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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 216 abril a junho de 2011

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  • 1. Revista Trimestral de Jurisprudncia volume 216abril a junho de 2011

2. Diretoria Geral Alcides Diniz da SilvaSecretaria de DocumentaoJaneth Aparecida Dias de MeloCoordenadoria de Divulgao de JurisprudnciaLeide Maria Soares Corra Cesar Seo de Preparo de Publicaes Cntia Machado Gonalves Soares Seo de Padronizao e Reviso Rochelle Quito Seo de Distribuio de Edies Maria Cristina Hilrio da SilvaDiagramao: Eduardo Franco DiasCapa: Ncleo de Programao Visual(Supremo Tribunal Federal Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)Revista Trimestral de Jurisprudncia / Supremo Tribunal Federal. V. 1,n. 1 (abr./jun. 1957) - . Braslia : STF, 1957- . v. ; 22 x 16 cm. Trimestral. Ttulo varia: RTJ. Repositrio Oficial de Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. Nome do editor varia: Imprensa Nacional / Supremo Tribunal Federal,1957 a 2001; Editora Braslia Jurdica, 2002 a 2006; Supremo TribunalFederal, 2007- . Disponvel tambm em formato eletrnico a partir de abr. 1957:http://www.stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp. ISSN 0035-0540.1. Tribunal supremo, jurisprudncia, Brasil. 2. Tribunal supremo,peridico, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).Coordenadoria de Divulgao de Jurisprudncia. II. Ttulo: RTJ.CDD 340.6 Solicitasepermuta.STF/CDJU Pdese canje.Anexo II, Cobertura On demande lchange.Praa dos Trs Poderes Si richiede loscambio.70175900 BrasliaDF We ask forexchange. [email protected] Wir bitten umAustausch. Fone: (0xx61)32174766 3. Supre o TRIBUNAL FEDERAL mMi is ro Antonio CEZAR PELUSO (2562003), Presidenten tMi is ro Carlos Augusto Ayres de Freitas BRITTO (2562003), Vice-Presidenten tMi is ro Jos CELSO DE MELLO Filho (1781989)n tMi is ro MARCO AURLIO Mendes de Farias Mello (1361990)n tMi is ra ELLEN GRACIE Northfleet (14122000)n tMi is ro GILMAR Ferreira MENDES (2062002)n tMi is ro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (2562003)n tMi is ro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (1632006)n tMi is ra CRMEN LCIA Antunes Rocha (2162006)n tMinistro Jos Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009)Ministro LUIZ FUX (3-3-2011) COMPOSIO DAS TURMASPrimeira TurmaMinistra CRMEN LCIA Antunes Rocha, PresidenteMinistro MARCO AURLIO Mendes de Farias MelloMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistro Jos Antonio DIAS TOFFOLIMinistro LUIZ FUXSegunda TurmaMinistro GILMAR Ferreira MENDES, PresidenteMinistro Jos CELSO DE MELLO FilhoMinistra ELLEN GRACIE NorthfleetMinistro Carlos Augusto AYRES de Freitas BRITTOMinistro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesPROCURADORGERAL DA REPBLICADoutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS 4. COMPOSIO DAS COMISSESCOMISSO DE REGIMENTOMi is ro MARCO AURLIOn tMi is ro GILMAR MENDESn tMi is ro JOAQUIM BARBOSAn tMi is ro DIAS TOFFOLI Suplenten tCOMISSO DE JURISPRUDNCIAMi is ra ELLEN GRACIEn tMi is ro AYRES BRITTOn tMi is ra CRMEN LCIAn tCOMISSO DE DOCUMENTAOMi is ro CELSO DE MELLOn tMi is ro DIAS TOFFOLIn tMinistro LUIZ FUXCOMISSO DE COORDENAOMi is ro GILMAR MENDESn tMi is ro RICARDO LEWANDOWSKIn tMinistro LUIZ FUX 5. SUMRIO Pg.ACRDOS .................................................................................................................... 9DECISES MONOCRTICAS ............................................................................. 555NDICE ALFABTICO ........................................................................................... 601NDICE NUMRICO .............................................................................................. 627 6. ACRDOS 7. ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL153 DFRelator: O Sr. Ministro Eros GrauArguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OABArguidos: Presidente da Repblica e Congresso Nacional Interessados:Associao Juzes para a Democracia, Centro pela Justia e o Direito Internacio-nal CEJIL, Associao Brasileira de Anistiados Polticos ABAP e Associa-o Democrtica e Nacionalista de Militares Lei 6.683/1979, a chamada Lei de Anistia. Art.5, caput, III e XXXIII, da Constituio do Brasil; princpio democrtico e princpio republicano: no violao. Circunstncias histricas. Dignidade da pessoa humana e tirania dos valores. Interpretao do direito e distino entre texto normativo e norma jurdica. Crimes conexos definidos pela Lei 6.683/1979. Carter bilateral da anistia, ampla e geral. Jurisprudncia do Supremo Tribunal Fe eral na sucesso das frequentes anistias concedidas, no Brasil,d desde a Repblica. Interpretao do direito e leis medida. Con veno das Naes Unidas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes e Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, que define o crime de tortura. Art.5, XLIII, da Constituio do Brasil. Interpretao e reviso da Lei da Anistia. EC26, de 27 de novembro de 1985, poder constituinte e auto anistia. Integrao da anistia da Lei de 1979 na nova ordem constitucional. Acesso a do umen os histricos como forma de c t exerccio do direito fundamental verdade. 1. Texto normativo e norma jurdica, dimenso textual e dimenso normativa do fenmeno jurdico. O intrprete pro duz a norma a partir dos textos e da realidade. Ainterpretao 8. 12 R.T.J. 216 do direito tem carter constitutivo e consiste na produo, pelo intrprete, a partir de textos normativos e da realidade, de nor mas jurdicas a serem aplicadas soluo de determinado caso, soluo operada mediante a definio de uma norma de deciso. Ainterpretao/aplicao do direito opera a sua insero na rea lidade; realiza a mediao entre o carter geral do texto norma tivo e sua aplicao particular; em outros termos, ainda: opera a sua insero no mundo da vida. 2. Oargumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar a invalidade da conexo criminal que aproveita ria aos agentes polticos que praticaram crimes comuns contra opositores polticos, presos ou no, durante o regime militar, no prospera. 3. Conceito e definio de crime poltico pela Lei 6.683/ 1979. So crimes conexos aos crimes polticos os crimes de qual quer natureza relacionados com os crimes polticos ou praticados por motivao poltica; podem ser de qualquer natureza, mas [i]ho de ter estado relacionados com os crimes polticos ou [ii]ho de ter sido praticados por motivao poltica; so crimes outros que no polticos; so crimes comuns, porm [i]relacionados com os crimes polticos ou [ii] praticados por motivao poltica. Aex presso crimes conexos a crimes polticos conota sentido a ser sindicado no momento histrico da sano da lei. Achamada Lei de Anistia diz com uma conexo sui generis, prpria ao momento histrico da transio para a democracia. Ignora, no contexto da Lei 6.683/1979, o sentido ou os sentidos correntes, na doutrina, da chamada conexo criminal; refere o que se procurou, segundo a inicial, vale dizer, estender a anistia criminal de natureza poltica aos agentes do Estado encarregados da represso. 4. Alei estendeu a conexo aos crimes praticados pelos agen tes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceo; da o carter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente no foi irrestrita porque no abrangia os j condenados e com sen tena transitada em julgado, qual o Supremo assentou pela pr tica de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. 5. Osignificado vlido dos textos varivel no tempo e no espao, histrica e culturalmente. Ainterpretao do direito no mera deduo dele, mas sim processo de contnua adaptao de seus textos normativos realidade e seus conflitos. Mas essa afir mao aplica se exclusivamente interpretao das leis dotadas de generalidade e abstrao, leis que constituem preceito prim rio, no sentido de que se impem por fora prpria, autnoma. No quelas, designadas leis medida (Massnahme esetze), que g disciplinam diretamente determinados interesses, mostrando se 9. R.T.J. 21613imediatas e concretas, e consubstanciam, em si mesmas, um atoadministrativo especial. No caso das leis medida interpreta se,em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento histrico no qual ela foi editada, no a realidade atual. a realidadehistrico social da migrao da ditadura para a democracia po ltica, da transio conciliada de 1979, que h de ser ponderadapara que possamos discernir o significado da expresso crimesconexos na Lei 6.683. da anistia de ento que estamos a cogitar, no da anistia tal e qual uns e outros hoje a concebem, senoqual foi na poca conquistada. Exatamente aquela na qual, comoafirma inicial, se procurou (sic) estender a anistia criminal denatureza poltica aos agentes do Estado encarregados da represso. Achamada Lei da Anistia veicula uma deciso poltica assumida naquele momento o momento da transio conciliada de1979. ALei 6.683 uma lei medida, no uma regra para o futuro,dotada de abstrao e generalidade. Hde ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada. 6. ALei 6.683/1979 precede a Conveno das Naes Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruis,Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleia Geral em10 de dezembro de 1984, vigorando desde 26 de junho de 1987 ea Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, que define o crime de tortura;e o preceito veiculado pelo art.5, XLIII, da Constituio quedeclara insuscetveis de graa e anistia a prtica da tortura, entreoutros crimes no alcana, por impossibilidade lgica, anistiasanteriormente a sua vigncia consumadas. A Constituio noafeta leis medida que a tenham precedido. 7. NoEstado democrtico de direito, o Poder Judicirio noest autorizado a alterar, a dar outra redao, diversa da nelecontemplada, a texto normativo. Pode, a partir dele, produzirdistintas normas. Mas nem mesmo o Supremo Tribunal Fe erald est autorizado a reescrever leis de anistia. 8. Reviso de lei de anistia, se mudanas do tempo e da sociedade a impuserem, haver ou no de ser feita pelo PoderLegislativo, no pelo Poder Judicirio. 9. A anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC26/1985, pelo poder constituinte da Constituio de 1988. Dano ter sentido questionar se se a anistia, tal como definidapela lei, foi ou no recebida pela Constituio de 1988; a novaConstituio a [re]instaurou em seu ato originrio. AEC26/1985inaugura uma nova ordem constitucional, consubstanciando aruptura da ordem constitucional que decaiu plenamente no advento da Constituio de 5 de outubro de 1988; consubstancia,nesse sentido, a revoluo branca que a esta confere legitimidade. 10. 14 R.T.J. 216 Areafirmao da anistia da lei de 1979 est integrada na nova or dem, compe se na origem da nova norma fundamental. Detodo modo, se no tivermos o preceito da lei de 1979 como ab rogado pela nova ordem constitucional, estar a coexistir com o 1 do art.4 da EC26/1985, existir a par dele (dico do 2 do art.2 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil). Odebate a esse respeito seria, todavia, despiciendo. A uma porque foi mera lei medida, dotada de efeitos concretos, j exauridos; lei apenas em sentido formal, no o sendo, contudo, em sentido material. Aduas porque o texto de hierarquia constitucional prevalece sobre o infracons titucional quando ambos coexistam. Afirmada a integrao da anistia de 1979 na nova ordem constitucional, sua adequao Constituio de 1988 resulta inquestionvel. Anova ordem com preende no apenas o texto da Constituio nova, mas tambm a norma origem. Nobojo dessa totalidade totalidade que o novo sistema normativo tem se que [] concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes polticos ou conexos praticados no perodo compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. No se pode divisar antinomia de qualquer grandeza entre o preceito veiculado pelo 1 do art.4 da EC26/1985 e a Constituio de 1988. 