RSF_Medeiros Et Al 2007 Geoch_Bras

20
 212 APORTE FLUVIAL E DISPERSÃO DE MATÉRIA PARTICULADA EM SUSPENSÃO NA ZONA COSTEIRA DO RIO SÃO FRANCISCO (SE/AL) P. R. P. Medeiros 1,* , B. A. Knoppers 2,** , R. C. dos Santos Júnior 3,*** , W.F.L. de Souza 4,**** 1 IGEDMA/LABMAR, Universidade Federal de Alagoas, Maceió (AL) 2 Departamento de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ) 3 Programa de Pós-graduação em Geociências CTG, Universidade Federal de Pernambuco, Recife (PE), 4 LABAI, Instituto Nacional de Tecnologia, Rio de Janeiro (RJ), E-mail: *[email protected], **[email protected], ***[email protected], ****w[email protected] Recebido em novembro de 2006, aprovado para publicação em junho de 2007 ABSTRACT The São Francisco (SF) river (AB = 634.000 km 2 , L= 2863 km) and its coastal zone (Lat. 10 o 36´ S Long. 36 o  23´W, NE-Brazil) have been subject to the impact by a dam cascade constructed between the seventies and the nineties in the middle-lower sector of the basin. This study addresses today’s conditions of the river load and behavior of suspended matter in the coastal zone, after r iver ow was ultimately regulated by t he damps in 1995. The study was conducted from 11/2000 to 03/2002 and comprehended monthly measurements of river discharge (Qr) and suspended particulate matter (SPM) loads at the Propriá gauging station downstream of the damps (80 km from the coast), and 11 surface water sampling transects of SPM along the estuarine mixing zone (EMZ) and the turbidity plume on the continental shelf. Information on the pre-dam conditions was obtained from national hydrological data banks. River discharge (Qr) during the annual cycle was estimated at 50,3 km 3 /yr (1595 m 3 /s), being similar to the annual average of 55,5 ± 7,4 km 3 /yr (1760 ± 235 m 3 /s) of the post-dam period (1995-2001) and 4 4% lower than the annu al average of 94,9 ± 26,9 km 3 /yr (3010 ± 850 m 3 /s) of the pre-dam period (1938-1973 ). The SPM load amounted to 2, 28 x 105 t/yr and the yield 0,3 t/km 2 /yr, corresponding to a reduction of 94% to pre-dam conditions. The river evolved from a turbid to a transparent system due to material retainance by the dam reservoirs and the  basin´s SPM yield is now the lowest in comparison to other Brazilian coastal rivers impacted  by damps. The lower mesohaline portion (S > 5 to < 15) of the EMZ is now generally s et at the river´s mouth and over the pro-delta shoals, being more turbid (SPM ~ 10 to 40 mg/L) than the river itself (SM ~ 5 mg/L). The impoverishment of riverine SPM in conjunction with the gain of SM (non-conservative behavior) over the pro-delta shoals indicates, that the coastal turbid  plume of today is being fed an d maintained by resusp ended matter from shallow relict mudd y sediments, deposited in earlier times, as well as, from adjacent coastal erosion. RESUMO O Rio São Francisco (AB = 634.000 km 2 , L= 2863 km) e a sua zona costeira (Lat. 10 o 36´ S e Long. 36 o  23´W , SE/AL) vêm sendo impactado por uma cascata de barragens construí das entre as décadas de setenta e noventa no setor médio-baixo da bacia. Este estudo aborda as condições Geochimica Brasiliensis, 21(2)212 - 231, 2007

description

São francisco River

Transcript of RSF_Medeiros Et Al 2007 Geoch_Bras

  • 212

    APORTE FLUVIAL E DISPERSO DE MATRIA PARTICULADA EM SUSPENSO NA ZONA COSTEIRA DO RIO SO FRANCISCO (SE/AL)

    P. R. P. Medeiros1,*, B. A. Knoppers2,**, R. C. dos Santos Jnior3,***, W.F.L. de Souza4,****

    1IGEDMA/LABMAR, Universidade Federal de Alagoas, Macei (AL)2Departamento de Geoqumica, Universidade Federal Fluminense, Niteri (RJ)

    3Programa de Ps-graduao em Geocincias CTG, Universidade Federal de Pernambuco, Recife (PE), 4LABAI, Instituto Nacional de Tecnologia, Rio de Janeiro (RJ),

    E-mail: *[email protected], **[email protected], ***[email protected], ****[email protected]

    Recebido em novembro de 2006, aprovado para publicao em junho de 2007

    ABSTRACT

    The So Francisco (SF) river (AB = 634.000 km2, L= 2863 km) and its coastal zone (Lat. 10o36 S Long. 36o 23W, NE-Brazil) have been subject to the impact by a dam cascade constructed between the seventies and the nineties in the middle-lower sector of the basin. This study addresses todays conditions of the river load and behavior of suspended matter in the coastal zone, after river ow was ultimately regulated by the damps in 1995. The study was conducted from 11/2000 to 03/2002 and comprehended monthly measurements of river discharge (Qr) and suspended particulate matter (SPM) loads at the Propri gauging station downstream of the damps (80 km from the coast), and 11 surface water sampling transects of SPM along the estuarine mixing zone (EMZ) and the turbidity plume on the continental shelf. Information on the pre-dam conditions was obtained from national hydrological data banks. River discharge (Qr) during the annual cycle was estimated at 50,3 km3/yr (1595 m3/s), being similar to the annual average of 55,5 7,4 km3/yr (1760 235 m3/s) of the post-dam period (1995-2001) and 44% lower than the annual average of 94,9 26,9 km3/yr (3010 850 m3/s) of the pre-dam period (1938-1973). The SPM load amounted to 2,28 x 105 t/yr and the yield 0,3 t/km2/yr, corresponding to a reduction of 94% to pre-dam conditions. The river evolved from a turbid to a transparent system due to material retainance by the dam reservoirs and the basins SPM yield is now the lowest in comparison to other Brazilian coastal rivers impacted by damps. The lower mesohaline portion (S > 5 to < 15) of the EMZ is now generally set at the rivers mouth and over the pro-delta shoals, being more turbid (SPM ~ 10 to 40 mg/L) than the river itself (SM ~ 5 mg/L). The impoverishment of riverine SPM in conjunction with the gain of SM (non-conservative behavior) over the pro-delta shoals indicates, that the coastal turbid plume of today is being fed and maintained by resuspended matter from shallow relict muddy sediments, deposited in earlier times, as well as, from adjacent coastal erosion.

