ROMANCE

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CICATRIZES DO PASSADO - SRP CICATRIZES DO PASSADO-- SRP Santino é um homem marcado por uma tragédia. Seu rosto é deformado por uma cicatriz, tem queimaduras na pele e é manco de uma perna. Mas sua grande amargura foi ter se afastado da noiva Marina, que perde a memória no mesmo acidente que o deformou. Santino acaba se sentindo uma aberração da natureza e quando vê que sua noiva o esqueceu a coloca nas mãos do irmão Augusto. 1

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CICATRIZES DO PASSADO - SRP

CICATRIZES DO PASSADO-- SRP

Santino é um homem marcado por uma tragédia. Seu rosto é deformado por uma cicatriz, tem queimaduras na

pele e é manco de uma perna.

Mas sua grande amargura foi ter se afastado da noiva Marina, que perde a memória no mesmo acidente que o

deformou.

Santino acaba se sentindo uma aberração da natureza e quando vê que sua noiva o esqueceu a coloca nas mãos do

irmão Augusto.

Augusto e Marina se casam. Santino se afasta para muito longe não suportando ver o irmão e sua noiva juntos. Mas

o destino os força um reencontro.

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CAPITULO I

Santino Berluccine chocou-se ao ver seu irmão Augusto tão debilitado. Sua tia Lola o havia informado do estado dele. Mas entre ouvir e ver, a diferença era muito grande. Ele estava deitado na cama com um grande corte no peito, devido a uma cirurgia do coração.

Santino sentiu-se mal ao vê-lo. Seu aspecto também não era bom, estava muito magro e pálido. Uma enfermeira o acompanhava dia e noite.

Santino trabalhava como engenheiro há três longos anos na África. Ele havia assumido esse trabalho logo depois de ter se recuperado de seu acidente. Já estava definido nunca mais voltar para sua terra natal. Até que recebeu o telefonema de sua tia Lola que o avisou do estado de saúde de seu irmão, e no dia seguinte voou para a Itália para vê-lo e estar com ele.

Seus olhos se escureceram ao lembrar-se do dia do seu acidente.

O terrível dia, que havia mudado toda a sua vida.

Anos atrás estivera terrivelmente apaixonado por Marina, e o desejo que ela despertara nele culminou

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numa inesquecível noite com jantar a luz de velas onde ele a pediu em casamento. Esse ato lhe parecera uma consequência tão natural como respirar era natural ao ser vivo.

Esse jantar para Santino era um dia especial e ele havia combinado com o dono do restaurante de fechar o local. O dono concordou mediante a uma grande soma em dinheiro, mas Santino não se importou.

O local fora esvaziado, o champanhe e o cardápio fora estabelecido por ele a mesa posta e arrumada com um pequeno candelabro. Tudo deveria estar perfeito para recebê-la.

A noite fora perfeita, ela significaria para ele algo mais que um simples desejo de homem por um corpo de mulher e ao mesmo tempo ele tinha consciência do poder de atração que ela lhe despertava.

Nessa noite enquanto dançavam ao som da musica (someone like you) ele havia se declarado para ela e demonstrando todo o seu amor.

Pediu-a em casamento, oferecendo-lhe um anel de brilhantes. Lembrava-se da emoção dela, demonstrada pelas lágrimas dos olhos e o brilho de seu olhar. Os dois saíram do restaurante de mãos dadas felizes e envoltos numa nuvem de promessas de um amanhã onde estariam para sempre juntos.

Mas os acontecimentos que se sucederam selaram seu destino e fizeram-no distanciar se dela.

Ele a levava para casa na sua Mercedes. Então sua vida lhe escapou numa descida vertiginosa em

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direção a um abismo negro e tenebroso, pois no caminho da casa dela um caminhão perdeu o freio e bateu na traseira de seu carro, o arrastando á vários metros e fazendo-o se chocar com outro carro que estava estacionado.

A ajuda logo chegou, onde os tirou do carro com vida. Ele levou um corte profundo no rosto que o havia deixado com uma grande cicatriz. Ele também sofreu queimaduras graves no pescoço, no peito e braços tudo isso porque o carro havia pegado fogo e como sua perna estava presa nas ferragens, ele foi o último a ser retirado.

Os dois ficaram internados no hospital, ele se viu aleijado de uma perna e soube que seu rosto nunca mais seria o mesmo. As queimaduras foram terríveis para cicatrizar, passou por muita dor e desespero.

Ficou muito tempo sedado, mas toda vez que recuperava a consciência perguntava sobre o estado de Marina. Ficara sabendo por seu irmão que Marina havia quebrado um braço e uma perna e estava com amnésia.

Ao saber que ela não se lembrava de nada foi a pior coisa que lhe aconteceu. Ele a amava com todas as forças de seu coração, isso lhe trouxe uma grande angustia e uma depressão muito grande.

Marina morava sozinha. O apartamento era alugado. Ela trabalhava de secretária em uma grande financeira. Marina não tinha ninguém para ficar e cuidar dela. Ela não tinha família e a única irmã que tinha, havia morrido afogada.

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Santino então viu sua dura realidade: Ele era agora um aleijado, sua face estava marcada com uma grande cicatriz, seu corpo estava todo enrugado pelas queimaduras.

Sua mente trabalhava e pensamentos conturbados que o fizeram enxergar a realidade.

Como se aproximaria dela daquele jeito? Como dizer a ela que estavam noivos e que iam se casar no próximo mês? Como ele poderia cuidar dela se ele não podia nem cuidar de si mesmo? Como se apresentaria para ela, se tudo que viveram estava apagado pela amnésia?

Então encarou a realidade.

Nunca mais poderia vê-la, precisava abrir mão do amor de sua vida.

Pediu para seu irmão Augusto cuidar dela e contou lhe de sua decisão, nunca mais a veria. Ele não a sujeitaria a viver com ele. Ele havia se tornado uma aberração.

Santino sabia que Marina tinha despertado interesse em Augusto, ele a visitava no hospital desde o acidente.

Logo que saiu do hospital foi para sua casa. Tia Lola cuidou dele até ele se recuperar. Isso levou seis longos meses.

Marina quando saiu do hospital se hospedara na casa de seu irmão Em todos esses meses ele sempre ligava para Augusto e se informava do estado de saúde de Marina. Soube através de Augusto que ela ainda não havia recuperado a memória. Isso foi

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minando a suas esperanças, fazendo com que ele a cada dia se convencesse que ele a havia perdido.

Com sete meses de acidente Augusto lhe declarou que a amava. O coração dele quase havia parado naquela hora e viu-se dizendo para seu irmão que jamais voltaria para ela e esperava que eles fossem muito felizes.

Com oito meses, Augusto casou-se com Marina. O golpe fora grande, ele não conseguiu ir ao casamento, desculpou-se com seu irmão que o entendeu.

Afundado na sua infelicidade, ele caiu em depressão profunda, não comia e nem dormia. Atormentado pelas lembranças dela e do ciúme em saber que seu próprio irmão, a conhecia intimamente como ele a conhecia.

Todas as noites ele chorava pelos seus sonhos frustrados e acabados com o acidente. O que mais o corroia é que tinha perdido o amor de Marina... então voltava a realidade, incapaz de suportar a própria fantasia que não poderia mais sofrer por ela já que ela nunca seria dele.

Tudo fora terrível para ele, logo que se recuperou passou a procurar um emprego o mais longe possível de todos e de tudo. Com alguns meses de procura encontrou um emprego que o levou para a Àfrica onde supervisionava a construção de uma ponte.

Fechou os olhos num súbito espasmo de angustia. Agora estava tudo acabado.

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Santino vendo seu irmão na cama se perguntava.

O que havia levado Marina a se separar dele?

Quando Santino soubera do estado do irmão ficou surpreso quando sua tia lhe contou que Marina o havia deixado. Segundo ela esse foi um dos grandes motivos do enfarte de Augusto.

Santino afastou então as lembranças e se concentrou no irmão, aproximando-se da cama dele lhe deu um leve toque na mão, seu irmão abriu os olhos e ao vê-lo lhe dirigiu um olhar infeliz. Isso lhe doeu o coração, fazendo-o sentir um nó na garganta e angustia de não saber onde Marina estava.

Capítulo II

Marina estacionou o carro em frente à casa, suspirou e olhou o Chalé que seria seu pelos próximos dias. Passou a mão na testa e limpou o suor. Aquela região era sempre muito quente. Havia saído de Florência há poucas horas e, apesar de aquele ser um dos últimos dias de Janeiro, havia um

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sol forte na capital, o que tomava a temperatura quente. Mas, assim que tomou a estrada que a levaria para Livorno, percebeu que o céu estava mais cinzento e nebuloso. E, ao chegar em Vale di Antignano, o dia estava tão escuro que parecia que a noite não demoraria a cair.

Não via a hora de entrar na casa e sair daquele calor sufocante...

Marina tinha decidido viajar de repente, para ver-se livre de um casamento doloroso e esquecer tudo o que lhe havia acontecido nos últimos meses.

Saiu e deixou um bilhete na sua casa em Valença, explicando que ia se ausentar e procurar um lugar calmo, onde pudesse ficar sozinha para pensar em tudo o que havia acontecido. Pediu ao marido um tempo que ele a deixassem em paz e evitassem procurá-la, pois queria um tempo para pôr as ideias no lugar. Talvez tivesse sido uma atitude meio dramática, mas, depois de tudo o que acontecera na última semana, achava que tinha todo o direito de querer se isolar e resolver o que fazer de sua vida. Mas a verdade é que não tinha mais vontade de voltar para ele.

Aquele chalé já estava alugado pelo tempo de três meses, ela já o pagou adiantado.

Abriu o portãozinho de madeira e entrou. O caminho até a porta de entrada era de pedras lavradas. Pegou a chave na bolsa e abriu a porta. Deu um suspiro alto e se dirigiu ao carro para pegar as malas.

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Com duas malas pesadas entrou na casa. Fechou a porta atrás de si, encostando-se a ela fechou os olhos. Sentia-se livre, mas ao mesmo tempo sentia se presa por sensações deprimentes, não era fácil deixar tudo para trás como uma fugitiva.

A casa estava silenciosa; tudo o que se ouvia era o barulho do vento soprando contra o telhado e as janelas. Havia cheiro de mofo, como era de se esperar numa casa fechada há tanto tempo.

Marina abriu os olhos; olhou ao seu redor. A sala era composta por móveis rústicos, dois sofás e uma estante com uma televisão.

Apertou as mãos com força, num gesto de nervosismo. Olhou a aliança de casamento com raiva e a tirou do dedo, se dirigiu ao quarto onde a guardou no fundo de uma gaveta da cômoda.

Lágrimas brilharam em seus olhos. Balançou a cabeça e afugentou as lembranças depressivas.

Foi até a pequena cozinha que ficava ao lado da sala, e olhou os armários, estavam sujos de pó, precisavam de uma boa faxina. Teria que guardar as malas e imediatamente comprar mantimentos. Sentia-se muito cansada, e o fato de precisar sair lhe dava desânimo. Atravessou o corredor estreito puxando as malas pesadas e as deixou no quarto onde havia uma cama de casal, um guarda roupa grande e uma cômoda com um espelho. Observou os detalhes, viu a cortina branca, a colcha amarela com detalhes em branco, o guarda roupa era branco. Olhando o chão viu que ia ter muito trabalho, ele estava com uma camada grossa de pó.

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Resolveu agir. A primeira coisa era comprar alimento.

Meia hora depois ela entrava com uma sacola pesada de mantimentos. Colocou-as na mesa e começou a fazer a faxina dos armários, quando limpos, guardou todas as compras. Abriu a geladeira e viu que ela estava desligada, ligou-a e colocou os congelados, garrafas e os frios.

Foi até o quarto abriu as malas e guardou todos os seus pertences usando cabides e gavetas. Passou um pano na casa. Quando acabou estava suada. Pegou uma calça jeans e uma blusa branca e se dirigiu ao banheiro.

Desanimou-se ao ver a banheira, estava um nojo, desistiu de tomar banho e voltou com um balde de água e desinfetante e limpou a banheira.

Entrou na banheira e fechou os olhos. A imagem de Augusto surgiu novamente em sua frente, estremeceu ao lembrar-se das brigas que começavam quando ele estava bêbado.

Não, nunca mais voltaria para ele!

O chalé onde estava era provisório. Tinha medo de ficar lá muito tempo e correr o risco dele achá-la. Seu marido era muito influente e ela não podia correr esse risco. Tinha inclusive, vendido seu carro e comprado outro mais velho para despistá-lo. Sua fuga foi toda maquinada. Passou um mês inteiro planejando.

Marina também havia passado muito tempo guardando dinheiro, aos poucos foi se desfazendo de

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suas joias sem que Augusto percebesse. Somando-se todas as suas economias ela podia se manter durante um ano, sem se preocupar em arrumar um emprego.

Olhou sua barriguinha, onde seu bebê crescia. Estava com dois meses de gravidez e escondeu isso de Augusto e de todos.

Tinha esperanças que o marido a esquecesse, mas sabia que isso era quase impossível, a religiosidade dele o impedia de aceitar a separação. Que hipocrisia! Ele sim podia trata-la como um lixo. Eles Já estavam casados há um ano e seis meses e foram os piores dias de sua vida.

Lembrou-se da sua perda de identidade, devido a um grave acidente, que resultou numa amnésia. Não sabia nada de si mesma, só sabia o que Augusto havia lhe contado. Ela não tinha família, trabalhava de secretária para Augusto e quando ocorreu o acidente já namoravam há seis meses e estava noiva dele.

A imagem dela acordando no hospital sem poder se lembrar de nada era aterrorizante. Quando Augusto apareceu não houve reconhecimento algum da parte dela. E isso a frustrou muito. Ele era um homem lindo. Tinha olhos verdes, cabelos castanhos e um sorriso lindo. Ele se mostrou compreensivo, carinhoso e prestativo.

Logo que ela saiu do hospital ele a levou para a sua casa e cuidou dela. Ela foi assistida o tempo todo por uma enfermeira, pois havia quebrado uma perna

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e um braço. Augusto sempre aparecia para conversar com ela. Marina acabou por esperá-lo todas as noites, ansiando por sua atenção, ele lhe era a sua tábua de salvação num mundo vazio. Augusto era o único elo com sua vida passada.

Descobriu então que Augusto era um advogado de prestígio. Seus pais eram mortos e ele tinha um meio-irmão por parte de pai, que era cinco anos mais velhos que ele, então Santino tinha trinta e cinco anos.

