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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX RECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTRO ADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROS RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EMENTA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOABILIDADE. CONTRATAÇÃO MEDIANTE CARTA-CONVITE PELO MUNICÍPIO DE EMPRESAS AS QUAIS FAZIAM PARTE O VICE-PREFEITO E O IRMÃO DO PREFEITO, PESSOAS IMPEDIDAS DE LICITAR. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA QUE PRESCINDE DA EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. SANÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 1. A Ação de Improbidade Administrativa. Explicitação do cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal. A Ação de Improbidade tem como escopo impor sanções aos agentes públicos que pratiquem atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito ( art.9º ); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 2. Preliminar de julgamento extra-petita. Os recorrentes foram demandados em Ação de Improbidade, sede em que vários fatos foram invocados como incidentes na citada Lei 8.429/92. Assim os réus defenderam-se dos fatos, competindo ao juízo a qualificação jurídica dos mesmos. Aliás, é cediço que a qualificação jurídica dos fatos é dever de ofício do Juízo, por isso iura novit curia. Consectariamente, essa qualificação não integra a causa petendi e o seu ajuste na decisão à luz da demanda inicial não significa violação da regra da congruência, consubstanciada nos artigos 128 e 460 do CPC. Nesse sentido é lição de Barbosa Moreira, in O Novo Processo Civil Brasileiro, 1995, p. 20-21. Deveras, as multifárias ações administrativas que se enquadram no novel diploma, transmudam o pedido de adequação das mesmas, aos fatos previstos, como nítida ação fungível, podendo o juízo, ao decidir, impor sanção aliud porém minus. 3. A ausência de dano ao erário público não obsta a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/92. Inteligência do art. 21. O enriquecimento ilícito a que se refere a Lei é a obtenção de vantagem econômica através da atividade administrativa antijurídica. O enriquecimento previsto na Lei 8.429/92 não pressupõe lucro ou vantagem senão apropriação de qualquer coisa, ainda que proporcional ao trabalho desenvolvido, mas viciado na sua origem. O fruto do trabalho, como de sabença, nem sempre é lícito, gerando o enriquecimento ilícito à luz da mens legis. Deveras, a transgressão à moralidade administrativa in casu restou patente porquanto, tanto quanto se pode avaliar na estreita esteira de Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 1 de 46

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUXRECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTROADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOABILIDADE. CONTRATAÇÃO MEDIANTE CARTA-CONVITE PELO MUNICÍPIO DE EMPRESAS AS QUAIS FAZIAM PARTE O VICE-PREFEITO E O IRMÃO DO PREFEITO, PESSOAS IMPEDIDAS DE LICITAR. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA QUE PRESCINDE DA EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. SANÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.1. A Ação de Improbidade Administrativa. Explicitação do cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal. A Ação de Improbidade tem como escopo impor sanções aos agentes públicos que pratiquem atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.2. Preliminar de julgamento extra-petita. Os recorrentes foram demandados em Ação de Improbidade, sede em que vários fatos foram invocados como incidentes na citada Lei 8.429/92.Assim os réus defenderam-se dos fatos, competindo ao juízo a qualificação jurídica dos mesmos.Aliás, é cediço que a qualificação jurídica dos fatos é dever de ofício do Juízo, por isso iura novit curia.Consectariamente, essa qualificação não integra a causa petendi e o seu ajuste na decisão à luz da demanda inicial não significa violação da regra da congruência, consubstanciada nos artigos 128 e 460 do CPC. Nesse sentido é lição de Barbosa Moreira, in O Novo Processo Civil Brasileiro, 1995, p. 20-21.Deveras, as multifárias ações administrativas que se enquadram no novel diploma, transmudam o pedido de adequação das mesmas, aos fatos previstos, como nítida ação fungível, podendo o juízo, ao decidir, impor sanção aliud porém minus.3. A ausência de dano ao erário público não obsta a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/92. Inteligência do art. 21.O enriquecimento ilícito a que se refere a Lei é a obtenção de vantagem econômica através da atividade administrativa antijurídica. O enriquecimento previsto na Lei 8.429/92 não pressupõe lucro ou vantagem senão apropriação de qualquer coisa, ainda que proporcional ao trabalho desenvolvido, mas viciado na sua origem. O fruto do trabalho, como de sabença, nem sempre é lícito, gerando o enriquecimento ilícito à luz da mens legis. Deveras, a transgressão à moralidade administrativa in casu restou patente porquanto, tanto quanto se pode avaliar na estreita esteira de

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cognição do E. S.T.J, a participação na licitação de pessoas impedidas de fazê-lo é o quanto basta para incidir a regra do art. 11 da Lei. Outrossim, a adequação da conduta ao cânone legal, impede o arbítrio judicial que exsurgiria acaso a imputação derivasse do conceito subjetivo de moralidade plasmado pelo Poder Judiciário. In casu, uma conduta objetiva e incontroversa dos réus frustrou a licitude da concorrência com a participação das pessoas impedidas encerrando ato ímprobo im re ipsa.4. A participação de empresas em licitação pública, que tem como sócio majoritário o Vice-Prefeito do Município, Secretário de Obras. Lesão aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa (art. 11, da Lei 8.429/92).5. Condutas que recomendam o afastamento no trato da coisa pública, objetivo aferível pela manutenção das sanções político-administrativas consistentes na inabilitação para contratar com a Administração Pública.6. Recurso parcialmente provido, para aplicar a regra prevista no art. 12, III da Lei 8.429/92, imputando-se a multa civil em 10 vezes o valor da remuneração, excluindo-se o ressarcimento do dano ao erário e seus consectários e mantendo a suspensão dos direitos políticos, assim como a inabilitação para contratar com o Poder Público, pelo prazo de 03 (três) anos, como forma de obtemperar a sanção.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Medina, por maioria, vencido o Sr. Ministro José Delgado, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Francisco Falcão e Paulo Medina (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 01 de abril de 2003(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): JOÃO ROBERTO PIAIA

e REINALDO ANTÔNIO NICOLA interpuseram Recurso Especial (fls. 653/666), com

fundamento no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, visando reformar o

acórdão (fls. 590/619), proferido em sede de Embargos Infringentes pelo Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul, cuja ementa merece transcrição (fls. 590):

"EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO E VICE-PREFEITO MUNICIPAL. LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA A CARACTERIZAR ATOS DE IMPROBIDADE.

A participação de empresas em licitação pública, em cujo sócio quotista majoritário e gerente era o Vice-Prefeito, caracteriza ato de improbidade, por ilegalidade que atenta contra o princípio da moralidade administrativa. Maior gravidade, ainda, quando exatamente tais empresas foram as únicas vencedoras das várias licitações efetivadas, sendo que, relativamente a uma delas, um dos sócios era irmão do Prefeito Municipal, tendo sido o Vice-Prefeito nomeado como fiscal das obras, autorizando, como tal, a liberação dos pagamentos. Lesão ao erário que se configura exatamente no ato de frustrar o processo licitatório. Inteligência do art. 11, da Lei no. 8.429/92.

EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS POR MAIORIA.

VOTO VENCIDO."

Os autos dão notícia de que o Ministério Público ajuizou Ação de

Improbidade Administrativa cumulada com pedido de perdas e danos contra Reinaldo

Antônio Nicola e João Roberto Piaia, prefeito e vice-prefeito do Município de Barra Funda.

Fundou seu pedido em irregularidades havidas em procedimentos licitatórios promovidos

pela municipalidade, nos quais, sucessivamente, teriam sido vencedoras empresas de que o

vice-prefeito era sócio ou com as quais mantinha relação.

Na sentença de 1º grau, entendeu o d. Juiz monocrático que a Lei 8.429/92

exige, para caracterização do ato de improbidade administrativa, a comprovação do dano ao

patrimônio público ou enriquecimento indevido, salvo exceções estritamente previstas no art.

11. A seu ver, nenhuma das hipóteses configurou-se nos autos, razão pela qual julgou a ação

improcedente, impondo ao Estado do Rio Grande do Sul os ônus da sucumbência (com a

devolução de valores gastos com perícia técnica e devendo arcar com os honorários

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advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da causa).

Houve Apelação, em cujas razões, sustenta o Promotor de Justiça que houve

enriquecimento ilícito dos réus, caracterizado nos seguintes fatos: a) escolhiam as prioridades

do município; b) expediam as cartas-convite às empresas; c) fiscalizavam os serviços

executados. Com isto, quando as empresas com as quais os apelados tinham vínculo venciam

as licitações, automaticamente fica caracterizado o dano. Além disso, entende o apelante que

o relevante para caracterizar as condutas dos apelados nas sanções da Lei de Improbidade

Administrativa é o fato de haver sido frustrada a licitude dos processos licitatórios. O MP

irresigna-se, também, com a condenação do Estado nos ônus sucumbenciais, argumentando

que não houve comprovação de que agira com má-fé.

O Tribunal a quo deu provimento parcial à Apelação, em acórdão proferido por

maioria dos votos (fls. 544/567), assim ementado:

"IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LICITAÇÕES IRREGULARES. PREFEITO E VICE-PREFEITO, ESTE CUMULANDO O CARGO DE SECRETÁRIO DE OBRAS E SÓCIO-GERENTE DAS EMPRESAS LICITANTES VENCEDORAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O MUNICÍPIO E DE ENRIQUECIMENTO PARA OS AGENTES POLÍTICOS E AS EMPRESAS LICITANTES.

1. O prejuízo do erário deve ser efetivo e restar provado, e não presumido.

2. O julgador, ao aplicar aos agentes da Administração Pública as pesadas penas da Lei no. 8.429, de 2.6.1992, deve ter em mente o princípio da proporcionalidade, para não cometer injustiça, mormente quando não houve prejuízo algum ao erário e resquício de enriquecimento ilícito de parte dos agentes políticos demandados e das empresas licitantes.

3. A jurisprudência tem-se orientado no sentido de exigir, em ações populares, a comprovação efetiva do dano, e, estando ausente a lesividade ao erário, e a obra ou serviço concluídos e realizados, a tendência é de considerar improcedentes as ações populares promovidas sob o argumento da violação à moralidade administrativa, sobretudo quando presentes vícios formais.

4. Sem lesividade ao erário, não haverá enriquecimento ilícito de parte do agente da Administração Pública, pois a lesividade é causa de enriquecimento ilícito, este, conseqüência daquele.

5. Apelo provido em parte, por maioria."

A Apelação foi provida em parte para afastar a sucumbência, mantida, no

mais, a sentença de primeiro grau.

