observação num distrito tem de ser resolvida em

todos os distritos. Não se trata apenas de produzir toneladas

de papel nem de matar todo o tempo livre dos práticos.

Nesse slide falo também dos clientes, e vocês certamente ouviram

essa palavra muitas vezes desde o início de minha apresentação.

Estou sempre falando sobre clientes, clientes, clientes, e quando

falo a respeito de clientes, estou falando sobre os armadores,

embora não só eles − toda a comunidade portuária deve ser con-

siderada cliente, e assim podemos falar a cada cidadão na área.

Como o sistema é lucrativo para nós? É uma ferramenta de

comunicação muito interessante; permite melhores registros; é

demonstração universal de qualidade; processo de melhoria

contínua; certificação externa por um órgão independente; e

também é importante para o marketing.

Como conclusão sobre o SGQ, eu diria que, para nós, envolver a

associação no SGQ foi lucrativo para a Associação Francesa de

Práticos não só pela produção de papel, mas também na

abordagem proativa de clientes, como eu disse antes, para o

setor e para as comunidades portuárias, para a segurança da

navegação e para a proteção ambiental.

Agora, sem intervalos, enquanto esperamos um pouco o café,

vamos dar uma rápida olhada na Organização Francesa de Práticos.

A praticagem marítima é regida pelo artigo L5341-1 e seguintes do

Código de Transportes francês (Regulamento n0 2010-1307, de 28

de outubro de 2010) e pelo decreto de 19 de maio de 1969,

atualizado em 2009. O trabalho das estações de praticagem está

sob a supervisão do ministro dos Transportes. Anteriormente,

a regulação era baseada na lei de 28 de março de 1928. Com a

transposição para o código dos transportes não houve grandes

mudanças, apenas algumas atualizações.

Tenho orgulho de acreditar que os legisladores construíram um

bom sistema em 1928, pois ele passou por vários governos

diferentes sem grandes mudanças e ainda funciona bem. O que me

parece engraçado agora, com o projeto da EU de concorrência, é

que talvez estejamos reescrevendo a história, porque antes de

1928 havia concorrência na praticagem francesa.

A praticagem na França se baseia em três pilares. Primeiro, a esta-

ção de práticos. É o núcleo da organização dos serviços públicos de

praticagem. A estação de práticos cobre as atividades essenciais

da praticagem marítima na área pertinente. A coletividade dos

práticos é a verdadeira proprietária dos materiais necessários à

execução do serviço. Depois temos a Associação de Práticos. Na

verdade, a Associação é ferramenta jurídica criada para coordenar

e organizar os práticos e seus empregados na área pertinente. Por

que eles escolheram a Associação em vez de uma cooperativa ou

sociedade? Porque o importante é saber que a estação de práticos

não tem personalidade jurídica. E o prático na França é autônomo.

Atuando a bordo ele está fazendo seu trabalho em seu próprio

nome. E, como Paul Kirchner disse ontem sobre os americanos, eu

diria que os práticos franceses são cidadãos particulares, profis-

sionais com responsabilidades de serviço público.

Page 83: Rumos Práticos - Seminário

83

Como se tornar prático na França? No nível nacional, é preciso

estar em conformidade com algumas qualificações. Há certos

requisitos de idade, é preciso obter o certificado de comandante

pleno, e há também alguns requisitos de habilidades de navega-

ção. É preciso passar seis anos no mar. Depois disso, o recruta-

mento é feito em nível local. Há uma banca examinadora, presidida

por um oficial da Marinha, com a autoridade marítima represen-

tada por um inspetor; um capitão da Marinha mercante; dois

práticos da área. Em seguida, se o candidato for bem-sucedido

no exame, é comissionado pelo Ministério dos Transportes.

Uma vez comissionado, o prático deve ser instruído e treinado. O

treinamento inicial dura entre um e quatro meses na academia,

antes que possa embarcar sozinho num navio, em geral de pequeno

porte, evidentemente, e são necessários de cinco a dez anos para

ser plenamente habilitado.

No meu porto, primeiro trabalhamos em dupla durante quatro

meses, e depois podemos embarcar em navios pequenos num local

específico, no qual não há navios transportando cargas perigosas,

por exemplo. Depois, vai demorar cerca de dez anos até podermos

manobrar todos os tipos de embarcações em qualquer condição.

Além disso, o treinamento é especificado e conferido em nosso

SGQ. Todo ano, os práticos marítimos têm de realizar diferentes

tipos de treinamento para atualizar seu conhecimento. Estamos

utilizando simulador, manobras em modelos tripulados, gerencia-

mento de recursos do passadiço, e temos muitos briefings entre os

práticos dentro do distrito para analisar todos os incidentes e

atualizar os conhecimentos da área.

Bem, tendo então o prático treinado, vou falar sobre o funciona-

mento dos serviços de praticagem na França; sobre o serviço, os

equipamentos, os preços, a praticagem obrigatória e sobre o que

chamamos de PEC.

Por equipamentos quero dizer lanchas de prático, carro, helicóptero,

prédio. Os equipamentos são propriedade dos práticos. O compar-

tilhamento é uma prerrogativa, mas não é tão simples, porque os

práticos não podem vender sua participação, que por sua vez não

pode ser hipotecada. Essa propriedade dos equipamentos funciona

sob um controle muito rígido das autoridades de praticagem

competentes. Um exemplo desse controle rígido: para um novo

investimento e/ou substituição, os práticos devem pedir

autorização ao diretor de Assuntos Marítimos.

Page 84: Rumos Práticos - Seminário

84

Agora vamos falar sobre preços. No nível nacional, os preços

tomam por base o volume da embarcação. Comprimento total,

largura máxima e calado máximo de verão. Depois, as taxas de

praticagem são decididas anualmente em nível local pelo préfet

de région, que é um representante do governo francês, e são

publicadas num regulamento. Esse regulamento é emitido depois

de consulta aos grupos interessados no que chamamos de

Assemblée Commerciale.

O objetivo desse comitê de usuários é opinar sobre a organização

e interferir nos preços dos serviços de praticagem. Às vezes é

difícil proteger todos os interesses. No entanto, a eficiência

necessária é decidida localmente por grupos com o mesmo

interesse na promoção do porto em que trabalhamos. Eu diria

que, como nos EUA, para nossas carreiras pessoais, temos

um interesse financeiro no sucesso da operação de praticagem

em nosso porto, porque não somos empregados.

O comitê de usuários é, evidentemente, a instância em que as

indústrias podem pedir o aumento ou a redução dos preços de

praticagem, mas não apenas isso. Como vocês sabem e como

escutaram esta manhã, o prático tem um conhecimento sólido

sobre a manobra de navios nas zonas de praticagem. A singular

expertise do prático permite a utilização máxima das dimensões

do porto, em termos de espaço geográfico e tempo.

A questão da fluidez do tráfego é abordada com frequência pelos

interessados durante essa assembleia no caso, por exemplo, de

um novo projeto ou para otimizar os existentes. Realmente, e

tenho certeza de que vocês têm conhecimento disso, os práticos

podem reduzir o tempo de fundeio indevido ou outro período de

tempo desperdiçado ao permitir escalas seguras e rápidas. E,

como mencionou o professor Mesquita esta manhã, para otimizar

o procedimento, utilizando sua expertise.

Nesse comitê de usuários, temos oito pessoas, oito

representantes sem direito a voto. Temos dois represen-

tantes dos armadores, dois outros usuários do porto, dois

representantes da administração do porto e dois práticos.

Esses têm direito a voto. Os demais usuários do porto

são em geral agentes de navegação, mas também

podem ser barqueiros ou empresas de rebocadores.

E eles são propostos pelo que chamamos em francês

de Union Maritime, que é a representante da indústria

portuária.

Os demais participantes são o diretor de Assuntos Marítimos, o

diretor do Porto, a autoridade competente que está presente

quando a assembleia comercial está discutindo a tarifa, e temos

também o representante da Marinha quando a assembleia

comercial está discutindo a zona de praticagem.

Então, temos os práticos, a indústria e o preço; e como funciona?

Vamos analisar a praticagem obrigatória e o que chamamos de

PEC, que é o Certificado de Isenção de Praticagem (Piloting

Exemption Certificate).

O marco regulatório é fornecido pela lei em âmbito nacional, mas

sempre tratado localmente. O ponto-chave nesse caso é o que

chamamos de comissão local, que trata, portanto, dos aspectos

técnicos dos serviços de praticagem e dos exames de PEC.

Os membros do comitê técnico são o diretor da Autoridade

Marítima, o diretor do Porto, o capitão do Porto, um comandante de

navio que vem frequentemente ao porto, e também, é claro, o

prático da zona de praticagem.

Para a praticagem obrigatória na França, todas as embarcações

cujo tamanho ultrapasse um comprimento total (LOA) decidido

localmente precisam embarcar um prático. Normalmente, nos

diferentes portos franceses, esse tamanho situa-se entre 40 e

70 metros.

Agora, vamos falar sobre os PECs. Há um marco regulatório nacio-

nal para o PEC, e depois uma decisão local para implementá-lo. O

PEC pode ser concedido a um comandante, a uma embarcação, ao

porto ou a um berço específico nesse porto. Esse comandante

precisa ter bom conhecimento do idioma francês e ser aprovado

num exame médico. Não são concedidos PECs para petroleiros ou

embarcações levando carga perigosa, e também há algumas outras

disposições na lei, como, por exemplo, a validade de sua emissão:

dois anos.

A decisão local é tomada pelo comitê local, que vai decidir a área

do porto em que o regime de PECs pode ser usado. O comitê decide

o número de escalas necessárias para passar no exame; se haverá

Page 85: Rumos Práticos - Seminário

85

alguma restrição, como condições meteorológicas, se a embarca-

ção usará rebocador ou não. Em geral, quando há assistência

de um rebocador, o prático embarca no navio. O prático local

marítimo embarca no navio. O comitê também vai decidir o tipo

de propulsão do navio. Portanto, em certos portos, você pode ter

uma hélice e um propulsor de proa, mas na maioria dos casos

são embarcações de duas hélices e um propulsor de proa.