Santino, segundo comentários, não era bonito de se ver, tinha uma cicatriz enorme, metade do corpo era coberto por queimaduras e era manco de uma perna, tudo isso por causa de um acidente de carro. Segundo Augusto ele era engenheiro e já estava na África há dois anos trabalhando na construção de uma ponte.

Saiu da banheira e se dirigiu a cozinha encheu uma chaleira com água e colocou-a no fogo. Pegou o pacote de café que havia comprado e coloco-o um pote, tudo o que queria agora era uma xícara de café bem forte.

Pegou o café e voltou para a sala de estar. Lá fora se podiam ouvir os trovões. Ainda bem que havia chegado antes da chuva. Deu um suspiro e a imagem de Augusto gritando com ela passou diante de seus olhos. Com um aperto no coração, viu a marca da aliança.

Como fora ingênua quando se casou. Ele era tão prestativo, apaixonado e deixou-se iludir que ele seria o homem perfeito. Com o tempo descobriu o

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lado obscuro dele, e constatou um fato: Ele era alcoólatra.

Marina muitas vezes flagrou o marido bebendo, como se quisesse exorcizar seus demônios. Marina percebia que ele se preocupava com alguma coisa, ele vivia pensativo pelos cantos da casa. Marina várias vezes tentou fazer o marido se abrir com ela, mas ele sempre mudava de assunto.

Com seis meses mais ou menos de casados, ele começou a chegar tarde em casa e cada vez mais bêbado e foi ficando mais e mais violento.

Lembrou-se das intermináveis brigas deles. Ele sempre queria dar a ultima palavra se mostrando extremamente machista. Ele não se conformava com o fato dela negar-se a satisfazê-lo na cama quando ele se encontrava bêbado e passou a ter acesso de ciúmes e acusá-la de procurar sexo fora do casamento.

Passou os dedos sobre uma cicatriz que tinha em seu braço, onde na hora da raiva ele havia lançado um copo em cima dela. Ele quando viu a grande quantidade de sangue que saía do braço dela se arrependeu e a levou ao hospital, onde ela tinha recebido vários pontos. Depois disso Augusto mudou com ela, tratava-a com carinho e o tempo todo dizia que a amava, mas Marina percebia que algo o perturbava.

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Marina até então aguentou tudo calada, mas quando descobriu que estava grávida percebeu que teria que tomar uma atitude, não poderia sujeitar o seu filho a viver num ambiente de incertezas, pois Augusto voltou a beber.

Marina queria ter amado o marido, mas nunca conseguiu. Nunca entendeu por quê.

Foi para o quarto e tirou uma camisola da mala, jogou-a sobre a cama, olhou sua silueta lateral no espelho, ainda não tinha os sinais da gravidez. Lembrou-se de como havia passado mal no começo da gravidez, mas nem isso podia transparecer com medo de que ele descobrisse que ela estava grávida.

Deitou-se na cama depois de muito tempo dormiu envolta em pensamentos confusos que desembocaram em sonhos estranhos e perturbadores.

Viu-se na sala de sua casa. Augusto bebia, virou o copo num gole só e aproximou-se dela com um olhar cheio de desejo.

— Não! — Gritou com lágrimas nos olhos.

O coração quase lhe saía pela boca e então se lembrou de que estava no chalé e suspirou de alívio. Quase todas as noites tinha o mesmo pesadelo.

Vestiu-se e foi até a sala de estar. Dirigiu-se a um pequeno corredor lateral e abriu a porta dos fundos.

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E visualizou o mar, o sol incidia sobre ele com toda força e refletia a água azul esverdeada. Olhou seu relógio de pulso e viu que já eram dez horas da manhã, se espantou, nunca havia dormido tanto.

Com uma sensação de felicidade fez um café forte e comeu um pão de forma com presunto e queijo. Foi até o quarto e colocou o seu biquine. Com prazer se dirigiu a praia. Quando a água tocou-lhe os pés lhe deu um prazer imenso de liberdade. Foi com passos lentos se aproximando do fundo e mergulhou. A água estava um pouco gelada para o seu gosto e logo saiu. Sentou-se na sombra de uma árvore enorme entortada pelo vento marinho.

Então pensamentos angustiantes invadiram sua mente.

Se ao menos eu me lembrasse do meu passado.

Como é terrível não ter raízes, com ninguém e com nada! Se saísse do chalé para onde iria? Quem lhe daria emprego sabendo que estava grávida?

Lágrimas insistiam em cair abundantemente de seus olhos. Marina balançou a cabeça para fugir desses pensamentos e se levantou, entrou no chalé e se dirigiu ao banheiro e tomou uma ducha forte. Lavou os cabelos e colocou um vestido leve. Não tinha fome nenhuma e fez então uma salada e comeu um pêssego. Um leve torpor a invadiu e foi até sua cama e deitou-se, fechou os olhos e cochilou.

CAPÍTULO III15

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Dois meses haviam se passado, a rotina de Marina consistia em cuidar da casa, preparar as refeições e frequentar a praia. Já começava a pensar em sair da cidade. Se possível do país. Não podia ficar muito lá. Tinha medo de ser encontrada. Sentia que estava abusando da sorte, mais cedo ou mais tarde ele a encontraria.

Sua barriga agora estava bem saliente por causa da gestação de quatro meses. Toda vez que saía para comprar mantimento, ela se disfarçava. Usava óculos escuros e escondia o cabelo num coque alto dentro de um boné.

Olhou-se no espelho, estava bem corada, passou os olhos pelos cabelos pretos grossos que iam até abaixo do ombro, pelos olhos de um azul límpido e pelo nariz ligeiramente arrebitado, seu rosto estava ligeiramente oval, meio inchado por causa da gravidez.

Suspirou. Precisava planejar sua vida!

O sol das nove horas estava forte, Marina tinha acordado com a pressão baixa, por isso hoje havia mudado a rotina não indo até a praia. O calor era tanto que seu vestido colava-se ao corpo. Resolveu ficar relaxando na banheira a encheu com água bem morna. Tirou o vestido colocou sais perfumados e bateu a água, adorava as espumas que se formavam. Entrou e fechou os olhos, sentiu uma sensação relaxante da água morna no seu corpo acalorado.

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Santino estacionou atrás de um carro em frente ao chalé. Saiu do carro e agarrou a bengala com força num gesto nervoso. Seu coração estava disparado. Sentia-se mal em pensar em ver Marina novamente e não ter dela nenhum reconhecimento e o pior, a sua aparência tinha mudado muito, marcado com aquela grande cicatriz, aleijado, seu pescoço, peito, um pouco da barriga e parte dos braços enrugados por queimaduras.

Santino se aproximou da porta da casa, sabia que estava pálido tal a expectativa de vê-la, se sentindo péssimo, inseguro e monstruoso. Além da incerteza em querer saber o que havia por trás do afastamento dela.

O que a havia levado a separar-se de Augusto? Essa questão martelava em sua cabeça.

Marina estava na sala quando ouviu o som de uma batida na porta. Apreensiva abriu a porta, reprimiu um grito ao vê-lo.

Um homem estava parado a olhando como olhos frios, ele era muito alto, tinha ombros largos, cabelos negros revoltos e olhos negros intensos. Passou seus olhos aterrorizados pela cicatriz no seu rosto que cortava toda a face direita, dos olhos até a boca. Passou-lhe um frio na espinha.

Santino observou Marina por um tempo correu os olhos pelo seu rosto e desceu para o seu corpo que estava vestido com um vestido florido largo.

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Ele colocou uma das mãos no bolso da calça e a outra mão ele segurava a bengala com força.

Marina percebeu um leve tremor nas mãos dele ela o encarou e o achou bem pálido.

— Meu nome é Santino, sou irmão de Augusto. Precisamos conversar.

Marina sentiu a boca secar de repente. Desviou o olhar para que não se detivesse por muito tempo naquele rosto marcante traçado por aquela grande cicatriz, nem nos longos cílios escuros e perturbadores, que emolduravam os olhos negros. Marina se afastou da porta.

A descrição que Augusto lhe fizera de seu irmão batia com o homem que entrava na sala.

Ela o viu entrar segurando uma bengala e arrastando uma perna, a figura dele era imponente, a sala havia ficado pequena com a presença dele.

Ele sentou-se no sofá por um momento o viu fechar os olhos, como se tivesse se acalmando ou pondo os pensamentos em ordem. Nessa hora ela pode reparar melhor nele. Ele era imenso, ombros largos, as pernas musculosas moldavam a calça marrom, viu a camisa branca aberta no peito e notou seu pescoço, onde brilhava um medalhão. Percebeu que partes da pele do peito e do pescoço eram enrugadas, devido a queimaduras de primeiro grau na pele.

Então ele a surpreendeu falando ainda de olhos fechados.

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— Acabou sua inspeção?

Marina arregalou os olhos surpresa e ele abriu os olhos e a olhou friamente. Ela desviou o olhar e sentou-se ao lado dele no sofá, o mais longe possível.

— Augusto está muito enfermo. Ele quer vê-la. Vim para levá-la de volta para ele.

Santino a observava com o coração aos pulos, ela não havia mudado quase nada, a vontade que ele tinha era de tê-la em seus braços e nunca mais soltá-la. Ele a amava. Como lhe era difícil reprimir esse amor. Precisava tomar cuidado com seus sentimentos e não se deixar envolver, ela era a mulher de seu irmão.

Marina se se encostou ao sofá. O rosto estava branco, arregalou os olhos azuis imensos, e o coração martelava pesadamente. Fechou os olhos e sentiu uma vertigem, começou a suar frio.

Voltar? Não, não podia viver tudo aquilo de novo!

Quando ela abriu os olhos viu Santino a fitando pensativamente. Marina baixou os olhos. E se surpreendeu ao ouvi-lo dizer.

— Ele passou mal quando você o deixou. Se você não tivesse fugido, isso não teria acontecido... — Ela levantou os olhos fitou seus olhos frios.

— Por que você diz isso? — Ela exclamou lívida e com dificuldade de falar.

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O que levou Marina a fugir? Essa dúvida o incomodava, tinha medo da resposta dela. Será que ela havia se apaixonado por alguém, observou seu dedo sem a aliança.

Santino a observou com intensidade. Ela olhava-o emocionada.

Era tudo fingimento? Pensou Santino e ele lhe disse.

— Depois que ele leu a sua carta passou mal e foi levado ás pressas ao hospital, ele estava com a pressão alta, os exames apontaram um enfarto. Ele fez uma grande cirurgia no peito. —Marisa me ligou e eu voltei logo que pude. Quando cheguei a Valença ele já estava se recuperando em casa. — A primeira coisa que ele me pediu quando me viu é que te encontrasse.

O ciúme corroia seu coração. Ela teria fugido com alguém. Ela dividia o chalé com um amante?

Ele fitou com ódio e disse-lhe.

—Por que você o deixou? Por acaso você tem algum amante?

Ele a olhava esperando explicações, mas no fundo tinha medo da resposta.

Os olhos dela chisparam de raiva.

— Você me julga, mas você não sabe de nada. Você nem me conhece. O que você sabe de minha vida? Você esteve fora o tempo todo eu só o conheço pelo

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que Augusto me falava de você. Quem é você para me dizer uma coisa dessas?

O sangue de Santino corria como larva líquida. Tudo ao mesmo tempo o deixava possesso: o ciúme, seu irmão doente, e o amor reprimido por ela.

Tudo isso o deixava quase louco.

Santino num pulo aproximou-se dela, ela escutou a bengala cair no chão.

Ele pegou seu pulso, seus dedos adormeceram diante da força de suas mãos quentes.

A cabeça girando, sentindo-se entorpecida, a mente conturbada. Marina descobriu que ele lhe atraía. Suas faces pegaram fogo ao sentir uma estranha excitação física por Santino. Os mistérios da libido masculina a deixaram desconcertada, em meio à ardente discussão.

—Você não respondeu a minha pergunta.

Marina se odiou por desejá-lo e odiou a si mesma, nunca havia sentido por alguém isso a ponto de confundi-la, como explicar o desejo por um homem que conheceu apenas alguns minutos, cheio de cicatrizes, autoritário, dominador?

Diante disso o olhou-o com desprezo.

— Se tenho, só diz respeito a mim e a Augusto. — Suas palavras fizeram com que ele empalidecesse.

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Santino a soltou de repente como se ela lhe queimasse a pele. Ela sentiu um aperto no coração por vê-lo abatido.

— Como você pôde deixá-lo? Ele te ajudou na hora que você mais precisava!

Marina ignorou-lhe as acusações e perguntou.

—Ele corre risco... de morte? — Com medo da resposta Marina se abateu.

Santino viu-lhe a palidez.

— Ainda não sabemos, ele fará novos exames.

Lágrimas brilharam nos olhos de Marina.

Ele a olhou por um tempo nervoso, ela o atraía tanto que sentiu que precisava se afastar, pois corria o risco de pegá-la em seus braços.

Santino se levantou, pegou a bengala e arrastando a perna foi até a janela e ficou de costas para ela.

Marina pálida retrucou.

— Eu não posso ir. Sinto muito.

Meu Deus, o que a fazia rejeitar seu irmão, que só a ajudou? O que leva uma mulher a agir desse jeito, será que ela não entendia que seu irmão precisava dela?

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Santino voltou-se para ela. A frieza do rosto dele foi substituída por uma raiva selvagem. Então sua voz se alterou.

— Você fez um juramento perante Deus, na saúde e na doença lembra-se?

Ela o ignorou e perguntou-lhe.

—Augusto te falou porque eu fui embora?

Santino a fitou com uma intensidade que a deixou deslocada, como se ele quisesse ler sua mente.

Ele pegou a bengala que havia apoiado na parede e caminhou até ela e sentou-se no sofá bem próximo.

Sua presença era dominadora, foi o suficiente para Marina sentir as pernas moles. Olhando-o assim tão de perto, era bem difícil de manter o olhar nele, pois seu olhar era diabólico.

Marina baixou os olhos. Ele a assustava. Tudo nele lhe dava medo, seu rosto marcante, seu físico, seu porte, ele a intimidava.

— Não, só me fez prometer encontrar você.

Marina olhava nervosamente as mãos que estavam depositadas no colo, então ela o fitou.

Santino apertou os lábios e disse-lhe.