Extrai-se do voto divergente que conduziu à procedência do pedido e ensejou

os Embargos Infringentes (fls. 559/560):

" Portanto, devem os réus ao erário tudo quanto o Município pagou com base nos contratos irregulares, com atualização monetária pelo

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IGPM e juros pela taxa legal (por se tratar de atos ilícitos), desde cada pagamento.2.2 - A multa civil. O inc. II, do art. 12, da Lei 8.429/92, estabelece multa civil de até duas vezes o valor do dano, a qual entendo mais adequada ao caso do que a fórmula prevista no inc. III. E considerando a gravidade dos procedimentos, mas também a repercussão final, conforme estabelece o parágrafo único do mesmo art. 12, estabeleço uma pena civil de 20% sobre o que tiverem de repor ao erário.2.3 - Perda das funções. O pedido está prejudicado porque, tratando-se de mandatos eletivos, o período já decorreu.2.4 - Suspensão dos direitos políticos. Considerando a gravidade dos procedimentos, bem assim que prepondera o inc. II do art. 12, defino seis anos o período de suspensão dos direitos políticos, devendo isso ser anotado perante a Justiça Eleitoral para os devidos fins.2.5 - A proibição de contratar com o Poder Público ou outras repercussões. A imposição é automática. Os réus ficam impedidos de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos.3. - O dispositivo. Nesses termos, provejo para julgar procedente o pedido, conforme os diversos itens destacados, respondendo os réus solidariamente, por todas as obrigações pecuniárias, inclusive ônus sucumbenciais, sem honorários advocatícios porque não cabíveis, subsistindo, destarte, a indisponibilidade dos bens.É o voto."

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul opôs Embargos

Infringentes (fls. 569/576), reforçando o entendimento de que a ausência de dano patrimonial

per si, não descaracteriza o ato de improbidade, havendo ofensa ao preceito do art. 11 da Lei

de Improbidade Administrativa, e sobretudo, aos princípios constitucionais da moralidade e

impessoalidade.

No acórdão de fls. 590/619, o 1º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul acolheu, por maioria, os Embargos Infringentes, nos termos da

ementa supracitada. Sobressai do aresto recorrido que:

1) o ato de improbidade, contemplado no art. 11 da Lei 8.429/92, é caracterizado

independentemente da efetiva lesão ao erário ou do enriquecimento ilícito;

2) A frustração do processo licitatório configura lesão ao erário;

3) A conduta dos réus caracteriza ato de improbidade.

Em conseqüência e mantendo o voto vencido, o aresto imputou aos réus,

Prefeito e Vice-Prefeito da cidade de Barra Funda/RS, infrações aos arts. 10 e 11 da Lei

8.429/92, determinando a devolução ao Município de tudo quanto se pagou pelos serviços

prestados; a incidência de multa de 20%; a suspensão dos direitos políticos por 06 (seis) anos

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e a proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 05 (cinco anos).

Sobrevieram Embargos de Declaração (fls. 632/633) opostos pelos

recorrentes contra a decisão dos Embargos Infringentes, visando esclarecer se o dano ao

erário dever-se-ia considerar posto caracterizado pela prática do ato descrito na lei ou se fazia

mister dano efetivo. Os Embargos foram rejeitados (fls. 636/638), sob a invocação da

ausência da omissão, contradição ou obscuridade.

Daí o presente Recurso Especial em cujas razões sustentam os recorrentes que

no acórdão recorrido (fls. 590/619) restaram violados os artigos 8º, II do Decreto-Lei 2.300 e

o seu sucessor art. 9º, III, da Lei 8.666/93; arts. 9º, 10º, VIII e 11, caput, da Lei 8.429/92, uma

vez que os mesmos não se aplicam às condutas descritas, haja vista não ter havido efetivo

dano ao erário e nem enriquecimento ilícito dos recorrentes.

No que pertine à alínea "c", afirmam os recorrentes que há manifesta

divergência entre o acórdão recorrido e os seguintes julgados do STJ: REsp 15.463-RS,

109.301-MG, 111.527-DF e 250.593-SP e especialmente o REsp 213.994-MG.

Sem contra-razões.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul emitiu Parecer (fls. 677/688),

opinando pela inadmissibilidade do Recurso Especial.

O juízo de admissibilidade (fls. 690/693) pelo Tribunal a quo concebeu o

recurso apenas pela alínea "a" por falta de comparação analítica do dissídio, destacando como

tese central do apelo extremo, verbis:

" O recurso reúne condições de trânsito.Isso porque a tese suscitada pelos recorrentes apresenta-se plausível, encontrando eco, inclusive, nos julgamentos de 1º e 2º graus, os quais foram favoráveis à argumentação ora expendida. Com efeito, razoável a alegação de que o dano supostamente causado ao erário deve ser provado, e somente quando existente de forma efetiva é que acarreta o enquadramento e a condenação dos administradores nas penas previstas na Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Adminstrativa). Portanto, deve ser admitida a presente inconformidade, para que a mesma receba exame pela corte Superior, a qual cabe a palavra final acerca da interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais. Quanto a apontado julgamento "extra petita", todavia, observa-se que os postulantes não indicaram como teria sido afrontado o art. 460 do CPC, o qual trata da matéria, tornando totalmente inviável a admissão do apelo raro sob esse fundamento."

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, afasta-se

o conhecimento do Recurso Especial pela alínea "c", do permissivo constitucional, porquanto

os arestos paradigmas cuidam de ausência de dano ao erário em sede de ação popular,

enquanto que a presente demanda versa improbidade administrativa. Não obstante, no que

pertine à letra "a", verifica-se que os dispositivos supostamente violados foram debatidos no

aresto recorrido autorizando o seu conhecimento ante a presença do prequestionamento.

Preliminarmente, impõe-se rechaçar a preliminar de julgamento ultra-petita

mercê de a matéria não ter sido debatida no acórdão dos Embargos Infringentes. Na essência

o error in procedendo inocorreu. Isto porque os recorrentes foram demandados em Ação de

Improbidade, sede em que vários fatos foram invocados como incidentes na citada Lei

8.429/92.

Assim os réus defenderam-se dos fatos, competindo ao juízo a qualificação

jurídica dos mesmos.

Aliás, é cediço que a qualificação jurídica dos fatos é dever de ofício do

Juízo, por isso iura novit curia.

Consectariamente, essa qualificação não integra a causa petendi e o seu ajuste

na decisão à luz da demanda inicial não significa violação da regra da congruência,

consubstanciada nos artigos 128 e 460 do CPC. Nesse sentido é a lição de Barbosa Moreira,

in O Novo Processo Civil Brasileiro, 1995, p. 20-21.

Deveras, as multifárias ações administrativas que se enquadram no novel

diploma, transmudam o pedido de adequação das mesmas, aos fatos previstos, como nítida

ação fungível, podendo o juízo, ao decidir, impor sanção aliud porém minus.

É de sabença que à luz da Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade

Administrativa que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como

escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em

que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público

(art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui

também compreendida a lesão à moralidade administrativa. Destarte, para que ocorra o ato de

improbidade disciplinado pela referida norma é mister o atingimento de um dos bens jurídicos

acima referidos e tutelados pela norma especial.

Revisitando os fatos que nortearam o ato de improbidade praticado pelos ora

recorrentes, Prefeito e Vice-Prefeito do Município então recém-emancipado de Barra Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 7 de 46

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Funda/RS, vislumbra-se que as empresas SAMAQ e TEDESPI, de propriedade do

Vice-Prefeito (que também cumula o cargo de Secretário de Obras do Município), foram

vencedoras em vários certames licitatórios, modalidade carta-convite, para a execução de

obras, ferindo os princípios norteadores da atuação da Administração Pública.

Deveras, na presente ação, restou amplamente provado que a conduta dos

agentes públicos não resultou em lesão ao erário público, nem configurou enriquecimento

ilícito dos mesmos, conforme o parecer do douto representante do Ministério Público assim

expresso e confirmado à unanimidade (fls. 573). É certo que este ato ímprobo nos conduz a

concluir pela inaplicação dos arts. 9º e 10 da Lei 8.429/92. Na hipótese dos autos, o ato de

improbidade se amolda à conduta prevista no art. 11, revelando autêntica lesão aos princípios

da impessoalidade e da moralidade administrativa, tendo em vista a participação de empresas

em licitação pública, cujo sócio majoritário era o vice-Prefeito, e a outra empresa pertencia

ao irmão do Prefeito.

Destaque-se que, nos termos do art. 21, da Lei de Improbidade, a aplicação

das sanções independem da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, o que autoriza

a aplicação da norma sancionadora prevista nas hipóteses de lesão à moralidade

administrativa. Dispõe o referido artigo:

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.

In casu, as sanções de natureza civil e política impostas aos recorrentes

quando do acolhimento dos Embargos Infringentes, foram no sentido de determinar a

devolução ao Município de tudo quanto se pagou pelos serviços prestados; a incidência de

multa de 20%; a suspensão dos direitos políticos por 06 (seis) anos e a proibição de contratar

com o Poder Público pelo prazo de 05 (cinco anos).

Nesse ponto, subjaz tema gravitante em torno do recurso, qual o pertinente à

aplicação das sanções à luz do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ao versar o tema, Maria Sylvia Zanella di Pietro considera que:

" a hipótese prevista no inciso I do artigo 21, que dispensa a ocorrência de dano para aplicação das sanções da lei, merece meditação mais cautelosa. Seria inconcebível punir-se uma pessoa se de seu ato não resultasse qualquer tipo de dano. Tem-se que entender que o dispositivo, ao dispensar o 'dano ao patrimônio público' utilizou a expressão patrimônio público em seu sentido restrito de patrimônio econômico. Note-se que a lei de ação popular (Lei nº

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4717/65) define patrimônio público como 'os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico' (art. 1º, § 1º), para deixar claro que, por meio dessa ação, é possível proteger o patrimônio público nesse sentido mais amplo. O mesmo ocorre, evidentemente, com a ação de improbidade administrativa, que protege o patrimônio público nesse mesmo sentido amplo. (in, Direito Administrativo, 13ª Edição, p. 674, in fine)

O E. S.T.J. preconiza essa proporcionalidade consoante se constata do REsp.

