Rui. iartinhoRodrigues Antonio Roberto Xaoier

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EDUCAÇÃO, DESVIO E CRIME Rui. iartinho Rodrigues Antonio Roberto Xaoier Introdução A sociedade brasileira vive um momento de inte ca- ção de conflitos, de aumento da violência, de transformação das referências culturais. Este último aspecto dificulta o dis- cernimento do que seja conduta social aceitável. É também um momento de proliferação de tipos penais', através de uma legislação incriminadora e encarceradora, sem embargo de toda a impunidade que campeia em todas as camadas sociais. A banalização da violência leva à busca de soluções. O direito penal é visto por muitos como a panaceia capaz de resolver o problema da banalizaçãoda violência e do crime numa socie- dade hedonista e amoral. As esperanças de solução para a am- pla impunidade observada se voltam, ainda segundo muitos para o direito criminal. Será que a tipificação de condutas como crimes, com a respectiva cominação de penas, é o instrumento adequado para reduzir a impunidade? A cultura hedonista e a permissi- vidade amoral serão modificadas pela feitura de tipos penais e pelo agravamento de penas? A educação terá algum papel nisso tudo? Tais indagações nos convidam a uma reflexão bre o que sejam crime e desvio, ao lado do que seja educação e o seu papel na sociedade cosmopolita, relativista, pó -mo- 1Tipo penal é "a descrição do comportamento proibido, cornpreencenco as terísticas objetivas (tipo objetivo) e subjetivas (tipo subjetivo) do fato [...r (FRAGOSO, Heleno Cláudio apud MAGALHÃES, Ester C. Pira íbe.] L GALHAES. Marcelo C. Piragibe. Rio de Janeiro: Dicionário jurídico Piragibe. 9. ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 1206.

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EDUCAÇÃO, DESVIO E CRIME

Rui. iartinho RodriguesAntonio Roberto Xaoier

Introdução

A sociedade brasileira vive um momento de inte ca-ção de conflitos, de aumento da violência, de transformaçãodas referências culturais. Este último aspecto dificulta o dis-cernimento do que seja conduta social aceitável. É tambémum momento de proliferação de tipos penais', através de umalegislação incriminadora e encarceradora, sem embargo detoda a impunidade que campeia em todas as camadas sociais.A banalização da violência leva à busca de soluções. O direitopenal é visto por muitos como a panaceia capaz de resolver oproblema da banalizaçãoda violência e do crime numa socie-dade hedonista e amoral. As esperanças de solução para a am-pla impunidade observada se voltam, ainda segundo muitospara o direito criminal.

Será que a tipificação de condutas como crimes, coma respectiva cominação de penas, é o instrumento adequadopara reduzir a impunidade? A cultura hedonista e a permissi-vidade amoral serão modificadas pela feitura de tipos penaise pelo agravamento de penas? A educação terá algum papelnisso tudo? Tais indagações nos convidam a uma reflexãobre o que sejam crime e desvio, ao lado do que seja educaçãoe o seu papel na sociedade cosmopolita, relativista, pó -mo-

1Tipo penal é "a descrição do comportamento proibido, cornpreencenco asterísticas objetivas (tipo objetivo) e subjetivas (tipo subjetivo) do fato [...r(FRAGOSO, Heleno Cláudio apud MAGALHÃES,Ester C. Pira íbe.] L GALHAES.Marcelo C. Piragibe. Rio de Janeiro: Dicionário jurídico Piragibe. 9. ed, Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2007. p. 1206.

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[...]'é o fato humano contrário à lei' [...]'é qualqueração legalmente punível', [...] 'é toda ação ou omissãoproibida pela lei sob ameaça de pena' [...] 'é uma con-duta (ação ou omissão) contrária ao Direito, a que a leiatribui uma pena' [...] é a contradição do fato a umanorma de direito penal, ou seja, sua ilegalidade comofato contrário à norma penal".

derna, amoral e hedonista. Pensar tudo isso requer, para nãorepetirmos procedimentos que têm se mostrado inadequados,requer um estudo crítico-argumentativo, com fundamentoanalítico-sintético.

o Que é Crime

Crime não é conceito definido no nosso código penal,édeixado à elaboração da doutrina. Considerado apenas naperspectiva formal, exterior ao fato incriminado, que é umaperspectiva puramente jurídica, crime ...