    RESUMO

    O Rio So Francisco (AB = 634.000 km2, L= 2863 km) e a sua zona costeira (Lat. 10o36 S e Long. 36o 23W, SE/AL) vm sendo impactado por uma cascata de barragens construdas entre as dcadas de setenta e noventa no setor mdio-baixo da bacia. Este estudo aborda as condies

    Geochimica Brasiliensis, 21(2)212 - 231, 2007

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    213

    atuais do aporte uvial e do comportamento da matria em suspenso na zona costeira, aps a regularizao denitiva da vazo pelas barragens a partir de 1995. O estudo foi realizado durante o perodo de 11/2000 a 03/2002, compreendendo medies mensais dos uxos de gua (Qr) e a carga de material particulado em suspenso (MPS) na estao uviomtrica de Prpria jusante s barragens (80 km da costa), e 11 campanhas de amostragens de guas superciais ao longo da zona de mistura estuarina (ZME) e da pluma de turbidez na plataforma continental. Informaes de dados pretritos para a interpretao dos resultados foram obtidas atravs da anlise de dados hidrolgicos disponveis em bancos de dados nacionais. Durante o ciclo hidrolgico estudado, estimou-se uma vazo (Qr) de 50,3 km3/ano (1595 m3/s), semelhante mdia anual de 55,5 7,4 km3/ano (1760 235 m3/s) do perodo ps-barragens (1995-2001) regularizado e 44% abaixo da mdia anual de 94,9 26,9 km3/ano (3010 850 m3/s), do perodo pr-barragens (1938-1973). A carga uvial atual de MPS foi 2,28 x 105 t/ano e a descarga especca 0,2 t/km2/ano, representando uma reduo de 94% em comparao a 1970. O rio transformou-se de um sistema de alta turbidez transparente, devido reteno de matria nos reservatrios ao longo da cascata. A poro mesohalina da ZME oscila atualmente sobre o pro-delta e possui maior turbidez (MPS ~ 20 - 40 mg/L) que o prprio rio (MPS ~ 5 mg/L). O empobrecimento de MPS do rio junto com o ganho de MPS (comportamento no-conservativo) sobre o pr-delta indica, que a pluma de turbidez esta atualmente sendo sustentada por processos de re-suspenso de matria dos sedimentos depositados anterior construo das barragens e da eroso costeira adjacente.

    INTRODUO

    O transporte de sedimentos dos continentes para os oceanos atravs dos rios uma caracterstica fundamental da geologia e biogeoqumica de nosso planeta. Segundo Milliman (1991), os rios contribuem com aproximadamente 70% do aporte total mundial de sedimentos para o oceano. Estimativas dos uxos globais de sedimentos so da ordem de 18 x 109 t/ano. Englobam a contribuio atravs dos grandes rios mundiais mais estudados, como tambm, de extrapolaes das descargas especcas de gua e sedimento de modelos regionais para a maioria dos 20.000 rios de mdio e pequeno porte (Milliman & Syvitsky, 1992; Vrsmarty et al., 1997; Hay, 1998). No entanto, a estimativa da magnitude da contribuio desse transporte global atravs dos rios de mdio e pequeno porte matria controversa, devido falta de estudos de monitoramento locais e regionais mais consistentes e sobre a natureza dos impactos antrpicos que afetam a descarga especca de sedimentos, tal como o desmatamento, a eroso, a agricultura e a construo de barragens (Vrsmarty et al., 1997; Meybeck, 2001).

    A discusso sobre o impacto de barragens de preocupao internacional (WCD, 2000; Vrsmarty et al., 2003) e nacional (Tundisi et al., 1998; Straskaba e Tundisi; 2000; Medeiros, 2003; Souza e Knoppers, 2003; Souza et al. 2003; http://www.ana.gov.br). Barragens e seus reservatrios alteram a carga anual e a pulsao natural do aporte uvial de gua e matria zona costeira. Os impactos destas alteraes zona costeira dependem da interao entre inmeros fatores, tal como o gerenciamento operacional das barragens em funo da demanda dos seus servios sociedade (energia, irrigao, controle de cheias), do potencial de reteno e transformao de matria em funo da idade e do tempo de residncia das guas dos reservatrios, como tambm da recarga de gua e matria entre o trecho jusante das barragens costa (Vrsmarty et al., 2003).

    Este estudo aborda o impacto de barragens construdas no setor mdio-baixo e semi-rido da bacia hidrogrca do rio So Francisco sobre a carga fluvial e o comportamento de material particulado em suspenso na sua zona costeira. Representa um estudo de caso de um rio de mdio a grande

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    214

    da parte sul da regio, constituindo-se de tabuleiros. No delta e na base dos tabuleiros, encontram-se terraos marinhos Pleistocnicos, e para o norte e nordeste tabuleiros tercirios da Formao Barreiras. A plancie fluvio-marinha ocorre desde Penedo (AL) at o litoral, constituda de superfcies planas, praticamente sem desnveis acentuados, formados por sedimentos recentes, aluvionares, elicos e praiais. Dunas elicas caracterizam grande parte do litoral ((Braz lho, 1980; Dominguez, 1996; Figura 3).

    A Plataforma Continental do Rio So Francisco bastante estreita, variando entre 20 km a 50 km de largura, e a quebra da plataforma ocorre em profundidades de 40 a 80 m (Knoppers et al., 1999). A regio costeira dominada por mesomars do tipo semi-diurno com mars de sizgia atingindo 2,6 m. O regime de ondas de alta energia, predominando do NE e E em janeiro a maio (vero-outono) e setembro a novembro (primavera), e ondas de SE ocorrem de maro a agosto (Dominguez, 1996). guas Tropicais de Superfcie (ATS) da Corrente Sul Equatorial (CSE) predominam sobre a plataforma continental (Peterson & Stramma, 1991) e inuenciam diretamente as guas costeiras (Medeiros, 2003).

    A profundidade da regio estuarina do rio So Francisco varivel, chegando a atingir aproximadamente 14 m prximos foz. O pr-delta do rio So Francisco localizado entre 0,5 a 2,5 km da foz, caracterizado por uma forte zona de arrebentao, com ondas altas e bancos de areia submersos, parte dos quais cam expostos em baixa-mar (Figura 4).

    MATERIAIS E MTODOS

    AMBIENTE FLUVIALOs estudos para medio de uxo de

    gua e material particulado em suspenso (MPS) foram concentrados no trecho prximo a uma ponte rodo-ferroviria entre as cidades de Propri (SE) e Porto Real do Colgio

    porte com relevncia regional ecolgica, econmica e social, sendo utilizado para gerao de energia hidroeltrica, irrigao, navegao, suprimento de gua, pesca e aqicultura (Marques et al. 2004; http://www.ana.gov.br). Apresenta um cenrio especco, cujo impacto antrpico principal gerado por barragens sem potencial natural e cultural relevante de recarga de gua e matria no trecho jusante das barragens at a costa. Alm disso, este tipo de sistema tem recebido pouca ateno quanto a estimativas de seu aporte uvial de material particulado em suspenso zona costeira. Embora existam registros de vazo ao longo de seu percurso desde 1936, monitorados pelas entidades nacionais DNAEE, ANEEL e ANA (veja Programa HydroWeb, http://www.ana.gov.br), as medidas do material particulado em suspenso (MPS) no baixo So Francisco so escassas (Milliman, 1975; Santos, 1993; Lima et al., 2001).

