Roteiro de Leitura 1 - Versão Final

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Pensamento de Hegel sobre Estado.

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existncia de uma autonomia relativa no interior desses setores

HZ345/B Poltica III: Teorias do Estado.

Prof. Andria Galvo.

Roteiro de Leitura 1.Silvana Romani RA 104076

Meire Cristiane Bortolato Fregonesi - RA 085694

Discorrer sobre o conceito de Estado na teoria marxista um exerccio que permite uma boa experincia do se consagrou denominar materialismo dialtico. Isso porque, partindo de textos escritos por Karl Marx, analistas e seguidores de sua obra sustentam diferentes leituras acerca desse aspecto. Tais leituras se chocam e contrapem-se de modo tal que proporciona ao leitor uma pequena degustao do banquete de ideias que se oferece a partir dessa nova concepo filosfica do mundo fundamentada por Marx e Friedrich Engels.

Vale lembrar que a questo do papel do Estado em Marx e em Hegel, com quem aquele dialogou em fortes oposies, j em si um contraposto: enquanto para este o Estado uma entidade racional, uma classe imparcial, para aquele o Estado uma edificao de uma classe sobre outras, responsvel por perpetuar as diferenas sociais, um Estado Burgus que deve ser temporariamente substitudo por um Estado Operrio e, por fim, deve ser extinto. Alis, pertinente dizer que as anlises feitas por Marx a respeito do universo capitalista que se concretizava, buscam desvelar as contradies inerentes a esse sistema e, essas leituras s avessas do que at ento se fazia, pode tambm ser realizada dentro de sua prpria obra. No so raras as vises divergentes entre os crticos marxistas acerca de diferentes pontos de sua extensa obra. O papel do Estado um desses pontos.

Apesar de ser visto como um texto panfletrio, o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, publicado em 1847, j apresenta teses que podem conduzir a diferentes anlises sobre o Estado. Uma das mais destacadas encontra seu pilar em uma clebre definio de Estado dada por Marx: o governo do estado moderno no seno um comit para gerir os negcios comuns de toda a classe burguesa (1999, p.10-11). Nesse perodo, encerra-se a ideia de que o Estado nada mais do que o local onde a burguesia, detentora do controle econmico, organiza-se tambm politicamente. Esse conceito o grmen do que ser desenvolvido posteriormente por Marx em A ideologia Alem e na Contribuio crtica da economia poltica quando afirmar que a sociedade tem sua base em uma estrutura econmica sob a qual se ergue uma superestrutura jurdico-poltico-ideolgica. Sendo assim, as ideias que nela surgem esto relacionadas com a estrutura na qual est erigida. Se essa estrutura que determina as ideias, o Estado nada mais do que reflexo da estrutura econmica. Pode-se, portanto, afirmar que h nessa leitura um determinismo econmico e o Estado no possui qualquer autonomia. Entretanto, em outra clebre afirmao presente no Manifesto, a histria de todas as sociedades que existiram at nossos dias tem sido a histria das lutas de classes (1999, p.8) pode-se entrever que a influncia da economia na poltica no um caminho unilateral, mas que a direo oposta tambm transitvel, visto que uma luta de classes uma luta poltica. Por esse trilho, a poltica acaba manifestando uma fora de ao e no apenas de reao aos modos de produo.

Exemplo concreto e recente sobre vises antagnicas acerca do Estado dentro da prpria crtica marxista pode ser encontrado na clssica discusso, iniciada em 1969, entre o filsofo e socilogo grego Nico Poulantzas e o socilogo ingls Ralph Miliband.

Poulantzas, ao publicar Poder poltico e classes sociais, prope uma teoria poltica a partir da obra de Marx. Tal teoria traz como base dois pontos altos: a conceituao da estrutura jurdico-poltica capitalista e a caracterizao da relao entre o Estado capitalista e as classes dominantes. Destacam-se quatro aspectos em relao estrutura jurdico-poltica: o direito capitalista (o qual assegura a todo sujeito a liberdade de participar ou no como agente nos processos de produo), o burocratismo (prticas funcionais que regulam as prticas econmicas e as relaes sociais), o efeito de isolamento e o efeito de representao da unidade. A partir desses conceitos, Poulantzas relativiza a oposio entre o domnio da economia e da poltica, defendendo a existncia de uma autonomia relativa no interior desses setores. Pode-se afirmar, ento, que Poulantzas focaliza sua anlise no papel do Estado, distanciando-se das anlises marxistas clssicas, voltadas primordialmente para o aspecto econmico.