291.747:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MORALIDADE E IMPESSOABILIDADE - PENALIDADES PREVISTAS NO ART. 12, III, DA LEI 8.429/92 - ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, OU ADEQUAÇÃO ENTRE A CONDUTA DO AGENTE E SUA PENALIZAÇÃO - CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO. - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, na hipótese de dano ao Erário. - Obedecido o princípio da proporcionalidade, mostra-se correta a aplicação das penalidades previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92. - Precedentes do STJ." (REsp 291.747, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002)

Destarte, considerando que o art. 12 do referido diploma estabelece uma

gradação decrescente em termos de gravidade do ato ímprobo, releva observar que a sanção

imposta aos recorrentes foi deveras rigorosa, devendo incidir o disposto no inciso III, que

assim dispõe:

" III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Nessa esteira, forçoso concluir que o acórdão impugnado revela vícios que

superam a razoabilidade, posto considerar aplicável o art. 10 da Lei 8.429/92, que trata de

improbidade causadora de lesão ao erário público, e por via reflexa, a sanção do inciso II, do

art. 12, olvidando a franquia legal do inciso III, ante a ausência de prejuízo ao erário e a

inocorrência de enriquecimento ilícito dos recorrentes. Nesse sentido tem se posicionado a 1ª

Turma do E. STJ, conforme se constata do trecho inserido no REsp. 213.994-MG, verbis:

" Estabelece a Lei nº 8.429, de 02 de junho de l992, que constitui Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 9 de 46

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ato de improbidade, importando enriquecimento ilícito, auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função ou emprego (art. 9º, ‘b’), causar lesão ao erário público (art. l0 e ‘c’), atentar contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. ll). Os dois primeiros (arts. 9º e 10), foram afastados pelo julgador monocrático. Reconheceu o julgador monocrático não ter havido enriquecimento ilícito do réu e não ter havido prejuízo para a Prefeitura porque as pessoas admitidas prestaram serviços, não devendo o requerido devolver as importâncias pagas pelo Município aos servidores contratados e não devendo ser aplicada a multa. Sua Excelência afirmou ter o requerido demonstrado total inabilidade na administração pública e descaso e inobservância de regras mínimas que regem a administração pública, determinou a suspensão de seus direitos políticos por cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público e receber incentivos por três anos. Para ele, o réu praticou atos atentatórios contra os princípios da administração pública (art. ll), especificamente o da legalidade. Resume-se a questão em se saber se, de fato, o requerido praticou ato atentatório ao princípio da legalidade e se devem ser suspensos os seus direitos políticos por cinco anos e proibi-lo de contratar com a administração pública e de receber incentivos por três anos. Entendo estar correto o v. acórdão hostilizado. Se não houve nenhum enriquecimento ilícito do Prefeito e se a admissão das pessoas relacionadas na inicial não importou em nenhum prejuízo ao erário municipal e se o réu se mostrou apenas inábil na administração do Município, não poderão ser suspensos os seus direitos políticos por cinco anos e nem ser o mesmo proibido de contratar com o Poder Público e de receber incentivos por três anos. A punição deve ser adequada a um administrador “inábil e despreparado”. Diz o acórdão, com razão, que “o anátema, no caso, é o do ato contra a legalidade sem a substância intrínseca da improbidade, e não a improbidade propriamente dita” (fls. 868). De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado. Com razão, o aresto guerreado ao sustentar que: “... a improbidade administrativa, no ato contra a legalidade, deve dizer necessariamente, com a falta de boa-fé, com a desonestidade, com a conduta tipo do ilícito. Ora, o requerente não agiu com má-fé. Não foi desonesto, não recebeu nenhuma vantagem ilícita e não causou qualquer prejuízo aos cofres do Município. Penso da mesma forma que o Eminente Desembargador Monteiro de Barros. Sustenta Sua Excelência (fls. 871) que:

“Não obstante o próprio embargado ter reconhecido que contratou servidores sem concurso público, particularidades do caso concreto levam-me a concluir que as contratações irregulares por ele promovidas, a par de terem inobservado os princípios norteadores da Administração Pública, não têm gravidade suficiente para admitir a aplicação da pena

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de suspensão de direitos políticos pelo prazo de cinco anos, bem como proibí-lo de contratar com o poder público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que pelo prazo de três anos.

É certo que a Lei nº 8.429/92, além de coibir o dano material advindo da prática de atos desonestos, busca também punir a lesividade à moral positivada. Destarte, é imprescindível, para a aplicação das penalidades mais severas, que a atuação do administrador destoe nítida e manifestamente das pautas morais básicas, transgredindo assim, os deveres de retidão e de lealdade ao interesse público.

Tais características não vislumbro nas contratações efetuadas imediatamente após a entrada em vigor da novel Carta Magna, por um Município onde reina a pobreza, companheira da desinformação.” (fls. 871)

A punição deve ser do administrador desonesto que aufere vantagens e causa prejuízos aos cofres públicos, com o ato ilegal. Este, além de ilegal, deve ser lesivo.

Entretanto, a Lei da Improbidade Administrativa prevê a possibilidade de

sanção mesmo à mingua de lesão ao patrimônio público porquanto há medidas repressivas

que não guardam, necessariamente, conteúdo econômico; v.g., como a suspensão de direitos

políticos, a declaração de inabilitação para contratar com a Administração, etc.

Ora, in casu, restou incontroverso nos autos a ausência de dano ao patrimônio

público, posto prestado o serviço ao preço usual, mercê de integrado ao patrimônio do erário.

No mesmo seguimento, não houve enriquecimento ilícito. Esses fatos

impedem as sanções econômicas preconizadas pelo aresto recorrido, pena de ensejar

enriquecimento injusto pelo Município.

Subjaz, assim, a afronta à moralidade administrativa, o que recomenda o

afastamento dos recorrentes no trato da coisa pública, objetivo que se aufere pela manutenção

da supressão dos direitos políticos e pela inabilidade para contratar com a Administração

Pública.

Destarte, o art. 12, III da Lei de Improbidade Administrativa prevê certa

dosimetria da sanção, sendo certo que, nesse particular é inviável pelo S.T.J., em sede de

Recurso Especial, avaliar os fatos da causa, para os fins de ajuste da sanção.

Nesse sentido, decidiu-se no REsp 261.691-MG, que:

"A certeza da ilegalidade de um ato administrativo leva a uma só consequência: prejuízo ao patrimônio por falta de moralidade, requisito que hoje está explicitado na Constituição Federal como princípio da

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administração pública. Consequentemente, é possível lesão presumida, na medida em que moralidade administrativa passou a ser, por princípio, dever do administrador e direito subjetivo público."

Assim, ante a inocorrência de dano ao erário e de enriquecimento ilícito, uma

vez que os serviços foram realizados pelo valor de mercado, a reversão ao estado anterior

manifesta-se impossível (ad impossiblia nemo tenetur).

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso Especial,

apenas para aplicar a imputação prevista no art. 12, III da Lei 8.429/92, excluindo-se o

ressarcimento do dano ao erário e seus consectários e mantendo a suspensão dos direitos

políticos, assim como a inabilitação para contratar com o Poder Público, pelo prazo de 01

(um) ano, como forma de obtemperar a sanção.

É o voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

QUESTÃO DE ORDEMIndicativo de Questão de Ordem

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Sr. Presidente, tenho uma questão de ordem a levantar.

Tenho alguns recursos referentes à improbidade administrativa e queria que a Turma se

pronunciasse no sentido de qual posicionamento deveríamos adotar, tendo em vista a questão da

competência que está sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.

Questão de Ordem

Indicativo de Questão de Ordem

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Sabemos que há três decisões monocráticas modificando

nosso entendimento a respeito da competência.

Noticia a Imprensa que, em breve, o Supremo Tribunal Federal apreciará a questão em face dos

agravos regimentais que foram interpostos, fato que me chamou a atenção, pois suspende os efeitos de

uma sentença já prolatada. Li várias vezes o voto do Sr. Ministro Nelson Jobim.

Questiono se devemos apreciar tais situações, afirmando a nossa jurisprudência pela competência,

dizendo que não há foro privilegiado - no caso, o sujeito é prefeito -, ou se aguardaremos a decisão do

Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição Federal. A nossa jurisprudência foi

firmada em termos infraconstitucionais.

Essa é a questão de ordem que suscito.

Questão de Ordem

Esclarecimentos

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Contrariando a nossa jurisprudência – por dez votos a

nove, a Corte Especial decidiu que não há prerrogativa de função –, o Supremo Tribunal Federal entende,

em três decisões monocráticas, dos Srs. Ministros Gilmar Mendes e Nelson Jobim, que há prerrogativa de

função. Embora haja uma decisão do Sr. Ministro Celso de Melo em sentido contrário, não se trata de

agravo regimental.

A questão de ordem que suscito é se devemos ou não, em face da decisão do STF, continuar a

julgar, reconhecendo, como não há decisões proferidas por Juiz de 1º Grau, casos de improbidade Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 13 de 46

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administrativa.

Questão de Ordem

Esclarecimentos

O SR. MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Na verdade, não estou objetando, mas tenho certa

perplexidade e dúvida: mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, se o Tribunal de Apelação

julgar uma causa de improbidade administrativa e, nesse julgamento, o Colegiado violar uma lei federal,

o Superior Tribunal de Justiça, em razão dessa decisão, perderá a competência para julgar recurso

especial?

Questão de Ordem

Esclarecimentos

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: A decisão será nula, porque se trata de foro privilegiado,

competência absoluta.

O meu voto é pela competência do Superior Tribunal de Justiça, mas, tendo em vista tal situação

fática, suscito a questão de ordem para não termos, conseqüentemente, as decisões anuladas.

Questão de Ordem

Esclarecimentos

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: No caso em que o Ministro suspendeu, a situação é

idêntica.

O meu voto é no sentido de respeitar e prestigiar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Coloco a questão de ordem para que não tenhamos a Imprensa e o mundo jurídico noticiando que o

Superior Tribunal de Justiça, mesmo conhecendo a situação, está julgando em choque com a possível

decisão do Supremo Tribunal Federal.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0063492-4 RESP 439280 / RS

Números Origem: 70000477471 946

PAUTA: 05/11/2002 JULGADO: 05/11/2002

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. MARIA CAETANA CINTRA SANTOS

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTROADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentou oralmente o Dr. Gérson Fischmann, pelos recorrentes.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, preliminarmente, rejeitou a questão de ordem suscitada pelo Sr. Ministro José Delgado quanto à competência do Superior Tribunal de Justiça, em face de decisão do Supremo Tribunal Federal, para julgar recursos referentes à improbidade administrativa. No mérito, após o voto do Sr. Ministro Relator dando parcial provimento ao recurso, pediu vista o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Aguarda o Sr. Ministro José Delgado.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 05 de novembro de 2002

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

VOTO-VISTA

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Este processo

envolve questão interessante, narrada com detalhes no minucioso relatório do Ministro

Luiz Fux. Tentarei resumi-la, nestes pontos, em torno dos quais, não há discordância:

a) o prefeito de município recém emancipado contratou obras com duas pessoas jurídicas controladas pelo vice-prefeito;

b) os contratos foram realizados mediante cartas-convites dirigidas, somente, às duas sociedades pertencentes ao vice-prefeito e a uma outra, cuja empresa fora desativada;

c) as obras foram, contudo, realizadas a contento e mediante custos compatíveis com o mercado.

O Ministério Público exerceu ação de improbidade. O Acórdão ora

recorrido declarou tal ação procedente, entendendo que apesar de não haver dano

financeiro, o Erário sofreu prejuízo. Por isso, enquadrou a hipótese na previsão do Art.