10. Impe se o desembarao dos mecanismos que ainda di ficultam o conhecimento do quanto ocorreu no Brasil durante as dcadas sombrias da ditadura.ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su prem o Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro CezarPeluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, pormaioria, em julgar improcedente a arguio, nos termos do voto do Relator. Braslia, 29 de abril de 2010 Eros Grau, Relator. RELATRIOO Sr. Ministro Eros Grau: O Conselho Federal da Ordem dos Advogadosdo Brasil (OAB) prope arguio de descumprimento de preceito fundamentalobjetivando a declarao de no recebimento, pela Constituio do Brasil de1988, do disposto no 1 do art.1 da Lei 6.683, de 19 de dezembro de 1979.Aconcesso da anistia a todos que, em determinado perodo, cometeram crimespolticos estenderseia, segundo esse preceito, aos crimes conexos crimes dequalquer natureza relacionados com crimes polticos ou praticados por motiva-o poltica.2. Eis os textos a considerarmos: 11. R.T.J. 21615 Lei n. 6.683, de 19 de dezembro de 1979 Art.1 concedida anistia a todos quantos, no perodo compreendido entre2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram, crimes polticos ou co-nexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos polticos suspensose aos servidores da Administrao Direta e Indireta, de fundaes vinculadas aopoder pblico, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judicirio, aos Militarese aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em AtosInstitucionais e Complementares. 1 Consideram se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes polticos ou praticados por motivao poltica. 3. Oarguente alega ser notria a controvrsia constitucional a propsito dombito de aplicao da Lei de Anistia. Sustenta que se trata de saber se houveou no anistia dos agentes pblicos responsveis, entre outros crimes, pela pr-tica de homicdio, desaparecimento forado, abuso de autoridade, leses corpo-rais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores polticos ao regimemilitar (fl. 4). 4. Afirma ainda que a controvrsia constitucional sobre a lei federal estconsubstanciada na divergncia de entendimentos, notadamente do Ministrioda Justia e do Ministrio da Defesa, no que toca aplicao da lei de que secuida. Caberia ao Poder Judicirio pr fim ao debate. 5. Da o cabimento da arguio de descumprimento de preceito fundamen-tal, instrumento hbil a definir, com eficcia geral, se a lei fe deral guarda confor-midade com a ordem constitucional vigente. 6. Acrescenta no ser possvel, consoante o texto da Constituio do Brasil,considerar vlida a interpretao segundo a qual a Lei 6.683 anistiaria vriosagentes pblicos responsveis, entre outras violncias, pela prtica de homic-dios, desaparecimentos forados, abuso de autoridade, leses corporais, estuproe atentado violento ao pudor. Sustenta que essa interpretao violaria frontal-mente diversos preceitos fundamentais. 7. Aeventual declarao, por esta Corte, do recebimento do 1 do art.1da Lei 6.683 implicaria, segundo o arguente, desrespeito [i] ao dever, do poderpblico, de no ocultar a verdade; [ii] aos princpios democrtico e republicano;[iii] ao princpio da dignidade da pessoa humana. 8. Por fim, alega que os atos de violao da dignidade humana no se legi-timam com a reparao pecuniria (Leis 9.140 e 10.559) concedida s vtimas ouaos seus familiares, vez que os responsveis por atos violentos, ou aqueles quecomandaram esses atos, restariam imunes a toda punio e at mesmo encober-tos pelo anonimato. 9. Requer que esta Corte, dando interpretao conforme Constituio,declare que a anistia concedida pela Lei 6.683/1979 aos crimes polticos ouconexos no se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da represso,contra opositores polticos, durante o regime militar. 12. 16R.T.J. 216 10. Solicitei informaes, em 30 de outubro de 2008, e determinei fossemos autos, posteriormente, encaminhados ao Ministrio Pblico Fe deral, nos ter-mos do disposto no art.7, pargrafo nico, da Lei 9.882/1999. 11. ACmara dos Deputados prestou informaes s fls. 53/60. Informouapenas que a Lei 6.683/1979 foi aprovada na forma de projeto de lei do Con resgs o Na cional, conforme andamento a elas acostado. 12. O Senado Fe deral alegou, em suas informaes, inpcia da inicial,vez que a Lei da Anistia teria exaurido seus efeitos no mesmo instante em queentrou no mundo jurdico, h trinta anos, na vigncia da ordem constitucionalanterior (fls. 70/81). Sustentou ainda a impossibilidade jurdica do pedido e aausncia do interesse de agir do arguente. 13. AAssociao Juzes para a Democracia requereu ingresso no feito naqualidade de amicus curiae, o pedido tendo sido deferido fl. 778. Afirma ocabimento da presente arguio de descumprimento de preceito fundamental.Postula, s fls. 130/176, que esta Corte reconhea com base em seus prpriosprecedentes, na doutrina, e na legislao material e processual em vigor, a ine-xistncia de conexividade entre delitos praticados pelos agentes repressores doregime militar e os crimes polticos praticados no perodo, de forma a afastar aincidncia do 1 do art.1 da Lei 6.683/1979, e que as eventuais situaes con-cretas que ensejem a aplicao destes dispositivos sejam apuradas singularmentepelos Juzos competentes para a instruo penal (fl. 149). Sustenta ainda que ainterpretao extensiva da Lei de Anistia caracterizaria expanso da extino depunibilidade aos agentes do regime militar e legitimaria a autoanistia (fl. 160). 14. AAdvocaciaGeral da Unio encaminhou manifestao da qual cons-tam informaes prestadas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos(SEDH), pela Subchefia de Assuntos Jurdicos da Casa Civil da Presidncia daRepblica (SAJCC), pelo Ministrio das Relaes Exteriores, pelo Ministrioda Justia, pelo Ministrio da Defesa e pela ConsultoriaGeral da Unio. 15. AConsultoria Jurdica do Ministrio da Justia, em manifestao de11 de novembro de 2008, afirma que deveria ser declarada inconstitucional ainterpretao que estende a anistia aos crimes comuns praticados pelos agen-tes da represso contra opositores polticos, durante o regime militar (fl. 472).ASecretariaGeral de Contencioso da AdvocaciaGeral da Unio conclui, toda-via, pelo no conhecimento da presente arguio e, no mrito, pela improcedn-cia do pedido (fl. 206). 16. Sustenta preliminarmente a SecretariaGeral de Contencioso da Advoca iaGeral da Unio a ausncia de comprovao da controvrsia judicial e a cfalta de impugnao de todo o complexo normativo. Nomrito, que a abrangn-cia conferida, at ento, Lei 6.683/1979, decorre, inexoravelmente, do contextoem que fora promulgada, sendo certo que no estabeleceu esse diploma legalqualquer discriminao, para concesso do benefcio da anistia, entre oposito-res e aqueles vinculados ao regime militar. Dessa forma, desde a promulgao 13. R.T.J. 216 17do diploma legal prevalece a interpretao de que a anistia concedida pela Lei6.683/1979 ampla, geral e irrestrita (fls. 192/193). 17. Rechaando as alegaes do arguente, a SecretariaGeral de Con entcio o afirma que a pretenso contida nesta arguio de descumprimento de pre-sceito fundamental de mudana de interpretao do texto normativo segundoo qual a anistia seria uma benesse ampla e irrestrita e que essa limitao con-substanciaria modificao da prpria hiptese de incidncia do preceito, o quecontrariaria a inteno do legislador. 18. Prossegue, considerandose que entre a edio da Lei n. 6.683/79 ea promulgao da nova ordem constitucional transcorreram praticamente dezanos, certo que a anistia, tal como concedida pelo diploma legal, ou seja, deforma inegavelmente ampla, produziu todos os seus efeitos (fato consumado),consolidando a situao jurdica de todos aqueles que se viram envolvidos como regime militar, quer em razo de oposio, quer por atos de represso. (...)Destarte, o desfazimento da situao jurdica existente quando da inauguraoda nova ordem constitucional esbarra, por certo, no princpio da segurana jur-dica, nsito ao Estado Democrtico de Direito e garantido pela prpria Cartade 1988. (Fls. 197/198). Diz que a alterao superveniente da abrangncia daanistia colidiria com o princpio da irretroatividade da lei penal, contemplado noart.5, XL, da Constituio do Brasil. 19. A anistia conferida pela Lei 6.683/1979 teria sido ratificada pelaEC26/1985. Conclui no sentido de que a pretenso, do arguente, de restringiro alcance de aplicao do preceito contido no 1 do art.1 da Lei 6.683/1979 vedada pela Constituio do Brasil em razo do postulado do Estado Democr ico de Direito e do princpio da segurana jurdica. Aponta ainda o fatotde o arguente ter aguardado a Lei 6.683 viger por trinta anos e vinte anos aConstituio de 1988 para manifestar irresignao em relao a ela. 20. OProcuradorGeral da Repblica opina, no parecer de fls. 575/614, em29 de janeiro passado, pelo conhecimento da arguio de descumprimento depreceito fundamental e, no mrito, pela improcedncia do pedido. No tocantes preliminares suscitadas pela AdvocaciaGeral da Unio, sustenta que pre-liminarmente, so apontados vcios formais que impediriam o conhecimentoda presente arguio. A despeito dos respeitveis argumentos desenvolvi-dos, alguns pelo menos em princpio de inegvel consistncia, parece ProcuradoriaGeral da Repblica que a extrema relevncia do tema propostorecomenda afastarse na espcie viso reducionista do instituto que inviabilize aapreciao pelo Supremo Tribunal Fe deral de questo de tamanha importncia(fls. 577/578). 21. Afirma que a anlise da questo posta nestes autos demanda o examedo contexto histrico em que produzida a Lei da Anistia. Aanistia tem ndoleobjetiva, no visando a beneficiar algum especificamente, mas dirigindose aocrime, retirandolhe o carter delituoso e, por consequncia, excluindo a puniodos que o cometeram. 14. 18 R.T.J. 216 22. Prossegue dizendo que [a] relevantssima questo submetida aoSupremo Tribunal Fe deral, entretanto, no comporta exame dissociado docontexto histrico em que editada a norma objeto da arguio, absolutamentedecisivo para a sua adequada interpretao e para o juzo definitivo acerca dasalegaes deduzidas pela Ordem, como, alis, j destacado em outros pronun-ciamentos trazidos aos autos. Aanistia, no Brasil, todos sabemos, resultou deum longo debate nacional, com a participao de diversos setores da sociedadecivil, a fim de viabilizar a transio entre o regime autoritrio militar e o regimedemocrtico atual. Asociedade civil brasileira, para alm de uma singela parti-cipao neste processo, articulouse e marcou na histria do Pas uma luta pelademocracia e pela transio pacfica e harmnica, capaz de evitar maiores con-flitos (fls. 598/599). 