    REA DE ESTUDO

    O rio So Francisco nasce no estado de Minas Gerais em 1.800 m de altitude, sua extenso 2.863 km, e possui uma rea de 639.219 km2, correspondendo a 7,5% do territrio nacional. Desemboca no Oceano Atlntico Sul na regio Nordeste, na divisa dos Estados de Sergipe e Alagoas (Lat. 10o36 S e Long. 36o 23W, Figura 1).

    Divide-se siogracamente nos setores do Alto, Mdio, Sub-mdio e Baixo So Francisco (SF, Figura 2) e atravessa vrios domnios climticos, com clima tropical mido do tipo Kppen Aw no Alto SF, do tipo Aw a BShw no Mdio SF, to tipo semi-rido BShw no Sub-Mdio SF, onde se localiza a cascata de barragens, e do tipo AS, quente e mido, no Baixo-SF ou seja a zona costeira (Bernardes, 1951).

    A zona costeira e o delta do Rio So Francisco (A = 800 km2) so formados pelo Cretceo, Tercirio (Formao Barreiras) e Quaternrio (aluvies e dunas). A Formao Barreiras integra a maior parte dos sedimentos

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    215

    Figura 1: Localizao da Bacia do Rio So Francisco no Brasil, trecho do rio na estao uviomrtica em Propri (80 km da costa) e a sua Zona Costeira.

    Pntanos Mangues Depsitos fluviais holocnicos Cristas praiais holocnicas Dunas ativas holocnicas Dunas inativas holocnicas Cristas praiais pleistocnicas Leques aluviais pleistocnicos

    Cnion do So Francisco

    Formao Barreiras

    Figura 2: A Bacia hidrogrca do So Francisco e suas subdivises siogrcas (http://www.ana.gov.br).

    Figura 3: Mapa geomorfolgico: sedimentolgico da foz do rio So Francisco. Fonte: Dominguez (1996) modicado.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    216

    onde, Q corresponde a vazo do rio em m3/s, A a rea da seo transversal do rio e F o uxo do rio em m/s, medido por meio de correntmetria.

    A rea foi calculada com medies da largura e profundidade de um trecho do rio com seo transversal mais homognea possvel. Para o espaamento das verticais (profundidades e fluxos medidos) adotou-se o posicionamento dos pilares/vos da ponte, para uma melhor reprodutibilidade entre as campanhas de calibrao. As medies foram efetuadas em verticais escolhidas em funo da forma da seco e da distribuio das velocidades (Garcez, 1967; Lind, 1985). As medies verticais foram executadas em 19 pontos ao longo do eixo transversal da

    (AL) (Figura 1). Antes e durante as coletas do monitoramento mensal, foram realizadas trs campanhas de calibrao no local. Estas calibraes tiveram como objetivo comparar as vazes momentneas medidas com as fornecidas pela CHESF (Companhia Hidreltrica do So Francisco) e a ANEEL (Agncia Nacional de Energia Eltrica), alm de identicar a contribuio das diferentes sees transversais do rio, na composio total da vazo e carga de MPS.

    Os pers verticais de correntes foram realizados com correntmetro do tipo DIGCARTRAN com hlice de SAVAN, acoplado a um guincho. Executaram-se medies de velocidade na superfcie, 20%, 40%, 60%, 80% da profundidade total e 1 m acima do fundo. As profundidades ao longo da seo transversal do rio foram determinadas por um ecobatmetro do tipo EAGLE SUPRAPRO I. D. (Massman-Oliveira, 2002).

    De uma forma genrica, a vazo foi calculada atravs da seguinte equao:

    Q = A x F Eq. 1

    Figura 4: Batimetria da foz do rio So Francisco e do pr-delta. Fonte: Dominguez (1996) modicado.

    ponte. Aps anlise dos uxos momentneos e integrao vertical de cada ponto, foram identificados 4 setores principais com diferentes contribuies na vazo total, os resultados das calibraes com os coecientes da vazo da contribuio vazo total de cada setor esto apresentados na Tabela 1.

    Os coecientes da vazo, que descrevem a frao da contribuio de cada setor na vazo total (Figura 5), demonstram que o setor I responde por aproximadamente 50% da vazo total e os setores II, III e IV em torno de 30%, 15% e 5% da vazo total.

    Data SetoresI* II** III*** IV****

    24/03/02 0,51 0,25 0,17 0,0629/06/00 0,44 0,31 0,20 0,0621/04/00 0,50 0,31 0,15 0,05*VG VP 1, ** VP 1 VP7 7, *** VP 7 VP11 e **** VP11 VP 18

    Tabela 1: Coecientes da vazo da contribuio vazo total nos quatro setores do perl transversal do rio So Francisco obtidos nas trs calibraes. VG = Vo Grande do rio correspondente ao setor do canal principal e VP = Vo Pequeno dos demais setores. Maiores informaes em Medeiros (2003).

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    217

    O monitoramento mensal do ciclo anual deste estudo foi executado perante medies em 4 pontos posicionados nos setores estabelecidos.

    Quando comparadas s vazes da Usina Hidroeltrica (UHE) Xing, da estao uviomtrica de Propri (ANEEL), com os valores de vazes obtidas nas calibraes, observa-se nas trs calibraes executadas diferenas da ordem de 5 a 10% (Tabela 2). As diferenas existentes se mantm dentro da margem de erro assumido na determinao da vazo (15%) em funo da variabilidade horria e diurna das vazes deuentes da UHE Xing com desvio padro na ordem de 200 a 300 m3/s (Tabela 2). Ressalta-se a

    Figura 5: Setores individualizados a partir das 3 calibraes realizadas, adotados para as medies mensais do uxo de gua e a carga de material particulado em suspenso (MPS).

    Propri CHESF

    Calibrao Estao ANEEL Vazo Diria

    Data Vazo (m3/s) Data Vazo (m3/s)

    20/04/2000 1978 275 21/04/2000 1807 1965

    21/04/2000 1635 222 28/06/2000 1937 340

    29/06/2000 1759 185629/06/2000 1960 229

    24/03/2002 1658 1303 17-18/03/2002 1292 121

    Tabela 2: Comparao das vazes obtidas pela calibrao, da estao uviomtrica de Propri (ANEEL) e da UHE Xing (CHESF).

    impossibilidade de uma comparao mais precisa destas vazes da ANEEL e da CHESF pelas diferentes metodologias relacionadas ao nmero e o horrio de leituras durante o dia de cada entidade. As medies do monitoramento mensal foram executadas entre 09:00 e 12:00 h do dia.