A autonomia relativa do econmico, segundo Poulantzas, pode ser observada no fato de o Estado no interferir no processo de produo capitalista (no h, por exemplo, a necessidade de uma coero militar estatal para que esta funcione) nem tampouco na reproduo ampliada das relaes de produo. Dcio Saez, ao discutir a questo do Estado na viso poulantziana, adverte, entretanto, sobre a necessidade de se lembrar que, no processo de criao do quadro ideolgico e poltico do aparelho estatal capitalista, ocorreu, sim, a interveno do Estado. Afinal, na primeira fase do processo de transio para o capitalismo, o aparelho estatal impediu que proprietrios dos meios de produo mantivessem trabalhadores sob sua dominao. Para Saez, inclusive, a definio de Poulantzas acerca da autonomia relativa do plano poltico em relao ao econmico faz mais sentido se for vista em relao especificamente ao aparelho do Estado frente s classes dominantes e no em relao ao Estado em si.

Segundo Poulantzas, essa autonomia relativa do aparelho do Estado frente s classes dominantes ocorre uma vez que ele quem organiza as disputas existentes entre os diferentes nveis da burguesia (financeira, agrria, industrial, etc). Tal autonomia manifesta-se pela burocracia estatal que produz um efeito de isolamento, impedindo que o Estado sempre atue em defesa direta dos interesses econmicos das classes dominantes. Por vezes, o Estado contraria esses interesses imediatos com o intuito de, a longo prazo, perpetuar os privilgios dessas classes. Ao atender os interesses econmicos das classes dominadas, o Estado garante os interesses polticos das classes dominantes. Para nomear esse tipo de autonomia, Poulantzas recorre clssica expresso marxiana, o bonapartismo. Para ele, essa prtica do Estado exercer sua autonomia em relao aos interesses dos dominantes corriqueira.

Enfim, possvel dizer que, para Poulantzas, a estrutura jurdico-poltica do aparelho estatal que garante a reproduo do sistema capitalista e comanda esse processo.

A esse conceito de autonomia relativa do Estado contrape-se Ralph Miliband. Em primeiro lugar, o socilogo ingls, representante da corrente empirista, acusa Poulantzas de abstracionismo. Em segundo lugar, acusa-o de interpretar equivocadamente os textos clssicos. Para Miliband, ainda que os que exeram o poder poltico nem sempre atuem em defesa daqueles que lideram o poder econmico, defende a tese de que o Estado est intimamente relacionado com o poder de classe.

Alm disso, critica o fato de que Poulantzas, ao estender o conceito de autonomia relativa a qualquer tipo de Estado, iguala Estados capitalistas, sem considerar que h diferenas marcantes entre uma ditadura e uma democracia burguesas, por exemplo. Para ele, essa autonomia proposta por Poulantzas s poderia existir em um Estado fascista.

Miliband adepto do fato de que a teoria marxista j est pronta e, portanto, tem a inteno apenas de comprovar empiricamente essas teses. Para ele, as teses marxistas no definem o Estado to somente como um executor das vontades imediatas das classes dominantes. Miliband defende a ideia de que o Estado possui um conjunto de instituies (aparelho coercitivo e jurdico, elementos administrativos e governo) que interagem entre si como o intuito de manter o poder das classes dominantes. Sendo assim, o poder do Estado constitui-se em um meio fundamental, ainda que no exclusivo, atravs do qual o poder de classe assegurado e mantido.

Miliband e Poulantzas representam duas tradies dentro do marxismo e os pares dicotmicos em que se assentam (economicismo versus politicismo, viso empirista versus teoricista, sujeito versus estrutura) constituem diferentes caminhos para as anlises marxistas. Pode-se afirmar, por fim, que esses e outros debates a respeito do papel do Estado na teoria marxista vm ajudando a preencher as lacunas deixadas por Marx em relao a esse aspecto to caro dentro das cincias polticas.

______________________________________________________________________BIBLIOGRAFIAMILIBAND, Ralph. Poulantzas e o Estado capitalista. Crtica Marxista n.27, 2008, p.93-104

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Editora Vozes, 1999.

POULANTZAS, Nicos. O problema do Estado capitalista. In: Blackburn, Robin. Ideologia na Cincia Social. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 219-33.

SAES, Dcio. A questo da autonomia relativa do Estado em Poulantzas. Crtica Marxista. n. 7, 1998.