23. OCentro pela Justia e o Direito Internacional (CEJIL), a AssociaoBrasileira de Anistiados Polticos (ABAP) e a Associao Democrtica e Nacio-nalista de Militares (ADNAM) ingressaram neste feito como amici curiae (deci-ses de fls. 806, 807 e 854). 24. O arguente, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil(CFOAB), requereu a realizao de audincia pblica sob o fundamento da rele-vncia da matria discutida nesta arguio. Indeferi o pedido, vez que a ao foiproposta em outubro de 2008 e s em 2010 foi afirmada sua necessidade, neces-sidade de audincia pblica. Afirmei, ademais, estarem os autos instrudos demodo bastante, permitindo o perfeito entendimento da questo debatida e que opedido suscitado longo tempo aps sua propositura redundaria em intil demorano julgamento do feito (fl. 805). Adeciso de indeferimento de audincia pblicatransitou em julgado no dia 20 de abril, consoante certido de fl. 858. 25. Nodia 16 de abril passado, a Associao Juzes para a Democracia, quefigura nos autos como amicus curiae, requereu fosse a eles acostado manifestode juristas e de abaixoassinado contendo 16.149 assinaturas contra a anistia dosmilitares. Diz que os do cumenos evidenciam a comoo social contra a anistiatdos militares e seria imprescindvel a sua juntada aos autos. Determinei que adocumentao fosse a eles juntada por linha. 26. o relatrio. EXPLICAOO Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Est inscrita para falar, em nomedo Congresso Nacional, a Doutora Gabrielle Tatith Pereira, mas, antes de lheconceder a palavra, submeto Corte a questo da admissibilidade da interveno. que, eventualmente, ao Congresso poderia no ser reconhecido interesseinstitucional, mas creio que, diante da relevncia da matria, a Corte nada tema objetar.Vamos ouvila. 15. R.T.J. 216 19 VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator):As preliminares1. Aeste Tribunal incumbe, na arguio de descumprimento de preceitofundamental, aferir a compatibilidade entre textos normativos prcons i u io tt cnais ou atos normativos municipais e a Constituio, se e quando controversatal compatibilidade, desde que no seja possvel, a fim de que se a questione, apropositura de ao direta ou de ao declaratria. Refiro neste passo, por tudo,o acrdo lavrado na ADPF33MC, Rel. Min. Gilmar Mendes.No que concerne matria atinente s preliminares, vou me valer, emlinhas gerais, para ser breve, do quanto observou Sua Excelncia o Pro u a orc r dGe al da Repblica em seu parecer de fls.r2. Quanto primeira delas, suscitada pela AdvocaciaGeral da Unio ausncia de comprovao de controvrsia constitucional ou judicial quanto aoato questionado, a norma veiculada pelo incisoI do pargrafo nico do art.1da Lei 9.882/1999 prev o cabimento da arguio de descumprimento de preceitofundamental quando for relevante o fundamento da controvrsia constitucionalsobre lei ou ato normativo fe deral, estadual ou municipal, includos os anteriores Constituio. H, a, ampliao da regra do caput do art.1, de sortea admitirse a arguio de descumprimento de preceito fundamental autnomapara questionar lei ou ato normativo de qualquer ente federativo em face de pre-ceito fundamental constitucional.Esta arguio de descumprimento de preceito fundamental amoldasetanto hiptese do caput do art.1 da Lei 9.882/1999 (leso a preceito funda-mental por ato material, do poder pblico, de no promover investigaes e aespenais por indevida aplicao da lei), como tambm do seu pargrafo nico,incisoI (leso por produo de ato normativo fe deral que teria conferido inde-vidamente anistia a autores de crimes no passveis de receberem o benefcio).Aqui no se tratando de arguio de descumprimento de preceito funda-mental incidental j que no se pretende discutir, paralelamente a qualqueroutro processo judicial, matria relativa validade de ato normativo, desne-cessria a comprovao da existncia de controvrsia judicial atinente aplica-o do preceito constitucional. Basta a demonstrao de controvrsia jurdica (emqualquer sede) sobre a validade da norma questionada (ou da sua interpretao).Est satisfatoriamente demonstrada a existncia de polmica quanto vali-dade constitucional da interpretao que reconhea a anistia aos agentes pbli-cos que praticaram delitos por conta da represso dissidncia poltica durantea ditadura militar.A divergncia em relao abrangncia da anistia penal de que se cogita notria mesmo no seio do Poder Executivo fe deral, tendo sido aportadas aosautos notas tcnicas que a comprovam. Esta Corte, ela mesma diagnosticou a 16. 20 R.T.J. 216presena de controvrsia sobre a interpretao a ser conferida anistia penal daLei 6.683/1979. Confiramse os votos prolatados na Ext 974 (Informativos 519 e526 do STF). Isso suficiente para que resulte demonstrada a controvrsia ins-taurada. Rejeito a preliminar.3. AAdvocaciaGeral da Unio e o Senado Fe deral invocam tambm a pre-liminar de ausncia de impugnao de todo o complexo normativo relacionadoao tema. Ainicial haveria de ter questionado o 1 do art.4 da EC26, de 1985.Ocorre que essa preliminar confundese com o mrito. Ser, a seu tempo,examinada.Rejeitoa, pois.4. Mais, a arguio de descumprimento de preceito fundamental seria inca-bvel por estar voltada contra lei cujos efeitos se esgotaram na data da sua edio.Nada, porm, impede que leis temporrias sejam questionadas mediante arguiode descumprimento de preceito fundamental. Adoto, ainda neste ponto, razesexpostas no parecer do ProcuradorGeral da Repblica. Preliminar rejeitada.5. Noque tange preliminar do Ministrio da Defesa, relativa falta deindicao das autoridades responsveis pelos atos concretos de descumprimentode preceitos fundamentais, a fixao da interpretao pretendida pela arguente,se vier a ser fixada, abranger todos os agentes pblicos de uma ou outra formarelacionados persecuo penal, juzes, tribunais, membros do MinistrioPblico e agentes da Polcia Judiciria que aplicaram, aplicam e podem vir aaplicar a Lei 6.683 em sentido incompatvel com a Constituio em aes judi-ciais e investigaes sob sua competncia.A observao no parecer do ProcuradorGeral da Repblica , tambmneste ponto, correta: [a] ausncia de qualquer dificuldade na identificaodas autoridades e rgos responsveis pela prtica dos atos questionados noimpede que se advirta, todavia, que essa exigncia de identificao relativizadaem relao pretensa arguio de descumprimento de preceito fundamentalautnoma: nessa modalidade, realizase um controle objetivo da conformidadeconstitucional do ato normativo, sendo genricos os efeitos do pronunciamentojudicial em relao ao descumprimento de preceito fundamental. (...) Vale aquio quanto se reconhece s aes diretas de (in)constitucionalidade: que no hrus ou legitimados passivos, pois a validade constitucional de normas o quese discute. Emprecedentes, o STF, ao julgar procedente a alegao de descum-primento de preceitos fundamentais, aceitou os efeitos genricos naturais aocontrole objetivo de constitucionalidade. NaADPF101/DF (Rel. Min. CrmenLcia, julgamento em 2462009), proposta pelo Presidente da Repblica,combatiamse os efeitos das decises judiciais que autorizaram a importao depneus usados. NaADPF130/DF (Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 3042009), proposta pelo Partido Democrtico Trabalhista (PDT), pediase a decla-rao da revogao total da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1969). OSTF satisfezsecom tal formulao e soube reconhecer sem dificuldade as autoridades e rgosdestinatrios das providncias cabveis. 17. R.T.J. 216 21Esta preliminar tambm rejeitada.6. OMinistrio da Defesa afirma por fim, contra o cabimento da arguiode descumprimento de preceito fundamental, a inutilidade de eventual decisode procedncia. Isso porque os crimes ainda que no anistiados estariamprescritos. Caso viesse a ser julgada procedente, dela no resultaria nenhumefeito prtico.Sucede que a matria da prescrio no prejudica a apreciao do mritoda arguio de descumprimento de preceito fundamental, visto que somente seultrapassada a controvrsia sobre a previso abstrata da anistia abrirse a opor-tunidade de apurao da prescrio. Apreliminar , destarte, rejeitada.Afastadas todas elas e tendo como presentes os requisitos da ao, delatomo conhecimento.7. Registrese, contudo, que o pedido constante da inicial item 5, alneab menciona os crimes comuns praticados pelos agentes da represso contraopositores polticos, (sic) durante o regime militar (1964/1985).Ora, como a anistia foi concedida a todos que cometeram determinadoscrimes no perodo compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de19791, no alcanou crimes praticados aps 15 de agosto de 1979 (= praticadosentre essa data e 1985). Demodo que o pedido resulta parcialmente impossvel:esta Corte no teria como declarar por ele no alcanado perodo de tempo aoqual o art.1 da Lei 6.683 no refere. Passo, porm, ao largo dessa circunstncia,at porque a ela nada foi oposto e o prejudicaria, o pedido, apenas parcialmente.A inicial: primeiras consideraes8. Ainicial compreende duas linhas de argumentao: [i] de uma bandavisa contemplao de interpretao conforme Constituio, de modo adeclararse que a anistia concedida pela lei aos crimes polticos ou conexos nose estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da represso contra opo-sitores polticos, durante o regime militar; [ii] doutra, o no recebimento da Lei6.683/1979 pela Constituio de 1988.Afirma inicialmente que determinada interpretao do preceito veiculadopelo 1 do seu art.1 seria com ela incompatvel, a interpretao a ele conferidano sentido de que a anistia estendese aos crimes comuns, praticados por agen-tes pblicos contra opositores polticos, durante o regime militar.Por isso o pedido de interpretao conforme Constituio, de modoa declarar, luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pelacitada lei aos crimes polticos ou conexos no se estende aos crimes comuns pra-ticados pelos agentes da represso contra opositores polticos, durante o regimemilitar (1964/1985).1 Art.1 da Lei 6.683/1979. 18. 22 R.T.J. 216A Associao Juzes para a Democracia (AJpD) afirma, em razes aporta-das aos autos, que neles se trata de delinear o conceito de crimes polticos e cri-mes conexos com estes, previstos na Lei 6.683/1979, para que seja determinadaa sua extenso.9. Aredao do texto seria, segundo a inicial, propositadamente obscura (ainicial menciona a redao da norma). Eassim seria porque se procurou (sic)estender a anistia criminal de natureza poltica aos agentes do Estado encarrega-dos da represso. Da por que a norma (o texto, digo eu) seria obscura e tecnica-mente inepta (fl. 13inicial). Vse bem que, nos termos da inicial, a obscuridadeda norma (do texto) pretenderia esconder o que se procurou. Oque se procu-rou, segundo a inicial, foi a extenso da anistia criminal de natureza poltica aosagentes do Estado encarregados da represso.10. Permitome, neste passo, deixar bem vincados dois pontos, o primeirodizendo com o fato de que todo, todo e qualquer texto normativo obscuro at omomento da interpretao.Hoje temos como assentado o pensamento que distingue texto normativo enorma jurdica, a dimenso textual e a dimenso normativa do fenmeno jur-dico. Ointrprete produz a norma a partir dos textos e da realidade. Permitamme, Senhores Ministros, uma breve digresso, que no ser v, eis que a elavoltarei na parte final deste voto, incisivamente.A interpretao do direito tem carter constitutivo no meramentedeclaratrio, pois e consiste na produo, pelo intrprete, a partir de textosnormativos e da realidade, de normas jurdicas a serem aplicadas soluo dedeterminado caso, soluo operada mediante a definio de uma norma de deci-so. Interpretar/aplicar dar concreo (= concretizar) ao direito. Neste sentido,a interpretao/aplicao do direito opera a sua insero na realidade; realiza amediao entre o carter geral do texto normativo e sua aplicao particular; emoutros termos, ainda: a sua insero na vida.A interpretao/aplicao vai do universal ao particular, do transcen-dente ao contingente; opera a insero das leis (= do direito) no mundo do ser (=mundo da vida). Como ela se d no quadro de uma situao determinada, expeo enunciado semntico do texto no contexto histrico presente, no no contextoda redao do texto.Interpretar o direito caminhar de um ponto a outro, do universal ao sin-gular, atravs do particular, conferindo a carga de contingencialidade que faltavapara tornar plenamente contingencial o singular2. Asnormas resultam da inter-pretao e podemos dizer que elas, enquanto textos, enunciados, disposies,no dizem nada: elas dizem o que os intrpretes dizem que elas dizem3.2Sobre a interpretao do direito, vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao dodireito. 