    A grande aproximao entre as medies de vazo da CHESF e da ANEEL evidenciada atravs da anlise de correlao entre as estaes. A Figura 6 apresenta regresso linear pelo mtodo estatstico de Pearson, utilizando as mdias mensais das vazes do perodo de Janeiro de 1999 a Dezembro de 2001, que atinge um coeciente de correlao de R2 = 0,9885 (n = 36), com

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    218

    o somatrio dos 4 setores, chegando-se dessa forma no uxo total da transversal. Uma vez determinado o uxo momentneo do material particulado em suspenso m, estimaram-se as cargas dirias do MPS, segundo Qm = 0,0864 Fm, aonde Qm a carga diria expressa em toneladas. A carga total mensal foi obtida pela multiplicao da carga diria Qm pelo nmero de dias do ms em questo entre as amostragens.

    O monitoramento mensal compreendeu o perodo entre 11/2000 a 03/2002. As amostras foram coletadas com garrafa de coleta tipo Van Dorn de acrlico, em sub-superfcie, em torno de 20 cm abaixo da linha de gua. Aps a coleta, as amostras foram armazenadas em frascos plsticos com volume de 5L, acondicionadas em caixa isopor e transportadas refrigeradas sob gelo. A matria em suspenso foi ltrada atravs de ltros tipo Whatman GF/F com dimetro de 47 mm e porosidade ao redor de 0,7 m. O peso do material em suspenso foi determinado no Laboratrio de Hidroqumica do LABMAR/ UFAL segundo Strickland & Parsons (1972), com balana Sartorius (0,1 mg). Antes da pesagem inicial, os ltros vazios foram pr-lavados com gua

    relao altamente signicativa (p < 0.001). Essa relao indica que as vazes medidas pela CHESF podem ser utilizadas para a estaao uviomtrica de Propri, quando no foram disponiveis as vazes da ANEEL.

    O uxo de material em suspenso foi determinado usando-se vazes fornecidas pela CHESF e os coecientes de vazo estimados nas calibraes, conforme o descrito pela expresso abaixo.

    Eq. 2

    onde, Fm o uxo momentneo do material em suspenso, Q a vazo m3/s, e ai e Ci representam o coeficiente da vazo nos setores i de 1 at N (ou seja I a IV), e Ci a concentrao do material particulado em suspenso m nos setores i de 1 a N (ou seja I a IV).

    As calibraes serviram para a reduo do nmero de amostras transversais coletadas durante o monitoramento mensal. Devido s diferenas das contribuies anteriormente determinadas de cada setor na vazo e, conseqentemente, no fluxo, a vazo foi ponderada entre os 4 setores. Aps a obteno do uxo ponderado de cada setor, realizou-se

    Propri = 0,9454 x CHESF + 82,593R2 = 0,9885

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    0 500 1000 1500 2000 2500CHESF (m3/s)

    Pro

    pri

    (m3 /

    s)

    Figura 6: Correlao entre as vazes da estao uviomtrica de Propri e da UHE Xing (CHESF). Janeiro de 1999 a dezembro de 2001.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    219

    abaixo da linha de gua. Os procedimentos de transporte e preservao das amostras foram os mesmos utilizados no ambiente uvial. O perodo amostrado foi de novembro de 2000 a janeiro de 2002, totalizando 11 campanhas nas datas de 12/11 e 19/11/2000, 10/02, 21/03, 24/04, 25/05, 17/06, 22/08, 19/09 e 10/11/2001, e 25/01/2002, e 143 estaes amostradas (Figura 7).

    O comportamento do mater ia l particulado em suspenso durante a mistura estuarina foi determinado a partir da anlise de diagramas de mistura plotando as concentraes de MPS contra a salinidade, como tambm, das concentraes contra a distncia da foz, com o intuito de detectar as regies de ganho e perda do MPS ao longo do eixo principal do esturio e da disperso da pluma de turbidez, conforme a abordagem descrita em Burton & Liss (1976). Mudanas das concentraes que ocorrem proporcionalmente linha de diluio ideal entre as guas fluviais e marinhas representam comportamento conservador e que ocorrem desproporcionalmente a linha ideal de diluio, com um ganho ou uma perda de MPS, respectivamente, representam comportamento no-conservador.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    AMBIENTE FLUVIALVazes

    Segundo Hopkinson & Valino (1995), as atividades antropognicas nos rios e bacias hidrogrficas alteram a durao, a magnitude e a natureza dos materiais transportados. Dentre as atividades que tm efeitos pronunciados em ambientes uviais destaca-se a construo de barragens (Halim, 1991). Uma das modicaes mais notveis da construo de barragens em rios a modulao ou regularizao total da vazo, objetivando um suprimento de gua relativamente constante, necessrio gerao da energia hidroeltrica conforme a demanda. Essa regularizao provoca grande reduo na variabilidade da vazo natural, causando severos efeitos sobre a pulsao natural dos

    destilada, secos em estufa 60oC por 6 horas e armazenados dentro de placas de Petri em dessecador com slica gel. Antes da pesagem inicial, quatro ltros foram escolhidos como brancos. A pesagem dos ltros vazios iniciais e os nais correspondentes com MPS, foi executada em etapas com baterias de dez ltros, iniciando e terminando cada etapa com a pesagem dos brancos. Este procedimento foi adotado para correo de eventuais mudanas de umidade dos ltros que possam ocorrer durante a pesagem. A variabilidade do peso dos brancos entre as baterias foi < 3%.

    Dados pretritos da vazo foram obtidas do banco de dados da ANEEL e processados atravs do programa HydroWeb da ANA (http://www.ana.gov.br), que permite o clculo instantneo, dirio, mensal, anual e interanual das vazes. Neste trabalho foram acessadas as informaes das estaes uviomtricas de Traip (ANEEL cdigo 49660000), localizada 120 km a montante da foz, e de Propri (ANEEL cdigo 49705000), localizada 80 km da foz, sendo a ltima, a estao do monitoramento mensal deste estudo. A estao Traip possui registros contnuos da vazo desde 1936, permitindo uma anlise das condies antes da construo das barragens at o atual, e a de Prpria desde 1977, que incorpora os estgios iniciais, intermedirios e atuais da operao das barragens (http://www.ana.gov.br). Ambas as estaes so compatveis quanto s vazes a partir de 1977 at o atual.