10 da Lei 8.429/92, condenando os demandados em (fls. 558 e segts.):

a) devolver tudo o que receberam, por força da execução do contrato, mesmo que tal devolução acarrete enriquecimento sem causa para o Município (Art. 12, II). É que, em relação ao estado não existe enriquecimento ilícito, nos casos de contratos ilícitos;

b) pagarem multa (Art. 12 da Lei 8.429/92), correspondente a vinte por cento do valor da devolução;

c) suspensão de direitos políticos, por seis anos;

d) proibição de contratar com o Estado ou receber benefícios públicos, durante cinco anos;

e) pagamento dos ônus relativos à sucumbência, excetuados os honorários advocatícios.

O eminente Ministro Relator, em alentado e primoroso voto, dá

provimento ao recurso especial, para afastar a incidência do Art. 10 e tratar o caso

como um daqueles previstos no Art. 11 – vale dizer: como ato de improbidade

simplesmente atentatório aos princípios da administração pública. Reduziu, assim, os

termos da condenação, a:

a) suspensão dos direitos políticos;

b) inabilitação para contratar com o Poder Público.

Nestes dois itens, a condenação mantém-se "nos termos do acórdão

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recorrido."

Pedi vista, porque as circunstâncias do caso são instigantes. Com efeito, o

prefeito municipal e seu eventual sucessor, fraudando as regras de licitação pública,

executam obras para a comuna, sem, entretanto cobrarem remunerações superiores

àquelas de praxe e cumprem a empreitada de modo satisfatório. Se tais fatos tivessem

ocorrido há mais tempo, os dois administradores receberiam louvores pelo fato raro de

haverem executado corretamente a empreitada, sem praticarem o tão corriqueiro

superfaturamento.

Vejo pois, com alegria e esperança o desfecho deste processo. Tanto

mais, quando o eminente relator estabelece o equilíbrio, aplicando estritamente as

sanções previstas na Lei. Não tenho dúvida de que os atos ilícitos descritos nos autos

enquadram-se na previsão do art. 11, da Lei 8.429/92. As sanções que lhes

correspondem são, portanto, aquelas definidas no Art. 12, III, vale dizer:

a) perda de função pública (prejudicada, nos termos do acórdão recorrido);

b) suspensão de direito políticos, pelo período de três a cinco anos;

c) multa de até cem vezes a remuneração recebida;

d) "proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos."

Na aplicação dessas penalidades é que me atrevo a pequena discordância.

Tanta ousadia assenta-se na circunstância de que o V. Acórdão recorrido suspendeu os

direitos políticos, por seis anos e vedou contratações com o Estado, durante cinco

anos. Estes dois prazos são fixados pelo item II do Art. 12.

Se incide o inciso III, a duração das penas deve ser reduzida para um

período de três a cinco anos e de três anos, respectivamente.

Destaco, por último, a recomendação de que, na imposição das

penalidades, o juiz aplique o cânone da proporcionalidade, levando em conta a

extensão dos danos e o proveito patrimonial obtido pelo agente (Art. 12, Parágrafo

Único). Vejo neste parágrafo, a indicação para que o juiz efetue dosagem na pena,

levando em conta particularidades do caso. Em homenagem a tal indicação e aos fatos

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de que os réus são primários, não causaram dano, nem tiveram proveito material

desmedido, reduzo para um ano a suspensão de direitos políticos e a proibição de

contratar com o Estado.

Quanto à multa, arbitro-a em valor igual ao montante do lucro auferido

pelas empresas. Com a execução dos contratos malsinados.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0063492-4 RESP 439280 / RS

Números Origem: 70000477471 946

PAUTA: 05/11/2002 JULGADO: 26/11/2002

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. GILDA PEREIRA DE CARVALHO

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTROADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros dando parcial provimento ao recurso para reduzir as sanções político-administrativas para 1 (um) ano, pediu vista o Sr. Ministro José Delgado.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 26 de novembro de 2002

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O exame dos autos que efetuei leva-me ao

convencimento de que o recurso não merece provimento.

O eminente relator empresta provimento parcial ao recurso para excluir o

ressarcimento do dano ao erário e seus consectários.

Pousa, nesse aspecto, a minha divergência.

Dou, primeiramente, integral apoio aos fundamentos desenvolvidos às fls. 572/576,

do teor seguinte:

A respeitável posição defendida pelo eminente Des. Celeste Vicente Rovani, não obstante provida de apurada lógica processual, com a devida vênia. não pode prosperar, tendo em vista que para a caracterização do ato ímprobo, desnecessária a efetiva "ocorrência de dano ao patrimônio público".

Na hipótese dos autos, é certo que não houve efetivo prejuízo ao erário público, questão já referida em parecer do signatário, no entanto, a inexistência de dano patrimonial por si só, não descaracteriza o ato ímprobo.

Independentemente da infringência ao artigo 8°, inciso II do Decreto-Lei 2.300, de 21/11/86 - preceito renovado pelo art. 9°, inc. III da Lei 8.666/93, em não havendo competição entre os licitantes ofendeu-se os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade, sendo impositiva a sanção ao desmando da lei.

E mais, não respeitar o procedimento licitatório enquadra-se perfeitamente ao tipo previsto no caput do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, que não exige a ocorrência de prejuízo real, senão vejamos:

"Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições:" (...) (grifo nosso)

Neste sentido, transcreve-se lição do Eminente Promotor de Justiça, Doutor Fábio Medina Osório:

"Ora, é justamente para a ausência de lesão ao erário e ausência de enriquecimento ilícito que existe o art. 11, caput, da Lei número 8429/92, dispositivo que, por exemplo, poderia ser aplicado em hipótese similar àquela julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul versando contratação de funcionários, por Prefeito Municipal, em período proibido pela legislação eleitoral, com afronta à legalidade e caracterizando lesividade presumida. Aliás, nesse passo é possível destacar que a moralidade cumpre funções variáveis, a começar pela inversão do ônus da prova da necessidade de

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remoção de servidores públicos em época eleitoral, cabendo ao administrador praticante do ato a demonstração dos reais motivos, sob pena da invalidade por afronta à moralidade. (grifo nosso)(...)O desrespeito aos ditames legais, mormente em se tratando de procedimentos licitatórios, por seu turno, sempre enseja o reconhecimento de despesas públicas ilegais, as quais não podem ocorrer em procedimentos em cujo bojo é desrespeitada a exigência da licitação latu sensu. (grifo nosso)(...).'

E seguindo essa linha, o argumento do eminente Desembargador Revisor trazido aos autos, onde a moralidade administrativa teria sido infringida, porém não teria restado provada a improbidade administrativa face a não ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, data vênia, não merece prosperar, haja vista a observância de critérios de hermenêutica sistemática, quando do enquadramento do caso concreto às regras abstratas dos diplomas legais.

Muito antes pelo contrário, se houve violação à moralidade administrativa, teve lugar ato de improbidade administrativa, haja vista o comando do art. 37, da Constituição Federal, ao determinar que a moralidade é um dos princípios da administração pública. E se um dos princípios da administração pública foi violado, há a incidência da norma do art. 11, da Lei de Improbidade Administrativa.

Ora, se o dispositivo de número 11 da Lei de Improbidade Administrativa cita claramente a necessidade de serem obedecidos os ditames de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, de pleno torna-se essencial a observância da moralidade, que encontra-se esculpida no bojo destes princípios.

Na mesma linha prossegue o já mencionado autor:"(...) A moralidade administrativa abrange padrões objetivos de condutas exigíveis do administrador público, independentemente, inclusive, da legalidade e das efetivas intenções dos agentes públicos. (...)

Do exposto, vê-se que para a realização de atos públicos com probidade é essencial a observância da moralidade administrativa. Assim, se os réus agiram de maneira imoral, como o próprio Desembargador-Revisor constata em seu voto, nodal o entendimento de que estes estão incursos nas sanções da Lei de Improbidade, merecendo o decisum ser modificado por esse Colendo Grupo.

E a Doutrina citada, ainda nos dá subsídios para a contraposição de outro argumento daquela honrada Câmara, diz o eminente Desembargador Celeste Vicente Rovani:

'(...)O homem do interior, via de regra, está despido de malícia e age com a melhor da boa fé, seja como cidadão, seja como político.Aqui, o julgador também não pode olvidar que, durante o pleito eleitoral, os demandados se comprometeram a construir estradas e outras obras de infraestrutura, para o novel município, sem lhe causar o mínimo prejuízo, e o fizeram ainda que irregularmente, sem proveito e de terceiros, como

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demonstram fartamente os autos.Em suma, embora irregulares as licitações, não houve má fé manifesta, clara, indiscutível."(...).'

Frente a isso, nos termos da melhor Doutrina vigente, já esposada, não há que se falar em intenção do agente quando da efetivação do ato, posto que não é esta fator delimitador da aplicação dos dispositivos ora infringidos pelos embargados."

Em segundo lugar, filio-me à corrente doutrinária e jurisprudencial seguida pelo Des.

Irineu Mariani, cujos fundamentos estão assim desenvolvidos (fls. 605/610):

"Com máxima vênia do ilustre relator, acolho os embargos, mantendo meu voto na Câmara. E começo com o ditado, referido no final do brilhante voto do sempre erudito relator, Des. Amo, de que não se abatem pardais disparando canhões. Efetivamente, isso é verdade. Agora, em primeiro lugar, precisamos ver se estamos diante de pardais, e em segundo, não podemos esquecer que os pardais são pássaros pequenos, mas muito espertos. Eles ficam dissimulados entre as folhas de modo que dificilmente são vistos. Não é por nada que a irreverência popular chama de "pardais" os chamados "fiscais eletrônicos" das vias públicas. Também não me passa despercebida uma referência do ilustre patrono dos embargados que ocupou a tribuna. Como grande orador que é, impressionou. Fez uma dissertação a respeito dos aspectos periféricos, sociais e conjunturais, e até geográficos de Barra Funda, como se fosse o lugar «fim do mundo", e depois concluiu: "Esses são os fatos".

Eminentes colegas, e com máxima vênia do eminente patrono, os fatos que realmente interessam ao processo, são os que passo a contar. Em Barra Funda, o Prefeito, Sr. Reinaldo Antônio Nicola, e o Vice-Prefeito, Sr. João Roberto Piaia, armaram um esquema pelo qual as licitações eram ganhas sempre ou pela SMAQ - -Sarandi Máquinas e Equipamentos Pesados Ltda. ou pela TELEDESPI - Terraplanagem e Destocamento Piaia Ltda., das quais o Vice não era apenas sócio com a maior fatia do capital, mas também gerente. Ainda, um dos sócios da SMAQ, Sr. Adi Jorge Nicola, era irmão do Prefeito.

O primeiro ponto que mostra esperteza é a escolha da modalidade de licitação. Os ditos concursos eram feitos sempre mediante convite. Embora prevista em lei, sabemos que a licitação mediante convite limita bastante a competitividade e o livre participação, dentro dos requisitos exigidos, porque os participantes são convidados.