Debruçando-nos sobre o aspecto material, para ultra-passarmos os aspectos puramente formais, defrontamo-noscom a necessidade de explicar os motivos pelos quais o legis-lador considerou criminosa esta ou aquela conduta; e com quecritérios distinguiu o ilícito do lícito, cominando-lhe pena. Oaspecto material do que venha a ser crime transcende os limi-tes do jurídico, adentrando pela Filosofia, a Sociologia, e detantas outras disciplinas humanísticas,

[...] qualquer que seja a finalidade do Estado [...] ou seuregime político (democracia, autoritarismo,socialismoetc) [...]. Tem o Estado que velar pela paz interna, pelasegurança e estabilidade coletivas diante dos conflitos

2 MlRABETE, JulioFabrini. Manual de direito penal. 14. ed. São Paulo: Atlas,1998. p. 93, citando diversos autores.

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inevitáveis entre os interesses [e paixões] dos individuose entre os do poder constituído. Para i o é necessáriovalorar os bens ou interesses individuais ou coletivos,protegendo-se através da lei penal, [... ]. Chega-se,assim, a conceitos materiais ou substanciais de crime:'[ ...] é conduta humana que lesa ou expõe a perigo umbem jurídico protegido pela lei'; '[ ...] é ação ou omissãoque, ajuízo do legislador, contrasta violentamente comvalores ou interesses do corpo social, de modo a exigirseja proibida sob ameaça de pena [.. .]'; '[ ...] é qualquerfato do homem, lesivo de um interesse, que po a com-prometer as condições de existência, de conservação ede desenvolvimento da sociedade'; [é] conduta conside-rada [...] contrária a uma norma de cultura reconhecidapelo Estado e lesiva de bens juridicamente protegidos,procedente de homem imputável que manifesta comsua agressão periculosidade social's.

A consideração do que seja crime, como dito, sopesa ointeresse da paz e da segurança da sociedade e dos indivíduosque a integram, bem como a proteção de interesses abrigadospela cultura e amparados pelo Estado, donde se depreendeque o estado não deva amparar penalmente interesses não va-lorados pela cultura. Definir o que sejam tais coisas nos levaaos juízos de valor, o que por sua vez nos leva a uma escolhaque antes de ser jurídica é cultural, filosófica e política.

O juízo técnico do que seja crime se dá na etapa poste-rior, quando já se tenha definido na esfera legislativa, por meiodo juizo de valor, que uma conduta é crime, por ser contráriaa uma norma da cultura reconhecida pelo Estado, por ferir in-teresses relacionados às condições de existência da sociedade,conforme excerto citado. Esta segunda etapa, de natureza téc-nica, consistirá em verificar a existência de coincidência entrea descrição típica do crime e a conduta do acusado.

a Id. Ibidem., p. 94, citando diversos autores.

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A consideração do que sejam condutas culturalmenteaceitas ou repudiadas sofre flutuação histórica nas sociedades.O grau de repúdio pode ficar limitado à reprovação moral da so-ciedade ou de uma de suas parcelas sem, contudo, configurar asituação que, segundo o juízo de valor formulado na esfera po-lítica, mereça o arrimo do Estado, na forma da criminalizaçãoda conduta divergente configurando o que sociologicamentepode ser considerado desvio que im passa a crime. Exem-plos de condutas julgadas pela ociedade ou parte consideráveldela com severidade moral em que o Estado brasileiro a tenhaconsiderado crime, são a pro .tuição e o incesto.

Os indivíduo d ian·es ão aqueles que se recusam aviver de acordo com as regras seguidas pela maioria denós [...], que não se encaixam naquele conceito que amaioria das pes oas eria de padrões normais de acei-tabilidade. Entre an o. [...] a noção de desviante não éfácil de ser definida. [ ...]-.

A sociedade multicultural do no so tempo problemati-zou sobremodo o que eja conduta diante.

Podemos definir desvio como uma não-conformidadecom determinado conjun o de normas que são aceitas porum número ignificativo de pes oas em uma comunidadeou sociedade. [...] nenhuma ociedade pode ser reparti-da, de um modo imples, entre aqueles que se desviamdas normas e aque que agem de acordo com elas.Amaioria de nó , em algumas ocasiões, transgride regrasde comportamen o geralmente aceitas. [...]. O desvio eo crime não são sinônimos embora em muitos casos sesobreponham. [...] muitas formas de comportamentodesviante não são sancionadas pela lei. [...]. O conceito dedesvio pode er aplicado tanto no caso de comportamentoindividual como no da atividade de grupos>.

4 GlDDENS, Anthony. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 172.

SId. Ibidem., p. 173.