    AMBIENTE ESTUARINOAs coletas das amostras no ambiente

    estuarino e na pluma costeira de turbidez foram realizadas em diversos pontos ao longo de pers horizontais incorporaram o trecho desde 15 km a montante da desembocadura do rio at no mximo 30 km a jusante sobre a plataforma continental. Os pers foram posicionados oblquos em relao costa, no sentido norte-sul, correspondendo direo predominante de deslocamento da pluma de turbidez. As amostras foram coletadas com garrafa tipo Van Dorn de acrlico 5 L, em sub-superfcie, em torno de 20 centmetros

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    220

    Figura 7: Estaes amostradas (n = 143) nas onze pernadas realizadas a partir do rio 15 km a montante da foz e na rea principal de disperso da pluma de turbidez at aproximadamente 20 km a juzante da foz. Pontos pretos: Estaes coletadas entre Novembro de 2000 a Junho de 2001; Pontos claros: Estaes coletadas entre Agosto de 2001 a Janeiro de 2002.

    fluviomtrica de Traip (AL), localizada em torno de 40 km acima de Propri (SE). Aps a concluso da construo da Usina hidroeltrica do Xingo em 1994, a vazo foi denitivamente regularizada, suavizando a variabilidade sazonal e interanual das vazes do rio a costa.

    A variabilidade hidrolgica, associada ao perodo de implementao dessas usinas hidroeltricas, permitiu a decomposio da srie temporal da vazo interanual em quatro estgios em funo da implementao e do impacto de diversas barragens: a) o primeiro estgio entre 1938-1973, abrangeu a construo da UHE de Trs Marias na regio do Alto SF, que essencialmente no afetou de forma signicativa variabilidade temporal e a magnitude da vazo do Mdio-Baixo SF,

    forantes fsicos do ecossistema. De uma maneira geral, direta ou indiretamente, a regularizao da vazo a maior responsvel pela alterao do balano hdrico e sedimentar do ecossistema. A reduo na hidrodinmica induz maior sedimentao do MPS dentro do rio, eroso das suas margens e assoreamento, como tambm a eroso costeira, graas perda do equilbrio de energia entre o rio e o mar e a perda de reposio de sedimentos uviais na costa.

    As diversas barragens em cascata construdas ao longo do tempo desde a dcada de setenta, provocaram grandes modicaes da pulsao natural e nas vazes interanuais do mdio-baixo e baixo Rio So Francisco. A Figura 8 apresenta uma srie de vazes de 1938 a 2001, registradas na estao

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    221

    Apolnio Sales(Moxot)

    eSobradinho

    Luiz Gonzaga(Itaparica) Xing

    Figura 8: Vazes mdias dirias da estao de Traip (AL), no perodo 1938 a 2000.

    onde se localiza a cascata de barragens. O potencial de recarga de gua e matria entre o Alto e o Mdio-Baixo SF alto, compensando o impacto de Trs Marias e eventuais perdas de MPS associadas reteno pela barragem (Werneck et al., 2001). b) o segundo estgio definido entre 1977-1985, incorporou o trmino das barragens de Apolnio Sales e Sobradinho, sendo a ltima localizada a montante da cascata com grande potencial de reteno de sedimentos no seu reservatrio. c) o terceiro estgio de 1986-1994, incorporou a implementao das barragens de Itaparica e Xing, ltima entrou em operao no nal de 1994. d) o quarto estgio de 1995 a atual, corresponde s condies ps-barragens com vazo regularizada. Cabe ressaltar, que Sobradinho corresponde a principal barragem responsvel pela modulao e/ou regularizao da vazo do rio ao longo da cascata desde 1980 at o atual. Nestes estgios possvel observar o decrscimo da variabilidade interanual, assim como da magnitude da vazo mdia ao longo do tempo, essa tendncia mostrada na Tabela 3.

    Alm da reduo da variabilidade inter-anual e da magnitude da vazo, o Rio So Francisco sofreu drstico decrscimo na variabilidade sazonal da vazo (Figura 9). Os

    picos de enchentes com vazes altas de 8000 a 15.000 m3/s, que ocorriam naturalmente nos primeiros meses do ano (janeiro a maro) foram notavelmente suavizados, com excees espordicas de vazes que ultrapassaram a capacidade limite de controle das barragens, tal como em 1985 e 1992.

    Durante o perodo de estudo ocorreu uma grande estiagem no Alto So Francisco (Figura 10). Na anlise do grco de precipitao de So Romo (Alto So Francisco), verica-se que os ndices pluviomtricos do ano de 2001, nos meses de recarga uvial (janeiro, fevereiro e maro), caram abaixo da mdia climatolgica.

    Esta reduo da precipitao provocou reduo da vazo do rio So Francisco (Figura 11). A vazo mdia mensal atingiu valores abaixo dos valores normais regularizados, fazendo com que o perodo de estudo abrange-se um perodo atpico de vazes. A reduo da vazo ocasionou uma crise de energia eltrica, que se intensicou no ano de 2001.

    Fluxos de material particulado em suspenso

    Em condies naturais, as concentraes e uxos de material em suspenso de rios,

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    222

    Estgio Mdia Desvio Padro Mnimo Mximo(m3/s)

    1938 -1973 3008 852 1768 52441977 -1985 3136 824 1916 40191986 -1994 2204 749 1498 37791995 - 2001 1758 235 1405 1980

    Tabela 3: Mdia anual, desvio padro, mnimos e mximos da vazo da estao uviomtrica de Traip dos quatro estgios hidrolgicos identicados atravs da anlise de dados pretritos da ANEEL.

    0

    1000

    2000

    3000

    4000

    5000

    6000

    Jan Fev M ar Abr M ai Jun Jul Ago Set O ut Nov D ez

    77-8586-9495-01

    m3 /s

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

    Pre

    cipi

    ta

    o (m

    m) 1999

    20002001Mdia Climatolgica

    Figura 9: Variao das mdias mensais da vazo da estao uviomtrica de Propri referentes aos estgios hidrolgicos identsicados.

    Figura 10: Comparao da precipitao mdia mensal em So Romo, para os anos de 1999, 2000 e 2001, com a mdia climatolgica.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    223

    possuem relao com a vazo (Restrepo & Kjerfve, 2001). O aumento da vazo intensica a velocidade do escoamento uvial, a capacidade de transporte do rio e a lavagem das margens, incrementando o material particulado e dissolvido transportado.

    A relao da vazo com o material em suspenso no Rio So Francisco foi praticamente inexistente durante o perodo de estudo. O valor do coeficiente de determinao encontrado indica ausncia de correlao significativa (p < 0,05), quando se compara vazo e o uxo de MPS (R2=0,1596). O desacoplamento da relao entre a concentrao de MPS e vazo, tambm pode ser evidenciado pela disperso entre as variveis expressos na Figura 12.