— Não pense que é da minha vontade levá-la até ele. Meu irmão deveria esquecê-la, enquanto ele sofria por você, você estava aqui vivendo como uma mulher solteira. — Disse isso vendo a marca branca no dedo dela deixada pela ausência da aliança. —

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Mas para você não dizer que eu sou implacável e vou ouvir sua versão.

Marina levantou os olhos surpresa em saber que ele ia ouvi-la. Mas quando os lábios de Santino se curvaram num sorriso cruel. Ela viu que nada que ela pudesse falar o faria acreditar nas suas palavras. Então pensou no seu filho e resolveu tentar.

Marina baixou os olhos e falou-lhe emocionada.

—Seu irmão é um alcoólatra.

Alcoólatra? Santino pensou com dor.

Ele olhou Marina frágil ali na frente dele.

Será que seu irmão a maltratava? Ele tinha agido certo de deixá-la aos cuidados dele?

Um silêncio pairou entre eles. Marina podia ouvir a respiração alterada de Santino que se misturavam as batidas loucas do seu coração.

— Eu não consegui viver num lar onde meu marido tinha mais prazer num copo de bebida do que na minha companhia.

Marina levantou os olhos e viu que Santino havia empalidecido e a olhava com os olhos vidrados.

Santino falou mais para si mesmo.

— Meu irmão um alcoólatra?

Novamente houve um silêncio palpável entre os dois. Depois de um longo tempo ele lhe falou.

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— Alcoolismo tem cura. Você chegou a sugerir para ele se tratar?

Marina suspirou.

— Falei, expliquei a ele que era uma doença, mas todas às vezes ele se recusou. Ele dizia que bebia socialmente, mas ele bebia todas as noites.

Ela não conseguiu segurar as lágrimas que começaram a brotar de seus olhos.

Marina abalada pelas lembranças fechou os olhos. E lembrou-se de todas as vezes que ela tentou fazê-lo tomar uma atitude em relação à bebida. Ele podia pensar o que quisesse dela. Só ela sabia o que tinha passado e o que a tinha feito agir dessa maneira.

O coração dele começou a bater fracamente, a dor de saber que ela sofria com o irmão o machucava. Sua cabeça parecia que ia estourar de tanto sofrer.

Meu Deus, por que o destino os separou?

Quando ela abriu os olhos, por um momento viu conflito nos olhos de Santino, mas ele logo assumiu sua expressão fria.

Então Marina lhe perguntou.

— Como você me encontrou?

Ele se recostou pálido no sofá e apertou a cabeça com as mãos e com os olhos fechados falou-lhe.

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—Você deixou pistas. Encontrei um recibo da imobiliária no seu quarto e fui até lá e eles me passaram seu endereço.

Marina o viu muito pálido. Ela se levantou e aproximou-se dele.

— Você está bem?

Ele abriu os olhos e Marina o olhou com bastante detalhe seu rosto pálido, a cicatriz na face, ele a fitou com impaciência.

— Não, mais vou ficar. Amanhã eu te pego. Eu te levarei até Augusto.

— Você não entendeu? Eu não vou!

Meu Deus! Que insensibilidade a dela. Será que ela não entendia que seu irmão precisava dela?

Ela se afastou assustada com o olhar dele. Os lábios de Santino rasgaram-se num sorriso maldoso.

— Vai sim, nem que for carregada.

Ela o olhou com ódio.

— Você não tem o direito de se intrometer em minha vida e me obrigar a ir. Isso é uma decisão que só diz respeito a mim. É a minha vida.

As palavras dela explodiu em seu peito como balas mortais, cada palavra o massacrou, gerando uma raiva incontida.

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Santino aproximou-se dela num pulo e a pegou pelos braços e como garras a apertou.

— Como você pode ser tão insensível. Meu irmão está sofrendo do coração e pede para vê-la e você só consegue pensar em si mesma.

Meu Deus, nunca tinha se sentido tão mal na vida. Ele tinha medo de desmaiar ali mesmo.

Ele então pálido a soltou e encostou-se ao sofá respirava com dificuldade. Marina sabia que estava pálida também, mas não deixou de se preocupar com Santino, que parecia que a qualquer momento ele ia desfalecer.

— Santino você não esta bem. Eu posso fazer alguma coisa por você?

Ele abriu os olhos com dificuldade e disse-lhe.

— Tome minhas chaves e vai até o meu carro e no porta luvas pegue-me um tubo de comprimidos. E me de um.

Ela pegou as chaves que ele estendia com mãos trêmulas e correu para fora, viu uma Ferrari amarela estacionada atrás do carro dela.

Num instante seguinte já estendia para ele o copo de água e o comprimido onde ele pegou com a mão trêmula e tomou com urgência.

Marina ficou a observá-lo por um momento, passou os olhos pela cicatriz profunda em seu rosto, realmente não ele não era nada bonito, mas ele tinha uma masculinidade que a atraía.

Santino então lhe falou ainda de olhos fechados.27

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— Eu sofro de enxaquecas.

Ela aproximou-se dele e tocou-lhe os ombros. Ele lhe abriu os olhos com dificuldade.

— Santino deite-se. Descanse um pouco e depois quando você estiver melhor nos conversamos.

Ele sem protestar se deitou. Ela lhe tirou os sapatos e colocou um travesseiro na cabeça dele. O chalé estava quente ainda. Seu vestido já estava colando em seu corpo. Foi até a cozinha e tratou do almoço. Fez um molho vermelho e macarrão com mussarela de búfala.

Quando estava tudo pronto voltou para sala, Santino ainda dormia. Ela observou-lhe a expressão serena pelo sono.

Assim dormindo, ele até que era bonito.

Ela entrou no quarto e pegou um vestido mais leve, se ficasse com aquele vestido grosso ia sofrer de desidratação, o vestido que pegou era pouca coisa folgado, por isso ela ia ter que tomar cuidado, para ele não ver sua barriga. Era só evitar a visão lateral de sua silueta. O vestido era amarelo e branco, que lhe caía super bem contrastando os cabelos negros e seus olhos azuis.

Voltou até a sala e viu Santino sentado colocando os sapatos. Ele quando a ouviu levantou a cabeça e mediu a dos pés a cabeça, Marina ficou nervosa e o olhou com seriedade.

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— Eu resolvi dormir aqui hoje. Pensei bem e cheguei à conclusão que você poderia fugir caso eu fosse para um hotel.

Marina levantou as sobrancelhas surpresa. Disse-lhe rápido.

— Só tem um quarto.

— Eu durmo no sofá.

Santino aspirou o ar e disse-lhe.

— O cheiro da comida está bom.

Ela o ignorou.

— Santino, meu casamento não tem mais jeito, por favor, reconsidere. Augusto precisa aprender a perder. Eu não o amo mais.

As palavras dela o incomodaram novamente.

Meu Deus o que precisava fazer para ela entender a necessidade do irmão de tê-la com ele? Ele conhecia a dor da perda quando abriu mão dela. Era importante que ela estivesse com ele.

Santino a olhou longamente, e disse-lhe.

— Madre di Dio... Tenha piedade dele. Agora ele precisa de você. É tão difícil você entender isso?

Ela fitou-o desanimada, suspirou resignada e se virou para ir até a cozinha.

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Santino mal acreditou em seus olhos quando a visão lateral dela revelou a barriga saliente.

Ela foi pega desprevenida quando Santino se aproximou dela rápido, arrastando a perna e a segurou pelo pulso. Seus olhos negros percorriam-na tentando entendê-la.

— Você está grávida?

Ela o olhou com espanto, tinha se esquecido de evitar ficar de lado quando ele estivesse olhando para ela. Uma sensação de pânico encheu seu coração.

Ela baixou a cabeça e lágrimas começaram a brotar de seus olhos. Sua mente estava confusa e ainda tinha o cheiro dele que lhe era embriagador. Ele pegou o queixo dela e a fez olhá-lo.

Meu Deus, o que a levou mesmo grávida se afastar do marido?

Santino a fitou com os olhos ternos, passou o polegar no rosto dela secando as lágrimas que insistiam em descer.

— Você escondeu a gravidez de Augusto?

Ela assentiu.

Afastando-a, seus olhos mudaram e ele a olhou com desprezo.

— O que te leva a esconder um filho de um pai?

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Marina o olhou com desafio.

— Isso eu vou resolver com meu marido.

Essas palavras doeram em Santino. Se não fosse o acidente hoje ela seria sua esposa.

Santino tentou não demonstrar o quanto as palavras dela o feriam e a obsevou tentando entendê-la, mas por fim desistiu.

Ele resignado se arrastou até o sofá e ela viu a dificuldade dele ao tentar pegar a bengala que havia caído debaixo do sofá. Isso lhe apertou o coração.

Ele estava mexendo com ela de um jeito que ela se confundia, então foi rapidamente para a cozinha tentando fugir da presença marcante dele, lá tentou não pensar nele e arrumou a mesa.

O almoço foi tenso, eles comeram o tempo todo em silêncio. Santino quando terminou logo se levantou. Pegou a bengala e a olhou seriamente.

— Eu vou pegar minha mala do carro e depois conversamos.

Marina o olhou tristemente e ele lhe deu as costas.

Ela então resignada cuidou da louça suja. Seus pensamentos estavam caóticos. Precisava convencê-lo que não poderia voltar.

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Foi até a sala e viu Santino depositando a mala no sofá. Ele virou-se para ela.

— Eu preciso de um banho. Você poderia me mostrar o banheiro?

— Só tem um banheiro, o acesso é dentro do meu quarto, é no final desse corredor.

Ele assentiu. E com roupas limpas na mão se levantou. Marina logo se afastou de sua presença.

A tarde estava agradável, se dirigiu aos fundos da casa e foi até a árvore torta, sentou-se debaixo da sombra e observou o mar.

A imagem de Augusto surgiu. Ele precisava dela agora. Seu coração relutava por causa de seu filho, mas ao mesmo tempo ficava em conflito em deixar o marido doente. Seu marido era possessivo, se não fosse por isso, não relutaria tanto. Sabia que ele não admitiria a separação. E agora a fuga dela ia ficar de lição para que ele á vigiasse o tempo todo e talvez nunca mais ela conseguisse fugir de novo. Então pensou.

E se por causa da doença ele parasse de beber?

Seria possível?

Santino apareceu na porta dos fundos e viu Marina perdida em pensamentos. Marina o avistou e levantou-se sem pressa e foi em direção a ele. Ele entrou na casa. Depois de um tempo ela se dirigiu a sala e o viu no sofá, ele tinha trocado a calça e a camisa por uma bermuda e camiseta, usava tênis.

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Sua perna tinha uma grande cicatriz que ia do pé até o joelho.

Marina sentou-se um pouco distante dele. Baixou a cabeça e com um suspiro falou-lhe.

— Eu vou com você.

Ela levantou os olhos para ver-lhe a expressão e o viu com um gesto nervoso passar as mãos pelos cabelos.

— O que te fez mudar de ideia?

Ela abriu a boca e fechou de novo, nem ela sabia, meneou a cabeça em confusão. E por fim sussurrou-lhe as palavras.

— Eu não sei. Sinceramente eu não sei.

Os olhos de Santino eram intensos. Ele a observou e deu de ombros.

— Então estamos entendidos.

Ele desviou os olhos dos olhos tristes dela e olhou um ponto fixo no chão. Ela viu que ele deu a conversa por finalizada. O olhou longamente resignada e se levantou, foi para o quarto deitou-se na cama e chorou.

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Quando Marina acordou já eram seis horas, todas as luzes da casa estavam acesas, mas nem sinal da presença marcante de Santino.

Foi até a cozinha preparar o jantar. Abriu o armário e pegou uma sopa enlatada, esparramou na panela e levou ao fogo aquecendo-a. Quando pronta, jogou um pouco de queijo ralado e colocou na mesa. Fez um suco de tomate, estava colocando um pacote de torradas na mesa quando Santino apareceu na entrada da cozinha e a observou. Marina percebeu que ele estava angustiado, algo o perturbava.

O coração dela se apertou, mas ela fez como se não percebesse a sua aflição.

— O jantar está pronto. Sente-se que eu te sirvo.

Ele sentou-se a mesa e ela serviu a sopa. Ele olhava fixamente para o prato. Marina se serviu e se sentou de frente para ele. Então o que ele falou a deixou sem fala.

— Eu quero me desculpar com você. — Ele levantou os olhos e a olhou intensamente.

Marina ficou rubra e não conseguiu sustentar o olhar. Baixou os olhos para o prato. E ele continuou.

— Eu errei no meu julgamento. Você deve ter tido motivos para se separar de meu irmão.

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Marina olhou-o aturdida e logo lhe sorriu.

Santino tinha consciência dela o tempo todo, ela mexia com ele, era difícil olhar para ela sabendo que nunca iria tê-la em seus braços e em sua cama de novo, ele a conhecia intimamente, conhecia cada pedacinho do corpo dela e isso ele nunca esqueceu. Eles se davam muito bem na cama, ela era uma amante ardorosa, sempre o levara a loucura.

Marina percebeu que ele timidamente desviou os olhos. E isso a surpreendeu, talvez mais do que todas as palavras dele. Um homem tão forte, dinâmico e decidido se mostrava tímido. Talvez por causa de sua aparência.

Ele comia em silêncio. Marina não conseguia tirar os olhos dele. Ele a atraía. Reparou nas mãos grandes, nos cabelos grossos, na cicatriz. Ele parecia ser tão solitário e sentiu vontade de consolá-lo, seu coração disparou. Deu-se conta de seus pensamentos e tentou não mais olhá-lo.

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CAPÍTULO IV

A noitinha ela arrumou o sofá para ele e sentou-se esperando ele usar o banheiro que ficava dentro do seu quarto.

Quando ele estava no corredor ela se levantou e esperou ele sair para ela passar.

Ela observou rapidamente a figura dele, ele estava com o peito nu, vestia uma calça de pijamas e andava com a bengala na mão direita com um pouco de dificuldade, viu a queimadura do pescoço e do peito e partes dos braços. Ela não conseguiu desviar o olhar das marcas que ele carregava e quando o fez deu com os olhos duros dele. Ele a examinou da cabeça aos pés fazendo com que ela estremecesse.

Quando seus olhos se encontraram ela ficou sem ação, hipnotizada pelo olhar dele. Seus olhos então tornaram se mais negros e intensos, ela ficou ali presa neles, totalmente cativa.

Ele aproximou-se dela lentamente.

Ficaram pertos um do outro, ambos com as respirações irregulares. Ela parada ali tremula, na frente dele. Os olhos dele corriam pelos seus cabelos

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desceram para seus olhos e detiveram em sua boca que estava entreaberta, tremula.