Agora, como os PECs funcionam na prática.

Número 1 – Uma embarcação bem equipada para manobras.

Número 2 – Temos um comandante muito habituado a fazer esca-

las nesse porto e, quando estou me aproximando do porto, às vezes

só há um berço dedicado exclusivamente na entrada. Se é preciso

passar por eclusas ou pontes, não é possível obter o PEC.

Número 3 – Muito importante. É necessário ter total controle da área

de navegação por meio de um centro VTS. Como não há um prático

a bordo, é preciso verificar o tempo todo o que o navio está fazendo.

Número 4 – Podem ocorrer condições específicas e limitadoras,

aliás, já mencionadas: condições meteorológicas, assistência do

rebocador, tráfego marítimo na vizinhança, área muito sensível

no porto, como, por exemplo, uma base naval. Como em Toulon, no

sul da França, onde a autoridade marítima não quer conceder PECs.

E, evidentemente, haverá taxas especiais para embarcações sob o

regime de PEC, sendo uma fração da tarifa normal. Na verdade, as

taxas de praticagem são uma contribuição para os serviços públicos.

Em resumo, posso dizer que 95% dos PECs concedidos na França

são dados a comandantes de balsas de veículos que fazem a

travessia entre a França e o Reino Unido, porque eles entram várias

vezes por dia no mesmo porto. Por exemplo, em Calais, estão

fazendo a ligação entre Calais e Dover, e em Calais estão entrando

cerca de cinco vezes por dia. Então, 95% são casos como esse, e o

restante é concedido para embarcações especializadas usadas

para dragagem e operações de manutenção.

Tenho apenas mais sete minutos, mas estou quase terminando.

Vamos à conclusão sobre a praticagem na França. Existe um marco

regulatório nacional para todos os distritos, sempre com trata-

mento local. Há consulta aos grupos de interessados, em relação

aos aspectos tanto comerciais como técnicos, e um regulamento

emitido pelo préfet de région.

Vamos falar sobre esse regulamento, que chamamos de règlement

local. Nesse regulamento encontram-se todos os itens referentes

à organização de praticagem no âmbito local. O número de práti-

cos, os equipamentos necessários para a execução do serviço, os

limites da zona de praticagem obrigatória, o tamanho e o tipo de

embarcação para a qual um PEC pode ser concedido e as taxas

de praticagem. Todos os anos altera-se um anexo do regulamento

com a mudança nas taxas de praticagem.

Tenho certeza de que vocês estão pensando como eu, que falei

demais esta tarde e que está na hora de concluir.

Em todo o mundo existem cerca de 14 mil práticos. Sabemos que a

indústria de navegação transporta aproximadamente 90% das

mercadorias. Vocês viram que nas diferentes partes do mundo os

práticos podem ser profissionais autônomos, servidores públicos

ou empregados, mas sempre sob a supervisão de uma autoridade

de praticagem competente. O que é importante observar é que

essa autoridade de praticagem competente deve ser sempre o

mais independente possível das diferentes partes interessadas, e

assegurar que os práticos também se mantenham sempre o mais

independentes possível das diferentes partes interessadas.

Como conclusão, junto-me ao Sr. Singhota da IMO e ao que a IMO

declarou claramente no preâmbulo da Resolução A.960, reproduzi-

do nesse slide. Em outras palavras, a praticagem é uma questão

local e deve ser decidida localmente. Estou certo de que, se for

para lembrar apenas um ponto de minha apresentação, é esse.

Para encerrar, apenas as únicas palavras que conheço em

português: muito obrigado!

Page 86: Rumos Práticos - Seminário
Page 87: Rumos Práticos - Seminário

O serviço de praticagem

O serviço de praticagem ou pilotagem (pilotage) é atividade consa-

grada desde os primórdios e consigna o conjunto de atividades

profissionais de assessoria ao comandante nos procedimentos de

manobra náutica e na navegação.

Constatam-se, como razão fundamental da existência da atividade

de pilotagem ou praticagem, a maior eficiência e segurança à

navegação, a salvaguarda da vida humana, preservação do meio

ambiente e proteção do patrimônio público e privado sob

interferência do tráfego aquaviário no interior de áreas ou zonas

de praticagem ou de pilotagem (pilotage area).

Trata-se de atividade de gerenciamento de riscos baseada no

conhecimento dos acidentes e pontos característicos de áreas

marítimas designadas zonas de praticagem realizada, essencial-

mente, em trechos da costa, em baías, portos, estuários de rios,

lagos, rios, lagos, rios, terminais e canais.

A atuação da praticagem apresenta características peculiares e

mundialmente consagradas: o caráter local, a ausência de vínculo

empregatício e o controle efetuado pelo Estado que regula a ativi-

dade e determina as zonas e áreas obrigatórias (compulsory

pilotage area) ou facultativas (facultative pilotage area).

Na generalidade, o exercício da atividade de praticagem envolve,

normalmente, tipos distintos de ações relacionadas às manobras

náuticas: a pilotagem ou praticagem de singradura ou de atracar,

desatracar, fundear os navios e outras manobras.

Advogada, mestre pela Unesp, doutora pela USP, pós-doutorada pela Universidade Autônoma de Barcelona.Professora do doutorado e do mestrado, e coordenadora da pós-graduação

em direito marítimo e portuário da Unisantos.Autora de Cursos de Direito Marítimo volumes I-III.

Eliane Octaviano

Contratos ou acordos de praticagem

O contrato de praticagem regulamenta os direitos e obrigações rela-

tivos aos serviços de assessoria náutica entre o prático e o armador.

No Brasil, o contrato de praticagem não encontra normatização

específica, sendo raros os posicionamentos no âmbito doutrinário

e jurisprudencial.

Tem-se considerado, em geral, a natureza de prestação de serviços

submetendo-se o contrato de praticagem aos dispositivos gerais

constantes do Código Civil (CC), concernentes às obrigações e

contratos combinado com os ditames legais específicos à presta-

ção de serviço, complementadas por menções específicas em

legislações esparsas.1

Inobstante prevalência dessa vertente, a natureza jurídica do con-

trato de praticagem também remete a controvérsias e se questio-

na, efetivamente, seu enquadramento como contrato de prestação

de serviços por obra certa (CC, Artigos 593 a 607) ou contrato de

empreitada (CC, Artigos 610 a 626),2 ou ainda em um tertius genus,

consignando elementos comuns de ambos os tipos contratuais.3

No contexto da natureza apenas de prestação de serviços, teoria

prevalente no direito brasileiro, a atividade de praticagem, em si, é

obrigação de meio para obtenção do resultado desejado.

Na tese que considera a natureza de contrato de empreitada, a

praticagem assumiria os riscos até o momento da finalização da

manobra náutica, na típica configuração de obrigação de resultado.

Aspectos jurídicos do serviço de praticagem: o armador estrangeiro, suas representatividade e responsabilidades

1 Defende a natureza de prestação de serviços. Sampaio de Lacerda, 1984, p. 143 e Gibertoni, 2005, p. 138.2 O contrato de empreitada tem por objeto a realização de obra material ou imaterial, considerando-se nesse contexto a “obra” como o trabalho ou tarefa. 3 Descartada totalmente a possibilidade de contrato de trabalho, pois o prático não é tripulante nem empregado do armador, inexistindo, ainda, qualquer relação de 3 dependência ou subordinação do prático com o armador ou comandante. V. Lesta, art. 2º e 12. Para aprofundamento no tema consulte Octaviano Martins, 2012, capítulo 14.

87

Page 88: Rumos Práticos - Seminário

Considerando um terceiro gênero, na base das considerações

desse enquadramento, o prático é convocado para a realização de

‘obra’ imaterial em razão de suas especiais aptidões técnicas e

obriga-se, concomitantemente, a assessorar o comandante, con-

figurando prestação de serviços, e a conduzir corretamente a

manobra em condições de segurança, resultando em obrigação de

resultado, típica da empreitada, a que a praticagem se presta com

unidade de ato: o prático assessora desde que a bordo do navio, e

o assessoramento termina, sem solução de continuidade, quando

concluída a manobra náutica. O caráter sui generis que remete à

consolidação de um terceiro gênero contratual emana das especi-

ficidades e tecnicidades do serviço de praticagem, e o caráter

bifronte, de sua vinculação ao direito público e ao direito privado.4

Resvala-se na pressuposição básica de apresentar a atividade de

praticagem características peculiares e mundialmente consagra-

das anteriormente referenciadas, designadamente no que tange ao

caráter local, à ausência de vínculo empregatício ou subordinação

e ao controle efetuado pelo Estado. No desempenho de suas fun-

ções, a praticagem representa, efetivamente, o interesse público

da segurança da navegação e goza de autonomia frente ao coman-

dante do navio.

Destaca-se, ainda, uma quarta vertente teórica, defendida por

Matusalem Pimenta (2007, p. 123-124), que relega a natureza con-

tratual a uma relação jurídica híbrida e defende assim configurar-se

a relação entre o armador e o prático − como, um “acordo sui generis”

que não constitui relação contratual perfeita, vez que não se fazem

presentes alguns princípios básicos que norteiam os contratos.

Afirma, ainda, que a relação híbrida ora considerada é contratual em

sua formatação, mas em sua execução aproxima-se muito mais de

uma relação de trabalho, posto que é exercida sob subordinação.5

O contrato ou acordo master

(master agreement ou master contract)

Na práxis marítima internacional, inexiste standard contract form

ou standard agreement para o acordo ou o contrato de praticagem.6

Como regra, prevalece o princípio da autonomia da vontade das

partes, com a interveniência das normativas imperativas vigentes

nos sistemas jurídicos estatais.