    Os fluxos de MPS do perodo de m o n i t o r a m e n t o a p r e s e n t a r a m u m comportamento que reete a operao da UHE Xing, nos estgios pr-crise de energia eltrica, crise de energia eltrica e recuperao da crise do nvel de gua dos reservatrios. Esse manejo da vazo impediu uma clara relao entre a vazo e MPS, impossibilitando a criao de uma curva chave com estas duas componentes.

    Devido abordagem utilizada neste trabalho, e principalmente ao perodo atpico que ocorreu durante o estudo, no foi possvel diferenciar quantitativamente os mecanismos que atuaram na dinmica do MPS, pela ausncia de informaes sobre o potencial da recarga de MPS ao longo da cascata e as mudanas ocorridas na dinmica e reteno de MPS nos reservatrios. de conhecimento geral, que a produo de sedimentos por uma bacia hidrogrca inuenciada, por diversos fatores, tanto naturais, quanto antropognicos. Dentre os fatores naturais destacam-se clima, geologia, relevo e rea da bacia. Diversas aes antropognicas alteram o padro natural da produo de sedimentos, algumas incrementam a produo de sedimentos, tal como o desmatamento, intensicando a eroso, e outras provocam sua reduo, tal como a construo de barragens, que retm e diminuem a capacidade de transporte de sedimentos pelos rios (Holeman, 1965; Halim, 1991; WCD, 2000; Straskraba & Tundisi, 2000; Vorosmarty et al., 2003).

    Os fluxos mdios anuais do MPS (Figura 13) tiveram valores em torno de 22.000 t/ms. O valor mnimo de fluxo ocorreu no ms de outubro (perodo de crise) de 2001, cando em torno de 8000

    Figura 11: Comparao das vazes mdias mensais da estao de Propri para o perodo de estudo, fornecidas pela ANEEL.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    224

    Figura 12: Disperso da concentrao de material particulado em suspenso (MPS) em relao vazo momentnea.

    eltrica se estabeleceu, criando um novo estgio de baixos fluxos e vazes, at dezembro de 2001.

    No perodo de recuperao, janeiro a maro de 2002, os fluxos de MPS elevam-se a nveis superiores ao perodo de pr-crise. Esse comportamento deve-se, provavelmente, a uma combinao de fatores, tal como a diminuio do tempo de residncia das guas e re-suspenso do MPS nos reservatrios, e a lavagem e/ou eroso da calha do rio a jusante da UHE Xing devido ao aumento da vazo.

    t/ ms. Os fluxos de MPS apresentaram, ao longo do perodo de amostragem, um comportamento que reete a operao da UHE Xing, nos estgios de pr-crise de energia eltrica, crise de energia eltrica e recuperao dos reservatrios. No estgio de pr-crise de energia eltrica, os uxos de MPS apresentam um comportamento crescente, com um mximo em abril de 2001 (41.460 t/ms), devido as maiores vazes necessrias a gerao de energia. A partir de maio de 2001 (26.381 t/ms), quando os reservatrios comearam a apresentar nveis crticos, a crise de energia

    Figura 13: Cargas mensais de material particulado em suspenso (MPS) e mdia do perodo estudado na estao uviomtrica de Prpria.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    225

    Com relao carga anual de MPS (Tabela 4), esta sofreu forte reduo ao longo do tempo, desde as medies de Milliman (1975), Santos (1985) e da ANEEL (Werneck et al., 2001). Quando se compara o resultado encontrado de 228 x 103 t/ano de MPS do ano hidrolgico de 11/2000 a 10/2001 com os resultados de 1970 e 1984-1985 (Tabela 4), obtm-se uma reduo total de 94% da carga de MPS entre as condies pr- e ps-barragens. Mesmo quando se analisa a carga de MPS de todo o perodo de estudo (17 meses), em torno de 371 x 103 t, incluindo desta forma o perodo de recuperao da crise energtica, o valor ainda permanece bastante abaixo dos dados pretritos.

    Os uxos expressam muito mais as variaes da vazo do que a distribuio da determinada MPS. No entanto, quando se utiliza descarga especca, obtida atravs do quociente da carga anual total de sedimentos normalizada pela rea de drenagem, torna-se possvel comparao do rendimento com outros rios de pequeno e mdio porte, conforme as informaes compiladas na Tabela 5. O Rio So Francisco apresenta descarga especca de sedimentos abaixo aos demais rios listados na Tabela 5, embora apresente uma das maiores bacias dos rios de mdio porte e elevada descarga anual de gua, mesmo no ano atpico estudado. Bastante signicativo foi que no perodo estudado a vazo reduziu-se em torno de 44% quando comparado ao perodo pr-barragens, enquanto que a descarga especca de sedimentos reduziu-se para ~94%. A baixa carga sedimentar medida no baixo So Francisco a jusante das barragens, deve-se pela reteno de MPS nos reservatrios ao longo da cascata e pelo baixo potencial de recarga de gua e MPS dos rios auentes intermitentes, que atinge na mdia anual em torno de 5% (Medeiros, 2003).

    AMBIENTE ESTUARINO E MARINHOComportamento do material particulado em suspenso

    O transporte do MPS, ao longo do gradiente estuarino e sobre a plataforma

    continental, sofre diversas etapas de transformao, disperso e deposio (Wright e Nittrouer, 1995). Dentre os fatores que controlam a distribuio do MPS em guas estuarinas, destaca-se a concentrao na fonte uvial e marinha e a interao entre as massas de gua destas fontes (Head, 1985). De uma maneira geral, ocorre uma concentrao mais elevada de material em suspenso na fonte uvial em relao fonte marinha, uma vez que os rios so a principal via de transporte do material intemperizado dos continentes em direo ao oceano (Milliman e Meade, 1983).

    Entretanto, a reteno de MPS nos reservatrios das barragens, transformou o Baixo So Francisco e o seu esturio de um sistema de alta turbidez transparente, com caractersticas que se assemelham as guas da margem externa da sua pluma costeira e fonte marinha (Medeiros, 2003). Neste estudo, as concentraes de MPS da fonte uvial variaram de 3 a 10 mg/L e na margem da pluma de turbidez e fonte marinha de 0,7 a 4 mg/L. Estas pequenas diferenas corroboram as condies atuais de empobrecimento de MPS da fonte uvial, quando comparados aos gradientes uviais-marinhos de outros rios da costa Leste do Brasil (Carneiro, 1988; Souza e Knoppers, 2003).