No caso, quais empresas eram convidadas? Sempre as mesmas, ou seja, a SMAQ e a TELEDESPI. E para dar uma aparência de regularidade, particularmente no que tange à observância do princípio da competitividade - e aí vem o segundo ponto que a mim mostra esperteza - era mandado convite também para METRO -Construções e Incorporações Ltda. que participava, mas, obviamente, nunca ganhava. E por que nunca ganhava? Não só pelos motivos que os colegas já percebem evidentes, mas também porque essa tal de METRO já não existia, tendo inclusive sido dada baixa na Secretaria da Fazenda. Noutras palavras: empresa fantasma. Enfim, participava apenas para constar.

Fechado o esquema na parte dos procedimentos licitatórios de modo que o resultado fosse sempre favas contadas ou para a SMAQ ou para a

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TELEDESPI, vem o terceiro ponto que a mim evidencia esperteza. É o seguinte. O Prefeito nomeou como Secretário de Obras o próprio Vice, que em última análise dava o "OK" para os pagamentos.

Então, eminentes colegas, como disse no voto que proferi na Câmara, as coisas não só desbordaram, ou transbordaram para a imoralidade e improbidade, mas também para a promiscuidade. Veja-se: duas empresas das quais o Vice-Prefeito é sócio majoritário e gerente, e uma tem como sócio um irmão do Prefeito, são as que sempre ganham as licitações, em procedimentos que são verdadeiras farsas, com inclusive empresa fantasma. Em seguimento, o Prefeito nomeia o Vice como Secretário de Obras, cronograma físico-financeiro, etc., para fins de pagamento das empresas das quais ele é o gerente. Quer dizer: sentado numa cadeira, dava o OK para o pagamento; depois, levantava e sentava na cadeira em frente para receber. Por isso falei em promiscuidade, em falta de decência, do recato e de honra.

Tudo isso, eminentes colegas, em Barra Funda, cuja população pode ser ingênua; não, porém, os então administradores.

Fala-se em momentos difíceis para a primeira administração do novel Município. Não nego. Mas, pergunto: era impossível cumprir a legislação? Quando é "difícil" cumprir a lei, o administrador fica dispensado? É claro que não. Mas, então, em situações exrtremas, como proceder? A própria lei dá a solução, inclusive a dispensa da licitação. O que não é possível é tolerar a farsa como aconteceu para beneficiar duas empresas de um dos administradores, com ao cúmulo de ser fiscal e pagador de si mesmo. A legislação vige em todo o país, inclusive em Barra Funda, nome que tanto impressionou o eminente prolator do voto majoritário.

Não vejo como, nessas circunstâncias, excluir a má-fé. É dito no respeitável voto majoritário, invocando o Des. Fabrício, que o julgador não pode apreciar os atos e a conduta pública do político interiorano com a visão metropolitana. Estou de acordo. Realmente, o povo do interior tem padrões de moralidade mais rígidos. Isso mais me convence no sentido de que o povo do interior deve ser respeitado, inclusive na sua não rara ingenuidade e boa-fé, a fim de que não seja vítima, não digo de políticos, pois não desejo estigmatizá-los, mas de administradores desonestos. O art. 10, VII, da Lei 8.429/92, é expresso: constitui ato de improbidade frustrar a licitude de processo licitatório; o art. 11, caput, também é expresso: constitui ato de improbidade faltar com os deveres da honestidade. Fala-se que para ferir a moralidade, a honestidade, é preciso ter tido a intenção. Ora, em primeiro lugar, os fatos, pelo menos no caso concreto, são estrepitosos; em segundo, se condicionarmos, nesse campo, o sancionamento à intencionalidade, estaremos soçobrando no lodaçal do subjetivismo.

Então, eminentes colegas, a mim não aconteceu apenas um somatório de atos de improbidade, mas improbidade com evidente má-fé. E isto é importante porque corresponde ao primeiro aspecto que levou a douta maioria a absolver os réus.

O segundo aspecto é o que diz respeito ao prejuízo. Como a prova pericial reconheceu que os preços cobrados foram os compatíveis com o mercado, não houve lesividade alguma ao erário municipal; logo, não há o que indenizar, isso no entendimento de que a ação civil pública é uma subespécie da ação popular.

Ora, desde a CF-88, pelo art. 50, LXXIII, a lesividade ao patrimônio não é o único pressuposto para a ação popular. Dentre as diversas situações, é passível de ação popular o ato lesivo à moralidade administrativa. De outra

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parte, se para excluir a improbidade basta contratar pelo preço de mercado, estaremos dando a fórmula de como fazer para as contratações diretas, pondo-se de lado a lei e a Constituição, transformando as obras públicas numa "ação entre amigos". Basta contratar pelo preço de mercado.

Mas, no caso, não se pode dizer, que não houve prejuízo ao erário municipal.

Começa que a conclusão, diversos anos depois dos fatos, de que as obras eram feitas pelo preço de mercado, a mim parece temerária. Segue que o só fato do preço de mercado não exclui a possibilidade de haver concorrente com preço menor.

Mais ainda, os contratos eram nulos, nos termos do art. 8°, II, do DL 2.300/86, então vigente, hoje art. 9°, II, da Lei 8.666/93. O servidor ou dirigente da entidade contratante não pode participar de licitação ou execução de obra.

Contrato nulo só gera direito a indenização se houver boa-fé, conforme o art. 59, parágrafo único, da Lei das Licitações. Quer dizer: se houve má-fé, não há direito algum. E digo que é assim, e só pode ser assim, sob pena de valer a pena a fraude. Desconsidera-se a lei, a Constituição, os princípios de moralidade, de probidade, etc., contratando-se de modo direto, pois o pagamento, mesmo em caso de má-fé, estará assegurado. E por aí chegamos a um ponto insustentável, qual seja o de que cumprir ou não cumprir a lei na prática não faz diferença. Se não faz diferença, cumpri-la para quê?

Por isso, deve haver um sancionamento que é o retomo de tudo aquilo que o Município pagou. Mas, dir-se-á, de qualquer modo as obras foram feitas e se agregaram ao patrimônio do Município, não sendo admissível o enriquecimento sem causa.

Este aspecto me preocupou, eminentes colegas. É verdade. As obras se incorporaram ao patrimônio do Município, mas isso ocorreu involuntariamente e de modo ilícito. Por isso, a conclusão foi de que, tendo havido má-fé, a restituição tem que ser integral. O benefício fica para toda a comunidade. Quem agiu com má-fé, cometendo atos e mais atos de improbidade, assumiu desde o início o risco. Desde que comecemos a sancionar essas condutas, desde que o administrador público toma consciência de que se patrocinar farsas e arranjos indecorosos pagará pessoalmente, estará fortemente desestimulado a tais práticas. Do contrário, o contrário acontece.

Na melhor das hipóteses para os réus, parece-me, eminentes colegas, que eles deveriam indenizar o erário ao menos do valor equivalente ao lucro que o Município pagou a essas empresas. Quer dizer: se não pode haver prejuízo, e o Município não pode receber as obras de graça, que pelo menos, nessas circunstâncias, não haja lucro. Mas, em princípio, ainda fico com a indenização integral a fim de que não permitamos sequer a aventura do "se pegar, pegou".

Quanto aos demais itens (multa civil de 20%, suspensão dos direitos políticos por seis anos e impossibilidade de contratar com o Poder Público, etc., por cinco anos), são sancionamentos que acontecem por força de lei.

Nesses termos, e com reiterada vênia do eminente relator, acolho os embargos."

O pensamento acima exposto foi acompanhado, em sede Embargos Infringentes pela

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maioria dos Desembargadores que tomaram parte no referido julgamento.

É de se fazer referência, também, as excelentes razões do Des. Carlos Roberto

Lofego Caníbal (fls. 614/619):

"Ao contrário, não houve, conforme a perícia judicial, nenhuma alteração neste sentido, tanto que as contas, como bem relatou o eminente Des. Moesch, foram abonadas pelo Tribunal de Contas com a presença do Ministério Público.

Não vejo como devemos decidir de uma forma contrária do que já foi observado e decidido.

Por essas razões, acompanho o voto do eminente Relator.Sr. Presidente, pelo que li e ouvi, trata-se de um processo que me

impressionou sobremaneira, pelos argumentos de ambas as partes. Talvez tenha sido um caso como este que, há muitos anos, tenha-me feito deixar a advocacia e ingressar na Magistratura.

Este é um caso extremamente comum em nosso País e que abala as instituições e até o nome do País, sendo responsabilidade do Poder Judiciário impor este limite exigido pelo contexto ético, jurídico, social e até filosófico que se está a discutir e que a espécie reclama, observadas, sem dúvida nenhuma, questões que já foram levantadas aqui a respeito da proporcionalidade e da razoabilidade decisional, que estão intimamente ligadas à questão da conduta do demandado e à respectiva elaboração de juízo de desvalor destas respectivas condutas.

As normas referidas no voto do eminente Relator, que se estabelecem no sentido de que são de ordem penal a justificar a sua conclusão, não têm, data maxima venia, a extensão que se lhe empresta a respeito de resultado lesivo, como posto no voto de V. Exa.

Essa é adoção de uma visualização de Direito Penal Criminal estrito, portanto, não aplicável, nesses exatos termos, ao presente caso. Isso porque se está à frente de normas de Direito Administrativo Penal, e não só de cunho criminal de Direito Penal.

Assim, não é requisito elementar do tipo administrativo que se discute a lesão efetiva, em termos de materialidade, como posto no voto, e como se pretende, bastando a infração formal à norma cujo resultado formal, ou não, também se faça ver e reconhecer a ilegalidade da conduta e a incidência da norma, como suporte fático, efetivamente, à norma de conduta, não podendo a ausência de materialidade estrita, como se pretende, suprimir o juízo de desvalor de conduta punível, em ramo jurídico com disposições legais, princípios e elementos constitutivos absolutamente diversos.

A ação em tela é de improbidade administrativa cumulada com anulação de licitação e perdas e danos. As causas de pedir do Órgão do Ministério Público, autor da ação, foram as irregularidades havidas em procedimento licitatório promovidos, e amplamente discutidos e relatados neste julgamento.

Como se observou até aqui, o Vice-Prefeito, e o Secretário de Obras do Município de Barra Funda, Sr. João Roberto Paes, eram sócios-cotistas e gerentes da empresas SMac e Tedespi, que realizaram com efetivo beneplácido do Sr. Prefeito as licitações em que resultaram vencedoras as empresas, violando-se os princípios constitucionais da Administração Pública

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que dizem respeito a questões de legalidade, impessoalidade, moralidade e probidade por si só.

As licitações, que, no caso, ocorreram via cartas-convites, como já referido, com efeito, fácil concluir, e bem apanhou o voto vencido e também da Des. Maria Isabel, não passavam de uma farsa, em que a ética não era o referencial dos interessados demandados, inclusive do Sr. Prefeito, que a tudo assistia e participava, chancelando as condutas com a sua oficialidade. E não se diga que assim não foi, porque não há nos autos elementos para tanto, como se vê nos votos até aqui proferidos, muito embora eu não tenha tido acesso aos autos.