Santino passou os braços ao redor de seu corpo, Marina fechando os olhos ficou com os braços preso ao corpo. Então ele a beijou. Quando sentiu seus lábios ela o enlaçou pelo pescoço.

O beijo quente e úmido de Santino era cheio de desejo, e despertou em Marina sensações até então desconhecidas. Não tinha dúvida de que, naquele momento, não hesitaria em se entregar a ele, mesmo que fosse naquele chão duro. Nunca havia sentido uma emoção tão forte e nunca havia imaginado que algo assim tão devastador pudesse ser recíproco. Ela se esqueceu de tudo e movida pelo desejo de conhecer aquele homem o enlaçou e retribuiu com fervor o beijo. Marina tremia dos pés até a cabeça, as mãos dele passeavam por suas costas, ela estremecia a cada toque. Então ela ouviu a bengala cair no chão e isso a fez despertar de um transe e o afastou um pouco.

Marina viu seus olhos negros atormentados e isso fez com que ela passasse a mão pela cicatriz dele num gesto terno. Sentiu-o enrijecer, ela procurou seus olhos e o viu tão infeliz que ela não conseguiu mais olhá-lo, pois ele mexia com ela em todos os sentidos, a dor dele era dela. Ela mal o conhecia e já queria ter o direito de lhe dar todo consolo e conforto.

Diante dessa revelação ela se afastou dele e com passos firmes se dirigiu ao seu quarto.

Santino a viu sair, trêmulo sentou-se no sofá.

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Meu Deus, eu quase perdi a cabeça!

Ah Marina, como vou suportar estar ao seu lado novamente sem poder beijá-la, sem poder estreitá-la em meus braços?

Marina despertou com a luminosidade do quarto, que entrava pela janela. Olhou o relógio.

Oito horas!

Levantou-se e arrumou as malas, separou um vestido vermelho escuro e entrou no banheiro, tomou uma ducha rápida e vestiu-se no banheiro. Escovou os dentes, penteou os cabelos passou um lápis no olho e passou um leve perfume.

Marina não o encontrou na sala, os lençóis estavam dobrados. Ela seguiu até a cozinha e se admirou de sentir o cheiro de café fresco. Ele estava sentado à mesa com um copo de café entre as mãos. Havia trocado o pijama por jeans escuro e camiseta preta.

Estava com o olhar parado, perdido em pensamentos.

Quando ele a ouviu levantou os olhos, seus olhos se encontraram, logo ele desviou a atenção para o copo que segurava entre as mãos.

Marina constrangida tentou falar-lhe animadamente.

— Eu estou louca por um café.

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Ele a olhou novamente com ambas as sobrancelhas levantadas.

— Você já arrumou as malas?

Ela o olhou infeliz, tentando conter as lágrimas e se virou para a pia, pegando a térmica despejou um pouco de café no copo.

— Já.

— Marina, mas que Diabos, você parece que está indo para a forca!

Ela continuou de costas para ele. Ouviu ele se levantar com um arrasto de cadeira e sentiu a respiração dele em seus cabelos. Ele colocou as mãos quentes nos braços dela, ela se arrepiou, sentindo seu toque e seu perfume.

Ela imediatamente fechou os olhos, ele gentilmente fez pressão para ela virar-se para ele. Marina levantou o rosto e seus olhos se encontraram. Ele, com um gemido se apossou de sua boca. Seus lábios se moviam apaixonadamente, ele a beijava com urgência, ela imediatamente se rendeu e o abraçou. Ele desceu os lábios pelo pescoço macio dela, ela não se conteve e gemeu, sussurrando-lhe o nome que o fez estremecer.

Ele lhe falou ao ouvido roucamente.

— O que você tem que eu não consigo te resistir? Dio mio eu sei que eu não posso.

E com a voz alterada a afastou, olhando-a aflito

— Mas que Diabos, você é a esposa de meu irmão!

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Ela não sabia o que dizer-lhe só sabia que seu coração batia como louco quando ele a tocava. E mais uma vez constatou que não amava seu marido, ela nunca o amou e a atitude dele fez com que ela se distanciasse mais dele. Então ela se enchendo de coragem falou-lhe.

— Isso prova que tenho razão em não querer voltar para Augusto— Eu não o amo.

Ele a olhou com rancor e dor. Marina se assustou em ver seu olhar. Ele a afastou e arrastando a perna, sentou-se na cadeira pálido e falou-lhe rispidamente.

— Eu já entendi. Você está me usando, para eu não levá-la.

Marina olhou-o atônita.

— Isso é um absurdo. Foi você que me beijou! Eu não me ofereci.

— Muito esperta você. Joga todo o seu charme e sua sensualidade em mim e espera que eu seja de ferro. È só ver a realidade. O que você vai querer com alguém tão marcado como eu? Eu sei o que meu rosto provoca nas mulheres. E não é desejo.

Ela abriu a boca para falar e ele a silenciou com o olhar.

— Mas agora eu descobri qual é o seu jogo e isso não vai mais acontecer. Você volta comigo, querendo ou não.

— È fácil me culpar quando sua consciência está pesada.

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Ele se levantou num impulso e fez cara de dor colocando a mão na perna. E fechando os olhos urrou as palavras.

— Não quero discutir isso com você. Pegue suas malas e coloque no meu carro.

— E meu carro?

— Depois eu mando buscar sua lata velha!

Ela olhou-o furiosa e saiu pisando duro da cozinha morrendo de raiva.

Meia hora depois eles estavam na estrada, ela afundada no banco ele com cara de poucos amigos. O carro dele era adaptado para ele poder dirigir, ele com muita destreza diria entre os carros. Marina olhava tristemente pela janela, ao olhar de soslaio viu Santino muito sério e concentrado. Fechou os olhos. Logo ela estaria em casa.

Qual seria a reação do marido? E quando ele constatasse a gravidez?

Empalideceu. Não havia pensado nisso.

Santino pegava avenida que levava a sua casa. Marina começou a soar frio.

— Pare.

Santino voltou seu olhar para ela e a viu a pálida. Parou no acostamento de frente a um terreno baldio, Marina abriu a porta e sem sair do carro colocou a cabeça para fora e vomitou. Quando voltou a sentar-se direito no carro estava tremula e suava frio.

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Ela fechou os olhos e respirou fundo, sentiu as mãos dele apertando as suas que estavam no colo. Conservou os olhos fechados, segurando as lágrimas. Era tão bom ter as mãos de Santino nas suas! Ela engoliu em seco. Sentiu ele lhe tocar os cabelos, afastando-os da testa.

Marina abriu os olhos e o fitou. Os olhos de Santino demonstravam conflito interior. Ele lhe disse tomado de emoção.

— É tão terrível assim a tua volta?

Um silêncio doloroso se seguiu às suas palavras.

Marina abaixou a cabeça, evitando encontrar o seu olhar.

Depois tentando controlar-se, abriu a boca para falar-lhe mas ele colocou um dedo nos lábios dela.

— Não. —Falou com firmeza— Marina fique tranquila não há nada a temer.

Com os olhos úmidos de lágrimas, ela retrucou:

— Espero que ele me compreenda.

— Ele te ama, ele ficará feliz em vê-la. Acabará deixando de lado que você o deixou. Na sua carta você pedia apenas um tempo para si ele compreenderá.

Ele passou os olhos por ela como se quisesse entender seu conflito. E disse com pesar.

—Mas, pelo que presenciei de você, você não pretendia voltar para ele.

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Marina desviou seus olhos dos dele.

— Não, não pretendia. A doença dele mudou tudo.

Santino se recostou no banco. E olhando para frente perguntou.

— Podemos ir? — E voltou a olhá-la.

Marina que o observava estremeceu. Consciente de como presença dele mexia com ela. Seus braços quase se tocavam.

— Sim podemos. —Falou-lhe firme.

O viu dar a partida e seguiram em silêncio. Vinte minutos depois, eles estavam em frente aos portões da casa. Os seguranças abriram e Santino estacionou numa grande garagem coberta, onde ela viu o carro de Augusto estacionado.

Ele se virou para pegar a bengala e seus rostos quase se tocaram. Marina imediatamente virou o rosto para a janela. O viu então descer, ela abriu a porta e logo estava ao lado de Santino.

Santino a pegou pelo braço e foram juntos até a porta de saída da garagem e entraram na sala.

Marisa logo apareceu, ela era a governanta, já trabalhava anos na casa.

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— Marina, que bom que você voltou. Augusto sofreu muito com sua partida. —Os olhos de Marisa se encheram de lágrimas. — Com sua vinda, tenho certeza que ele vai se recuperar logo. — Então ela olhou o vestido justo de Marina que acentuava sua barriga. — Meu Deus você está grávida?

Marina olhou para Santino que observava mudo toda a cena. Ela sorriu triste para Marisa e assentiu. E querendo mudar de assunto perguntou.

— Onde está Augusto?

— Ele tem ficado muito no quarto.

— Eu vou subir para vê-lo.

— Ele mudou-se de quarto. Ele esta usando o quarto aqui de baixo, ele não pode subir escadas. Ele está evitando andar também. Esta usando uma cadeira de rodas.

Marina ficou pálida. Chocada com o estado do marido. De soslaio percebeu Santino impaciente.

Marina decidida se dirigiu com passos firmes até o quarto.

CAPÍTULO V

No térreo tinha dois quartos, ele deveria estar no maior. A porta estava entreaberta ela espiou o interior e seu coração se apertou em vê-lo na cadeira de rodas olhando a janela, ele estava muito magro,

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podia-se ver pelos ossos da face que estavam um pouco mais salientes.

Marina se afastou e encostou-se a parede do corredor e fechou os olhos. Sentiu um leve toque nos ombros e viu Santino olhá-la com preocupação.

— Espere aqui que eu o preparo para recebê-la. Quando eu te chamar você entra.

Marina assentiu e respirou fundo. E viu Santino entrar.

De onde ela estava dava para ouvir toda conversa entre os dois. A voz de Augusto estava fraca.

— Santino você a encontrou?

— Sim. Eu já vou chamá-la. Vamos deitar na cama. Assim você poderá recebê-la melhor.

Depois de um tempo Santino apareceu no corredor e fez sinal para que ela entrasse. Marina entrou com passos hesitantes. E o viu na cama, ele estava deitado sobre a colcha de renda branca com os olhos fechado, muito pálido.

O coração de Marina se condoeu pela fragilidade do marido, ele como sentindo sua presença voltou-se para ela e seus olhos se encontraram ambos emocionados.

Augusto via a visão dela. E pensou: Meu Deus como a amava. Ela lhe era uma pedra preciosa. Meu Deus, como ele havia sentido a sua falta.

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Augusto lhe estendeu a mão entre lágrimas e isso deu confiança para Marina se lançar nos braços do Marido.

— Calma. —Ele a afastou e ela percebeu pela cara de dor dele que ela lhe pressionava o peito, Marina observou o marido com lágrimas. Ele levantou as mãos e tocou o rosto de Marina e sorriu tristemente. —Senti sua falta. Marina, eu fiquei quase louco com sua partida.

Ela baixou os olhos tristemente. Emudecida.

— Eu sei que tenho uma grande parcela de culpa na sua atitude.

Ela levantou os olhos surpresa por ele reconhecer.

— Desculpe-me Marina, eu sei que não fui o marido que você esperava. Mas eu pretendo me redimir com você. — A voz dele era fraca.

— Augusto, você não pode se emocionar. Eu estou aqui, não estou?Por favor, fique quietinho e descanse, eu estarei aqui com você.

Marina viu uma lágrima correr pelo rosto do marido. Seu coração se quebrantou. Ela o beijou ternamente na testa. Ele pegou o rosto dela entre as duas mãos e buscou sua boca num beijo terno. Augusto soltou o rosto de Marina e respirou com dificuldade, pálido. Nessa hora entrou uma mulher uniformizada, Marina viu tratar-se de uma enfermeira.

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Ela olhou seriamente para Marina e a repreendeu com olhar.

— Augusto precisa descansar.

Marina ia afastar-se do marido, mas ele segurou-a pelas mãos.

— Deixe a ficar. Fique comigo Marina, até eu dormir.

Marina assentiu e olhou para a enfermeira que continuava a fitá-la com um olhar de repreensão.

— Augusto, ela está certa. Descanse, eu volto mais tarde.

Ele a olhou com os olhos pesados e respirando com dificuldade assentiu. Marina o beijou nos lábios e saiu do quarto. Encostou-se a parede do corredor emocionada, ficou ali um tempo. Sua mente estava confusa. Nunca esperava encontrar o marido tão fragilizado com a doença.

Saiu terrivelmente abalada. Avançou até a sala e se dirigiu a escada. Lentamente subiu degrau a degrau com dificuldade. Chegou ao corredor e levantou os olhos e viu a figura de Santino que saía do quarto de hóspedes.

Ele estava imponente como sempre, seus cabelos brilhavam pelo banho, seus olhos negros a fitaram intensamente. Ela baixou a cabeça, queria evitar olhá-lo, pois lágrimas já desciam abundantemente de seu rosto. Estava abrindo a porta do seu quarto quando sentiu seus passos arrastado próximo a ela. Marina não conseguiu deixar de olhá-lo, ele estava agora ao seu lado e a

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olhava de modo penetrante. Marina rapidamente virou o rosto e colocou a mão na maçaneta para entrar no quarto. Abriu a porta e quando ia fechá-la, Santino segurou a porta com a mão. Marina olhando-o sem entender deu um passo para trás.

Santino avançou para o quarto. Marina teve novamente aquela sensação estranha. Uma confusa mistura de: tensão, desejo e medo.

Ela fechou a porta e o avistou no meio do quarto. Santino a olhava apreensivo, seu rosto já marcado pela grande cicatriz estava mais sombrio do que nunca.

Ele dirigiu-se até a cama e apoiando a bengala na cama sentou-se, arqueando uma das sobrancelhas e disse-lhe numa súplica sofrida.

— Sente-se Marina, precisamos conversar.

CAPÍTULO VI

Marina tremia de desejo ao vê-lo. Ainda em pé ao lado da porta o observou com um olhar crítico.

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Ele não era nada bonito, seu rosto era marcado pelo sofrimento, além da grande cicatriz que era muito profunda e repuxava-lhe a pele. As queimaduras não eram agradáveis de ver. Tudo isso contribuía para que ela não o achasse atraente. Mas havia algo nele, que a atraía.