5.ed. So Paulo: Malheiros, 2009.3 Meu Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito, cit., p. 86. 19. R.T.J. 216 2311. Sefor assim e assim de fato , todo texto ser obscuro at a suainterpretao, isto , at a sua transformao em norma. Por isso mesmo afirmei,em outro contexto, que se impe observarmos que a clareza de uma lei no uma premissa, mas o resultado da interpretao, na medida em que apenas sepode afirmar que a lei clara aps ter sido ela interpretada4. Da no caber aafirmao de que o texto de que nesta ao se cuida seria, por obscuridade, tecnicamente inepto.Observo apenas, quanto a esse primeiro ponto, aspecto ao qual adianteretornarei. que como a interpretao do direito consiste na produo, pelointrprete, a partir de textos normativos e da realidade, de normas jurdicascumpre definirmos qual a realidade, qual o momento da realidade a ser tomadopelo intrprete da Lei 6.683/1979.12. Osegundo ponto a ser considerado est em que se o que se procu-rou, segundo a inicial, foi a extenso da anistia criminal de natureza poltica aosagentes do Estado encarregados da represso a reviso desse desgnio haveriade ser procedida por quem procurou estendla aos agentes do Estado encarre-gados da represso, isto , pelo Poder Legislativo. No pelo Poder Judicirio.Tambm a ele adiante voltarei.Afronta a preceitos fundamentais13. Permitome examinar as duas linhas de argumentao compreendi-das na inicial na seguinte ordem: desde j a atinente ao no recebimento da Lei6.683/1979 pela Constituio de 1988; aps, a que pretende uma interpretao con-forme a Constituio, de modo a declararse que a anistia concedida pela citada leiaos crimes polticos ou conexos no se estende aos crimes comuns praticados pelosagentes da represso contra opositores polticos, durante o regime militar.14. Aarguente afirma ser invlida a conexo criminal que aproveitaria aosagentes polticos que praticaram crimes comuns contra opositores polticos, pre-sos ou no, durante o regime militar. Essa conexo criminal, que fundamentaria ainterpretao objeto da arguio de descumprimento de preceito fundamental, noseria vlida porque ofende vrios preceitos fundamentais inscritos na Constituio.15. Oprimeiro deles seria o da isonomia em matria de segurana, desta-cado do art.5, caput, da Constituio do Brasil.Sucede que a arguente inicialmente no contesta exclusivamente uma deter-minada interpretao do preceito veiculado pelo 1 do art.1 da Lei 6.683/1979,mas o prprio texto da lei. Ora, delineada a distino entre texto e norma, teremosa arguente no investe, nesse passo, contra uma determinada norma resultante dainterpretao do texto do 1 do art.1 da Lei 6.683/1979. Oque, segundo ela,afrontaria a isonomia seria o prprio texto, que estende a anistia a classes abso-lutamente indefinidas de crimes e, despropositadamente diz a inicial, usa doadjetivo relacionados, cujo significado no esclarece e a doutrina ignora, alm4 Meu Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito, cit., p. 7475. 20. 24R.T.J. 216de mencionar crimes praticados por motivao poltica. A isonomia estariasendo afrontada verdade que neste ponto a inicial menciona a interpretaoquestionada da Lei n. 6.683, de 1979 na medida em que nem todos so iguaisperante a lei em matria de anistia criminal. Isso porque uns praticaram crimespolticos, necessariamente definidos em lei, e foram processados e condenados.Mas h, tambm, os que cometeram delitos, cuja classificao e reconhecimentono foram feitos pelo legislador, e sim deixados discrio do Poder Judicirio,conforme a orientao poltica de cada magistrado. Que a arguente investe neste passo contra o texto da lei, isso reafirmadona aluso ao 2 do seu art.1, que no objeto da arguio de descumprimentode preceito fundamental. certo, pois, que o argumento da arguente no prospera, mesmo porque hdesigualdade entre a prtica de crimes polticos e crimes conexos com eles. Aleipoderia, sim, sem afronta isonomia que consiste tambm em tratar desigual-mente os desiguais, anistilos, ou no, desigualmente. 16. Osegundo preceito fundamental malferido pela interpretao questio-nada do 1 do art.1 da Lei 6.683/1979 estaria contido no incisoXXXIII doart.5 da Constituio, que assegura a todos o direito de receber dos rgos pblicos informaes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral. A Lei 6.683/1979, segundo a arguente, impediu que as vtimas dos agen-tes da represso e o povo brasileiro tomassem conhecimento da identidadedos responsveis pelos horrores perpetrados, durante dois decnios, pelos quehaviam empalmado o poder. Diz ela que a lei, [a]o conceder anistia a pessoasindeterminadas, ocultas sob a expresso indefinida crimes conexos com crimespolticos, (...) impediu que as vtimas de torturas, praticadas nas masmorraspoliciais ou militares, ou os familiares de pessoas assassinadas por agentes dasforas policiais e militares, pudessem identificar os algozes, os quais, em regra,operavam nas prises sob codinomes. Ocorre que o que caracteriza a anistia a sua objetividade, o que importaem que esteja referida a um ou mais delitos, no a determinadas pessoas. Ligasea fatos, no estando direcionada a pessoas determinadas. Aanistia mesmo paraser concedida a pessoas indeterminadas. 17. No vejo, de outra parte, como se possa afirmar que a Lei 6.683/1979impede o acesso a informaes atinentes atuao dos agentes da represso noperodo compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Permitome neste passo reproduzir trecho do parecer do ProcuradorGeralda Repblica: evidente que reconhecer a legitimidade da Lei da Anistia no significa apa- gar o passado.105. Nesse sentido, o estado democrtico de direito, para alm da discusso acerca da punibilidade, precisa posicionarse sobre a afirmao e concretizao do direito fundamental verdade histrica. 21. R.T.J. 216 25 106. Com a preciso habitual, o Ministro Seplveda Pertence, em entrevistaantes referida, afirmou que viabilizar a reconstituio histrica daqueles tempos um imperativo da dignidade nacional. Para propicila s geraes de hoje e de amanh, necessrio descobrir e escancarar os arquivos, estejam onde estiverem, seja quem for que os detenha. 107. Romper com a boaf dos atores sociais e os anseios das diversas classese instituies polticas do final dos anos 70, que em conjunto pugnaram como jdemonstrado por uma Lei de Anistia ampla, geral e irrestrita, significaria tambmprejudicar o acesso verdade histrica. 108. Oque se prope, ao invs, o desembarao dos mecanismos existentesque ainda dificultam o conhecimento do ocorrido naquelas dcadas. Nesta toada, estpendente de julgamento a ADI n 4077, proposta pelo anterior ProcuradorGeral daRepblica, que questiona a constitucionalidade das Leis 8.159/91 e 11.111/05. 109. O julgamento da ADI n 4077 sensvel para resolver a controvrsiapolticojurdica sobre o acesso a documenos do regime anterior. Seesse Supremo tTribunal Fe deral reconhecer a legitimidade da Lei da Anistia e, no mesmo com-passo, afirmar a possibilidade de acesso aos do cumenos histricos como formatde exerccio do direito fundamental verdade, o Brasil certamente estar emcondies de, atento s lies do passado, prosseguir na construo madura dofuturodemocrtico.O argumento de que se cuida, ancorado no inciso XXXIII do art. 5 daConstituio, no prospera.18. Oterceiro preceito fundamental afrontado pela interpretao questio-nada do 1 do art.1 da Lei 6.683/1979 estaria contido nos princpios democrtico e republicano.A inicial diz que os que cometeram crimes comuns contra opositorespolticos, durante o regime militar, exerciam funes pblicas e eram, por con-seguinte, remunerados com recursos tambm pblicos, isto , dinheiro do povo.Da retirada a seguinte concluso: Nestas condies, a interpretao ques-tionada da Lei n.6.683 representa clara e direta ofensa ao princpio democrtico e ao princpio republicano, que embasam toda a nossa organizaopoltica (negritos no original).Mais, diz a inicial que a lei foi votada pelo Congresso Nacional na pocaem que os seus membros eram eleitos sob o placet dos comandantes militares a a aluso a senadores escolhidos por via de eleio indireta (os chamadosSenadores Binicos) e ela, a lei, foi sancionada por um Chefe de Estadoque era General do Exrcito e fora guindado a essa posio, (sic) no pelopovo, mas por seus companheiros de farda (negritos no original).Em consequncia, o mencionado diploma legal, para produzir o efeitode anistia de agentes pblicos que cometeram crimes contra o povo, deve-ria ser legitimado, aps a entrada em vigor da atual Constituio, pelo rgolegislativo oriundo de eleies livres, ou ento diretamente pelo povo soberano,mediante referendo (Constituio Fe deral, art.14). Oque no ocorreu (negritosno original). 22. 