Entender a conduta como legal é um psitacismo, Sr. Presidente. A referência levada a efeito pelo eminente Des. Celeste, de que a índole do cidadão do interior difere, na essência, da índole de permanente desconfiança, do espírito de esperteza, e malícia dos cidadão de grandes centros, em sua visão metropolitana, deve ser tida com reservas, por encerrar só meia verdade, ou talvez nem isso, mas talvez parte pequena de verdade.

Os fatos da vida, a experiência e a práxis social evidenciam que o psiquismo não tem essas "qualidades" ou não-somente em face do aspecto geográfico em que as pessoas encontram-se, vivem ou nascem. A estrutura ética é individual e é formada pelo homem com base no seu patrimônio referencial, adquirido durante a sua vida de relação em termos também referenciais.

A estrutura ética é individual e é formada pelo homem com base em seu património referencial adquirido durante sua vida de relação em termos referenciais.

A postura pública dos demandados, assim, evidenciou que não se pode visualizá-los como homens ingênuos e eticamente bem orientados com este referencial.

A frustração da licitude e da constitucionalidade em termos de proceder, vencendo as licitações empresas que participavam de algum modo os demandados, sendo participe disso o Sr. Prefeito, por sabedor e chancelador de tudo, por isso modo contrário aos princípios constitucionais da Administração Pública, resta automaticamente evidenciado e caracterizado o dano ao patrimônio público e o resultado "lesivo" que se está a exigir, incidindo a Lei da Improbidade Administrativa, como se viu nos votos dos Des. Mariani, Roenick e dos que os acompanharam.

Repiso que o Sr. Prefeito ainda tinha um irmão, Adi, que era sócio das empresas SMac. É certo ainda, mormente em pequenas cidades do interior, que o resultado de licitações é acompanhado por todos os munícipes, em especial pelos que estão à testa da municipalidade.

Assim, o Sr. Prefeito, por evidente, a tudo assistia passo a passo, visualizando os vários certames licitatórios ilegais. Posso vê-lo a tudo aplaudir administrativamente, conduta por evidente reprovável.

A ilegalidade do proceder coletivo, plural, dos demandados me parece evidente, ainda à luz do Decreto-Lei n° 2.386, vigente à época, e que vedava num processo licitatório ou de execução de obras a presença de empresa dirigida ou gerenciada por servidor que seja dirigente do órgão contratante. Hoje essa norma insere-se no art. 9º, II, da Lei das Licitações.

Assim, mesmo que os valores tenham eventualmente sido os de mercado, o que é discutível, a meu sentir, em face da essência da prova, o prejuízo decorrente da violação das normas constitucionais e infraconstitucionais caracterizam a tipicidade das condutas, impondo-se a

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procedência da pretensão deduzida na inicial, ou seja, da res in judicium deducta, da pretensão efetivamente como posta, porém, resumidamente, como colocarei mais adiante, reduzindo essa pretensão e essa procedência, nos termos do voto do Revisor e do eminente Relator do voto vencido.

A frustração do processo licitatório, então, em termos de ilegalidade, desatendimento da impessoalidade aplicável ao caso, moralidade e probidade administrativa, constitui ato de improbidade respectiva para os fins legais e como estabelece a lei respectiva, mormente os arts. 1º, 9º, 10° e 11º. Muitos, então, foram os dispositivos violados, sejam infraconstitucionais ou constitucionais.

A lesividade pública, assim, decorre da infração das disposições constitucionais, princípios de ordem pública qualificados e das disposições infraconstitucionais já amplamente referidas neste julgamento, inclusive dando destaque ao voto da Desª. Maria Isabel.

Assim, as condutas foram lesivas ao patrimônio público, sendo nocivas, ao meu sentir. O elemento subjetivo do justo típico está mais do que evidente pelas condutas realizadas. Se dermos ao princípio da moralidade administrativa toda a extensão que nele se contém, ética total, norma de ordem pública qualificada e não-parcial e aparente na Administração Pública, que é o reflexo da postura ética, e não do administrador, outra não pode ser a conclusão de que a pretensão inicial deve ser acolhida em termos.

As leis e a Constituição Federal estão em vigor em todos os recantos do nosso País, ou não estão. Esta é a questão que me aflige, sob pena de, em assim não entendendo, de vigência em todos os cantos deste País, nos transformarmos em paraíso de uma hegemonia antiética total oficializada.

Com efeito, Sr. Presidente, parece-me que, efetivamente, fazendo uma referência que inclusive foi feita da tribuna, de que há pardais no céu, estes se escondem em casamatas que têm nome: improbidade administrativa, para não usar outro mais impactante.

Esses são os motivos pelos quais, acompanho, data maxima venia, aos que votaram diversamente, os votos do eminente Revisor, do eminente Relator do acórdão e vencido naquele momento, integralmente adotando o voto do Des. Mariani, inclusive com vista dos autos com o retomo à origem ao Ministério Público para os fins penais, se não foi tomada nenhuma providência até então.

É o voto, Sr. Presidente, adotando aqui a lógica do razoável, denominada "Lógica del Razonado"(?), de autoria de Luiz de Gasset y Siches, Professor emérito da Universidade Nacional do México, a lógica da razoabilidade decisional, que me parece ser a única aplicável à espécie, data maxima venia."

Isto posto, nego provimento ao recurso, confirmando, por inteiro, o acórdão

recorrido.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0063492-4 RESP 439280 / RS

Números Origem: 70000477471 946

PAUTA: 05/11/2002 JULGADO: 17/12/2002

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. MARIA CAETANA CINTRA SANTOS

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTROADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro José Delgado divergindo do Relator para negar provimento ao recurso, verificou-se a falta de quorum, determinando-se a reinclusão do feito em pauta para, renovando-se o julgamento, serem colhidos os votos dos Srs. Ministros Francisco Falcão e Paulo Medina (RISTJ, art. 162, § 2º, primeira parte).

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 17 de dezembro de 2002

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

RENOVAÇÃO DE JULGAMENTO

Ratificação de Voto

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: - Sr. Presidente,

ratifico o meu voto-vista. Dou parcial provimento ao recurso, reduzindo para um ano a

suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Estado; quanto à

multa, arbitro-a em valor igual ao montante do lucro auferido pelas empresas com a

execução dos contratos malsinados.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0063492-4 RESP 439280 / RS

Números Origem: 70000477471 946

PAUTA: 18/02/2003 JULGADO: 18/02/2003

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. GILDA PEREIRA DE CARVALHO

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTROADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator dando parcial provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, e o voto divergente do Sr. Ministro José Delgado negando-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Paulo Medina. Aguarda o Sr. Ministro Francisco Falcão.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 18 de fevereiro de 2003

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA: Trata-se, na

origem, de ação de responsabilidade por improbidade administrativa e de

reparação de danos movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande

do Sul, contra Reinaldo Antônio Nicola e João Roberto Piaia, Prefeito e

Vice-Prefeito, respectivamente, do Município de Barra Funda - RS.

Alicerça-se a demanda na ocorrência de irregularidade em

licitações promovidas pelo município, evidenciada no fato de que as empresas

vencedoras dos certames têm o vice-prefeito como sócio-gerente.

Alegou o Ministério Público, na exordial, terem os políticos

praticado atos de improbidade administrativa "ilegais e imorais, por ocasião das

cartas-convite ns. 007/93, 008/93, 010/93, 024/93 e 026/93 do município de

Barra Funda, violando os incs. VIII (réu João Roberto) e XII (réu Reinaldo

Antônio) do art. 10 da Lei n. 8429/92, razão pela qual se lhes aplicam as

sanções do art. 12, inc. II, da mesma lei." (fl.16).

Com efeito requereu "a procedência da ação para o fim de

serem anuladas as licitações (...), devolvendo-se aos cofres públicos do

município de Barra Funda os valores recebidos pelas empresas SAMAQ e

TEDESPI, devidamente corrigidos, com a perda das funções públicas e a

aplicação das demais sanções previstas no art. 12, inc. II, da Lei 8429/92". (fls.

17/18).

Em contra-razões asseverou-se que a Lei n. 8924/92 classifica

os atos de improbidade administrativa "em duas grandes categorias: os que

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venham a causar lesão ao patrimônio público e os que, não obstante

formalmente contrários às normas, nem por isso provoquem reflexos

patrimoniais danosos ao erário público". (fl. 161).

Utilizando-se desta premissa afirmam, ainda, Reinaldo

Antônio Nicola e João Roberto Piaia que o Parquet, "para lograr êxito em sua

demanda terá de provar o impossível, demonstrando nos autos que houve

enriquecimento ilícito dos contestantes; ou de algum terceiro eventualmente

beneficiado por meio dos atos arrolados na ação; ou que as obras ou serviços

não foram prestados; ou que o foram por valores exorbitantes, que possam ser

avaliados como superiores vigorantes no mercado" (fl. 167).

Analisando a controvérsia externou o MM. Juiz de Direito a

compreensão de que "para caracterizar improbidade administrativa sem

prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito há que situar a hipótese dentro das

modalidades constantes no art. 11 da Lei 8429/92, em respeito à legalidade

estrita. Daquelas modalidades não se vislumbra, no caso em tela, sequer a

constante do art. 11, inciso V, 'frustar a licitude de concurso público' (...)". (fl.

491)

E, conclui: "Aqui não importa dizer que o ato praticado pelos

réus esteja compreendido no âmbito do imoral administrativo, mas sim que não

havendo o elemento objetivo - dano ao patrimônio ou enriquecimento ilícito - a

carga de subjetividade para um julgamento criterioso aumenta. Por certo que a

doutrina esforça-se por caracterizar a moralidade administrativa, a partir de sua

inclusão como pressuposto de validade de todo ato da administração pública

(CF, art. 37, caput), mas em tal esfera não se exime de adotar outros critérios

imprecisos. (...) Ressalvadas as hipóteses em que se vislumbra o grotesco na

atividade administrativa, e que tem sido objeto de constante crítica por meio da

imprensa, em que o administrador causa prejuízo ao erário ou enriquecimento Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 32 de 46

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pessoal, restam apenas as hipóteses de improbidade a que a lei estabelece em

'numerus clausus', sem o que é perdida a objetividade do julgador". (fl. 493).

A ação foi julgada improcedente (fl. 500), tendo este decisum

sido objeto de recurso para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul que, por sua vez, em sede de apelação, proferiu acórdão assim sumariado:

"IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LICITAÇÕES IRREGULARES. PREFEITO E VICE-PREFEITO, ESTE CUMULANDO O CARGO DE SECRETÁRIO DE OBRAS E SÓCIO-GERENTE DAS EMPRESAS LICITANTES VENCEDORAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O MUNICÍPIO E DE ENRIQUECIMENTO PARA OS AGENTES POLÍTICOS E AS EMPRESAS LICITANTES.