    Embora as concentraes e a carga fluvial de MPS do Rio So Francisco diminuram, observa-se ainda uma pluma de turbidez expressiva, que se dispersa oblquo costa em direo Sudoeste e Sul sobre a plataforma continental (Medeiros, 2003). Este fato implica, que a pluma de turbidez

    Ciclo Anual Carga de

    MPS Fonte(t/ano)

    2000-2001 2,28 x 105 Estudo atual 1984-1985 21 x 105 Santos (1993)

    1970 69 x 105 Milliman (1975)

    Tabela 4: Comparao das cargas atuais e pretritas de material particulado em suspenso (MPS) zona costeira do Rio So Francisco de estudos publicados.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    226

    Rios reaDrenagem Descarga

    guaDescargaSedimento

    Descargaespecfica

    (103 km2) (km3 a-1) (106 t a-1) (t km2 a-1)Rio So Francisco (1) 640 50 0,23 0,36Rio So Francisco (2) 640 97 6,0 9,0Paraba do Sul (Brasil) 55 28 0,6 11Rio Doce (Brasil) 90 20 4 44Chira (Peru) 20 5 75 3750Daling (China) 20 1 36 1800Purari (N. Guin) 31 77 80 2580Haiho (China) 50 2 81 1620Fly (N. Guin) 61 77 30 61Mehandi (India) 130 67 2 15Liaohe (China) 170 6 41 241Rufuji (Tanznia) 180 9 17 94Yana (Eurasia) 220 29 3 14Godavari (India) 310 84 96 310Indigirka (Eursia) 360 55 14 39Limpopo (Moambique) 410 5 33 80Kolyma (Eurasia) 640 71 6 9Chiang-Jiang (China) 770 49 1080 1400Orange (frica do Sul) 1020 11 17 17Murray (Austrlia) 1060 22 30 28

    Tabela 5: rea de drenagem, descarga de gua, descarga de sedimento e descarga especca para diversos rios tropicais e sub-tropicais do mundo (Milliman & Meade, 1983) e do Brasil (Carneiro,1998; Souza e Knoppers, 2003). (1) Referente ao ano hidrolgico estudado (2) Referente a Milliman (1975).

    atual esta sendo sustendada por outras fontes de matria, alm do aporte fluvial. Uma destas fontes a eroso e resuspenso de matria oriunda dos depsitos de sedimentos finos do pr-delta, localizados prximos e afora da zona de arrebentao. Indcios destes processos podem ser observados na Figura 14, que apresenta as relaes entre as concentraes de MPS e a salinidade (Figuras 14A e 14B) e a distncia (Figura 15A e 15B), para as campanhas dos perodos de novembro 2000 a junho 2001 (perodo de pr-crise at crise de energia eltrica) e agosto 2001 a janeiro 2002 (perodo da crise at a recuperao da vazo), respectivamente. Em todas as ocasies do estudo, a MPS exibiu um comportamento no- conservador com ganho expressivo em relao salinidade na poro da zona de mistura estuarina mesohalina de S > 5 e < 20, localizada entre a foz at 8 km afora. Nesta faixa estreita do pr-delta, detectou-se um incremento de MPS de 10 a 40 mg/L aos teores da fontes uvial. O

    regime de alta energia de ondas e a pulsao da mesomar semi-diurna representam os principias processos que promovem a eroso costeira (Dominguez, 1996) e processos de resuspenso do fundo em reas rasas da regio (Knoppers et al., 1999).

    Aps a regio de ganho de MPS, as concentraes diminuem claramente de forma exponencial em direo Sudoeste-Sul. Neste setor intermedirio da pluma de turbidez, entre aproximadamente 8 e 20 km da foz, predominam os processos de disperso e sedimentao gradativa da MPS ao fundo e na margem da pluma a diluio pelas guas tropicais de superfcie (ATS) da Corrente Sul Equatorial (CSE) (Figura 15). Embora a maioria das campanhas de amostragem evidenciaram o padro unimodal de distribuio de MPS ao longo da pluma, foram observadas diversas anomalias no perodo de agosto 2001 a janeiro 2002, caracterizadas por uma maior extenso de

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    227

    Figura 14: Relao entre a concentrao de material particulado em suspenso (MPS) de superfcie e a salinidade (S) do esturio e da pluma costeira do Rio So Francisco nos perodos de 11/2000 06/2001 (A) e 08/2001 01/2002 (B), respectivamente.

    Figura 15: Relao entre a concentrao de material particulado e suspenso (MPS) de superfcie e a distncia (km) da foz do esturio e da pluma costeira do Rio So Francisco nos perodos de 11/2000 06/2001 (A) e 08/2001 01/2002 (B), respectivamente.

    concentraes elevadas de MPS na zona costeira. Quanto ao ms de setembro 2001, as maiores concentraes corresponderam s estaes de coleta localizadas prximas e paralelamente costa, enquanto o ms de janeiro 2002 j representou o perodo de recuperao da vazo aps a crise de energia eltrica, que acarretou um aumento da carga uvial de MPS.

    A Figura 16 apresenta um exemplo de uma imagem LANDSAT 7 TM e a Figura 17 a distribuio de MPS desta imagem atravs de calibrao In Situ, conforme procedimentos descritos em Lorenzzetti et al. (2003). As imagens corroboram os resultados obtidos sobre o comportamento da MPS, apresentando menores concentraes no esturio interno,

    o incremento de MPS ao redor da zona de arrebentao e a disperso e diminuio de MPS at a margem da pluma de turbidez. Dessa forma, cam evidentes os processos turbulentos que ocasionam a re-suspenso de material do fundo, devido interao entre o regime de ondas e a baixa profundidade da zona costeira.

    A anlise dos diagramas de mistura e imagens de satlite, possibilitaram a construo de um modelo conceitual (Figura 18), que integra e sintetiza os principais processos responsveis pela concentrao de material na regio estuarina. Destacam-se os processos de processos de resuspenso como tambm a eroso costeira adjacente que adicionam material em suspenso ao aporte uvial do Rio So Francisco.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    228

    Figura 16: Imagem LANDSAT 7 TM do esturio do Rio So Francisco, obtida em 5 de setembro de 2001 (Lorenzzetti et al., 2003).

    Figura 17: Concentrao de material particulado em suspenso (g/m) estimada pelos valores de reectncia da imagem LANDASAT 7 TM obtida em 5 de setembro de 2001 (Knoppers et al., 2005).

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    229

    ocorrendo um ganho durante a mistura estuarina. Isso ocorreu em razo da forte turbulncia graas elevada hidrodinmica e o regime de alta energia de ondas desta regio. Dessa forma, a pluma de sedimentos na foz do rio So Francisco no uma pluma uvial tpica, constitui-se de uma pluma de re-suspenso de sedimentos de fundo do pro-delta e da eroso costeira.