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A tipificação de condutas como crime exige parcimôniado legislador. Multiplicar tipos penais pode indicar intolerância;pode sinalizar a ilusão do uso do direito penal como panaceiapara um grande número de problemas que demandam outrassoluções. Enseja a suspeita de super-regulamentação das con-dutas sociais, prática atentatória à liberdade individual e a li-berdade negocial, as quais devem encontrar abrigo na licitude.

Assistimos, em nosso tempo, na sociedade brasileira,a proliferação dos tipos penais. Condutas que eram mera ir-regularidade administrativa ou simples contravenção tor-naram-se crime, sendo em alguns casos categorizados comoinafiançáveis. Isso é a expressão do maximalismo penal", Odireito penal deve ser a ultimoratio". Um mínimo de condutasdeveria ser tratado como crime.

Legisladores despreparados, seguindo a orientação degrupos de pressão "politicamente corretos" criaram crimescontra a ordem tributária", crimes ambientais inafiançá-veis, crimes de perigo abstrato, que, para se concretizar, exi-gem que se imagine uma conduta que na prática ainda nãose concretizou, como é o caso da posse de arma no domicílioda pessoa, que exige um perigo não concretizado, na condutaperigosa imaginada, não sendo necessário que seja praticada.Plurima legis péssima, res publicas

Como os processos penais oferecem mais garantias aoréu, ficou mais difícil sancionar condutas que antes eram sim-

6 Corrente doutrinária pouca aceita, em nossos dias, na doutrina em todo o mundo,encontrando, não obstante, abrigo por parte de grupos de ativismo político,naimprensa e entre legisladores. Uma obra de referência, desta linha doutrinária é:JAKOBS, Günther. Tl'atado de dil'eito penal (teoria do injusto penal e culpabili-dade). Belo Horizonte: Dei Rey, 2008.

7 Pode-se traduzir livremente como "último argumento" ou "último recurso".8 Ver MACHADO, Hugo de Brito. Crimes conrrc a ordem tributária. São Paulo:Atlas, 2008.

9Pode ser traduzido livremente como "muitas leis, péssimo para a coisa pública".

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ples ilícitos administrativos e podiam ser sancionadas pelaautoridade administrativa, contribuindo para a impunidade.

As explicações referentes ao crime, integrantes dos es-tudos de criminologia, se dividem em dois grupos distintos.Um deles foca a atenção no entorno do agente da conduta cri-minosa. Outro dirige a atenção para a conduta do agente.

A primeira vertente tende a pensar em desigualdadesocial, dívida social, desemprego, baixa renda, baixa escola-ridade e outros fatores socioeconômicos. Embora os fatoresculturais façam parte do entorno do agente e da conduta, taisfatores têm sido negligenciados. Uma autêntica revolução cul-tural, ampla e profunda, afastou os marcos da conduta social-mente aceita, configurando um quadro próximo da anomia.Este certamente é um fator relevante, dentre aqueles exterio-res ao agente do crime, não obstante negligenciado pelos es-tudos dos fatores criminogênicos.

Os mesmos grupos de pressão que se apresentam comoarautos do direito penal máximo, propondo criminalizar eagravar penas de numerosas condutas, quando se trate decertos crimes vulgares, adota o minimalismo ou até aboli-cionismo penal. Cuida-se, equivocadamente, que o crime éuma manifestação de rebeldia, uma forma primitiva de pro-testo social; uma contingência imposta pela necessidade desobrevivência. O romantismo sociológico que assim interpretao crime vulgar ignora que o agente de tais condutas geralmen-te é jovem, não contribui para o sustento da família e usa oproduto do furto, do roubo, do latrocínio da maneira mais ir-responsável possível.

A ideia de romântica do bandido social, defendida pelohistoriador Eric Hobsbawm, categoria por ele aplicada aoscangaceiros do Nordeste do Brasil, foi refutada pelo tambémhistoriador Billy Jaynes Chandler. Sem jamais ter entrevista-

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do um cangaceiro, uma de suas vítimas, algum dos seus ini-migos ou contemporâneos, Hobsbawm teorizou com surpre-endente desenvoltura sobre o tema, atribuindo a gênese docangaço exclusivamente a motivos sociais, políticos e econô-micos, seguindo o "fetichismo do conceito", baseando-se emgeneralizações sobre a dinâmica da Hi tória e os fenômenossociais. Chandler redarguiu.