1. O prejuízo do erário deve ser efetivo e restar provado, e não presumido.

2. O julgador, ao aplicar aos agentes da Administração Pública as penas da Lei n. 8429, de 2.6.1992, deve ter em mente o princípio da proporcionalidade, para não cometer injustiça, mormente quando não houve prejuízo algum ao erário e resquício sequer de enriquecimento ilícito de parte dos agentes políticos demandados e das empresas licitantes.

3. A jurisprudência tem-se orientado no sentido de exigir, em ações populares, a comprovação efetiva do dano, e, estando ausente a lesividade ao erário, e a obra ou serviço concluídos e realizados, a tendência é de considerar improcedentes ações populares promovidas sob o argumento de violação à moralidade administrativa, sobretudo quando presentes vícios formais.

4. Sem lesividade ao erário, não haverá enriquecimento ilícito de parte do agente da Administração Pública, pois a lesividade é causa do enriquecimento ilícito, e este, conseqüência daquele.

5. Apelo provido em parte, por maioria". (fl. 548)

Porquanto essencial ao entendimento do que restou decidido,

relevo, outrossim, trechos constantes do v. aresto:

• O VOTO-VENCIDO

"Os fatos estão provados. As licitações não passavam de farsas, ou mais eufemisticamente, como dito na inicial, práticas histriônicas, violando-se os mais comezinhos princípios de ética e de moralidade.(...)

A ilegalidade é evidente. O art. 8º, II, do DL 2300/86, vigente à época, vetava - em processo de licitação ou execução de obra - a presença de empresa com sócio, dirigida ou gerenciada por servidor

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ou dirigente do órgão ou entidade contratante. Essa norma está hoje no art. 9º, II, da Lei 8666/93. Evidente também a imoralidade. O fiscal do cumprimento das obras, dando o OK para os pagamentos era o próprio gerente das empresas contratadas, ou seja, com duas faces, qual deusa Jano.(...)

No caso, considerando que os réus não tiveram conduta no sentido de auferir vantagem indevida, com enriquecimento pessoal, pelo menos de modo direto, afasto o art. 9º. Poder-se-ia entender que o réu João Roberto Piaia, sendo sócio e quotista das empresas contratadas teve, na realidade, vantagem pessoal direta. Porém, levando em conta os demais dispositivos, prefiro entender que os favorecimentos aconteceram para as pessoas jurídicas, só indiretamente o beneficiando.

Já quanto ao art. 10, lemos o seguinte: Constituiu ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei e, notadamente: VIII - frustar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.

Por este dispositivo temos a contemplação da conduta dos réus. Eles, por conduta consciente, portanto dolosa, causaram lesão ao erário, ensejando-lhe perda patrimonial, pois montaram verdadeiras farsas, frustrando a licitude dos processos licitatórios. Desimporta que, anos depois, seja feita perícia dizendo que os preços estabelecidos foram os comuns de mercado". (fls. 552/555).

• O VOTO-VENCEDOR

"O objetivo último da ação proposta, que não passa de uma subespécie da ação popular, é sempre a reparação dos prejuízos causados ao erário pelo administrador ou gerente público improbo.

Para a procedência da ação, devem andar paralelas a ilegalidade e a lesividade do ato por ela atacado e cometido pelo agente público. Não basta a ilegalidade do ato. É imprescindível a presença da lesividade, e isso é tão verdade que a sentença que julga procedente a ação, além de decretar a invalidade do ato, deve condenar ao pagamento de perdas e danos sofridos ao erário.

De outra banda, sem lesividade ao erário, não haverá enriquecimento ilícito de parte do agente da Administração Pública, pois a lesividade é causa do enriquecimento ilícito, e este, conseqüência daquele (...)

In casu, não resta a menor dúvida de que, como afirma o próprio órgão ministerial, '.... os apelados envolveram-se em licitações com violação ao art. 8º, inc. II, do Decreto-lei n. 2300, de 21/11/86 - preceito renovado pelo art. 9º, inc. III, da Lei n. 8666/93 - na medida em que as empresas onde o vice-prefeito era sócio-gerente participaram de vários certames, vencendo-os' (fl. 537). Mas o ato de ofensa à moralidade administrativa não acarretou prejuízo algum ao erário nem enriqueceu aos demandados e ás firmas SMAQ e TEDESPI, que realizaram as obras licitadas. Ora, se os serviços

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foram executados a contendo e com preços compatíveis com o mercado, qual o prejuízo do Município? Nenhum.(...).

Confirmo assim, quanto ao mérito, a v. sentença apelada, que bem analisou a espécie, ao julgar improcedente a ação." (fls. 565/567).

Destarte, com esteio no voto-vencido, opôs o Ministério

Público embargos infringentes que foram acolhidos, por maioria, para fazer

prevalecer a compreensão naquele exarada. Eis a ementa do julgado:

"EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO E VICE-PREFEITO MUNICIPAL. LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA A CARACTERIZAR ATOS DE IMPROBIDADE.

A participação de empresas em licitação pública, cujo sócio quotista majoritário e gerente era o Vice-Prefeito, caracteriza ato de improbidade, por ilegalidade que atenta contra o princípio da moralidade administrativa. Maior gravidade, ainda, quando exatamente tais empresas foram as únicas vencedoras das várias licitações efetivadas, sendo que, relativamente a uma delas, um dos sócios era irmão do Prefeito Municipal, tendo sido o Vice-Prejeito nomeado como fiscal das obras, autorizando, como tal, a liberação dos pagamentos. Lesão ao erário que se configura exatamente no ato de frustrar o processo licitatório. Inteligência do art. 11 da Lei n. 8429/92". (fl. 590).

Opostos embargos declaratórios, foram estes rejeitados (fls.

636/638).

Daí a interposição deste recurso especial por Reinaldo

Antônio Nicola e João Roberto Piaia com fundamento nas alíneas "a" e "c" do

permissivo em que alegam, em síntese, que o dano pretensamente causado ao

erário deve ser provado e, somente nesta hipótese, passível o enquadramento

dos administradores públicos nas penas previstas pela Lei n. 8429/92.

Distribuídos ao em. Ministro Luiz Fux, eis o resumo de seu

voto:

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"AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOABILIDADE. CONTRATAÇÃO MEDIANTE CARTA-CONVITE PELO MUNICÍPIO DE EMPRESAS AS QUAIS FAZIAM PARTE O VICE-PREFEITO E O IRMÃO DO PREFEITO, PESSOAS IMPEDIDAS DE LICITAR. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA QUE PRESCINDE DA EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. SANÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1. A Ação de Improbidade Administrativa. Explicitação do cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal. A Ação de Improbidade tem como escopo impor sanções aos agentes públicos que pratiquem atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público ( art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.

2. Preliminar de julgamento extra-petita. Os recorrentes foram demandados em Ação de Improbidade, sede em que vários fatos foram invocados como incidentes na citada Lei 8.429/92.

Assim os réus defenderam-se dos fatos, competindo ao juízo a qualificação jurídica dos mesmos.

Aliás, é cediço que a qualificação jurídica dos fatos é dever de ofício do Juízo, por isso iura novit curia.

Consectariamente, essa qualificação não integra a causa petendi e o seu ajuste na decisão à luz da demanda inicial não significa violação da regra da congruência, consubstanciada nos artigos 128 e 460 do CPC. Nesse sentido é lição de Barbosa Moreira, in O Novo Processo Civil Brasileiro, 1995, p. 20-21.

Deveras, as multifárias ações administrativas que se enquadram no novel diploma, transmudam o pedido de adequação das mesmas, aos fatos previstos, como nítida ação fungível, podendo o juízo, ao decidir, impor sanção aliud porém minus.

3. A ausência de dano ao erário público não obsta a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/92. Inteligência do art. 21.

O enriquecimento ilícito a que se refere a Lei é a obtenção de vantagem econômica através da atividade administrativa antijurídica. O enriquecimento previsto na Lei 8.429/92 não pressupõe lucro ou vantagem senão apropriação de qualquer coisa, ainda que proporcional ao trabalho desenvolvido, mas viciado na sua origem.

O fruto do trabalho, como de sabença, nem sempre é lícito, gerando o enriquecimento ilícito à luz da mens legis.

Deveras, a transgressão à moralidade administrativa in casu restou patente porquanto, tanto quanto se pode avaliar na estreita esteira de cognição do E. S.T.J, a participação na licitação de pessoas impedidas de fazê-lo é o quanto basta para incidir a regra do art. 11 da Lei.

Outrossim, a adequação da conduta ao cânone legal, impede o arbítrio judicial que exsurgiria acaso a imputação derivasse do conceito subjetivo de moralidade plasmado pelo Poder Judiciário.

In casu, uma conduta objetiva e incontroversa dos réus

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frustou a licitude da concorrência com a participação das pessoas impedidas encerrando ato ímprobo im re ipsa.

4. A participação de empresas em licitação pública, que tem como sócio majoritário o Vice-Prefeito do Município, Secretário de Obras. Lesão aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa (art. 11, da Lei 8.429/92).

5. Condutas que recomendam o afastamento no trato da coisa pública, objetivo aferível pela manutenção das sanções político-administrativas consistentes na inabilitação para contratar com a Administração Pública.

6. Recurso parcialmente provido, para aplicar a regra prevista no art. 12, III da Lei 8.429/92 e excluir o ressarcimento do dano ao erário e seus consectários."

O Ministro-Relator foi acompanhado em seu raciocínio pelo

il. Ministro Humberto Gomes de Barros. O em. Ministro José Delgado, todavia,

houve por bem divergir, aduzindo o acerto do decidido pelo Tribunal a quo, em

sua inteireza.

Assim, pedi vista dos autos para melhor examinar a

controvérsia. Sendo este o relato dos acontecimentos que julgo pertinentes,

estou a votar.

Inquestionável a ocorrência de conduta imoral e atentatória

contra os princípios da administração pública, consubstanciada na contratação,

por meio de certame fraudado, de empresas controladas pelo Vice-Prefeito João

Roberto Piaia e, com a anuência do Prefeito Reinaldo Antônio Nicola. É fato

incontroverso nestes autos.

Resta-nos, nesta via angusta do recurso especial, promover a

correta tipificação da conduta ilícita praticada, frente às normas contidas na Lei

n. 8429/92 e, em conseqüência, dizer do acerto ou desacerto da Corte ordinária,

quanto às penalidades aplicadas, ressaltando que, a despeito do raciocínio

desenvolvido na petição recursal, é possível atentar-se contra os princípios da

administração, sem que haja o enriquecimento do agente público.

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Os atos de improbidade administrativa estão descritos nas

seções componentes do Capítulo II da Lei n. 8429/92 e apresentam-se sob três

formas, definidas conforme a conseqüência advinda ato: enriquecimento ilícito

(art. 9º); prejuízo ao erário (art. 10); atentado contra os princípios da

administração (art. 11).