26 R.T.J. 216Em segundo lugar, num regime autenticamente republicano e no auto-crtico os governantes no tm poder para anistiar criminalmente, quer elesprprios, quer os funcionrios que, ao delinquirem, executaram suas ordens.19. No vejo realmente como possam, esses argumentos, sustentarse,menos ainda justificar a arguio de descumprimento de preceito fundamental.Pois certo que, a darse crdito a eles, no apenas o fenmeno do recebimento a recepo do direito anterior Constituio de 1988 seria afastado,mas tambm outro, este verdadeiramente um fenmeno, teria ocorrido: toda alegislao anterior Constituio de 1988 seria, porm exclusivamente por foradela, formalmente inconstitucional. Umautntico fenmeno, a exigir legitima-o de toda essa legislao pelo rgo legislativo oriundo de eleies livres ouento diretamente pelo povo soberano, mediante referendo.Os argumentos adotados na inicial vo ao ponto de negar mesmo a anis-tia concedida aos crimes polticos, aqueles de que trata o art.1 da lei, a anistiaconcedida aos acusados de crimes polticos, que agiram contra a ordem polticavigente no Pas no perodo compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 deagosto de 1979. Acontradio , como se v, inarredvel.O que se pretende extremamente contraditrio: a abrogao da anistiaem toda sua amplitude, conduzindo inclusive a tormentosas e insuportveis con-sequncias financeiras para os anistiados que receberam indenizaes do Estado,compelidos a restituir aos cofres pblicos tudo quanto receberam at hoje a ttulode indenizao. Aprocedncia da ao levaria a este funesto resultado.Tambm este argumento, que diria com os princpios democrtico e republicano, no prospera.O outro argumento num regime autenticamente republicano e no auto-crtico os governantes no tm poder para anistiar criminalmente, quer eles pr-prios, quer os funcionrios que, ao delinquirem, executaram suas ordens serconsiderado mais adiante, ao final deste voto.20. O quarto preceito fundamental afrontado pela interpretao questio-nada do 1 do art.1 da Lei 6.683/1979 seria o da dignidade da pessoa humanae do povo brasileiro, que no pode ser negociada.A arguente diz que o derradeiro argumento dos que justificam, a todocusto, a encoberta incluso na Lei n. 6.683 dos crimes cometidos por funcion-rios do Estado contra presos polticos o de que houve, no caso, um acordo parapermitir a transio do regime militar ao Estado de Direito.Afirmao para inicialmente questionar a existncia desse acordo quemforam as partes nesse acordo? Indaga e em seguida afirmar que, tendo ele exis-tido, fora reconhecer que o Estado institudo com a liquidao do regime mili-tar nasceu em condies de grave desrespeito pessoa humana, contrariamente aotexto expresso da nova Constituio Federal: A Repblica Federativa do Brasil(...) constitui se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamen tos: (...) a dignidade da pessoa humana. (art.1, III) (negritos no original). 23. R.T.J. 21627Tratase, tambm neste ponto, de argumentao exclusivamente poltica,no jurdica, argumentao que entra em testilhas com a Histria e com o tempo.Pois a dignidade da pessoa humana precede a Constituio de 1988 e esta nopoderia ter sido contrariada, em seu art. 1, III, anteriormente a sua vigncia.A arguente desqualifica fatos histricos que antecederam a aprovao, peloCongresso Nacional, da Lei 6.683/1979. Diz mesmo que no suposto acordopoltico, jamais revelado opinio pblica, a anistia aos responsveis por delitosde opinio serviu de biombo para encobrir a concesso de impunidade aos crimi-nosos oficiais, que agiam em nome do Estado, ou seja, por conta de todo o povobrasileiro e que a dignidade das pessoas e do povo foi usada como moeda detroca em um acordo poltico.21. Ainicial ignora o momento talvez mais importante da luta pela rede-mocratizao do Pas, o da batalha da anistia, autntica batalha. Toda a gente queconhece nossa Histria sabe que esse acordo poltico existiu, resultando no textoda Lei 6.683/1979. Aprocura dos sujeitos da Histria conduz incompreensoda Histria. expressiva de uma viso abstrata, uma viso intimista da Histria,que no se reduz a uma esttica coleo de fatos desligados uns dos outros.Oshomens no podem fazla seno nos limites materiais da realidade. Para quea possam fazer, a Histria, ho de estar em condies de fazla. Est l, nO 18Brumrio de Lus Bonaparte5: Os homens fazem sua prpria histria, mas noa fazem como querem, no a fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sobaquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.A inflexo do regime (= a ruptura da aliana entre os militares e a burgue-sia) deuse com a crise do petrleo de 1974, mas a formidvel luta pela anistialuta que, com o respaldo da opinio pblica internacional, uniu os culpadosde sempre a todos os que eram capazes de sentir e pensar as liberdades e ademocracia e revelou figuras notveis como a do bravo senador Teotonio Vilela;luta encetada inicialmente por oito mulheres reunidas em torno de TerezinhaZerbini, do que resultou o CBD (Comit Brasileiro pela Anistia); pelos autnticosdo MDB, pela prpria OAB, pela ABI ( frente Barbosa Lima Sobrinho), peloIAB, pelos sindicatos e confederaes de trabalhadorese at por alguns dos queapoiaram o movimento militar, como o general Peri Bevilcqua, exMinistrodo STM (e foram tantos os que assinaram manifestos em favor do movimentomilitar!) a formidvel luta pela anistia expressiva da pgina mais vibrante deresistncia e atividade democrtica da nossa Histria. Nos estertores do regimeviamse de um lado os exilados, que criaram comits pranistia em quase todosos pases que lhes deram refgio, a Igreja ( frente a CNBB) e presos polticosem greve de fome que a votaoda anistia (desqualificada pela inicial) salvouda morte certa pois no recuariam da greve e j muitos estavam debilitados,como os jornais da poca fartamente documentam de outro os que, em repre-slia ao acordo que os democratas esboavam com a ditadura, em torno da lei,responderam com atos terroristas contra a prpria OAB, com o sacrifcio de5 Karl Marx, s/ indicao de tradutor, Editorial Vitria, Rio de Janeiro, 1956, p. 17. 24. 28 R.T.J. 216dona Lydia; na Cmara de Vereadores do Rio de Janeiro, com a mutilao dosecretrio do combativo Vereador Antonio Carlos; com duas bombas na casa doento Deputado do chamado grupo autntico do MDB Marcello Cerqueira, umdos negociadores dos termos da anistia; com atentados contra bancas de jornal,contra O Pasquim, contra a Tribuna de Imprensa e tantos mais. Reduzir a nadaessa luta, inclusive nas ruas, as passeatas reprimidas duramente pelas PolciasMilitares, os comcios e atos pblicos, reduzir a nada essa luta tripudiar sobreos que, com desassombro e coragem, com desassombro e coragem lutaram pelaanistia, marco do fim do regime de exceo. Sem ela, no teria sido aberta aporta do Colgio Eleitoral para a eleio do Dr. Tancredo, como diziam os quepisavam o cho da Histria. Essas jornadas, inesquecveis, foram heroicas. Nose as pode desprezar. Amim causaria espanto se a brava OAB sob a direo deRaimundo Faoro e de Eduardo Seabra Fagundes, denodadamente empenhadanessa luta, agora a desprezasse, em autntico venire contra factum proprium.22. Leio trechos de depoimento de Dalmo de Abreu Dallari6, que sofreuele mesmo relata priso e sequestro pela ousadia de no transigir e no calar,empenhado em localizar desaparecidos, salvar torturados, libertar patriotas vti-mas de priso arbitrria, pregando sempre a restaurao democrtica. Assim, dizele, chegouse Lei da Anistia: Ns sabamos que seria inevitvel aceitar limitaes e admitir que crimi-nosos participantes do governo ou protegidos por ele escapassem da punio quemereciam por justia, mas considervamos conveniente aceitar essa distoro, pelobenefcio que resultaria aos perseguidos e s suas famlias e pela perspectiva deque teramos ao nosso lado companheiros de indiscutvel vocao democrtica eamadurecidos pela experincia. (...) A ideia inicial de anistia era muito genricae resultou no lema anistia ampla, geral e irrestrita, mas logo se percebeu queseria necessria uma confrontao de propostas, pois os que ainda mantinham ocomando poltico logo admitiram que seria impossvel ignorar a proposta dos de-mocratas, mas perceberam que uma superioridade de fora lhes dava um poder denegociao e cuidaram de usar a ideia generosa de anistia para dizer que no seriajusto beneficiar somente presos polticos e exilados, devendose dar garantia deimpunidade queles que, segundo eles, movidos por objetivos patriticos e paradefender o Brasil do perigo comunista, tinham combatido a subverso, prendendo etorturando os inimigos do regime. Nasceu assim a proposta de anistia recproca.Deincio, procurouse limitar a anistia aos perseguidos polticos, dizendose queno deveriam ser anistiados os que tivessem cometido crimes de sangue. Isso foi,afinal, sintetizado numa enumerao de crimes que no seriam anistiados, compre-endendo, segundo a Lei da Anistia (Lei n. 6683, de 28 de agosto de 1979), os quetivessem sido condenados pela prtica de crimes de terrorismo, assalto, sequestro eatentado pessoal. Emsentido oposto, beneficiando os que abusando de uma funopblica tivessem cometido crimes [.] [F]oram abrangidos os que tivessem cometidocrimes polticos ou conexos com esses. Assim, aquele que matou algum numasesso de tortura estaria anistiado porque seu principal objetivo era combater umadversrio poltico. Ohomicdio seria apenas conexo de outro crime, a ao arbi-trria por motivos polticos, que seria o principal. Assim se chegou Lei da Anistia.6 Depoimento prestado Fundao Perseu Abramo, http://www2.fpa.org.br/contedo/dalmodallari. 25. R.T.J. 216 2923. Tem razo a arguente ao afirmar que a dignidade no tem preo. Ascoi-sas tm preo, as pessoas tm dignidade. Adignidade no tem preo, vale paratodos quantos participam do humano.Estamos, todavia, em perigo quando algum se arroga o direito de tomar oque pertence dignidade da pessoa humana como um seu valor (valor de quemse arrogue a tanto). que, ento, o valor do humano assume forma na substnciae medida de quem o afirme e o pretende impor na qualidade e quantidade emque o mensure. Ento o valor da dignidade da pessoa humana j no ser maisvalor do humano, de todos quantos pertencem humanidade, porm de quem oproclame conforme o seu critrio particular. Estamos ento em perigo, submis-sos tirania dos valores. Ento, como diz Hartmann7, quando um determinadovalor apoderase de uma pessoa, tende a erigirse em tirano nico de todo o ethoshumano, ao custo de outros valores, inclusive dos que no lhe sejam, do ponto devista material, diametralmente opostos.24. Sem de qualquer modo negar o que diz a arguente ao proclamar que adignidade no tem preo (o que subscrevo), tenho que a indignidade que o come-timento de qualquer crime expressa no pode ser retribuda com a proclamaode que o instituto da anistia viola a dignidade humana. Deresto, ao acordo pol-tico que resultou no texto da Lei 6.683/1979 e cujas partes a arguente indagaquais teriam sido, retornarei linhas adiante.O argumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar ainvalidade da conexo criminal que aproveitaria aos agentes polticos que pra-ticaram crimes comuns contra opositores polticos, presos ou no, durante oregime militar, esse argumento no prospera.A interpretao conforme a Constituio e os crimes conexos 25. Noque concerne segunda linha de argumentao enunciada na ini-cial, sustentase que determinada interpretao do preceito veiculado pelo 1 doart.1 da Lei 6.683/1979 incompatvel com a Constituio. Essa interpretao,incompatvel com a Constituio, seria a de que a anistia estende se aos crimescomuns, praticados por agentes pblicos contra opositores polticos, duranteo regime militar. Da o pedido de interpretao conforme a Constituio, demodo a declarar, luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedidapela citada lei aos crimes polticos ou conexos no se estende aos crimes comunspraticados pelos agentes da represso contra opositores polticos, durante oregime militar (1964/1985). A conexo criminal implicaria uma identidade ou comunho de propsitosou objetivos nos vrios crimes praticados. Seo agente um s, a lei reconhece7 Ethik, 3. ed., Walter de GruyterCo., Berlin, 1949, p. 576 (Jeder Wert hat wenn er einmalMacht gewonnen hat ber eine Person die Tendenz, sich zum alleinigen Tyrannen des ganzenmenschlichen Ethos aufzuwerfen, und zwar auf Kosten anderer Werte, auch solcher, die ihm nichtmaterial entgegengesetzt sind ). 26. 