Seguindo esse parâmetro, não há um contrato-padrão de serviço

de praticagem no Brasil.

O preço do serviço de praticagem engloba o serviço constituído de

prático, lancha de prático e atalaia, e é devido pelo conjunto dos

elementos ou para cada elemento separadamente.

A elaboração do acordo ou do contrato deve consignar a definição

precisa, objetiva e inequívoca dos elementos fundamentais

intrínsecos à relação entre as partes contratantes para evitar

inadimplementos e litígios.

Constatadas a inexistência de regulamentação internacional ou de

contrato-tipo ou acordo-padrão e a omissão da legislação brasilei-

ra, é comum existirem vários acordos até para uma mesma zona

de praticagem.

4 No direito espanhol também se suscitam divergências teóricas sobre a natureza do contrato de praticagem e são constatados entendimentos que defendem a natureza de contrato de arrendamiento de obra, instituto similar ao contrato de empreitada no Brasil, arrendamiento de servicios, contrato de arrendamiento de servicios (prestação de serviços no sistema do Brasil) ou caráter sui generis. Partidário do entendimento da natureza sui generis do contrato de praticagem, afirma Arroyo Martinez (2001, p. 587) que

na prestação de serviços, ao contrário do que ocorre na praticagem, a prestação geralmente é diferida ou de trato sucessivo. Destaca ainda que autonomia do prático é característica que também não se constata nos contratos de arrendamiento de obra ou no contrato de arrendamiento de servicios. Em sentido diverso: “Arrendamiento de

Obra. Práctico del puerto. No tiene la condición de tripulante del buque. Autonomía en el ejercicio de sus funciones. Distinción entre la responsabilidad del capitán e la del práctico” (TS 1ª. S 13 jun. 2003, Madrid, Espana).

5 “A existência de uma relação contratual pressupões necessariamente a liberdade de contratar, o que não acontece em absoluto com os serviços de praticagem. A praticagem, conforme definida em lei, é atividade essencial de interesse público, não havendo qualquer possibilidade de sua não utilização por parte dos armadores, nem tampouco de sua não prestação por parte dos práticos. Portanto, a relação não nasce da vontade das partes, mas, sim, por imposição legal nos moldes do artigo 15 da Lei

9.537/97 (...). Uma outra característica da relação contratual é a bilateralidade quanto à escolha do seu conteúdo, característica esta extremamente mitigada nos acordos de praticagem. O serviço de praticagem deve ser executado rigorosamente em conformidade com a lei especial e regulamentos pertinentes, devendo estar estampada no corpo do acordo cláusula pétrea para esse fim (...) Ainda como princípio orientador das relações contratuais, tem-se a manutenção do equilíbrio entre as partes, e, na hipótese de

desequilíbrio, razão há para rescisão do contrato, ou seu ajuste através do Poder Judiciário. Também não é o que ocorre com os serviços em tela, vez que são executados sob o regime de hierarquia, senão vejamos: quando o prático se apresenta a bordo, para dar início ao serviço seu nome é aposto no diário de bordo seguido das seguintes pala-vras: “to master’s orders on pilot’s advice” (...) ou seja, sob as ordens do comandante e orientação do prático. Assim, há consenso internacional no que tange à autoridade do comandante sobre todas as pessoas de bordo, sendo essa autoridade expressa na maioria dos ordenamentos jurídicos, a exemplo da lei brasileira” (Pimenta, 2007, p. 125-126).

6 Admite-se, embora não seja de praxe, a forma não escrita iniciando-se com a formalização da solicitação do serviço de praticagem. 88

Page 89: Rumos Práticos - Seminário

7 Para aprofundamento no tema consulte Octaviano Martins, 2012, capítulo 14.8 As empresas estrangeiras para atuar no Brasil devem ter autorização do Poder Executivo. V. Decreto-lei 2.627/40, art. 64 e art. 1.134 do CC. 9 Em sentido contrário: “DECLARATÓRIA − ILEGITIMIDADE ATIVA − EXTINçÃO MANTIDA − DEMANDA COM OBJETIVO DE AFASTAR A OBRIGAçÃO DECORRENTE DE 8 8 8 ACORDO SOBRE OS PREçOS DE PRATICAGEM PROPOSTA PELO SINDICATO QUE REPRESENTA AGENTES MARíTIMOS − O agente marítimo serve às empresas de navegação 8 para realizar serviços que seriam de sua competência, de um modo geral, auxiliando no transporte e na armação. Há uma relação jurídica de representante do navio em 8 8 terra em nome do transportador ou armador. Enfim, a relação jurídica estabelecida não alcança certos conflitos, especificamente a discussão sobre a prática de preços, 8 8 diante da atuação na qualidade de mandatário − Sindicato que atua na qualidade de substituto processual e, em consequência, não é legitimado para a causa (TJSP 8 8 8 Apelação APL 992080096777; Relator: José Malerbi; Data de Julgamento: 08/10/2010, 35ª Câmara de Direito Privado)10 CC, art. 653: "Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato".

89

Os contratos de praticagem se vinculam a um acordo master

(master contract ou master agreement) que determina os parâme-

tros gerais das obrigações entre o armador e a praticagem.

Estrategicamente, os master contracts ou master agreements

contêm cláusulas relativas à negociação como um todo e permitem

continuidade, fluidez e celeridade nas operações. Efetivamente,

cada assessoria específica a ser prestada pelo prático está vincu-

lada aos termos do acordo ou termo de contrato. Em face da

dinâmica das atividades que envolvem o setor, não é usual (e até

se consubstanciaria em procedimento inviável) que sejam negocia-

dos acordos específicos a cada efetiva prestação de serviços da

praticagem a determinado navio.

Considerada a diversidade de acordos e contratos e a confidenciali-

dade e sigilo que porventura possam ser consideradas, não há como

se analisar, em efetivo, um padrão específico. Inobstante ausência

de paradigma, evidências empíricas evidenciam a elaboração de

contratos, termos de contrato ou acordos de praticagem tradicional-

mente estruturados em cláusulas introdutórias e cláusulas específi-

cas em consonâncias às normas gerais aplicáveis às obrigações.

As cláusulas introdutórias contêm, essencialmente, a identificação e

qualificação das partes. As cláusulas específicas são variáveis de

acordo com a especificidade da transação, mas geralmente versam

sobre o objeto e descrição das atividades, preço e condições de paga-

mento, obrigações das partes, duração, rescisão, lei aplicável e foro.7

Das partes contratantes

O contrato de praticagem é o instrumento pelo qual se regulamen-

tam os direitos e obrigações relativos aos serviços de assessoria

náutica entre o prático e o armador.

A obrigação fundamental do prático se refere à condução da

embarcação em consonância com a segurança da navegação e as

normativas vigentes.

Na esfera contratual evidencia-se legitimidade para negociar ou

contratar o serviço de praticagem no Brasil às empresas brasileiras

de navegação (EBNs), às empresas estrangeiras autorizadas legal-

mente,8 ao Sindicato dos Armadores Nacionais (Sindarma) e às

agências marítimas 9 ou seus respectivos sindicatos que represen-

tem armadores estrangeiros.

A obrigação fundamental do armador é pagar o preço. Nas hipóteses

de inadimplência, há que analisar quem poderá figurar no polo pas-

sivo e ser demandado pelo não pagamento do serviço de praticagem.

Efetivamente, a demanda pode ser proposta contra a empresa

contratante. Se estrangeira (legalmente estabelecida), na pessoa

de seu representante legal no país. Em regra, é vedada a contrata-

ção de serviços de praticagem por empresas estrangeiras.

Nesse contexto, tem-se suscitado a responsabilidade das agências

marítimas, representantes dos armadores estrangeiros, pelo paga-

mento do serviço de praticagem.

Da representatividade do armador estrangeiro

As agências marítimas (owner’s agencies) ou agências de navegação

são empresas que têm como função a representatividade do armador.

Na práxis de mercado, o agente exerce a completa representação

do armador em consonância ao que for determinado contratual-

mente. Na generalidade, as atividades do agente contemplam a

contratação de praticagem, providências relativas ao despacho de

chegada e saída do navio, rebocadores, lanchas, atracação,

reparos, suprimentos, víveres, entre outras obrigações.

A natureza jurídica da atividade da agência marítima não encontra

posição uníssona no direito brasileiro, e se constatam teorias que

divergem acerca da natureza da relação entre o armador e a agên-

cia, e suscitam-se teorias que defendem a configuração de man-

dato (CC, art. 653 a 658),10 contrato de agência (CC, arts. 710 a

Page 90: Rumos Práticos - Seminário

716),11 prestação de serviços, comissão mercantil (CC, art. 693 e

seguintes)12 ou representação comercial (Lei 4.886/65).13

Considerada a natureza de mandato, a agência marítima recebe do

armador poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar

interesses (CC, art. 653).

Na indústria de shipping, os armadores estrangeiros geralmente não

concedem procurações aos agentes marítimos para atuar em seu

nome. Tal representatividade advém dos usos e costumes consoli-

dados internacionalmente, que são fontes relevantes de direito.

O agente atua em seu ofício e nos limites do contrato; todavia,

deve o agente marítimo atuar com diligência e primar pelo cumpri-

mento dos contratos nos quais atua em representatividade do

armador e, se necessário, exigir do armador remessa adiantada

de valores necessários para fazer frente às obrigações contratuais.

Na prática, é usual a exigência de envio antecipado de valores para

o pagamento de algumas taxas que são pagas antes de o navio

atracar, como as taxas portuárias. Trata-se de procedimento que

poderá ser adotado para evitar inadimplemento na esfera da

contratação de praticagem.