    AGRADECIMENTOS

    O trabalho recebeu auxlio nanceiros dos projetos GEF So Francisco (ANA/GEF/PNUMA/OEA) e Ins t i tu to do Milnio- Esturios (CNPq Proc. No. 420.050/2005-1), como tambm da Bolsa de Produtividade de B. Knoppers (CNPq Proc. No. 300772/2004-1). Ao Prof. Dr. Arno Massman-Oliveira pela realizao conjunta das calibraes da vazo e demais discusses durante o estudo, e aos colegas Manoel Messias dos Santos e Gergenes Hilrio Cavalcante pelo apoio no laboratrio e nos trabalhos de campo.

    CONCLUSES

    O Rio So Francisco sofreu grande reduo da variabilidade interanual da vazo ao longo do tempo, apresentando tambm reduo da variabilidade sazonal e diminuio da magnitude da vazo. Concomitantemente a alteraes dos padres naturais de vazo, ocorreu grande diminuio do aporte do material em suspenso do rio So Francisco, evidenciado pela comparao dos dados atuais com estudos anteriores. Essas alteraes na vazo e no material particulado em suspenso foram associadas a construes de barragens em cascata no mdio-baixo Rio So Francisco. O Rio So Francisco apresenta atualmente pequena descarga lquida de sedimentos devido reteno de matria em suspenso nos reservatrios das barragens, como tambm do baixo potencial de recarga de gua e matria em funo das condies semi-ridas no setor mdio-baixo e baixo So Francisco.

    O material em suspenso comportou-se de maneira predominante no conservativo,

    Figura 18: Modelo conceitual dos processos fsicos determinantes no comportamento de material particulado em suspenso (MPS) na regio estuarina do Rio so Francisco.

    REFERNCIAS

    BERNARDES, L.M.C. (1951) Notas sobre o clima da bacia do Rio so Francisco. Revista Brasileira de Geograa 13 (3): 473-489.

    BRAZ FILHO, P.A. (1980) Prospecto turfa (Baixo rio So Francisco). Salvador, CPRM/SUREG. (Relatrio C.C. 2606/010), 27p.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    230

    BURTON, J.D. & LISS, P.S. (1976) Estuarine Chemistry. New York, Academic Press, 228 p.

    DOMINGUEZ, J.M.L. (1996) The So Francisco strandplain: a paradigm for wave-dominated deltas. In: Geology of Siliciclastic Shelf Seas. Eds. Geological Society Special Publication 117, p. 217-231.

    GARCEZ, L. N. (1967) Hidrologia. So Paulo: Editora Edgard Blcher, 249 p.

    HALIM,Y. (1991) The impact of human alterations of the hydrological cycle on ocean margins. In: Ocean Margin Processes in Global Change. New York, Jonh Wiley & Sons, p.301-328.

    HAY, W.W. (1998) Detrital sediment uxes from continents to oceans. Chemical geology, 145:287-323.

    HEAD, P.C. (1985) Pratical Estuarine Chemistry: A handbook. New York: Cambridge University Press, 377 P.

    HOLEMAN, J.N. (1968) The Sediment Yield of Major Rivers of the World. Water Resources Research, vol. 4, n. 4, p. 737-747.

    HOPKINSON,C.S.Jr. & VALLINO,J.J. (1995) The relationships among mans activities in watersheds and estuaries: a model of runoff effects on patterns of estuarine community metabolism. Estuaries, 18:598-621.

    KNOPPERS, B.; EKAU, W. E FIGUEIREDO, A.G.. (1999) The coast and shelf of east and northeast Brazil and material transport. Geo-Marine Letters, 19 (3): 171-178.

    KNOPPERS, B.; MEDEIROS, P.R.P.; SOUZA, W.F.L.; JENNERJAHN, T. (2005) The So Francisco Estuary, Brazil. In: WANGERSKY, P. (ed.) The Handbook of Environmental Chemistry, Vol. 5- Water Pollution: estuaries. Springer Verlag, Berlin.

    LIND, O. T. (1985 ) Handbook of Common Methods in Limnology. 2nd. ed. Kendall/ Hunt Publishing Company, New York, 199 p.

    MEDEIROS, P. R. P. (2003) Aporte uvial, transformao e disperso da matria em suspenso e nutrientes no esturio do Rio So Francisco, aps a construo da Usina Hidroeltrica do Xing (AL/SE). Tese de Doutorado. Departamento de Geoqumica, Universidade Federal Fluminense, 184 p.

    MILLIMAM, J. D. & MEADE, R.H. (1983). World-Wide delivery of river sediment to the Oceans. Journal of Geology, v. 91, p.1-21.

    MILLIMAN, J. D. (1975) A Synthesis. In: Upper continental Sedimentology, Stuttgart, v. 4, p. 151-175.

    MILLIMAN, J.D. & SYVITSKI,J.P.M. (1992) Geomorphic/tectonic control of sediment discharge to the ocean: the importance of small mountainous rivers. Journal of Geology 164.

    MILLIMAN, J.D. (1991) Flux and fate of uvial sediment and water in coastal seas. In: R.F.C. MANTOURA.; J.-M. MARTIN & R. WOLLAST. (Eds) Ocean Margin Processes in Global Change. John Wiley & Sons, p.60-90.

    PETERSON, R. & STRAMMA, L. (1991). Upper-level circulation in the South Atlantic Ocean. Prog. Oceanog., 26:1-73.

    RESTREPO, D.J. & KJERFE (2001). Water discharge and sediment loads from the western slopes of the Colombian Andes with focus on rio San Juan. Journal of Geology 108: 17-33.

  • Nedeiros, P. R. P. et al. / Geochim. Brasil., 21(2)212 - 231,2007

    231

    SANTOS, C. M. M. (1993) Geoqumica do carbono e nitrognio orgnico particulado transportados durante um ano hidrolgico (1984-1985) pelo rio So Francisco, Brasil, e transferidos ao seu esturio. Dissertao Mestrado. Instituto de Geocincias, Universidade Federal da Bahia, 70 p.

    SOUZA, W.L.F & KNOPPERS, B. (2003) Fluxos de gua e sedimentos a costa leste do Brasil: relaes entre a tipologia e as presses antrpicas. Geochim. Brasil., 17(1)057-074.

    STRICKLAND, J. D. H. & PARSONS, T. R. (1972) A practical handbook of seawater analysis. Bulletin Fisheries Research Board of Canada, 167p.

    VRSMARTY, C.J.; MEYBECK, M.; FEKETE, B. E SHARMA, K. (1997). In: Human Impact on Erosion and Sedimentation. Proc. Of the Rabat Symposium. IAHS Publ. 245, p.261-273.

    WCD (WORLD COMISSION ON DAMPS) (2000). Damps and Development: a new framework for decision-making. Thanet Press, USA, 399 p.

    WRIGHT,L.D. & NITTROUER,C.A. (1996) Dispersal of river sediments in coastal seas: six contrasting cases. Estuaries, 18:494-508.

    (Footnotes)1To whom the correspondence should be sent: [email protected]