As teorias de Hobsbawm obre banditi mo, emboraextensas e abrangedoras, não ão, nem racionalmente,nem adequadamente, apoiadas em evidências dignasde confiança. A confusão principal resulta do fato deque trata dos bandidos como mito e realidade, em, emmuitos casos, fazer distinção entre do'. Por essas ine-xatidões, suas ideias não condizem à aná .- ,e portanto,são melhores se tomadas como ug ões empíricas'P.

A crítica de Chandler a Hobsbawrn e aproxima da crí-tica de Luís de Gusmão ao que ele denomina "fe .cru mo doconceito", atitude que leva o pesquisador ao que G mão cha-ma de

[...] investigações teoricamente orientad . [...] [que]nem sempre lidam com a realidade ocial indubitável.Isso significa dizer que não está excluída aqui a po i-bilidade de o investigador vir a di correr. com base emsuas premissas teóricas, sobre coi as cuja e:' êncianão se coloca, em absoluto, acima da dúvida ensata-'.

Embora o cangaceirismo se distinga da criminalidadeatual, a analogia é válida no que concerne à crítica da visãoromântica do crime. Frederico Pernambucano de ~Iello, aexemplo de Chandler, também discorda da te e do bandido

10 CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião o rei dos cangaceiros. . ed, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1980. p. 311.11 GUSMÃO, Luís de. O fetichismo do conceito (limites do conhecimento teóricona investigação social). 2. ed. Rio de Janeiro: Topboocks, 2012. p.2 .

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social, não obstante, em sua tipologia classifique o cangaçoem três tipos:(i) vingança (ii) refúgio e(iii) profissão.

O primeiro guarda certa emelhança com um dos tiposaludidos por Chandler que não o considera "bandido social",ainda que respeite a vingança como ex-pressãoda cultura dassociedades em que o fenômeno e manifesta, sem deixar deconsiderar banditismo vulzar a vingança praticada com ex-cessos que extrapolam o limi es estritos da vingança, alcan-çando terceiros. O segundo ipo eria uma forma de engaja-mento provisório, pela qual o can aceiro, agregando-se a umbando, fugia de perseguidore enquanto se distanciava deles,desertando a seguir do cangaço. O terceiro tipo, constituindouma escolha "profissional", uma opção por um modo de ga-nhar a vida e viver aventuras, eria bandido, sim, mas sem oadjetivo "socíal.''=

O equilíbrio entre o maximalismo penal, que percebe odireito criminal com uma panaceia capaz de solucionar inú-meros males, de um lado: e. de outro, o equívoco do aboli-cionismo penal, que roman .camente percebe o crime comoprotesto e o engalana como re ldia legítima, é desafiado aidentificar aquele mínimo e co du as que deve ser tipifica-do como crime. Além disso. deve pensar os conflitos sociais eas condutas bavidos por mui 0- como divergentes por outrosprismas que não o do direi o criminal. urge aí o momento deindagarmos qual o papel da ed cação em face do acirramentodos conflitos na sociedade.

Antes, porém, cumpre-no explicitar o que entendemospor educação e os problemas que lhe estão reservados no tem-po presente.

12 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol (violência e banditismono Nordeste do Brasil). São Paulo: A Girafa Editora, 2004.

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o Que é Educação

As instituições em geral vivem a dificuldade de encontrarum lugar na sociedade, em meio às transformações históricasdo nosso tempo. A mobilidade geográfica as comunicaçõesplanetárias em tempo real, os relativismos cultural cognitivoe valorativo embaralharam as referências, o limites da condu-ta social. Como educar, ou mais precisamente, o que devemoconsiderar como ato educação, em tais circunstâncias.

A educação pode ser entendida como:

1. transmissão da herança cultural. Assim, será um esforçocentrado na cultura, preservando e difundindo valores,habilidades, hábitos e saberes.

11. Também pode ser concebida como projeto político, voltadapara a arregimentação dos cidadãos pelas diversas organi-zações da sociedade civil.A educação tem sido vista,ainda,como ...

m. um processo centrado na pessoa do educando, voltado paraa busca das especificidades deste, procurando identificarsuas potencialidades e limitações, objetivando a otimizaçãodo aproveitamento das primeiras e a superação das últimas.Finalmente, educação pode ser pensada como...

IV. um processo sem fronteiras, livre de toda e qualquer de-finição prévia, a qual denominamos, quando escrevemoalhures, educação não centrada'ê.