Ele carregava uma áurea masculina tão intensa que ela se segurava para não jogar-se nos braços dele.

O coração dela batia freneticamente ao olhar aquele homem tão pouco desejável visualmente, mas seu coração não parecia se importar com isso e seu corpo clamava por ele, clamava tanto que lhe chegava a doer.

Ela se perguntava :

Como ele havia sofrido o acidente?

Por que Augusto quase não falava do irmão?

Marina adentrou ao quarto e sentou-se ao lado dele na cama. Santino pegou-lhe a mão e cariciou-lhe os dedos. O corpo de Marina inteiro se arrepiou e o coração só faltou sair-lhe pela boca.

Santino a olhou firmemente

— O que tenho a te dizer é muito doloroso.

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Santino falou lhe com voz embargada pela emoção.

— Hoje de manhã Augusto foi ao médico para saber o resultado da operação que ele fez no coração. E através de um exame, ele ficou sabendo que o seu coração está fraco, e que a operação só lhe deu uma sobrevida.

Marina olhou para as mãos que a seguravam, e uma intensa onda de dor a invadiu.

— Quanto tempo ele tem de vida? —Ela lhe perguntou e o fitou nos olhos com medo da resposta.

Santino passou a mão pelo cabelo num gesto nervoso.

— Alguns dia, meses. Quem sabe?

Marina ficou em estado de choque. Soltou um soluço e escondeu o rosto entre as mãos. Sentiu os braços de Santino envolvê-la e beijar-lhe os cabelos. Ela o abraçou e colocou a cabeça no peito dele e se afundou lá. Sentiu que ele ficou tenso, mas ela precisava do conforto de seus braços. Falou-lhe entre soluços apertada a ele.

— Como você soube do resultado do exame?

— Eu liguei para minha tia Lola que o acompanhou na visita ao médico. Mais tarde vou conversar com Augusto sobre o assunto. Deve haver uma maneira de prolongar a vida dele.

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Marina levantou a cabeça e fitou os olhos de Santino agoniados.

Madre de Dio, a visão dela tão frágil era muito para ele suportar. Precisava se afastar, mas não conseguia.

Segundos depois, os lábios quentes de Santino se colavam aos de Marina numa caricia delicada. Quase como se fosse um beijo inocente, quando ele ia se afastar Marina o puxou e o abraçou colando sua boca na dele num beijo apaixonado. Ela não conseguia pensar em mais nada. Ele era uma droga potente e ela uma viciada se sentia inexplicavelmente presa a ele. Agora entendia a peça Romeu e Julieta.

Ela baixou-lhe mais a cabeça e o beijou com ânsia e desejo. Marina não se reconhecia. Santino correspondeu-lhe ao beijo, suas mãos passeavam-lhe nas costas fazendo-a vibrar em seus braços. Ela o desejava como nunca.

Precisava daquele homem em todos os sentidos.

Mas no minuto seguinte foi como um pesadelo. Ele arfando a afastou. Tentando se colocar em pé, quase ele caiu, suas mãos tremiam quando pegou a bengala.

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Ele a olhou com os olhos confusos.

— Dio! — ele disse num agitado sussurro. — Desejo você tanto! Sinto até dor... Marina, pelo amor de Deus, não me atormente. Eu não posso lidar com tudo isso. Meu irmão precisa de você. — Então ele a olhou com desconfiança, e dor. — Que raios você quer comigo?

Marina o olhou em choque, nem ela sabia responder o que a havia levado a beijá-lo daquela forma. Os sentimentos fluíam como uma intensidade que não conseguia controlar. O que ele tinha que a fazia esquecer-se de tudo e se lançasse nos braços dele?

Santino a olhou com revolta nos olhos.

— Marina eu não preciso de sua piedade. Qual é teu jogo? O que você quer com um homem como eu?

Dizendo isso ele se dirigiu para a porta com passos vacilantes, arrastando a perna, antes de sair do quarto, Marina elevou sua voz.

— Espere. — O apelo na voz dela fez com que ele parasse.

Ele se voltou com o olhar indecifrável. Marina perguntou-lhe com raiva.

— Por que você acha que o fato de eu te desejar é tão impossível?

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Santino a olhou com pesar, mas logo baixou os olhos, não queria que ela percebesse o quanto esse assunto lhe doía.

— Você já olhou pra mim? Não há nada em mim que possa te atrair. Eu não vivo no mundo de sonhos, a realidade muitas vezes é cruel, mas eu sei enfrentá-la.

Ele a olhou com desprezo.

—Você deve ter algum interesse em mim, e eu vou descobrir qual é. Você conseguiu me enganar muito bem. Eu quase acreditei que você me desejava.

Dizendo isso ele se virou e saiu. Marina fechou os olhos à dor que vinha lhe incomodando nos últimos momentos desde que o conhecera agora gritava implacável e ardente.

É injusto, pensou desolada. Por que a vida era tão injusta, tão complexa e desigual? A aparência para ela, antes de conhecê-lo, importava-lhe muito. Sabia que ele estava certo. Mas não podia mandar no coração. E a verdade era uma só: ele a atraía com um desejo animal.

Ele Mexia também com seus sentimentos mais profundos. Num desejo louco de estar com ele, de consolá-lo e de fazer parte da vida dele.

Seu marido era um belo homem, mas nem por isso ela o amou. Até tentou, mas nunca conseguiu, nem no começo quando o casamento estava correndo

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bem. Passou a mão trêmula pela testa. Queria fugir da verdade que tinha acabado de revelar a si mesma. Queria, mas precisava encará-la, como já havia encarado muitas coisas desde que sofrera a amnésia.

Seu inconsciente já sabia disso há muito tempo. Durante o tempo que esteve com Augusto vivera num mundo de conformismo. Aceitando que ele era seu amante antes do acidente e casando-se com ele, pois o seu futuro era tão sombrio que não conseguiu se desvencilhar daquilo que o destino lhe reservara.

Não dá para esconder uma verdade por muito tempo, constatou, abraçando-se a si mesma. Mais cedo ou mais tarde ela arrebenta como um dique, deixando a mente em águas turbulentas.

A verdade então veio à tona.

Ela amava Santino. E nunca amou Augusto

Pois só um amor te faz olhar além das imperfeições, quebrando as barreiras do preconceito, da normalidade, daquilo que o cérebro movido pela razão achava que seria bom para ela. Mas seu coração dizia: Devo lutar por Santino. È ele que eu amo. Necessito dele tanto e de uma maneira tão complexa que nem ela entendia.

Marina suspirou e se dirigiu ao banheiro. Tomou um banho de imersão. Quando estava para sair da banheira, sentiu seu bebê mexer. Extasiada colocou

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a mão na barriga tentando senti-lo, num desejo que ele se mexesse novamente. Seus olhos se encheram de lágrimas.

Seu filho ia crescer sem conhecer o pai.

Marina foi até seu guarda roupa. Verificou suas roupas. Muitas na fuga tinham sido deixadas para trás. Escolheu um vestido preto um pouco largo, e calçou sandálias de salto baixo pretas. Desceu até a sala e viu Santino com o olhar vago sentado no sofá com uma bebida entre as mãos. Marina com o coração apertado passou por ele e seguiu o corredor dirigindo-se ao quarto de Augusto.

O viu na cadeira de rodas voltado para a janela. Augusto quando a ouviu voltou-se para ela a medindo com os olhos.

A visão de Marina lhe era reconfortante, precisava falar para ela de sua decisão de uni-la a seu amigo Ricardo, só ele poderia salvá-la. Como lhe seria difícil. Não seria fácil, mas precisava pensar somente nela. Se ele pensasse nele, ele não faria isso, pois o ciúme era doloroso, mas precisava reprimir qualquer sentimento que atrapalhasse a felicidade da esposa.

Marina aproximou-se dele e puxou uma cadeira sentando-se a sua frente. Ele estendeu-lhe as mãos, Marina pegou as prontamente. Augusto levou-as aos lábios, fazendo com que Marina baixasse os olhos.

Precisava-lhe contar do filho deles.

Marina levantou os olhos e viu o marido a olhar com tristeza. Marina lhe sorriu um sorriso fraco e

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levou a mão dele para a barriga e o olhou com significado.

Ele que olhava seu ventre levantou os olhos para ela surpresos, seus olhos então se apertaram e a olhou novamente com intensidade no olhar. Ele sussurrou-lhe as palavras.

— Um filho.

Ela lhe sorriu e assentiu.

Ele pairou os olhos em Marina com uma expressão de dor.

— Marina eu te amo. Eu nunca tive dúvidas de meus sentimentos por você, mas o vício me levou a fazer aquilo que eu não queria.

Depois de uma pausa a olhou emocionado.

— Santino deve ter lhe dito que agora minha vida está por um fio.

Marina baixou o rosto e deixou as lágrimas correrem por seu rosto. Augusto passou as mãos pelo seu rosto e lhe secava ás lágrimas com o polegar.

— Você é importante para mim. Você me é a própria vida. E eu não estarei aqui para desfrutar da sua companhia, nem poder demonstrar o meu amor. — Eu não vou poder ver meu filho crescer.

Marina não sabia o que dizer. Queria consolá-lo. Mas como?

Por um momento Marina se viu longe dali os pensamentos a levaram a um mundo sem Augusto.

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Uma sensação de tristeza se apoderou de seu coração. Ela todo tempo quis sua liberdade, mas agora a achava tão vazia e triste. Queria tanto vê-lo bem, vê-lo feliz, como era terrível a morte, era a única coisa que não tinha consolo. Como consolá-lo? O que dizer numa hora dessas?

— Marina, eu vou me deitar, deita-se comigo eu preciso sentir o toque do seu corpo no meu. Faz tanto tempo.

Marina ficou a olhá-lo sem ação, então se levantou e se posicionou atrás da cadeira e a levou até a cama. Augusto se levantou e sentou-se na cama. Marina levantou-lhe as pernas e tirou-lhe os sapatos. Ele se reclinou nos travesseiros. Marina deitou-se ao seu lado e apoiou a cabeça no peito dele, tomando cuidado para não pressionar o corte. Sentiu Augusto estremecer. E ficaram assim calados. Marina ergueu o rosto para vê-lo e viu lágrimas que corriam de seus olhos. Marina se sentou e o beijou nos olhos, nariz e na boca.

— Não chore, eu estarei ao seu lado.

Augusto fechou os olhos com força.

— É bom ouvir isso.

Marina e Augusto dormiram abraçados. Marina acordou e olhou o marido. Ele ressonava. Augusto a sentiu levantar-se, e abriu os olhos.

Marina lhe sorriu.

— Você está bem?

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Ele lhe assentiu

— Onde está a enfermeira?

— Depois que você saiu eu pedi para ela que quando você viesse para ela me deixar a sós com você. Ela deve ter te visto e respeitou o meu desejo.

— Posso pedir para Marisa lhe trazer o jantar?

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Minha dieta é diferente. A enfermeira vai providenciar para mim, não se preocupe.

Depois de observá-la Augusto lhe perguntou.

— Onde você ficou quando me deixou?

Marina passou as mãos pelos cabelos do marido enquanto lhe contava sobre o chalé, sobre seu dia-dia e como Santino a havia encontrado.

— Marina eu não quero te deixar desamparada, por isso espero que você compreenda algumas atitudes que vou tomar?

—Que atitudes são essas? —Marina o olhava sem entender.

— Houve uma grande razão para eu beber. O vício na verdade era outro. Eu não sou alcoólatra eu bebia porque me meti numa situação insuportável, e a bebida era uma espécie de fuga.

Augusto fechou os olhos Marina sentou-se melhor na cama tentando entender o marido.

— Querida eu perdi tudo, essa casa, os carros, minha conta bancária está quase zerada. Quando eu

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partir você terá que entregar tudo aos meus credores. Deixei um dinheiro separado para pagar o salário dos empregados.

Marina o olhou surpresa.

— Eu fiz dívidas de jogo antes de te conhecer. Quando te conheci você passou a ser a razão de eu viver, mas já era tarde, tentei recuperar o dinheiro perdido jogando mais e perdi tudo.

Marina não soube o que dizer. Observou o marido pálido.

— Santino sabe?

— Não, eu não quero que você conte para ele. Eu não devo satisfações a Santino. Quando nossos pais morreram nos deixaram uma herança e ela foi dividida entre nós dois, Santino comprou uma casa e levou Lola para morar com ele. Eu comprei essa casa. — Eu só devo satisfação a você. Mas vou me redimir. Eu me preocupo com você e com o nosso filho.

— Como assim, se redimir?

— Eu tenho um grande amigo que virá aqui hoje, ele vem para te conhecer. Ele é muito rico e pode te dar um lar depois da minha morte.

Marina olhou o marido, chocada.

— Augusto, isso é um absurdo!

Augusto respirava com dificuldade e ficou mais pálido.

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— È a minha vontade Marina, eu sei o que é melhor para você. — Falou-lhe com voz fraca.

Marina preocupada observou o marido e disse-lhe.

— Santino poderia me ajudar.

— Marina tem coisas que você desconhece que faz parte do seu passado e eu te reafirmo, Santino só está aqui por que eu pedi. Com minha morte ele voltará para a África.

Marina viu o marido respirando com dificuldade, tomado de emoção e não quis discutir com ele.

— Por isso vai até seu quarto e se arrume para recebê-lo.

— Santino sabe da presença desse seu amigo no jantar?

— Não, Santino não sabe. Ricardo vem para te ver, mas passará a imagem que veio para me visitar.

Marina olhou o marido sem ver, não acreditava que seu marido a oferecesse assim, planejando o seu futuro sem que ela pudesse opinar sobre ele. Augusto a olhou com pesar.

— Por favor, Marina não lute contra a minha vontade. Eu quero ver seu futuro encaminhado, não pense que é fácil para mim te oferecer a outro homem.

Marina viu a dor do marido e a grande quantidade de lágrimas que desciam de seus olhos.

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— Marina me promete que você fará tudo para gostar dele, e deixará que ele cuide de você.

Marina viu o marido olhando-a com os olhos ansiosos, e ela lhe prometeu.

— Augusto não fica assim meu amor. Eu prometo que o receberei bem e que farei de tudo para gostar dele.

Augusto a olhou aliviado. Marina beijou os lábios do marido. E viu a enfermeira entrando com a bandeja de comida, que depositou numa mesinha. Ela se afastou do marido.