Considerando a natureza de comissão mercantil, destacam-se dois

julgados que versam sobre a responsabilidade da agência pelas

despesas de atracação e desembarque de mercadorias e de sobre-

estadias de contêineres.

O TJRJ determinou a responsabilidade do agente marítimo pelas

despesas dos serviços de atracação e desembarque de mercado-

rias considerando que a representação, que o agente marítimo

exerce em favor do armador do navio, configura o contrato de

comissão mercantil, segundo o qual o comissário, embora aja

em nome próprio, o faz em favor de terceiros (TJRJ, 0007658-

81.1997.8.19.0000; 1997.001.04154 Apelação; Des. Marlan Mari-

nho; Julgamento: 04/11/1998; Primeira Câmara Cível).

No mesmo sentido, em sede de ação de cobrança de sobre-estadia

de contêineres, o TJSP considerou a legitimidade ativa ad causam

do agente marítimo por restar caracterizada a relação contratual de

comissão mercantil entre a agência e a empresa estrangeira que

transportou a mercadoria e alugou os contêineres. Reconheceu o

Tribunal que a agência marítima é parte legítima para figurar no

polo ativo do processo, na defesa de seus direitos subjetivos

decorrentes do desempenho de suas atividades, eis que, embora

aja segundo as instruções e o interesse da comitente, o faz em

nome próprio, contratando com terceiros e assumindo as respon-

sabilidades daí decorrentes (TJSP, 9143017-34.2006.8.26.0000

Apelação Com Revisão / Seguro Relator(a): Itamar Gaino Órgão

julgador: 21a Câmara de Direito Privado Data do julgamento:

09/05/2007 Data de registro: 04/07/2007).

Inobstante tais casos não versem, efetivamente, sobre os serviços

de praticagem, configuram precedentes importantes que podem

ser invocados.

Ademais, independentemente da teoria que se defenda, tem-se

consagrado a validade da citação do armador estabelecido no

exterior na pessoa do agente marítimo.

Da formação e execução do acordo ou contrato de praticagem

Na esfera internacional, a formação do contrato ou do acordo de

praticagem emana da proposta formalizada pelo contratante ou

seus prepostos solicitando a assessoria de um prático a bordo. A

solicitação é feita, em regra, por comunicação do comandante com

a estação de praticagem. Admite-se, ainda que considerada

conduta em desuso, a solicitação do prático por meio de sinais.

Nos termos do Código Internacional de Sinais (CIS) da IMO

(International Maritime Code of Signals) a bandeira alfabética

Golf significa solicitação de prático pelo navio.

No Brasil, em consonância aos ditames das Normas da Autoridade

Marítima para o Serviço de Praticagem − Normam 12, 0313 (d), os

serviços de praticagem devem ser obrigatoriamente, requisitados

ao Centro de Controle de Operações de Praticagem da Atalaia

11 CC, Art. 710: “Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos”.12 CC, Art. 693: “O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”.

13 Lei 4.886/65, Art. 1º: “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados,

praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”.90

Page 91: Rumos Práticos - Seminário

14 Conferir Octaviano Martins, 2012, capítulo 14; Pimenta, 2007, p. 123-125 e Normam 12.15 “Na fase de navegação no canal e durante as manobras de atracação, a responsabilidade pelo tráfego do navio fica com o prático, salvo se suas determinações e ordens 15 não forem endossadas pelo comandante, que a qualquer momento pode reassumir o controle de seu navio se julgar necessário, fundamentando, por escrito, à AM 15 a posteriori seu ato” (Santos Pilot, 2006, p. 8).16 Considerada a natureza jurídica contratual dos serviços de praticagem, admite-se, ainda que em tese, suspensão ou resolução do contrato de praticagem nas hipóteses 16 de recusa, impraticabilidade, inaceitável risco, condições meteorológicas desfavoráveis e outras hipóteses de caso fortuito ou força maior. Em sentido contrário, v. Pimen- 16 ta (2007, p. 123-126), que defende a natureza de acordo e não de contrato. 91

homologada da respectiva ZP, pelos comandantes das embarca-

ções ou por seus prepostos.

Autorizada a manobra, o prático escalado embarca na lancha de

prático e se dirige ao ponto de espera de prático, estabelecido em

coordenadas geográficas na zona de praticagem (ZP), onde é

efetuado o embarque/desembarque do prático no navio por

ocasião do início ou fim de uma faina de praticagem.

No início das atividades, ao entrar no navio o prático dirigir-se-á à

ponte de comando, sendo apresentado ao comandante, momento

no qual se transfere a condução do navio ao prático e consolida-se

a relação contratual inter partes.

Na apresentação do prático a bordo, antes do início da faina, faz-se

constar no diário de bordo o nome do prático seguido da frase: “to

master’s orders on pilot’s advice”. Trata-se de procedimento-

padrão para dar início à faina de praticagem.14 Evidencia-se, por-

tanto, a premissa consolidada internacionalmente de serem dele-

gadas a condução do navio e a direção náutica do navio ao prático,

mas permanece o comandante no comando, podendo intervir a

qualquer momento e reassumir a condução do navio.15

A direção do navio pelo prático se mantém até sua completa atra-

cação no cais, consignando a resolução do contrato para aquela

específica manobra.

Constatadas condições meteorológicas e/ou estado do mar que

determinem a impossibilidade de embarque do prático com segu-

rança, faculta-se ao comandante, sob sua exclusiva responsabili-

dade e mediante prévia autorização da capitania, delegacia ou

agência (CP/DL/AG), demandar à ZP local abrigado que permita o

embarque do prático, observando orientações transmitidas pelo

prático de bordo da lancha de prático.

Nas manobras náuticas de desatracação, o prático adentra o navio

atracado orientando a manobra de desatracação até o ponto de

espera de prático, onde desembarca e configura o fim da faina

de praticagem e respectiva resolução do contrato.

Na impossibilidade de desembarque do prático com segurança no

ponto determinado quando as condições meteorológicas e/ou

estado do mar impedirem, o comandante da embarcação, sob sua

exclusiva responsabilidade e mediante prévia autorização do CP/

DL/AG, poderá desembarcar o prático em local abrigado e prosse-

guir a singradura, observando os sinais e orientações transmitidas

pelo prático, que ficará a bordo da lancha de prático. Configurada

antecipadamente a possibilidade de falta de segurança no desem-

barque do prático e de que a segurança da navegação desacon-

selhe seu desembarque antes do ponto de espera de prático, tal

situação deverá ser apresentada ao comandante da embarcação,

devendo o prático estar pronto para seguir viagem até o próximo

porto caso seja a decisão do comandante e mediante prévia autori-

zação da CP/DL/AG. Em tais circunstâncias, se considera que a

responsabilidade do prático se encerra com o término da faina e

não se estende até o momento de seu efetivo desembarque.16

Page 92: Rumos Práticos - Seminário

Da responsabilidade pelos acidentes da navegação

Consolida-se no direito brasileiro a premissa consagrada interna-

cionalmente: master’s orders, pilot’s advice.

No Brasil e na maioria dos portos, o prático não assume o comando

da embarcação nem dirige as manobras e a navegação.

Inobstante divergências teóricas, tem-se considerado que o prático

é assessor ou prestador de serviços de caráter não eventual,

inexistindo qualquer relação de subordinação entre as partes do

prático com o comandante e vice-versa. Em posição parcialmente

divergente, Matusalem Pimenta (2007, p. 125-126) defende que

vigora regime de hierarquia mantendo o comandante a

responsabilidade pelas condições de segurança, extensivas à

carga, aos tripulantes e às demais pessoas de bordo, incluindo

o serviço prestado pelo prático. Afirma que a relação jurídica entre

o prático e o armador é híbrida e é exercida sob subordinação.

Independentemente dessa polêmica, o comandante mantém sua

condição de autoridade máxima dentro do navio, delegando ao

prático a condução náutica.

Na constância do serviço de praticagem mantêm-se os deveres do

comandante, sendo ainda designadas algumas regras específicas

emanadas da Normam 12, 0230.

Evidencia a norma supra que a presença do prático a bordo não

desobriga o comandante e sua tripulação dos deveres e obrigações

para com a segurança da embarcação, devendo as ações do prático

ser monitoradas permanentemente.

No Brasil, inobstante omissão legislativa, ausência de precedentes

pretorianos e escassez de análise doutrinária, vislumbra-se na

doutrina a prevalência da tendência que exonera a responsabilidade

civil do prático salvo hipóteses de acidentes ou fatos da navegação

decorrentes de erro específico de navegação ou manobra do prático.17

A responsabilidade geralmente recai sobre o comandante, na

esfera de responsabilidade subjetiva e, consequentemente, sobre

o armador ou proprietário, consagrada a teoria da responsabilidade

objetiva (independentemente de culpa) ou do risco profissional,

tendências consolidadas nos âmbitos cível e administrativo.18

Considera-se, portanto, a responsabilidade do prático no âmbito

administrativo, cujos processos tramitam no Tribunal Marítimo e na

esfera penal.

No âmbito administrativo, constitui infração às regras do tráfego

aquaviário a inobservância pelo prático de qualquer preceito da Lei

de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lesta, Lei 9.537/97), do

RLESTA (Dec. 2.596/98) ou de normas complementares emitidas

pela autoridade marítima e de ato ou resolução internacional rati-

ficado pelo Brasil, sendo o infrator sujeito às penalidades indicadas

em cada artigo. São consideradas infrações especificamente impu-

táveis ao prático, sem prejuízo de outras que o prático venha a

cometer, as condutas descriminadas no RLESTA, art. 25:19

i) Recusar-se à prestação do serviço de praticagem, cuja penali-

dade será suspensão do certificado de habilitação até 12 meses ou,

em caso de reincidência, o cancelamento;

ii) Deixar de cumprir as normas da autoridade marítima sobre o

serviço de praticagem, com penalidade de suspensão do certifica-

do de habilitação até 120 dias.