A educação não centrada permanece aberta aos inte-resses e paixões mais diversos dos educandos, de seus paise da sociedade, buscando ainda identificar potencialidades elimitações do educando, visando reforçar as primeiras e supe-

13 SÁ, Maria Ivoni Pereira de; MARTINHO RODRlGUES, Rui. Desenvol imentoe educação. Educação em debate, ano 16, 11. 27 e 28, jan/dez de 1994, p. 13-30.

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rar as últimas, sem negli enciar a preservação do patrimôniohistórico, científico, artístico. 'alorativo e cultural. Assim, aeducação não centrada pe - ue todos os objetivos, tanto daeducação centrada na C ._,. como da educação centrada noprojeto político; e da ed -o centrada na pessoa, sem incor-rer nos reducionismo a delas.

As profun e acre cente diversidade depadrões culturais . o emente na educação, comosobre todo o p o o-o Diante da banalização daviolência e do o papel reservado à educa-ção. Parte do p o ~ consiste na socialização dacriança, que por objetivo o aprendizado daconvivência em 0- nos preparar para convi-ver numa socieda . individualista, relativista,hedonista e amo egurança e a paz socialno quadro da pó - ssim descrita; protegendoalguns valor a - o Estado, a despeito dacolisão de principio ulticultural.w

As po turas - corretas" propõem o quelhes parece certo. T - oral, estamos cogitandode juízos de valor. O _ gnitivo e valorativo nãopode respaldar uma o o concernente à moral pri-vada. Estabelecer nov - tando com a tutela do Es-tado, encerra uma pro ção da moral privada.A escola é colhida e o elinho de conflitos assimproduzidos.

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14 HARVEY, David. Condição • modt::-na. São Paulo: Loyola, 1992.15 O multiculturalismo ap • • : uma assimilacionista, que seinclina, como o nome sugere, as:s;C:tilIaç2-io da cultura materialmente maisfraca pela mais forte; outro . e.~lCi;aLlist.a, que reconhece a diversidade epretende preservá-Ia, arrostando o'risco de reo gelar" as culturas; e uma terceiratendência interativa e aberta - culturais. Ver MORElRA, Flávio;eCANDAU, Vera Maria (OI1!.). • o: diferenças culturais e práticaspedagógicas. Petrópolis: \'OI~·..'-"lJ'''''_

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o Estado tutela, via legislação criminal, bens jurídicosidentificados com valores culturai da ociedade como ditonas primeiras linhas deste estudo. Também protege interes-ses ligados à paz social, à segurança e ao de envolvimentodas comunidades e das pessoas, visando a uperação das de-sigualdades sociais e regionais, critério in e rant do que seentende sejam políticas públicas:

Instrumento de Estado, em e peci do Executivo e doLegislativo, de caráter vinculati '0 e odeve permitir divisar as etapa de congramas políticos constitucionais vo - à realizaçãodos fins do Estado democrático de Direito. íveis deexame de mérito pelo Poder Judiciário. ...]' plica, por-tanto, uma meta a ser alcançada e um conj o ordena-do de meios ou instrumentos - .tucionaise financeiros - aptos à consecução e e tado."

Resta saber quais são os fins do Estado b i eiro nostermos do texto da nossa carta constitucio . para que epossa vislumbrar o perfil das políticas públi ed cação.

Art. 3: Constituem objetivos fundame • z., da Repú-blica Federativa do Brasil: I -co a iedadelivre, justa e solidária; [...] III - erra icar a pobreza ea marginalização e reduzir as desi aldades ociais eregionais; IV - promover o bem de • o. m precon-ceito de origem, raça, sexo, cor, idade e q .sq er outrasformas de discriminação.

Art. 5: Todos são iguais perante a lei. -qualquer natureza, garantindo- e ao erro e aosestrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dodireito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,nos termos seguintes.'?

16 DIMOULIS, Dimitri. Dicionár'io brasileiro de Direito ConstitucionaL São Paulo:Saraiva, 2007. p. 285.17 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil in A' 'GHER, AnneJoyce(Org.), Vademecum acadêmico de direito. 2 ed. âo Paulo: Rideel, 2005· p. 43·

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A educação terá que se posicionar diante dos valoresconflitantes, observando o dispo to no texto constitucional.Uma sociedade livre não poderá tolerar uma ortodoxia nocampo da moral privada. O E tado não poderá ditar os termosda moral privada dos cidadãos de uma sociedade livre. Talnão seria justo, o que contrariaria outro ponto do dispositivoconstitucional citado. "Promover o bem de todos, sem pre-conceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas e discriminação" é um mandamento constitucional degrande amplitude: "quaisquer outras formas de discrimina-ção" é uma fórmula que a todo protege, seja os que reivin-dicam novos marcos valorativo até aqueles que defendem apreservação de valores firmado na experiência histórica.