O Tribunal a quo tipificou a conduta dos ora recorrentes

como sendo aquela inserta no art. 10, inc. VIII, da Lei de Improbidade

Administrativa, segundo o qual:

"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

I a VII - (omissis).VIII - frustar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo

indevidamente."IX a XIII - (omissis).

Extrai-se da conjugação do disposto no caput, com a redação

do inciso VIII que, em decorrência da frustração da licitude do processo

licitatório deve haver uma perda patrimonial, desvio, apropriação,

malbaratamento ou dilapidação dos bens públicos, para que a conduta possa ser

ali tipificada. Assim, ato que importe na frustração de certame de que não

resulte um prejuízo objetivo ao erário não haveria de ser classificado como

aquele constante do art. 10, inc. VIII, da Lei n. 8429/92.

A doutrina, em sua expressão maior, considera que

interpretação literal não deve se sobrepor àquela teleológica-sistemática,

integradora da norma. Defende que o vocábulo 'prejuízo ao erário', ligado a um

dano de ordem econômica não foi utilizado pelo legislador com rigor técnico,

confundindo-se com o vocábulo 'patrimônio público'.

Entretanto, a norma, in casu, a despeito de não ter contornos Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 38 de 46

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criminais, porquanto traça condutas de uma maneira genérica, tem

consequência penal, que não nos concede margem a interpretações ainda mais

extensivas, de forma a fazer prevalecer o entendimento segundo o qual todo

prejuízo a bens de natureza moral, estética, artística, histórica, ambiental e

turística pertencentes ao Poder Público, ainda que inexistente um prejuízo

econômico, seria suficiente ao enquadramento do agente no art. 10

mencionado. Se assim fosse, despicienda seria a redação do art. 11 seguinte.

Senão vejamos:

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (...)".

Com efeito, ausente o enriquecimento ilícito ou o dano

patrimonial econômico ao Poder Público, mas evidenciada a ocorrência de

malferimento aos princípios da Administração Pública, aplicável o contido no

art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

Consoante assentou-se na Corte de origem, sem

discrepâncias, "A ausência de prejuízo ao erário restou incontroversa, tanto que

propugnado pelo próprio Ministério Público no recurso o enquadramento no

art. 11 (fl. 558). Além do mais, como referido no voto condutor da maioria, o

prejuízo não restou comprovado, 'ao contrário, lucrou, porque os preços

cobrados eram os realizados, então, pelo mercado' (fl.565). Também não houve

sequer resquício de enriquecimento ilícito nem dos agentes políticos, nem das

empresas licitantes" (fl. 595). Evidente, portanto, ter o Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande se equivocado ao aplicar o direito à espécie.

A conduta que se pode classificar como desonesta, parcial,

ilegal e desleal praticada, in casu, é a contratação de obras por prefeito de

município com pessoas jurídicas controladas pelo vice-prefeito, tendo os Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 39 de 46

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contratos sido realizados por meio de cartas-convite enviadas somente às

sociedades dirigidas pelo vice-prefeito e a uma outra fantasma.

Ao reverso do que poderia nos parecer, à primeira vista, as

obras foram realizadas e, por preços compatíveis com os de mercado ou, na

pior das hipóteses, não restou comprovado, nos autos, ter havido qualquer

prejuízo ao erário. Destarte, indubitável o enquadramento da espécie, no art. 11,

caput, da Lei n. 8429/92, conforme muito bem concluiu o em. Ministro Luiz

Fux.

Destarte, quanto às penas aplicáveis, destaco aquelas

previstas no art. 12, inc. III:

"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I e II - (omissis).III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se

houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei, o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente."

Neste particular, divirjo da compreensão externada pelo

culto Relator. Asseverou o em. Ministro Luiz Fux que "o art. 12, inc. III, da Lei

de Improbidade Administrativa prevê certa dosimetria da sanção, sendo certo

que, nesse particular é inviável pelo STJ, em sede de Recurso Especial, avaliar

os fatos da causa, para os fins de ajuste da sanção".

À esta Corte Superior o dever do estabelecimento da sanção

que se deve aplicar na hipótese. Não há que se confundir a inadmissibilidade do

recurso especial, para fins de reexame de fatos e provas (Súmula n. 7), com o Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 40 de 46

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seu indispensável exame, quando, uma vez cognoscível, chegue o Tribunal à

conclusão de que errou o Pretório a quo, na qualificação dos fatos. Neste caso,

alterada a qualificação jurídica dos fatos, têm o STJ, por necessário, que dizer o

direito por completo.

Por oportuno, transcrevo a ementa do acórdão proferido pela

eg. Corte Especial, nos autos do AEREsp n. 134108/DF, in DJ de 16/08/1999,

tendo como relator o il. Ministro Eduardo Ribeiro:

"Recurso Especial.Não ofende o princípio da Súmula 7 emprestar-se, no

julgamento do especial, significado diverso aos fatos estabelecidos pelo acórdão recorrido. Inviável é ter como ocorridos fatos cuja existência o acórdão negou ou negar fatos que se tiveram como verificados."

Feita esta consideração, passo a analisar a questão da pena.

Em prefacial, lembro que o recurso foi manifestado pelos

réus e primando pela observância do princípio da non reformatio in pejus, para

evitar qualquer contra-tempo, relevo a condenação que sofreram no âmbito da

Corte de origem, que lhes aplicou as penas previstas no inc. II do art. 12:

(a) devolução ao erário de tudo o que foi pago pelo

Município, frente aos contratos irregulares, com atualização

monetária pelo IGP-M e juros pela taxa legal, desde cada

pagamento;

(b) suspensão dos direitos políticos por seis anos;

(c) proibição de contratar com o Poder Público ou de receber

benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou

indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual

sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos.

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O il. Ministro-Relator excluiu a obrigação de ressarcimento

do dano ao erário e seus consectários e manteve "a suspensão dos direitos

políticos, assim como a inabilitação para contratar com o Poder Público, pelo

prazo de 01 (um) ano, como forma de obtemperar a sanção".

Mas, a suspensão dos direitos políticos foi feita com esteio

no inciso II, que fixa a dosimetria da pena de 5 a 8 anos para a cominação. O

inciso III, no entanto, prevê a suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos,

não havendo como se manter a condenação originária, motivo porque penso ser

razoável, frente ao grau de reprovação da conduta dos agentes públicos,

prefeito e vice-prefeito, em aplicar a pena de três anos.

Ainda, no que tange à inabilitação para contratar com o

Poder Público, fixada pelo Relator em um ano, a lei impõe um pena de três

anos, sendo certo que o magistrado não tem o poder discricionário de fixá-la

aquém do mínimo legal.

E, por fim, afastada a incidência prevista no inciso II, quanto

ao ressarcimento integral do dano, mas considerando que a lesividade ao

patrimônio público foi evidente e que os réus se prevaleceram de situação

deveras vantajosa - obtiveram contrato com a administração pública, de forma

imoral e ilícita e, ainda que não tenham enriquecido obtiveram, por certo, lucro

fácil, prevalecendo-se de seu cargo - condeno-os, outrossim, ao pagamento de

multa civil de 10 vezes o valor da remuneração por eles percebida à época,

corrigida monetariamente.

A conduta praticada pelos réus, mesmo não tendo causado

lesão ao erário, ofendeu à lisura moral exigível da Administração.

Firme nas razões expostas, DOU PARCIAL PROVIMENTO Documento: 380884 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 16/06/2003 Página 42 de 46

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ao recurso especial, consoante proposto pelo em. Ministro Luiz Fux, situando

os atos praticados pelos ora recorrentes como aqueles previstos no art. 11 da

Lei n. 8429/92 e, em conseqüência, a emprestar nova qualificação jurídica aos

fatos.

Entrementes, quanto às penas, divirjo do il. Ministro-Relator,

entendendo pela aplicação seguinte: a uma, perda dos direitos políticos por três

anos; a duas, inabilitação para contratar com o Poder Público por três anos; a

três, pagamento de multa civil de 10 vezes o valor da remuneração percebida

pelos réus, à época, corrigida monetariamente. Tudo, frente à imperiosa

necessidade de que o STJ, alterando a qualificação jurídica dos fatos, aplique

por inteiro o direito à espécie.

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RECURSO ESPECIAL Nº 439.280 - RS (2002/0063492-4)

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Sr. Presidente, extrai-se do voto-vista do e.

Ministro Paulo Medina o seguinte, verbis:

"O il. Ministro-Relator excluiu a obrigação de ressarcimento do dano ao erário e seus consectários e manteve 'a suspensão dos direito políticos, assim como a inabilitação para contratar com o Poder Público, pelo prazo de 01 (um) ano, como forma de obtemperar a sanção'.(...) Ainda, no que tange à inabilitação para contratar com o Poder Público, fixada pelo Relator em um ano, a lei impõe uma pena de três anos, sendo certo que o magistrado não tem o poder discricionário de fixá-la aquém do mínimo legal."

Nesse particular, gostaria de esclarecer que a cominação atinente à suspensão

dos direitos políticos, assim como a inabilitação para contratar com o Poder Público de

apenas 01 (um) ano já havia sido ampliada para três anos, consoante a retificação de voto por

mim proferida e que ora se transcreve:

"Sr. Presidente, ante as razões veiculadas pelo Ministro Humberto Gomes de Barros na última sessão, concordei com S.Exa. em reduzir a pena de suspensão dos direitos políticos de (03) três para apenas 01 (um) ano. Todavia, à luz do art. 12, III da Lei 8.429/92, inserido no Capítulo III, que estabelece as penas previstas para o autor ímprobo, vislumbra-se que a pena mínima prevista é de 03 (três) anos, senão vejamos:

"Art- 12 - Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente , ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Isto posto, retifico o voto aplicando-se a sanção prevista no art. 12, III da Lei 8.429/92, excluindo-se o ressarcimento do dano ao erário e seus consectários e mantendo a suspensão dos direitos

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políticos, assim como a inabilitação para contratar com o Poder Público, pelo prazo mínimo de 03 (três) anos."

Todavia, no que pertine à aplicação da multa, hei por bem concordar com

S.Exa., Ministro Paulo Medina, porquanto na minha originária sugestão de voto, esta questão

restou omissa.

Ante o exposto, retifico o voto para imputar aos réus o pagamento de multa

civil de 10 vezes o valor da remuneração percebida à época da ocorrência da improbidade

pública.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0063492-4 RESP 439280 / RS

Números Origem: 70000477471 946

PAUTA: 18/02/2003 JULGADO: 01/04/2003

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. MARIA CAETANA CINTRA SANTOS

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : JOÃO ROBERTO PIAIA E OUTROADVOGADO : OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA E OUTROSRECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Medina, a Turma, por maioria, vencido o Sr. Ministro José Delgado, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Francisco Falcão e Paulo Medina (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 01 de abril de 2003

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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