30 R.T.J. 216a ocorrncia de concurso material ou formal de crimes (Cdigo Penal, arts.69e 70); se os agentes forem vrios, h, tendo em vista a comunho de propsitosou objetivos, coautoria (Cdigo Penal, art.29). Etambm h conexo criminalquando os agentes criminosos atuaram uns contra os outros, embora aqui se tratede regra de unificao de competncia, de modo a evitar julgamentos contradit-rios; no h, ento, norma de direito material. Por isso os crimes praticados por agentes pblicos contra opositores pol-ticos durante o regime militar seriam crimes comuns. No eram crimes contra asegurana nacional e a ordem poltica e social (DecretoLei 314/1967, DecretoLei 898/1969 e Lei 6.620/1978). Arepresso a esses crimes era implementadamediante a prtica de crimes comuns, sem que houvesse comunho de propsitose objetivos entre agentes criminosos de um e de outro lado. Deoutra banda, almde a regra de conexo ser unicamente processual no ltimo caso, os acusados decrimes polticos diz a inicial no agiram contra os que os torturaram e mata-ram, dentro e fora das prises do regime militar, mas contra a ordem polticavigente no Pas naquele perodo. A seguinte concluso parcial , destarte, extrada da inicial: a norma vei-culada pelo 1 do art.1 da Lei 6.683/1979 tem por objeto, exclusivamente, oscrimes comuns, cometidos pelos mesmos autores dos crimes polticos. Elano abrange os agentes polticos que praticaram, durante o regime militar,crimes comuns contra opositores polticos, presos ou no (redao da inicial,fl. 16; negritos no original). Dizendoo de outro modo: tem por objeto, exclusiva-mente, os crimes comuns, cometidos pelos mesmos autores dos crimes polticos;no abrange os crimes comuns praticados contra opositores polticos, presos ouno, por agentes polticos durante o regime militar. A Associao Juzes para a Democracia apresentou razes pelas quais pos-tula a procedncia do pedido formulado, nos termos do [art.] 6, 1, da Lei 9.882/1999, (sic) e no art.131, 3, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe deral. Diz que se trata de delinear o conceito de crimes polticos e crimes conexoscom estes, previstos na Lei 6.683/1979, para que seja determinada a sua extenso. 26. Observo neste passo, parenteticamente, que no exatamente isso oque ocorre, visto que o 1 do art.1 da Lei 6.683/1979 define crimes conexosaos crimes polticos: [c]onsideramse conexos, para efeitos deste artigo, os cri-mes de qualquer natureza relacionados com os crimes polticos ou praticadospor motivao poltica. No me estenderei aqui em debate acadmico a respeitoda distino entre conceitos e definies, mas certo que a definio jurdicaexplicita o termo de um determinado conceito jurdico8. O1 do art.1 da Lei6.683/1979 define crimes conexos aos crimes polticos para os efeitos desseart.1. So crimes conexos aos crimes polticos os crimes de qualquer naturezarelacionados com os crimes polticos ou praticados por motivao poltica.Podem ser de qualquer natureza, mas [i] ho de ter estado relacionados com8 Vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito, cit., p. 237238. 27. R.T.J. 216 31os crimes polticos ou [ii] ho de ter sido praticados por motivao poltica. Socrimes outros que no polticos; logo, so crimes comuns, porm [i] relacionados com os crimes polticos ou [ii] praticados por motivao poltica. 27. Amatria h, porm, de ser examinada luz da Constituio. Por issono me deterei no quadro da infraconstitucionalidade seno para lembrar que aaluso a crimes conexos a crimes polticos aparece j na anistia concedida, emjaneiro de 1916, a civis e militares que, direta ou indiretamente, se envolveramem movimentos revolucionrios no Estado do Cear (Decreto 3.102, de 13 dejaneiro de 1916, do Presidente do Senado Federal). Posteriormente isso se repete[i] no Decreto 3.163, de 27 de setembro de 1916, de Wenceslau Braz, Ministro daJustia Carlos Maximilano, decreto que concedeu anistia s pessoas envolvidasem fatos polticos e conexos ocorridos no Estado do Esprito Santo em virtudeda sucesso presidencial estadual; [ii] no Decreto 19.395, de 6 de novembro de1930, que concedeu anistia a todos os civis e militares envolvidos nos movimen-tos revolucionrios ocorridos no Pas; [iii] no Decreto 24.297, de 28 de maio de1934, que concedeu anistia aos participantes do movimento revolucionrio de1932; [iv] no DecretoLei 7.474, de 18 de abril de 1945, que concedeu anistia atodos quantos tenham cometido crimes polticos desde 16 de julho de 1934 ata data de sua publicao, cujo 2 do art.1 considera conexos, para os efeitosdesse mesmo preceito, os crimes comuns praticados com fins polticos e quetenham sido julgados pelo Tribunal de Segurana Nacional. Outrossim, a expresso anistia ampla e irrestrita ter surgido no art.1do DecretoLegislativo 22, de 23 de maio de 1956, que a concedeu a todos oscivis e militares que, direta ou indiretamente, se envolveram nos movimentosrevolucionrios ocorridos no Pas a partir de 10 de novembro de 1955 at 1 demaro de 1956. 28. Esta expresso, crimes conexos a crimes polticos, conota sentidoa ser sindicado no momento histrico da sano da lei. Sempre h de ter sidoassim. A chamada Lei de Anistia diz com uma conexo sui generis, prpriaao momento histrico da transio para a democracia. Tenho que a expressoignora, no contexto da Lei 6.683/1979, o sentido ou os sentidos correntes, nadoutrina, da chamada conexo criminal. Refere o que se procurou, segundoa inicial, vale dizer, estender a anistia criminal de natureza poltica aos agentesdo Estado encarregados da represso. Esse significado, de conexo sui generis, assinalado no voto do MinistroDecio Miranda no RHC 59.834: no estamos diante do conceito rigoroso deconexo, mas de um conceito mais amplo, em que o legislador considerou exis-tente esta figura processual, desde que se pudesse relacionar uma infrao aoutra. Lembrese bem o texto do preceito do 1 do art. 1: Consideramseconexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionadoscom crimes polticos ou praticados por motivao poltica. 29. A arguente tem razo: o legislador procurou estender a conexo aoscrimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado 28. 32 R.T.J. 216de exceo. Da o carter bilateral da anistia, ampla e geral. Anistia que somenteno foi irrestrita porque no abrangia os j condenados e com sentena transi-tada em julgado, qual o Supremo assentou, veremos logo adiante pela prticade crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.Parenteticamente transcrevo, neste passo, o que afirmou o Ministro Juliode S Bierrenbach quando do julgamento pelo Superior Tribunal Militar, emsesso do dia 6 de fevereiro de 1980, do Recurso Criminal 5.367, Rel. Min. JacyGuimares Pinheiro:Em 28 de junho prximo passado, ao tomar conhecimento do projeto da Lei da Anistia, que me foi trazido por um jornalista, critiquei o 2 do art.1 daquele projeto tal como estava redigido. Seo Governo desejava excetuar dos benefcios da anistia os indivduos que praticaram crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, no deveria utilizar a expresso os que foram condenados pela prtica de tais crimes: melhor teria sido utilizar a palavra denunciados, abrangendo todos os processados por aqueles crimes que se constituiriam na exceo da Lei da Anistia. Como todos sabemos, condenados so aqueles cuja condenao transitou em julgado, isto , quando no mais cabe recurso deciso judicial.Da forma em que estava no projeto, os condenados definitivamente por crimes de assalto, sequestro, atentado pessoal e terrorismo no seriam anistiados, ao passo em que os acusados pelos mesmos crimes, mas com processos em curso, seriam contemplados com a anistia! O projeto era injusto, pois beneficiaria os revis, en- quanto poderia manter no crcere indivduos menos responsveis pelo mesmo delito, porm, j condenados. Aceleridade da Justia, to desejada por todos ns, segundo o projeto, era contra os rus. Oscondenados no seriam anistiados enquanto aqueles, cujos processos arrastavamse na Justia Militar, receberiam o benefcio da anistia. Sem ser jurista, nem ao menos bacharel em direito, fiz esta e outras crticas construti vas ao projeto da lei na data em que o mesmo foi publicado, acentuando que o projeto ainda no havia passado no Congresso e que eu me curvaria diante da deciso que fosse sancionada. Minhas declaraes, com um nico propsito construtivo, evitar iniquidades, foram publicadas nos jornais de 1 de julho de 1979. Trs ou quatro dias depois, um dos lderes do Governo no Congresso afirmava imprensa que as injus- tias seriam corrigidas com indulto presidencial. Oprojeto ainda no era lei, pois a mesma s foi sancionada dois meses depois, em 28-8-79, e j admitia injustias (...). (Negritos e grifos no original.)A propsito, lembrese ainda que o STM, no dia 21 de novembro de 1979,no julgamento do Recurso Criminal 5.341, Rel. Min. Faber Cintra, concedeu aanistia do art.1 da Lei 6.683/1979 a quem, condenado por delito dela excludopelo seu 2, j cumprira inteiramente a pena que lhe fora imposta; isso em afir-mando que o cumprimento da pena acarreta a cessao da punibilidade, exclusi-vamente a ela dizendo respeito, ao passo que a anistia diz com o fato perdoado.No mesmo sentido, alis, as decises tomadas nos Recursos Criminais 5.338,5.459, 5.666 e 5.751 e na Apelao 37.808.A verdade que a anistia da Lei 6.683/1979 somente no foi totalmenteampla por conta do que o 2 do seu art.1 definiu: a excluso, a ela, dos conde-nados pela prtica de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.No foi ampla plenamente, mas seguramente foi bilateral. 29. R.T.J. 216 33A jurisprudncia do Supremo Tribunal Fe eral d 30. Desta Corte coleciono algumas decises que, de uma forma ou de outra,importam ao quanto estamos, nestes autos, a considerar. Faoo sem esquecer ohistrico aresto lavrado na AOE13, Rel. p/o ac. Min. Marco Aurlio, em 1992, naqual se cuidava do seguinte: um brigadeiro da Aeronutica que a memria nacio-nal h de esquecer tentou usar uma unidade da FAB, conhecida como Parasar,para a prtica de atos terroristas na cidade do Rio de Janeiro; o Capito SrgioRibeiro Miranda de Carvalho impediuo, contrariando ordens recebidas dessebrigadeiro; foi reformado, no posto que ocupava, por haver se recusado a praticaratos de terrorismo (assassinato de polticos e outros cidados transcrevo votodo Ministro Marco Aurlio, exploso do gasmetro do Rio de Janeiro e des-truio de instalaes de fora e luz, atos que seriam atribudos aos comunistas,seguindose, como consectrio, a caa a estes ltimos); como fora j punido compriso de 25 dias, sobrevindo a reforma de carter punitivo, o Tribunal reconhe-ceu a duplicidade punitiva, bem assim que a segunda punio deveuse a simplesvindita, reconhecendo a existncia do vcio grave, por duplicidade de punio,mencionado no art.9 do ADCT da Constituio de 1988.31. Importa em especial considerarmos, no entanto, em relao ao carteramplo das anistias concedidas entre ns, os julgados que passo a rememorar, ini-cialmente os atinentes ao carter amplo das anistias.31.1 Para comear, entre os acrdos mais antigos desta Corte, o HC1.386,Rel. Min. Piza e Almeida, em 4 de julho de 1900, que, ao considerar a anistiaconcedida pelo Decreto 310, de 21 de outubro de 1895, interpretoua de modo aaplicla a crimes de morte praticados em 12 de outubro de 1896; diz o acrdo: consequncia do carter geral da anistia que ela se estenda aos delitos acess-rios que se prendem ao crime poltico.31.2 No HC 34.866, Rel. Min. Luiz Galloti, em 1957, afirmou o carteramplo do Decreto Legislativo 27, de 20 de junho de 1956; a anistia nele conce-dida diz a emenda no protege apenas a participao em greve, mas tambmos crimes com ela conexos, excludo o homicdio doloso; isso porque o art.2 dodecreto legislativo expressamente os exclua do benefcio.31.3 No RC1.019, Rel. Min. Ary Franco, em 1957, estendeu a ato ocorridoaps 1 de maro de 1956; mas, antes de sua publicao, os efeitos do DecretoLegislativo 22, de 23 maio do mesmo ano, que anistiou de modo amplo e irrestritotodos aqueles que houvessem praticado atos entre 10 de novembro de 1955 e 1 demaro de 1956, relacionados com o movimento ocorrido a 10 de novembro de 1955.31.4 No RC1.025, Rel. Min. Hahnemann Guimares, em 1958, afir oumse o carter amplo da anistia concedida aos jornalistas, em relao a delitos deimprensa, pelo Decreto Legislativo 27.31.5 A ementa do RHC 59.834, Rel. p/ o ac. Min. Cordeiro Guerra, em1982, linhas acima referido, diz: Anistia. Interpretao do art.1 e seu 1 daLei 6.683, de 28 de agosto de 1979. Crime de desero praticado contempornea 30. 