17 Tese defendida por Matusalem Pimenta (2007, p. 129/130 e 147/149).18 Para aprofundamento no tema consultar Octaviano Martins, 2012, capítulo 14.

19 As decisões do TM são atos administrativos e configuram prova técnica cuja eficácia é de ordem probatória. São destituídas de efeitos conclusivos e não fazem coisa julga-da judicial, sendo passíveis de reexame pelo Poder Judiciário. Na jurisprudência tem-se consolidado a natureza das decisões do TM de laudo, perícia ou de prova técnica.

92

Referências bibliográficas

ARROYO MARTINEZ, Ignazio. Curso de derecho marítimo. 2.ed. Cizur Menor: Tomson Civitas, 2005.

GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998 e 2005.

PIMENTA, Matusalém Gonçalves. responsabilidade Civil do Prático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

OCTAVIANO MARTINS, Eliane M. Curso de Direito Marítimo: Teoria Geral. Barueri: Manole, 2012.

_________. Curso de Direito Marítimo.Vendas Marítimas. V.2 Barueri: Manole, 2013._________. Processos Marítimos. Barueri: Manole, 2013.

SANTOS PILOT. “Praticagem”. Disponível em: http://www.santospilots.com.br/; acessado em nov/2011.

_________. “Praticagem em Santos representa apenas 0,07% das despesas do exportador”. 2009. Disponível em: http://www.santospilots.com.br/release10.pdf; acessado em nov/2011.

_________. Serviço de Praticagem. Santos: Santos Pilot, 2006.

SAMPAIO DE LACERDA, J. C. Curso de direito privado da navegação: direito marítimo. V.1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.

Page 93: Rumos Práticos - Seminário

93

Serviço de praticagem: o tomador é o Estado

Embora neste seminário outros tenham apresentado as caracte-

rísticas e particularidades do serviço de praticagem, um aspecto

importante foge à compreensão corriqueira porque depende de

análise complexa, ao mesmo tempo econômica, sociológica e

jurídica: a função pública da praticagem.

Apesar do tempo limitado que impõe concisão demasiada, não há

como compreender o serviço de praticagem em sua completude

senão por esse tipo de reflexão que o exercício da advocacia impõe

aos profissionais que atuam na defesa dos interesses institucio-

nais da praticagem. A advocacia institucional da praticagem difere

e muito da defesa individual ou particular da praticagem, porque a

primeira visa proteger o sistema, enquanto a segunda procura

resguardar os interesses próximos e específicos das sociedades de

práticos ou dos profissionais individualmente considerados.

O CONAPRA, nesse sentido, sempre tem demandado estudos e

opiniões que transcendem questões meramente jurídicas ou legais

sobre a profissão, impondo um desafio adicional aos profissionais

envolvidos: o de buscar compreensão, se não holística, ao menos

global da praticagem inserida no contexto social, com facetas

econômicas, políticas e de Estado.

Nesse sentido, parece-nos que o serviço de praticagem não pode

ser compreendido como um serviço privado comum, ordinário,

embora seja executado por pessoas naturais habilitadas pela auto-

ridade marítima. Essa compreensão, enviesada e superficial, tem

fundamento ou apelo somente na literalidade das disposições

legais que são insuficientes para explicar a natureza dos serviços.

Também não se trata de um serviço público em sentido estrito,

Advogado da Banca Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian – Advogados.Mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Professor universitário.

Jaime Machado

porque não é prestado diretamente pelo Estado brasileiro nem é

objeto de concessão para que particulares o prestem em seu nome.

Trata-se e, com alguma insistência temos defendido este ponto de

vista, de um serviço de ‘função pública’.

O primeiro aspecto para defender nossa qualificação dos serviços

de praticagem a considerar é econômico. Não há dúvidas, e o fato

fala por si, de que a praticagem brasileira foi o ‘fator oculto’ que

garantiu ao país viabilizar o tráfego crescente nas vias de acesso e

instalações portuárias dentro das limitações de infraestrutura

existentes, que ficaram por décadas sem qualquer investimento

público e que hoje se demonstram mais desatualizadas do que

nunca, embora a União, em especial, tenha empenhado esforços

nos dois últimos governos para viabilizar abrangentes e profundas

reforma e ampliação da infraestrutura brasileira. A praticagem,

com o desenvolvimento técnico e tecnológico impulsionado pelas

exigências da autoridade marítima e por iniciativas próprias, den-

tre as quais destaco a atuação do CONAPRA como centro de ini-

ciativa e difusão de conhecimentos, conseguiu mitigar deficiências

da infraestrutura para permitir o ingresso do país como importante

e relevante protagonista do comércio internacional.

O segundo aspecto a considerar é sociológico. Embora a sociologia

pareça a alguns ciência menor ou dispensável, é fundamental para

que qualquer sociedade compreenda a si própria ao menos em sua

generalidade. Se o objeto da ciência é estudar as relações sociais,

a praticagem, nesse contexto, exsurge como importante grupo

organizado que tem como principal representante o CONAPRA.

Essa representação institucional permite que esse grupo se apre-

sente como protagonista na transformação econômica, técnica e

tecnológica do país, contribuindo para a coletividade com seus

relevantes serviços, especialmente por incessante e permanente

A necessidade da estabilidade institucional, jurídica, operacional e econômica para a eficiência do serviço de praticagem

Page 94: Rumos Práticos - Seminário

interação com o Estado brasileiro, colaborando para agregar os inte-

resses difusos da sociedade brasileira. Não há na praticagem consi-

derada em sua totalidade, e faço aqui esta afirmação perante os

ilustres dirigentes do CONAPRA, outro interesse que não o de

defender e garantir que toda a cadeia logística e, portanto, a econo-

mia do país, progrida a passos largos, em busca do bem-estar social

ou do que os norte-americanos em sua Declaração de Independência

e em sua Constituição Federal chamaram de busca da felicidade.

Por último, o aspecto jurídico apenas corrobora nossas percepções

econômicas e sociológicas. Compete ao Estado brasileiro e, nos

termos da legislação infraconstitucional,1 dentro das normas de

atribuição de competência do Poder Executivo federal, à Marinha

do Brasil promover a segurança na navegação.

O serviço de praticagem é exercido por esses profissionais desig-

nados como práticos, que são devidamente habilitados pela Mari-

nha do Brasil. Por isso, afirmamos que o exercício dessa atividade

constitui ‘ofício privado’, mas de ‘função pública’, que tem por

finalidade garantir a segurança da navegação. Disso resulta, aliás,

sua caracterização pela lei em vigor como serviço essencial.2

As hipóteses de ‘exercício privado de uma função pública’ são

reconhecidas na doutrina. Entre outros, Juan Alfonso Santamaría

Pastor, professor titular da Universidade de Madri, apresenta os

dois elementos fundamentais que permitem identificar e categori-

zar uma atividade ou serviço, mesmo exercido por ente privado,

como de função pública:

Primero, la actividad constituye una función pública en sentido

estricto, no una mera tarea de interés público (como, p. ej., la que

puede realizar un fabricante de pan o un taxista), de donde se

deduce que los actos concretos en que se desarrolla poseen eficacia

jurídico-pública (p. ej., la dación de fe pública por un notario) o son

objeto de un servicio público en sentido estricto (p.ej., el servicio

de seguridad); y

Segundo, la persona privada que desarrolla la actividad lo hace con

medios y en nombre propio, no imputando su actividad a la

Administración; ello no impide que, por razones de control, sus actos

sean en algún caso recurribles ante la autoridad administrativa. 3

Segundo aí está demonstrado, esse serviço de função pública,

mesmo que privado quanto a seu exercício, não representa apenas

o ‘interesse público’. Seu conceito, sua natureza jurídica e os

interesses a que remete são mais amplos, porque é ‘função

pública’ em sentido estrito, ao mesmo tempo que não é prestado

ou explorado diretamente pelo Estado, mas por agentes privados

em nome próprio e com meios próprios − em um conjunto de ações

e efeitos sempre recorríveis à autoridade pública, que é, no caso,

a autoridade marítima.

Esta primeira conclusão é suficiente para evidenciar que tal ‘função

pública’ suscita, por suas implicações, o interesse na fiscalização,

intervenção e regulamentação pela Administração Pública em grau

mais profundo do que o que se verificaria nos serviços de

‘interesse público’. Os serviços de função pública são, verdadeira-

mente, funções de Estado e por isso, mesmo que exercidos por

particulares, devem receber tratamento próprio, mais próximo,

presente e efetivo da Administração Pública.

Ressalte-se que tal delegação pelo Estado de função sua a um

particular não afasta a necessidade da intervenção do primeiro, em

moldes que garantam o regular funcionamento, eficácia e atendi-

mento, vale dizer, em resumo, da função pública do serviço. Ao

contrário, essa intervenção é até mais necessária, porque a dele-

gação vincula, obriga e impõe aos agentes privados incumbidos da

função pública, que são os práticos, uma série de obrigações,

1 A Constituição Federal, em seu art. 21, inc. XII, alíneas “d” e “f”, estabelece a competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização ou permissão, entre outros serviços, os relativos ao transporte aquaviário. Em seu art. 22, inc. X, fixa a competência para, privativamente, legislar sobre “o regime dos portos, navegação

lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial”. Determina ainda, em seu art. 178, “a ordenação dos transportes aéreo, aquaviário e terrestre” mediante edição de lei e ainda prescreve, em seu art. 142, § 10, que a definição das atribuições das Forças Armadas e suas normas gerais dependem da edição de Lei Complementar. Editada em 9 de junho de 1999, a Lei Complementar n0 97 trata da organização das Forças Armadas e, em seu art. 17, caput e parágrafo único, confere ao comandante da Marinha, designado para essa finalidade como autoridade marítima, a atribuição, entre outras, de “prover a segurança na navegação aquaviária”, “implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores” (rios e lagos). Já a Lei n0 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que é conhecida como Lesta, depois regulamentada pelo Decreto

n0 2.596, de 18 de maio de 1998, conhecido como RLESTA, dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Reafirmando o comando da lei complementar antes citada, a Lesta prevê, em seu art. 40, inc. II, a competência da autoridade marítima para “regulamentar o serviço de praticagem, estabelecer as zonas de

praticagem em que a utilização do serviço é obrigatória e especificar as embarcações dispensadas do serviço”. Essa lei ainda fixou, em seus arts. 12 a 14, os princípios gerais aplicáveis ao serviço de praticagem, assim outorgando o legislador à autoridade marítima, sem que caiba qualquer dúvida a respeito desse fato e dessa delegação,

competência para regulamentar esse serviço de forma ampla, respeitados os contornos gerais definidos na própria Lesta.2 Art. 14 da Lei n0 9.537, de 11 de dezembro de 1997.