Augusto olhava-a sair, com um pesar grande no coração. Seus olhos brotavam lágrimas em abundância.

Augusto pôs-se a pensar:

Marina, como eu te amo! Como me é difícil tomar essa decisão. Se Santino não tivesse tão desfigurado eu lhe convenceria a cuidar de você, mas se ele a entregou antes, o que o levaria querê-la agora?

Quando ela já estava no corredor a enfermeira lhe pegou pelo braço.

— Você tem feito mal a ele. Toda vez que ele te vê, ele fica assim. Por favor, ele não pode se estressar. Ele precisa gozar de paz e tranquilidade, sem preocupações.

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Marina a olhou triste e assentiu. A enfermeira soltou o seu braço. Marina não quis entrar no mérito com ela e lhe dar explicações então baixou a cabeça e saiu.

Marina foi até o quarto e trocou seu vestido por um mais jovial da cor vermelha que lhe caía super bem e disfarçava a barriga. Fez um coque alto, pintou os olhos, destacando seus olhos azuis. Fez uma maquiagem leve e colocou um brinco de rubi.

Quando desceu as escadas viu junto ao bar um rapaz moreno alto, deveria ter mais ou menos uns quarenta anos, que a olhou com admiração. Ele estava ao lado de Santino.

Marina observou Santino, ele estava usando um blazer escuro, a camisa aberta até o peito. Ele a observava discretamente.

No sofá estava Augusto que ao vê-la sorriu-lhe com satisfação, Marina se sentiu deslocada e se aproximou do marido. Ela se inclinou e beijou-lhe nos lábios.

Augusto se dirigiu a Ricardo que de longe observava tudo.

— Ricardo, eu quero que você conheça Marina.

CAPÍTULO VII

Marina ergueu o rosto e viu o rapaz se aproximando com um sorriso nos lábios. Ela o fitou nos olhos e pegou-lhe a mão estendida em um cumprimento,

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onde ele imediatamente levou aos lábios e beijou-lhe os dedos. Marina ficou rubra, pois sentiu o seu rosto arder. O marido a olhava com um olhar indecifrável. Ela sentou-se ao lado do marido e observou Santino que a fitava com desdém. Marina se sentiu incomodada com o olhar dele.

Ricardo se dirigiu a Marina.

— Você bebe alguma coisa?

Santino manifestou-se.

— Ela não pode beber. Ela está grávida.

Ricardo a olhou sem graça. Marina lhe sorriu.

— Um pouco não fará mal, pode me fazer um Casablanca.

Ricardo a olhou com gratidão e foi preparar a bebida para ela.

Marina viu Santino inquieto, ele apertava a bengala com força, e a olhava com desprezo. Marina o fitou com desafio. Ricardo lhe deu a bebida, Marina sorriu para ele.

Marisa os chamou para jantar, Marina se levantou e ajudou o marido a sentar-se na cadeira de rodas.

O Jantar foi descontraído, Ricardo contou-lhes sobre sua rede de lojas, disse que era viúvo, sem filhos e que tinha o desejo de se casar novamente.

Toda vez Ricardo olhava Marina com significado. Que não passou despercebido por Santino que a gelava com o olhar. Augusto o incentivava, dizendo

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que Marina era maravilhosa e que mulher como ela, ele nunca vira igual.

Marina se sentia mal o tempo todo. Ela se sentia vendida pelo próprio esposo e pelo olhar que Santino lhe dava ela percebeu que ele não estava gostando da natureza da conversa.

No final do jantar, foram todos para a sala. Augusto sugestionou.

— Marina conduza Ricardo até lá fora.

Marina se levantou do sofá e foi até Ricardo que se despediu de Augusto e de Santino que o gelou com o olhar. Ricardo não esperava essa reação de Santino e o ignorou.

Marina o conduziu até a saída. Na despedida, eles estavam tão próximos que Marina pode ver que os olhos dele eram verdes.

— Marina, Augusto falou-me da situação e principalmente de você, eu estou triste pelo meu amigo, não esperava que tudo isso fosse lhe acontecer. — E depois de uma pausa ele a olhou intensamente — Eu gostaria de te conhecer melhor. Sei que posso amá-la e seu filho será como meu.

Marina o olhou com os olhos tristes. Ele a puxou e beijou-lhe de leve na boca e saiu. Marina virou-se pensativa e deu com o olhar diabólico de Santino.

Ela lhe enfrentou o olhar. Queria que ele saísse. Não conseguia suportar a presença dele sem se

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perturbar perigosamente. Cada fibra de seu corpo clamava por ele. Tentou passar por ele, mas ele foi muito rápido e apertou-lhe o braço trazendo a perto do corpo dele. Marina fitou-o desnorteada, sensibilizada pela presença marcante dele. Seus olhos eram cruéis. Ele lhe sorriu debochado.

— Você está descendo muito baixo mesmo. Eu não entendo Augusto, ele praticamente a ofereceu para ele, e você de muito bom grado deixou-se vender. Augusto vai te deixar bem. O que você ganha em dá em cima desse rapaz? Mais grana? È isso que você quer?

Marina tentou soltar-se dele, mas ele a apertou mais seus lábios invadiram os dela num beijo impetuoso, Marina quase se rendeu, mas ele a tinha ofendido e com uma resistência quase sobrenatural ela o empurrou. A fúria e o desprezo percorreram o corpo de Santino.

— Não me toque mais, se é isso que você pensa de mim!

Ele passou as mãos nervosamente pelo cabelo, e isso fez com que Marina se sensibilizasse com sua confusão e o olhasse com os olhos ternos. Ele a olhou torturadamente e deixou-a. Os olhos dela encheram-se de lágrimas.

Marina seguiu até a sala e viu que o marido já havia se recolhido aos seus aposentos. Determinada ela foi até o quarto do marido. O viu deitado na cama com os olhos fechados, o quarto estava à meia luz, só iluminada pelo abajur. Marina sentou-se na cama. Augusto, sentindo o movimento da cama, abriu os

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olhos. Marina abraçou o marido e falou abafado pelas lágrimas.

— Augusto, eu não quero mais ver Ricardo enquanto você estiver comigo. Eu me senti vendida por você. Até Santino percebeu.

— Santino falou com você?

— Sim, ele me julgou interesseira e estranhou o fato de você me oferecer de bandeja a seu amigo.

— Não ligue para Santino, ele logo irá embora, pense em você. — Marina tristemente olhava para baixo— Olhe para mim Marina.

Marina fitou nos olhos.

— Eu te amo. Você acha que esta sendo fácil para mim? Mas é o preço que tenho que pagar pelo meu vício. Ricardo não me julgou, ele me entendeu. Ele sabe que faço por amor a você.

Marina percebeu o marido emocionado, ela lembrou-se do que a enfermeira havia lhe dito e sabia que ele não poderia se emocionar. Ela vendo o sofrimento do marido o beijou nos olhos, nos lábios e na testa.

— Augusto, não fica assim. Mas peça a seu amigo um tempo. Augusto a medicina está avançada, vamos procurar outro especialista. Você deve lutar.

Augusto a puxou para si e fechou os olhos apertando-a nos braços.

— Marina, eu valho mais morto do que vivo. Se eu morrer você poderá ter a chance de refazer sua vida.

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Marina sentiu um grande aperto no coração. Seu marido a amava e se sacrificava por ela, isso a fez sentir-se culpada por tê-lo deixado.

— Augusto me perdoe por ter ido embora.

— Não há nada a ser perdoado.

Marina sentiu o movimento do filho e colocou a mão de Agusto no ventre.

— Sinta o nosso filho.

Augusto soltou um soluço e cobriu com a mão o rosto e chorava em silêncio. Marina o fez deitar-se no seu colo e afagava-lhe os cabelos.

No dia seguinte á tarde, Marina estava na sala quando Santino entrou. Ele logo que a viu se dirigiu a ela. Estava em péssimo aspecto, seus olhos estavam com olheiras escuras. Marina ficou a observá-lo preocupada.

— Vamos até a biblioteca, preciso esclarecer alguns pontos.

Marina o viu se dirigir a biblioteca arrastando a perna horrivelmente e isso a preocupou ainda mais. Ele sentou-se no sofá e pediu para Marina fazer o mesmo com um gesto. Marina sentou-se ao lado dele e o fitou nos olhos.

— Eu conversei com o médico de Augusto e ele me disse que ele tem uma chance de prolongar sua vida. Existe mais uma operação, há a possibilidade dele colocar uma válvula. È arriscado, mas se der certo

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ele pode prolongar sua vida em muitos anos. Preciso que você o convença a fazer a cirurgia.

Marina se emocionou com a possibilidade do marido viver para ver o filho nascer e desabou em choro. Sentiu os braços de Santino sobre seu corpo, ela o abraçou e soluçou em seu peito. Depois de um longo tempo ela se acalmou e ficou nos braços dele, com o coração a mil. Seu perfume a extasiava o calor do corpo dele a queimava.

Marina ergueu o rosto para ver-lhe a expressão, ele estava com os olhos fechados e uma lágrima corria pela cicatriz. Ela passou a mão por aquela lágrima. Santino lhe segurou a mão e beijo-lhe os dedos.

Com uma exclamação rouca de impaciência Santino agarrou uma mecha dos cabelos dela e manteve-a imóvel, enquanto apossava-se de seus lábios num beijo voraz. Por segundos Marina ficou rígida em estado de choque e, aproveitando-se disso, ele segurou-a pelos quadris e ergueu-lhe o corpo, encostando-a contra o dele. Então, com maestria, conduziu sua língua por entre os lábios entreabertos, até o tenro interior da boca de Marina. Sentiu-a estremecer.

Com ambos os braços ela circundou-lhe o pescoço beijando-o de volta, com fervor incrível. Gemeu , um gemido vindo do fundo da garganta. O contato do corpo de Santino, que a mantinha presa a ele, fazia com que ela se esquecesse de tudo a sua volta. E não fez objeção alguma quando ele segurou-a pelas coxas pondo-lhe as pernas em volta de sua cintura.

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Ele soltou um gemido contido, que tocou profundamente o coração de Marina que se ergueu e procurou seus lábios e o beijou profundamente, Santino corresponde como louco.

E então, de repente, soltou-a exclamando: Meu Deus, eu não posso! — Ele a olhou atormentado.

Marina o amava com todas as forças do seu coração. Sentiu um nó no peito e um sentimento de perda terrível, quando ele a afastou de seus braços. Para ela aqueles braços era o lugar dela. Nunca fora de outrem.

O viu levantar-se com dificuldade. E em pé ele segurava a bengala com grande pressão entre os dedos. Os olhos de Santino soltaram faíscas.

— Fale com ele.—Dizendo isso a deixou.

Como pôde comportar-se daquela maneira? Num minuto estavam falando da possibilidade do marido se recuperar no outro ela o abraçava com uma ânsia incontrolável. A imagem dele abatido doeu em seu coração. Precisava contar a Santino da atual situação financeira, não podia mais adiar.

Pensava nisso quando Augusto apareceu na biblioteca na cadeira de rodas empurrado pela enfermeira. Quando ele a viu lhe sorriu com satisfação e dispensou a enfermeira com um gesto. Ele se colocou em pé e sentou-se ao lado de Marina.

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Marina deu-se conta da loucura que tinha sido beijar Santino. Seu marido poderia ter os pego em flagrante e ela não ia suportar machucá-lo.

—Marina está triste?

Marina se surpreendeu com a pergunta e sorriu.

— Só tensa. — Santino veio aqui e me disse que você tem a possibilidade de ficar bom, existe uma esperança...

— shiiishsisi— Augusto a interrompeu. —Ele já falou comigo e eu não farei.

Marina o fitou atônita.

— Como não fará? Augusto você não me ama? Não ama nosso filho?

Augusto a olhou atormentado.

— Marina é uma possibilidade remota demais. Eu sei que não vou resistir, é muito arriscado. Eu posso morrer na mesa de operações.

Os olhos de Marina se encheram de lágrimas. Augusto beijou-lhe os olhos e secou-lhe as lágrimas com as pontas dos dedos.

— E eu amo você e nosso filho, injusto você pensar o contrário.

— Augusto, por favor, faça por nosso filho. Não desista Augusto. Você poderá ver o nosso filho crescer.

— Marina, não insista. —Disse fitando-a com repreensão.

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Marina baixou a cabeça e suspirou resignada. Augusto levantou o seu rosto com um toque das mãos no seu queixo.

— Não dificulte as coisas meu amor, hoje à noite eu convidei Ricardo para jantar.

— Augusto, eu me recuso a participar desse jantar. Você não é meu pai, é meu marido. E eu não estou gostando da natureza desses jantares com Ricardo.

— Nós já falamos sobre isso. Não resista Marina, deixe-me morrer em paz, eu preciso ver que você e meu filho estão com o futuro encaminhado.

— Augusto e se eu não amá-lo?

— Marina você nunca me amou. Mas nos casamos e estamos casados até hoje.

Marina o fitou surpresa e muda olhava o marido.

— Eu sempre soube disso, mas nunca me importei, pois eu te amava por nós dois. Você sabia que quem ama é mais feliz? —Você por esse breve tempo que esteve ao meu lado me fez feliz. Eu antes de te conhecer já estava endividado. — Mas você era tão linda, e eu egoistamente precisava tê-la, por isso joguei mais para recuperar o dinheiro que havia perdido, eu queria te dar o melhor e virou uma bola de neve. — Ele a olhou infeliz. —Eu fiz tudo errado. Quando vi que ia perder tudo, passei a beber. Meus credores sabem que meu tempo é curto, por isso ainda não tiraram de mim tudo.

Marina olhou o marido com angustia.

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Tanto tempo com ele e eu não o conhecia. Por que ele não se abriu comigo? Eu não me importaria de viver humildemente se fosse o caso. Ah Augusto se nossos caminhos tivessem sido diferentes eu teria te amado.

Mas uma dúvida pairou no coração de Marina. Será?

Marina observou o marido que estava mais pálido.

— Vem Augusto, vou te levar para descansar.

Ele resignado assentiu e ela o ajudou a se levantar e a se sentar na cadeira. Marina o conduziu ao quarto e o ajudou a deitar-se. Ele a olhou ansioso.

— Você estará presente no jantar?

Marina assentiu. Ele lhe sorriu fraco.

No jantar Marina recebeu Ricardo na porta a pedido de Augusto. Santino havia saído segundo Augusto ele havia voltado para sua casa.

Ricardo a olhou com admiração, observando-a vestida com um vestido amarelo que lhe moldava os seios e contrastava com seus cabelos negros.