34R.T.J. 216ou antecedentemente aos crimes polticos anistiados, (sic) considerase conexoou relacionado com os crimes polticos para o reconhecimento da extino dapunibilidade, por fora do 1 do art.1 da Lei 6.683, de 28-8-1979. 32. Que o Supremo Tribunal Federal interpreta essa matria de modobenfico, disso do conta, exemplarmente, os acrdos lavrados nos RC 1.396e RC1.400, Relatores, respectivamente, os Ministros Xavier de Albuquerque eLeito de Abreu, j em setembro de 1979, nos quais unanimemente atribuiuse expresso condenados, no 2 do art.1 da Lei 6.683/1979, o significado de condenado por sentena passada em julgado. Nomesmo sentido, o RC1.410, Rel.Min. Decio Miranda, e o RC1.401, Rel. Min. Cordeiro Guerra, ainda em 1979. E, no RE165.438, Rel. Min. Carlos Velloso, em 2004, destaco voto, quetudo resume, do Ministro Cezar Peluso: em tema de anistia, a interpretao temde ser ampla e generosa, sob pena de frustrar seus propsitos polticojurdicos. 33. Outro ponto a considerarmos e isso diz imediatamente com estesautos encontrase no RHC 28.294, Rel. Min. Philadelpho de Azevedo, de1942, cuja ementa a seguinte: Esto includos na anistia ampla outorgadapelo Decreto 19.395 de 1930, em relao aos crimes polticos e militares e aosconexos com estes, os delitos atribudos a policiais de um Estado cometidosna perseguio de grupos sediciosos que se movimentavam no serto. Tra atvase de fatos ocorridos em 1926. Cleto Campelo, tenente revoltoso, partiu deJaboato, com um grupo de revolucionrios, pretendendo incorporarse ColunaPrestes. EmGravat, morto em combate Cleto Campelo, seguiram os demais,sob o comando de Valdemar de Paula Lima, at que, perseguidos a partir deLimoeiro por uma fora irregular integrada por policiais da Fora Pblica doEstado de Pernambuco, caram em uma emboscada. Valdemar de Paula Lima edois dos seus demais companheiros foram ento brutalmente assassinados, comrequintes de crueldade, sangrados a punhal. Trs policiais foram denunciadospor esses homicdios em janeiro de 1931. Aps longa tramitao dos autos, foinegada a aplicao da anistia do Decreto 19.395 aos acusados. Esta Corte o fez.Colho, no voto do Relator, o Ministro Philadelpho de Azevedo, o seguinte tre-cho: A medida devia, assim, alcanar aos que se envolveram direta ou indireta-mente, (sic) em movimentos revolucionrios, tanto de um lado, como de outro,sendo intil desmontar as peas de textos de largo alcance social para apurar seo mesmo fato constituiria crime poltico ou crime militar, ou ainda conexo comqualquer deles. Concedeuse o habeas corpus por unanimidade. H momentos histricos em que o carter de um povo se manifesta complena nitidez. Talvez o nosso, cordial, se desnude na sucesso das frequentesanistias concedidas entre ns.A interpretao do direito e as leis medida34. Noincio deste meu voto, detiveme em digresso a respeito da interpre-tao do direito. Torno a ela, mas no me olhem assim. No pretendo promoveraqui, como diria nosso Jos Paulo Seplveda Pertence, um seminrio jurdico. 31. R.T.J. 21635Desejo somente relembrar o quanto anteriormente observei: a interpretao dodireito tem carter constitutivo no meramente declaratrio, pois e consistena produo, pelo intrprete, a partir de textos normativos e da realidade, de nor-mas jurdicas a serem aplicadas soluo de determinado caso. Interpretamossempre os textos e a realidade. Da o que venho reiteradamente afirmandoque o direito um dinamismo, donde a sua fora, o seu fascnio, a sua beleza.do presente, na vida real, que se tomam as foras que lhe conferem vida. Earealidade social o presente; o presente vida e vida movimento. Assim, osignificado vlido dos textos varivel no tempo e no espao, histrica e cultu-ralmente. Ainterpretao do direito no mera deduo dele, mas sim processode contnua adaptao de seus textos normativos realidade e seus conflitos9.Essa afirmao aplicase exclusivamente, contudo, interpretao das leisdotadas de generalidade e abstrao, leis que constituem preceito primrio, nosentido de que se impem por fora prpria, autnoma. No quelas que chama-mos de leis medida.35. Explicome. As leis medida (Massnahme esetze) disciplinam direta- gmente determinados interesses, mostrandose imediatas e concretas. Consubs-tanciam, em si mesmas, um ato administrativo especial. Detiveme sobre o temaem texto acadmico10, inmeras vezes tendo a elas feito aluso em votos que pro-feri nesta Corte11. OPoder Legislativo no veicula comandos abstratos e geraisquando as edita, fazendoo na pura execuo de certas medidas. Umcomandoconcreto ento emitido, revestindo a forma de norma geral. As leis me i a ddconfiguram ato administrativo comple el por agente da Administrao, mast vtrazendo em si mesmas o resultado especfico pretendido, ao qual se dirigem.Da por que so leis apenas em sentido formal, no o sendo, contudo, em sentidomaterial. Cuidase, ento, de lei no norma12. precisamente a edio delas quea Constituio de 1988 prev no seu art.37, XIX e XX.Pois o que se impe deixarmos bem vincado a inarredvel necessidadede, no caso de leimedida, interpretarse, em conjunto com o seu texto, a reali-dade no e do momento histrico no qual ela foi editada, no a realidade atual.36. Recordo o que se deu no julgamento, por esta Corte, do HC 29.151,Rel. Min. Laudo de Camargo, em setembro de 1945. Eduard Arnold fora conde-nado pelo Tribunal de Segurana Nacional pela prtica do delito de espionagem.Sobrevindo o Decreto 7.474, de 18 de abril de 1945, pediu fosse extinta a pena emvirtude da concesso de anistia. Aordem foi negada porque o caso demandavaexame de provas em torno da seguinte questo: os delitos teriam sido pratica-dos, ou no, em tempo de guerra, contra a segurana nacional, contra a segu-rana externa do Pas13. Oque importa neste momento assinalar so, contudo,9Disseo em meu Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito, cit., p. 59.10O direito posto e o direito pressuposto, 7. ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 254255.11V.g., ADI3.573.12V., v.g., meus votos na ADI820 e na ADI3.145.13No voto do Relator so ainda referidas decises tomadas nos HC29.034 e 29.111. 32. 36R.T.J. 216ponderaes do Ministro Orozimbo Nonato no sentido de que [c]abe ao intr-prete, na aplicao da lei, verificarlhe a finalidade, a mens legis atendendo aomomento histrico em que ela surgiu, e ao escopo a que visa, sem se deixar agri-lhoar demasiadamente sua literalidade. Emseguida, observando que naquelemomento no se cogitava do perdo de crimes contra a segurana externa doPas, de delitos contra a integridade do Brasil, quanto aos demais delitos anotou:Ora, no caso dos autos, como lembrou o Sr. Ministro Filadelfo de Azevedo, aLei de Anistia resultou de um longo clamor de conscincia pblica, refletida naimprensa e em comcios. Era o ciclo que se abria, da redemocratizao do Brasile todos pediam que se lanasse perptuo olvido aos delitos de opinio pblica,s manifestaes contra o regime vigente. At parece, Senhores Ministros, queOrozimbo Nonato falava das jornadas de 1979, avanando sobre o meu argu-mento de agora.37. Registro a existncia, no Brasil, no perodo republicano, de mais detrinta atos de anistia, veiculados pelos seguintes decretos ou leismedidas:Decreto 8/1891 (oposio ao Governo do Marechal Deodoro no Par); Decreto83/1892 (movimentos revolucionrios em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul);Decreto 174/1893 (acontecimentos polticos em SC e PE); Decreto 175/1893(movimentos de 231893 no Maranho); Decreto 176/1893 (movimento ocor-rido em Catalo/GO); Decreto 305/1895 (acontecimentos polticos em Alagoase Gois); Decreto 310/1895 (movimentos revolucionrios); Decreto 406/1896(movimento de 491896 em Sergipe); Lei 533/1898 (amplia a anistia conce-dida pelo Decreto 310/1895); Decreto 1.373/1905 (Revolta da Vacina); Decreto1.599/1906 (movimentos revolucionrios de Sergipe e Mato Grosso); Decreto2.280/1910 (Revolta da Chibata); Decreto 2.687/1912 (ampliao da anistia Revolta da Chibata); Decreto 2.740/1913 (revoltas no Acre e em Mato Grosso);Decreto 3.102/1916 (revoluo no Cear e crimes polticos no Pas); Decreto3.163/1916 (crimes polticos no Esprito Santo em virtude da sucesso presi-dencial); Decreto 3.178/1916 (ampliao das anistias de 1895 e 1898); Decreto3.492/1916 (eventos no Amazonas e Guerra do Contestado no Paran e emSanta Catarina); Decreto 19.395/1930 (Revoluo de 1930); Decreto 20.249/1931(movimentos sediciosos de 2841931 em So Paulo); Decreto 20.265/1931(movimentos sediciosos de 2051931 em Pernambuco); Decreto 24.297/1934(Revoluo Constitucionalista de 1932); DecretoLei 7.474/1945 (IntentonaComunista de 1935); DecretoLei 7.769/1945 (integrantes da Fora Expedicio-nria Brasileira); DecretoLei 7.943/1945 (crimes de injria ao poder pblico ecrimes polticos); Decreto Legislativo 18/1951 (crime de greve); Lei 1.346/1951(crimes eleitorais de leis revogadas); Decreto Legislativo 63/1951 (crime de inj-ria ao poder pblico); Decreto Legislativo 70/1955 (conflito no jornal TribunaPopular/RJ); Decreto Legislativo 16/1956 (crimes de imprensa); Decreto Legis-lativo 22/1956 (movimentos revolucionrios de 1955 a 1956); Decreto Legisla-tivo 27/1956 (crimes de greve, de imprensa e insubmisso nas Foras Armadas);Decreto Legislativo 18/1961 (crimes polticos, greve, militares e imprensa); Lei6.683/1979 (crimes polticos e conexos entre 1961 e 1979); Lei 7.417/1985 (mesde famlia condenadas a at cinco anos de priso). 33. R.T.J. 21637 Como deveramos hoje interpretar esses textos? Tomandose a realidadepolticosocial do nosso tempo, nos dias de hoje, ou aquelas no bojo das quaiscada qual dessas anistias foi concedida? 