3 Pastor, Juan Alfonso Santamaría. Principios de Derecho Administrativo General, v. 1, 1. ed. Madrid: Iustel, 2004, p. 502.4 Conforme § 20 do art. 20 da Lei n0 8.906/1994.

94

Page 95: Rumos Práticos - Seminário

5 Conforme art. 133 da Constituição Federal.6 Salomão Filho, Calixto. regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Ed. Malheiros, 2008, p. 21.

95

condutas e controles destinados a que a realização do serviço

atenda ao interesse público.

Mal comparando, o advogado exerce uma atividade privada, mas

de múnus ou função pública,4 porque é essencial à aplicação da

Justiça.5 Podem existir tribunais, mas, sem os advogados, esses

nem sequer tomam conhecimento dos litígios que se perpetuariam

em injustiças.

Por essa razão, nossa compreensão jurídica do tema, em que

pesem importantes divergências doutrinárias, que incluem os ser-

viços de praticagem no rol de serviços de ‘interesse público’,

resulta exatamente da compreensão ampla de sua natureza e de

seus caracteres elementares. Assim, não cabe outra conclusão

senão colocar o Estado brasileiro como verdadeiro e único ‘toma-

dor’ dos serviços de praticagem.

Apesar da aparente confusão, porque os serviços são remunerados

pelos armadores, o Estado brasileiro, no exercício de suas atri-

buições, de sua competência primária de organizar a sociedade e

promover a ‘busca da felicidade’, emerge como o verdadeiro toma-

dor dos serviços e o maior interessado na manutenção da excelên-

cia, comparável às mais eficientes praticagens do mundo. Não por

acaso a praticagem brasileira figura entre os modelos ou paradig-

mas mundiais, o que se revela pela participação ativa no principal

organismo internacional de praticagem, a International Maritime

Pilots’ Association – IMPA. A corroborar essa opinião está o fato

de que no exato momento em que o Brasil comemora a eleição do

diplomata Roberto Azevêdo como diretor-geral da Organização

Mundial do Comércio – OMC, um brasileiro, Otavio Fragoso, ex-

diretor-presidente do CONAPRA, exerce a vice-presidência da IMPA.

Pelo exposto, dados os contornos dessa contribuição, passamos a

discorrer sobre a regulação e seus impactos na praticagem do

ponto de vista institucional, jurídico, operacional e econômico.

Regulação: conceito necessário

Considerando os serviços de praticagem função pública, cabe

discutir aqui a regulação desse serviço pelo Estado.

Há vários conceitos de regulação. Conceitos jurídicos diversos e

conceitos econômicos. Não cabe aqui a discussão doutrinária

sobre as diferentes escolas (clássica, neoclássica ou econômica e

de interesse público) que versam sobre o tema. Embora apresen-

tem visões específicas, preferimos optar pela Escola de Interesse

Público que, apesar do nome impróprio, é aquela que apresenta e

defende o que nos parece mais correto e o que tem mais valor:

o interesse geral da coletividade e do Estado enquanto seu

representante legítimo.

As escolas clássicas e neoclássicas tendem a aplicar soluções

estritamente econômicas sem atentar para as condutas humanas,

que devem ser devidamente consideradas para uma regulação

séria e ampla dos objetivos legais.

Portanto, regulação, no sentido tratado nesta apresentação, tal

como proposto, não significa a autorregulamentação ou ‘desregu-

lamentação’ da praticagem, como poderiam os mais precipitados

compreender. Para a defesa dos interesses individuais dos práti-

cos, como de quaisquer profissionais, a autorregulamentação ou a

desregulamentação poderiam parecer, em um primeiro momento,

alternativa interessante, mas certamente seria fadada ao fracasso.

Uma atividade de função pública precisa de regulação mais ampla

que, tal como propõe o professor titular de direito comercial da

Universidade de São Paulo, Calixto Salomão Filho, em obra especí-

fica sobre o tema, definiu o conceito de regulação como sendo a

atividade que “engloba toda forma de organização da atividade

econômica através do Estado, seja a intervenção através da con-

cessão de serviço público ou do exercício de poder de polícia”.6

Page 96: Rumos Práticos - Seminário

Como visto, o serviço de praticagem não é um serviço público, por

isso, não pode ser objeto de concessão. Ainda assim, deve ser

objeto do exercício do poder de polícia pela autoridade competente.

Aqui, finalmente, ingressamos no tema proposto pelo CONAPRA e

abraçado por nós. A regulação, mecanismo ou forma de interven-

ção do Estado em uma atividade econômica não deve ser restrita a

aspectos puramente econômicos, visando simplesmente e de

forma enviesada e restritiva à atividade. Novamente, Calixto

Salomão Filho nos sugere um norte para o assunto:

De um lado temos, em uma abordagem jurídica do problema

econômico como a que se pretende ora realizar, a necessidade de

reconhecimento da importância do elemento jurídico na organização

social. A concepção jurídica é, de resto, uma forma eficaz de superar

os impasses criados pelo economicismo. O direito vê o conheci-

mento de maneira profundamente diversa das ciências sociais.

Enquanto para estas o conhecimento é algo eminentemente empíri-

co, para o direito o conhecimento é eminentemente valorativo.

Afirmar que o conhecimento é valorativo é nada mais nada menos

que afirmar que os valores de uma determinada sociedade podem

influenciar e influenciam dramaticamente o conhecimento que se

tem dela. Se, como afirma a doutrina, não existe uma norma vazia

sem uma pretensão ou interesse a proteger, ou seja, sem um valor

que lhe esteja por trás, então, a sociedade que conhecemos, ao

cumprir essas regras, nada mais faz que traduzir esses valores.

Desse modo, a sociedade que vemos é uma representação de

valores sociais democraticamente estabelecidos.

A formação democrática de valores e regras deve ser coletiva.

‘Coletiva’ não significa necessariamente estatal. Pode referir-se a

grupos maiores ou menores de pessoas. Isso não significa que esse

conhecimento seja teórico, não vindo da prática ou artificial. O

Digesto romano, obra jurídica mais duradora e influente da história

da Humanidade, nada mais é que a compilação estruturada de

casos práticos.7

Ora, a regulação dos serviços deve resultar, portanto, tal como o

próprio direito, de uma construção cultural. Para explicar essa

construção cultural, recorremos às lições do filósofo do direito

Miguel Reale:8

Pois bem, ‘cultura’ é o conjunto de tudo aquilo que, nos planos

material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza,

quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo. É, desse

modo, o conjunto dos utensílios e instrumentos, da obras e ser-

viços, assim como das atitudes espirituais e formas de comporta-

mento que o homem veio formando e aperfeiçoando, através da

história, como cabedal ou patrimônio da espécie humana.

Não vivemos no mundo de maneira indiferente, sem rumos ou sem

fins. Ao contrário, a vida humana é sempre uma procura de valores.

Viver é indiscutivelmente optar diariamente, permanentemente,

entre dois ou mais valores. A existência é uma constante tomada

de posição segundo valores. Se suprimimos a ideia de valor, per-

deremos a substância da própria existência humana. Viver é, por

conseguinte, uma realização de fins. O mais humilde dos homens

tem objetivos a atingir, e os realiza, muitas vezes, sem ter plena

consciência de que há algo condicionando os seus atos.

Não há regulação sem a devida análise e compreensão dos

serviços em sua completude, para que as regras estabelecidas

não sejam desvirtuadas por visões estritamente econômicas e

absolutamente apartadas da realidade.

Nesse sentido, a autoridade marítima, ao longo dos anos,

aproveitou-se de sua experiência na regulação de uma das mais

antigas profissões da humanidade (que remonta à Antiguidade!).

Contudo, de maneira correta, considerou elementos novos, por

exemplo, inovações técnicas e tecnológicas, estipulando regras de

forma precisa que permitiram e exigiram da praticagem como um

todo a adoção de medidas que permitiram seu aprimoramento,

visando garantir o funcionamento da cadeia logística no país e a

manutenção da segurança do tráfego aquaviário.

Entretanto, não foram poucas as iniciativas perniciosas e oportu-

nistas de determinados grupos que visaram destruir uma regulação

bem-sucedida, fundada em valores e no interesse da coletividade.

Essas tentativas, embora legítimas em um ambiente democrático,

não visaram a outra coisa senão defender interesses dos próprios

autores, mesmo que contrariamente aos verdadeiros valores a

serem tutelados.

7 Salomão Filho, op. cit., p. 38 e 39. 8 Reale, Miguel. Lições Preliminares do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25 e 26.

96

Page 97: Rumos Práticos - Seminário

9 http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3698,41046-A+mao+pesada+do+legislador

A construção cultural da regulação da praticagem, portanto, consti-

tui um valor em si mesma, posto que representa um conjunto de

valores consagrados e que permitiram que os serviços fossem

prestados até hoje em perfeita sintonia com o desejado pelo

Estado e pela coletividade.