Marina estava infeliz, mas o tempo todo forçava o sorriso. Sabia pelo olhar do marido que ele sabia do conflito dela, pois seus olhos eram infelizes.

Depois do jantar Marina pegou por trás a cadeira de rodas e ajudou o marido a sentar-se no sofá. Ricardo sentou-se de frente para os dois.

Eles conversavam sobre diversos assuntos, Marina não via a hora de Ricardo ir embora, então sentiu o

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marido tombar no sofá. Marina imediatamente foi até o marido e deu um grito. A enfermeira ao ouvir o grito de Marina correu para fazer os primeiros socorros em Augusto e depois de muitas tentativas parou desanimada. Ricardo levantou-se rápido e tentou pegar o pulso de Augusto usando dois dedos no pescoço e no pulso.

Marina chorava desesperada. Então Ricardo fez sinal com a cabeça que Augusto havia morrido.

Marina fez uma expressão de incredulidade e dor e fraca sentou-se no sofá. Ricardo tentou ampará-la e ela o afastou.

— Não. Por favor, afaste se de mim. — Ricardo a olhou com preocupação e assentiu

Marina chorava desesperada sobre as mãos e ouviu a porta se abrir, viu Santino vendo toda a cena, com uma expressão de dor.

Marina correu para os seus braços, praticamente se lançou nele e chorou apertada a ele. Santino a apertou e beijou-lhe os cabelos. Ricardo deslocado passou por eles e saiu.

Santino conduziu Marina até o sofá, ele andava com dificuldade. Marina sentou-se abraçada a ele e ergueu o rosto, viu os olhos de Santino atormentados.

Marina tristemente lhe falou.

— O que eu vou fazer Santino?

— Eu estou aqui. Vou cuidar de tudo. 73

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Marina enterrou a cabeça no peito de Santino e o abraçou, sentiu-o estremecer.

CAPÍTULO VIII

O enterro fora difícil, Marina ficou amparada o tempo todo a Santino, que estava muito pálido. Marina o tempo todo o observava preocupada. Santino estava mais magro, andava com dificuldade e seu rosto já marcado com a cicatriz estava ainda mais sombrio, com olheiras profundas. Ricardo apareceu no enterro e o tempo todo encarou Marina que o ignorou.

Lola abraçou Marina, chorando muito, ela amava muito o sobrinho.

Alguns parentes apareceram também, Marina conheceu seus primos e amigos. Todos pesarosos cumprimentavam Marina.

Quando Santino deixou Marina em casa, ele fez menção de voltar. Marina soltou o cinto do carro e o abraçou.

— Não me deixe. Por favor, não me deixe sozinha nessa casa. — Disse-lhe apertada a ele.

Santino ergueu-lhe a cabeça gentilmente e a olhou com ternura.

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— Eu não te deixaria. Ia sugerir a você para fazer as suas malas e se hospedar em minha casa. Lola te fará companhia.

Marina o olhou com gratidão por um tempo e se afastou dele.

A casa de Santino era tão grande como a sua, ficava em um bairro vizinho. A casa era toda avarandada, com um jardim imenso, cheio de árvores frutíferas. Santino a conduziu até a sala. Marina hesitou um pouco antes de se sentar no sofá. Lola logo apareceu radiante.

— Marina, que bom que você veio. Vitório, o segurança, já foi buscar suas malas.

Santino nessa hora entrava na sala. Ele havia se demorado um pouco lá fora. Marina o viu entrar exausto. Seus olhos se encontraram, ele lhe deu um sorriso triste e sumiu entrando numa porta. Marina ficou a olhar para a porta com o coração triste. Lola reparou no olhar de Marina para Santino.

— Vem Marina, vou te mostrar seu quarto.

Marina a seguiu infeliz e entrou num quarto grande arejado com uma grande porta balcão que dava a um jardim. O quarto fora mobiliado com muito bom gosto. Consistia numa cama de casal, decorado com abajures e cortinas florais que se combinavam. A colcha era branca com detalhes verdes, o guarda roupa era enorme, e a cômoda era toda de madeira trabalhada. Marina foi até uma porta e viu que era

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um banheiro grande, com banheira, pia espelho até o teto e piso de mármore.

Lola lhe sorriu.

— Gostou?

Marina a abraçou e afastando-a disse.

— Nem que fosse um quartinho eu teria gostado só pelo fato de não estar sozinha naquela casa.

Os olhos de Lola se encheram de lágrimas e ela assentiu.

No jantar Marina não quis comer e chorava deitada na cama apertada ao travesseiro, quando a porta se abriu. Ela se virou para a porta e viu Santino que a olhava com pesar. Marina se endireitou e se sentou. Santino se aproximou dela, e sentou-se ao seu lado e apoiou a bengala na cama. Ele estava tão abatido que Marina o olhava em estado de choque. E num impulso passou os dedos pelo rosto dele, delineando a cicatriz. Sentiu-o enrijecer. Ele lhe segurou a mão. Marina envergonhada baixou os olhos. Ele se afastou um pouco de Marina. Ela sentiu-se a última das criaturas. Não era de admirar que seu cunhado estivesse nervoso e zangado com ela.

Marina sabia que de algum modo Santino se sentia atraído por ela. Mas num momento como aquele, como ele poderia se entregar a paixão que os consumia? A razão dizia para esquecer Santino. Mas o coração de Marina o tempo todo a queria guiar.

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Santino pigarreou.

— Você tem passado bem? — Ele lhe perguntou com voz fraca.

— E você se sente bem? — Ela rebateu.

Santino a olhou surpreso. Ele a fitou intensamente. Passou involuntariamente a mão pela cicatriz do seu rosto.

— Marina, pergunto por causa do bebê?

Marina o olhou triste. Ele só se preocupava com seu filho.

— Estou bem Santino, pode ir dormir sossegado.

Santino nervoso respondeu-lhe.

— Marina não dificulte as coisas.

Ela deu de ombros e fechou os olhos. Ela estava quase se jogando em seus braços.

Como um homem complicado como ele a atraía? Por que não Ricardo, que era um belo homem e se sentia livre para amá-la?

Quando os abriu, viu que Santino a olhava cheio de desejo, mas ele logo desviou seus olhos e agarrando a bengala se levantou. Marina o viu sair.

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CAPÍTULO IX

Dois dias depois Marina foi chamada para estar frente aos advogados para a leitura do testamento. Santino também fora chamado.

Augusto havia deixado para Santino uma carta e um relógio de ouro. Para Marina um colar de pérolas. Então os advogados abriram para eles que Augusto havia perdido tudo em dívidas de jogo e Marina não receberia nada. Marina nem olhou surpresa, pois ela já estava consciente disso. Santino a olhou em choque e com uma intensidade tão grande que Marina queria sumir dali.

Ao voltar para casa, Santino fechou a cara e guiava tão rápido que Marina se sentiu mal.

— Santino dirija mais devagar, assim eu vou passar mal. — Então ele acordou como de um transe e suspirando guiou mais devagar até em casa.

Quando Marina desceu, ele arrastando a perna com rapidez a segurou pelo braço com força. E disse-lhe com um olhar diabólico

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— Vá até a biblioteca. — E a soltou com asco.

Marina se afastou dele sem entender, e entrou lá. Sentou-se no sofá e o esperou. Ele apareceu minutos depois, seu olhar não havia mudado. Ele se dirigiu ao bar e bebeu de um gole só uma dose de uísque. Marina observava-o nervosa e percebeu que as mãos dele tremiam. Quando ele se dirigia a ela a bengala escorregou e o fez levar um tombo. Marina imediatamente se aproximou, mas ele no chão a gelou com o olhar. Ela sentou-se novamente com o coração dilacerado pela rejeição.

Com a cabeça baixa o esperou se levantar e sentar-se ao seu lado. O ouviu praguejar e não resistindo o olhou e o viu se colocando em pé massageando a perna doente.

Ele sentou-se ao lado dela. Seus olhos se encontraram, ele a olhava com o olhar gelado. E com raiva na voz falou-lhe.

— Marina, Eu que pensei que a conhecesse. Hoje vejo como me enganei. Agora eu entendi seu jogo. —Você não passa de uma mulher interesseira. Você sabia o tempo todo que Augusto tinha perdido tudo no jogo. Por isso você o deixou e resistiu tanto para voltar para ele. Depois de modo descarado lançou seu charme para cima de mim e como você não conseguiu nada comigo, investiu no amigo de Augusto.

Marina olhou-o chocada. Ele a gelou mais ainda com o olhar.

— Se é dinheiro que você quer você se casará comigo.

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Marina perplexa abriu a boca e ele a silenciou com o olhar.

— Mas não pense que esse casamento será só no papel. Eu a terei na minha cama. Você terá que viver com um homem como eu. Mas é o preço que você pagará pela sua ambição.

Dizendo isso se levantou, arrastando a perna saiu, deixando-a sós.

Um mês se passou e Marina quase não via Santino. Numa tarde ela sentiu uma grande cólica. Sentou-se com dor e gritou por Lola que apareceu. Olhou sua barriga de cinco meses e meio e fez uma prece por seu bebe.

Santino não estava em casa. Lola, então chamou um taxi e a acompanhou ao hospital.

Um exame de ultrassom acusou que seu bebê estava morto. Marina pálida deixou escorrer uma lágrima silenciosa, sua vida parecia marcada por tragédias, primeiro seu acidente, a morte de Augusto e agora a morte do seu filho.

O médico lhe deu um remédio para provocar o aborto. Quando nasceu seu filho inerte, ela virou o rosto, pois não queria vê-lo morto. Mas mudou na hora de ideia e pediu para vê-lo. Com dor viu que era um menino.

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Ficou sabendo minutos depois que seu filho tinha uma má formação no cérebro, por isso ele não vingou.

Santino chegou uma hora depois e entrou no quarto de Marina. Ele a olhou com dor nos olhos. Marina baixou os olhos e virou o rosto. Não queria vê-lo. Ainda lhe doía no coração o mau juízo que ele havia feito dela.

Ouviu seus passos e fechou os olhos, sentiu o toque de suas mãos em seus cabelos. Ela voltou-se para ele, e seus olhos se encontraram. Ele a olhava com ternura e isso a desarmou completamente e não pode conter as lágrimas. Ele beijou-lhe a testa e pegou-lhe as mãos. Marina estremeceu ao sentir o seu toque.

— Tente descansar. — Ele lhe sussurrou as palavras. Marina assentiu e fechou os olhos. Santino depois de beijar-lhe a testa, puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dela.

Marina quando voltou do hospital evitou Santino o tempo todo. Dois dias depois tomou uma decisão. Não tinha mais nada para prender Santino a ela.

Santino estava na espreguiçadeira de short olhando pensativamente a piscina. Marina o observou e seguiu em sua direção. Quando ele a viu, Marina nervosamente baixou os olhos e sentando-se ao seu lado pensou aflita havia chegado a hora de dizer-lhe que não se casaria com ele. Seu filho não mais existia. Marina levantou os olhos.

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Santino a olhou inquieto. Marina sustentou-lhe o olhar.

— Santino, meu filho já não existe e não há mais nada que o faça se sentir na obrigação de se casar comigo. Eu vou embora. Eu ainda tenho um pouco de dinheiro guardado. Eu estava me virando no chalé, não estava?Eu vou procurar um emprego e tocar minha vida.

Santino empalideceu conforme ouvia as suas palavras. Marina baixou os olhos tristemente.

— Você se casará comigo, com filho ou sem filho. Isso é uma coisa resolvida. Eu te desejo Marina. Você terá tudo, joias, carros, farei todas as suas vontades.

Marina fitou Santino tentando entendê-lo. Mas ele a olhava tão gelidamente que ela desistiu. Ela o amava. Se havia casado com Augusto sem amar. O que a impedia de casar com ele se ela o amava?

Ouviu então ele dizer-lhe.

— Eu já enviei uma carta de demissão para meu emprego na África, já fui convidado a trabalhar aqui em Valença.

Então lhe disse num tom firme.

— Eu só quero uma coisa de você. Tê-la em minha cama. Eu não me iludo com o amor.

Marina apesar de ferida e humilhada pelo comentário abrupto, ela resolveu engolir as palavras impulsivas que lhe vieram aos lábios. Não podia antagonizar-se com Santino quando todo o futuro ao lado dele era o seu maior objetivo, ela o amava e

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estava disposta, a lutar por ele, quebrando todas as barreiras que ele havia erguido.

Um silêncio tenso se prolongou enquanto Marina lutava com suas emoções.

Movida pelo amor que tinha a ele disse-lhe.

— Eu me caso. — Ele a fitou com um olhar indecifrável.

CAPÍTULO X

Marina e Santino casaram-se em uma capela.

Ela vestia um lindo vestido cor de pêssego e ele usava terno italiano de corte impecável. Estavam presentes apenas Lola e alguns primos de Santino que lhe serviram de testemunhas.

Não houve recepção, somente receberam os cumprimentos. Lola estava extremamente emocionada. Ela depois do casamento ia ficar uns tempos fora, para que os dois ficassem as sós na casa.

Logo marido e mulher entravam em casa. Marina desanimada entrou na sala. Viu o marido se aproximar e a ignorando completamente entrou na biblioteca. Marina então foi até o quarto deles, e observou tudo.

O quarto era grande, maior do que o que ela ocupara antes na casa. Era muito bem decorado. A

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cama era enorme. Os lençóis de cetim pareciam um convite para deitar. Marina foi até o banheiro e tirou o vestido, tomou um banho demorado e colocou um roupão branco. Dirigiu-se ao quarto e pegou uma camisola de seda branca e deitou-se na cama, se cobriu com um lençol. Santino abriu a porta e a procurou com os olhos, seus olhos demonstravam claramente um conflito interior. Marina ficou incomodada e ficou tentando entender o que se passava pela mente de Santino. Ele a viu na cama e se dirigiu ao banheiro.

Dez minutos depois ele apareceu só de um calção, com os cabelos molhados pelo banho. Ele em posse da bengala se dirigiu a cama, sentando-se colocou a bengala no chão. O quarto estava todo tomado pelo luar que entrava pela grande porta balcão que estava aberta, e iluminava toda a cama. Marina podia ver as costas enormes do marido sentado, então ele se deitou. Marina ficou na expectativa, cheia de desejos por ele, mas ele ficou deitado de costas para ela quieto. Marina não o entendia e mexeu-se na cama incomodada.