38. Quais os crimes conexos que o 1 do art.1 do Decreto 3.102, de 13de janeiro de 1916, anistiou? Eram crimes conexos ainda que no tenham tidoligao especial e imediata com os movimentos revolucionrios do Estado doCear, no tempo decorrido entre 1 de janeiro de 1913 e 7 de setembro de 1915. Qual a abrangncia da expresso crimes conexos na anistia que o Decreto3.163, de 27 de setembro de 1916, concedeu aos envolvidos em fatos polticos econexos nesse mesmo ano ocorridos no Estado do Esprito Santo? E a anistia de 8 de novembro de 1930, concedida pelo Decreto 19.395 atodos os civis e militares que, direta ou indiretamente, se envolveram nos movi-mentos revolucionrios, (sic) ocorridos no Pas, abrangendo nos termos do1 do seu art.1 todos os crimes polticos e militares, (sic) ou conexos comesses? Alcanou exclusivamente os revolucionrios ou ter beneficiado ainda osque os reprimiram? Vou alm nestas minhas indagaes, Senhores Ministros. Como poderemosapurar o significado da expresso qualquer outro crime poltico e os que lhe foremconexos no pargrafo nico do art.2 do Decreto 24.297, de 28 de maio de 1934,que concedeu anistia aos participantes do movimento revolucionrio de 1932?Deveremos considerar, para tanto, a realidade daquele momento histrico ou ousa-ramos permitirnos fazlo imersos na realidade do presente? A resposta evi-dente. Opreceito no teria mesmo nenhum sentido, no poderia ser compreendidopor quantos ignorassem o que ocorreu neste pas na primeira metade dos anos 30. E chego a 1945, ao DecretoLei 7.474, de 18 de abril, que anistiou os cri-mes conexos com os polticos cometidos desde 16 de julho de 1934 at esta data,18 de abril. Notese que aqui se poderia suscitar largo debate, visto que o 2do art.1 do DecretoLei teria como conexos somente os crimes comuns, prati-cados com fins polticos, que tenham sido julgados pelo Tribunal de SeguranaNacional. Como resolver essa questo com as lentes que a viso da realidade dopresente instala em nossas mentes? Para fazlo fora apreendermos a reali-dade histricosocial do momento da anistia de que se trata. Ela alcanou, aoreferir crimes conexos com os polticos, exclusivamente os que tentaram contrao governo ou beneficiou ainda os que, praticando crimes comuns, os reprimiram? 39. Pois assim h de ser tambm com a anistia de que ora cogitamos. Aquiestamos, como nas demais anistias a que venho aludindo, diante de lei medida.a realidade histricosocial da migrao da ditadura para a democracia pol-tica, da transio conciliada de 1979 que h de ser ponderada para que possamosdiscernir o significado da expresso crimes conexos na Lei 6.683. da anistiade ento que estamos a cogitar, no da anistia tal e qual uns e outros hoje a con-cebem, seno qual foi na poca conquistada. Exatamente aquela na qual, comoafirma inicial, se procurou (sic) estender a anistia criminal de natureza polticaaos agentes do Estado encarregados da represso. 34. 38 R.T.J. 216A chamada Lei da Anistia veicula uma deciso poltica naquele momentoo momento da transio conciliada de 1979 assumida. ALei 6.683 uma leimedida, no uma regra para o futuro, dotada de abstrao e generalidade. Hdeser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada. Paraquem no viveu as jornadas que a antecederam ou, no as tendo vivido, noconhece a Histria, para quem assim a Lei 6.683 como se no fosse, como seno houvesse sido.40. Leio o que escreveu o ento Conselheiro da OAB, Jos Paulo SeplvedaPertence, em parecer pela mesma OAB encaminhado ao Presidente do SenadoFederal em agosto de 1979:02. De resto, passado quase um ms da revelao da proposta, no temerrio afirmar que, falta de contestao vlida dos intrpretes do Poder, j se conscientizou a opinio pblica da procedncia das objees suscitadas pela vanguarda da socie- dade civil contra as restries que o Governo pretende impor conquista da anistia.03. O exame global do projeto desvela de imediato o seu pecado substancial: a sua frontal incompatibilidade com um dado elementar do prprio conceito de anistia, ou seja, o seu carter objetivo. Emoutras palavras: o que o Governo est propondo, com o nome de anistia, tem antes o esprito de um indulto coletivo que o de uma verdadeira anistia. Esta distoro bsica est subjacente aos pontos mais cri- ticveis do projeto: da odiosa e arbitrria discriminao dirigida exclusivamente aos j condenados por determinados crimes polticos (art.1, 2), ao condicionamento do retorno ou reverso dos servidores pblicos existncia de vaga e ao interesse da Administrao (art.3), e excluso desse benefcio quando o afastamento tiver sido motivado por improbidade do servidor (art.3, 4).04. Mais que a forma de lei (que decorre de sua essncia, mas com ela no se confunde), o que caracteriza a anistia a sua objetividade. Isso sabidamente sig- nifica, como se l, por exemplo, em Anibal Bruno (Direito Penal, III/201), que, a anistia no se destina propriamente a beneficiar algum; o que ela faz apagar o crime e, em consequncia, ficam excludos de punio os que o cometeram. Aideia j estava presente no clebre arrazoado de Rui Barbosa (in Comentrios Constitui- o, 2/441), quando se mostrava que, pela anistia, remontandose ao delito, se lhe elimina o carter criminoso, suprimindose a prpria infrao. Por isso, a observa- o de Pontes de Miranda (Comentrios Const. de1946, I/343344), de que a fi- nalidade da anistia a mesma da lei criminal com sinais trocados; e acrescenta: com ela, olvidase o ato criminal, com a consequncia de se lhe no poderem atribuir efeitos de direito material ou processual. Aconteceu o ato; agora, indose ao passado, mesmo onde ele est, acontece juridicamente desaparecer, deixar de ser, no ser. Namesma linha, Raimundo Macedo (Extino da Punibilidade,p.), a enfatizar que a anistia como a lei nova que deixou de considerar o fato como crime.05. Arecordao dessa verdade elementar basta para ver como no se pode sustentar a srio a legitimidade jurdica ou moral de pretender engalanarse com a grandeza da anistia que est, por definio, na generalidade objetiva da determi- nao do seu alcance um projeto que discrimina entre autores no condenados e autores j condenados pelos mesmos crimes polticos, para excluir estes dos bene- fcios da anistia, que se estendero queles.06. No se desconhece que a tradio histrica fonte necessria de identi- ficao conceitual do instituto, onde, como ocorre entre ns, a Constituio no o define tem legitimado a anistia parcial, que exclua da sua incidncia discriminante 35. R.T.J. 216 39 determinadas categorias de partcipes do fato anistiado. Mas, para que tais excluses se - jam legtimas, devem elas basearse em fatos atribuveis s pessoas excludas da anis- tia. So exemplos frequentes a reincidncia, a recusa deposio de armas no prazo estabelecido e outras tantas circunstncias objetivas, s quais porque imputveis ao agente se tem considerado que o legislador pode atribuir a fora negativa de impe- dir que sobre sua conduta criminosa, em particular, se estenda a eficcia da anistia.O que ento se debatia eram essas discriminaes, em especial a que resul-tou contemplada no 2 do art.1 da lei. Noque tange, no entanto, concessode anistia aos agentes do Estado, leio ainda em Pertence:17. Nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse perodo negro de nossa Histria poder contribuir para o desarmamento geral, desejvel como passo adiante no caminho da democracia.18. Deoutro lado, de tal modo a violncia da represso poltica foi tolerada quando no estimulada, em certos perodos, pelos altos escales do Poder que uma eventual persecuo penal dos seus executores materiais poder vir a ganhar certo colorido de farisasmo.19. No preciso acentuar, de seu turno, que a extenso da anistia aos abusos da represso ter efeitos meramente penais, no elidindo a responsabilidade civil do Estado, deles decorrentes.41. Mais no ser necessrio dizer, Senhores Ministros. Permitome uni-camente reproduzir, neste passo, trecho de entrevista de Jos Paulo14, grandeMinistro desta Corte, duplamente cassado pela ditadura militar, como membrodo Ministrio Pblico do Distrito Fe deral e Territrios e como professor daUniversidade de Braslia, entrevista na qual afirma nada ter a alterar no parecerque a venho aludindo e diz, ainda mais:No projeto, havia um ponto inegocivel pelo Governo: o 1 do art.1, que, definindo, com amplitude heterodoxa, o que se considerariam crimes conexos aos crimes polticos, tinha o sentido indisfarvel de fazer compreender, no alcance da anistia, os delitos de qualquer natureza cometidos nos pores do regime, como ento se dizia, pelos agentes civis e militares da represso.Meu parecer reconheceu abertamente que esse era o significado inequvoco do dispositivo. Esem alimentar esperanas vs de que pudesse ele ser eliminado pelo Congresso, concentrava a impugnao ao projeto governamental no 2 do art. 1, que exclua da anistia os j condenados por atos de violncia contra o regime autoritrio.(...) expressivo recordar que, no curso de todo o processo legislativo que constituiu um marco incomum de intenso debate parlamentar sobre um projeto dos governos militares, nem uma voz se tenha levantado para por em dvida a inter- pretao de que o art.1, 1, se aprovado, como foi, implicava a anistia da tortura praticada e dos assassnios perpetrados por servidores pblicos, sob o manto da imunidade de fato do regime de arbtrio. Oque houve foram propostas de emenda no muitas, porque de antemo condenadas derrota sumria para excluir da anis- tia os torturados e os assassinos da represso desenfreada.14Carta Maior (www.cartamaior.com.br), 18 de janeiro de 2010. 36. 40 R.T.J. 21642. Anoto a esta altura, parenteticamente, a circunstncia de a Lei 6.683preceder a Conveno das Naes Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentosou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleia Geralem 10 de dezembro de 1984, vigorando desde 26 de junho de 1987 e a Lei 9.455,de 7 de abril de 1997, que define o crime de tortura. E,mais, o fato de o preceitoveiculado pelo art. 5, XLIII, da Constituio preceito que declara insuscet-veis de graa e anistia a prtica da tortura, entre outros crimes no alcanar,por impossibilidade lgica, anistias consumadas anteriormente a sua vigncia.A Constituio no recebe, certamente, leis em sentido material, abstratas egerais, mas no afeta, tambm certamente, leis medida que a tenham precedido.Refirome ainda, neste passo, a texto de Nilo Batista, na Nota introdutriaa obra recentemente publicada15, de Antonio Martins, Dimitri Dimoulis, LauroJoppert Swensson Junior e Ulfrid Neumann: (...) em primeiro lugar, instrumentos normativos constitucionais s adqui- rem fora vinculante aps o processo constitucional de internalizao, e o Brasil no subscreveu a Conveno sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade de 1968 nem qualquer outro documento que contivesse clusula similar; em segundo lugar, o costume internacional no pode ser fonte de direito penal sem violao de uma funo bsica do princpio da le- galidade; e, em terceiro lugar, conjurando o fantasma da condenao pela Corte Interamericana, a exemplo do precedente Arellano x Chile, a autoridade de seus arestos foi por ns reconhecida plenamente em 2002 (Dec. n.4.463, de 8 de no- vembro de 2002) porm apenas para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.A transio para a democracia43. Hquem se oponha ao fato de a migrao da ditadura para a demo-cracia poltica ter sido uma transio conciliada, suave em razo de certos com-promissos. Isso porque foram todos absolvidos, uns absolvendose a si mesmos.Ocorre que os subversivos a obtiveram, a anistia, custa dessa amplitude.Era ceder e sobreviver ou no ceder e continuar a viver em angstia (em algunscasos, nem mesmo viver). Quando se deseja negar o acordo poltico que efeti-vamente existiu resultam fustigados os que se manifestaram politicamente emnome dos subversivos. Inclusive a OAB, de modo que nestes autos encontramosa OAB de hoje contra a OAB de ontem. inadmissvel desprezarmos os quelutaram pela anistia como se o tivessem feito, todos, de modo ilegtimo. Como setivessem sido cmplices dos outros.Para como que menosprezla, dizse que o acordo que res