Infelizmente no Brasil, e aqui cito exemplos, não raras vezes toda

a experiência acumulada ao longo dos anos pelos intérpretes e

aplicadores das leis é atirada fora pela precipitada e inconse-

quente substituição dessas normas, que contêm, não raras vezes,

elementos estranhos à realidade e aos valores da coletividade. A

norma, por si, nada significa; o que vale e é relevante é sua aplica-

ção, realizada após um processo de valoração e interpretação. Para

que ela seja bem aplicada na regulação, seja pela autoridade

competente, seja pelo Poder Judiciário, é necessário que se atente

para a construção cultural, para o que se fez e o que se faz.

Nesse sentido, o Código Civil de 2002 substituiu o Código Civil de

1916 e o decreto-lei de 1919, que regulamentava as sociedades

limitadas, alterando substancialmente essas e outras diversas

normatizações, causando assim imensas dificuldades para sua

aplicação, que só foram sendo pacificadas recentemente após

longos e dolorosos processos judiciais e intensos estudos

doutrinários. Da mesma forma, a Lei de Concordatas e Falências de

1946 foi substituída por uma lei ‘oferecida’ pelo Banco Mundial,

que protege os interesses dos credores e afasta outros valores

mais caros à coletividade, como a manutenção das empresas, dos

empregos e da produção. Sobre o assunto, ainda jovem advogado,

escrevi um artigo para o site jurídico Migalhas,9 no qual defendia a

alteração pontual da legislação, simples atualizações naquilo em

que estivesse superada, velha, desatualizada, exatamente para que

os valores fundamentais de uma norma consolidada não fossem

perdidos, não fossem atirados ao lixo, causando todo tipo de dificul-

dades não só para os profissionais do direito, mas para a sociedade.

O bem tutelado e os valores da regulação

Não há dúvidas pelo que já foi visto aqui de que o bem jurídico

tutelado na regulação dos serviços de praticagem é a segurança do

tráfego aquaviário.

Essa é a razão de ser dos serviços, o porquê de sua existência; e,

sendo esse o bem tutelado, ao longo dos muitos anos de regulação

pelo Estado foi construído o que, com alguma liberdade literária,

chamamos neste momento de valores, todos eles justificados pela

segurança no tráfego aquaviário.

97

Page 98: Rumos Práticos - Seminário

Os valores a seguir tratados, de natureza institucional, jurídica,

operacional e econômica, parecem ser os fundamentais para que a

prestação dos serviços de praticagem continue a existir a contento,

de acordo com os interesses da coletividade.

O primeiro valor é o prático. Esse profissional é habilitado pela

autoridade marítima após demonstrar ter os conhecimentos

teóricos (que chamamos aqui de cultura naval) e práticos

(específicos de cada zona de praticagem).

O prático é valor a ser considerado porque, para exercer suas

atividades, foi obrigado a comprovar: 1) ter formação específica

sobre navegação, 2) dominar idioma ou idiomas estrangeiros e 3)

ter recebido treinamento suficiente sobre as particularidades de

uma zona de praticagem. Além disso, o prático é um ser humano e,

por essa razão, deve ser tratado com dignidade, valor esse

inalienável. Por isso, não pode o prático ser obrigado pela regula-

ção – nem o é pelas normas em vigor – a arriscar sua própria vida

e a de outros (por exemplo o piloto da lancha) para realizar mano-

bras, mesmo que essas interessem à coletividade, preço muito alto

e algumas vezes pago por alguns profissionais.

O segundo valor é a escala única de rodízio dos profissionais, que

visa garantir a distribuição equânime do serviço e a manutenção

do treinamento dos práticos em determinada zona de praticagem,

que explicamos melhor a seguir.

A escala única de rodízio existe, em todo o mundo, para garantir o

interesse do Estado e a disponibilidade ininterrupta do serviço de

praticagem, sem preferências ou discriminação de usuários. É

instrumento da autoridade para obrigar os práticos a atende

indistintamente qualquer navio, mesmo os que remuneram menos.

Ademais, a autoridade necessita garantir que os práticos não

sejam submetidos à fadiga e, simultaneamente, que todos mante-

nham grau uniforme de treinamento. Isso só é possível pela escala

única, viabilizada pela distribuição equitativa do serviço. Por isso,

e em reconhecimento a esse valor, em distintas ocasiões o Poder

Judiciário brasileiro manifestou-se favoravelmente à escala única,

sempre que fora contestada perante aquele foro.

Como corolário desse valor há o número de práticos designados

pela autoridade marítima para cada uma das zonas de praticagem.

Para que haja a manutenção do treinamento, os práticos devem

executar manobras mínimas, tal como um piloto de aeronave pre-

cisa de um número mínimo de horas de voo em cada tipo de aero-

nave, para que estejam garantidas, efetivamente, as condições de

segurança desejadas e esperadas. Um número excessivo de práti-

cos coloca em risco a manutenção do treinamento e, portanto,

anula o prático, sua função e toda a qualificação que foi obrigado

a ter para comprovar ser habilitado a prestar seus serviços.

O terceiro valor é o aprimoramento profissional: técnico e tec-

nológico. A autoridade marítima exige da praticagem a realização

de investimentos em infraestruturas (por exemplo, atalaias) e o

treinamento contínuo dos profissionais para que a segurança do

tráfego seja sempre maximizada de acordo com o estado da arte.

Aqui cabe, novamente, menção honrosa ao CONAPRA, entidade

que, por delegação da autoridade marítima, colabora com a

homologação de equipamentos utilizados na prestação dos serviços.

O quarto e último valor por nós identificado, e pedimos desculpas

antecipadas se esquecemos de algum e por isso falhamos em nos-

sos objetivos, é a negociação do preço. Embora alteração recente

da regulamentação possa sugerir uma diminuição da importância

desse valor construído ao longo dos anos, como vimos na palestra

anterior, a negociação continua a ser um valor importante na

eliminação de conflitos potenciais e serve para garantir que os

serviços continuem a ser prestados com o grau de excelência

exigido pela autoridade marítima brasileira.

Portanto, esses valores, identificados por nós, parecem ser os mais

relevantes e resultam de anos de experiência, constituindo a base

fundamental para que o bem tutelado, a segurança do tráfego

aquaviário, seja preservado. Qualquer alteração na regulação

desses valores fundamentais – e de outros que possam ter fugido

à nossa estreita compreensão – colocam em risco a segurança do

tráfego, o que contraria definitivamente o que a coletividade

espera da praticagem enquanto protagonista social.

Riscos da violação dos valores

Diante da brevidade desta intervenção, sem mais delongas, a

consequência óbvia de mudanças na regulação é um prejuízo

à prestação de serviços, que se pode traduzir de várias formas:

queda da qualidade dos serviços com a consequente ocorrência de

98

Page 99: Rumos Práticos - Seminário

acidentes a ser suportados pela coletividade através do Estado;

desinteresse dos profissionais em exercer a profissão e abandono

e renúncia da função, com o perdimento de todo o investimento

realizado na formação desses profissionais; e aumento de litígios

entre os diversos protagonistas.

A violação dos valores pode ser desastrosa do ponto de vista

econômico, social, jurídico etc., transcendendo os protagonistas

diretamente envolvidos, atingindo toda a coletividade. Não nos

cabe aqui, num exercício apocalíptico, enunciar hipóteses. Cabe-

nos, porém, discorrer sobre uma consequência que conhecemos

bem: os litígios.

Os litígios que poderão surgir não dizem respeito somente a conflitos

entre o Estado e seus regulados (os práticos), que podem contestar,

no exercício do direito de ação, as alterações em si mesmas, mas

também entre a praticagem e os armadores, agências marítimas e

outros protagonistas, incluídas outras autoridades, como a portuária,

obviamente, a depender da alteração realizada. Vamos ao assunto.

Judicialização dos litígios

Nesse sentido, cabe ainda nesta apresentação, falarmos sobre o

risco de judicialização dos litígios em razão de modificações na

regulação, se essas forem implementadas sem critérios, estudos e

sem estar fundadas nos valores corretos. Não se imagina aqui

afirmar que a autoridade marítima ou qualquer outra autoridade

legal e legitimamente constituída não possa promover reformas no

que for necessário. Tal afirmação seria absurda, mentirosa e levia-

na. De qualquer forma, os apontamentos a fazer apenas pretendem

chamar a atenção de todos para o sério risco de modificar a

regulação sem considerar a consequência de criar litígios que

terminam por chegar ao Judiciário.

A regulação serve, entre outras coisas, para dar estabilidade, que

pode ser violada pelos poderes constituídos de forma imprópria;

sem as devidas ponderações, poderão e quase certamente serão

questionadas judicialmente.

Até mesmo projetos legislativos são levados ao conhecimento do

Judiciário, como recentemente a proposta de emenda constitucional

que pretendia restringir a criação e atuação de partidos políticos.

Mas nada disso é necessário. Há espaços para que a regulação

seja adaptada à realidade social e aos valores sem que isso impli-

que alteração normativa. Nem sempre as normas precisam ser

alteradas diante de novas realidades sociais. A interpretação ou

mais propriamente a valoração das normas da regulação pode

mudar completamente sua aplicação. O sistema, ao contrário do

que se possa pensar, não é estanque, muito menos inflexível,

exatamente porque depende da ponderação de valores quando da

aplicação da norma.

Exemplo prático disso era a aplicação do Código Civil 1916 que,

apesar de falar em pátrio poder, não restringiu ao homem o direito

de exercer certos direitos (e cumprir certas obrigações) perante a

prole. E não se diga que isso resulta da promulgação da Constituição

Federal de 1988, porque a igualdade entre os cônjuges fora

reconhecida antes pela sociedade, como medida de aplicação da

Justiça, segundo a modificação dos valores da sociedade brasileira

após a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, a própria sociedade

reconhecia como justo tratar homens e mulheres como iguais, em

direitos e obrigações.