— Marina, pode ficar sossegada, eu não vou tentar nada com você. —Ele avisou ainda de costas para ela.

— Santino. — Sussurrou-lhe o nome. Fazendo ele se virar para ela.

Seu rosto marcado estava iluminado pelo luar. Marina o amava e se achegou a ele abraçando-o beijou-lhe o pescoço enrugado pelas queimaduras. Procuro a boca dele e o beijou, com toda a paixão. Santino soltando-lhe a boca com um gemido beijou-

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lhe o pescoço. Junto ao pescoço dela ele perguntou-lhe com voz abafada

— Você tem certeza?

— Sim, eu te desejo. Sussurrou ela.

Ele com um gemido tirou-lhe a camisola e admirou os seios inchados de desejo, foi à vez de Marina gemer quando Santino os tomou com a boca. Ela se apertou a ele, beijou-lhe o rosto marcado pela cicatriz, sentiu que ele ficou tenso, pois enrijeceu o rosto. Marina insistiu em beijá-lo, queria lhe mostrar que o amava, ele, aos olhos dela, era belo. Marina sentia-se bem nos braços dele. Ali era o lugar dela. Marina correu as mãos pelas costas do marido e o ajudou a tirar o calção.

— Você é linda. — Disse-lhe Santino no ouvido.

Marina puxando-lhe a cabeça, sussurrou-lhe. — Me possua.

Ela estava ardendo de desejo, a respiração acelerada. A excitação chegava a ser insuportável. Queria Santino dentro dela. Imediatamente.

Como se ouvisse seu pedido mudo, ele se colocou em posição, mas não a tocou.

— Não pare! — Marina implorou.

No instante seguinte, ele a segurou pelo quadril e arremeteu com uma impetuosidade que lhe tirou o fôlego. Um grito escapou de seus lábios. Ela procurou se erguer um pouco para abraçá-lo e beijá-lo. Mas Santino a prendeu na cama, e se colocou por

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cima, outra vez, exigindo controle absoluto, penetrando-a cada vez mais fundo e mais rápido.

A tensão explodiu dentro dela, arrancando-lhe um gemido.

Saciados Santino se deitou na cama arfando. Marina o abraçou e disse-lhe olhando o rosto amado do seu marido.

— Eu te amo Santino. Nunca amei Augusto, me esforcei, mas nunca consegui, desde que você entrou em minha vida você fez parte dos meus pensamentos e de meu coração.

Santino sentou-se aflito.

— Eu não entendo. Como é possível?

Ele ergueu o braço e acendeu o abajur e disse-lhe duramente.

— Marina, você já olhou para mim? Eu sou um aleijado. Meu corpo inteiro é marcado.

Marina o abraçou e no seu peito chorou.

— Eu sei, mas eu te amo, amo pelo que você é. Você me atrai você é lindo para mim, amo tudo em você. Nunca me casaria de novo se não o amasse. Aceitei casar com você movida pelo amor.

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Santino ainda não acreditava nela. Ele havia presenciado a atitude de Marina com relação ao amigo de Augusto. E perguntou-lhe.

— E Ricardo?

— Augusto me fez conhecê-lo e praticamente me jogou nos braços dele, ele queria se redimir, pois havia perdido tudo no jogo. Queria morrer tranquilo. Eu implorei, disse-lhe que não queria essa situação, mas ele não me ouviu.

Santino se jogou no travesseiro e as lágrimas inundavam seus olhos negros. Marina deitou no peito dele e ouvia o coração dele bater pesadamente em um ritmo rápido.

— Você acredita no meu amor por você?

— Eu quero acreditar, mas é tão extraordinário que acho que só com o tempo eu me convencerei.

Santino se sentou e a fez sentar-se, seus olhos negros percorriam-na observando-lhe a reação.

— Eu te amo Marina, sempre te amei e sempre a amarei.

Marina lhe sorriu feliz e o abraçou. Procurou os lábios de Santino e o beijou longamente.

— Santino, eu sempre te esperei. No fundo do meu coração eu sei que te esperei. Meu coração estava reservado para você.

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Santino a abraçou e beijou-lhe sofregamente em todo o rosto.

— Marina, é tão bom ouvir isso. Tem muitas coisas que talvez um dia você compreenda ou não. Mas eu não me importo mais, o importante é que você me ama hoje.

Marina o olhou sem entender.

— Tem haver com meu passado?

Santino assentiu. Marina o abraçou. E abraçada a ele perguntou.

— Nós nos conhecíamos antes?

— Não posso te abrir nada Marina. O importante é que nos amamos.

Nos mês que se seguiu Marina ficou nas nuvens. Santino era o homem da sua vida. Foram os dias mais felizes de Marina, ela se alegrava com ele, ela o amava. Santino se mostrou o homem perfeito, carinhoso, dedicado, aprendeu a cozinhar com ele, riam juntos, conversavam sobre o futuro, tinham quase os mesmos gostos.

Santino voltou a trabalhar. Marina ficou com os afazeres da casa. Lola resolveu morar sozinha. Santino contratou Marisa que trabalhava para Augusto, para ajudar-lhe com a casa.

Um dia Marina arrumava umas gavetas e viu a foto de Santino ao lado de Augusto, antes do acidente. Ele sorria, estava lindo com uma calça preta e camiseta branca. Eles estavam de pé em frente da

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casa de Augusto. Achou também uma fita cassete e a colocou no som. Enquanto ouvia a fita encontrou uma carta, a caligrafia era de Augusto endereçado ao irmão. Marina lembrou-se que essa carta fora entregue junto com o relógio no dia da leitura do testamento.

A curiosidade era tanta que acabou lendo.

Santino,

Eu quero te agradecer por todos os momentos felizes que passamos juntos. Você sempre foi meu amigo. Crescemos sempre confiando um no outro. E a maior confiança que você em mim depositou foi ter me colocado nas mãos a vida da sua noiva Marina.

Eu a amei Santino.

Quero que você saiba que você me fez um homem feliz. Fico triste por você não ter podido levar seus planos adiante. Eu sei que você a amava.

Desculpe-me por não ter sido o marido perfeito para ela.

Quero que saiba que ela nunca me amou, o coração dela sempre foi seu, embora ela não se lembre disso.

Esse relógio que separei para você é uma forma de dizer-lhe que, se eu pudesse voltaria o tempo para trás. Se eu pudesse tentaria impedir que seu acidente acontecesse.

Você sempre a mereceu muito mais que eu.

Te amo meu irmão.

Augusto.

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Ela, ainda em choque pela carta, começou a ouvir uma música que tocava na fita que ela havia colocado.

Sua cabeça começou doer. Como um flash Marina se lembrou, suas pernas ficaram bambas, procurou a cama imediatamente, soltou um soluço alto, apertou as mãos no corpo como num abraço.

Essa era a música deles, eles sempre a ouviam em momentos especiais. Ele lhe dizia que era o seu amor declarado a ela em uma música.

Marina lembrou-se de como conheceu Santino.

Foi em um dia de chuva, ela estava saindo distraída do trabalho quando se chocou na calçada com um homem, quando levantou o rosto, viu aqueles olhos negros a olhando intensamente, ele endireitou as costas e sua altura a surpreendeu. Ela não era nada baixa, e ainda estava usando sapatos de salto alto. Mesmo assim precisava erguer os olhos para fitá-lo. Ele a olhava de forma intensa, ela baixou os olhos, pediu desculpas e prosseguiu.

— Espere. —Ela o ouviu dizer.

Marina virou-se para ele.

Ele exibia-lhe um sorriso lindo, seus cabelos negros estavam despenteados pelo vento.

O olhou embevecida para ele.

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— Você deixou cair. — Ela olhou as mãos que ele erguia e lhe mostrava sua echarpe.

— Obrigada.

— Você está indo almoçar? —Sua pergunta soava insegura.

— Sim.

Ele a fitou com ansiedade.

— Você gostaria de me fazer companhia? Eu não gosto muito de comer só.

Marina o observou melhor, viu os ombros largos moldados pelo terno cinza que contrastava com a camisa branca, os olhos intensos, a cabeleira negra ligeiramente despenteada e a boca sensual.

— Sim aceito, eu também gosto de companhia para comer.

Desde então, eles passaram a ligar um para o outro, almoçavam juntos, faziam programas juntos. Eles logo se apaixonaram.

Marina com lágrimas nos olhos lembrou-se do pedido de casamento no restaurante.

Santino foi até a casa dela com um terno italiano preto. Ele estava lindo. Ele lhe dissera que o jantar era especial. Marina havia caprichado no visual, vestiu um vestido preto de chifon e tinha feito um coque alto, fez uma maquiagem leve e finalizou com os brincos de brilhantes que Santino havia lhe dado.

Ao chegar ao restaurante ficou surpresa, não havia ninguém, somente eles. Foram conduzidos a

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uma mesa iluminadas por velas. O jantar fora maravilhoso, os olhos de Santino a olhavam com adoração, Marina também lhe retribuía o olhar o fitando o tempo todo com intensidade. Depois de um momento a música deles começou a tocar. Marina olhou-o emocionada, ele lhe estendeu as mãos e a conduziu a um pequeno espaço que tinha para dançar.

A música o tempo todo falava do amor deles. Marina sabia o significado de cada palavra daquela música.

Someone like you VAN MORRISOM

Por alguém exatamente como você

Tenho viajado ao redor do mundo

Esperando por você chegar

Alguém como você

Faz tudo valer a pena

Alguém como você

Me deixa satisfeito

Alguém exatamente como você

Eu tenho viajado por uma estrada difícil

Baby, procurando alguém exatamente como você

Eu estive carregando minha carga pesada

Esperando pela luz vir brilhando

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Alguém como você

que faz tudo valer a pena

Alguém como você

que me satisfaz

Alguém exatamente como você

Eu tenho pesquisado...

para saber onde você está

Eu subi e desci estradas

Em todos os tipos de terras estrangeiras

Alguém como você

que faz tudo valer a pena

Alguem como você

Me deixa satisfeito

Alguém exatamente como você

Estive ao redor do mundo

Marchando na batida de um diferente tambor

Mas só há pouco percebi

Que o melhor ainda está por vir

Alguém como você

que faz tudo valer a pena

Alguem como você

Me deixa satisfeito

Alguém exatamente como você

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Alguém exatamente como você

Alguém exatamente como você

O melhor ainda está por vir

Ohhhh o melhor ainda está por vir

Alguem exatamente como você

Ele a estreitava em seus braços e ao seu ouvido lhe sussurrava o quanto a amava. Marina na hora havia o afastado emocionada. Eles pararam de dançar e ele tomou-lhe a boca num beijou impetuoso. Ao finalizar a música ele se afastou e tirou uma caixinha do paletó e pediu-a em casamento. Marina se lançou no pescoço dele e o abraçou apertado dizendo-lhe no ouvido “Aceito”.

Eles saíram do restaurante de mãos dadas, felizes.

Marina fechou os olhos e lágrimas desciam do seu rosto com abundância. Era uma linda noite de outono. Santino já a levava para casa quando ela sentiu uma brusca batida no carro deles e horrorizados se viram arrastados. Lembrou-se que Santino na hora abraçou impedindo que ela tivesse um choque muito grande, mas mesmo assim ela bateu a cabeça e acordou no hospital.

Marina triste pensou.

Meu Deus, Santino havia se ferido no rosto tentando protegê-la de um choque violento. Pobre Santino!

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Lembrou-se da agonia de ter acordado no hospital sem memória, o que a aliviava era as visitas de Augusto, que todos os dias, ficava com ela. Augusto a tratava com carinho e admiração, hoje ela sabia que ele havia lhe mentindo que eram noivos, o anel dela confirmava isso. Mas o que ela não sabia era que o homem que ela havia ficado noiva era Santino.

Marina só não entendia o que levou Santino a deixá-la e ter permitido o irmão tomar o lugar dele junto a ela, com toda aquela farsa.

Marina pensava nisso quando a porta do quarto se abriu, o toca fita já havia desligado com o término da fita quando levantou os olhos viu Santino a olhando preocupado ao ver-lhe as lágrimas. Marina se levantou da cama e correu até ele que estendeu um dos braços para abraçá-la, enquanto a outra mão segurava fortemente a bengala.

Marina buscou a sua boca e o beijou apaixonadamente, os motivos que o levaram a separa-se dela não era maior que o amor dela que explodia naquele momento de reconhecimento. Ela amou Santino duas vezes, ele era o homem de sua vida.

Santino a segurou pela cintura e juntos caminharam até a cama. Ele a fez sentar-se e se sentou. Marina secava as lágrimas com as costas das mãos.

— Marina você está chorando! Você está sofrendo por Augusto? — Ele a olhava com dor nos olhos.

— Santino por que você me deixou?

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Santino ergueu as sobrancelhas surpreso e depois de um tempo a abraçou. Ele beijou-lhe os cabelos. Ele chorava, pois seu corpo sacudia levemente.

— Você se lembrou. —Sussurrou-lhe emocionado.

Marina levantou os olhos tristes e viu o rosto marcado do marido, um rosto que já tinha sido tão belo. Ela o amava. Ela levantou-se e ficou em pé e abraçando-o colocou a cabeça de Santino entre seus seios.

— Santino por que você me deixou? —Repetiu a pergunta.

Santino entre seus seios lhe disse com voz abafada.

— Você não se lembrava de mim, eu me sentia uma aberração. Não quis impor-lhe minha presença, não suportaria te ver me olhar com pena ou com nojo. Você havia se apaixonado por um homem normal. Como eu lhe diria que era seu noivo, se eu estava marcado por essa grande cicatriz, aleijado e enrugado por essas queimaduras.

Marina o abraçou forte.

— Eu teria te amado Santino. Você é o homem de minha vida. Você percebeu que você me conquistou por duas vezes? Eu não sou nada sem você. Eu te amo mais que minha própria vida.

Santino chorou entre seus seios.

— Até hoje eu não consigo entender como minha aparência não te dá aversão.

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Marina afastou o marido um pouco e observou-lhe o rosto. Beijou-lhe todo o rosto enquanto falava.

— Você pode não ser bonito para os outros, mas você para mim é o homem mais belo, mais sex que eu conheci em toda a minha vida. — Esse é o olhar do amor, meu marido. E eu te olho e sempre o olharei com esse olhar.

Santino a puxou para si, beijou lhe a boca com paixão. O longo beijo os uniu, ambos excitados com o prazer de estar nos braços um do outro, onde nada mais importava.

FIM

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