Controle Social, Educação Desvio e Crime

As condutas em sociedade ão em grande parte influen-ciadas pelos controles sociai . Estes e apresentam tanto for-mal como informalmente. O controles formais são aquelesamparados pela força do Estado eja através da polícia, do ju-diciário ou de outros meios. O controles informais são aquelespraticados pela sociedade, por meio de simples atitudes de re-provação ou de reconhecimento do mérito de certas condutas.

A escola e a família, duas grandes agências de edu-cação e controle social, perderam substancial parcela dacapacidade de exercer tais funções. As igrejas, igualmentepartícipes do controle social informal e do processo educati-vo em sentido amplo, em sua maioria, perderam efetividade,seguindo uma dinâmica que poderia ser descrita como sui-cídio moral do clero. A erosão sofrida pelas referências valo-rativas e pelos marcos definidores de limites para a condutasocial, tornaram tais referências imprecisas e polêmicas. A

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ano mia assim estabelecida favoreceu a toda espécie de con-duta, inclusive a violência, o crime. O relativismo extremadodespreza a razão que poderia mediar civilizadamente os con-flitos. Resta a violência.

As parentelas, formadas por pessoas de graus de paren-tesco mais afastados do que aqueles que habitualmente inte-gram o núcleo familial, no que se incluía o parentesco ritual,na forma do compadrio, participava do controle social, obser-vando, opinando, com os seus membros cobrando contas unsdos outros. Os laços de parentesco, todavia, tomaram-se frou-xos e vazios de significado, com limitadas possibilidades departicipar do controle social no âmbito da parentela. Os pais,irmãos e os mais velhos, assim como os tios, avós, padrinhose primos já não são necessariamente ouvidos.

Os grupos de vizinhança, com destaque para os mem-bros mais velhos dos referidos grupos, tornaram-se impoten-tes em face das condutas anteriormente havidas como des-vios. Tampouco podem interferir nas práticas criminosas,nem sempre claramente diferenciadas do mero desvio, nacompreensão de muitos.

A educação formal tornou-se libertária; a chamada in-dústria cultural aderiu ao slogan "é proibido proibir". A edu-cação informal acompanhou a tendência pós-moderna, ade-rindo ao relativismo, ao niilismo, ao hedonismo e à anomiaque daí resulta, reforçada por um discurso leniente que se ar-vora em "politicamente correto".

Fragilizados os controles informais, que são os contro-les da sociedade, resta o controle formal do Estado. Este, porsua vez, não se mostra efetivo. O aparato estatal contaminou--se com a anomia generalizada.

A preocupação com a inclusão só não alcança os pro-cessos pelos quais as sociedades, milenarmente sancionavam

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aqueles que a agrediam. Tais p oces os estão sendo paulati-namente excluído exp do campo da legalidade para aesfera da clandestinidade co e na suposição da aptidãoinfalível do diálogo para - cionar todos os conflitos. Issotem deixado a socieda e-a. conforme se verifica, demodo mais evidente. -. Esta tornou-se impotente,sem poder impor nenh a - -o.

O indivíduo d sarraíz . ola e fragiliza, configu-rando a vítima fácil. a e e ça da corsa claudicante nasavana, diante dos preda o s. co o quais o agente da con-duta criminosa é compará .

Algumas (ondusões

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Os controles raro efetividade. Família eparentela, grupo de vi:zinhança, i ejas e escola tornaram-seimpotentes.

Os meio de comunica ão e a estimulam o relati-vismo, o hedonismo e ... o. na cultura pós-moderna.

O que restou ao con e .al foi o aparato estatal, quepor sua vez, encontra- e eriamente comprometido.

O individualismo i o a e - giliza pessoas, tornando-asvulneráveis à violência.

A noção de limit à co ocial, juntamente com osentido de dever estão em - co declínio, deixando a educa-ção sem uma bússola valera . -a. _ im, a própria escola setornou vulnerável, acumulando. por ua pregação libertária, afunção de agente fragilizador da ociedade.

As mudanças culturais b cas e profundas desorien-tam, deixando o homem con emporâneo desnorteado, domesmo modo que tantas vezes e ob erva no índio aculturado.Tal situação potencializa conflito .

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A romantização da transgressão, por ingenuidade oupor impostura intelectual, estimula o desvio e progressiva-mente banaliza o crime.

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