Ora, no mesmo sentido, os conflitos que eventualmente surgem

em relação à praticagem também podem ser resolvidos pela

aplicação das normas em vigor, segundo valores atuais.

A Lesta, o RLESTA e a Normam 12 apresentam-se hoje como a

síntese de uma construção histórica; foram aprimorados longa-

mente e não merecem, em absoluto, ser modificados, a menos

que essas modificações sejam estritamente necessárias para

correções pontuais.

Uma alteração normativa como houve na Argentina, desregulando

todo o setor, pode ser trágica para o todo, para a coletividade, que,

nessa hipótese, certamente demandará um “retrocesso”.

99

Page 100: Rumos Práticos - Seminário

Nesse sentido, é importante observar que embora existentes, os

litígios sobre praticagem são pontuais e raros, o que apenas revela

a estabilidade da atividade e de suas normas, que resultaram de

longa construção cultural dessa regulação.

Breve comentário sobre o Poder Judiciário brasileiro

Em que pesem os esforços recentes para modernização e melhoria

do Poder Judiciário brasileiro, ele é deficiente em razão do enorme

número de processos e dos parcos recursos (material e humano)

disponíveis.

Diversos artigos, teses e dissertações foram publicados sobre a

tendência à judicialização dos conflitos no Brasil, especialmente

depois da Constituição Federal de 1988, que garantiu, diga-se,

corretamente, o livre acesso ao Judiciário e o pleno exercício do

direito de ação.

Segundo informado pelo Conselho Nacional de Justiça − CNJ, os

tribunais brasileiros em 2011 eram responsáveis por mais de 26

milhões de processos.10 É como se 10% da população brasileira

estivesse a litigar!

Portanto, não parece ser razoável colaborar para o aumento de

litígios e impor aos protagonistas os ônus e despesas de uma

demanda judicial quando as soluções para os conflitos podem

existir com a aplicação das normas existentes segundo os valores

sociais. O prejuízo é duplo: para a sociedade como um todo, que não

encontra um Poder Judiciário capaz de resolver todos os conflitos,

bem como para os protagonistas relacionados com a praticagem.

Formas alternativas de resolução de litígios

Há três formas possíveis para a resolução de litígios além da

judicial: a conhecida como composição, conciliação ou transação,

a mediação e a arbitragem.

A composição, conciliação ou transação é o acordo. Na nossa

experiência como advogados essa é a melhor forma porque as

partes, mediante mútuas concessões, resolvem pôr fim ao conflito.

Essa forma deve ser buscada sempre pelas partes envolvidas e

pela autoridade que regula os serviços. Como é dito corriqueira-

mente, mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.

Contudo, nem sempre a composição é possível, e, por isso, é

necessário recorrer a outras formas de solução de conflitos.

A mediação no Brasil, por ausência de disposição legal, não obriga

as partes a aceitar o entendimento do mediador. As partes

apresentam suas demandas e suas defesas, e o mediador pode

simplesmente recomendar-lhes a adoção de uma determinada

solução, que pode muito bem ser ignorada pelas partes. Em outros

países, a decisão do mediador ou mediadores, normalmente

pessoa ou pessoas com prestígio entre ambas as partes, passa a

ser obrigatória.

Além da mediação há a arbitragem, forma de resolução de litígios

fora do Judiciário. As partes firmam compromisso arbitral,

normalmente presente em cláusula contratual, no qual se

comprometem e se obrigam a submeter a um árbitro ou tribunal

arbitral o litígio que eventualmente surja. O Poder Judiciário pode

não conhecer esse litígio, exceto em situações emergenciais, que

demandam medidas cautelares. Só podem ser objeto de arbitra-

gem litígios entre partes capazes e se o objeto tratar de direitos

patrimoniais disponíveis.11

Direitos não patrimoniais − por exemplo, algum assunto relativo a

menores em qualquer litígio de família − não podem ser objeto de

arbitragem. Da mesma forma o patrimônio público, que é indis-

ponível, não pode ser levado ao árbitro ou tribunal arbitral. Nesse

sentido, há uma parte reservada à competência do Poder Judiciário.

Espero ter colaborado de alguma forma para enriquecer o debate.

Obrigado.

10 http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/10/29/numero-de-processos-no-pais-cresceu-8-8-em-no-ano-passado.11 Conform art. 10 da Lei n0 9.307/1996.100

Page 101: Rumos Práticos - Seminário

Estimados senhoras e senhores,

Nestes dois dias a praticagem brasileira, saindo do ‘silêncio’, o som da segurança que caracteriza nossa atividade, mostrou uma pequena parte de sua contribuição ao desenvolvimento nacional e à eficiência de nossa economia,

fazendo jus à tradição de superação do povo brasileiro. Dignos palestrantes evidenciaram que os profissionais práticos e toda a estrutura do serviço que suporta seu trabalho a bordo estão presentes na economia de todas

as nações. Sem destaque, mas suficientemente forte para caracterizar a importância de nossa atividade, foi a imagem de práticos pagando com a vida seus erros.

Os tempos de cruéis punições passaram. Hoje formam o grato folclore que emoldura a atividade no cotidiano da navegação segura em águas restritas ou marcada por fragilidades ambientais.

Ficou, no entanto, esclarecido que perduram a imprescindibilidade e importância que acompanham a praticagem desde tempos imemoriais. A expansão do comércio, a competitividade entre as nações

e as exigências sociais de segurança ambiental passaram, aliás, a exigir ainda mais eficiência e confiabilidade dessa atividade. Mostrou-se que sua regulação, mais do que necessidade, dado seu

caráter essencial, é a forma mais eficiente de o Estado disponibilizar esse serviço. E tivemos a oportunidade de vislumbrar os efeitos nefastos que podem ser verificados quando o Estado

abdica dessa regulação e espera que a ‘mão do mercado’ resolva todas as questões.

O seminário que ora se encerra apresentou aspectos relevantes da realidade brasileira, comparando-os à experiência internacional. Mostrou que o serviço de praticagem tem

importância capaz de merecer especiais atenções da ONU, por intermédio de seu órgão para assuntos marítimos, a Organização Marítima Internacional – IMO, que nos

prestigiou neste evento.

Mostrou que a praticagem no Brasil não apenas segue paradigmas internacionais de sucesso, mas se destaca como referência.

E quais são os paradigmas que verificamos nestes dois dias? Não custa lembrá-los, pois que estão presentes globalmente:

(a) estrutura única de praticagem em cada zona, compreendendo três elementos indissociáveis, organicamente organizados:

práticos, atalaia e lanchas;

(b) execução do serviço por profissionais, cidadãos que atuam no interesse público, adequadamente treinados,

habilitados perante o Estado e não concorrentes entre si;

(c) distribuição equitativa da carga de trabalho entre todos os práticos, como forma de garantir

a prestação ininterrupta do serviço e a inexistência de regimes de preferência, mas também

a manutenção de grau de perícia uniforme, sem fadiga;

(d) número de práticos limitado em cada zona;

101

Encerramento

Page 102: Rumos Práticos - Seminário

(e) serviço remunerado pelos usuários, porém com subordinação dos práticos ao Estado, sem que ocorra vínculo empregatício entre práticos e usuários;

(f) existência de legislação específica sobre praticagem, com inclusão de mecanismos que permitam padrões adequados de eficiência ao longo do tempo, autonomia do serviço, atualização, reinvestimento e remunerações sustentáveis, desejavelmente sem ônus para o poder público.

Este seminário mostrou o preparo técnico e a contemporaneidade do serviço de praticagem. E nossa contribuição para o desempenho da economia nacional e do comércio exterior. Mostrou a essencialidade do serviço e o interesse público ao qual atende e se subordina.

Nada, porém, é perene ou perfeito. A Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem criada pelo Decreto n0 7.860 de 06 de dezembro de 2012 representa o esforço de nosso governo, e da sociedade, em aperfeiçoar o serviço de praticagem no Brasil.

Vimos que esse tipo de processo de revisão, quando realizado em outros países, tomou anos de discussões, com diferentes especialistas e a participação dos maiores conhecedores da atividade de praticagem: os próprios práticos.

Também se evidenciou, em diversas apresentações, a importância do relacionamento entre as partes, mediante relação de confiança mútua, a fim de se evitarem assimetrias de informa-ções. Não podemos temer que isso seja interpretado como lobbying ou captura. Trata-se de legítima contribuição ao processo de tomada de decisão. Acreditamos que fizemos nossa parte, que demos nossa contribuição para a sensata discussão dos diversos aspectos dessa nobre atividade. A jornada de mil quilômetros começa com o primeiro passo...

Senhoras e senhores, a existência de praticagem regulamentada no Brasil iniciou-se em 1808. Apresenta níveis de eficiência comparáveis aos mais elevados registra-dos no concerto das nações. Coloca à disposição da sociedade brasileira experiência secular e consagrada, dentro de regulação bem-sucedida promovida pela autoridade marítima brasileira – a Marinha do Brasil.

Entramos no século 21 como serviço de ponta. Por certo, temos o que melhorar, mas devemos estar atentos para evitar experiências equivoca-das, particularizadas ou mesmo que representem aventura não testada. Não devemos correr riscos, acreditando que podemos criar modelos absolutamente originais para uma atividade que remonta a tempos babilônicos. O Brasil segue paradigma que é global e decorrente da evolução de ‘boas práticas’ milenares.

Grato pela atenção de todos e pela honra que suas presenças emprestaram a este seminário.

Ricardo Falcão

102

Encerramento

Page 103: Rumos Práticos - Seminário
Page 104: Rumos Práticos - Seminário